Nayara Fernandes de Almeida Cunha OS CORONÉIS E OS OUTROS

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1 Nayara Fernandes de Almeida Cunha OS CORONÉIS E OS OUTROS: Sujeitos, relações de poder e práticas sociais em Feira de Santana (1907-1927). Feira de Santana 2013

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Nayara Fernandes de Almeida Cunha

OS CORONÉIS E OS OUTROS: Sujeitos, relações de poder e práticas sociais em Feira de Santana (1907-1927).

Feira de Santana

2013

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Nayara Fernandes de Almeida Cunha

OS CORONÉIS E OS OUTROS: Sujeitos, relações de poder e práticas sociais em Feira de Santana (1907-1927).

Dissertação apresentada no curso Pós-Graduação em História na Universidade Estadual de Feira de Santana para obtenção do titulo de mestre em História. Orientador: Prof. Dr. Eurelino Teixeira Coelho Neto.

Feira de Santana

2013

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Banca Examinadora

______________________________________________

Prof. Dra. Maria Cecília Velasco e Cruz

Universidade Federal da Bahia

______________________________________________

Prof. Dr. Joaci Cunha

Universidade Estadual de Feira de Santana

______________________________________________

Prof. Dr. Eurelino Teixeira Coelho Neto

Universidade Estadual de Feira de Santana

(Orientador)

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Ficha Catalográfica – Biblioteca Central Julieta Carteado

Cunha, Nayara Fernandes de Almeida C979c Os coronéis e os outros : sujeitos, relações de poder e práticas

sociais em Feira de Santana (1907-1927) / Nayara Fernandes de Almeida Cunha. – Feira de Santana, 2013.

152 f. : il.

Orientador: Eurelino Teixeira Coelho Neto. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Feira de Santana, Programa de Pós-Graduação em História, 2013.

1. História – Feira de Santana, BA. 2. História política – (1907-1927). 3. Eleição. Partidos políticos. I. Coelho Neto, Eurelino Teixeira, orient. II. Universidade Estadual de Feira de Santana. III. Título.

CDU: 981:32(812.22)

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RESUMO

Este trabalho tem por objeto analisar a política nas primeiras décadas do século XX na

cidade de Feira de Santana, mais especificamente de 1907 a 1927. Procuramos entender

as disputas políticas que agitavam o município, apresentando as principais frações de

classe que postulavam a direção da máquina municipal. Nesse sentido, buscamos

apresentar os grupos partidários e as práticas dos sujeitos que os compunham, as

estratégias visando criar legitimidade para as posições defendidas, tendo sempre em

conta os conflitos políticos e econômicos envolvendo estes grupos. Procuramos

entender o cenário eleitoral, os atores que dela participavam ou estavam excluídos,

tentando compreender a relação entre os eleitores e os políticos na cidade. Os jornais

que circularam em Feira de Santana nesse período, os memorialistas, as fontes do

executivo e do legislativo foram às fontes utilizadas.

Palavras- chaves: Feira de Santana; história política (1907-1927); eleições; relações de poder.

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Abstract

This work has as its objective analyze Feira de Santana’s politics in the early decades of

20th century, specifically from 1907 to 1927. We seek to understand the political

disputes that agitated the municipality, presenting the main class fractions that aimed

the direction of the governmental machine. In this spirit, we seek to present the political

organizations and the acts of the individuals who composed it to create legitimacy in the

defended postures, analyzing the political and economical conflicts involving such

groups. We intend to understand the electoral scenario, the parts that took part in it or

were excluded, trying to understand the relation between the voting and the voted. The

newpapers that circulated in Feira de Santana in this period, the memoir, the sources of

the executive and legislative sources were used.

Keywords: Feira de Santana; political history; elections; Power relations.

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LISTA DE ABREVIATURAS

APEB- Arquivo Público do Estado

APMFS- Arquivo Público Municipal de Feira de Santana

CEDOC- Centro de Documentação

IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

MCS- Museu Casa do Sertão

PRB- Partido Republicano da Bahia

PRC- Partido Republicano Conservador

PRD- Partido Republicano Dissidente

PRD- Partido Republicano Democrata

PRF- Partido Republicano Federal

PSD- Partido Social Democrata

UEFS- Universidade Estadual de Feira de Santana

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AGRADECIMENTOS:

Dedico este espaço para agradecer aos que me apoiaram e colaboraram para a

construção deste estudo. Sou muita grata a minha família, que acreditaram e me

ajudaram nessa caminhada. A meu pai que apoiou minhas escolhas e me incentivou a

segui-las e a minha mãe pela compreensão sempre. A minha avó, pelo carinho

incondicional e pelo muitos domingos em que pude descansar e relaxar ao seu lado. Aos

meus tios e primos, em especial, a Tia Lucia, Fernando, Pétala, Isabel e Tâmara, por

estarem sempre ao meu lado.

Talvez as palavras não sejam suficientes para agradecer a Anne e a Miguel por

compartilharem comigo todos os momentos da minha vida, estando ao meu lado e me

apoiando em tudo que precisei. A simples presença de vocês, fez com que tudo se

tornasse mais fácil e tranqüilo. Amo-lhes muito!

Agradeço a CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior, pelo auxílio financeiro que permitiu o desenvolvimento e a conclusão deste

trabalho.

Sou imensamente grata a Diego Carvalho, que considero muito mais que um

amigo, um irmão. Esteve a todos os momentos ao meu lado, desde a elaboração do

projeto, do processo de seleção, até a escrita final deste estudo. Sua generosidade é uma

das tantas qualidades que possui e que me encantam em sua pessoa. MUITO

OBRIGADO por tudo meu mestre Yoda.

Em especial, agradeço a Flávia Amorim (Flavinha), Yolanda Leony (Yole) e

Danilo, que ao longo desses sete anos de amizade dividiram comigo os melhores

momentos. Se não fosse o companheirismo, a solidariedade, a amizade e o apoio, com

certeza não conseguiria chegar ao fim deste trabalho. Agradeço as noites de estudos, as

leituras e sugestões feitas e as muitas cervejas tomadas, amo vocês.

Meus amigos e amigas, com quem tive meus melhores momentos na UEFS e

fora dela. Á Chintamani, Rafael Lins e João Pedro pelo apoio, a leitura cuidadosa e

amizade em todos os momentos. Á Aline Laurindo e Tiago Oliveira, casal vip, que

amo! Á Carolina Costa, André Santana, Luana, Hernandes, Luciane Almeida, Charlene

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Brito e Lívia Gozzer. Obrigada pelas resenhas, jogatina, as partidas de sinuca, pelas

viagens maravilhosas, pelas calorosas confraternizações e pelos momentos de

descontração e de amizade.

Ao meu orientador, Eurelino Teixeira Coelho Neto, em especial, por me aceitar

como sua orientanda e ter a paciência de ler meus textos, já que não faltou “no qual”

para mandar tirar. O admiro muito, não só como professor e também pela pessoa que é,

com um caráter, uma humildade e generosidade enormes. Muito obrigada por tudo.

Aos professores Joaci Cunha e Ana Maria de Carvalho, que se dispuseram na

maior boa vontade a ler e participar da minha qualificação, contribuindo imensamente

para que esse estudo pudesse se realizar. Agradeço muito pela leitura crítica e a

disponibilidade que sempre apresentaram nos espaços que nos encontramos.

Aos professores Elizete da Silva, Emília Silva, Ione Celeste, Rinaldo Leite,

Valter Guimarães e Ricardo Behrens que foram essenciais na minha formação

acadêmica. À Julival Cruz pela paciência e pela solicitude em todos os momentos.

Ao Núcleo de Estudos Feirenses (NEF) e ao Laboratório de História e Memória

das Esquerdas e das Lutas Sociais (Labelu), em especial, a Tamires Assad (Tamy),

Valter Zaqueu, Larissa Penelu, Sérgia, Andrei Valente e a todos pela oportunidade de

socializar e dialogar os passos deste trabalho, pelas discussões, debates e pela amizade

que se estendem além das reuniões.

Não posso deixar de agradecer as amigas: Dani, Lis e Poly. O apoio, a amizade

de vocês e o companheirismo foram essenciais na minha vida, não só nesse momento,

mas em todos em que vocês estavam junto comigo. Sou grata também a todos e todas

que direta ou indiretamente contribuíram para o desenvolvimento deste estudo.

Por último e talvez uma das pessoas mais importante, agradeço a Clóvis

Ramaiana. Meu “tio Clóvis”, aquele que sempre acreditou em mim. Sempre esteve

disposto a me ajudar, até quando eu recusei, ele estava lá. As palavras não são

suficientes para agradecer a esse sertanejo tanquinhense que me deu a mão todas as

vezes que precisei e que é umas das melhores pessoas que conheço. Como disse na

monografia, ressalto mais uma vez que se este trabalho tiver algo de interessante, ele é

dedicado a VOCÊ!

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SUMÁRIO

Introdução........................................................................................................................10

Capítulo I: Conhecendo a Feira de “Sant’Anna”: Classe, imprensa e sociabilidades em Feira de Santana..............................................................................................................17

Feira de Santana: cotidiano e sociabilidade................................................17

As famílias feirenses: patrimônio, riqueza e poder. Uma análise da ordenação socioeconômica em Feira de Santana........................................................... 25

“A classe comercial feirense”: analisando a criação da Guarda Nacional.36

Imprensa local: os periódicos e seu papel na cidade...................................39

Capítulo II: Política e eleições em Feira de Santana na “Primeira República”...............47

Quem participa do jogo político? Uma análise sobre o processo eleitoral na “República Velha” ..........................................................................................................47

Eleições em Feira de Santana: candidatos e eleitores.................................51

Quem são os grupos políticos? Uma análise dos partidos em Feira de Santana ............................................................................................................................59

As eleições de 1907: das disputas as relações de poder .............................64

“Cortem as unhas, tire os viscos”- analisando estratégias políticas............71

O bombardeio de Salvador e a ascensão de Seabra ao poder......................78

A reforma constitucional de 1915: a estratégia de dominação....................84

O retorno do chefe: uma análise do segundo mandato de Seabra...............87

Os percussores do progresso: reformas em Feira de Santana.......................92

Capítulo III: Os herdeiros da política feirense: uma análise de novos sujeitos políticos em Feira de Santana.......................................................................................................101

A chegada de um novo grupo ao poder: a ascensão dos calmonistas....................................................................................................................101

Será que tudo mudou? Os novos sujeitos políticos, os novos cenários econômicos e os partidos na década de 20....................................................................106

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Os herdeiros políticos? As relações entre Arnold Silva e Eduardo Froés da Motta............................................................................................................................. 118

Considerações finais..................................................................................................... 127

Lista de fontes...............................................................................................................130

Referências bibliográficas.............................................................................................133

Anexos...........................................................................................................................138

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INTRODUÇÃO

Todos se lembram- nem dois annos bastam para apagar a lembrança de ignomínias- temos nesse dia que o governo do Estado, tendo lhe faltado apoio dos “homens de bem” dessa circumscripção, amparou com seu prestígio a escumalha política, ganaciosa e trafega, despresada sempre por imprestável, a qual solicita levantou a lançada preferência que elle lhe atribuira pra o conturbenio ascoso da força eleitoral que se projectava e vinha próxima1. (sic).

Foi com esse tom que o jornal Folha do Norte apresentou seus lamentos e

revolta contra o grupo chefiado pelo coronel Abdon Alves, que no momento estava no

poder na intendência da cidade de Feira de Santana, no ano de 1910. A utilização do

jornal pelo grupo chefiado pelo coronel Tito Ruy Bacelar para divulgar suas opiniões

acerca do cotidiano político feirense, mas acima de tudo defender a posição de certos

grupos políticos e de seus projetos, foi uma das estratégias utilizadas por esses sujeitos

na disputa pelo poder político em Feira de Santana na “Primeira República”.

Essa dissertação tem o objetivo de discutir as relações políticas em Feira de

Santana nas três primeiras décadas do século XX, mais especificamente de 1907 a 1927.

Para tal partimos da cisão do Partido Republicano da Bahia (PRB) em 1907 que, no seu

desdobramento, atingiu e possibilitou que grupos políticos da oposição estabelecessem

estratégias para alcançar o poder. Nesse sentido apresentamos quem eram os grupos

políticos partidários e quais eram as práticas utilizadas para criar legitimidade para as

posições defendidas. Nosso enfoque recai sobre o processo eleitoral na “Primeira

República”, os atores que dela participavam ou estavam excluídos, as relações de poder

entre os sujeitos políticos e os instrumentos de disputas dos mesmos. Portanto, a

finalidade deste estudo é uma maior compreensão do processo político em Feira de

Santana nas primeiras décadas do século XX.

O interesse pelo tema da pesquisa nasceu ao decorrer das discussões feitas na

disciplina de História do Brasil III na graduação em Licenciatura em História. Nesta,

discutíamos sobre as relações de poder na “Primeira República”, sobre a permanência

das práticas chamadas “coronelísticas”, sobre as oligarquias, a “política dos

governadores” e sobre as práticas paternalistas. Neste sentido a partir destes debates,

1 Jornal Folha do Norte, 11 de novembro de 1910. P.01: Triste aniversário. MCS.

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passei a questionar como em Feira de Santana se teriam dado tais relações políticas.

Comecei então a buscar nos jornais que circularam na cidade, no início do século XX,

algumas notícias que nos mostrassem como era a política em Feira de Santana e os

envolvidos nela. A partir daí desenvolvi o trabalho monográfico buscando compreender

como os jornais: Folha do Norte e O Município tratavam a política nesse município no

período de 1910 a 19272. Abriu-se posteriormente, então, a perspectiva de ampliar o

estudo e a pesquisa sobre a política e as relações de poder.

O recorte temporal escolhido são os anos de 1907 a 1927. O marco inicial se dá

pela já mencionada cisão do PRB, que nos possibilitou uma rica análise das disputas dos

grupos políticos partidários em Feira de Santana. Em 1927 encerra a gestão do coronel

Arnold Ferreira da Silva, que foi o último coronel a assumir o poder antes do golpe de

Getúlio Vargas. Esse novo momento trouxe alguns desdobramentos e mudanças para o

país.

No decorrer do trabalho nos debruçamos sobre o cenário político local, que vai

desde as disputas políticas às relações de poder, como apadrinhamentos e paternalismo,

até os partidos políticos e os grupos que deles participavam. Acreditamos que

contribuímos para a compreensão da história política, que entendemos ser um campo

fundamental da pesquisa histórica. Pensamos a política não como algo descolado ou um

setor separado da sociedade, mas sim como um espaço de prática social. Partilhamos

das concepções de Mendonça, para quem:

A história política esta inscrita em uma perspectiva global onde o político é um ponto de condensação, um ponto para o qual conflui a maior parte das atividades, constituindo-se numa das expressões mais altas da identidade coletiva3.

Nosso trabalho está assim filiado à história política, no qual busca a clarificação

dos processos sociais em que as relações de poder estão entrelaçadas neste contexto

histórico. Esta dissertação compreende as relações políticas estabelecidas em Feira de

Santana, fazendo suas interlocuções com a política na Bahia e no Brasil.

2 CUNHA, Nayara Fernandes de Almeida. D’ O Município ao Folha do Norte: representações de poder

na imprensa em Feira de Santana. Monografia: UEFS, Feira de Santana, 2010. 3 MENDONÇA, Sônia Regina. Agricultura, Poder e Estado no Brasil: um projeto contra hegemônico na Primeira República. In: Nação e Poder: as dimensões da história. 1998, p.94.

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Muitos trabalhos historiográficos foram produzidos versando sobre Feira de

Santana. Várias temáticas foram abordadas, como: urbanização, conflitos no campo,

modernização urbana, diversões e lazer, política, relações de gênero e trabalhadores4.

Mas nenhum se debruçou especificamente sobre a política nessa cidade nas três

primeiras décadas do século XX. Pretendemos contribuir para iluminar esse período da

história de Feira de Santana.

Para analisar essas práticas políticas e desvendar essas relações de poder,

utilizamos diversificadas fontes de pesquisa. Os jornais que circularam em Feira de

Santana no período estão entre as mais importantes. Os jornais eram instrumentos de

combate, utilizados para a fixação e explicitação dos posicionamentos adotados.

Procuramos neles os momentos de síntese, a formulação dos posicionamentos a partir

de determinadas falas. Foram consultados: o Jornal Folha do Norte, que foi fundado em

1909 e tinha forte influência na vida da sociedade feirense, circulando até hoje na

cidade, ao mesmo tempo, em que os nossos sujeitos históricos tinham e mantinham

fortes relações com os editores deste; e os jornais: O Município (1908-1911), O

Propulsor (1906-1908), O Republicano (1912) e O Progresso (1900- 1908). Estes não

circularam por muito tempo, mas também tinham relevantes vinculações políticas.

As fontes produzidas pelo Executivo e Legislativo foram fundamentais para

análise dos acordos políticos e também para perceber o cenário político de Feira de

Santana no período. Foram as atas de reuniões, os discursos das sessões solenes, os

relatórios administrativos, atas de reunião do conselho municipal e dos presidentes deste

4 Alguns trabalhos são: DAMASCENO, Karine Teixeira. Mal ou bem procedidas: cotidiano e

transgressão das regras sociais e jurídicas em Feira de Santana, 1890-1920. Dissertação em História, UNICAMP, 2011. FREIRE, Luiz Cleber Moraes. Nem tanto mar, nem tanta à terra: Agropecuária, escravidão e riqueza em Feira de Santana, 1850-1888. Feira de Santana: UEFS editora, 2011. OLIVEIRA Clovis Frederico Ramaiana Moraes. Do empório a Princesa do Sertão: utopias civilizadoras em Feira de Santana (1893-1937). Dissertação, Salvador: UFBA, 2000. SANTOS, Aline Aguiar Cerqueira dos. Diversões e civilidade na “Princesa do Sertão”. (1919-1946)- Feira de Santana. Dissertação em História. UEFS: Feira de Santana, 2012. SILVA, Aldo José Moraes. Natureza sã, civilidade e comércio em Feira de Santana: elementos para o estudo da construção de identidade social no interior da Bahia (1833-1937). UFBA: Salvador, 2000. SILVA, Mayara Pláscido. Experiências de trabalhadores/as pobres em Feira de Santana (1890-1930). Dissertação em História, UEFS, Feira de Santana: 2012.

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conselho, balancetes de despesas da cidade e registros do imposto da décima urbana,

que nos permitiram uma maior aproximação deste cenário.

Também nos valemos dos relatos dos memorialistas, pois estes nos deram uma

visão do período, apresentando as suas impressões e suas representações da sociedade

em que viveram. Eurico Alves Boaventura, por exemplo, escreveu muitos poemas,

artigos e a obra Fidalgos e Vaqueiros, que nos permitiu um olhar de quem viveu e

conviveu com os homens mais abastados de Feira de Santana. Sua visão dessa cidade

era marcada pela nostalgia e pelo saudosismo de um lugar já transformado em virtude

da urbanização que havia destruído as principais características da cidade, como a feira

local e a importância do vaqueiro como elemento do município.

Os inventários, testamentos e processos-crimes presentes no Centro de

Documentação (CEDOC) dos políticos e de seus familiares foram fundamentais para

compreender quem eram esses sujeitos, ajudando a mapear seus patrimônios, seus

vínculos com instituições sociais, suas atividades econômicas e suas relações familiares.

Analisamos a ação e atuação desses sujeitos não só no âmbito político como também no

âmbito econômico, social e cultural (as suas relações com instituições tais como

filarmônicas, clubes, igrejas e montepios). Enfim, são peças importantes para

compreender as especificidades dos sujeitos políticos e perceber suas relações com a

sociedade.

A estrutura da nossa dissertação é a seguinte: o primeiro dos três capítulos teve a

finalidade de apresentar a cidade no início do século XX, percebendo como era formada

e as mudanças que ocorreram com a proclamação da República. Além disso, mapeamos

os principais sujeitos políticos e suas famílias, traçando o perfil socioeconômico,

procurando observar seus patrimônios, suas atividades econômicas até suas relações

sociais e suas articulações políticas. O intuito foi perceber o panorama social e

econômico da cidade, apresentando o ambiente histórico dos políticos, personagens da

história que vamos acompanhar. Por fim fizemos uma análise da criação dos jornais em

Feira de Santana, entendendo que os periódicos são armas políticas de auto-afirmação

dos governos municipais, de acusação dos seus opositores, um espaço de disputa interna

e externa.

O segundo capítulo tem o objetivo de analisar o cenário eleitoral em Feira de

Santana entre 1907 e 1927. Para tanto ampliamos o estudo relacionando o mesmo

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período na cidade com as configurações eleitorais nacionais e estaduais. Levamos em

consideração o modo como foram conformadas as eleições, os partidos e seus

candidatos, até os eleitores e os que estão excluídos desse processo. Fazemos uma

discussão do que estava acontecendo na política estadual, em especial, entre os anos que

estendem o poder concentrado nas mãos de J.J Seabra e seus correligionários (1912-

1923). O intuito foi analisar o cenário estadual, relacionando-o com a cidade de Feira de

Santana, percebendo como as cartas políticas mudavam de mãos, num cenário político

em que as relações de dependência e as trocas de favores eram de grande valor no

tabuleiro do poder.

Debruçamo-nos, também sobre a reforma constitucional feita por Seabra em

1915 e o seu controle sobre os chefes municipais, em especial, o controle do PRB em

Feira de Santana, a posição oposicionistas e os reflexos da revolta sertanejas sobre o

cenário da política estadual. Focamos também nas relações dos coronéis Agostinho

Froés da Motta e Bernardino Bahia na cidade, eles que compartilhavam de idéias

modernizantes e progressivas para Feira de Santana, buscando uma remodelação da

mesma em suas gestões.

O terceiro capítulo analisou o cenário político feirense e estadual na década de

20 do século XX. Analisamos como as figuras de Arnold Ferreira da Silva e Eduardo

Froés da Mota se inseriram nesse cenário, ganhando terreno para fortalecer e fincar suas

carreiras políticas no contexto político e social da Bahia, que nesse período é marcada

pela ascensão do bloco calmonista no poder executivo estadual. Pretendemos

compreender o processo político como um todo não esquecendo de analisar os que

fazem parte do jogo político como os eleitores. Objetivamos estudar as relações de

poder na década de 20, percebendo como os grupos em disputa se mantiveram,

analisando a entrada de novos sujeitos políticos em cena, como a figura de Arnold

Ferreira da Silva, avaliando o papel desse sujeito nesse cenário. Procuramos, de forma

mais refinada, apurar as analises, com o estudo do poder e da política e as novas formas

de fazer política de Arnold Silva e Eduardo Fróes da Mota.

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CONHECENDO A “FEIRA DE SANT’ANNA”: CLASSE, IMPRENSA E SOCIABILIDADES EM FEIRA DE SANTANA.

É que, postada no limiar do sertão bahiano, tão se fôra destemerosa vedeta do progressismo, a Feira tem consciência da missão que lhe incumbe no momento, por seus foraes, suas tradições, sua adeantada cultura mental, suas possibilidades econômicas e até pela própria situação geográfica5. (sic) Tão boa era minha cidade sem cabelos brancos6.

1.1 Feira de Santana: cotidiano e sociabilidades.

Feira de Santana não é só balança de gado, nem roça de algodão, nem

trapiche de fumo. Nem é só a Mesa de Rendas. Feira de Santana é mais que

tudo isso7.

Detemo-nos a entender Feira de Santana nas primeiras décadas do século XX, logo

percebendo a dinâmica das relações urbanas e rurais, os serviços públicos, as

sociabilidades e cotidiano dessa cidade. Traçamos um panorama desse município, em

especial da sua sede principal, a cidade de Feira de Santana8. Com a implantação do

regime republicano as cidades brasileiras passaram por mudanças estruturais e sociais

que buscavam se adequar às novas “modernidades”. Circulavam discursos de progresso

e civilidade no país, que havia saído recentemente do regime escravocrata e do império,

em que se rejeitaram os antigos traços coloniais e se buscou inspiração nos países

europeus, sendo esse período caracterizado como belle époque 9.

5 Jornal Folha do Norte, 3 de outubro de 1925, MCS.

6 BOAVENTURA, Eurico Alves. A paisagem urbana e o homem: memórias de Feira de Santana. Feira

de Santana: UEFS Editora, 2006. 7 Idem, p.103. 8 Além da sede, havia os distritos de: São José das Itapororocas, Gameleira, Almas, Bom Despacho, Bonfim de Feira, Santa Bárbara, Tanquinho. 9 Para saber mais sobre a Belle Époque ver CHALLHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o

cotidiano dos trabalhadores pobres no Rio de Janeiro da belle époque. Companhia das Letras, 2002. SEVECENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. Companhia das Letras, São Paulo: 2003. RAGO, Luzia Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar: Brasil 1890-1930. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.

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Nos vários modos de viver este influxo, houve por muitas vezes relações

conflituosas entre os grupos dirigentes e os populares, em especial, sobre as novas

normas estabelecidas e a repressão a alguns hábitos e costumes dos sujeitos. Feira de

Santana não fugiu à lógica republicana, porém teve sua própria dinâmica e

peculiaridades nesse contexto. Assim o grupo dominante buscou adotar medidas para

adequar o município a um determinado modelo de civilidade.

Situada a 109 km de Salvador atualmente, Feira de Santana sempre foi conhecida

pelo seu entroncamento comercial, por estar situada entre a capital do estado e o interior

baiano, ressaltada por Luiz Cleber Freire enquanto uma cidade que ficava em local

estratégico, logo “nem tanto mar e nem tanto à terra”10. Lugar de passagem dos

tropeiros, que faziam o transporte do gado, essa cidade cresceu e se desenvolveu em

torno da feira que ocorria todas as segundas feiras, considerada a mais importante feira

semanal da região. Ao estudar as fazendas de gado, o trabalho escravo e a riqueza

gerada dessa relação no espaço da comarca de Feira de Santana no período de 1850 a

1888, Freire destacou que:

Embora existissem outras produções que movimentavam a economia local como a do fumo, do algodão, mandioca e açúcar, foi o comércio de gado que proporcionou a formação de uma elite econômica de fazendeiros em Feira de Santana11.

Esse autor afirmou que o povoamento da região de Feira de Santana se deu através

da ocupação de suas terras pelas fazendas de gado instaladas desde o século XVII12. Foi,

portanto, em volta das fazendas e da criação de gado que muitos sujeitos fizeram

fortuna e consolidaram sua posição social dominante no cenário rural e urbano. Essa

atividade foi também responsável por acentuar o grau de desigualdade sócio-econômica

da região, já que as terras foram ocupadas por uma minoria. Para além do comércio do

gado, atividades econômicas como a produção de fumo e de várias culturas agrícolas

como tabaco, algodão e mandioca também fizeram parte da dinâmica econômica em

Feira de Santana, embora a carne ocupasse de lugar de destaque. “A venda de carne

verde, do gado vivo e de seus derivados impulsionou e consolidou o comércio feirense

10 FREIRE, Luiz Cleber Moraes. Nem tanto mar, nem tanta à terra: Agropecuária, escravidão e riqueza em Feira de Santana, 1850-1888. Feira de Santana: UEFS editora, 2011. 11 Idem, p. 197. 12 Idem, p. 201.

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desde meados do século XIX até quase metade do século XX” 13. Além disso, Freire

destacou o sucesso do desenvolvimento da cidade por essa estar em posição estratégica,

servida das águas dos rios Jacuípe e Pojuca, que matavam a sede dos gados que vinham

pelas estradas e por que era uma das poucas estradas que dava acesso do Sertão à capital

do Estado14.

A feira semanal atraia um grande contingente populacional das cidades

circunvizinhas. Unia dois espaços: a venda de gado e a feira livre, onde se

comercializava diversos produtos. Pequenos e grandes comerciantes, roceiros,

lavradores e lavradoras que vinham vender ou trocar seus excedentes; migrantes,

trabalhadores informais; bares, restaurantes e hotéis estavam dentro da dinâmica e da

movimentação que a feira das segundas trazia a Feira de Santana. Assim a feira livre e

O Campo do Gado (onde era comercializado o gado) eram espaços principais em que

eram realizadas as principais atividades econômicas,

Comumente, pessoas que vinham comercializar seus animais no Campo do Gado realizavam suas compras na Feira Livre, bem como o movimento reverso também se confirmava, fazendo com que as duas estruturas se interligassem e resguardassem todo o centro da cidade para a realização de suas atividades15.

Para além de tecer as relações econômicas, a segunda feira possibilitava um maior

contato e relações sociais aos moradores dessa sede, dos seus distritos e dos que aqui

chegavam, sendo essencial para seu desenvolvimento econômico e social. Também

Aldo Silva, ao discutir a construção de um ideal de cidade saudável em Feira de Santana

e seu posterior esvaziamento junto à população entre 1893 a 1937, salientou que o

processo de crescimento de Feira de Santana foi fundamentado pela condição de

entreposto que a cidade adquiriu, primeiro para o comércio de gado e depois, também,

de mercadorias e viajantes entre o litoral e o sertão16.

13LAURINDO, Aline. A nova ordem republicana em Feira de Santana e a família Fróes da Motta (1878-1922). Monografia em história, UEFS: 2012. P. 20. 14

FREIRE, Luiz Cleber Moraes. Nem tanto mar, nem tanta à terra: Agropecuária, escravidão e riqueza em Feira de Santana, 1850-1888. Feira de Santana: UEFS editora, 2011. P. 23. 15 Idem, p. 31. 16 SILVA, Aldo José. Natureza Sá, civilidade e comércio em Feira de Santana: elementos para o estudo da construção de identidade social no interior da Bahia (1833-1937). Dissertação, UFBA, Salvador: 200. P. 22.

Page 20: Nayara Fernandes de Almeida Cunha OS CORONÉIS E OS OUTROS

20

Nas primeiras décadas do século XX, a classe dominante buscou propagar um

discurso de civilidade e criticar tudo que fosse considerado contrário a este. Jogatina,

vadiagem, arruaças, práticas religiosas que não fossem da religião católica, foram

rechaçados e criticados duramente nas páginas dos jornais que circularam em Feira de

Santana. Em 1893, foi criado o código de posturas em que se buscou ditar as regras de

conduta dos habitantes dessa cidade17. Os vagabundos, malandros, vadios eram

criticados, em especial, pela ociosidade em um contexto em que se defendia uma

sociedade voltada ao trabalho.

Os discursos de civilidade e progresso estavam atrelados ao desejo de mudança, de

se enquadrar aos novos modelos defendidos pelos grupos dominantes. A cidade e sua

estrutura física seriam o principal alvo desse discurso. Buscou-se propagar discursos

que defendiam a reforma urbana nas cidades e Feira de Santana não fugiu a essa lógica.

Analisando a euforia em busca do progresso nessa cidade, Eronize Souza destacou que:

A propaganda de intervenção pública visando melhoramentos urbanos chegava a essa cidade trazida pelos dirigentes locais que se apropriavam dos discursos da modernidade- influenciados por viagens feitas para a capital federal e estadual e em alguns casos até mesmo para a Europa, onde essas transformações já estavam em curso. As imagens do período- a exemplo de fotografia, cartões postais e livros- trazidas por representantes destes segmentos para presentear aos amigos e familiares que ficavam, constituíam-se em outro instrumento de apropriação e disseminações desses discursos18.

As capitais e a Europa foram a base e modelo para as reformas urbanas. Souza

salientou que em Feira de Santana a remodelação da área urbana veio através dos

dirigentes locais. Para construir novos prédios, alargar ruas e construir praças foi preciso

destruir os casebres e casas que “enfeiavam” essa cidade. Encontramos diversas atas do

Conselho Municipal em que houve discussões acerca de desapropriações e demolições.

Também nos jornais notícias vinculadas a esses atos. Vejamos,

17

Não achamos o código de posturas em si, porém achamos fragmentos deste noticiados nos jornais. Por exemplo, na notícia de 12 de fevereiro de 1922 diz que: “o artigo 12 do nosso código de posturas reza assim: deixar animaes soltos nas ruas e praças, conduzi-los por cima dos passeios ou amarra-los as portas ou arvores- Pena 3$000 de multa ou um dia de prisão. Chama se para elle a atenção dos srs. Ficaes” (sic). Folha do Norte, 12/02/1922, Com os fiscaes. 18SOUZA, Eronize Lima. Prosas da valentia: violência e modernidade na Princesa do Sertão (1930-1950). Salvador: UFBA, dissertação em história, 2008. P.15.

Page 21: Nayara Fernandes de Almeida Cunha OS CORONÉIS E OS OUTROS

21

Louvamos a ação benéfica de s.exa., e fazemos votos que leve de vencida a demolição dos outros casebres e dos situados a praça General Argolo, também incluídos na mesma lei, todos os quaes tanto afeiam a nossa bela cidade19. (sic)

Trataremos mais especificamente das desapropriações no próximo capítulo. Por

ora salientamos que houve discursos que buscaram tornar essas demolições como algo

necessário ao desenvolvimento da cidade. Mas para quem foram necessárias essas

desapropriações? Em que espaços elas foram feitas? Para entendermos e buscarmos

responder tais questões deixamos claro, que compreendemos que o processo

civilizatório por que passam as cidades tem como mecanismo responsável a classe

dirigente e, portanto, o grupo que estava operando o poder.

Como já dito a feira semanal ocorria às segundas feiras e era o dia mais

movimentado no município. Vinham de toda parte tropeiros para negociar e comprar

gado. Devido à grande movimentação e a importância da venda do gado no Campo do

Gado, no ano de 1927, a Intendência Municipal decretou que todo ano ocorreria na

cidade uma exposição de gado como forma de incentivo à pecuária. Os jornais

defendiam que essa exposição era necessária, pois “a indústria pastoril na Feira, que se

não descura de aperfeiçoá-la mesmo por que constitui uma de suas principais, senão a

primordial e mais farta riqueza publica” 20. A partir de então todo ano passou a ocorrer a

semana de exposição de gado.

Sobre a divisão física da urbe feirense, Clóvis Oliveira em seu artigo sobre o

poeta Eurico Alves e a urbanização em Feira de Santana, retrata esta cidade no inicio do

século XX:

Essa urbe tinha suas ruas, encurvadas na sua maioria, seguindo o sentido Sul/Norte, como se fossem estradas que ligassem a sua Igreja da Matriz (sul) à feira de gado (norte) e dessem à pequena urbe os dois sintagmas que lhe conferiam o nome, Feira de Santana. Mas, não só isto, no meio da viagem entre a catedral e o Campo do Gado, havia duas Praças largas e contíguas, uma com nome do “Comércio”, a outra de João Pedreira. Nas duas era realizada a feira livre. Limitada ao oeste pela Rua Direita e ao leste por uma pequena Igreja dedicada a Senhor dos Passos, a feira dos produtos gerais parecia repetir o

19

Jornal Folha do norte, 11 de abril de 1915. Demolições, MCS. 20 Jornal Folha do Norte, 19 de junho de 1926. A utilidade das exposições de gado. MCS.

Page 22: Nayara Fernandes de Almeida Cunha OS CORONÉIS E OS OUTROS

22

equilíbrio entre negócios e fé, que estava indicado no nome do pequeno lugar21.

Como destacou esse autor, a feira semanal e o culto a Senhora Santana (sua

padroeira) foram base e referência para o nome que leva essa cidade. A área urbana

desse município se desenvolveu tendo como baluarte dois pontos cardeais principais: a

Igreja da Matriz que ficava ao sul e a feira de gado ao norte. A sede principal de Feira

de Santana nas primeiras décadas do século XX era dividida entre becos, pequenas ruas

e as ruas principais. Entre suas ruas, três eram as grandes artérias dessa cidade: a rua

direita, a rua do meio e a Senhor dos Passos. A Rua Direita22 era onde ficavam as

principais casas comerciais da cidade, bem como as sedes das filarmônicas, da Escola

Normal23, da Companhia de Melhoramentos e o cine teatro Santana. A Rua do Meio era

onde moravam os principais comerciantes, proprietários e pecuaristas da cidade. E a

Rua Senhor dos Passos era a mais movimentada pela feira local 24. Ligando as ruas da

cidade, os becos eram também importantes. Mayara Pláscido Silva destaca que:

Em Feira de Santana, os becos, situados entre as ruas centrais da cidade, eram espaços de moradia e trabalho para a população mais pobre, bem como para realizar atividades consideradas ilícitas e imorais para os valores higiênicos e moralistas da República25.

A maioria dos que habitavam estes becos eram trabalhadores e trabalhadoras

pobres, que por muitas vezes moravam em pequenas casas que dividiam com familiares

ou outras pessoas, quando não podiam despender os custos de moradia sozinhos.

Desenvolviam ali atividades comerciais, em busca de seu sustento, e também, eram

espaços de sociabilidade entre os moradores. Como ligavam as ruas centrais da cidade,

os becos ficavam perto do centro e, conseqüentemente do movimento das suas

principais atividades. Os que moravam nos becos faziam assim parte significativa da

população feirense “que contribuía para consolidação da cidade de Feira de Santana

21OLIVEIRA, Clóvis Ramaiana Moraes. Ruas retas, lugares esquecidos: Eurico Alves e a urbanização em Feira de Santana (1920-1932). IN: BOAVENTURA/ Aldo José Morais Silva (org). História, poesia e sertão: explorando a obra de Eurico Alves. Feira de Santana: UEFS editora, 2010. P. 77. 22 Atual Conselheiro Franco. 23 Atual Centro de Cultura e Arte (CUCA). Esse prédio foi inaugurado em 1927. 24 DAMASCENO, Karine Teixeira. Mal ou bem procedidas: cotidiano e transgressão das regras sociais e jurídicas em Feira de Santana, 1890-1920. Dissertação, UNICAMP, São Paulo: 2011. P. 31. 25SILVA, Mayara Pláscido. Experiências de trabalhadores/as pobres em Feira de Santana (1890-1930). Dissertação em História, UEFS, Feira de Santana: 2012. P. 25.

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23

enquanto um entroncamento social fundamental para o transporte, comércio e

movimentação de mercadorias” 26.

Além dos becos e das ruas centrais de Feira de Santana, havia ainda os

subúrbios, que eram os lugares mais afastados do centro27. Como nos becos, os

subúrbios eram habitados em Feira de Santana por uma população pobre e

marcadamente negra. Alto do Cruzeiro, Calumbi, Sobradinho, Mochila, Mangabeira,

Baraúnas, Queimadinha e Tanque da Nação eram exemplos de lugares que eram

considerados subúrbio em Feira de Santana28. Para lá se dirigiu boa parte da população

que, por conta das desapropriações e demolições teve que deixar para trás as casas e

casebres em que residiam. Era também uma alternativa para os migrantes que vinham

em busca de novas oportunidades na sede central do município.

Rollie Poppino analisando o desenvolvimento de Feira de Santana entre 1860 e

1950, destacou que houve no início do século XX uma expansão das obras e dos

serviços públicos na cidade, em especial, por parte da intendência, que, segundo este

autor, exigiu maior número de lugares administrativos29. Foram criados novos cargos

dirigidos aos serviços públicos municipais, como por exemplo: os de professores

primários, de administrador do matadouro municipal ou do mercado, bibliotecário,

secretário do intendente, agentes fiscais (os que recolhiam os impostos da cidade) e de

engenheiro. Poppino também destacou que, além da força policial municipal, foi criada

em 1913 a Guarda Noturna Comercial, “organizada pelos principais negociantes de

Feira de Santana para combater a incidência crescente dos roubos nas casas comerciais

da cidade” 30. A Guarda Noturna Comercial permaneceu ativa até o ano de 1930. Os

comerciantes reuniam-se e organizaram sua própria guarda a fim de resguardar suas

propriedades, ou seja, seus interesses econômicos. Mais à frente, analisamos um pouco

mais a criação dessa Guarda Noturna.

Além da divisão da área física da cidade, outros espaços devem ser

considerados, como os de sociabilidades. Espaços como o Cine teatro Santana, as

26

SILVA, Mayara Pláscido. Experiências de trabalhadores/as pobres em Feira de Santana (1890-1930). Dissertação em História, UEFS, Feira de Santana: 2012. P. 93. 27

DAMASCENO, Karine Teixeira. Mal ou bem procedidas: cotidiano e transgressão das regras sociais e jurídicas em Feira de Santana, 1890-1920. Dissertação em História, UNICAMP, 2011, p.19. 28

SILVA, Mayara Pláscido. Experiências de trabalhadores/as pobres em Feira de Santana (1890-1930). Dissertação em História, UEFS, Feira de Santana: 2012. P. 93. 29 POPPINO, Rolie. Feira de Santana. Editora Itapuã, 1968. P. 136. 30

Idem. P. 136.

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24

filarmônicas, as festas religiosas, os clubes e os grupos literários faziam parte da rotina e

do lazer dos feirenses.

Um dos principais espaços de lazer era o cine teatro Santana, que foi fundado em

1919, resultado da fusão do cinema Vitória com teatro Santana. Aline Aguiar, em seu

estudo, se debruçou sobre as diversões na urbe feirense entre os anos de 1919 a 1946,

analisando em especial as diversões que dialogavam com a lógica do “progresso

proposta para urbe como um projeto político de seus dirigentes, idealizando-a como

uma cidade princesa” 31. Esta autora destacou que, com a fusão, o cine teatro Santana,

passou a ser o principal centro de diversão da urbe, sendo um dos espaços mais

valorizados e freqüentados pelos abastados de Feira de Santana. A partir de então além

do teatro, havia a novidade do cinema, mais um símbolo do progresso que chegava a

essa cidade. Evidencia que este também definia os espaços sociais, já que boa parte dos

lugares estava vinculada a diferentes valores econômicos, privilegiando aqueles que

podiam pagar e tornando mais evidente a segregação social.

Um dos espaços mais antigos de que boa parte do grupo dirigente participava e

que estava presente em todos os eventos da cidade eram as filarmônicas. Estas eram

“agremiações musicais, compostas geralmente por um regente e mais ou menos 40

músicos, além dos associados e seus demais familiares” 32. Três filarmônicas foram

destaque na cidade: A Sociedade Filarmônica Vitória e A Sociedade Filarmônica 25 de

Março que foram fundadas no século XIX e A Sociedade Filarmônica Euterpe Feirense

fundada na década de 20 do século XX(a única que ainda existe na cidade). Estas

filarmônicas estiveram presentes nos festejos e diversões em Feira de Santana, além das

participações nos desfiles cívicos, das inaugurações de obras públicas, nas recepções de

figuras ilustres, como de políticos e intelectuais33. Boa parte dos sujeitos políticos e

abastados dessa cidade participavam dessas sociedades. Aguiar também destacou que

essas filarmônicas:

Eram instituições sinônimos de poder, e como tal, eram elementos de inserção e delimitação de espaços simbólicos de seus respectivos grupos no cotidiano da sociedade e nos momentos de afirmação da identidade feirense34.

31SANTOS, Aline Aguiar Cerqueira dos. Diversões e civilidade na “Princesa do Sertão”. (1919-1946)- Feira de Santana. Dissertação em História. UEFS: Feira de Santana, 2012. P.50. 32 Idem, p.52. 33 Idem, p. 54. 34 Idem, p.54.

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25

Eram instituições sinônimos de poder, por que, no plano das significações,

participar e ocupar os principais cargos dentro destas sociedades conferia destaque e

poder aos sujeitos, além desses serem espaços que possibilitavam trocas de

sociabilidades e em que se teciam e se estabeleciam as relações de poder. Além das

filarmônicas, as sociedades de caridade como o Asilo Nossa Senhora de Lourdes, A

Santa Casa de Misericórdia e A Monte Pio dos Artistas Feirenses também envolviam as

principais figuras políticas e econômicas e suas famílias. Estar à frente de instituições

que visassem o bem social, a caridade, era mais uma estratégia de que os grupos

dirigentes se utilizavam para o convencimento e para se manter enquanto direcionadores

da sociedade. Sobre A Santa Casa de Misericórdia, por exemplo, Elizete Silva observou

que:

A irmandade da misericórdia, fundada em 1859, contava com a Santa Casa e o Cemitério Piedade. Segundo o poeta feirense (Eurico Alves Boaventura), era um reduto aristocrático dos nomes mais imponentes da região. Ser irmão da Santa Casa aqui também era título de escol, afirmação do alto nível social do eleito, garantido pelo seu balandrau preto. Segundo Cerqueira, assinaram o primeiro compromisso médicos, coronéis e padres, ‘todos de formação cristã’.35

Fica evidente que desde os finais do século XIX participar como membro de

entidades filantrópicas, de comissões de festas religiosas e das filarmônicas trazia

prestígio, envolvia o simbolismo de que estar associado pertenceria ao “seleto grupo

feirense” e era um espaço que possibilitava as relações sociais. Além das filarmônicas,

uma das opções de lazer esteve ligada à religião católica, como as festas religiosas

(Festa de Santana, São João, São Pedro, entre outras). Boa parte do grupo dominante

participava e organizava essas festas e, em especial, a principal, a festa de Nossa

Senhora Santana mexia com toda sociedade feirense sendo a maior celebração religiosa

da cidade.

Era esse o cenário social, físico e econômico que compunha a cidade de Feira de

Santana no início do século XX. Como Freire ressaltou foi, em especial, pela pecuária e

35 SILVA. Aldo José Moraes (org). História, Poesia e Sertão: Diálogo com Eurico Alves Boaventura. In. Silva, Elizete da. O campo religioso feirense: um olhar poético, p. 132. Feira de Santana, UEFS Editora, 2010.

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26

pelas primeiras fazendas de gado que os homens mais ricos da cidade fizeram suas

fortunas e é sobre esses sujeitos e suas famílias que vamos discorrer abaixo.

1.2 As famílias feirenses: patrimônio, riqueza e poder. Uma análise da ordenação

socioeconômica de Feira de Santana.

Como o título deste tópico informa, nos propomos aqui a analisar quem são as

famílias abastadas de Feira de Santana, no período abarcado pela pesquisa. Assim

observamos seus patrimônios, suas atividades econômicas, ramos comerciais a que

estavam ligados, de que associações sociais participavam ou com que tiveram alguma

relação. Essa análise foi importante para entendermos melhor qual era o cenário

socioeconômico da cidade, já que compreendemos que os sujeitos políticos não devem

ser pensados separados da sociedade, posto que a todo tempo estão estabelecendo suas

visões de mundo, se relacionando com as diversas esferas da sociedade.

Em suas memórias, Eurico Alves de Boaventura nos informa quais eram, nas

primeiras décadas do século XX, os “pontos cardeais” da cidade de Feira de Santana:

Até que a Era getuliana acabou de degradar o nosso mil réis. Seu Bernardino Bahia, Seu Agostinho, Seu Epifânio, Seu Zé Alves Franco, D. Madalena (mãe de Adalberto), Quintiliano, o Moço, João Ourives eram as pessoas que dispunham, então, à mão de cem contos a mais. Eram os pontos cardeais da abastança na cidade36.

Como citou Boaventura, existiam em Feira de Santana, figuras abastadas, ou

seja, homens que tinham considerável renda, propriedade e riquezas. Traçamos, então, o

perfil dos principais sujeitos abastados da cidade, que eram também políticos ou aliados

destes e de suas famílias. Sobre os principais políticos desse município, Boaventura

afirma que:

Rui Bacelar inicia a República na dianteira das forças políticas das fazendas feirenses. É político fidalgo, ainda nos últimos tempos, nos derradeiros instantes da época robusta do pastoreio, antes do descalabro moral que a revolução de trinta implantou. Foi o Cel.

36

ALVES, Eurico Alves Boaventura. A paisagem urbana e o homem: memórias de Feira de Santana. Feira de Santana: UEFS editora, 2006, p. 94.

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27

Bernardino da Silva Bahia, firmando o seu renome na significação das malhadas das fazendas amigas ou no comércio das boiadas gordas. Major Quintiliano Martins da Silva Júnior, conhecido como Quintiliano, o Moço, para diferenciá-lo do Pai, formava com o Cel. João Mendes da Costa e o Cel. Francisco Ramalho tipos de políticos de alto coturno no nosso meio, na meninice da República.37

Como salientou esse autor, a força política feirense no início do século XX vinha

dos fazendeiros feirenses. Estes sujeitos não se dedicaram apenas às fazendas, muitos

também tinham no comércio sua fonte de renda. Para analisarmos esses pontos cardeais

feirenses, pesquisamos inventários e processos-cíveis e crimes que envolviam estas

famílias a fim de perceber mais sobre a dinâmica, as relações de poder e estratégias

destas.

Uma das famílias que mais se destacavam na cidade era a do próprio memorialista

que citamos acima. Os Boaventura eram uma família tradicional formada por

fazendeiros na cidade, como por exemplo, José Alves Boaventura, importante

fazendeiro e dono de farmácia, que exerceu por diversas vezes o cargo de Conselheiro

Municipal e a direção de entidades filantrópicas como a Santa Casa de Misericórdia. O

primo deste, Gonçalo Alves Boaventura, pai de Eurico Alves, era comerciante de couro,

proprietário de terras e foi Conselheiro Municipal (1924-1926) e Francisco Alves

Boaventura, importante fazendeiro que apareceu entre os quinze maiores contribuintes

do imposto rural da cidade em 190538. Também dessa família se destacou o Padre

Ovídio Boaventura, que no século XIX foi uma figura de destaque, sendo o fundador da

Santa Casa de Misericórdia, do Asilo Nossa Senhora de Lourdes e do Monte Pio dos

Artistas Feirenses39.

Kleber Simões, ao historicizar as identidades masculinas do homem moderno e do

sertanejo no cenário da cidade de Feira de Santana entre as décadas de 1920 a 1940, se

debruçou sobre a dinâmica social e econômica de Feira de Santana, afirmando que esta

estava pautada na representação de algumas famílias que se destacavam no cenário

econômico.

37 BOAVENTURA, Eurico Alves. Fidalgos e vaqueiros. Edufba, 1989. P. 351 38 O Progresso, 24 de dezembro de 1905. Mãos recalcitrantes, p. 01. MCS. 39 No terceiro capítulo nos deteremos sobre Monte Pio dos Artistas Feirenses.

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28

O cruzamento entre os nomes dos maiores proprietários de terras, casas comerciais e indústria revela uma concentração de renda nas mãos de quatro famílias, as quais participavam ativamente da administração do município, tanto no exercício do executivo como nos Conselhos Municipais, com uma atuação incisiva dessas famílias na condução das atividades econômicas do município. Conhecidos nomes da Feira de Santana, como os Fróes da Mota, Bahia, Falcão e Boaventura entrelaçavam os galhos da árvore genealógica com casamentos entre familiares, enquanto se revezavam na administração pública40.

Como destacou o autor, os nomes dessas quatro famílias realmente se sobressaiam

no cenário sócio-econômico feirense. Como nosso recorte abrange a primeira década do

século XX, encontramos também em destaque alguns sujeitos políticos que se

revezavam na administração pública e nos principais cenários sociais de Feira de

Santana. São eles os Bacelar e os Almeida. Sobre essas famílias, em especial, os

sujeitos políticos que dela se destacaram e também o nome do coronel Abdon Alves é

que nos dedicamos nas próximas linhas.

Comecemos pela a família Bacelar. Seu maior representante nessa cidade foi Tito

Ruy Bacelar. Coronel, político de destaque (chefe do PRB local), fazendeiro, jornalista,

foi redator chefe do jornal O Progresso (1900-1909) e dono do jornal Folha do Norte41.

No meio político, Tito Ruy foi intendente (1904-1907), conselheiro municipal e

deputado estadual. Por toda sua vida política esteve ligado a corrente “severinista”, isto

é, os que apoiavam o político Severino Vieira. Participou por duas vezes da convenção

do PRB. Ao pesquisar seu inventário, encontramos o nome de sua esposa Regina

Adelina Passos Bacelar, que foi sua única herdeira, pois não tiveram filhos. Após sua

morte em 1922, a mesma vendeu o jornal Folha do Norte para os irmãos Silva.

Sua relação com os habitantes da cidade era muito intensa, em especial, com

sujeitos políticos. Exemplo disso é que por meio do seu pedido, o coronel Agostinho

teve sua patente de coronel concedida em 1903, antes dessa era tenente coronel42.

Participou por várias vezes da comissão da festa de Santana, era membro da

Filarmônica sociedade 25 de março e da sociedade agrícola protetora de pequenos

40FREIRE, Kleber José Fonseca. Os homens da Princesa do Sertão: modernidade e identidade masculina em Feira de Santana (1918-1938). UFBA, dissertação em História, Salvador, 2007. P.28 41

Processo-cível. Estante 09, caixa 228, documento 4842. Inventário. CEDOC/UEFS 42

ALMEIDA, Oscar Damião. Dicionário Personativo, histórico e geográfico de Feira de Santana. Feira de Santana. P. 153.

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29

lavradores. Durante a década de 10 foi a principal liderança política na cidade. Em 1903

assumiu a liderança do diretório do PRB, após a morte de José Freire Lima (primeiro

intendente após a Proclamação República na cidade) e do grupo a que pertencia, os

fazendeiros e comerciantes de gado. Era o que dava a palavra final na escolha para os

candidatos a serem lançados para os cargos de Intendente e Conselheiro Municipal na

cidade. Estabeleceu uma rede de contatos não apenas com os feirenses, mas também

com diversos políticos baianos como Ubaldino de Assis (político da cidade de

Cachoeira), o próprio Severino Vieira e José Marcelino.

Abdon Alves de Abreu seria, talvez, o mais controverso político pesquisado.

Encontramos suas pistas e de sua família com maior destaque, após as conturbadas

eleições municipais de 1907. O seu inventário data a sua morte em outubro de 191443.

Seu inventariante foi o coronel João Mendes da Costa, seu amigo e compadre44. Abdon

deixou viúva sua segunda esposa, Leonor de Araújo de Abreu, e oito filhos. Quatro do

primeiro casamento e cinco do segundo, sendo Augusto Alves de Abreu falecido. Não

encontramos muitas informações sobre a profissão desse sujeito. Oscar Damião afirma

que este era dono de tipografia e que foi proprietário do jornal O Comercial45. Foi

comandante da 43º brigada de Feira de Santana, teria lutado na guerra do Paraguai

(1865) e em Canudos (1896 a 1897) 46.

Foi Conselheiro Municipal (1904-1908) e por uma jogada política em 1908,

assumiu o cargo de intendente na cidade, permanecendo até 1912. Após essa data, todas

as notícias vinculadas a ele foram de comparações a figuras como Lucas da Feira47 e a

degradação da sua imagem por parte de seus adversários políticos. Sabemos que em

1905 circulou na cidade um periódico chamado A República, de que era o dono seu

43 Processo-cível. Estante 02, caixa 32, documento 352. Inventário. CEDOC/UEFS 44 João Mendes da Costa aparece enquanto amigo intimo deste sujeito. Fazendeiro e comerciante foi conselheiro municipal, chefe do Partido Republicano Conservador (PRC) local e foi prefeito nomeado em 1931. 45

ALMEIDA, Oscar Damião. Dicionário Personativo, histórico e geográfico de Feira de Santana. Feira de Santana. P. 153. 46 Jornal O Município, 08 de março de 1908, p.02. Abdon Alves de Abreu, MCS. 47 Lucas Evangelista mais conhecido como Lucas da Feira, foi um escravo, considerado um cangaceiro, fugido que foi acusado de vários furtos na cidade e que foi enforcado no século XIX. A imagem em torno desse sujeito é que este teve uma vida associada ao crime. Porém hoje há historiadores que entendem que esse lutou e resistiu à escravidão. Em matéria no jornal Folha do Norte, em 1914, foi feita uma comparação entre esses dois homens, considerando-os bandoleiros, desordeiros, que envergonhavam a história da cidade. E que além do roubo, teriam em comum os vícios da jogatina. Ver Folha do Norte, 05 de maio de 1914, MCS. Lucas e Abdon.

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30

genro, que em suas páginas, buscava criticar os políticos que eram oposição a Abdon

Alves, além de buscar legitimar atitudes políticas desse sujeito. Percebemos, em seu

inventário, que Abdon não tinha muitas posses, além de uma chácara, uma velha casa,

uma roça e uma mula48. E que seus quatro filhos mais velhos abriram mão de suas

partes na herança para deixar aos seus irmãos mais novos. Encontramos recibo de várias

dívidas e promissórias em nome deste. Fica claro, então, que diferente dos outros

sujeitos políticos, o coronel Abdon Alves, não foi um abastado, e, este fato certamente

influenciou sua luta por alcançar o poder e se manter nele.

Havias as famílias: Cerqueira, Boaventura, Almeida, Carneiro, mas trabalhamos

para além dessas, por que englobamos sujeitos que em nosso recorte se destacaram no

cenário político. Tertuliano Carneiro, padre (conhecido como padre Bebeto) e cônego

na cidade de Feira de Santana foi um dos homens que conciliou na sua trajetória de vida

a política e a religião. Segundo Boaventura, esse Monsenhor exerceu diversas vezes o

cargo no Conselho Municipal (sendo presidente deste em 1925) e tinha o hábito de usar

a insígnia de Cônego nas posses desse conselho49. Manteve, além das relações políticas

e religiosas, relações sociais com boa parte da sociedade feirense, exemplo disso nos

ressaltou Boaventura a afirmar que este era seu padrinho de crisma.

Outro nome que se destacou nas relações políticas e econômicas de Feira de

Santana foi o coronel Tertuliano de Almeida, importante fazendeiro, exportador de

fumo, que atuou como conselheiro municipal por 12 anos ininterruptos (1916-1928) e

foi membro da Filarmônica Vitória (presidente desta em 1913-1914) e das comissões da

festa de Nossa Senhora Santana. Segundo Antônio Lajedinho, era pai de Guilhermina

de Almeida Motta, segunda esposa de Agostinho Froés da Motta50. Agostinho Froés da

Motta contraiu núpcias com ela em 1920, porém já possuía com a mesma um filho,

chamado Alberto Froés da Motta, o que leva a supor que esse coronel mantivesse

relações extraconjugais, nesse caso com uma das filhas de um dos importantes sujeitos

da cidade. Fica evidente que as relações sociais estavam para além das relações

econômicas e políticas no cotidiano de Feira de Santana.

48

Processo-cível. Estante 02, caixa 32, documento 352. Inventário. CEDOC/UEFS 49BOAVENTURA, Eurico Alves. A paisagem urbana e o homem: memórias de Feira de Santana: UEFS Editora, 2006. P. 25. 50 LAJEDINHO, Antonio do. A feira na década de 30. Feira de Santana, 2004. P. 87.

Page 31: Nayara Fernandes de Almeida Cunha OS CORONÉIS E OS OUTROS

31

Agora nos detemos num dos mais importantes sujeitos de nossa pesquisa e sua

conturbada família. O já citado coronel Agostinho Froés da Motta foi um dos homens

mais ricos de seu tempo51. Foi casado em primeiras núpcias com Marximiniana de

Alves Motta e teve os filhos: Albertina de Motta Barreto, Arthur Froés da Motta,

Amália da Motta, Augusto Froés da Motta, Eduardo Froés da Motta e Adalgisa Motta52.

E em segundas núpcias com Guilhermina de Almeida com quem já tinha Alberto de

Almeida Motta.

O patrimônio avaliado desse sujeito era imenso. Casas de aluguel, imóveis,

fazendas, terrenos, cabeças de gado, carros, máquinas, promissórias de empréstimos

para receber, obras de artes, entre outros. Para se ter idéia da dimensão da riqueza de

Agostinho, ressaltamos que esse sujeito criou um banco para cobrar e receber os

aluguéis de suas propriedades. Nos processos-crimes e cíveis pesquisados encontramos

a figura deste homem cobrando empréstimos, promissórias, pagamentos atrasados,

devolução de produtos roubados por funcionários, entre outros.

Não sabemos de fato a origem de Agostinho Froés da Motta. Em seu testamento ele

afirmar ser de Feira de Santana53. O que se sabe é que em 1878, com 22 anos, ele abriu

sua primeira firma na cidade destinada à venda de frios, couros, gêneros alimentícios,

fumo e outros produtos.54 A partir de então, Agostinho se tornou um importante

comerciante e negociante em Feira de Santana, em especial no negócio do fumo55.

Atuou, também, como gerente do Banco do Brasil na cidade56, como membro da

sociedade de pequenos agricultores e da Sociedade Monte Pio dos Artistas Feirenses.

Seu filho, Eduardo Froés da Motta em entrevista dada à revista Panorama ao ser

perguntado sobre a origem de seu pai, salientou que ele era “um homem que começou a

51 Para saber a trajetória de Agostinho Froés da Motta, ver REIS, Wagner Alves. Agostinho Froés da Motta: trajetórias e conquistas de um “homem de cor” (1856-1922). Feira de Santana: UEFS, dissertação em história, 2012. 52 Processo-cível. Estante 06, caixa 166, documento 2573. Testamento de Agostinho Froés da Motta. CEDOC, estante 06, caixa 175, documento 2887. Inventário. CEDOC/UEFS 53

“Declaro que sou natural desta cidade de Feira de Sant’Anna do Estado da Bahia e que meus pais já são falecidos.”. Processo-cível. Estante 06, caixa 166, documento 2573. Testamento de Agostinho Froés da Motta. CEDOC, estante 06, caixa 175, documento 2887. Inventário. CEDOC/UEFS. 54

REIS, Wagner Alves. Agostinho Fróes da Motta: Comércio, Política e Questões Raciais na Princesa do Sertão (1900-1922).Monografia de Especialização. UEFS, 2008. p. 39 55 Freire destaca que a produção de fumo em Feira de Santana continuou a representar uma grande fonte de receita para o município até o final do século XX. Ver FREIRE, Luiz Cleber Moraes. Nem tanto mar, nem tanta à terra: Agropecuária, escravidão e riqueza em Feira de Santana, 1850-1888. Feira de Santana: UEFS editora, 2011. P. 78. 56 Jornal Folha do Norte, 15 de outubro de 1910, Agência do Banco do Brasil. MCS.

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32

vida muito simples, pobre. Ele era marceneiro. Eu ainda tenho a mobília que ele fez,

está aqui comigo, na casa de Agostinho e o nosso nicho está aqui em nossa capela” 57·.

Além de Eduardo, Lajedinho afirma que antes de abrir sua primeira firma, Agostinho

trabalhou como marceneiro para um casal português em Feira de Santana. E Boaventura

destacou que esse artífice, que depois seria coronel, fez a mobília de jacarandá de José

Freire, “confeccionada por um modesto tabaréu, marceneiro anônimo, que, depois,

chegou a coronel, chefe político de real expressão, intendente” 58. Não podemos

confirmar esta hipótese, mas encontramos essas três referências que afirmam ter sido

este coronel um marceneiro.

Ao analisar e identificar as estratégias utilizadas por Agostinho Froés da Motta a

fim de atingir seus desejos de ascensão econômica e prestígio social, Wagner Reis

destacou que esse coronel em seu percurso de vida foi um comerciante astuto e um

político experiente que soube se beneficiar das vantagens que sua múltipla atuação lhe

proporcionou59. Salienta, ainda, que Agostinho era um coronel de ascendência negra e

escrava. Além de cargos políticos como Intendente Municipal, Conselheiro Municipal,

esse coronel acumulou diversas funções como a de: Provedor da Santa Casa de

Misericórdia60, gerente do Banco do Brasil, presidente da Sociedade 25 de março e

presidente do Monte Pio dos Artistas Feirense.

O patrimônio acumulado durante a vida deste coronel é um dos maiores do Estado

no período de nosso estudo. Dois anos antes de falecer, escreveu de próprio punho um

testamento, estabelecendo seus herdeiros e a divisão de seus bens de acordo com sua

vontade. Em uma das cláusulas do seu testamento, este deixa 10 contos de reis para a

compra de um terreno no cemitério piedade para construção de um mausoléu. Justificou

a construção deste:

18ª: Deixo 10 contos de reis para construção de um mausoléu e compra de terreno perpetuo tanto quanto seja preciso, ao lado esquerdo do cemitério, cujo mausoléu servirá a mim e a meus descendentes até a 3ª geração. Esta disposição não tem por fim a vaidade ou ostentação faço- a apenas para decoração do cemitério de

57 Revista Panorama de Feira de Santana, N° 1, 9 de setembro de 1983. MCS. 58

BOAVENTURA, Eurico Alves. A paisagem urbana e o homem: memórias de Feira de Santana: UEFS Editora, 2006. P. 109. 59

REIS, Wagner Alves. Agostinho Froés da Motta: trajetórias e conquistas de um “homem de cor” (1856-1922). Feira de Santana: UEFS, dissertação em história, 2012. P. 86. 60

Jornal O Progresso, 07 de julho de 1907. O Novo Provedor da Santa Casa. MCS.

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33

minha terra, e para lembrar a meus filhos que tudo isto fizeram o producto do meu trabalho durante a vida61. (sic)

A construção desse mausoléu, deixa explicita a necessidade desse sujeito em

perpetuar a memória sua e de sua família na cidade. Não apenas essa construção, mas a

do seu palacete (a maior residência da cidade) construído na Praça General Argolo, hoje

denominada Praça Froés da Motta. Houve um intento de deixar a sua marca de

progresso e civilidade impressa na sua cidade. Além disso, buscou perpetuar sua

imagem de benfeitor, doando valores para todas as sociedades e instituições em que

participou como membro e até algumas com quais não teve contato. Assim a Santa Casa

de Misericórdia, A Monte Pio dos Artistas Feirenses, Asilo Nossa Senhora de Lourdes,

As filarmônicas 25 de março e Vitória, os pobres, órfãos e viúvas foram beneficiados no

seu testamento62.

Porém a trajetória de Agostinho e de sua família, também, foi marcada por

conflitos internos. Por mais que pregasse os bons costumes e civilidade, algumas

divergências e posturas controversas fizeram parte da família. Em 1906, Agostinho

Froés da Motta e sua esposa Maximiniana Motta entraram com um processo de

deserdamento da sua filha Amália Motta. Justificaram tal ato, dizendo que esta se casou

sem o consentimento deles, sendo menor de 21 anos. O mesmo enfatiza em seu

testamento que esta filha estaria fora da divisão dos bens, porém em processo judicial a

mesma consegue receber sua parte na herança. O casamento sem o consentimento

paterno, de certo, colocou em questão a moral da família Fróes da Motta, o que exigiu

do patriarca uma solução à altura da sua indignação e do constrangimento perante a

sociedade.

Ao deserdar sua filha perante a justiça e excluí-la da partilha dos seus bens,

Agostinho Froés da Motta justificou esse ato por não ter consentido o matrimônio, mas

a questão envolvia outros fatores. A relação entre este e seu genro, Adelardo Galdino de

Carvalho, não era a mais amistosa, inclusive havendo um processo desse coronel contra

a mãe desse sujeito, cobrando o pagamento de uma promissória que ela devia. O

processo causou inimizade entre as famílias, o que levou o coronel romper suas relações

61 Testamento Agostinho Froés da Motta: Estante 06, caixa 166, documento 2573, CEDOC/UEFS. 62

Testamento Agostinho Froés da Motta: Estante 06, caixa 166, documento 2573, CEDOC/UEFS.

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34

pessoais com sua própria filha. Além da postura de Agostinho perante o comportamento

de sua filha e da repercussão que isso poderia gerar, podemos perceber que suas

contendas eram resolvidas também usando os meios judiciais.

Entre os processos que envolvem membros dessa família, temos o processo-crime

contra um de seus filhos, o Capitão Arthur Froés da Motta. Esse foi acusado de tentativa

de assassinato, no mesmo dia da morte de seu pai em 22 de março de 1922, que o levou

a ser preso em flagrante. Ao deferir um tiro em sua esposa Almerinda Motta, o mesmo

se defendeu no seu processo com o argumento de defesa da honra, já que garantiu que

sua esposa mantinha relações ilícitas com o médico cuidador de seu pai, o Dr. Auto

Reis63. Aline Laurindo ao se dedicar à análise desse processo, afirmou que “ao capitão

Augusto Fróes da Motta, autor do disparo que feriu a sua mulher foi dedicado por toda

sociedade uma clemência e um sentimento de solidariedade inestimável” 64. O médico

agredido e a esposa ferida na sua honra e no seu corpo foram atirados ao desprezo

público e à imoralidade, “pois desonraram a nobre família Fróes da Motta e por

extensão a elite feirense” 65. Assim apesar de ter ido a julgamento, o mesmo conseguiu

ter sua pena amenizada, seja pelo prestígio que sua família carregava, seja pelas normas

que consideravam o crime de adultério culpa das esposas e logo a elas estavam

relegadas o papel de censura, mesmo que fossem as vítimas.

Assim os meios judiciais foram parte da estratégia utilizada por esse coronel na

resolução de seus casos. Após a sua morte, houve uma disputa por parte de seus filhos

sobre a herança. Coube a Eduardo Froés da Motta, enquanto inventariante, administrar e

fazer os desejos deixados escritos no testamento de Agostinho. Porém esse foi acusado

pelos seus irmãos em vários momentos durante o inventário de querer prejudicá-los e se

apoderar da fortuna do pai. As relações entre Eduardo e seu pai e a herança política

deixada por este ao seu filho serão um dos temas de nosso terceiro capítulo.

Parceiro político de Agostinho Froés da Motta, o coronel Bernardino Bahia, era

natural de Salvador, filho de Francisca Alves A. Bahia e Bernardino da Silva Bahia, que

era comerciante de gado na capital. Não sabemos exatamente quando este fixou

63

Processo crime Nº 2431. E-5,CX-121. CEDOC-UEFS. 64

LAURINDO, Aline. A nova ordem republicana em Feira de Santana e a família Fróes da Motta (1878-1922). Monografia em história, UEFS: 2012. P. 51. 65

Idem. P. 51.

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35

residência em Feira de Santana, mas desde o início do século XX, Bernardino foi se

destacando como importante comerciante de gado. Enquanto atuava em Feira de

Santana no comércio de gado, seu irmão Francisco Amado da Silva Bahia atuava na

capital como seu sócio. Bernardino Bahia possuía diversas fazendas nos distritos e nos

arredores de Feira de Santana, como São Gonçalo dos Campos, Monte Alegre, Baixa

Grande, Mundo Novo e Jacobina 66. Foi durante as três primeiras décadas do século

XX, um dos políticos de destaque e mais ricos da cidade.

Constituiu família em Feira de Santana. Do primeiro casamento com Maria

Berenisa de Barros Bahia (falecida em 1902) teve os seguintes filhos: Adélia Bahia,

Berenisa Bahia Silva, José Jerônimo de Barros Bahia e Rita Bahia Saback de Oliveira.

E do segundo casamento com Luisa Rubinos Bahia teve apenas Carlos Arthur Bahia.

Bernardino Bahia faleceu com 61 anos, em 11 de outubro de 1931, na cidade de Feira

de Santana. Participou ativamente das atividades políticas e sociais dessa cidade, até o

seu falecimento. Dos seus filhos, destacou-se no cenário político apenas Carlos Bahia

que foi pecuarista, líder político que pertenceu a União Democrática Nacional (UDN) e

candidatou-se duas vezes a prefeito (1947 e 1950), sendo derrotado em ambas as

oportunidades67.

Chamou-nos atenção no testamento deste coronel, a terceira cláusula em que

frisou que as suas filhas herdeiras casadas tinham a livre administração da sua parte no

espólio68. Quebrava, assim, as regras da sociedade da época em que as mulheres eram

representadas por seus maridos e a estes cabia receber e administrar heranças por elas

recebidas. Também como Agostinho Froés da Motta, Bernardino Bahia deixou um

testamento esclarecendo como queria que fossem divididos seus bens. Além de

beneficiar irmãos e sobrinhos, ele deixou doações aos pobres e à Sociedade 25 de

março, bem como uma quantia para a compra do sino da Igreja Senhor dos Passos. Na

décima quarta cláusula do seu testamento, negou-se a dar além de um valor estipulado

qualquer valor a mais a sua filha Rita Bahia por considerar que seu marido a quem ela

era solidária já havia lhe causado muitos prejuízos nos negócios69. Não deserdava essa

66 Seção de Justiça e Inventários. Inventários de Bernardino Bahia, Cx: 2702 Doc. 05. APEB. 67

ALMEIDA, Oscar Damião. Dicionário Personativo, histórico e geográfico de Feira de Santana. Feira de Santana. 68 Seção de Justiça e Inventários. Testamento de Bernardino Bahia, Cx: 2701, Doc. 05. APEB 69 Seção de Justiça e Inventários, testamento de Bernardino Bahia, Cx: 2701, Doc: 05. APEB.

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36

filha por conta dos seus netos, mas limitava a sua herança em um valor muito abaixo do

que seus outros irmãos receberam. No momento em que membros de suas famílias

praticaram atos que eram considerados contrários à boa conduta, como casar sem

autorização dos pais, ou quando um dos genros dava prejuízo aos negócios, esses

homens podiam romper laços familiares, seja por interesses econômicos ou por

rivalidades.

Na sua carreira política, o coronel Bernardino Bahia assumiu por diversas

ocasiões o Conselho Municipal e foi intendente por duas vezes (1912-1915/1920-1923),

todas sempre assumindo esses cargos políticos como filiado ao PRB. Foi provedor da

Santa Casa de Misericórdia (1919-1921) e fez parte da direção da sociedade 25 de

março, do Asilo Nossa Senhora de Lourdes, da Monte Pio dos Artistas Feirenses, da

organização da festa a Nossa Senhora Santana, acionista da Companhia de

Melhoramentos e foi um dos coordenadores da construção da nova Igreja Senhor dos

Passos. Introduziu ao meio político em meados da década de 20, seu genro Arnold

Ferreira da Silva.

Arnold Ferreira da Silva aparece desde muito jovem em nossas pesquisas. Com

apenas 14 anos de idade trabalhou como jornalista no jornal Folha do Norte, desde a

sua fundação em setembro de 1909, tornando-se seu proprietário no ano de 1922. Em

1927, tornou-se o chefe do diretório local do novo Partido Republicano da Bahia (PRB).

Foi Intendente Municipal (1924-1928) e prefeito de Feira de Santana (1959-1962). Foi

orador da Monte Pio dos Artistas Feirense70, membro da sociedade 25 de março e

presidente da Sociedade Filarmônica Euterpe Feirense. Importante negociante de leite

da cidade, Arnold Ferreira da Silva galgou sua carreira política através do apoio do seu

sogro Bernardino Bahia. Vale ressaltar que foi genro duas vezes desse coronel, casando

com duas de suas filhas. A importância das relações entre Bernardino e Arnold Silva,

sua herança política e o capital simbólico nas relações de poder em Feira de Santana é

tema trabalhado no terceiro capítulo deste trabalho.

Os sujeitos políticos aqui analisados faziam parte, portanto, da classe dominante

feirense que enquanto direcionadores da sociedade estabeleciam regras de conduta e

buscaram moldar as formas de viver de acordo com suas visões de mundo, criticando

70 Jornal Folha do Norte, 07 de julho de 1927. Sociedade Monte Pio. MCS.

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37

severamente, reprimindo e criando estigmas aos que eram considerados destoantes

desse padrão. Uma das formas utilizadas por eles para imprimir e disputar a sociedade

foram os jornais. E é sobre o papel dos jornais na sociedade feirense que discutiremos

mais adiante.

1.2.1 “A classe comercial feirense”: analisando a criação a Guarda Noturna Comercial.

Analisamos aqui o momento em que os comerciantes feirenses se uniram com

objetivo de proteger seus interesses econômicos. Para tal escolhemos analisar a criação

da Guarda Noturna Comercial, alternativa encontrada por estes sujeitos para aumentar a

vigilância no centro da cidade das lojas comerciais, mantendo assim preservados seus

negócios.

A Guarda Noturna Comercial foi criada no ano de 1913. Vimos com Poppino

que, devido ao aumento de assaltos as casas comerciais em Feira de Santana, os

comerciantes se reuniram e decidiram criar essa Guarda para fazer a segurança durante

a noite no centro da cidade, região em que se encontrava a maior dos estabelecimentos.

Nesse ano foram noticiados no jornal Folha do Norte alguns assaltos em lojas de

importantes comerciantes. Em 9 de fevereiro de 1913, esse periódico publicou o artigo

intitulado Roubos:

Em noite do dia 4 do corrente foi arrombado o armazém de enfardamento de fumo do srs. Motta e Cª... , sito a praça 15 de novembro, nesta cidade. Do exame a que procedeu o subdelegado de policia, verificou-se que os ladrões conseguiram, por grande esforço, quebrar, de fora para dentro, o cadeado da tranca da porta principal do dito armazém. (...) Na mesma noite penetraram os refinados gatunos, provavelmente os mesmos, no armazém de enfardar fumo do Sr. Manoel Portugal, no fim da praça 15 de novembro. Houve violência de fora para dentro, pois quebraram o cadeado da tranca de ferro e a fechadura de trincos. Não é a primeira vez que os gatunos dão assalto no armazém de Portugal. O subdelegado prossegue no inquérito71.

71 Jornal Folha do Norte, 9 de fevereiro de 1913, p.01 Roubos. MCS.

Page 38: Nayara Fernandes de Almeida Cunha OS CORONÉIS E OS OUTROS

38

Uma semana após essa notícia ser publicada, outra narra o assalto à loja do

comerciante Epiphanio José de Souza, também negociante de fumo. A cada notícia de

assalto publicada, o jornal enfatizava o prejuízo dos comerciantes e a falta de segurança

por parte da polícia. Após mais alguns roubos, o delegado de polícia em entrevista a

Folha do Norte, destacou que o destacamento policial da cidade resumia-se a quatro

praças, um sargento e um cabo, não dando conta da demanda. Sugeriu que “devido ao

número reduzido, alimentava o desejo de, a exemplo do que se tem feito em outras

partes, criar, com auxilio do comércio, uma guarda noturna.” 72 Com a sugestão dada

pelo então delegado, foi convocada uma reunião com os comerciantes para criar a

Guarda Noturna Comercial. O título da nota publicada no jornal Folha do Norte era:

“Guarda Noturna- reunião da classe comercial” 73, deixando evidente qual seria o teor e

a necessidade da criação de mais um aparato que protegesse o patrimônio dos

comerciantes feirenses.

Reuniram-se em 03 de agosto os principais comerciantes de Feira de Santana, a

fim de fundar a Guarda Noturna. Elegeu-se uma diretoria composta por presidente

(Leolindo Ramos), secretário (João Regis Martins) e tesoureiro (Alfredo de Castro) e

estabeleceu os valores mensais que seriam pagos por cada comerciante. Assim:

Que o comércio se constituía em sociedade com o fim único de manter uma guarda noturna destinada a garantir as casas comerciais contra a ação de larápios e malfeitores; que essa sociedade se comporia de quantos membros se inscrevesse; e que a contribuição para a manutenção da guarda seria mensal e feita a distribuição dos sócios em três classes. (...) Dentre de poucos dias, a cidade contará com a nova guarda. Não deixou de ser louvável a união de vistas e boa vontade com que agiu a nossa activa e laboriosa classe comercial74.

A Guarda seria financiada pelos comerciantes, porém as contribuições não

seriam iguais. A forma de contribuição foi dividida em três classes. Os comerciantes

que possuíssem de quatro a mais casas comerciais pagariam o valor mais alto. Exemplo

disso é que o coronel Agostinho Froés da Motta pagou 100$ réis. Já os que possuíam

duas ou três casas comerciais pagariam 50$ e apenas uma casa comercial, 20$. Na

72 Jornal Folha do Norte, 19 de julho de 1913. P. 01, Gatunos, MCS. 73 Jornal Folha do Norte, 27 de julho de 1913, P.01. Guarda noturna- reunião da classe comercial. MCS. 74 Jornal Folha do Norte, 09 de agosto de 1913. P.01. Guarda Noturna do Comércio. MCS.

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primeira reunião mais de cinqüenta comerciantes se associaram a essa Guarda Noturna.

Também podemos notar como o jornal trata de felicitar e elogiar a “classe comercial

feirense” pela criação da Guarda Noturna, tratando-a sempre como laboriosa e ativa.

Novamente os interesses econômicos fizeram com que esses homens de negócios se

unissem em prol da defesa de suas propriedades. Essa Guarda funcionou até o ano de

1930.

Feira de Santana não foi à única cidade a criar uma Guarda para proteger o

comércio local. Além da fundação dessa guarda, que buscou proteger os interesses

econômicos nessa cidade, houve por mais de uma vez em nossa pesquisa, a união dos

comerciantes e negociantes feirense em busca de estratégias e alternativas para proteger

seus interesses. Estes se uniram para reivindicar a diminuição dos impostos ou mesmo

boicotar o pagamento destes quando quem estava no poder não os agradava. Esse

boicote e as reivindicações serão focados em nossos próximos capítulos.

1.3 Imprensa local: os periódicos e seu papel na cidade.

As questões que orientam o presente subtópico se relacionam diretamente sobre

os periódicos em Feira de Santana. Discutimos os jornais em si e como era a imprensa

nesta cidade no início do século XX. Atentamos para a importância do uso desses

veículos de comunicação como instrumentos de disputa política. Assim as descrições

produzidas pelos jornais, mais do que uma fotografia da sociedade feirense, traduziam

uma vontade de poder. Buscamos evidenciar as relações de poder, nos focando a partir

do uso da imprensa como uma das diretrizes de apoio dos políticos no contexto da

“República Velha”.

Sobre o papel da imprensa ao longo da história, Oliveira afirma que:

A imprensa brasileira tem se colocado, ao longo de sua história, diante do papel primordial de elaborar sentidos para o conjunto da sociedade, nomeando as estruturas sociais e silenciando sobre referências que não interessam ao discurso dominante75.

75OLIVEIRA Clovis Frederico Ramaiana Moraes. Do empório a Princesa do Sertão: utopias civilizadoras em Feira de Santana (1893-1937). Dissertação, Salvador: UFBA, 2000. P. 57.

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40

Com o advento da República os jornais foram importantes mecanismos de

defesa de grupos políticos, bem como instrumentos de difusão de ideais defendidos, em

especial referentes às mudanças que se desejavam operar no país. Muitas delas estavam

direcionadas a uma ruptura com qualquer ligação que se remetesse à estrutura colonial

arcaica. Oliveira ressalvou que, sobre a construção de novos modelos de urbanidade,

“tiveram como caixa de ressonância os jornais e os órgãos do poder público,

instrumentos construtores de modelos de comportamentos supostamente mais

adequados ao viver de uma cidade adiantada” 76. Em Feira de Santana, os jornais que

circularam no nosso período também apresentavam essas características e foram palcos

de defesas e ataques políticos e de justificação de modelos que se almejavam para a

cidade.

Como afirma Kátia Silva, historicamente existiu uma intencionalidade na

fundação dos jornais. “Investimentos de iniciativa privada, eles foram fundados por

pessoas de prestígio econômico e político, com a finalidade de reforçar projetos e

disputar espaços no poder público” 77. As matérias, as definições e como ressalta Clóvis

Oliveira os silenciamentos tinham uma intenção por parte de quem os escrevia e

daqueles a quem representavam78. Na esfera política estes veículos de comunicação se

colocam como construtores da política, evidenciando os sujeitos políticos que bem lhes

interessam e silenciando os que não lhe convêm.

O primeiro jornal que circulou em Feira de Santana foi criado ainda no período

imperial, O Feirense, fundado no ano de 1866. Em nosso período de estudo circularam

neste município os seguintes periódicos: O Propulsor, O Progresso, O Município, A

República e a Folha do Norte. E é estes que nos deteremos agora79.

Comecemos pelo jornal A República. Não tivemos acesso diretamente a este

periódico, porém sabemos que circulou como um jornal de oposição à gestão do

governo municipal de Tito Ruy Bacelar (1904-1907). Foi fundado nos meses finais do

ano de 1905. O jornal A República pertencia a Requião, genro do coronel Abdon Alves 76 Idem, p. 17. 77SILVA, Kátia Maria de Carvalho. O diário do Bahia e o século XIX. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro: 1979. P. 54. 78OLIVEIRA Clovis Frederico Ramaiana Moraes. Do empório a Princesa do Sertão... op. cit P. 61. 79 Também circulou entre 1919 a 1921 o jornal O Feirense, com a mesma titulação do primeiro que circulou na cidade, mas que não era o mesmo. Porém como não tivemos acesso diretamente a este veículo de comunicação não nos deteremos sobre ele aqui. O que sabemos sobre este foi a partir de informações de Oliveira que nos informa que era de propriedade de Almiro Pinheiro que também acumulou a função de redator e que circulou apenas por três anos em Feira de Santana.

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de Abreu. Além de proprietário, Requião assumiu nesse periódico, ao mesmo tempo, a

direção e edição-chefe.

Em notícia datada de 29 de abril de 1906, O Progresso apresentou na primeira

página a notícia de que A República tinha parado de circular em Feira de Santana. A

matéria intitulada de Arrebentou de raiva destacou que:

E tal acervo de benefícios fica para ahi, desperdiçado, como ficaram infrutíferos esses 21 números de pasquim, esse glossário de epítetos, editado pelos srs. Abdon e Requião. Feira comemora, liberta da apreensão que a audácia monstruosa dos pampheletarios fazia pesar sobre todos os espíritos. Descansa em paz infeliz pantera, e que a hygiene publica arrume á tua cova muita lenha com água-raz para extermínio dos micróbios que empresaram por vinte e uma semanas o ambiente puro das habitações moralisadas 80. (sic)

Podemos observar que a fundação desse jornal esteve atrelada ao objetivo de

atingir o governo municipal e seus correligionários. Também de acordo com O

Progresso, esse veículo de comunicação tinha duas páginas de propagandas comerciais,

imprimia 2.500 exemplares e tinha 1.500 assinantes por semestre. “Mas que não logrou

por inventar mentiras sobre o intendente” 81. Não podemos afirmar qual o motivo da

interrupção da circulação desse semanário, se por questões financeiras e falta de

assinantes ou por boicote político. O certo é que já existia uma desavença entre alguns

sujeitos políticos em Feira de Santana, apesar de todos estarem afiliados ao Partido

Republicano da Bahia que, em 1906, era chefiado por Severino Vieira e José Marcelino,

e que as páginas dos jornais foram palco dessa disputa. O jornal A República foi

utilizado por Abdon Alves para questionar a conduta do então Intendente Municipal,

que tinha por sua vez o jornal O Progresso como porta-voz da sua gestão.

O jornal O Progresso esteve ligado ao grupo chefiado pelo coronel Tito Ruy

Bacelar e foi fundado em dois de junho de 1900, circulando até o ano de 1909. Seu

proprietário era Alexandre da Silva Ribeiro e seu redator chefe era Miguel Ribeiro de

Oliveira, prováveis familiares a julgar pelos sobrenomes. Em 1905, Miguel Ribeiro foi

nomeado promotor público da comarca de Feira de Santana pelo governador do Estado,

assumindo seu lugar como redator chefe o coronel Tito Ruy Bacelar, que além de ser o

80 Jornal O Progresso, 29 de abril de 1906, p.01 Arrebentou de raiva. MCS. 81 Idem.

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Intendente Municipal, concorria naquele momento pelo PRB ao cargo de deputado

estadual. Ao assumir a direção deste jornal, informou que:

Assumindo a chefia redactorial do O’Progresso não tive outro escopo se não continuar na defesa do Partido Republicano a que desde muito nos todos pertencemos com o maior devotamento e lealdade, pugnando pelos interesses deste florescente município, e prestando o nosso franco apoio ao benemérito Governo do Estado. No campo trevoso da calunia e da ambição sempre insaciável, surgiu a barraca dos operários do mal, estes, infelizmente em numero limitado, arvorando um falso pavilhão de combate, com a pretensão de chegar á culminância do poder local, como se pela escada apodrecida da exploração torpe do Governador do Estado. Para a defesa desses assaltos ao nosso pujante partido é que tomei nos meus ombros essa tarefa superior82. (sic)

“Os operários do mal” a que se referiu o coronel seria o grupo liderado pelo

Conselheiro Municipal Abdon Alves de Abreu, que rompeu com o PRB local,

declarando juntamente com seu genro Requião (dono do jornal A República) oposição

ao governo municipal. Declaradamente O Progresso tinha estreita ligação com o poder

municipal e estava aliado ao grupo dos “severinistas” e ao PRB. Também não sabemos

especificamente por que esse periódico parou de circular em 1909, mas esse foi o

mesmo ano em que surgiu o jornal a Folha do Norte. Afirmamos que esse último seria

uma continuação da corrente do grupo de Tito Ruy, uma vez que reivindicavam os

mesmos ideais e seguiam a mesma linha de discurso que o jornal O Progresso, além do

proprietário ser o mesmo coronel Tito Ruy Bacelar.

Fundado em outubro de 1895, o jornal O Propulsor tinha como proprietário

Demétrio Ignácio de Araújo e durante sua trajetória na cidade oscilou em suas posições

políticas. Além de proprietário, Demétrio, também, era redator juntamente com

Tranquino Dias. Era o típico periódico que apoiava a quem estava no comando, porém

alfinetando às vezes alguma esfera de poder. Oliveira ressalta que apenas por alguns

momentos este jornal serviu de instrumento de oposição, em especial, antes da

circulação do jornal O Município83. Durante treze anos, esse veículo de comunicação

circulou em Feira de Santana. No ano de 1909, encerrou suas publicações na cidade,

passando a atuar na cidade de São Felix, onde circulou durante todo resto da Primeira

República.

82 Jornal O Progresso, 3 de dezembro de 1905, p.01 O nosso periódico. Ano V. MCS. 83OLIVEIRA Clovis Frederico Ramaiana Moraes. Do empório a Princesa do Sertão: utopias civilizadoras em Feira de Santana (1893-1937). Dissertação, Salvador: UFBA, 2000. P. 63.

Page 43: Nayara Fernandes de Almeida Cunha OS CORONÉIS E OS OUTROS

43

A fundação dos jornais O Município e a Folha do Norte estiveram atrelados à

disputa política entre dois grupos políticos divergentes. De um lado novamente o

coronel Tito Ruy e do outro o coronel Abdon Alves de Abreu. O jornal O Município foi

criado em 1908, ano em que o coronel Abdon Alves de Abreu assumiu o poder

municipal feirense e circulou até fins de 1911, ano em que o mesmo deixou a chefia da

intendência municipal84. O Município pregava a “defesa dos interesses do município, do

comércio e da lavoura” 85. Já a Folha do Norte foi criada em 17 de setembro de 1909,

também como resultado dessa disputa política, para fazer frente ao O Município e ser

um aparelho de ataque ao governo municipal. Com 104 anos de circulação, a Folha do

Norte vem sendo uma das principais fontes para os historiadores que pesquisam sobre a

história de Feira de Santana.

Oliveira destacou que desde seu aparecimento, o jornal Folha do Norte circulou

semanalmente, exceto por duas fases em que esteve impedido de circular, “uma em

função de divergências com a dona da oficina e a outra por causa de um incêndio

criminoso na sua redação em 1911” 86. Como já mencionamos, o proprietário desse

periódico era o coronel Tito Ruy Bacelar, chefe político do PRB local. Posteriormente,

passou a pertencer aos irmãos Silva87. No aniversário do 18ª ano, o jornal assim

apresenta a sua história:

A Folha do Norte foi criada sem alardes, modesta, mas resoluta, decidida a propugnar sempre pelo engrandecimento, pela prosperidade, e pelos créditos da terra bem amada. Alentavam-na a experiência de seu fundador e dirigente o saudoso Tito Ruy Bacellar, a inteligência robustecida pelo estudo do jovem Arnold Silva e a clarividência de João Carneiro Vital. Essa tríade intelectual feirense, já afeita a testilha das letras e conhecedora das dificuldades com que arca o jornalismo no interior para viver e triunfar não vacilou, no entanto, em meter ombros a empresa para defesa eficiente dos augustos ideais do torrão pátrio88.

84Entre os anos de 1892 a 1895 circulou na cidade um jornal também intitulado de O Município de propriedade de Miguel Ribeiro, porém esse não tinha nenhuma ligação com a criação do segundo O Município de 1908. Ver Oliveira, 2000. 85 Frase como subtítulo na primeira capa dos exemplares desse jornal. 86OLIVEIRA, Clovis Frederico Ramaiana Moraes. Do empório a Princesa do Sertão: utopias civilizadoras em Feira de Santana (1893-1937). Dissertação, Salvador: UFBA, 2000. P. 67. 87 No anexo III desse trabalho segue a foto dos irmãos Silva e dos funcionários desse jornal no ano de 1927. 88 Folha do Norte, 17 de setembro de 1927. P. 01: Dezoito anos de luta. MCS.

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44

O redator desse artigo afirmou na comemoração do seu 18ª aniversário que o

objetivo da criação deste jornal esteve vinculado ao crescimento e engrandecimento da

cidade, superando as dificuldades de se ter um jornal no interior da cidade. O triunfo por

ele mencionado deveu-se ao fato deste periódico ter sido durante muito tempo o único

jornal que circulou em Feira de Santana. No final do ano de 1911, o jornal O Município

parou de circular na cidade e já em 1913 não houve mais oposição à Folha do Norte que

passou a ser o único periódico a circular semanalmente em Feira de Santana. Ser o

único jornal neste município favoreceu aos interesses do grupo a que este jornal estava

ligado.

Durante o período em que circularam concomitantemente a Folha do Norte e O

Município, os principais artigos publicados eram de ataques, criticas de um ao outro e a

defesa de seus periódicos. Para exemplificarmos o clima de tensão que envolveu esses

dois meios de comunicação destacamos abaixo uma dessas situações:

Mas a Folha do Norte julga que com isso, ficou o seu redactor-chefe cabalmente defendido e depois de nos dirigir novos insultos, que devolvemos, e de nos dar conselhos, que melhor deviam ser dados aos malandros, que, á cata de alguns nikeis, estão a rabiscar asneiras e descomposturas na sua gazeta, quer imitar o inocente Rabbi da Galiléia, “rogando ao Pai Celestial que perdoe o caluniador e opere o grande milagre da regeneração!”. Quanta hypocrisia! A Folha do Norte, no intuito de desviar a discussão sobre as responsabilidades do ex-intendente, seu jovem e mobilissimo risonho, caridoso e lealdoso redactor-chefe, recorreu ao reprovado expediente dos ataques pessoaes, como si isso fosse suficiente para nos fazer recuar89. (sic)

Todos aquelles que leram o artigo dirigido ao nosso redactor-chefe, publicado nas primeiras colunnas do O Município, asqueroso jornaleco que se diz órgão oficial ou oficioso dessa farrandula de gananciosos que se apresentam como administradores da Feira de Sant’Anna, com certeza estarão convencidos das calunias, das misérias, das infâmias, que foram titubiantemente lançadas e descritas pelo alludido jornaleco que serve de gurita aos vampiros da municipalidade!90 (sic)

89 Jornal O Município, 05de dezembro de 1909. Ainda indefeso. P. 01, ano II, nº 82. MCS 90 Jornal Folha do Norte, 11 de dezembro de 1909. Tirem as unhas, cortem os viscos. P. 01, ano 01, nº 13. MCS

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45

Ambas as notícias estavam ligadas à antiga administração municipal de Tito Ruy

Bacelar. A acusação feita pelos redatores do jornal O Município era de que aquele

coronel não havia prestado contas do último ano de sua gestão, em 1907. O Município

acusou o ex-intendente de ter deixado vazios os cofres públicos e ainda não ter

apresentado o balancete anual de 1907 e do que teria sido feito com o valor do

empréstimo de 100$000:00 de réis, contraído pelo mesmo intendente. A Folha do Norte

por sua vez rebateu todas as acusações feitas por esse periódico e tratou de acusar e

ofender o jornal O Município, numa tentativa de descredibilizar as publicações feitas

por esse meio de comunicação. Trouxemos esses fragmentos para mostrar como era o

cenário de disputa utilizado pelos jornais, que além imprimir suas visões de mundo,

defendiam as posições políticas de seu grupo, atacando a oposição.

Com o fim do jornal O Município o caminho estava aberto para que a Folha do

Norte fincasse de vez sua posição. Atuando sozinho, a Folha do Norte podia apresentar-

se como voz da classe como um todo que, sendo a classe dominante fala, por sua vez,

pela cidade toda. Isso fica claro ao percebemos que a partir das gestões municipais dos

coronéis Bernardino Bahia (1912-1915/1920-1923) e Agostinho Fróes da Motta (1916-

1919) os ataques políticos cessaram. Passou-se a engrandecer as gestões desses sujeitos,

a propagar e defender os “melhoramentos” e as normas estabelecidas durante suas

administrações. Essa parceria se findou de vez quando este periódico tornou-se o órgão

oficial da Intendência da cidade, passando a publicar todas as notícias oficiais expedidas

pelo executivo municipal.

E por fim, circulou no ano de 1912 o jornal intitulado O Republicano. Seu

proprietário e também diretor era Manoel Falcão. Este jornal circulou apenas por um

ano e tivemos acesso apenas a uma parte de suas publicações. Ligado ao Partido

Republicano Conservador e ao seabrismo, defendeu a candidatura de Seabra ao governo

do estado e sua posse em 1912. Esse periódico parece ter sido a continuação do jornal O

Município, já que sua circulação parou justamente quando Abdon Alves teve que deixar

a intendência municipal, que passou a ser ocupada pelo coronel Bernardino Bahia.

Podemos ver sua vinculação ao seabrismo e a defesa desse chefe do PRC em noticias

como:

Não tem fundamento algum os boatos que os arruaceiros fizeram circular e haver o benemérito DR. SEABRA deixado o ministério. S.

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46

exª continua, cercado de toda simpatia e prestigio do exmº Presidente da República. Todos os boatos são espalhados com o fim de arrefecer o entusiasmo do POVO DA BAHIA na eleição que, de acordo com a constituição de 2 de julho, se procederá em todo o Estado, no próximo domingo 28 do corrente, para o cargo de governador e em a qual, sahirá triumphante s. EX, queiram ou não os oligarcas. Não se illuda o Povo. Viva a República! Viva o Dr. Seabra91. (sic)

Vemos que o posicionamento do jornal é claramente de apoio à candidatura e à

vitoria de Seabra nas eleições governamentais. Suas páginas não tiveram acusações

explicitas, tensões e enfrentamentos como ocorreu entre os jornais O Progresso e A

República (entre 1905 e 1906) e entre O Município e a Folha do Norte (1909-1911), por

exemplo. Porém, também, teve uma intencionalidade em sua criação, que era demarcar

o seabrismo na cidade, já que a maioria dos representantes políticos de Feira de Santana

estavam associados ao Partido Republicano da Bahia. É preciso afirmar que Manoel

Falcão além de ser dono do jornal A República também era do jornal O Trabalho que

circulou na cidade vizinha, São Gonçalo dos Campos.

Fizemos o mapeamento da cidade de Feira de Santana nas primeiras décadas do

século XX, analisando os lugares, as famílias (sujeitos), os jornais e os espaços de

sociabilidades, passaremos agora às lutas políticas que constituem o centro da temática

da dissertação.

91 Jornal O Republicano, 28 de janeiro de 1912, p. 02. Nossos boletins, MCS.

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47

CAPÍTULO II: POLÍTICA E ELEIÇÕES EM FEIRA DE SANTANA NA “PRIMEIRA REPÚBLICA”.

“(...) Vociferem, ornem, ladrem enfim os nossos desleais adversários, porque não cederemos as posições alcançadas pelos serviços reaes que temos

prestado ao partido, á grande causa da comunhão social.” 92 (Sic).

2.1 Quem participa do jogo político? Uma análise sobre o processo eleitoral na República Velha.

Aqui analisamos como se desenvolvia o processo eleitoral no Brasil no período

que foi denominado como “Primeira República”. Discutimos as relações entre o

governo da União, a política dos governadores e os municípios em um jogo político que

excluía a maioria da população do processo eleitoral e buscava fortalecer os grupos

economicamente favorecidos e as frações da classe dominante.

Em 1889 no Brasil ocorreu a mudança do regime monárquico para o republicano

e no ano 1891 foi instituída uma nova Constituição Nacional com suas instituições.

Definiu-se o federalismo, presidencialismo e a ampliação do regime representativo

como norma de organização do Estado. A “Primeira República” ou a “República Velha”

foi marcada por mudanças, tais como uma intensa urbanização, onde as capitais

brasileiras deveriam ser um espelho de uma civilidade e de um progresso pretendido por

grupos dominantes para o país. Foi também marcado por modificações políticas, como a

separação dos poderes: executivo e legislativo, implicando de forma direta no poder

local. Segundo Maria do Carmo Souza:

92 Diários de Notícias, setembro de 1910, p.01.

Page 48: Nayara Fernandes de Almeida Cunha OS CORONÉIS E OS OUTROS

48

A imagem do Estado, à sua importância, seu controle político, foram os principais temas dos congressistas e juristas responsáveis pela elaboração da Carta Constitucional. Esta assegurava a cada Estado o direito de contrair empréstimos no exterior, decretar impostos de exportação, reger-se por suas próprias constituições, ter corpos militares próprios, bem como códigos eleitorais e judiciários 93.

A implantação da República acelerou a expansão do capitalismo, impelindo o

país a entrar no processo de industrialização, sobretudo valendo-se do fim das amarras

que o trabalho escravo e a centralização monárquica impunham à potencialização das

relações mercantis, mesmo considerando o predomínio de um grupo exportador no

bloco do poder. Era de interesse de grupos dominantes locais e regionais, tanto a

autonomia dos seus Estados quanto a liberdade para expandir os seus negócios,

oportunizando a emergência da República. Contudo, a classe dominante não era

homogênea, dividia-se em frações que buscavam repartir os privilégios e prioridades de

programas públicos para consolidar seus objetivos94.

Para Joaci Cunha, a autonomia dos Estados, tido como marca do federalismo

brasileiro, se impunha não exatamente por força do princípio constitucional em si, mas

pelos arranjos de poder que envolviam governantes, empresários e o judiciário95. A

Constituição de 1891 foi elaborada de forma que fortalecesse as relações de poder entre

os grupos dominantes. Nela, os arranjos políticos deveriam favorecê-los e, ao mesmo

tempo, dar-lhes liberdade para o desenvolvimento econômico. As relações políticas

estabeleciam-se pela lealdade e troca entre os grupos dos poderes federais, estaduais e

municipais.

A autonomia que os Estados ganharam com o regime federalista e

presidencialista, possibilitou mudanças na política em cada região do Brasil. Com o fim

da Monarquia, as disputas entre os modelos de república encaminharam-se no sentido

de produzir um arranjo que respeitasse as diferenças entre os grupos estaduais. Saiam de

cena as figuras centralizadoras do Imperador e seus gabinetes, e surgiam no teatro

político os agrupamentos provincianos de oligarcas. Consuelo Sampaio salienta que,

93SOUZA, Maria do Carmo Campello de Souza. O processo político partidário na Primeira República. In :Mota, C.G: Brasil em perspectiva. Editora: Bertrand Brasil S.A, 1987. P. 162. 94 Renato Perissinotto destaca que a classe dominante não é homogênea, monolítica e, consequentemente, livres de conflitos e oposições internas. Assim a classe dominante apresenta várias frações que a compõem, havendo dentro destas uma disputa pelo poder do Estado; esta fração se manifesta no nível político ou ideológico. Ver: PERISSINOTTO, Renato M. Classes dominantes e hegemonia na República Velha. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1994. 95

CUNHA, Joaci de Sousa. O fazer político da Bahia na republica velha 1906-1930. Salvador: tese em História,PPGH: UFBA, 2011. P. 68.

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49

essa autonomia política dos Estados variou em função do seu poder econômico e em

função da capacidade de suas forças armadas96. Outros fatores, como seguir o jogo

político e obedecer às regras da política dos governadores possibilitavam uma maior ou

menor autonomia dos Estados.

A constituição de 1891, por esse caminho, concebeu os poderes Executivos e Legislativos como expressões da “vontade geral”, buscando um maior equilíbrio entre eles. Ao Legislativo, a Lei Maior atribuiu caráter de indissolubilidade e estendeu suas prerrogativas. Dentre essas incluiu o controle do orçamento federal, deliberar sobre a formação de banco de emissão, legislar sobre as forças armadas, criação de empregos públicos federais, e o mais importante, o direito exclusivo de verificar e reconhecer os poderes dos eleitos para função parlamentar97.

A autonomia e a posterior “política dos estados” ou “política dos governadores”,

foi determinante na estruturação político-partidária nesse período. Um aspecto crucial

foi a quase inexistência de partidos nacionais, predominando agrupamentos estaduais

com articulações eventuais. Essa forma de estruturação partidária conferia um enorme

poder às direções estaduais, reduzindo o jogo político à substituição dessas direções.

Apesar de terem acontecido algumas sucessões “tumultuadas”, a regra montada pelos

donos do poder fora construída de forma que os atritos não impedissem a hegemonia

das frações regionais.

Os Estados poderiam se organizar livremente, já a União ajudaria apenas em

caso de emergências ou necessidades econômicas. A Constituição dava aos membros

federados o direito de elaborarem leis eleitorais, estaduais e municipais. Essa política

era um sistema de compromissos no qual havia uma rede de dependência entre as três

instâncias de poder. Os governadores podiam conduzir independentemente a política em

seus estados em troca do estabelecimento de relações de lealdade ao presidente através

da sua bancada no Congresso Nacional98. A mesma situação acontecia na relação entre

governadores e os chefes municipais, esses últimos garantiam a vitória do candidato a

governador, em permuta de favores e autonomia para comandar sua área. Eram os

96SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos na Primeira República: uma política de acomodação. Salvador: Centro Editorial Didático da UFBA, 1975. 97

LEAL, Vitor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Alfa-Ômega, 1976. P. 378. 98SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos na Primeira República: uma política de acomodação. Salvador: Centro Editorial Didático da UFBA, 1975. P. 42.

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governadores que decidiam sobre as dissensões nas eleições municipais, escolhendo os

seus aliados para assumir o poder público.

No sistema constituído, os verdadeiros protagonistas do processo político eram os Estados, os quais, dotados dos necessários suportes legais, dominavam a política nacional. Em troca da garantia de tal autonomia, sem intervenção da União e do direito de controlar as nomeações federais, os Estados davam apoio ao presidente da República, sem o qual este não subsistiria ao poder99.

O federalismo significou uma forma de manutenção da ordem. Esse

ordenamento foi elaborado, numa relação de interdependência, entre Estados e

municípios. O cargo de intendente municipal foi criado para administrar os municípios,

função que antes desse período era delegada ao líder do Legislativo Municipal para

questões de menor importância e, em demandas especiais, para o Presidente da

Província, que declarava a resolução final.

Conferindo autonomia aos Estados, a Constituição de 1891 manteve restrita a

participação da população no processo eleitoral. Estavam excluídos desse processo os

mendigos, os analfabetos, os praças de pré e os religiosos de ordens monásticas100. As

mulheres também estavam fora das escolhas eleitorais. Segundo Sampaio, a Bahia em

1890 tinha 1. 379.00 habitantes, 82% dos quais analfabetos. Ainda em 1920 81,6% da

população não sabia ler e escrever, ficando evidente que a maioria não participava do

processo eleitoral.

As eleições para a escolha do presidente da República, para o Congresso

Federal, para o legislativo estadual, câmara e senado (que se renovavam bienalmente),

para conselheiros municipais e para intendente e também eleições para preenchimento

de cargos vagos dos postos eram os processos eleitorais que ocorriam nesse período.

Sampaio aponta que em 1906 na Bahia havia 2.500.000 habitantes com 68.000 eleitores

(2,5%) e a capital do estado era o maior colégio eleitoral com 7.800101.

Para entendermos como se davam as eleições em Feira de Santana nos focamos

na configuração de processos eleitorais da União. Foram realizadas constantes eleições,

99 SOUZA, Maria do Carmo C. Campello de (Maria do Carmo Carvalho Campello de). Estado e partidos políticos no Brasil (1930 a 1964). 3. ed São Paulo: Alfa-Omega, 1990. P. 185. 100Constituição Federal, artigo 70, p. 16. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao91.h 101

SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos na Primeira República: uma política de acomodação. Salvador: Centro Editorial Didático da UFBA, 1975. P. 53.

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51

que ocupavam o centro da vida política102. Estas ocorriam de forma direta, mas o voto

não era secreto, o que aumentava a possibilidade de controle dos políticos sobre os

eleitores.

A Constituição de 1891 estabeleceu a não reeleição para os cargos de

governador, presidente e intendente, em que só poderiam ser candidatos os maiores de

21 anos que estivessem no gozo dos direitos políticos e tivessem ao menos um ano de

domicílio no Estado103. O Rio Grande do Sul foi por muito tempo exceção a isso,

podendo o governador se reeleger. Fixava também que os aspirantes aos cargos de

presidente, senador e governador deveriam ser maiores de 35 anos. Eram inelegíveis os

cidadãos que não estavam alistados e procedia-se anualmente à revisão eleitoral.

A ação fundamental no processo político era atribuída aos mesários eleitorais

que, como já ressaltado, eram membros do conselho municipal. Essas mesas eram

compostas em cada município por cinco membros, eram presididas pelo presidente do

conselho que designava os quatros membros, sendo dois conselheiros e dois eleitores.

Também era o presidente do conselho quem designava os demais membros dos

distritos104. Por isso para o jogo político era de importância os políticos assumirem essas

funções, pois, o poder de indicar os outros membros poderia facilitar e legitimar o

resultado do grupo político que defendia e participava.

A mesa eleitoral é que apurava os votos e lavrava a ata respectiva, queimando, em seguida, as cédulas, salvo as apuradas em separado, que se remetiam ao Ministério do Interior (...). Entretanto é no ato das eleições, que o mecanismo opressão se estabelece: como não existe o voto secreto e a mesa eleitoral controla a presença e a votação, torna-se fácil a pressão sobre os eleitores. 105

Nos períodos eleitorais a disputa sobre quem presidiria a mesa eleitoral era

constante. Depois de definida as composições, muitas notícias circulavam sobre

possíveis duplicatas e escolhas marcadas para favorecer um candidato em específico.

2.2 As eleições em Feira de Santana: dos candidatos aos eleitores.

102Idem. P. 48. 103

Direito políticos era estar em dia com o pagamento dos impostos e se fosse estrangeiro ter ao menos um ano morando no local. Federal, artigo 70, p. 16. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao91.h 104

CARONE, Edgar. A primeira República (1889-1930): texto e contexto. São Paulo: DIFEL:1973. P. 296. 105 Idem, p. 301.

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“Que isso de eleição de boca de urna é fatia de tabaréu e que, uma cadeira e

uma banca, tinta e papel valem por mil eleitores.” 106

Feira de Santana também sentiu os desdobramentos da Constituição Federal de

1891. A cidade passou a ter um intendente e um corpo de conselheiros municipais

formados por onze membros. Kelman Silva afirma que desde a emancipação de Feira de

Santana, facções políticas locais disputavam posições de poder. Conquistar um mandato

nesse período significava força política na cidade. Tais disputas apontavam que as

contendas pelo poder em Feira de Santana vêm de longo tempo e, a Câmara desde a sua

instalação era um local de polêmica entre as forças locais107.

Eram os membros do conselho responsáveis pelas mesas eleitorais, fazer o

alistamento eleitoral e a sua revisão a cada eleição, também, verificavam o resultado das

eleições e lavravam e liam as atas, convocavam os eleitores para as eleições federais e

estaduais. Assim, ao assumir essa função, esses sujeitos se tornavam personagens

importantes no jogo político, tinham a possibilidade de fazer as duplicatas eleitorais e as

fraudes nos resultados. Os conselheiros também aprovavam ou não as despesas do

município, o orçamento e atividades propostos pelo intendente e legislavam por meio de

posturas sobre estradas, ruas, jardins, logradouros e outros.

Em muitos municípios, grande parte das personagens políticas que ocuparam

este cargo na “República Velha”, foram coronéis e pessoas ligadas a eles.108 Portanto,

como em tantas outras cidades, o poder político em Feira de Santana no início da

República tinha sua base assentada na autoridade de coronéis como Agostinho Froés da

Motta, Bernardino Bahia, Abdon Alves, Tito Ruy Bacelar e outros109. Esses sujeitos

recebiam o título de coronel da Guarda Nacional. Segundo Margarida Resende à Guarda

Nacional foi uma instituição imperial, fundada na Regência, que funcionava como uma

espécie de força paramilitar da elite. O posto de coronel era atribuído aos homens de

106 Jornal Folha do Norte, 17 de setembro de 1909, MCS. 107 SILVA, Kelman Conceição. Política e reacomodação de poder em Feira de Santana na Era Vargas (1930-1945). Monografia, UEFS, 2009. P. 21. 108 Idem p. 17. 109ALMEIDA, Osmar Damião de. Dicionário Personativo, histórico e geográfico de Feira de Santana. Feira de Santana, p. 153.

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53

grande fortuna110. Em nosso recorte temporal percebemos que a maioria dos intendentes

e dos membros do conselho municipal possuía o título de coronel.

O município é o lócus de sua força política, especialmente, aqueles contextualizados na zona rural, como era o caso de Feira de Santana, e onde concentrava-se boa parte da população brasileira. Neste ambiente bem definido geográfica e politicamente, a troca de favores e a reciprocidade clientelista se davam entre o coronel e a população local. 111

Eul-Soo Pang ressalta que para o chefe local ter sucesso como oligarca, dependia

basicamente de sua habilidade em trocar favores por votos, posto que o resultado das

eleições na “Primeira República” era consequência da colaboração dos que controlavam

os municípios (os chefes municipais) e os que controlavam os executivos: nacional e

estadual (presidentes e governadores) 112. Destacamos que o controle do executivo

significava, também, o controle do processo eleitoral, o que por sua vez favorecia as

fraudes eleitorais. Além disso, com o poder à disposição, os grupos dominantes

poderiam exercitar práticas clientelistas, de coerção, como por exemplo, o uso do “voto

do cabresto”. É importante ressaltar que o clientelismo é uma face dupla, mesmo de

forma desigual, pois, se favorece ou procuram se favorecer ambos os casos, é uma troca

de favores.

Em Feira de Santana essas relações de poder foram apropriadas por alguns

políticos que iniciaram sua carreira na Primeira República. Agostinho Fróes da Motta,

Bernardino Bahia, Tito Ruy Bacellar, Abdon de Abreu, João Mendes da Costa e outros

representaram, nessa cidade e eventualmente no Estado, o grupo de agentes políticos

que adotaram os termos da política de compromissos como forma de exercitar o poder.

Eles iniciaram as suas trajetórias num contexto marcado pelas relações políticas da

“República Velha”, e procuraram, nos espaços de disputas municipais, a consolidação

110 RESENDE, Margarida de Souza. Os cenários da República. O Brasil na virada do século XIX para o século XX. O Brasil Republicano I: o tempo do liberalismo excludente. Org. Jorge Ferreira e Lucilia Delgado. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2008. P.94. 111 SILVA, Kelman Conceição a. Política e reacomodação de poder em Feira de Santana na Era Vargas (1930-1945). Monografia, UEFS, 2009. p. 20. 112Pang, Eul-Soo. Coronelismo e oligarquias 1889-1934: a Bahia na Primeira República brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.

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54

dos próprios nomes como forças dirigentes da ordem e do progresso, angariando alguma

nomeada local e, eventualmente, prestígio estadual.

Prestígio que os qualificava a indicar nomes para a eleição estadual. Vimos que,

Tito Ruy Bacellar chegou a ser, além de intendente, deputado estadual por mais de uma

vez e líder do diretório local do Partido Republicano da Bahia, sua palavra passou a ter

forte importância no diretório local, como podemos perceber:

Apresentamos os candidatos do Partido Republicano da Bahia para o terço do senado e deputados estaduais. Em nossa cidade foi indicado pelo diretório local o nosso amigo Cupertino Lacerda e de dr. Raul dos Reis Gordilho. Sobre esta ultima indicação, é justo salientemos que não somente consultou os interesses vitaes do partido, como nasceu da expotanea inspiração de nosso querido amigo, prestigioso e estimado chefe, coronel Ruy Bacellar, um dos espartanos da gloriosa peleja de 1907113. (sic).

Em nosso estudo achamos dois grupos que disputavam o poder local na cidade

no início do século XX. São eles o grupo chefiado pelo coronel Tito Ruy Bacelar e o

outro chefiado pelo coronel Abdon Alves de Abreu. Nos jornais já analisados

encontramos em vários momentos disputas e tensões envolvendo políticos de ambos os

grupos que serão expostas mais adiante114. Até então vemos um cenário político local

no qual as disputas estavam ocorrendo entre os dois grupos já mencionados.

Vimos que houve com a Constituição de 1891 uma restrição aos que poderiam

votar nas eleições. Rollie Poppino afirma que essas restrições ao direito de voto em

Feira de Santana constituíam um índice “da reação conservadora”, que se vinha

acentuando no Brasil no começo do século XX 115.

Sobre o eleitorado feirense, houve desencontro entre os números a partir das

fontes conhecidas. Para melhor exemplificarmos esse desencontro fizemos um quadros

demonstrando alguns dados encontrados. Vejamos,

Quadro 1: número de eleitores em Feira de Santana, por ano, segundo diferentes fontes.

113

Folha do Norte, 10 de dezembro de 1910. Museu Casa do Sertão (MCS). 114Foram analisados os seguintes anos dos jornais: O Município (1908, 1909, 1910, 1911), O Progresso (1900 a 1909), O Propulsor (1907 e 1908), O Republicano (1912) e a Folha do Norte (1909 a 1927). Os jornais: O Propulsor, O Republicano e O Município tinham como seus redatores pessoas ligados ao grupo do coronel Abdon Alves e O Progresso e A Folha do Norte, ligados ao cel. Tito Ruy Bacelar. 115

POPPINO, Rollie E. Feira de Santana. Salvador: Editora Itapuã, 1968. P. 129.

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55

Fonte Ano Eleitores Poppino 1894 5.045 Ata eleitoral116 1896 7.000

Ata eleitoral117 1906 1.730

O Progresso118 1907 2.014

Folha do Norte119 1922 2.444

Rollie Poppino; Arquivo Público do Estado da Bahia; Jornal O Progresso e Jornal Folha do Norte.

O desencontro se dá justamente pela diferença do número do eleitorado. Em fins

do século XIX, o número de eleitores era bem superior ao que encontramos nas

primeiras décadas do século XX. Houve um decréscimo desse número, mas não

sabemos qual o motivo. Com uma população aproximada de 43.000 habitantes no início

do século XX, temos um porcentual aproximado de 3,9% de quociente eleitoral, o que

seria ligeiramente superior à média do Estado.

Esse percentual pode ser explicado a partir de uma pista. Dois dos distritos

(Santa Bárbara e São José das Itapororocas) tinham populações superiores ao distrito

sede. Do primeiro deles, inclusive, saiu o intendente que dirigiu a cidade pelo maior

período de tempo, José Lima Freire. A existência de distritos grandes pode indicar uma

maior filiação de eleitores, influenciando no percentual final de eleitores.

Eram os conselheiros municipais que assumiam as mesas eleitorais e

organizavam as seções eleitorais. Depois dessas formadas, acusações de duplicatas e

falsificação dos resultados eram constantes nesse período. Assim no ano de 1907, com

as mesas definidas para as eleições municipais, o jornal O Progresso, que representava

os situacionistas, responde sobre a acusação desse tipo:

Estão traduzidos em lettras redondas em O Propulsor do dia 15 do corrente mez os boatos que incessantemente ocorrem de sábado à terça cá ultima, de haver a gente governista forgicado nas trevas uma duplicata de organisação das mesas eleitoraes para os diversos districtos deste município no pleito que se vae travar no dia 10 de novembro (...), entretanto é sabido e provado ficou que, dispondo apenas os senhores do feudo governamental de dois conselheiros e um suplente, não ousaram lograr a intenção de transpor o limiar do Paço Municipal; por que tinham a pleníssima convicção de que não conseguiriam eleger um suplente sequer, ofuscados pela leal e

116 Arquivo Público do Estado (APEB), sessão republicana, caixa: 2301, documento: 2921. 117 Arquivo Público do Estado (APEB), sessão republicana, caixa: 2295, documento: 2900. 118 O Progresso, 24 de novembro de 1907, p.01: Rebatendo a fraude eleitoral. MCS. 119 Folha do Norte, 04 de março de 1922,p.01: O pleito presidencial. MCS.

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56

brilhante maioria que constitue o padrão glorioso do Partido Republicano deste Município120. (sic)

Essa acusação é fundada na idéia de que a oposição havia sido excluída e que

por meio de duplicatas fora fraudada a formação das mesas eleitorais. Mais adiante

retornaremos ao episódio dessas eleições e seus desdobramentos. Atentamos aqui para

essas disputas ocorridas em volta das mesas eleitorais. Os que a presidiam tinham por

função legitimar a eleição e conferir os votos, o que lhes dava um leque de

possibilidades de dar a vitória a quem não teve maioria, falsificar votos ou incluir

eleitores fantasmas, entre outros.

Poppino afirma que as mesas eleitorais eram importantes dispositivos, pois,

possibilitava aos mesmos cidadãos dominarem por muitos anos os poderes municipais.

Destacamos, que desde 1889, a classe dominante no poder era a dos proprietários,

negociantes e comerciantes que buscavam, além do cargo de intendente, assumir a

câmara e manter vínculos com o governo do Estado121. O perfil dos candidatos da

cidade no período que abrange nossa análise é de comerciantes, proprietários e mais

posteriormente, na segunda década do século XX, de advogados e médicos.

Vale ressaltar aqui uma exceção desse processo eleitoral na Bahia. É que,

enquanto governador do Estado J. J Seabra instituiu, no ano de 1915, que a indicação

dos intendentes seria feita diretamente por ele. Não haveria eleições para esse cargo e na

cidade de Feira de Santana, o chefe do executivo estadual designou o coronel Agostinho

Froés da Motta para assumir a intendência municipal nesse ano e posteriormente o

coronel Bernardino Bahia seria indicado pelo governador Antônio Moniz. Mais adiante

discutiremos sobre essa reforma constitucional durante a gestão de Seabra e seus

efeitos. Sampaio salienta que a maioria dos coronéis que foram indicados por Seabra

conseguiram a patente de coronéis no período que era ministro do Interior. Em nossas

análises encontramos, por exemplo, notícias da patente de coronel dada ao político, que

posteriormente seria prefeito, João Mendes da Costa122.

O alistamento eleitoral era feito na sede dos municípios. Eram dez seções

eleitorais, uma por distrito e duas na sede. Entretanto, para conseguirem os seus

certificados de eleitores as pessoas eram obrigadas a se deslocar para o distrito sede,

tarefa relativamente difícil uma vez que algumas sedes distritais são afastadas de Feira 120 Jornal O Progresso, 20 de outubro de 1907, MCS. 121

POPPINO, Rollie E. Feira de Santana. Salvador: Itapuã, 1968. P. 126. 122 Notícia encontrada no jornal O Município, 15 de maio de 1909, MCS.

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57

de Santana. Nas eleições municipais eram escolhidos: o intendente, oito nomes (no caso

de Feira de Santana) para ocuparem as vagas do Conselho Municipal, os

administradores distritais e os juízes de paz.

O conselho municipal convoca o eleitorado deste município a comparecer as 10 horas da manhã nos lugares abaixo designado afim de ter lugar as ditas eleições; devendo cada eleitor depositar na urna cinco cédulas, escriptas em papel branco ou anilado sendo uma com rotulo distinctivo- Para Intendente Municipal contendo um só nome, outra- Para membros do Concelho Municipal, colocando oito nomes; outra- Para Juízes de Paz com três nomes, outra- Para Administrador, com um só nome; e outra- Para membros da Junta Districtal, com dois nomes123. (sic)

Os grupos políticos de alguma forma disputavam o eleitorado ou buscavam

pressioná-lo para que seus candidatos fossem eleitos. Como uma das condições para ser

eleitor era ser alfabetizado, o que excluía mais do que a metade da população, a

imprensa buscava por meio das suas colunas também influenciar os que tinham esse

direito. Podemos ver isso no trecho abaixo retirado do jornal O Progresso em 1906:

A mingua de argumentos, um rethoricão qualquer, dos que a miúdo surgem e estream parvoamente no relógio de repetição, que é A Republica, arrisca proposições em que a mentira alvar se pantantea em sua repelente nudez, deslembrado de que o brioso corpo eleitoral não é um agregado de analfabetos, mas constituído por homens que leem, que ajuízam, que discernem e calmamente, prescindindo de paixões partidárias sabem de que lado esta a razão e a justiça , em que parte está a traição, a intriga e a calunnia.124 (...) Agora, já não é o Sr. Abdon o chefe político (mas político de mérito) chefe é o Sr. Cônego Cupertino de Lacerda a quem A Republica, na faina de ferir-nos, emprestou palavras e conceitos que s. ex. jamais proferira na segunda reunião sobre o empréstimo de cem contos de reis125. (sic)

Junto à defesa do Partido Republicano da Bahia e da importância do voto, o

jornal O Progresso anunciava que a chefia desse partido na cidade não estaria mais nas

mãos do coronel Abdon de Abreu e sim do Cônego Cupertino de Lacerda. O grupo

liderado pelo coronel Tito Ruy, que eram os situacionistas, se defendia das acusações do

123

O Progresso, 06 de fevereiro de 1906, MCS. 124 Acreditamos que os jornais eram armas usadas nas disputas internas e externas. Além destes existiam outros órgãos privados tais como a Sociedade Nacional de Agricultura (SNA) que tinha em Feira de Santana uma filial denominada Sociedade Agrícola Protetora de pequenos lavradores do qual participavam, por exemplo, Tito Ruy Bacelar. Ver jornal O Progresso, 19 de janeiro de 1902. O Progresso, 25 de janeiro de 1906, MCS. 125

O Progresso, 25 de janeiro de 1906, MCS.

Page 58: Nayara Fernandes de Almeida Cunha OS CORONÉIS E OS OUTROS

58

grupo liderado por Abdon Alves, sobre o empréstimo que estava sendo contraído pela

Intendência na sua gestão no valor de 100$000$00 (cem contos de reis). As causas e a

defesa sobre esse empréstimo geraram divergências entre os dois grupos e uma série de

acusações e as eleições também entraram na pauta. O jornal então passou a defender o

ponto de vista do grupo chefiado pelo Coronel Tito Ruy, ao mesmo tempo em que

tentava desconstruir a imagem dos seus adversários, dedicando “especial carinho” ao

futuro intendente Abdon de Abreu, principal liderança do grupo adverso.

Esse conflito teria desdobramentos organizativos e os grupos tentariam angariar

novos correligionários. A cada eleição era realizado um novo alistamento eleitoral,

neles eram incluídos mais cidadãos habilitados a votar. No ano de 1907, por exemplo,

foi efetuado um novo alistamento, sendo incluídos mais 200 eleitores126. Entre estes

estava o jovem Arnold Ferreira da Silva que, como já visto, seria intendente e era

chamando de coronel em Feira de Santana, aliado de Tito Ruy127. A futura atuação

desse novo eleitor insinua algumas questões para a interpretação que pretendemos

encetar acerca dos novos inscritos e suas participações no jogo político feirense mais à

frente.

Aqui analisamos o campo político em Feira de Santana, isso é tentamos entender

quem eram os candidatos e qual o perfil dos eleitores. Esse objetivo é limitado pela

escassez de fontes, o que nos leva à tarefa de cruzar as listas eleitorais com informações

dos memorialistas, processos-crimes, jornais e inventários. A partir das listas eleitorais e

dos que coordenavam as mesas128 com a leitura de memorialistas pudemos observar até

então que o perfil dos eleitores era de: advogados, proprietários de terras, comerciantes,

médicos, farmacêuticos, agricultores, pecuaristas, funcionários públicos e professores.

A exemplo de tentar perceber quem eram os eleitores, encontramos alguns

nomes que aparecem na lista e uma foto com alguns desses no ano de 1911, imagem

produzida nas eleições para o terço do senado e para deputados, ocorridas em janeiro

daquele ano, e encontrada na capa do jornal Folha do Norte129, acompanhada da matéria

denominada A prova provada e de um abaixo assinado dos eleitores130. Os dois

126 O Progresso, 06 de janeiro de 1907, p. 03: “Alistamento eleitoral”. MCS 127

Arnold Ferreira da Silva recebia o tratamento de coronel na cidade, porém não possuía esse título. 128

Os alistamentos eleitorais e quem iriam compor as mesas eleitorais aparecem nos jornais que representavam o executivo municipal. São eles: O Progresso, O Município, O Republicano e A Folha do Norte. 129

Folha do Norte de 05/02/1911, número 68, p.1. MCS. 130

A foto e a lista com os nomes no abaixo assinado se encontram no anexo II dessa dissertação.

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instrumentos denunciavam que a secção na qual votariam estava fechada no dia da

eleição. Temos alguns nomes que já nos são conhecidos e outros que pudemos traçar o

perfil. Figuram sujeitos como Bernardino Bahia, do Dr. Joaquim dos Reis, o

farmacêutico José Alves Boaventura, Agostinho Fróes da Motta, entre outros.

A presença dessas figuras só nos confirma que a maior parte desses eleitores

pertencia à classe dominante feirense e que as relações eleitorais perpassavam por

relações familiares e de compadrio. Pelas limitações estabelecidas aos votantes,

percebemos que eleger um candidato tornava-se tarefa de manter um círculo de

influência amplo e sólido, que envolvia laços familiares, de compadrio, de negócios e

clientela, de emprego com os seus. Pelo quadro político analisado todos os que

assumiam posições políticas possuíam relações com o comércio de gado ou eram

proprietários de terras ou negociantes; assumir o poder era estratégia de defender seus

interesses131.

Para compreender o processo político em Feira de Santana e as suas relações,

temos que pensar nas configurações nacionais e estaduais. Desse modo entendemos que

essa cidade, obviamente, não estava isolada e apresentava suas especificidades e suas

generalidades no quadro das relações políticas. Neste sentindo, compreendemos que o

Estado é parte, embora uma parte muito especial, da sociedade, com suas questões e

tensões. Ele não existe descolado das questões que atravessam a vida social. Este é uma

condensação de relações sociais132. O Estado consiste numa relação em que as

sociedades contemporâneas se ordenam e se estruturam em torno dele, disputando-o e

fazendo-o enquanto objeto principal da competição.

Pensamos o cenário da política em Feira de Santana entendendo que o Estado se

constitui numa relação e é nessa condição que merece ser estudado. Partindo de sua

leitura de Poulantzas, Sônia Regina de Mendonça afirma lançar-se ao estudo do Estado

como se ele próprio contivesse seu princípio e sua razão de ser seria deter-se na

aparência das coisas133. Esta autora ressalva também que não se pode pensar a história

política como um setor separado, posto constituir-se, igualmente, numa modalidade de

131 No anexo I desse trabalho possui um quadro político feito com todos os políticos, incluindo sua profissão, bens, posses e cargos públicos assumidos. 132 MENDONÇA, Sônia Regina. Agricultura, Poder e Estado no Brasil: um projeto contra hegemônico na Primeira República. In: Nação e Poder: as dimensões da história. P. 25. 133

MENDONÇA, Sônia Regina. Estado e Políticas Públicas: considerações político- conceituais. Outros Tempos, www.outrostempos.uema.br, V-01 esp., 2007, p. 1-12.

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60

prática social. Veremos como os grupos se agrupavam em busca de alcançar o poder

público, seja nas esferas federais, estaduais ou municipais

2.3 Quem são os grupos políticos? Uma análise dos partidos em Feira de Santana.

Depois de discutirmos sobre o processo eleitoral e os representantes políticos,

nos debruçamos agora sobre os partidos políticos que participavam dessa conformação.

É importante ressaltar que a nossa abordagem no estudo dos partidos políticos foi

desenvolvida a partir das contribuições teórico-metodológicas de Antônio Gramsci,

deste modo, ampliamos a concepção tradicional de partido político, partindo do

pressuposto que não são apenas as amarras institucionais normativas que determinam o

que é um partido político.

O moderno príncipe, o mito-príncipe não pode ser pessoa real, um indivíduo concreto, só pode ser um organismo; um elemento complexo da sociedade no qual já tenha inicio uma vontade política reconhecida e afirmada parcialmente na ação. Este organismo já está dado pelo desenvolvimento histórico e é o partido político, a primeira célula na qual se sintetiza os germes de vontade coletiva, que tendem a se tornar universais e totais134.

O partido é a prática da ação política coletiva e tem por objetivo dar corpo e

organizar a vontade coletiva, atuando no interior da sociedade civil, mas com realização

completa quando adentra, também, nas relações da sociedade política. Seu fim é

também a universalização da visão de mundo de seu grupo, classe ou fração de classe.

Apresentamos quem são os grupos políticos, mais especificamente em que

partidos eles se organizaram politicamente, quem eram as lideranças destes na cidade e

o que defendiam. Analisamos as relações destes com os políticos presentes no cenário

estadual e nacional: governadores, senadores, deputados e presidente. Assim partirmos

de uma discussão sobre os partidos nesse período, quem são e quais são suas bandeiras

de luta, quem deles participava para relacioná-los com os nossos sujeitos históricos.

134 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere: volume 2 e 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. P. 16.

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61

Para Souza, os partidos políticos surgidos nesse período pautavam-se por serem

congregações de forças estaduais sob a égide do governo central135. Cremos que além

dos meios legais para alcançar o poder muitas vezes os partidos também recorriam à

fraude e manipulação dos resultados do processo eleitoral.

No período que trabalhamos analisamos três partidos políticos em especial. São

eles: I) Partido Republicano da Bahia (PRB), criado em 1901, deste ano até 1907, este

partido usufruiu da posição situacionista com quase nenhuma oposição, tendo como

chefes políticos Severino Vieira e também José Marcelino de Souza. II) O Partido

Dissidente (PD) que tinha J.J Seabra à frente, surgido após a cisão do PRB em 1907. III)

O Partido Republicano Democrata (PRD) fundado em março de 1910 e que por um

tempo esteve ligado ao Partido Republicano Conservador (PRC) e tendo também como

líder J.J Seabra. Sobre o PRB Sampaio nos aponta:

Surgiu no início do século XX, como o primeiro grande partido formalmente estruturado e, ao contrário dos seus predecessores, penetrou ainda que timidamente, no interior do estado, convocando coronéis e doutores para comporem seus quadros136.

O PRB nasceu em função do desaparecimento do Partido Republicano Federal,

que para Edgar Carone decorreu da tendência regionalista dominante devido à nova

situação da autonomia dos Estados137. Manteve certa coesão interna até o ano de 1907,

quando ocorreu uma cisão, passando então a ser dividido em dois grupos: os

severinistas (os que apoiavam Severino Vieira) e os marcelinistas (apoiavam José

Marcelino). O motivo da cisão foi justamente a escolha do candidato a governador para

o quatriênio de 1908-1912; de um lado estavam os que apoiavam o então governador

José Marcelino que indicou Araújo Pinho, de outro Severino Vieira que apoiava a

candidatura de Inácio Tosta. Formaram-se então dois grupos dentro do PRB e surgiu um

terceiro: o Partido Republicano Dissidente (PRD) chefiado por Seabra que logo depois

se tornou o Partido Democrata (PD).

Silva afirma que houve mudanças na participação política no período da

“Primeira República”, causadas, principalmente, por cisões ou reacomodações nos 135

SOUZA, Maria do Carmo C. Campello de (Maria do Carmo Carvalho Campello de). Estado e partidos políticos no Brasil (1930 a 1964). 3. ed São Paulo: Alfa-Omega, 1990. P. 213. 136

SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos na Primeira República: uma política de acomodação. Salvador: Centro Editorial Didático da UFBA, 1975. P. 81. 137

CARONE, Edgar. A primeira República (1889-1930): texto e contexto. São Paulo: DIFEL:1973. P. 313.

Page 62: Nayara Fernandes de Almeida Cunha OS CORONÉIS E OS OUTROS

62

partidos. Em geral, essas rearticulações, no interior da classe dominante podiam

ocasionar alguma redistribuição de poder.

Compunham coligações que se organizavam de acordo com influências e interesses em comum, até o período em que se desfaziam essas organizações, entre outras razões, por motivações de choques de interesses ou descontentamentos individuais138.

Para entender essa cisão no Partido Republicano da Bahia, precisamos elucidar

qual contexto e sujeitos levaram a essa ruptura. Como já dito, eram os ex-governadores

Severino Vieira (1900 a 1904) e José Marcelino (1904-1908) (representante dos setores

agrário e comercial139 e presidente da comissão executiva do PRB), os chefes do

partido140. O Partido Republicano da Bahia também surgiu de um conflito interno no

Partido Republicano Federal e foi criado justamente para ser, também, um catalisador

dos anseios e aspirações da burguesia agrária comercial141.

Na tarefa de articular os variados setores do partido, o PRB realizou, no ano de

1901, uma convenção com a participação de intendentes, conselheiros e representantes

de vários municípios. Nessa reunião, Feira de Santana foi representada pelo o coronel

Afonso Pedreira de Cerqueira e pelo engenheiro Dr. Joaquim Arthur Pedreira Franco142.

No total duzentos delegados participaram desse conclave. Já na convenção de 1907, os

coronéis Agostinho Fróes da Motta e Tito Ruy Bacellar foram eleitos para o conselho

geral do partido143.

O PRB conseguiu sobreviver, até 1907, praticamente como partido único144. Mas

as divergências sobre a escolha para o sucessor de José Marcelino no governo do Estado

levaram à ruptura nesse partido. As divergências sobre o sucessor ao governo foram

sentidas em todo Estado. Em alguns municípios o poder local foi disputado por grupos

138SILVA, Kelman Conceição a. Política e reacomodação de poder em Feira de Santana na Era Vargas (1930-1945). Monografia, UEFS, 2009. p. 23. 139 A qualificação foi feita por Pang em Coronelismo e Oligarquias 1889-1934. P. 86. 140Pang ressalta que seriam dois chefes dentro do PRB por ser José Marcelino muito influente e de prestígio. Assim formalmente apenas era Severino Vieira o chefe desse partido. 141SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos na Primeira República: uma política de acomodação. Salvador: Centro Editorial Didático da UFBA, 1975. P. 79. 142

Jornal O Progresso, 07 de abril de 1901: ‘Reunião política’, p. 01, MCS. 143O Progresso, 07 de julho de 1907, “Convenção do Partido Republicano”, p. 01. MCS. 144Referimos a expressão praticamente único porque Sampaio nos apresenta o Partido Republicano Dissidente criado em 1906.

Page 63: Nayara Fernandes de Almeida Cunha OS CORONÉIS E OS OUTROS

63

rivais, que apoiaram e demonstraram manifestações de solidariedade ao candidato que

estavam defendendo145.

Para Carone, o federalismo e a formação de partidos únicos nos Estados

acabavam conduzindo ao exclusivismo, ou seja, o fazer político nas mãos dos mesmos

grupos. Entretanto, esse mecanismo oportunizava a formação de oposições particulares,

que tornavam a luta ainda mais localizada, pontual. Dessa forma, as dissidências e

pequenos partidos contrários aos situacionistas enxameiam de maneira constante, mas

efêmera, por todo o período146. Por esta análise ficou evidente que alguns nomes eram

alavanca e base nessa relação política entre os políticos e os partidos. Sampaio defende

que a fidelidade existia não em relação ao partido, mas ao chefe do partido e,

dependendo do seu poder carismático, podia ser incondicional e vitalício147.

O PRB conseguiu até 1907 manter-se coeso, mas dentro deste partido existiam

algumas divergências entre sujeitos políticos, que disputavam os principais cargos

políticos nos municípios. Podemos ver abaixo que em Feira de Santana já no início do

século XX havia dentro do Partido Republicano da Bahia querelas entre os dois grupos

(o de Tito Ruy e o de Abdon Alves) já mencionados.

Conta-se por desastre os argumentos da A República. Ao que presumimos se não estão desvairados com as derrotas das eleições ou não entendem de algarismos nossos desleais adversários. A Republica assevera que se não fosse pela “inquebrantável solidariedade política do coronel Abdon com o partido republicano” os votos dos nossos correligionários “representariam uma parcella insignificante no resultado eleitoral da opposição”!148 Tanta fortaleza em contabilidade causa assombro, pois, em situação desagradável ficou o Sr. Abdon, contribuindo apenas com 33 votos para quatro dos candidatos do Partido Republicano, nas duas secções desta cidade, quando o menos votado dos competidores seabristas, seus co-religionarios de hontem, conseguia 46 votos.149

O jornal O Progresso, cujo redator-chefe era o coronel Tito Ruy Bacelar,

defendeu que a vitória do PRB nas eleições ocorreu pelo seu apoio e dos seus

145SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos na Primeira República: uma política de acomodação. Salvador: Centro Editorial Didático da UFBA, 1975. P. 97. 146CARONE, Edgar. A primeira República (1889-1930): texto e contexto. São Paulo: DIFEL:1973. P. 315. 147

SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos na Primeira República: uma política de acomodação. Salvador: Centro Editorial Didático da UFBA, 1975. P. 47. 148 O Progresso, 18 de fevereiro de 1906, p. 01: “Desastrados sempre!”. MCS. 149 Idem.

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64

correligionários, obtendo 869 votos contra a oposição, com 235 votos. Aponta que o

coronel Abdon Alves só teria conseguido 33 votos para o Partido. Em contrapartida o

jornal A República noticia que a vitória do Partido se deu devido à influência de Abdon

Alves e que se o mesmo apoiasse a oposição ocorreria uma derrota para o PRB. Os dois

jornais dizem coisas distintas sobre o pleito eleitoral, atentando em provocar o

adversário e se apresentarem como legítimos representantes do PRB. Essas provocações

entre os jornais e as diferentes versões sobre o pleito, significa que vencida as eleições

por José Marcelino, todos queriam ser responsáveis pela conquista da vitória.

Com a cisão do PRB, os grupos divergentes passaram cada um a apoiar um dos

candidatos para estas eleições, o de Tito Ruy (severinista) permaneceu no PRB e apoiou

a candidatura a Inácio Tosta, e o de Abdon de Abreu (marcelinista), que antes faziam

parte do PRB, rompeu com esse partido e passou a apoiar a candidatura de Araújo

Pinho. Dessa forma, Abdon tornou-se presidente do Partido Dissidente em Feira de

Santana, tornando-se oposição ao grupo de Tito Ruy Bacellar. Assim foram formados

os grupos severinistas e marcelinistas em Feira de Santana.

Era preciso para esses políticos ter uma boa relação com o poder instituído e

com os outros políticos e com os seus eleitores. Veremos abaixo como prestígio e

influência foram essenciais para que os grupos políticos buscassem legitimar suas

vontades e ações na cidade de Feira de Santana.

2.4 As eleições de 1907: das disputas às relações de poder.

Aldo Silva destaca que nos primeiros anos da República as relações políticas

institucionais feirenses se mantiveram de certa forma uniformes, e em meados da

primeira década houve uma ruptura no segmento dirigente feirense, que estabeleceu

uma aguerrida disputa, que teve como palco as páginas dos jornais que circulavam na

cidade150. Sobre essa ruptura, seus motivos e os desdobramentos é que iremos nos

debruçar nas páginas seguintes.

Um dos motivos decisivos para essa cisão na política feirense para Silva foi um

desentendimento ocorrido no ano de 1904. Abdon de Abreu, tendo sido apadrinhado

150SILVA, Aldo José Moraes. Natureza sã, civilidade e comércio em Feira de Santana: elementos para o estudo da construção de identidade social no interior da Bahia (1833-1937). UFBA: Salvador, 2000. P.163.

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65

politicamente pelo coronel Tito Ruy, depois de ocupar um lugar no Conselho

Municipal, insurgiu-se contra o antigo padrinho manifestando aspirações à intendência

nas eleições que se realizariam dali a três anos151. Abdon, entre os anos de 1904 e 1907,

foi membro do Conselho Municipal, sendo definido pelo jornal O Progresso como

oposição e minoria nesse mesmo conselho, votando sempre contra as propostas do então

intendente Tito Ruy. Com a cisão que ocorreu no Partido Republicano da Bahia, este

político teve a oportunidade de satisfazer seu desejo e lançar sua candidatura nas

eleições para a intendência em 1907.

Não sabemos se essa divergência começou antes do ano de 1904, mas

apontamos que os atritos já ocorriam antes das eleições municipais de 1907. Pois, do

ano de 1905 até o conturbado pleito eleitoral de 10 de novembro de 1907, os jornais

publicavam, muitas vezes, trocas de farpas entre os políticos feirenses que eram os

donos dos jornais (O Progresso e A República), que foram instrumentos importantes na

disputa que se seguiria. O confronto se deu pelo cargo de Intendente e dos Conselheiros

Municipais. Na convenção do PRB no município em 1907, o coronel Bernardino Bahia

foi eleito com 27 votos para concorrer à chefia do executivo municipal, não estando

presente nessa convenção o coronel Abdon de Abreu, seu genro Requião e seus aliados.

A supracitada convenção também deliberou acerca dos candidatos que concorreriam

para o Conselho Municipal e os Juízes de Paz. Restou ao coronel Abdon de Abreu e

seus aliados entrarem na disputa pelo Partido Dissidente apoiado pelo candidato a

governador Araújo Pinho e o político J.J Seabra. Formalizou-se a primeira disputa

eleitoral do período republicano na cidade.

Com os candidatos declarados, foram formadas as mesas eleitorais. Vimos a

oposição acusar essa formação dizendo que havia sido forjada. Temos no jornal O

Progresso as mesas eleitorais compostas pelos políticos representantes do Partido

Republicano da Bahia. No 1º distrito quem estava na mesa era o capitão Juvêncio

Erudilho que era conselheiro e estava concorrendo novamente ao cargo pelo PRB 152.

Mas é comum a oposição basear-se nas mesmas cópias e dizer-se vitoriosa. É que eleições são ‘uma briga entre papéis falsos’ (apud. Deputado Erico Coelho). Daí aparecerem deputados e senadores, oposicionistas e situacionistas dizendo-se eleitos para a mesma vaga.

151Idem. P.168. 152 O Progresso 13 de outubro de 1907, p. 02: Editaes, MCS.

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66

A comissão de verificação de poderes das Assembléias estaduais e do Congresso Nacional é que vai decidir afinal a questão 153.

Como ressaltou Carone, era comum usar as cópias das atas para declarar a

vitória aos candidatos do grupo. Isso ocorria em todas as instâncias, como percebemos

em nossas pesquisas. No ano da dissidência política em Feira de Santana, os dois grupos

usaram as atas eleitorais para provarem sua vitória, cada grupo formou suas mesas

eleitorais e os jornais que os apoiavam divulgaram um resultado buscando legitimar o

vencedor. Vejamos como o jornal O Progresso que representava um dos grupos,

noticiou o resultado dessas eleições:

Os nossos adversários cônscios da inevitável derrota que os aguardava nas urnas, destas fugiram forgicando das trevas uma eleição, da qual ninguém teve noticia, sabendo-se do seu resultado por telegrama enviado daqui e publicado no órgão do governo. (...) A população da cidade foi testemunha do espetáculo belíssimo, do exemplo edificante que deram nossos amigos, comparecendo nos edifícios previamente designados; a fim de exercerem o sagrado direito que lhes é assegurado pela nossa Constituição e leis orgânicas. (...) O que fez a oposição se não mandar nos penúltimos dias da eleição, receiosos ainda, concentraram aqui a soldadesca dos destacamentos de Santa Barbara, Almas e Bonfim transformando assim, esta cidade em praça de guerra154. (sic)

Muitas foram às discussões, trocas de acusações e até mesmo enfrentamentos

com violência física em função desse pleito. Nos resultados divulgados pelo jornal O

Progresso a diferença de votos entre Bernardino Bahia e Abdon Alves era imensa,

enquanto Bernardino teria recebido 252 votos em um dos distritos o seu oponente teria

recebido apenas um 155. Abaixo destacamos como foi intensa as acusações trocadas

entre esses dois grupos.

Effetivamente assim procederam esses pregoeiros da fama ingente do governo, por que não se julgaram dignos de um pleito livre, e com máxima desfaçatez chasqueiam e o atiram a face de uma população briosa, honesta, inteligente e circumpecta a monstruosidade de uma farça como se originada fosse de ventre das urnas. O simulacro da eleição a que vimos de referir, não resiste a mais rápida analise pela fraude torpe com que foi concebida. Basta considerar-se que sendo de 2103 os eleitores deste município, figuraram como tendo votado na eleição fraudulenta da gente do governo, 1541 eleitores; ficando para

153CARONE, Edgar. A primeira República (1889-1930): texto e contexto. São Paulo: DIFEL:1973. P. 303 e 304. 154 O Progresso, 17 de novembro de 1907, p.01: “O Resultado”. MCS. 155O Progresso, 17 de novembro de 1907, p. 01: “O Resultado”. MCS

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o pujante Partido Republicano 562; numero este sujeito a mortos, feridos, mudados e indiferente ao pleito, etc. De cara à banda os senhores da fraude! 156. (sic) Os nossos adversários não puderam defender com seriedade a construção que fizeram da grande bandalheira nas eleições municipais havidas ultimamente, sobre cuja base de falsa argamassa pretenderam erigir seu castelo de fraude157 Há na administração actual, deshonestidades, esbanjamentos, bandaleiras e que a sombra de meios ignóbeis de há muito tem a facção severinista empolgado o governo municipal, de cujos cofres alguns tartufos bem conhecidos tem vivido exclusivamente, exordia estar o município levado a bancarrota. 158. (sic)

A oposição liderada pelo coronel Abdon de Abreu aproveitou-se da situação da

cisão do PRB para chegar à chefia do poder municipal, ao se aliar com os governistas

(José Marcelino, Araújo Pinho e J.J Seabra). Nos dias dessas eleições instalaram-se

outras mesas eleitorais e anunciaram pela imprensa que também havia ocorrido às

eleições no qual o mesmo coronel teria vencido com uma diferença grande para seu

oponente, o coronel Bernardino Bahia. Por ter o apoio do governador, esse grupo logo

enviou correspondência oficial declarando Abdon de Abreu o candidato vitorioso dessas

eleições. Logo esse grupo que até então ocupava o lugar de oposição, soube prevalecer-

se da cisão política e virar o jogo político na cidade, tendo também criado o jornal O

Município como instrumento de apoio na busca da formação de opinião pública.

As minorias ou oposições procuram, na luta pela sobrevivência, encontrar ou renovar fórmulas e maneiras que as justifiquem e unam: cisão de partidos, formação de novos partidos- que se mostram efêmeros- criticas às formas organizatórias situacionistas, caracterizações morais, formações de blocos dos Estados, são traços da luta das oposições contra a situação159.

Como Carone destacou, as oposições buscavam formas de conseguir espaço nas

disputas eleitorais. Foi ao que parece, o que o grupo liderado por Abdon de Abreu fez;

procurando vencer e tornar-se intendente, esse coronel por meio da aliança com os

governistas estaduais buscou legitimar os resultados da eleição ao seu favor. Assim foi

por meio das duplicatas, da formação de outras mesas eleitorais, da divulgação de dois

156 O Progresso, 24 de novembro de 1907, MCS. 157 O Progresso, 08 de dezembro de 1907, MCS. 158 O Propulsor, 01 de dezembro de 1907, MCS. 159

CARONE, Edgar. A primeira República (1889-1930): texto e contexto. São Paulo: DIFEL:1973. P. 311.

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resultados diferentes e embates verbais e físicos com o outro grupo em disputa que esse

assumiu a chefia do executivo municipal. Abdon de Abreu foi auxiliado pelo delegado

Andrelino e seus correligionários e tomaram de assalto à intendência em janeiro de

1908 tomando posse como intendente.

No livro negro das acções indgnas fica registrada mais uma das scenas vandálicas que, ao declinar o dia 28 do mez findo, a mão armada praticaram os seitosos que constituem o elemento desorientado do Sr. Governador do Estado neste município, para dar posse ilegal a Abdon. Os vampiros da situação governista arrombaram o paço municipal e as portas da igreja do Senhor dos Passos que foi transformada em aquartelamento de jagunços como se a Feira fosse uma terra de selvagens160. (sic).

Mas o grupo liderado por Tito Ruy Bacellar, apoiado por Severino Vieira,

alegando também a vitória, deu posse ao seu “eleito intendente”, o coronel Bernardino

Bahia, em outro prédio que foi alugado na Praça dos Remédios e denominado como o

novo Paço Municipal.

Não obstante a ostentação da força publica e a horda de jagunços que infestou esta cidade desde a tarde de 31 de dezembro ate o dia 02 de janeiro, esteve a posse dos conselheiros e intendentes eleitos para quadriênio de 1908 a 1911, revestida de grande solenidade. A uma da tarde começou a cerimônia repleta de pessoas gradas, representantes de todas as classes desta cidade e distrito, representantes de diversas sociedades e da imprensa, etc.(...) Nesta ocasião foram erguidas muitos vivas aos drs. Severino Vieira, Ignacio Tosta, senador Cupertino Lacerda e ao cel. Ruy Bacellar161.

Além de narrar toda a posse do coronel Bernardino Bahia, O Progresso ainda

traz uma lista apresentando figuras importantes da cidade que estiveram presentes neste

evento. Capitães, coronéis, farmacêuticos, jovens acadêmicos como Eduardo Fróes da

Motta. Aparecem nessa lista mais de 250 nomes de famílias e pessoas de destaque da

cidade e dos distritos162· .

Para além da cerimônia de posse em outro lugar, “os severinistas” como foram

chamados, recorreram ao Senado para resolver a questão do dúbio resultado e de qual

seria a Câmara legal. Mas foi José Marcelino, governador do Estado da Bahia, quem

160 O Progresso, 08 de janeiro de 1908, MCS. 161

Idem. 162Essa lista se encontra na página 03 do jornal O Progresso de 08 de janeiro de 1908 com o título de “A posse do intendente”.

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decidiu e deu como legítima a eleição de Abdon de Abreu. Enquanto o processo não era

concluso a cidade foi governada pelos dois coronéis no decorrer de alguns meses.

Ambos decretavam editais, cobrava impostos e administravam a cidade, tendo os jornais

ligados a ele como forma de legitimar os governos de cada qual.

Se assim é, admitido gratuitamente esta hypothese, o que diremos no caso da Feira, em que os adversários nunca tomaram posse dos cargos? Acaso terão eles a pretensão de serem continuadores de seus antecessores? O coronel Abdon e seus amigos é que exercem as funções as mais claras e notórias é que estão por direito e por posse material de fato reconhecida pelo exmo.Sr. Governador do Estado163. (sic)

O acordo feito entre o governador e o então intendente de Feira de Santana,

estabeleceu que Abdon fosse legitimado como eleito e que assumiria a gestão de 1908-

1912. Mesmo assim, durante a administração municipal desse, houve troca de

acusações, o boicote aos impostos e outras maneiras de desgastar a gestão. Um ano e

meio depois das confusas eleições, foi divulgado o resultado do processo que o grupo

oposicionista interpôs no Senado Estadual para invalidar a posse de Abdon. O jornal

governista publicou em 1909 que:

No dia 09 deste, o Senado Bahiano, tomando conhecimento da duplicata eleitoral, decidiu pela nullidade da eleição da opposição, validade de nossos correligionários, consolidando-lhe os effeitos, patenteando a verdade de que Ella era portadora164. (sic)

Não houve comentários por parte da oposição a respeito da divulgação desse

resultado. Mantiveram estes a sua estratégia de não colaborar com a administração e

buscar deteriorar sua imagem, acusando-os sempre de destruir e atrapalhar o progresso

da cidade. Nos jornais O Progresso e Folha do Norte desse período frequentemente

saiam críticas sobre os mais diversos serviços prestados pela intendência, tais como

iluminação pública, asseio, arborização e educação da cidade.

Entretanto, após a saída de Abdon de Abreu, uma aliança foi estabelecida entre

os coronéis Agostinho Fróes da Motta e Bernardino Bahia, a partir de então, durante os

anos subseqüentes, esses se sucederam na chefia do município conseguindo manter o

seu grupo sempre nas esferas do poder. Nesse período já estava enfraquecido, ou

163 Jornal O Município, 22 de agosto de 1909, MCS. 164 Jornal O Município, 18 de julho de 1909, MCS.

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melhor, vencido, o grupo que foi liderado por Abdon de Abreu. Mostra disso se dá que

a indicação de J.J Seabra para assumir a chefia do município em 1915 recai sobre

Agostinho Fróes da Motta, mostrando que resquícios da cisão do partido de 1907 ou

mesmo ressentimentos não estavam mais presentes nesse novo contexto e que o local

(os municípios) dependia da articulação com o estadual, das relações estabelecidas com

o governador165.

Concomitantemente, uma situação parecida ocorreu nas eleições também para

governador no ano de 1908, quando cada grupo político (PRB x PRD) apresentou como

eleito, seus candidatos. Os severinistas apresentaram Ignácio Tosta (que era deputado

federal e proprietário de prestígio no Estado), como eleito com uma grande diferença

para Araújo Pinho (fazendeiro, foi o primeiro presidente do Banco de Crédito da Bahia),

não obstante, o grupo dos marcelinistas legitimou a eleição deste último candidato. As

disputas e discussões entre os grupos rivais também recaíram sobre essa eleição, como

expressa O Progresso:

Desorientado, sim por que se o governo tivesse convicção plena de que a candidatura que impuzera de seu compadre e amigo para suceder-lhe na governamentação do Estado tivesse apoio geral ou ao menos maioria relativa eleitoral, não desceriam armmar belleguins por toda parte para perturbarem a ordem publica, levando desespero e pavor ao centro das famílias, com o fito de amedrontar os tíbios e, assim, por outros meios indecorosos obter, se não votos, ao menos dispersão dos eleitores para muito a jeito serem fabricadas eleições falsas166. (sic)

O jornal da oposição em Feira de Santana acusou o governador José Marcelino

de impor a sua escolha para a sucessão governamental, aplicando quaisquer expedientes

que garantissem a eleição do seu candidato. O grupo de Tito Ruy tomou posição em

defesa do candidato do PRB e buscou desqualificar a escolha do governador e divulgar

como fraudulenta e ilegítima a eleição de Araújo Pinho. As mesas eleitorais foram

organizadas na cidade e ocorreram as eleições, porém cada grupo acusou o outro de ter

fraudado a eleição, sendo divulgado por cada qual um resultado diferente. O grupo de

Tito Ruy anunciou a vitória de Ignácio Tosta e o de Abdon de Abreu, a de Araújo 165Analisaremos mais abaixo a aliança e as gestões desses dois sujeitos que se mantiveram forte até o falecimento de Agostinho Froés da Motta no ano de 1922, momento da emergência de um novo sujeito político, o jovem Arnold Ferreira da Silva, que assumiria a intendência nos últimos anos do nosso recorte temporal. 166 Jornal O Progresso, 08 de janeiro de 1908, MCS.

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Pinho. Nesses casos de duplicatas e dois resultados diferentes era o Legislativo estadual

que, pela lei, deveria resolver a questão desses impasses.

Mencionamos o caso das eleições governamentais destacando como foi

freqüente o uso das duplicatas nas eleições no início do século XX. Grupos divulgavam

mesas eleitorais, anunciavam ocorrência das eleições e declarava os candidatos eleitos,

o que levava a ter dois vencedores gerando tumultos, o que possibilitava ao Legislativo

dar a vitória ao grupo que apoiava. A cisão no Partido Republicano da Bahia foi um

dos vários motivos que possibilitou o fortalecimento de J.J Seabra, que assumiu o

governo do Estado em 1912 mantendo sua influência e aplicando sua estratégia no jogo

político durante todo o período que abrange 1912-1920 e que será discutido mais

abaixo.

2.5: Cortem as unhas, tirem os viscos 167- analisando estratégias políticas.

Analisamos dois exemplos em que os grupos rivais usaram de diversas táticas

para alcançar o desgaste público dos seus oponentes. O empréstimo contraído na gestão

Tito Ruy em 1906 e o não pagamento dos impostos de gado nos anos da administração

do coronel Abdon de Abreu (1908-1912), mostram armas de disputas das oposições no

momento para atingir seus adversários de alguma forma. Observemos as versões dadas

pelos grupos adversários ao empréstimo contraído em 1906:

O que há de certo é que, decrescendo as rendas de annos para cá, attentas as incertezas das estações pluviaes, motivaram a necessidade da realização de um empréstimo para ocorrer as despezas urgentes e effectuar-se a compra de dois edifícios, tendo um deles por fim instituir uma renda certa e progressiva, uma vez levado a efeito os melhoramentos de que carecedor. (...) De abril para cá, a voz onipotente da grey governista em desforço a recusa do legislativo e executivo municipal solidaridarem-se com o governo de Estado na campanha tremenda em favor da candidatura que a apresentará para o seu sucessor e faz espalhar urb ET orb até pelas interferências das autoridades policiais dos distritos, com raras exceções, que na epocha actual nenhum imposto deveria ser pago; de sorte que, essa voz constantemente renovada pelos pregoeiros do prestigio intensamente repetia por toda a parte cercando a vida econômica do município168. (sic).

167Jornal Folha do Norte, 11 de dezembro de 1909, p. 01, MCS. 168 Jornal O Progresso, 08 de dezembro de 1907, MCS.

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O empréstimo foi feito com os negociantes da Praça da Bahia (Salvador),

Almeida Castro & Comp. E Moraes & Comp. O valor, cem contos de reis, a juros de

10% ao ano, seria destinado à aquisição de dois prédios, um para a Santa Casa de

Misericórdia e o segundo para produzir renda através da locação. Seria dado como

garantia desse empréstimo, o imposto de gado e seu consumo, e como subsidiaria, na

insuficiência deste, o imposto de exportação. A oposição liderada por Abdon de Abreu

incitou a população a não pagar os impostos para evitar a efetuação do empréstimo.

Acontece que quando Abdon de Abreu assumiu a intendência, a sua tática foi colocada

em prática pela nova oposição liderada por Tito Ruy e Agostinho Fróes da Motta, que

passou a não pagar os impostos, deixando a Intendência sem verbas até mesmo para

iluminação pública.

Estes tentaram com seus planos machiavelicos impigir o publico sensato desta cidade que os contribuintes teem de pagar 32% ao anno, alem do principal, incitando o povo a que não pague os prestamistas. (...) Quem não pode assim falar ao povo é essa camarilha ganansiosa que custe o que custar quer se apoderar do poder, porquanto desde que se operou a cisão do partido, vem entorpecendo a marcha regular do município com doutrinas subversivas ao regimem tributário, a ordem da paz locaes169. (sic). No entanto, o município apezar de reconhecer terem suas rendas decrescidas por circunstâncias econômicas, está actualmente abraçado com outras dificuldades creadas por interesses que se não justificam, como dentre outras, a nulla, pode-se dizer, arrecadação de impostos devidos. Simplesmente por uma má orientação política de alguns de nossos concidadãos, o dizemos, sem que lhes possa pezar à dignidade, que se recusam ao pagamento do imposto, sob vários fúteis protestos, especialmente partidários. 170 (sic).

No primeiro trecho temos a administração do intendente Tito Ruy se defendendo

das notícias sobre não pagarem os impostos. Como esses tributos eram oferecidos como

garantia em caso de empréstimo solicitado, a fala do chefe da intendência era,

principalmente, um gesto de defesa do mandato. Um breve interregno... e o feitiço virou

contra o feiticeiro: uma vez empossado, o Coronel Abdon de Abreu foi vítima do

mesmo estratagema. Os oposicionistas mais abastados da cidade, Froés da Mota,

Tertuliano de Almeida, Bernardino Bahia, Quintiliano Martins, Heráclito Dias de

169 Jornal O Progresso, 22 de dezembro de 1907, MCS. 170 Ressaltamos mais uma vez que o jornal O Progresso estava ligado ao grupo liderado por Tito Ruy Bacellar e o jornal O Município ao grupo de Abdon Alves de Abreu. Jornal O Município 12 de junho de 1908, MCS.

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Carvalho e outros171 passaram a se recusar a pagar os impostos de gado, dizendo ser a

administração de Abdon de Abreu ilegal e ilegítima. Os primeiros meses de publicações

do jornal O Município estava sempre a pedir que estes pagassem os impostos,

mostrando que essa era uma tática política da oposição. Tática essa praticada por esse

grupo anteriormente. Para solucionar a questão, Abdon de Abreu, juntamente com o

governador e o prestamista fizeram um acordo e conseguiram resolver o débito do

empréstimo no fim do ano de 1908.

Na gestão de Abdon de Abreu, por falta dos pagamentos dos impostos, chegou-

se mesmo a suspender temporariamente a iluminação pública da cidade, sob acusação

de a intendência não ter verba e ter já encontrado os cofres vazios e sem os livros de

foros e da décima urbana. Os negociantes, além de se negarem a pagar os impostos do

gado, também tentaram mudar a feira da cidade para São Gonçalo, estratégia para

enfraquecer ainda mais a gestão do então Intendente. Apresentamos aqui as duas

versões observadas sobre o episódio:

Diversos negociantes despeitados levantaram-se contra o pagamento do imposto de gado vendido no campo da feira, e, apesar de uma conciliação realisada depois de terem tentado retirar o commercio de gado d’aqui para S. Gonçalo, ainda não entrou quantia alguma desse imposto para os cofres municipaes, acrescendo mais que os adversários da actual situação envidam todos os esforços para que os agentes arrecadadores nomeados pelo intendente, que esta effectivamente exercendo as funções deste cargo não a façam172. (sic) Os abaixo assignados de negociantes e comerciantes nessa cidade tendo em vista a pressão e pela cobrança vexatória do imposto por parte de uma Câmara ilegalmente constituída, e ainda mais pela intervenção da força policial disposta em diversos grupos tendo a frente o delegado de policia (...) os vendedores e compradores resolveram procurar outro mercado para efectuarem a suas operações para este a sede do município visinho de S. Gonçalo173. (sic)

Vimos que os negociantes além de não pagar, se articularam para uma mudança

da feira, o que além de prejudicar a arrecadação do imposto iria atrapalhar a rotina e a

economia da cidade, já que o comércio e a feira semanal era a mais importante atividade

econômica. Ainda encontramos nos anos de 1909 e 1910 notícias circulando cobrando

171 Na lista de devedores constam 119 nomes. O Município, 08 de agosto de 1908. 172 Jornal O Município, 30 de junho de 1908, MCS. 173 Jornal O Município, 16 de janeiro de 1908, MCS.

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os pagamentos174, sendo mesmo acionado o advogado da intendência com ameaças de

recorrer judicialmente aos devedores do mesmo. O não pagamento teve como

desdobramento, além de dificuldades financeiras para a intendência, confusões e

enfrentamentos. Um exemplo foi o caso que envolveu o capitão Juvêncio Erudilho que

era correligionário de Tito Ruy e acusou o capitão Andrelino de Oliveira e os coronéis

Abdon de Abreu e Manoel de Freitas de agressão, por ter ele reclamado que duas rezes

suas ficaram presas no matadouro por falta de pagamento. O jornal O Município narra a

seguinte versão:

O Sr. Juvêncio é o maior grulha da Feira. Incançavel derractor da actual situação política e excitador de tudo quanto possa embaraçar a administração municipal por que elle e seus amigos depois de anniquillarem aquele município, este nunca quis pagar o imposto das rezes abatidas para o consumo e assim sendo impedido no dia 12 corrente de retirar do matadouro as mesmas rezes, sem o pagamento dos impostos e entendendo que isso era grande ofensa a sua pessoa e dirigindo-se com ares de grão- senhor ao capitão Adrelino que em companhia do cel. Abdon estava. (...) Isso deu motivo para que o cel. Abdon o repelisse com termos comedidos, mas energéticos não sendo agredido por trez, pois não teria sahido incólume175. (sic)

Como vimos foram inúmeras as versões desse episódio, que resultou numa

grande confusão entre os sujeitos envolvidos. Os que agora eram oposição justificavam

o não pagamento dos impostos pela ilegalidade da posse de Abdon. Afirmavam que

apenas pagariam os mesmos quando o Senado divulgasse o resultado do processo

movido por esses contra a eleição do Intendente. Essa tática foi a mesma que tempos

antes foi aplicada por Abdon e seus correligionários, ficando assim evidente que os

grupos usavam as mesmas cartas para atingirem seus objetivos.

Hontem era essa gente a gritar por toda parte que ninguém pagasse imposto algum; hoje é essa mesma gente que se julgando empoleirados por meio de eleições falsas, exige a ferro e fogo que se lhe pague todos os impostos!176. (sic)

Não só o caso relacionado ao pagamento dos impostos ocasionou

desentendimento e ataques pelos jornais, algumas vezes ocorriam violência (como a

troca de tiros) e agressões envolvendo membros desses grupos rivais. Vale ressaltar que

174 Ver os jornais O Município de 1909 (11 de agosto: “a pedidos”, 25 de julho: “Dever cívico”) e 1910 (13 de abril, 22 de julho: “aos devedores do município”). 175 Jornal O Município, 08 de agosto de 1908, MCS. 176 Jornal O Progresso, 19 de janeiro de 1908, MCS.

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a posse e os primeiros meses de 1908 foram marcados pelo uso da força e de violência

de ambos os lados. Exemplo disso foi que em Janeiro de 1908, segundo o jornal O

Progresso, acompanhado de policiais e (supostamente) de jagunços o mesmo coronel

Abdon foi à casa de Tito Ruy exigindo as chaves do paço municipal e sendo-lhe

negadas, invadiu a intendência e a igreja Senhor dos Passos,

Se a transacta administração não o amortisou e não satisfez os juros do ultimo semestre de 1907, foi unicamente por que logo nos prenuncios da cissão do governo do Estado, os aventureiros de posições no município procuraram com a policia de sabre em punho, incutir no espírito dos contribuintes o não pagamento dos impostos devidos, sob promessas falazes de em breve alivial-os desses e outros gravames, concorrendo assim para retardarem e decrescerem as rendas; e em dezembro do citado anno, os actuaes tartulos, pseudos-administradores, tomaram de assalto o prédio municipal, apossaram-se dos livros do archivo e tudo mais fizeram sob a garantia das auctoridade daquelles tempos, em que o despotismo apunhalava impunemente a Constituição e todas as leis do nosso Estado177. (sic)

Sobre o fato do assalto ao Paço Municipal, muitas versões circularam na Capital

do Estado. Os jornais, com algum tipo de relação com os grupos, apresentavam por ora

como invasão do grupo oposicionista e ora como legítima, a posse de Abdon de

Abreu178.

Também foi estratégia da oposição, formada pelos coronéis Tito Ruy,

Bernardino Bahia, Agostinho Froés da Motta e outros, que ocupava a maioria dos

cargos do Conselho Municipal, não participar das reuniões do conselho, inviabilizando

os encontros por falta de quorum. Quando, eventualmente, as reuniões ocorriam, os

conselheiros se recusavam a aprovar os projetos do intendente e estas terminavam

sempre em discussões e trocas de acusações. Essa forma de luta enfraqueceu o

intendente, impedindo-o de aprovar balancetes anuais, realizar obras e melhoramentos,

ou:

(...) que o intendente de fato não quis que as atas das escassas sessões do mesmo conselho fossem dadas à publicidade, por que... Por que... umas tantas cousas não podem aparecer179

177 Jornal Folha do Norte, 11 de dezembro de 1909, MCS. 178 As referências são o Diário da Bahia, órgão oficial do PRB e ligado a Severino Vieira e o Correio da Manhã. 179 Jornal Folha do Norte, 25 de dezembro de 1909, MCS.

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É conhecido, por demais até, que neste município houve duplicatas de eleições municipaes e governamentaes; também é subjacente notório que o conselho municipal opposicionistas não tomaram até hoje posse dos cargos que se dizem eleitos180. (sic)

Por conseguinte o intendente também se articulava no sentindo de conseguir

alcançar seus objetivos, seja burlando as eleições a fim de favorecer seus aliados

políticos, seja fazendo suas obras públicas sem apoio do conselho municipal. Assim

temos em 1911 a inauguração da Avenida Araújo Pinho feita na gestão deste sem apoio

do Conselho Municipal e que foi considerada pelo memorialista Oscar Damião como

única obra feita por esse intendente181.

2.5.1: Todos saem ganhando: uma análise do acordo político das eleições

municipais de 1911.

Consideramos essencial debater o acordo político feito entre os coronéis Abdon

Alves e Agostinho Fróes da Motta referente às eleições municipais de 1911 e seu

improvável enlace final. Nela podemos perceber as táticas dos grupos para que ambos

fossem beneficiados nessas eleições municipais. Vejamos como o jornal Folha do Norte

discorre sobre esse acordo:

Um acordo foi realisado entre as forças políticas deste município, representadas de um lado pelo nosso distinto, leal e querido correligionário coronel Agostinho Fróes da Motta e de outro lado pelo ilustre coronel Abdon Alves. Por este acordo solene, que dignifica a ambas as partes pelo desprendimento e abnegação de quaesquer interesses pessoaes, pois unicamente visa o levantamento deste municipio, ficou determinado dividir-se as posições políticas da Feira de Sant’ Anna, que caberão a seis membros de cada partido, sendo que nosso partido dará o intendente ficando indicado o coronel Fróes da Motta e cinco membros do concelho e dará o partido situacionista os restantes seis membros para o concelho municipal. Como se vê este acordo honra a Feira e seus filhos. Concorreram para elle, em perfeita comunhão de vistas as eminências do Estado. Ao superior critério e segurança de vista do conspícuo senador José Marcelino de Souza, chefe do partido situacionista, deve-se principalmente o êxito desta feliz solução. A ella esta ligado ainda o nome do honrado Dr. Araújo Pinho, mui digno governador do estado, cuja distinção e boa vontade muito contribuiu para o acordo que foi também aplaudido e

180 Jornal O Município, 19 de março de 1909, MCS. 181

DAMIÃO, Oscar. Dicionário Personativo de Feira de Santana. Feira de Santana.

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77

propugnado pelo nosso eminente amigo e dedicado chefe senador Severino Vieira182. (sic).

As facções buscaram na forma de um acordo ocupar os cargos políticos e evitar

um futuro confronto. Porém os acontecimentos não saíram tão bem quanto o esperado e

desejado. O coronel João Mendes da Costa lançou também sua candidatura para o cargo

de intendente pelo Partido Republicano Conservador que era chefiado por J.J Seabra,

dizendo-se apoiado por este último e pelo político Luis Vianna183 Mais uma vez as

eleições ocorreram e duplicatas e dois resultados diferentes se apresentaram. Os grupos

do acordo político declaram-se eleitos.

É uma verdade. E felizmente, em prol da democracia, neste município da Feira de Sant’ Anna, o pleito eleitoral do dia 12 corrente foi uma realidade. Para orgulho nosso, para orgulho desta terra, o resultado que se proclama dos comícios eleitoraes do ultimo domingo, é o verdadeiro grito das urnas e a genuína expressão da vontade do povo. As urnas falaram... (sic) 184.

Uma semana após as eleições, vemos o jornal Folha do Norte anunciando a

vitória dos políticos que participaram do acordo político. Mas o mesmo ocorreu com o

coronel João Mendes que recorreu ao Senado dizendo-se eleito e legítimo intendente da

cidade.

A outra eleição que o Sr. João Mendes da Costa fez publicar n’o Trabalho, de São Gonçalo dos Campos é igualmente fraudulenta e mais audaciosa por que o actual vice-presidente do conselho municipal e chefe de hostes cujos ídolos são também Seabra e Vianna, concorreu, com todos seus elementos, ás urnas e disputou a eleição, por sinal soffrendo uma derrota ruidosa, em que o ampararam 27 votos185. (sic)

O jornal O Trabalho que circulava na vizinha cidade de São Gonçalo dos

Campos era órgão dos seabristas na região que buscou legitimar a vitória de João

Mendes da Costa. Essas eleições foram anuladas e um novo pleito ocorreria em 1912.

Sobre essa anulação, a Folha do Norte publicou o seguinte comunicado:

182 Jornal Folha do Norte, 24 de setembro de 1909, MCS. 183

A aliança entre Viana e Seabra derrotou José Marcelino, Araujo Pinho e Rui Barbosa nas eleições presidenciais de 1911 que será discutida mais a frente neste capítulo. 184 Jornal Folha do Norte, 18 de novembro de 1911, MCS. 185 Folha do Norte, 26 de novembro de 1909, MCS.

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78

Por decreto do dia 28 do corrente, do digno Sr. Dr. Vice- governador do Estado foi auctorisado, aos actuaes intendentes, conselheiros, juízes de paz e membros de Junta disctrictal deste município, continuarem a funcionar de 1ª de janeiro em diante até que o Senado se pronuncie a respeito da duplicata de eleições municipaes. Não haverá assim a 1ª do corrente, a solenidade da posse para que se estavam fazendo convites. Igual medida o governo está tomando de referência a todos os municípios186 (sic).

Após a divulgação da anulação das eleições, o acordo político foi desfeito e o

coronel Abdon de Abreu passou a apoiar o coronel João Mendes como candidato. Em

um cenário em que alianças eram feitas, desfeitas e refeitas, o coronel João Mendes da

Costa foi um exemplo dessa instabilidade nas relações políticas. Num primeiro

momento concorreu a intendente como opositor da chapa Froés/Abdon. Anulada esse

pleito eleitoral, atraiu seu amigo e compadre Abdon de Abreu, que foi acusado de

traidor e de forjar as atas eleitorais. Por fim, desistiu do cargo de intendente,

concorrendo ao conselho municipal, ao lado de Agostinho. O novo candidato a

intendente, foi o coronel Bernardino Bahia, apoiado pelo governador do estado e seus

correligionários, que concorreu contra Abílio Guimarães.

As eleições de 15 de setembro de 1912 ocorreram apenas nos municípios do

interior do Estado e não ocorreu na capital. Foram fiscalizadas por deputados e

senadores da situação do governo: para cada distrito da cidade e na sede deste município

houve um emissário para verificar as mesas eleitorais. O objetivo desta seria evitar as

‘fraudes’ e ‘duplicatas’ nesse pleito eleitoral.

Chegarão hoje a esta cidade, em trem especial, distintos políticos, deputados e senadores situacionistas, que vêm da capital do Estado, comissionados pelo governo, assistir o pleito. Para cada distrito seguirá um desses emissários. Convêm que o srs. eleitores tenham muito em atenção o modo de fazer a cédulas que devem ser escoimadas de qualquer vicio187.

Apesar das acusações de Abílio Guimarães de duplicatas, o governo do Estado

declarou como legítimas as eleições de Bernardino Bahia como intendente e dos demais

conselheiros e juízes de paz. Em outubro desse mesmo ano, o mesmo coronel assumiu a

chefia do executivo de Feira de Santana, permanecendo até os fins de 1915 no poder.

186 Jornal Folha do Norte, 30 de dezembro de 1911, MCS. 187 Jornal Folha do Norte, 14 de dezembro de 1912, MCS.

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79

Porém o cenário estadual encontrava-se totalmente conturbado e é sobre esse cenário

que debateremos agora.

2.6: O bombardeio de Salvador e a ascensão de Seabra ao poder.

Os chefes políticos não se improvisão de um dia para outro; não são os que

querem; são os que podem pelos predicados que caracterisam a essa posição188. (sic)

Nesse subtópico discutimos as manobras políticas estaduais que levaram a

ascensão de J.J Seabra à chefia do executivo estadual, suas estratégias, analisando e

relacionando como os políticos feirenses se posicionaram e suas estratégias de apoio ou

de oposição ao mesmo.

Em 1911, Seabra então ministro da Viação e Obras Públicas, lançou sua

candidatura para concorrer à chefia estadual da Bahia para o quatriênio 1912-1916 pelo

Partido Republicano Democrata(PRD). Era então chefe desse partido e foi buscando

consolidar de vez seu nome na política baiana, uma vez que já figurava nas relações

políticas nacionais e estaduais. Fora um dos percussores da campanha presidencial de

Hermes- Wenceslau (1910) na Bahia, não apoiando a candidatura de Ruy Barbosa e sua

campanha civilista. Seabra foi o responsável pela criação da JUNTA BAIANA PRO-

HERMES-WENCESLAU no centro político republicano, sendo o presidente desta.

Dele participaram figuras como Octávio Mangabeira, Antônio Moniz e Dr. Freire de

Carvalho. As bases dessa junta definiam que:

Base IV- Em cada município do Estado e em cada distrito desta capital os adeptos das candidaturas Hermes-Wenceslau, constituirão uma junta local composta do número de membros que considerarem conveniente, comunicando a comissão central o que porventura resolverem189.

Essa junta foi uma tentativa de captar em todo estado o apoio para dar a vitória

aos candidatos à presidência e vice-presidência da República. Esta mesma junta se

desdobraria na união com o Partido Republicano Conservador (PRC). Em resposta ao

188

Jornal O Progresso, 17 de dezembro de 1905: Pelo cós das calças, MCS. 189

ARAGÃO, Antônio Ferrão Moniz de. A Bahia e seus Governadores na República. Edição fac-similar- Salvador: Fundação Pedro Calmon, UEFS editora: 2010. P. 284.

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80

apoio dado a sua campanha, o novo presidente eleito, o marechal Hermes da Fonseca

escolheu Seabra para assumir o ministério da Viação e Obras Públicas.

Com apoio do Presidente da República, Seabra lançou sua candidatura para o

cargo de governador, concorrendo com Domingos Guimarães (que se candidatou pelo

PRB). Mas do início dessa disputa eleitoral até a sua posse em 1912, muitas águas e

conflitos rolaram no cenário da política baiana. A principal delas foi o bombardeio da

cidade de Salvador, no contexto das chamadas salvações nacionais. Mônica Quaresma

salienta que durante o governo de Hermes da Fonseca, ocorreram no Brasil intervenções

federais nos estados, feitas pelos militares, que ficaram conhecidas como as salvações

nacionais190. É necessário entender como ocorreu a intervenção na Bahia e qual foi o

papel de Seabra nisso.

Como já dissemos J.J Seabra buscou articular-se na política baiana para que

quando chegasse o momento, o seu nome fosse lançado para concorrer à chefia do

executivo estadual. Mas não seria tão fácil alcançar o poder. Seabra já sofria com a

oposição dos grupos severinistas e marcelinistas, juntamente com Ruy Barbosa que

embargou a sua eleição para o senado no estado de Alagoas em 1906 e que durante sua

trajetória política foi um dos seus opositores mais veementes. Também os severinistas e

marcelinistas estavam dispostos a não deixar que Seabra chegasse à chefia do governo

da Bahia. Para tal, lançaram como candidato Domingos Guimarães pelo PRB,

acreditando que pelo fato de ser amigo íntimo do então governador da Bahia, Araújo

Pinho, esse teria peso para derrotar Seabra nas urnas191.

A oposição tentou impugnar a candidatura de Seabra. Criaram uma emenda que

estabeleceu que só poderia concorrer ao cargo de governador quem não estivessem

ocupando funções públicas192. Falando claramente, tentou-se tornar inelegível a sua

candidatura, baseado no argumento que o mesmo já assumia a função pública de

ministro da Viação e Obras Públicas, o que tornaria incompatível com a candidatura a

outra função pública. Essa tentativa foi elaborada por Ruy Barbosa, que buscou

pressionar para que o Senado aprovasse tal emenda.

190

QUARESMA, Mônica. O salvacionismo na Bahia: o político e a política em J.J Seabra (1912-1916). Dissertação de Mestrado, UNICAMP: 1999. 191ARAGÃO, Antônio Ferrão Moniz de. A Bahia e seus Governadores na República. Edição fac-similar- Salvador: Fundação Pedro Calmon, UEFS editora: 2010. 192 Idem, p. 356.

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81

Nesse momento o então governador Araújo Pinho renunciou ao governo do

estado em 22 de dezembro de 1911, alegando problemas de saúde. Para os que

conheciam o mesmo, a razão da sua renúncia seria a falta de controle no cenário

político, fazendo com que o mesmo tratasse mais de política do que da administração do

Estado193. Pela Constituição, quem o sucederia seria o presidente do Legislativo, que era

o cargo exercido por Leoncio Galrão, função que o mesmo não aceitou, alegando ter

debilidades de saúde, assumindo então o presidente da Câmara dos Deputados, o senhor

Aurélio Viana.

As eleições ocorreram de forma tensa. Na tentativa de legitimar como eleito

Domingos Guimarães, Aurélio Viana decidiu transferir a reunião da Assembléia

Legislativa para contagem dos votos para a cidade de Jequié, no centro-leste da Bahia.

Esta cidade era de difícil acesso e não possuía telégrafo. Os seabristas entraram com

uma ação contra a transferência da Assembléia e o juiz federal Paulo Fontes deferiu,

ratificando que a mesma reunião se mantivesse em Salvador. A transferência da

Assembléia gerou conflitos entre os grupos políticos e inclusive insatisfação da

população194. O governador recusou-se a cumprir as ordens do juiz, argumentado que a

transferência era para proteger a autonomia do Estado. Pressionando para que o habeas-

corpus fosse cumprido, o presidente Hermes da Fonseca mandou virar os canhões do

forte de São Marcelo para a cidade e para a Assembléia. O governador substituto foi

informado de que, se não cumprisse a ação, iria haver disparos contra a capital do

Estado, tendo uma hora para decidir, o que levou ao desespero a população195. O

Bombardeio aconteceu em 10 de janeiro de 1912 e um dia após, o então governador

Aurélio Viana, renunciou. Dias depois a cidade começou a ser ocupada pelos militares

dos batalhões que vinham de toda parte do país196. Moniz de Aragão, vivenciando o

momento do bombardeio, defendeu a intervenção argumentando que:

A intervenção de 1912 se verificou na Bahia para a execução de uma sentença, garantindo exercício de suas funções a deputados e

193 Idem, p. 296. 194

QUARESMA, Mônica. O salvacionismo na Bahia: o político e a política em J.J Seabra (1912-1916). Dissertação de Mestrado, UNICAMP: 1999. P. 91. 195

Tanto Pang, quanto Novais, Quaresma e Noronha afirmam que os disparos levaram o caos a cidade de Salvador, sendo atingida e destruído alguns edifícios e algumas pessoas saíram feridas e mortas. 196QUARESMA, Mônica. O salvacionismo na Bahia: o político e a política em J.J Seabra (1912-1916). Dissertação de Mestrado, UNICAMP: 1999. P. 92.

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senadores, dellas privados por prepotência do governo, que chegou ao ponto de transformar em caserna o edifício da câmara, onde deveria reunir-se a Assembléia Geral197. (sic).

Essa é a visão de um político que, no período era aliado de J.J Seabra e membro

do Partido Republicano Democrático. Já Quaresma, ao analisar o salvacionismo na

Bahia diz que houve em partes do Brasil protestos contra o bombardeio em Salvador e a

intervenção federal no Estado, houve demissões das pastas ministeriais, a exemplo do

barão do Rio Branco, que não concordou com a intervenção. E também houve em

algumas cidades baianas ligas antiintervencionista que eram contrárias a qualquer

medida de força no Estado198. Citou Feira de Santana entre estas cidades, porém, no

curso de nossas pesquisas, não encontramos referências sobre a liga antiintervencionista

citada pela autora.

Quaresma defende que o bombardeio não foi algo feito sem pensar e sem

preparação. Afirma que desde 1911 já havia planos de bombardear Salvador, logo não

teria sido algo pensado em cima da hora. Mesmo após o bombardeio a oposição

formada por Ruy Barbosa, Aurélio Viana, Inácio Tostas e outros tentou impedir que

Seabra assumisse o governo do estado. Ruy Barbosa entrou com um habeas-corpus para

que Aurélio Viana reassumisse o poder, alegando que ele havia renunciado, pois passou

por constrangimento para exercer suas funções199. O Marechal Hermes devolveu a

administração novamente a Aurélio Viana, que em 25 de janeiro renunciou ao cargo

mais uma vez.

A oposição não conseguiu impedir a legitimação das eleições e Seabra foi eleito

e assumiu o poder do executivo estadual em 28 de março de 1912, amparado pelo apoio

do poder federal. O bombardeio de Salvador possibilitou a sua ascensão ao poder. O

presidente Hermes não poderia imaginar era que, dali a um ano, esse político quebraria

as regras da política dos governadores, para se aliar com a oposição federal.

Quando começou a campanha para decidir quem seria o sucessor do Marechal

na Presidência da República, Seabra surpreendeu ao se aliar a Ruy Barbosa, apoiando

este como candidato a presidência, se posicionando contra o candidato de Hermes da

197ARAGÃO, Antônio Ferrão Moniz de. A Bahia e seus Governadores na República. Edição fac-similar- Salvador: Fundação Pedro Calmon, UEFS editora: 2010. P. 430. 198

Idem, p. 92 e 93. 199 Idem, p. 438.

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83

Fonseca, de modo que quebrou o pacto da política dos governadores. Na oposição

uniram-se os severinistas, marcelinistas e vianistas contra o governador. Apesar do

apoio de Seabra, a candidatura de Rui Barbosa não vingou, sendo lançado o nome de

Wenceslau Brás.

Seabra tornou-se, além de chefe do executivo estadual, chefe do Partido

Republicano Conservador (PRC), de quem o líder era o influente Pinheiro Machado. O

PRC foi fundado em 1912, e na Bahia, o PRD, que era liderado por Seabra, se

incorporou a esse partido. Também dele os vianistas, por um tempo, fizeram parte.

Enquanto líder desse partido, o governador buscou, assim como o fizera o PRB em sua

fundação, agregar as lideranças do Estado, ou boa parte dos políticos importantes. Nele

estavam: Simões Filho, Antônio Moniz, Ubaldino de Assis, Moniz Sodré, entre outros.

Em Feira de Santana, por exemplo, era o coronel João Mendes da Costa, o presidente do

partido em 1912, aquele que concorreu para o cargo de intendente nas eleições

municipais que ocorreu no final de 1911 e que foi anulada pelo Senado Estadual. Sobre

essas eleições e o PRC em Feira de Santana, o jornal O Republicano nos traz como o

diretório local se articulou sobre a anulação das eleições. Vemos então que:

No domingo, 21 do corrente, realisou no palacete da residência do cel. João Mendes da Costa, ilustre e prestigioso chefe do Partido Republicano Conservador (PRC), solene reunião do directorio do partido, cujo fim foi para ser exposto pelo presidente a situação política do Estado, onde a cada instante surgem propostas de accordos com typo etherogeneos á política, com quaes não se conformando o chefe cel. João Mendes, julgou de conveniência política, regressar da capital para reunir os seus correligionários e amigos afim de scientifica-los das ocorrências da ocasião (...) o chefe relatou os esforços empregados na defeza de sua legitima eleição para o cargo de intendente e os obstáculos creados pelo L. Viana, para que entrasse em accordo com o portador de uma eleição falsa e inexistente. (sic). 200

O jornal que traz essa notícia era O Republicano, que tinha relações políticas

com o seabrismo e que circulou em Feira de Santana apenas no ano de 1912. Já

mencionamos que o proprietário desse periódico era Manoel Falcão, que também era

dono do jornal O Trabalho que circulava em São Gonçalo dos Campos. Durante o fim

da gestão do coronel Abdon de Abreu, esse órgão era o que divulgava o expediente da

intendência municipal. Podemos perceber que a notícia buscou apresentar os

200

Jornal O Republicano, 18 de abril de 1912, p. 2: Reunião Política. MCS.

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acontecimentos do Estado, trazidas por João Mendes da Costa da capital. O mesmo

procurou na capital do Estado o apoio do então governador para que o pleito municipal

de 1911 não fosse anulado e que fosse declarada a vitória ao candidato do PRC. Porém

o senador Luiz Viana conseguiu no Senado a anulação dessas eleições e a realização de

um novo pleito, fazendo com que João Mendes buscasse, no seio do seu partido, apoio

para que isso não ocorresse.

Como era de se esperar durante seu mandato, Seabra sofreu oposições dos

severinistas. O governador permaneceu no PRC até o momento que apoiou Ruy

Barbosa ao invés do candidato de Hermes da Fonseca. Dessa vez era ele que era alijado

do PRC, tornando-se oposição ao governo federal, pois, estava quebrando as regras da

política dos governadores, segundo a qual o governador deveria apoiar as decisões do

presidente da república para não ter interferências na autonomia do seu Estado. Ao

mesmo tempo, Seabra passou também a sofrer oposições dos populares, crescendo os

movimentos reivindicatórios. A marca da sua primeira gestão foi o início da

modernização da cidade de Salvador201 seguindo o projeto higienista, ocorrendo

abertura de avenidas, construção de novos prédios públicos e reformando outros,

alargamentos de ruas e para tal ocorreram desapropriações de casas e casebres202.

Cunha ressalva que a modernização empreendida por esse governador visava o lucro

privado e não respeitava o patrimônio cultural e histórico da capital baiana203

2.7: A reforma constitucional de 1915: a estratégia de dominação.

Quando assumiu o governo estadual, Seabra buscou meios de fortalecer o seu

poder e começou fazendo alterações dentro da constituição do seu próprio partido.

Excluiu aqueles que possuíam postos no congresso, entre os quais Luiz Viana e Antônio

201

Para saber mais sobre a modernização da cidade de Salvador empreendida por Seabra, vê a dissertação de Rinaldo Leite: “E a Bahia civiliza-se”: ideais de civilização e cenas de anti-civilidade em um contexto de modernização urbana, Salvador, 1912-1916. Salvador: dissertação de mestrado, UFBA. 202

Importante lembrar que durante o governo do presidente Rodrigo Alves, Seabra foi ministro da justiça e negócios interiores tendo papel de destaque nas reformas da capital federal e também na repressão na revolta da vacina e na revolta da escola militar. 203CUNHA, Joaci. O fazer político na República Velha, 1906-1930. Salvador: UFBA, 2011. Tese de doutorado. P. 107.

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85

Moniz204. Naquela altura, já como chefe do Partido Republicano Conservador (PRC),

ocorreu a cisão entre Seabra e Luiz Vianna, fazendo com que este último fosse excluído

do partido. Não somente Viana tornou-se oposição ao governador, o jovem Simões

Filho, dono do jornal A Tarde, também deixou o PRC, passando para as fileiras da

oposição ao então governador do estado. Como foi mencionado anteriormente, já no

ano de 1913, o próprio Seabra e seus correligionários seriam expulsos do PRC.

Como pela Constituição estadual, o governador não podia ser reeleito e já

pensando em como manter seu poder e domínio em todo estado para voltar a chefia do

executivo estadual, J.J Seabra em 1915 fez uma reforma constitucional (24 de maio de

1915) e criou a lei de organização municipal (lei 1.102 em 11 de agosto de 1915) de

acordo com a qual os intendentes dos municípios já não seriam eleitos e sim indicados

pelo governador, com a aprovação do Senado, para assumir por dois anos, com direito

de se renovar por mais dois anos de mandato. Logo, só assumiria o cargo de intendente

na Bahia, os políticos com seu consentimento. Nos últimos quatro meses da sua gestão,

Seabra nomeou 135 intendentes de 141 municípios do Estado, sendo 65% deles

coronéis e majores da guarda nacional205.

Pang ressalva que a reforma constitucional de 1915 foi estruturada por esse

político para conseguir controlar os coronéis206. A reforma aumentou assim o poder do

governador em monopolizar os processos eleitorais no Estado. Assim como Pang,

Sampaio destacou que o ano de 1915 assinalou o domínio inconteste do poder seabrista

em três sentidos: a consumação do controle absoluto do Legislativo, a reforma da

constituição estadual e a promulgação da lei de organização municipal207. Sobre a

reforma constitucional, o jornal O Republicano publicou que:

Esta reforma, uma das necessidades pelas classes de que se compõem a nossa media política, apontou na primeira mensagem o exm. Sr. Dr. J.J Seabra (...) O que de absolutamente não se poderá fazer culpa ao governo reformador, é de precipitação ou acomodamento. Se elle não é passível deste reparo, de qualquer outro ainda menos. O supremo

204 Idem, p. 100. 205

SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos na Primeira República: uma política de acomodação. Salvador: Centro Editorial Didático da UFBA, 1975. P. 130 206 PANG, Eul-Soo. Coronelismo e oligarquias (1889-1934): A Bahia na Primeira Brasileira. P. 124. 207 SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos na Primeira República: uma política de acomodação. Salvador: Centro Editorial Didático da UFBA, 1975.

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86

motivo de agir esta reconhecido, desde que se tem verificado a necessidade da reforma. (sic)208

Podemos perceber que já em 1912, no início do seu mandato, J.J Seabra

tencionava fazer a reforma constitucional no Estado. Levou três anos para que a mesma

fosse efetivada, mas possibilitou ao governador um controle sobre a política estadual,

dando-lhe o poder de manipular ao seu favor quem assumiria o principal cargo dos

municípios: o de intendente.

Houve então alterações que permitiram que a relação de dependência entre o

governador e os políticos que assumiam o poder municipal (seja intendente ou os

conselheiros municipais) ficasse mais intensa. A partir de 1916, a apuração dos votos

passou a ser feita sob a responsabilidade do juiz instalado no município. Para Silvia

Noronha Sarmento isso aumentou o controle do governo estadual, já que eles

nomeavam os juízes. Se um juiz decidisse contrariar o poder local, precisaria estar

amparado pela força policial do Estado, em contingente expressivo. Dificilmente, o

governo teria como proporcionar esse amparo em todos os municípios durante o

processo eleitoral. Desse modo a maioria dos juízes, simplesmente referendava as

decisões tomadas pelo poder local209.

Na Bahia ocorreram algumas reformas constitucionais anteriores à de 1915,

entre elas a de 1904 (Lei Rosa e Silva), que estabeleceu que na comissão de alistamento,

deviam fazer parte obrigatoriamente os maiores contribuintes do município. Os homens

mais abastados das cidades eram considerados aptos a resolverem questões políticas, o

que lhe davam mais meios de dominar a política. Porém na reforma de 1916 essa lei foi

extinta. A nova lei criou a obrigatoriedade do eleitor de provar que tinha meios de se

sustentar como condição para se alistar210. Isso mostra que apesar do voto censitário ter

sido extinto na constituição de 1891, a questão da riqueza continuava de algum modo

presente como estratégia direta de exclusão da maioria da população de ter direito ao

voto durante a “Primeira República”.

Percebemos que tanto a primeira quanto a segunda lei nos mostram que existia a

tentativa de limitação para os que deviam estar dentro do jogo político. Portanto, existia

208 Jornal O Republicano, 5 de maio de 1912, p. 01: Reforma Constitucional, MCS. 209 SARMENTO, Silvia Noronha. A raposa e a águia: J.J Seabra e Rui Barbosa da Primeira República. Salvador, UFBA: dissertação de mestrado, 2009. P. 40. 210 Idem, p. 40.

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um estreitamento do fazer político em torno das fortunas mais abastadas da cidade, do

Estado e do país. A lei de organização municipal só foi extinta no segundo mandato de

Seabra em 1920, sendo convocado um congresso de intendentes municipais em 1921.

Só em agosto de 1920 é que voltam às eleições municipais para intendente. Em Feira de

Santana foi eleito o coronel Bernardino Bahia, que já estava em exercício por indicação

do então governador Antônio Moniz.

2.8: O retorno do chefe: uma análise do segundo mandato de Seabra.

Como a constituição estadual não previa a reeleição ao mesmo cargo era preciso

que Seabra escolhesse alguém que fosse seu aliado para sucedê-lo, no quatriênio 1916-

1920. Que pudesse controlar o mesmo e se manter leal a seu partido até que pudesse

novamente concorrer ao cargo de governador. O PRD pressionou o então chefe do

executivo para saber qual a sua escolha. Alguns nomes foram alavancados, porém

Seabra indicou o nome de Antônio Moniz. Este além de ser amigo de longa data,

sempre fora fiel ao governador. Antônio Moniz havia sido deputado estadual em 1909,

ajudou na articulação da fundação do Partido Democrata e foi o autor do livro A Bahia e

seus governadores na República, publicado no ano de 1923211.

Devido à escolha do candidato para sucedê-lo no poder, Seabra rompeu

novamente com Ruy Barbosa e também com Octávio Mangabeira. Antônio Moniz, seu

candidato, foi eleito nas eleições de fins do ano de 1915 não tendo adversário no pleito

eleitoral. Governou de 1916 a 1920 e sua gestão foi pautada na tentativa de controlar os

chefes locais dos municípios, para o que se utilizou da reforma na lei municipal feita por

Seabra. Porém, não pôde controlar a oposição, que se articulou para impedir que Seabra

retornasse à chefia do executivo estadual. Desse cenário teve desdobramento a tão

conhecida Revolta Sertaneja.

Seabra preparou-se para voltar ao comando do Estado, porém agora contava com

uma oposição mais adensada e maior. Do lado da oposição encontravam-se nomes

como de Simões Filho, Miguel Calmon, Otávio Mangabeira e Pedro Lago. O juiz

federal Paulo Fontes concorreu ao governo pela oposição, contra Seabra. Sarmento

destaca que na disputa eleitoral entre Seabra e Paulo Fontes, a verdade era que esta era 211

ARAGÃO, Antônio Ferrão M. A Bahia e seus governadores na República. Edição fac-similar- Salvador: Fundação Pedro Calmon, UEFS- Editora 2010. P. 04.

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88

mesmo um duelo entre Seabra e Ruy Barbosa e que este último se empenhou passando

por cidades do interior da Bahia fazendo campanha eleitoral, inclusive por Feira de

Santana, o que reitera essa cidade como um “lócus” de poder na política baiana212.

Cunha destaca que para disputar seu segundo mandato, Seabra teria pela primeira vez

que enfrentar uma disputa eleitoral contra uma oposição estruturada do interior da Bahia

à capital da República213. Logo o mesmo não poderia cometer qualquer deslize em

relação ao governo federal, significava dizer que não deveria cometer nenhum erro com

a política dos governadores. Conseguir assumir o seu segundo mandato foi um caminho

tenso e conflituoso para Seabra tanto quanto a sua primeira posse.

2.8.1 A Revolta Sertaneja.

Quando a apuração eleitoral declarou a vitória de Seabra como eleito para chefia

do executivo estadual, a oposição buscou articular-se para que o pleito fosse anulado.

Dessa vez se insuflou uma revolta que vindo do interior do estado chegaria à capital,

buscando dessa forma uma intervenção federal que favorecesse a oposição e fizesse

Seabra renunciar. Neste cenário o coronel Horácio de Matos se destacou, impulsionando

o levante e anunciando a luta ao presidente da República. Cunha salienta que os

civilistas buscaram derrotar o seabrismo pelas armas dos coronéis e por uma idealizada

intervenção federal214.

A oposição ao seabrismo encontrava-se mais organizada, reunindo-se entre estes

os coronéis, liderados por Horácio de Matos, e ainda Ruy Barbosa, Simões Filho,

Otávio Mangabeira e a Associação Comercial da Bahia que, como destacou Cunha,

patrocinou o levante concedendo armas para os coronéis215. Com o resultado das

eleições favorável à vitória de Seabra, Horácio de Matos declarou a marcha

insurrecional em direção a capital.

Os coronéis reuniram seus jagunços e buscaram tomar as cidades que tinham

chefes correligionários de Seabra. O clima era tenso e houve a intervenção federal, mas

212 SARMENTO, Silvia Noronha. A raposa e a águia: J.J Seabra e Rui Barbosa da Primeira República. Salvador, UFBA: dissertação de mestrado, 2009. P. 40. 213 CUNHA, Joaci. O fazer político na República Velha, 1906-1930. Salvador: UFBA, 2011. Tese de doutorado. P. 200. 214 Idem, p. 199. 215 Idem, 200.

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89

como afirmou Cunha, apesar da revolta sertaneja e da oposição tentar anular as eleições,

essa intervenção federal foi favorável à posse de Seabra, que ocorreu no dia 23 de

fevereiro de 1920216.

O presidente da República no momento era Epitácio Pessoa e desde o início da

revolta buscou acabar com esta, temendo o caminho de insurreição que a oposição

estava tomando. Em fevereiro de 1920 começou então a intervenção federal que buscou

reforçar a segurança do Estado e negociar com os insurretos acordos para por fim ao

conflito. Muitos soldados se instalaram em cidades vizinhas as que estavam sendo

controladas, buscando cercá-la afim de que, se ocorresse o confronto, as tropas federais

estivessem preparadas. Feira de Santana foi uma dessas cidades que recebeu

destacamento do exército federal. Sobre a permanência deste nessa cidade, o jornal

Folha do Norte anunciou que:

Por motivo da intervenção neste Estado, acha-se estacionado nesta cidade, aguardando ordens, o 1º batalhão do 12º regimento de infantaria do exercito nacional, sob o commando do brioso e digno oficial, o Sr. Major Hypolito de Medeiros. (...) É muito significativo constatar e o fazemos da melhor vontade, a observação de que entre a distinta officialidade deste batalhão, não se nota tendências de natureza política e sim o ardente dezejo de cumprirem fielmente seus deveres sem preoccupações de personalidades217. (sic).

Pudemos ver que em Feira de Santana o batalhão do regimento ficou

estacionado na cidade esperando ordens do major caso fosse necessário agir. Não houve

nesta cidade qualquer levante contrário à posse do governador Seabra , a situação e o

PRD estavam fortemente aliados218. Houve mesmo durante as eleições presidenciais

uma campanha em Feira de Santana a favor de Ruy Barbosa, inclusive esse mesmo

estadista teria vindo fazer sua campanha, permanecendo por alguns dias na cidade. Mas

houve também o apoio ao candidato Epitácio Pessoa que, teve na cidade a maioria dos

votos.

Para o então governador Antônio Moniz o seu pedido para que o governo federal

interviesse na Bahia foi por que:

216 Idem, p. 212. 217 Jornal Folha do Norte, 28 de fevereiro de 1920: A intervenção: a força federal. MCS. 218

Nesse momento na cidade o PRD era aliado do PRB na cidade, porém com a queda de Seabra em 1923, o PRD desapareceu na arena política na cidade, mantendo-se apenas o PRB.

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90

A ajuda ao presidente foi pedida, pois, a oposição tinha insuflado grupos, fornecendo armas, munições e dinheiro, impelindo-os ao saque pelo ataque as cidades abertas e argimentando-os a luta armada contra autoridades constituídas dos municípios219. (sic)

O debate historiográfico que gira em torno da revolta sertaneja e da intervenção

federal na Bahia afirma que houve apoio da Associação Comercial da Bahia à revolta,

fornecendo dinheiro e munições para os revoltosos, bem como também apoio da

oposição em fornecer armas e recursos para que a insurreição se mantivesse e pudesse

avançar rumo à capital do Estado.

Para acabar com a revolta, a ação federal firmou acordos individuais

diretamente com os coronéis, chamados de tratados de paz e que favoreceu muito esses

chefes políticos, já que esse acordo possibilitou estabelecer ainda mais seu domínio

sobre sua região, tendo a liberdade para atuar como bem quisessem. Sobre esse pacto e

quem foi beneficiado, Cunha diz que:

... Afinal os tratados de paz estabelecidos diretamente com o governo transformavam os coronéis em atores independentes na esfera política nacional, onde passaram atuar por meio dos deputados eleitos em seus territórios, não raro estabelecendo alianças com dirigentes de outros estados do país220.

A oposição mais uma vez saia da segunda intervenção federal no Estado da

Bahia derrotada, já que se na primeira vez, com o bombardeio de Salvador, a salvação

nacional fez com que Seabra assumisse o poder. A segunda possibilitou o mesmo

resultado, porém o governador assumia seu segundo mandato mais enfraquecido.

Os acordos feitos entre o coronel Horácio de Matos e o representante do governo

federal e as primeiras atitudes do governador Seabra, geraram alguns protestos pelo

Estado. Em Feira de Santana houve de forma isolada protestos contra como se

desenvolveu o fim da revolta sertaneja. Vejamos a denúncia feita pelo coronel João

Mendes da Costa a respeito:

O abaixo firmado, brasileiro, casado, negociante, proprietário natural desta cidade, onde reside, vice presidente do concelho municipal, membro do conselho geral do Partido dominante nesta cidade, vem

219ARAGÃO, Antônio Ferrão M. A Bahia e seus governadores na República. Edição fac-similar- Salvador: Fundação Pedro Calmon, UEFS- Editora 2010. P.682. 220

CUNHA, Joaci. O fazer político na República Velha, 1906-1930. Salvador: UFBA, 2011. Tese de doutorado. P. 216.

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91

pela imprensa cheio de indignação, protestar perante o Presidente da República, todos os tribunaes, autoridades competentes e a parte sã da sociedade do Paz, contra o accordo negro e covarde celebrado entre o senhor Horácio de Matos e o comandante do distrito o general Cardoso de Aguiar, apoiado pelo dr. Seabra, hoje governador que com a criminosa deslealdade, ao seus fiéis correligionários, affronta os brios de um povo heróico, nomeando para cargos de grande importância e responsabilidades, indivíduos que acabaram de praticar os mais bárbaros crimes com a família sertaneja. (...) Assim nega o seu pequeno serviço e apoio ao actual governo, recolhendo-se aos bastidores até que Deus lembre deste pedaço de terra da Santa Cruz a muito esquecida. João Mendes da Costa221

Esse protesto feito pelo coronel João Mendes da Costa e divulgado pelo jornal

Folha do Norte ocorreu de forma isolada e específica, visto que nas pesquisas feitas não

encontramos nenhum outro tipo de manifestação contrária ao acordo feito entre o

governador J.J Seabra e o chefe da insurreição sertaneja, Horácio de Matos.

Percebemos, sim, que os grupos dominantes na cidade apoiou a intervenção federal,

recebendo bem o batalhão que permaneceu na cidade à espera de ordens e tão como

apoiou o novo governador, que pertencia ao mesmo partido que a situação na cidade.

O segundo mandato de Seabra transcorreu com uma oposição mais forte e aos

poucos sua influência e dominação política foram ficando cada vez mais enfraquecidas.

Uma das causas seria que nas eleições presidenciais de 1922, o mesmo concorreu para o

cargo de vice-presidente da República juntamente com Nilo Peçanha para presidente,

contra o candidato da situação Artur Bernardes. Mais uma vez Seabra quebrava o jogo

da política dos estados, já que além de não apoiar o candidato do presidente, ele mesmo

concorreu contra este. Sobre essas eleições e da posição política dos redatores do Jornal

a Folha do Norte, vemos que:

E de gratidão porque a Feira sempre gentil e cavalheirosa, vê apresentar-se-lhe ocasião de manifestar de publico o seu alto reconhecimento ao seu benfeitor, candidato agora á vice-presidência da República. A’s urnas, portanto, feirenses generosos, pelos candidatos da dissidência, porque com isso tereis concorrido para a estabilidade e firmeza do regimen republicano, como também tereis demonstrado a vossa admiração por José Joaquim Seabra, que tanto se desvela pelo futuro e bem estar de vossa terra222. (sic)

221

Jornal Folha do Norte, 17 de abril de 1920. A pedido: protesto, p.02. MSC. 222 Jornal Folha do Norte, 1922, sem data. MCS.

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Durante a campanha presidencial a Folha do Norte apresentou diversos artigos

enaltecendo a figura do governador que no passado não lhe eram tão amistosas. Por

quanto o jornal trabalhou na expectativa da vitória de Seabra, houve também em Feira

de Santana o jornal A Feira que tinha sido criado justamente para apoiar a candidatura

Bernardes- Urbano. Sobre seus propósitos, a Folha do Norte diz que:

Começou circular nesta cidade, o periódico A’Feira. De moderno feitio e boa colaboração, pertence a uma sociedade anonyma, obedecendo a orientação do ‘centro feirense pró- Bernardes Urbano’ peleja em favor das candidaturas dos governadores de Minas e Maranhão aos supremos postos da República. (...) Nossas idéias políticas diametralmente opostas as do jovem colega, não impedem que nos regozijemos com a cidade pela aquisição de um novo elemento de progresso, nem que mandemos aos confrades d’ A Feira num dever de boa camaradagem, efusivas saudações e votos de longa vida223. (sic)

Não tivemos acesso a esse periódico e não encontramos além dessa notícia

nenhuma referência a esse jornal e ao centro feirense pró- Bernardes Urbano, mas pelo

que destacou a Folha do Norte, podemos ver que em Feira de Santana houve certa

disputa nessas eleições presidenciais. Tanto é que o mesmo Folha do Norte insistiu em

anunciar a chapa adversária de Seabra como vitoriosa no país e como tendo uma grande

diferença de votos em relação a Bernardes, tanto no Estado quanto na cidade. Sobre a

derrocada de Seabra e a ascensão do grupo calmonista discutiremos no próximo

capítulo.

2.9: Os percussores do progresso: reformas na cidade de Feira de Santana.

Por fim, discutimos aqui sobre as reformas urbanas empreendidas em Feira de

Santana pelos intendentes Bernardino Bahia e Agostinho Froés da Motta. Ao discutir

sobre modernização, Rinaldo Leite ressalva que as elites aspiravam ao modelo urbano

da cidade européia, numa tentativa de moldar os padrões tanto estéticos quanto

comportamentais da população, tentando apagar ou excluir o que não convinha com tais

ideais e pudesse romper com cenas de civilidade no cenário social224.

223 Idem. A Feira, p.01. 224LEITE, Rinaldo. E a Bahia civiliza-se: ideais de civilização e cenas da anti-civilidade em um contexto de modernização urbana, Salvador, 1912-1916. Salvador: dissertação de mestrado: UFBA. P.19.

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Não podemos esquecer que o cenário político “encarna” boa parte dos problemas

econômicos das cidades e do Estado. Evidência disso foi que nas reformas urbanas

empreendidas pelos intendentes Agostinho Froés da Motta e Bernardino Bahia, de

progresso e civilidade para cidade, estavam inculcados tais problemas, buscando o lucro

privado e o beneficiamento próprio e do grupo dirigente da cidade. Também suas

relações com o capital estrangeiro e monopolista, tornando-se importante analisarmos

os “melhoramentos” empreendidos por estes e suas reais intenções.

Vimos no primeiro capítulo que a economia feirense era marcada pelo comércio

e, em especial, pela venda e compra de gado e de fumo. Em nossas análises destacamos

a intenção do grupo dirigente em aumentar sua rentabilidade e se inserir no

desenvolvimento econômico do país, dentro da lógica da expansão do capitalismo.

Encontramos sociedade de pequenos agricultores, o Banco do Brasil, o banco de

pequenos agricultores, a tentativa de se criar uma escola agrícola e o incentivo ao

cultivo de sementes, demonstrando que a “adaptação” da cidade às necessidades dos

grupos dirigentes era um fator estratégico na definição de políticas para a cidade.

O público e privado estavam entrelaçados e se misturavam nas articulações para

inserir Feira de Santana no desenvolvimento econômico do país e era uma tentativa de

ampliar ainda mais a rentabilidade dos mais abastados da cidade. Focamo-nos na análise

dos “melhoramentos” e as relações econômicas estabelecidas durante as gestões dos

coronéis Agostinho Fróes da Mota e Bernardino Bahia que, compreenderam o período

de 1912 a 1924.

Ao analisar as reformas urbanas em Feira de Santana entre 1910 a 1917, Tiago

Santiago identifica um grande número de pedidos de desapropriação por parte da

administração da cidade. O mesmo autor defende que houve uma nítida utilização do

poder público em favor de alguns indivíduos que dispunham de prestigio político e

econômico na cidade de Feira de Santana225. A maioria dos melhoramentos efetuados na

cidade, como também embelezamentos foram feitos perto de residências dos grupos

dominantes dessa cidade e de seus estabelecimentos comerciais. Também os discursos

que pregavam certa moralidade e condenatórios em relação ao comportamento da

população buscavam discipliná-las e ordená-las. Ao pesquisar nos jornais, percebemos

que se mencionavam sempre os códigos de posturas de Feira de Santana. Porém antes

225

SANTIAGO, Tiago. Casas, casebres e ruínas: uma política de desapropriação em Feira de Santana (1910-1917). UEFS: monografia em história. Feira de Santana: 2010. P. 10.

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de 1925 não encontramos o próprio código em si, mais apenas citação de um ou outro

de seus artigos.

Muitas vezes o “aformoseamento” da cidade foi feito por investimentos próprios

dos sujeitos abastados. No ano de 1917, Agostinho Froés da Motta empenhou-se em

construir um coreto em frente ao palacete em que morava. Vemos que seu esforço era

mais um anseio em embelezar a sua residência, valorizar seu imóvel e deixar a rua em

que residia mais bonita e não propriamente de melhorar a cidade. Esses

“melhoramentos” buscaram beneficiar a classe dirigente feirense que não mediu

esforços para alcançá-las e não foi feita em benefício da população em geral como, no

entanto, era propagado nas páginas dos jornais que circulavam na cidade. Sobre a

construção dessa praça, Santiago salienta as seguintes observações:

Entendemos que, neste período, houve a sobreposição dos interesses particulares em detrimento do público, sendo que a proposta de intervenção urbana da praça em questão, remete a uma valorização dos imóveis do respectivo intendente, uma vez que os imóveis próximos à praça adquirem um ganho de valor através do melhoramento de um bem público. Também podemos perceber que este projeto proporciona uma elevação do prestigio pessoal perante a sociedade feirense226

O fato do coronel Agostinho Froés da Mota ter construído um coreto em frente à

sua residência produz um capital simbólico. Permitia ao coronel se alçar, crescer entre

os conterrâneos, criando em torno de sua residência um dos lugares mais bonitos da

cidade, valorizando assim seu patrimônio.

As obras de “melhoramentos” foram executadas no período das duas gestões

municipais foram as seguintes: as obras de construção Mercado Municipal227,

arborização das ruas Senhor dos Passos e Barão de Cotegipe228, reparos em passeios das

ruas General Osório, Remédios e Conselheiro Franco229, reforma da ladeira da

Nação230, abertura das Ruas Desembargador Mario Heiti231 e Bernardino da Silva

226

Idem. P. 17. 227 Jornal Folha do Norte de 23 de agosto de 1913, nº. 184, p.1. BSMRAG/MCS. Apud Santiago, 2010, P. 16. 228 Idem, 6 de setembro de 1913, nº. 186, p.1. BSMRAG/MCS. Apud Santiago, 2010, P. 16. 229 Idem, 9 de novembro de 1913, nº. 193, p.1. BSMRAG/MCS. Apud Santiago, 2010, P. 16. 230 Idem, 17 de janeiro de 1914, nº. 205, p.1. BSMRAG/MCS. Apud Santiago, 2010, P. 16. 231 Gama, ibidem, p.17. APMFS. Apud Santiago, 2010, P. 16.

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95

Bahia232, juntamente com a praça e o coreto233 em 1915, construção de dois prédios

escolares, um localizado na rua Barão de Cotegipe e outro na Praça General Argollo234.

Calçamento das ruas Dr. Manoel Victorino e General Osório entre as praças dos

Remédios e General Argollo235, reformas na Praça de Sant’Anna e na Praça General

Argollo236. Algumas desapropriações de imóveis também fizeram partes destes gastos,

principalmente para a construção do mercado municipal. Também houve

“melhoramentos” como o asseio e iluminação pública da cidade, bem como a compra de

carroças e a aquisição de 24 novas lâmpadas237. As verbas utilizadas para estes

melhoramentos foram classificadas como serviços públicos.

Além das reformas dentro do perímetro urbano, houve um esforço por parte dos

políticos em ampliar as estradas de rodagem que ligassem a cidade tanto à capital

quanto ao interior. Sobre a necessidade e a abertura de uma estrada de rodagem em

Feira de Santana a Folha do Norte diz que:

Prosseguem activamente os serviços da grande estrada de automóveis que se esta rasgando entre esta cidade e Mundo Novo. Dos 96 kilometros, o primeiro trecho desta cidade ao districto de Almas, foi aberto as custas do nosso município que também já mandou construir um ramal até o districto de Bonfim. (...) Não desanimen as municipalidades, os fazendeiros e os habitantes das zonas cortadas pela nova estrada. Prossigam na sua fecunda actividade, pois estão dando um grande exemplo de patriotismo e atestado brilhantíssimo da compreensão, que têm, lúcida e nítidas dos interesses e necessidades do sertão238. (sic)

Um dos principais motivos seria a necessidade de ligar Feira de Santana a outras

áreas, seja ao sertão tão quanto à capital do Estado e facilitar a exportação e expandir

seu comércio. Novamente o interesse é muito mais ligado à necessidade econômica, a

expansão do capital. Não podemos pensar, assim, a economia separada da política, visto

232 Fotografia exposta na Sala de exposição. APMFS. Apud Santiago, 2010, P. 16. 233 Jornal Noite e Dia de setembro de 2004, caderno três, p.5. BMAS. Apud Santiago, 2010, P. 16. 234 Série Documentos antigos, nº. 08, Termo de construção de dois prédios escolares na cidade e ata da 7ª sessão da 2ª reunião periódica do Conselho Municipal em 25 de maio de 1916. APMFS. Apud Santiago, 2010, P. 16. 235 Ata da 7º sesção ordinária da 1ª reunião periódica do Conselho Municipal em 2 de março de 1916. Série: documentos antigos nº. 85 e 86. APMFS. Apud Santiago, 2010, P. 16. 236 Jornal Folha do Norte de 13 de outubro de 1917, nº. 395, p.2. BSMRAG/MCS. Apud Santiago, 2010, P. 16. 237 Idem, 26 de abriu de 1913, nº. 167, p.2. BSMRAG/ MCS. Apud Santiago, 2010, P. 16. 238

Jornal Folha do Norte. 04 de novembro de 1922, p.01: As avançadas do progresso. MCS.

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96

que em ambas deparamo-nos com os interesses dos grupos dominantes. A inauguração

dessa estrada de rodagem envolveu grande parte dos políticos de Feira de Santana,

desde aqueles que estavam começando sua carreira política como Arnold Silva, Elpidio

Nova e João Marinho Falcão, aos mais consolidados como Bernardino Bahia, Leolindo

Ramos e João Mendes da Costa239. Kleber Simões destaca que a construção destas

estradas era importante, pois,

Com o regime republicano, o poder municipal conseguiria consolidar sua malha rodoviária, que teria uma importância estratégica no contato de Feira de Santana com outras regiões. A articulação com os municípios vizinhos proporcionou um ensaio inicial nas atividades atacadistas, que viriam a dar uma nova dinâmica à economia feirense. Além disso, a construção de estradas municipais que ligaram a sede do município com as fazendas locais e com seus distritos, pode ser verificada pelo número significativo de requerimentos feitos à Câmara Municipal de pedido de abertura de estradas, construção de pontes, bem como de suas manutenções – o que também indica o esforço do poder público municipal em viabilizar tais melhorias240.

A construção de estradas de rodagens se tornava algo de fundamental

importância no período, em especial, ao grupo economicamente abastado da cidade.

Trazia mais agilidade, um maior aproveitamento do tempo, já que poderia haver a

locomoção à noite, ligava Feira de Santana a outras partes do Estado e do país,

estabelecia contatos e comunicações mais rápidas. As noções de espaço e tempo e da

agilidade traria assim maiores vantagens aos negócios dos grupos poderosos, o que

torna claro o caráter de classe que se tem com as construções dessas estradas, pois,

beneficiava e aumentar o poder de expansão das atividades desse grupo.

Logo fica claro que, os “melhoramentos” e a reforma urbana em Feira de

Santana visaram modelar a cidade em apenas alguns espaços, justamente aqueles que

correspondiam a lugares freqüentados pela classe dirigente ou onde ela possuía

residências e estabelecimentos comerciais. Fica evidente que essa classe dirigente

feirense militava em benefício próprio. Podemos perceber isso a partir da notícia abaixo

transcrita que a Folha do Norte publicou:

239

Jornal Folha do Norte, 25 de novembro de 1922, p.01, MCS. Sobre as demais autoridades, políticos e pessoas presentes nessa inauguração ver notícia: Inauguração da estrada de rodagem, p. 01. 240SIMÕES, Kleber José Fonseca. Os homens da Princesa do Sertão: modernidade e identidade masculina em Feira de Santana (1918-1938). UFBA, dissertação em História, Salvador, 2007. P.25.

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O Sr. coronel Bernardino Bahia, solicito intendente deste município, dando execução a lei de desapropriação ultimamente votada, fechou ante-hotem acordo com o proprietário do casebre nª 13, á rua conselheiro franco, pelo preço de 270$000. Dentre poucos dias será demolido o tal pardieiro.(...) Louvamos a ação benéfica de s.exa., e fazemos votos que leve de vencida a demolição dos outros e dos situados a praça General Argolo e outras ruas, também incluídos na mesma lei, todos os quaes tanto afeiam a nossa bela cidade241.(sic)

Os casebres e casas que foram desapropriadas e demolidas no período de nosso

estudo, foram geralmente em ruas e praças que, com o crescimento urbano, se tornavam

centrais, espaços freqüentados pela classe dominante feirense e em espaços comerciais.

Foi um número considerável de desapropriações que abrange o nosso recorte temporal.

Santiago salienta que:

O projeto urbano pensado por Bernardino Bahia e o seu grupo político previa, além da retirada dos antigos casebres, a reformulação dos passeios públicos e o calçamento das principais vias da cidade. Estas medidas tinham como objetivo, tornar mais fluida a movimentação de pessoas e mercadorias pela cidade242.

Mais uma vez fica claro que os políticos em Feira de Santana se utilizavam da

máquina pública em beneficio da classe a que pertenciam e para isso, além de assumir o

executivo municipal, ocupar um cargo de conselheiro municipal possibilitava que estes

se agregassem às comissões internas que lhes interessassem. Sobre isso, Kelman Silva

afirmou que:

Os políticos que exerceram mandatos em Feira de Santana recorrentemente utilizaram a máquina administrativa do município e do estado na realização de obras, aprovação de leis e decretos que atendiam aos seus próprios interesses econômicos, boa parte deles ligados ao capital comercial243.

Concordando com a autora citada, entendemos que assumir os cargos políticos e

ter aliados políticos em ramos do serviço público (postos de chefe de polícia, juízes de

241 Jornal Folha do Norte, 29 de junho de 1913, Desapropriação. MCS. 242

SANTIAGO, Tiago. Casas, casebres e ruínas: uma política de desapropriação em Feira de Santana (1910-1917). UEFS: monografia. Feira de Santana: 2010. P.39. 243

SILVA, Kelman Conceição. Quem manda na Feira? Política, classe e rearranjos de poder em Feira de Santana (1930-1945). UNEB: dissertação de mestrado. Santo Antônio de Jesus, 2012.

Page 98: Nayara Fernandes de Almeida Cunha OS CORONÉIS E OS OUTROS

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paz, escrivão, entre outros), possibilitava ao sujeito político dominar o cenário local e

alcançar seus interesses mais rapidamente. Todos os conselheiros municipais até aqui

analisados possuíam vinculação com a atividade comercial ou agrícola e possuíam

renda econômica suficiente para serem considerados como abastados244.

Ao analisar quem compunha o conselho municipal entre 1900 a 1927,

encontramos os seguintes nomes José Antunes Guimarães, comerciante, Agostinho

Froés da Motta, fazendeiro, comerciante e proprietário de casas de aluguel e de uma

salgadeira; Quintiliano Martins da Silva Junior, negociante de gado; José Alves

Boaventura, farmacêutico, fazendeiro e comerciante; José Pedro de S. Leão, Abdon

Alves de Abreu, dono de tipografia e membro da Guarda Nacional; Bernardino Bahia,

fazendeiro, negociante de gado e comerciante; João Barboza de Carvalho, farmacêutico

e proprietário de farmácia; João Manoel de São Boaventura, João Mendes da Costa,

comerciante de gado; Juvêncio Erudilho, fazendeiro e dono de açougue; Celso Valverde

Martins, fazendeiro; José Cordeiro, Rogério Cornélio da Maia Pitombo, Raul dos Reis

Gordilho, médico e negociante de gado; Silvino dos Santos Ramos, Manoel Portugal,

Tertuliano de Almeida, fazendeiro; Felinto Marques, advogado; Antônio Rubem,

comerciante; Álvaro Simões, negociante de fumo e couro; José Pinto dos Santos Junior,

Onofre Carneiro, Joel Barbosa, Valentim Junior, Auto Reis, médico; Tertuliano

Carneiro, cônego; Leolindo dos Santos Ramos, negociante; João Lucio, negociante de

gado e Gonçalo Alves Boaventura, comerciante de couro e dono de armazém. A

maioria desses sujeitos esteve presente repetidamente na política feirense durante os 20

anos de pesquisa. Percebemos que estes faziam e assumiam comissões internas no

conselho e cargos políticos visando seu beneficio próprio e de sua classe.

Para tornar mais clara nossa idéia, destacamos cinco destes sujeitos e

percebemos como as suas práticas sociais, econômicas e políticas estavam interligadas.

Bernardino Bahia, João Mendes da Costa, Agostinho Froés da Motta, Manoel Portugal e

José Alves Boaventura foram conselheiros, e alguns intendentes, em Feira de Santana

ininterruptamente durante vinte anos. Comerciantes, fazendeiros, farmacêutico,

proprietários de casas de aluguéis245, negociantes eram as atividades desenvolvida por

244

Segue no anexo I dessa dissertação a lista dos sujeitos que foram conselheiros e intendentes no período de 1900-1927 contendo suas profissões, as comissões internas que participaram enquanto conselheiros, as entidades sociais que participaram, suas propriedades e casas comerciais que possuíam. 245

Oliveira destaca em sua tese que ao pesquisar o livro de cobrança do Imposto da Décima Urbana permite ver que o aluguel de casas era um instrumento de ganho de algumas famílias mais abastadas em

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99

eles. Figuravam, ainda, na lista dos quinze maiores contribuintes do imposto da décima

urbana e do imposto rural de Feira de Santana246, o que significava que eram os sujeitos

mais abastados da cidade. Também assumiram diversos cargos nas filarmônicas (25 de

março, Euterpe Feirense e Vitória), Santa Casa de Misericórdia, Monte Pio dos Artistas

Feirenses e Comissões de organização da festa de Sant’Anna, que eram espaços de

formação e sociabilidades políticas. O interessante de perceber é que o

aparecimento/coincidência dos mesmos nomes é um importante marcador de prestígio

de poder, material e simbólicos, destes.

Analisando a dinâmica de funcionamento do legislativo municipal de Feira de

Santana nas três primeiras décadas do século XX, percebemos que no inicio de todo ano

os membros do conselho elegiam sua mesa administrativa escolhendo o presidente, o

vice-presidente, 1º e 2º secretário e os nomes que iriam compor as comissões de

trabalhos internos “as quais eram responsáveis por apresentar propostas, assim como

deliberar sobre os projetos de leis de interesse coletivo da municipalidade” 247. As

comissões de trabalho eram as seguintes: Redação, Obras Públicas, Viação e

Agricultura, Fazenda, Instrução Pública e Justiça e Higiene. As comissões eram

compostas por dois ou três conselheiros. Estes sujeitos buscavam assumir as comissões

visando atender a seus interesses e as necessidades do grupo econômico a que

pertenciam. Silva salienta que:

Ocupar um mandato político e comissões como essas permitia a possibilidade de fazer reivindicações que contemplassem os diversos interesses econômicos dos sujeitos dos segmentos dirigentes de Feira de Santana, mas também estar próximo a debates que tivessem o resultado contrário, influenciando no controle da política municipal. Constituíam-se como representações diretas dos grupos dirigentes atuando na defesa de interesses248.

O perfil dos sujeitos políticos que assumiram a administração da máquina

pública era basicamente a de comerciantes, negociantes, proprietários, médicos,

Feira de Santana como os coronéis Agostinho Froés da Motta e Bernardino Bahia. OLIVEIRA, Clóvis Frederico Ramaiana Moraes. “Canções da cidade amanhecente”: urbanização, memórias e silenciamentos em Feira de Santana, 1920-1960. Tese de doutorado, 2011. Universidade de Brasília. 246

Jornal O Progresso 1900 a 1907, MCS. 247

SILVA, Kelman Conceição. Quem manda na Feira? Política, classe e rearranjos de poder em Feira de Santana (1930-1945). UNEB: dissertação de mestrado. Santo Antônio de Jesus, 2012. P. 41. 248

Idem, p.42.

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100

advogados, farmacêuticos e jornalistas. Assim em Feira de Santana “o corpo burocrático

se confundia com o grupo dirigente que, no governo, usou o aparelho estatal em seu

beneficio249”. Os líderes políticos feirenses eram também os que dominavam a maior

parte da economia da cidade, o que pode ser comprovado analisando os maiores

contribuintes dos impostos.

Entendemos os políticos de Feira de Santana não só como sujeitos políticos e

sim também como sujeitos sociais. Sujeitos políticos enquanto classe social, na medida

em que tinham suas relações perpassadas não só na política bem como nas relações

sociais. Por isto se fez tão importante nos determos no primeiro capítulo nas relações

sociais desses sujeitos, por que tentamos compreendê-los enquanto sujeitos imersos na

sociedade que buscam pôr em prática sua dominação. Buscamos com isso a História

Social da Política250.

Compreendemos que temos que nos perguntar sobre os sujeitos, suas

experiências e como estes se constituem historicamente em relação aos conflitos na

sociedade. A história social da política é aquela então que busca, na totalidade, entender

as relações sociais, o sujeito enquanto estabelecido num emaranhado de relações, dentre

as quais as relações de poder. Portanto, quando chega a explicações da própria política

stricto sensu, ela vê a relação da inter determinação da sociedade política com a civil.

249

SILVA, Kelman Conceição. Quem manda na Feira? Política, classe e rearranjos de poder em Feira de Santana (1930-1945). UNEB: dissertação de mestrado. Santo Antônio de Jesus, 2012. P. 42. 250 Sobre a história social da política algumas discussões ocorrem no Laboratório de Memória e de História das esquerdas e das lutas sociais (LABELU) na Universidade Estadual de Feira de Santana do qual faço parte enquanto membro.

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101

CAPÍTULO III: OS HERDEIROS DA POLÍTICA FEIRENSE: UMA ANÁLISE DOS NOVOS SUJEITOS POLÍTICOS EM FEIRA DE SANTANA.

“A missão do chefe é não perder eleição” 251

3.1: A chegada de um novo grupo ao poder: a ascensão do grupo calmonista.

Seabra conseguiu assumir seu segundo mandato no governo da Bahia em 1920,

apesar da Revolta Sertaneja. Contudo, sua influência e seu poder já estavam bastante

limitados, terminando por sua derrocada e a ascensão do grupo calmonista ao poder.

Cunha considera uma mudança no bloco de poder na Bahia em 1923 com o declínio de

Seabra e a ascensão do grupo liderado pelos irmãos Calmon e sujeitos como

Mangabeira e Simões Filho. Entende o conceito de bloco de poder “como o arranjo

político das classes dominantes baianas (numa formação social específica), buscando o

251

Revista Panorama de Feira de Santana, N° 1, 9 de setembro de 1983. MCS.

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102

controle dos aparelhos de estado locais sob a direção de uma determinada fração de

classe” 252.

Um dos motivos que contribuíram para seu declínio foram as eleições

presidenciais dos fins de 1923, em que Seabra rompeu novamente com o pacto dos

estados ao não apoiar a campanha presidencial de Arthur Bernardes. Além disso, Seabra

concorreu pela oposição para o cargo de vice-presidente da República na chapa

denominada Reação Republicana.

A chamada Reação Republicana (que tinha o apoio dos Estados do Rio de

Janeiro, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Bahia) lançou a campanha Nilo Peçanha e

J.J Seabra na convenção realizada em junho de 1921, concorrendo contra a chapa da

situação formada por Arthur Bernardes e Urbano Santos. Sobre o que significou a

Reação Republicana, Ferreira e Pinto destacam que:

A Reação Republicana resultou da insatisfação das oligarquias de segunda grandeza ante a dominação de Minas e São Paulo. A resistência dos estados do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Sul e do Distrito Federal não era um fenômeno novo, pois em várias ocasiões pôde-se detectar uma busca de articulação entre essas oligarquias estaduais com o objetivo de aumentar seu poder de negociação ante os estados dominantes. O movimento de 1922 foi um momento expressivo dessa luta. Não devem ser esquecidas, entretanto, as formas de articulação buscadas pelos integrantes da reação republicana com os setores urbanos, em especial do Distrito Federal, e com os militares253.

Como mostram as autoras, uma das articulações da Reação foi mobilizar os

elementos militares para essa disputa eleitoral, que, por conseguinte, deu o pontapé para

que aumentasse a insatisfação do exército que se desdobrou no movimento tenentista e

outras revoltas menores254. A Reação não possuía em si uma plataforma de campanha

que conseguisse atrair os conservadores ou desestabilizar os adversários. Uma das

tentativas deste grupo era propor melhorias trabalhistas e no ensino, já que houve um

252

CUNHA, Joaci de Sousa. “O fazer político da Bahia na republica velha” 1906-1930. Salvador: Doutorado em História: UFBA, 2011. P. 30. 253

FERREIRA, MARIETA DE MORAES E PINTO, SURAMA CONDE SÁ. A crise dos anos 20 e a revolução de 1930. In: O Brasil Republicano I: o tempo do liberalismo excludente: da proclamação da República à Revolução de 30. 3º edição- Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. P. 399. 254

O movimento tenentista ocorreu em 1922 e teve essa denominação por que envolveu os tenentes e capitães oficiais de nível intermediário do exército. Ver Ferreira e Pinto, 2008.

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103

aumento da presença dos trabalhadores no cenário nacional. Em 1917 ocorreu, por

exemplo, um movimento de greve e um aumento de reivindicações no país.

As eleições ocorreram como previsto em 1º de março, dando a vitória a Arthur

Bernardes, conseqüentemente os Estados de oposição como “Bahia, Pernambuco e Rio

de Janeiro sofreram alterações significativas nas suas políticas internas, com a troca de

grupos dominantes255”. Derrotado nas urnas, Seabra teve que suportar a falta de apoio

federal nas eleições estaduais e o risco de uma nova intervenção na Bahia.

Como uma das suas últimas cartadas, procurou lançar para seu sucessor um

nome forte o bastante para conseguir apoio da classe conservadora baiana e não sair da

cena política fracassado. Ao indicar o nome de Francisco Goés Calmon, Seabra contou

com franco apoio da Associação Comercial da Bahia, já que o candidato era membro

dessa associação. Cunha ressalva que Seabra deixou a oposição em uma situação

delicada, já que o maior nome desse grupo era justamente o irmão do candidato, o então

ministro da Agricultura, Miguel Calmon. Os oposicionistas optaram por não lançar

nome nenhum, mais mantiveram sua política de ataque ao ainda chefe do executivo

estadual. Contudo, a situação não estava das melhores para o governador que depois de

alguns boatos rompeu com o candidato Goés, deixando-o livre para a oposição e

lançando a candidatura de Arlindo Leone.

As eleições ocorreram e, como era prática comum na “Primeira República”, duas

atas eleitorais foram feitas, declarando os dois candidatos como eleitos. Porém o

presidente Arthur Bernardes se adiantou e decretou “estado de sítio em todo território da

Bahia pelo prazo de 30 dias” 256. A Assembléia Legislativa então declarou Goés

Calmon como legitimamente eleito, evitando assim um terceiro confronto federal no

Estado. Era o fim do monopólio de Seabra e de seu grupo, dando início à ascensão ao

poder baiano do grupo liderado pelos irmãos Calmon.

Analisando as estratégias definidas pelo grupo liderado pelos irmãos Calmon

(Goés Calmon e Miguel Calmon), podemos perceber que existia a necessidade de pôr

em prática as vontades do grupo que estes representavam; e a marca mais clara da

255 Idem, p. 400. 256SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos na Primeira República: uma política de acomodação. Salvador: Centro Editorial Didático da UFBA, 1975. P. 46.

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gestão de Goés Calmon foi o incentivo ao grupo exportador e agrário. Sobre colocar em

praticar as vontades do grupo que está no poder, Bourdieu salienta que:

Os que dominam o partido e têm interesses ligados com a existência e persistência desta instituição (...) encontram na liberdade, que o monopólio da produção e da imposição dos interesses político instituído lhes deixa, a possibilidade de imporem os seus interesses de mandatários como sendo os interesses dos seus mandantes257.

Concordamos com este autor e também com Gramsci que, ao trabalhar com o

conceito de hegemonia, nos esclarece que a mesma se faz por uma relação entre a

coerção e o convencimento258. Assim os grupos dirigentes da sociedade ou frações do

grupo dirigente buscam convencer que seus objetivos e reais interesses sejam

percebidos como uma necessidade da população. Em outras palavras: desenvolvem

mecanismos que permitem tornar públicos seus objetivos privados. Logo, com a aliança

estabelecida com o presidente da República- mantendo as regras do jogo da política dos

Estados- e com a classe conservadora e dirigente do Estado, o novo governador baiano

buscou atender aos principais ensejos desse grupo, que nada mais era do que seu próprio

grupo e, portanto, seus próprios objetivos.

De fato a marca da gestão de Goés Calmon259 foi reestruturar as finanças do

Estado e atender a todos os pedidos da Associação Comercial, que, por mais que

argumentassem que não tencionava ser um grupo político, participava dos meandros da

política seja como um grupo de pressão, seja tendo representantes nos seus quadros da

política e dos cargos públicos. Prova disso é que durante a Revolta Sertaneja, em 1919,

essa associação e seus membros foram acusados de fornecer dinheiro para a compra de

armas e munições para os revoltosos, mostrando que, por mais que dissesse que não,

participavam da política. Essa associação buscava meios de ver no poder quem lhe

interessava. Mario Augusto Santos afirma que:

No governo de Goés Calmon, pela primeira vez na República, a Associação Comercial conseguiu situar-se com segurança na esfera do Poder Estadual, em conseqüência de ser ele um consórcio, de ter sido

257 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 15ª Ed. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil. 2011. P. 168. 258

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere: volume 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. P. 16. 259 Para saber mais sobre a gestão de Calmon e a entrada de capital americano, a monopolização da energia e da indústria no estado ver Joaci Cunha, 2011.

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eleito como o candidato das “classes conservadoras” e, antes de mais nada, intimizado e identificado com seus interesses e aspirações. De um para o outro não havia razões de queixas e nem atritos260.

Além de reorganizar as finanças do Estado e reduzir os compromissos do

tesouro261, baixou a dívida interna e externa. Normalizando a situação financeira da

Bahia, buscou favorecer os grupos ligados à produção rural, como cacau, fumo e café e

atentou-se aos problemas do interior como as rodovias, com abertura de estradas de

rodagens e a instalação de caixas rurais de crédito nas cidades, estando entre elas, Feira

de Santana. A área educacional, com a construção das escolas normais, também foi

prioridade na gestão desse governador.

Financista emérito, conhecedor das questões econômicas que merecem enfrentados no momento, sabedor de quanto pode concorrer o credito agrícola para o desenvolvimento econômico dum povo, empenhou-se pela divulgação do cooperativismo concretizado e agiu no sentido de instalar aqui uma Caixa Rural, o que já é um fato (...). Vendo a necessidade de manter comunicações rápidas com os seus populosos districtos o Sr. Calmon acabar de conceder um auxilio de trinta contos de réis à rodovia que ligara esta cidade a Monte Alegre (...) vem crear a Escola Normal nesta cidade, que por seu desvanecedor movimento escolar quiçá o mais intenso do interior, virá ser verdadeiro núcleo de irradiação educacional (...) levado dum sentimento irreprimível de humanidade trata de instalar aqui um posto médico permanente (...). É assim que a decissão promta e serena dos fortes e destemerosos, que o agente primacial do poder executivo na Bahia traduz para a realidade as aspirações justas duma coletividade na nossa cidade262. (sic).

A Caixa Rural em Feira de Santana foi criada em 1925, sendo presidida por

Eduardo Froés da Mota, assim como nesse mesmo ano foi inaugurada a estrada de

rodagem ligando à cidade a Monte Alegre263. Já a Escola Normal, o posto de saúde e a

nova cadeia pública foram inauguradas em 1927, já perto do fim das gestões do

Governador Goés Calmon e do Intendente Arnold Silva. Os “melhoramentos” e

posicionamentos feitos por esses sujeitos assimilavam-se, ocorrendo um apoio mútuo

entre estes. Na inauguração do paço municipal em 1926 em seu discurso, o governador

salientou que: “O seu governo- afirmou- é um governo de trabalho, de utilidade, de 260 SANTOS, Mario Augusto. A Associação Comercial da Bahia na Primeira República. 3ª edição- Salvador: Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, Associação Comercial da Bahia, 2011. P. 155. 261 Idem, p.156. 262

Jornal Folha do Norte, 31 de outubro de 1925, p. 01: O benemérito governo da Bahia e a Feira. MCS. 263 Esta cidade é atualmente conhecida como Mairi e fica a 177 km de Feira de Santana.

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106

encorajamento aos operosos, aos tenazes, aos dignos, como Bernardino Bahia, Froés da

Motta e Arnold Silva” 264.

Goés Calmon buscou manter seus aliados de alguma forma unidos, evitando que

seu grupo se enfraquecesse ou rompesse. Em 1927 foi restaurado o Partido Republicano

da Bahia, sendo ele o chefe desse partido. Goés Calmon procurou fazer uma convenção

com as municipalidades baianas no início de 1927, procurando já fortalecer seu partido

para que nas eleições estaduais o seu grupo se mantivesse no controle do poder do

Estado. Nessa convenção foi decidido que:

Arnold Silva. Feira. Bahia. 1ª Tenho a satisfação de comunicar ao prezado amigo que o dr. Governador do Estado acaba de receber o seguinte telegrama (...) Temos a honra de levar ao conhecimento de V. Exa que foi fornecidos aos jornaes a nota oficial que definiu o acordo político, sob seus bons officios, se realisou para fim de, assegurando a paz do Estado, reintegrar as forças componentes do situacionismo bahiano. 1º será creado mais um lugar na comissão executiva do Partido Republicano da Bahia, para qual será indicado o nome de um dos amigos do dr. Octávio Mangabeira (...) 3º o candidato a senatoria será o Sr. Miguel Calmon. (...) 5º o candidato à sucessão do Sr. Goés Calmon será o Sr. Dr. Victal Soares indicado pela comissão executiva do Partido Republicano da Bahia em convenção especial convocada para esse fim e para a creação do logar na comissão executiva de que trata o nº1. Aceite v. exa. As nossas cordeaes homenagens- Octávio Mangabeira, Miguel Calmon. Affs, sauds- Madureira de Pinho265. (sic).

O jornal Folha do Norte apresentou o telegrama que o intendente Arnold Silva

(chefe desse partido em Feira de Santana) recebeu, divulgando as decisões tomadas pela

convenção do partido realizada no mês de janeiro. Feira de Santana foi representada

pelo senador Queiroz Matos e por Bernardino Bahia. O que fica claro dos resultados

dessa convenção é o objetivo que a então situação traçou para manter o poder em suas

mãos, lançando candidatos a todos os cargos e não deixando nenhum para a oposição,

evitando logo qualquer interferência que pudesse enfraquecer ou desestabilizar o PRB.

Assim, mais uma vez na “Primeira República”, o PRB conseguiu manter-se

situacionista na maioria das cidades e no Estado, garantindo uma sucessão

governamental tranqüila. O nome de Vital Soares foi aceito e as eleições

264 Jornal Folha do Norte, 10 de abril de 1926. Inauguração do paço municipal. MCS. 265 Jornal Folha do Norte, 5 de fevereiro de 1927, p.01: Política, MCS.

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107

governamentais ocorreram sem maiores transtornos, garantindo uma gestão que foi

interrompida apenas pela “Revolução de 30”.

3.2 Será que tudo mudou? Os novos sujeitos políticos, os novos cenários econômicos

e os partidos na década de 20.

Neste subtópico nos atentamos sobre as mudanças ocorridas no cenário político

feirense. Examinaremos se os grupos formados nas duas primeiras décadas do século

XX são os mesmos, se os partidos aos quais estavam filiados ainda são os mesmos e

quem são os novos políticos que entram em cena. Essa análise será feita sempre em

relação com as transformações (novos cenários econômicos, novos cenários urbanos e

nova arquitetura na cidade) que porventura tenham ocorrido em Feira de Santana.

Durante a década de 20, “a sociedade brasileira viveu um período de

efervescência e profundas transformações” 266. O pós- guerra e a instabilidade financeira

trouxeram temores, porém uma onda de modernismo e desenvolvimento possibilitou

vantagens e “melhoramentos” para o país. Ferreira e Pinto destacam que houve na

economia do Brasil nesta década uma:

Diversificação da agricultura, um maior desenvolvimento das atividades industriais, a expansão de empresas já existentes e o surgimento de novos estabelecimentos ligados à indústria de base foram importantes sinais do processo de complexificação pelo qual passava a economia brasileira267.

Como salientaram as autoras, o país passou por uma maior diversificação da

agricultura com a expansão das produções de cacau, fumo e café, este último tendo

políticas de defesa, já que representava uma grande parte dos lucros da economia do

país. O governo federal comprava as safras do café, as estocava e vendia quando o

mercado estivesse favorável. Essa política deu certo na maior parte do tempo, porém em

alguns momentos não funcionou, chegando mesmo nos fins da década a passar por uma

séria crise, em que houve perda das safras, em especial, por conseqüência da “quebra da 266 FERREIRA, Marieta De Moraes E PINTO, Surama Conde Sá. A crise dos anos 20 e a revolução de 1930. In: O Brasil Republicano I: o tempo do liberalismo excludente: da proclamação da República à Revolução de 30. 3º edição- Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. P. 388 267 Idem, p. 389.

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bolsa de New York em 1929”, fazendo com que o país tivesse de enfrentar um déficit

comercial e crise financeira.

Na Bahia destacava-se a produção do cacau, do fumo e a pecuária. Sobre a

economia desse Estado, Cunha destacou que “na década de 1920, o movimento

financeiro na Bahia se alargou, acompanhando a ampliação da atividade agrícola e a

soma de capitais investidos em novas sociedades mercantis e empresas.” 268 Houve a

entrada do capital estrangeiro na Bahia, em especial, o capital americano, que com a

primeira guerra mundial tornou-se uma das principais potências mundiais.

Um dos motivos de termos escolhido o nosso recorte temporal de 1907 a 1927

foi por que se criou uma memória em torno das figuras de Bernardino Bahia, Agostinho

Froés da Mota e Arnold Silva, na qual se buscou consolidar a imagem de sujeitos que

conseguiram vultosos “melhoramentos” para cidade, muitas vezes valendo-se do

esforço de utilizar o orçamento local269. Sabemos que essa imagem é criada para

favorecer e enaltecer tais figuras que acabam sendo mitificadas como pessoas dedicadas

à sociedade. Compreendemos, entretanto, que tais esforços mais faziam parte de

iniciativas de um grupo socialmente favorecido, que visava que esses melhoramentos

trouxessem cada vez mais vantagens para si. A cidade e seus grupos estavam inseridos

de modo peculiar na lógica da expansão do capitalismo, contexto em que se tornava

muito mais interessante abrir as estradas de rodagem para beneficiar os que criavam

seus gados e precisavam de uma via mais rápida para sua venda, por exemplo. Assim

Feira de Santana, na década de 20 passou por algumas transformações que são nosso

alvo de interesse nesse momento.

Em Feira de Santana sabemos que o imposto do gado era a principal renda

pública. Prova disso é que o empréstimo contraído em 1906, pelo intendente Tito Ruy

Bacelar, tinha como garantia a arrecadação desse imposto. Na gestão de Arnold Silva,

buscou-se alterar a forma de captação do recebimento deste imposto, importando uma

balança que pesava o gado antes de entrar na feira da cidade, recebendo por esta uma

porcentagem a partir da pesagem. Sobre esta aquisição, Arnold Silva afirmou que:

268CUNHA, Joaci de Sousa. “O fazer político da Bahia na republica velha” 1906-1930. Salvador: Doutorado em História: UFBA, 2011. P. 277. 269 Folha do Norte, 3 de abril de 1926.

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Não se compreende não se justifica não se admite, de fato, que a Feira, um dos três maiores centros do comércio de gado no país, comércio que dá ao município a sua maior fonte de renda, não se admite- dizia eu- que a Feira continue a deixar que esse comércio se exerça na mesma confusão e insegurança em que se iniciou quando éramos o arraial de Santana dos Olhos d’ Água. Marcando o início dessa obra necessária, minha administração fez assentar, no Campo de Gado, uma possante e excelente balança importada da América do Norte, balança onde é pesado vivo quase todo gado que se vende no entreposto desta cidade270.

A iniciativa de mudar a forma da pesagem do gado fazia parte da estratégia de

transformar o campo do gado, local onde eram realizadas as transações da venda e

compra desse animal em um mercado modelo, como destacou o próprio Arnold Silva

que o objetivo era transformar “a feira do gado em currais simples, porém modernos e

elegantes, de acordo com a bela planta já levantada” 271, numa tentativa de enquadrar a

feira do gado nas normas que o grupo dirigente considerava adequada. Dessa forma,

sairia a bagunça e a venda de pequeno porte teria que se enquadrar nas novas normas,

favorecendo os grandes proprietários e a máquina pública municipal. Sobre esse

primeiro passo dado pelo Intendente de Feira de Santana, Oliveira afirma que:

Feira de Santana não era mais “um simples e modesto arraial”, o boi, portanto merecia a sua indenização pelo que representava para a cidade e o poder público, as compensações garantidas pelas imponentes balanças, fornecedoras de recursos para os cofres da municipalidade272.

Organizar e ter mais controle sobre as atividades comerciais foi o objetivo da

municipalidade na década de 20, tentando arrecadar mais com o comércio que mais

dava lucro a Feira de Santana, a venda de gado. No ano de 1942 foram inaugurados os

currais modelo, instalados no novo campo do gado:

Entre o Campo do Gado, agora velho, e os Currais Modelo, Campo do Gado novo, foi interposto um imenso espaço de significados, um muro de práticas sociais que sugeriam novas sociabilidades ao mesmo tempo em que interditavam outras273.

270 Jornal Folha do Norte, 28 de junho de 1958, ano XLVIII, num. 2555. MCS. 271 Idem. 272 OLIVEIRA, Clóvis Frederico Ramaiana Moraes. “Canções da cidade amanhecente”: urbanização, memórias urbanas e silenciamento em Feira de Santana, 1920-1960. Tese em História: UNB, 2011. P. 71. 273 Idem, p. 75.

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Agora além do controle do comércio do gado, o poder público limitava o lugar

dos vaqueiros e restringia sua circulação pelo centro da cidade.

Compunha um quadro geral de ordenação e controle público, constituindo um movimento de maior amplitude, dotar Feira de Santana de signos e referenciais urbanos, apropriados como progressistas e socializados como melhor caminho (talvez estrada) para atingir os avatares de uma terra civilizada274.

Era a defesa dos interesses dos grupos dirigentes, que por meio dos instrumentos

possíveis do poder público, tentava tirar do centro da cena o que lhe incomodava (a

figura do vaqueiro) e ao mesmo tempo, criava mais meios de controlar o comércio de

gado na cidade, ou seja, favorecer-se cada vez mais dele.

Além da tentativa de enquadramento e maior controle sobre a venda de gado,

alguns “melhoramentos” foram feitos nas gestões do intendente Arnold Silva (1924-

1928), muitos deles por conta das despesas próprias do município e outros em parceria

com o governo do Estado, chefiado por Goés Calmon. Tivemos a instalação do sistema

de telefonia entre Feira de Santana e a capital do Estado275, a construção de oito escolas,

a inauguração da primeira estrada ligando Salvador a Feira de Santana276, abertura de

outras estradas menores, posto de higiene, inauguração de um novo paço municipal e de

uma cadeia pública, entre outras. Uma empresa de melhoramentos aqui foi instalada sob

a chefia de Simões Filho, com intuito de promover e cuidar da instalação da luz elétrica

na cidade.

A “Companhia de Melhoramento” da Feira foi criada no ano de 1926 e foi uma

sociedade que se constituiu para explorar o contrato da concessão para fornecimento de

luz por energia elétrica em Feira de Santana que teve como acionistas figuras políticas

como Eduardo Froés da Mota, Arlindo Perreira Ramos (o maior acionista) e o diretor

desta Simões Filho, então deputado federal. Para Mayara Silva esta “Companhia era

uma espécie de órgão político que gestava e planejava mudanças na urbe e buscava

274 Idem, p. 77. Para entender mais sobre os currais modelo e seus desdobramentos ver Oliveira. 275 Instalada em 1925, a sua estação ficava na Rua Conselheiro Franco. Jornal Folha do Norte, 1925. 276 Inaugurado em 1926. ALMEIDA, Oscar Damião. Dicionário Personativo, histórico e geográfico de Feira de Santana. Feira de Santana. P. 67.

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fiscalizar o cumprimento dos artigos do código de posturas de 1893” 277. O jornal Folha

do Norte divulga a seguinte notícia sobre esta Companhia:

A Companhia de Melhoramentos da Feira de Sant’Anna teve por incorporador o deputado Simões Filho, um dos sues actuaes directores e operoso representante do districto na câmara federal. A iniciativa do ilustre jornalista e parlamentar reuniu de prompto, o concurso das principaes firmas desta e da praça da capital, sendo em pouco, subscrito em sua totalidade, o capital necessário. São grandes acionistas da Companhia, os srs. Arlindo Ramos, dr. Eduardo Froés da Mota, Bernardo Martins, coronel Bernardino Bahia, coronel Mario Saback de Oliveira, major Leolindo Ramos, Tertuliano José de Almeida, major Celso Valverde Martins, sendo ainda maior a relação dos possuidores de vinte cinco ações a menos. De muito tempo se vinha cogitando de resolver o problema de luz elétrica na Feira de Sant’Anna. Aberta a concorrência pública depois de varias tentativas o concelho municipal firmou contracto com a Companhia de Melhoramento e a montagem da usina e instalação da cidade estão caprichosamente feitas com material de superior qualidade e a Feira vai ser a cidade mais bem iluminada do interior278. (sic)

Realmente houve durante o período de nossas pesquisas algumas tentativas de

implantação de luz elétrica na cidade, que só ocorreu em 1926. Fica claro que, os

envolvidos e acionistas dessa Campanha de Melhoramentos eram importantes figuras

políticas e abastadas da cidade e da capital do Estado. Podemos pensar aqui as inúmeras

formas como esses sujeitos podiam ser beneficiados sendo associados de uma

companhia como essa. Ter o monopólio desta possibilitava um controle estatal e,

evidentemente, lucros. O fato de ter como o incorporador o deputado federal Simões

Filho, “que a partir do governo de Goés Calmon havia se tornado um destacado membro

do bloco dominante e, desde os contratos citados, era tido como aliado dos interesses

estrangeiros contra o bolso da população” 279, nos deixa claro que os interesses da classe

dominante eram o de assegurar a direção da sociedade, de forma que os beneficiasse.

Como instrumento de apoio, essa Companhia de Melhoramento contou com a

ampla divulgação feita pelo jornal Folha do Norte. Além de um artigo publicado,

solicitando as casas comerciais e particulares a contratarem a Companhia, encontramos

notícias como: 277 SILVA, Mayara Pláscido. Experiências de trabalhadores/as pobres em Feira de Santana (1890-1930). Dissertação em História, UEFS, Feira de Santana: 2012. P. 25. 278 Folha do Norte, 3 de abril de 1926, p. 01: As inaugurações de hoje. MCS 279

CUNHA, Joaci de Sousa. “O fazer político da Bahia na republica velha” 1906-1930. Salvador: Doutorado em História: UFBA, 2011. P. 273.

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Avulta consideravelmente o pedido de instalações da luz electrica pelos habitantes desta cidade. Felicitamos o povo feirense pelo brilhantismo com que assim há de representar a Feira de Sant’Anna como merecedora, que era, de tão importante melhoramento. Que se repitam os contratos de installações afim de que a Petrópolis Bahia venha testemunhar os seus foros de gente amante de luz... e progresso280. (sic)

Nesta nota o jornal felicitou o povo feirense por aderir à Companhia e seus

serviços de energia elétrica, deixando para trás “a velha e retrograda usança da

iluminação a kerosene” 281, destacando o grande número de habitantes que já haviam

procurado a Companhia para assinar os contratos de prestação de serviço. Usa como

vetor de incentivo o discurso de que a cidade seguia os padrões do progresso, deixando

no passado a forma “rústica” e “antiga” que era a luz por querosene. Os meios de

comunicação foram usados como mais uma ferramenta de propagação dos ideais e dos

interesses de um grupo que buscava tornar necessária essa mudança e se beneficiava

com o aumento cada vez maior de lucro.

Por isso ter o controle sobre o fornecimento de energia elétrica numa cidade

como Feira de Santana, uma das maiores do Estado, mediante a monopolização de uma

empresa que gerava energia na cidade era uma jogada ambiciosa que colocava esses

homens ainda mais no centro do poder. “As várias esferas estatais da República usaram

amplamente mecanismos de aparelhamento econômico do território (cidade e campo),

em prol deste ou daquele projeto ou interesses” 282. Mais uma vez não podemos separar

a economia da política, já que os interesses de uma perpassavam pela outra. Era preciso

ter contatos, estar comandando o poder público ou ter influência sobre quem estava

nessa esfera, para mais facilmente conseguir concessões como essas. O poder público

tinha um papel essencial. Cunha ressalta que “a intervenção estatal baiana nem sempre

correspondeu a um modelo destinado a impulsionar processos de desenvolvimento ou

de modernizações produtivas. Antes, podia visar benefício financeiro de corporações e

protegidos políticos”.283 Tratava-se, muitas vezes, de contribuir com os interesses de

aliados políticos e dos próprios governantes na obtenção de seus objetivos. Ou seja,

transformando suas necessidades em uma vontade geral.

280 Jornal Folha do Norte, 16 de janeiro de 1926. P.01, A luz electrica. MCS. 281 Idem. 282 CUNHA, Joaci de Sousa. “O fazer político da Bahia na republica velha” 1906-1930. Salvador: Doutorado em História: UFBA, 2011, p. 287. 283 Idem, p. 286.

Page 113: Nayara Fernandes de Almeida Cunha OS CORONÉIS E OS OUTROS

113

A década de 20 não foi só um período de mudanças e sim também de pressões e

até mesmo de conflitos- em alguns momentos não houve acordo entre o governador e os

coronéis do sertão, levando a divergências. Mesmo apresentando um crescimento e uma

maior organização nas contas do Estado, também foi um período de dificuldades

financeiras advindas principalmente dos desdobramentos da Primeira Guerra Mundial.

Foi um período de maior reordenamento do Estado, já que novamente a Bahia estava

em convergência com a política dos estados. Por muitas vezes houve reivindicações

sobre a cobrança do valor dos impostos. A Associação Comercial ou mesmo

comerciantes avulsos ou concentrados enviavam cartas ao governo pedindo reavaliação

dessas cobranças. Vejamos:

O comércio local, representado por uma digna e distintíssima comissão, resolveu, em virtude do lançamento recente do imposto de Indústrias e Profissões, que acaba de sofrer, dirigir ao exmo. Sr. Dr. Governador do Estado, por intermédio do nosso distincto conterrâneo Sr. Dr. Deputado Hidelgardo Erudilho, o apelo que damos abaixo respectivamente assignado por quase toda a totalidade dos comerciantes da Feira284. (sic)

Vemos que os comerciantes de Feira de Santana, através de um telegrama,

buscaram renegociar com o governador o valor do imposto de Indústria e Profissões. Os

grupos ou frações da classe dominante buscavam, por meio de pressões, alcançar suas

metas. A notícia apresentada pelo jornal Folha do Norte deixou explícito que uma das

estratégias foi uma tentativa, por meio de um apelo, para que o imposto fosse reduzido

ou mesmo anulado. Concentrados, separados, apenas um grupo, o certo era que em

todos os momentos em que se sentiam ameaçados ou prejudicados, os grupos tentavam

formas de conseguir ter seus objetivos atendidos.

Os comerciantes feirenses buscaram, em grupo, desenvolver estratégias de não

serem prejudicados com arrecadação dos impostos. Para tal, era preciso manter uma

negociação com Estado/ município e com isso, além de terem dentro das esferas de

poder representantes, estiveram articulados dentro de uma associação que facilitasse

formas de negociação e de pressão. Vimos no primeiro capítulo que por mais de uma

vez os comerciantes de Feira de Santana se uniram para alcançar suas reivindicações.

Assim em 1908 mudaram a feira de gado da cidade para São Gonçalo para não pagarem

284

Folha do Norte, 14 de abril de 1925, p. 01. A grita do comercio local sob o peso da taxação do imposto de indústria e profissões. MCS.

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114

os impostos e em 1913, criaram uma guarda noturna para combater os roubos às casas

comerciais, obtendo o apoio do executivo municipal.

3.2.1 Eleições e eleitores feirenses.

Voltemos a pensar um pouco sobre a dinâmica das eleições e sobre as relações

dos eleitores na década de 20. Fizemos uma busca nos dados demográficos como:

censos e recenseamentos para entender quem eram e qual o perfil dos que podiam votar.

Pelo recenseamento de 1920, Feira de Santana possuía 14.790 habitantes na sua sede

principal, tendo em sua área total mais de 77.600 habitantes285. Podemos perceber que

houve um aumento populacional e também um acréscimo do número de eleitores na

cidade286, que passa a ser entre 3.000 a 3.500 nessa década. Em 1925, por exemplo,

encontramos o número de 3.479 pessoas votantes na cidade. As sessões eleitorais

passaram de 10 para 12. A partir desses dados, estima-se que apenas 5% da população

feirense tinha direito ao voto.

Para além de analisar somente os números, nos interessa mesmo saber como

eram as relações dos sujeitos políticos com seus eleitores, como estes eram

considerados, que tipos de peças eram apenas no tabuleiro político. Apesar de haver

manipulações e adulterações freqüentes nas eleições, o político tinha uma imagem e

reputação a zelar. Nem sempre só a coerção conseguia fazer o político ter o prestígio

que necessitava, para tal, era necessário, criar em torno de si a figura de um sujeito

honesto e leal, que possuía as melhores intenções para o eleitorado. Em um cenário em

que o analfabetismo e a exclusão eleitoral eram imensos, nos questionamos como eram

estabelecidas as relações com o eleitor.

O político sabia que para manter seu cargo ou conseguir assumir um, teria que

estabelecer relações com outros sujeitos políticos de influência e tentar satisfazer os

interesses do grupo que representava. A inserção no cenário eleitoral, por exemplo,

dependia das relações que o aspirante à política possuía com outros políticos. Exemplo

285 IBGE, População Recenseada em 31/12/1920. Bahia, vol. 4, parte 5, tomo I. P. XLII e XCVII 286 IBGE, lista com os sensos demográficos.

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115

disso é a entrada de Bernardino Bahia287, oriundo de Salvador, na política feirense foi

possível porque este se aliou ao então chefe político Tito Ruy Bacelar que o apoiou na

sua primeira eleição para Conselheiro Municipal em 1904.

Como já dissemos anteriormente, muito da relação entre eleitor e candidato era

estabelecido por vínculos familiares e de compadrio. O segundo casamento do coronel

Agostinho Froés da Motta com a filha do coronel Tertuliano de Almeida, a entrada de

seu filho Eduardo Froés da Motta na vida política, bem como o ingresso de Arnold

Ferreira da Silva nesse cenário político por meio de dois casamentos com as filhas do

coronel Bernardino Bahia, assumindo a chefia do executivo, logo após o seu último

mandato de intendente sugerindo uma herança de mandato, exemplificam como as

relações familiares e de compadrio estavam entrelaçadas nos emaranhados da vida

política feirense.

O perfil do eleitorado feirense, por exemplo, era de comerciantes, pecuaristas,

negociantes, advogados, médicos, farmacêuticos, dentistas, funcionários públicos

(professor, delegado, entre outros), o que nos leva a ver que era formado por um grupo

de pessoas com alguma condição econômica, mesmo que fosse pequena. A influência

de uma família, o peso de um nome, a troca de favores eram instrumentos que ajudavam

eleger um candidato.

Como destacou Sampaio, certos fenômenos distinguiram o sistema político da

Primeira República: “a debilidade institucional, o que se inclui os partidos políticos, e o

baixo grau de participação política da população” 288, o que facilitava o domínio do

poder nas mãos dos grupos dominantes. Um dos motivos desse baixo grau de

participação mencionado pela autora se dava por que a maioria da população era

analfabeta ou quase analfabeta. Perguntamos-nos então se não houve em Feira de

Santana algum partido ou associação que estimulasse e tivesse sido centros de

mobilização eleitoral na cidade.

Nessa busca achamos duas entidades que nos chamaram a atenção. O primeiro

deles é o Centro Operário, sobre cujo funcionamento encontramos notícias em Feira de

Santana em 1901, através do jornal O Progresso. As notícias não nos dão muitos 287 Em 1904 este ainda não possuía o título de coronel e sim de major. 288SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos na Primeira República: uma política de acomodação. Salvador: Centro Editorial Didático da UFBA, 1975. P. 46.

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116

detalhes sobre esse centro, mais nos revelam que havia reuniões regulares e que

funcionava mais como uma sociedade mutualista do que um centro de reivindicação

operária, por exemplo. Anúncios convocando os membros para reuniões e assembléias

foram as notícias mais recorrentes encontradas sobre esse Centro, como a que vemos

abaixo:

De ordem do Sr. Presidente faço saber que foi convocada a assembléia geral desta associação para o dia 20 do corrente mês, as 3 horas da tarde, devendo a ela comparecer os agremiados que se acharem em goso dos seus direitos289. (sic)

Não sabemos exatamente quando foi fundado o Centro Operário em Feira de

Santana. Mas podemos afirmar que esse centro era mais de ajuda mútua e de

solidariedade. Também encontramos algumas notícias em que essa agremiação possuía

uma escola primária sob a regência do professor Germiniano Costa, que era também o

secretário deste centro. A escola admitia os agremiados e menores aprendizes. O centro

tinha reuniões consecutivas, porém, além disso, não encontramos nenhum vestígio que

ligue essa entidade a reuniões políticas, ao contrário, poderia ter no seu quadro de

membros, figuras políticas importantes, porém nem temos como afirmar isso, já que as

notícias encontradas se limitam a poucos anos no inicio da década de 10.

A segunda sociedade é a Sociedade Monte Pio dos Artistas Feirenses. Foi

fundado pelo Padre Ovídio Boaventura em 1876, que foi também fundador do Asilo

Nossa Senhora de Lurdes290 nos fins do século XIX, sendo uma entidade de caráter

mutualista e que possuía entre seus sócios as principais figuras políticas e abastadas da

cidade. Apesar do estatuto dessa sociedade afirmar que era voltada para os artistas e os

que “se interessam pelo desenvolvimento das artes e, principalmente pelo bem estar dos

artífices” 291, a presença de outros sujeitos que não eram artistas estavam presentes. Só

para citar como exemplo, estava na lista do ano de 1925 mais de 300 nomes de

289 Jornal O Progresso, 4 de janeiro de 1901. Centro Operário. P. 01. 290

Para saber mais sobre o Asilo Nossa Senhora de Lurdes ver Lívia Gozzer. COSTA, Lívia Gozzer. Capitães da Feira e outras crianças: a infância pobre e abandonada de Feira de Santana entre 1879 e 1945. Dissertação em História, Feira de Santana: UEFS, 2013. 291

Estatuto da Sociedade Monte Pio dos Artistas Feirenses. P. 01, capítulo 1, artigo 1ª. Acervo particular.

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117

associados sendo beneméritos ou não, em que aparecem os nomes de sujeitos como

Bernardino Bahia, Filinto Marques, João Mendes da Costa, entre outros292.

Como o Centro Operário, essa entidade possuía uma escola noturna tendo mais

de cem alunos matriculados no ano de 1925, que o jornal Folha do Norte ressaltou

serem alunos de todas as classes. Podemos falar com muito mais propriedade do caráter

paternalista dessa entidade, pois ela aparece em todo o período de nosso estudo. O

simples fato de que na maioria absoluta das vezes, quem assumiu a presidência e os

principais cargos de organização foram os políticos e os homens economicamente

favorecidos da cidade, nos mostra que esses buscavam controlar também essa

sociedade. A Sociedade Monte Pio dos Artistas feirenses até hoje funciona na cidade,

mais não tem tanto destaque quanto tinha na primeira metade do século XX.

Nenhuma delas possuía abertamente teor político ou mobilização eleitoral, no

sentindo de chamar ou incentivar a população a votar, ou mesmo a um questionamento

da conduta e das práticas políticas de então. Para Elizete da Silva, “Montepios e

Círculos Operários de origem católica eram uma espécie de antídoto à crescente

organização da classe trabalhadora em sindicatos e movimentos políticos” 293. Eram

pensados assim para incorporar e dar direção a mobilização da classe trabalhadora,

imprimindo e tendo um caráter assistencialista, de solidariedade e de mutualismo, nas

quais figuras políticas apareciam como representantes dos direitos. Mais do que isso

essas eram equipamentos úteis à difusão de um certo senso comum, valores, normas de

comportamentos.

A presença destes personagens políticos na referida sociedade poderia ainda

facilitar o envio de recursos por parte do executivo municipal. Nas atas do conselho

municipal, além das discussões em torno das verbas que poderiam ser destinadas a

organização, foi possível identificar algumas emendas orçamentárias, como por

exemplo,

Em seguida passa-se a ordem do dia. Segunda discussão do projeto número trez, sobre o augmento da subvenção a Sociedade Monte Pio dos Artistas Feirenses. Em discussão é esta aprovada. Considerando

292

A lista está presente no anexo IV dessa dissertação. 293SILVA, Elizete da. O campo religioso feirense: um olhar poético. IN: BOAVENTURA/ Aldo José Morais Silva (org). História, poesia e sertão: explorando a obra de Eurico Alves. Feira de Santana: UEFS editora, 2010. P. 131.

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que é necessário tal augmento, pois essa sociedade é de importante contribuição a essa cidade. (...) Sobre o augmento da subvenção as duas sociedades 25 de março e Victória considerando que tal augmento é necessário por isso que as tocatas efetuada pelas mesmas sociedades muito concorre para o gozo publico nos domingos dia reservado ao descanso da população é aprovada por unnanimedade294. (sic)

Nesta sessão do Conselho foi discutido e aprovada o aumento da ajuda a essas

instituições, o que nos mostra a presença do poder público e uma ligação entre estes.

Era um assistencialismo velado dentro e fora da instituição, já que além de inferir pela

política nessas sociedades, também faziam doações que geralmente eram noticiadas pela

imprensa. A maioria dos políticos eram sócios beneméritos ou benfeitores. Eram sócios

benfeitores os que “incluídos automaticamente no respectivo quadro todos os que

fizerem á Sociedade donativos de valor superior a 1:000$000” 295. De acordo com

Santos “a condição de sócio-benemérito era concedida aos membros de grande destaque

na corporação, que geralmente contribuíam com grandes somas de dinheiro” 296. Os

sócios beneméritos da Monte Pio eram aqueles que fossem escolhidos pelo conselho e

tinham um retrato de honra no salão da sede da Sociedade. Os escolhidos eram,

portanto, os ricos e de grande prestígio social.

Nesse cenário não podemos deixar de destacar que muitos trabalhadores

provavelmente, vinham de uma experiência escravista em que as condições de trabalho

e de estrutura impossibilitavam os estudos e uma mobilidade social297. Era interessante

ter o número de eleitores reduzido e manter um nível alto de analfabetismo. Relação de

paternalismo e certo clientelismo eram práticas recorrentes, em especial nos períodos

eleitorais.

3. 3 Os herdeiros políticos? As relações entre Arnold Silva e Eduardo Froés da Mota.

294 13ª sessão do conselho municipal ata 12 de junho de 1925. Atas do Conselho Municipal. Acervo Particular. 295 Estatuto da Sociedade Monte Pio dos Artistas Feirenses. Capítulo II, artigo 4º § 2º. 296SANTOS, Anderson de Rieti Santa Clara do. Músicas nos Coretos: Ruídos nos Palacetes: o cotidiano das filarmônicas de Santo Amaro da Purificação- Bahia (1898- 1932). Feira de Santana, UEFS, 2009, p. 16. 297Para saber mais sobre as condições de vida dos libertos ver: CHALLHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores pobres no Rio de Janeiro da belle époque. Companhia das Letras, 2002. FRAGA Fº, Walter. Mendigo, moleques e vadios na Bahia do século XIX. São Paulo, HUCITEC; Salvador, EDUFBA, 1996.

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119

O capital político é uma forma de capital simbólico298.

Levantamos aqui a discussão sobre o “capital simbólico”, a herança política

passada por Agostinho Froés da Mota a seu filho, Eduardo Froés da Mota e de

Bernardino Bahia ao seu genro, Arnold Ferreira da Silva. Pretendemos perceber as

relações políticas estabelecidas entre eles, vendo os desdobramentos dessas relações e as

alianças feitas com outros políticos. Analisamos como estes se tornaram dirigentes do

Partido Social Democrático (PSD) em Feira de Santana. Não podemos esquecer que,

como insiste Bourdieu, “para estar de fato dentro jogo político se exige adesão ao

próprio jogo” 299. Era preciso conhecer e acumular capital simbólico, saber as

artimanhas do cenário político e com quem estabelecer as devidas relações300.

O fim da década de 10 e a década de 20 foram marcados pela saída do cenário

político de importantes sujeitos como: Ruy Barbosa, José Marcelino, Araújo Pinho,

Cupertino Lacerda, Agostinho Froés da Mota, Tito Ruy Bacelar, Severino Vieira, João

Guimarães Suzarte, entre outros, que faleceram naqueles anos, ao mesmo tempo em que

outros nomes se lançavam ou se consolidavam na carreira política. Nomes como

Octávio Mangabeira, Simões Filho, Vital Soares, os irmãos Calmon, Arnold Ferreira da

Silva, Eduardo Froés da Motta, entre outros, emergiram na política nacional, estadual e

local.

Sobre a carreira política de Arnold Silva, Silva enfatiza que:

Arnold conseguiu realizar duas gestões consecutivas, herdando os princípios da ação política do coronel Bernardino Bahia, assim como a participação na criação e comércio de gado da família, firmando-se como ator político também de forte influência na capital, chamado igualmente de coronel, carregando o atributo da continuidade política do seu sogro e ao começar sua carreira política em 1924 iniciou também a construção da chefia de um grupo político ligado ao PRB301.

298

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 15ª Ed. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil. 2011. P. 187. 299

Idem, p. 184. 300No campo político nem sempre as regras são seguidas. Apesar do campo político segundo Bourdieu ter uma autonomia relativa, ainda esta é histórico e passível de mudanças (principalmente a partir da luta de classes). 301

SILVA, Kelman Conceição. Quem manda na Feira? Política, classe e rearranjos de poder em Feira de Santana. UNEB, Santo Antônio de Jesus, dissertação em História, 2012. P. 39.

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Arnold Silva foi inserido na política por seu sogro, o coronel Bernardino Bahia,

conseguindo chegar à chefia do executivo municipal sem sequer ter uma carreira

política até então. Já Eduardo Froés da Motta, buscou, pelo prestígio que envolvia o

nome de seu pai, construir uma carreira política que o consolidasse durante muitos anos

no cenário político. Campos salienta que “além disso, Eduardo e Arnold nasceram no

final do século XIX e fizeram parte de uma geração que assistiu o desenrolar político da

única experiência republicana que se tinha no Brasil até então” 302. Ambos nasceram no

final do século XIX e a experiência política com que conviveram foi aquela

desenvolvida por seus familiares em que a relação de compadrio, de clientelismo e de

paternalismo eram as principais características.

Procuraram, como ressalva Larissa Pacheco, “a identificação de traços exitosos,

como que feitos pelas suas próprias mãos, por desdobramento de suas vontades ou fruto

direto de suas idealizações são o fruto de uma vida de honra e merecedora (digna) de

sucesso” 303. Esses traços exitosos de que fala a autora foram as principais marcas que

esses sujeitos buscaram imprimir na imagem que passavam. Por muitas vezes, um feito

político, a construção ou inauguração de algum prédio público, por exemplo, eram

tratados por esses sujeitos, como demonstração de sua vontade de tornar a cidade um

lugar melhor. Era dirigidos a ele, todos os créditos e homenagens.

Vimos que Arnold Ferreira da Silva, juntamente com seus irmãos Dálvaro

Ferreira da Silva e Raul Ferreira da Silva (um dos arrendatários do cine-teatro Santana),

tornaram-se proprietários do jornal a Folha do Norte em 1922. Seus irmãos também

figuravam como importantes sujeitos em Feira de Santana, um deles sendo conselheiro

e o outro também de influência na cidade. Arnold Silva casou-se em 1921, com

Amanda Bahia, filha do coronel Bernardino Bahia, que veio falecer em maio de 1926.

Mas as relações de genro e sogro continuaram estreitas, ocorrendo o enlace matrimonial

com outra das filhas do coronel Bahia, Berenisa Bahia.

Como já ressaltamos nos capítulos anteriores, a solidificação da posição social e

política de sujeitos como Arnold Silva, por exemplo, passava pela participação e direção

de entidades de classes e organizações filantrópicas. A maioria dessas pessoas desde o

302

CAMPOS, Ricardo. O jogo político local: competição e dinâmica política em Feira de Santana (1948-1965). Dissertação em História, UNEB, Santo Antônio de Jesus, 2012. P.04. 303 PACHECO, Larissa Penelu. A produção da lembrança e a história política: memórias e biografias na cidade de Feira de Santana -BA. Artigo, UEFS, Feira de Santana, 2013, p. 07. No prelo.

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121

início de nossas pesquisas apareciam como importantes colaboradores e ocupavam os

principais cargos em entidades como a Santa Casa de Misericórdia, Monte Pio dos

Artistas Feirense, filarmônicas, bancos e outros.

Concordamos com Silva na medida em que acreditamos que a ação de

Bernardino Bahia e seu apoio foram fundamentais para eleger Arnold Silva como

Intendente e também criar em torno de si um personalismo.

(...) não há como negar que nessa circunstância histórica determinada a ação individual do coronel Bernardino Bahia foi decisiva nesta eleição, por que para eleger Arnold Ferreira da Silva outros sujeitos políticos feirenses possivelmente partilharam da perspectiva do seu líder ou ao menos traduziram uma cooperação para com ele. Considero como uma ação coletiva que foi coordenada a partir da opção individual de Bernardino da Silva Bahia: colocar a frente da Intendência de Feira de Santana alguém ligado ao segmento que vinha dirigindo a cidade desde os primeiros anos do século XX e que provavelmente daria prosseguimento às práticas políticas em vigor na cidade304.

Assim, em fins do ano de 1923, Arnold Silva foi eleito como intendente para o

biênio 1924-1925, sem ter tido um concorrente. A sua posse foi narrada pelo jornal

Folha do Norte, pelos jornais da capital e também pelas lembranças e memórias de

Eurico Alves Boaventura, como sendo algo suntuoso e que envolveu em harmonia e

comunhão toda a população da cidade. Boaventura nos narra que:

À frente dos destinos da linda cidade que Deus e os vaqueiros presentearam nosso Estado, está um intelectual de talento (...). Lembro-me bem da grande solenidade da posse do então intendente (...). Passou toda a gente a pé. Nem a carruagem de Seu Agostinho, nem o seu Mercedes roncador como trovão seco, nem o automóvel de Seu Bernardino, nada disso dava a imponência que levava a ilustre comitiva (...). Pois bem, em prosa estilo Camilo, o empossado prometeu um rol de coisas. Prometeu e realizou tudo que prometeu. Não bancou o Chico promessas. Fez tudinho que estava no discurso. E foi reeleito (...). Seu Bahia, solene como um sim de casamento, vaidoso pelo genro substituí-lo na política da terra305.

304 SILVA, Kelman Conceição. Quem manda na Feira? Política, classe e rearranjos de poder em Feira de Santana (1930-1945). UNEB, Santo Antônio de Jesus, dissertação em História, 2012. P. 38. 305ALVES, Eurico Alves Boaventura. A paisagem urbana e o homem: memórias de Feira de Santana. Feira de Santana: UEFS editora, 2006, p. 102 e 103.

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Era a figura de um jovem que emergia na cena política da cidade. Jovem

destacado pelo seu empenho profissional nas colunas do jornal Folha do Norte, onde

começou a trabalhar com 14 anos de idade, Arnold Silva foi ganhando espaço, sendo

reconhecido. Contudo, sem o apoio de seu sogro, seria improvável que alcançasse tão

cedo a chefia do executivo municipal. Mais uma vez destacamos como as relações

políticas perpassavam pelas relações familiares e de compadrio. Alias, eram essas,

talvez, que sustentavam e ajudavam a consolidar carreiras políticas em âmbitos locais.

Como já mencionamos, algumas importantes figuras políticas haviam falecido,

em especial, Agostinho Froés da Mota, o aliado político do coronel Bernardino Bahia,

com quem alternou a Intendência da cidade entre 1912 e 1923. Era preciso alguém em

que Bernardino Bahia confiasse para sucedê-lo na chefia do executivo, abrindo caminho

para nada mais do que Arnold Silva, considerado pelo segmento dirigente da cidade

como um dos seus.

Arnold Ferreira da Silva, para além de ter sido intendente antes da “revolução de

30”, foi uma figura política de destaque após 30, assumindo a liderança da oposição a

Vargas pela Aliança Liberal. Assumiu novamente a prefeitura da cidade em 1959 até

fins de 1962. Já Eduardo Froés da Mota, assumiu cargo de deputado e foi prefeito em

Feira de Santana entre os anos de 1944 e 1945.

Eduardo Froés da Motta era o caçula dos três filhos homens do primeiro

casamento de Agostinho. Formado em medicina na capital do Estado, começou a

aparecer na cena política da cidade aos poucos e, após o falecimento do seu pai, passou

a se destacar em algumas instituições e entidades filantrópicas da cidade. Foi ele o

inventariante do seu pai e um dos maiores herdeiros do mesmo. Além da residência,

diversas fazendas, casas de aluguel e diversos negócios passaram a pertencer-lhe. Em

1926, foi o presidente da Caixa Rural em Feira de Santana e o dirigente da Santa Casa

de Misericórdia. Pertenceu ao Monte Pio dos Artistas Feirenses e também era membro

da Filarmônica 25 de março. Sobre a história da vida de Eduardo Froés da Motta, a

revista Panorama destacou que:

Por onde quer que olhemos a historia de Feira de Santana, nestes últimos anos, iremos encontrar o nome deste homem. Como prefeito, como deputado, como presidente de um partido de grande expressão na vida política desta terra, como figura ilustre da cidade. Eduardo

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123

Froés da Mota é a legenda viva de Feira de Santana. O ultimo de uma geração de políticos que viveu quase todos os grandes eventos deste século, que participou de forma ativadas mudanças e evolução de Feira de Santana e da Bahia.Presidente do PSD – Partido Social Democrata, aqui em Feira de Santana, durante quase quarenta anos, sob sua liderança formaram-se nomes que ainda hoje compõe o ladrilho político-partidário do Estado306.

Apesar de consolidar sua carreira política após a “Revolução de 30”, Eduardo

Froés da Motta cresceu rodeado pelas experiências do seu pai e de seus correligionários

(ele era afilhado de crisma de Bernardino Bahia), aprendendo seus primeiros passos e

sendo inserido no jogo político por seu pai. A partir do coronel Agostinho Froés da

Motta e de sua herança política, Eduardo Froés da Motta começou a se envolver e se

consolidar na política feirense. O mesmo narra como sua entrada seu deu:

Meu pai foi político e eu herdei dele, comecei a ser político em 1922. Até então eu era um médico, clinicando em São Paulo, onde morei grande tempo, e lá me casei. (Minha mulher é mineira). Meu pai já velho foi me visitar uma vez e me perguntou: “você como está aqui?” Eu estou muito bem. No dia seguinte vendo meu trabalho, minha situação, me disse: “estou vendo que você está muito bem aqui, mas preciso de você lá em Feira de Santana, estou velho sei que não vou viver muitos anos.” Eu disse: irei para onde você quiser meu pai. “Mas vai satisfeito?” Vou, agora com uma condição, eu lá não quero clínica médica. “Não você vai lá para ser meu sócio, meu companheiro (...) 307.

Como o mesmo afirmou, a sua entrada na política feirense foi em 1922, ano em

que seu pai ficou bastante doente e acabou por falecer. E era importante para Agostinho

Froés da Motta passar seu legado político e econômico para alguém de sua família,

assim como o fez Bernardino Bahia. Apesar de ter mais dois filhos homens, o coronel

depositou sua confiança em seu caçula, que voltou a morar em Feira de Santana e

tornou-se seu sócio, inventariante e começou sua carreira política sendo eleito

conselheiro municipal em 1928. Eduardo também foi o único dos três irmãos que se

formou e tornou-se médico. Seus dois outros irmãos eram um capitão da Guarda

306

Revista Panorama de Feira de Santana, N° 1, 9 de setembro de 1983. MCS. 307 Revista Panorama de Feira de Santana, N° 1, 9 de setembro de 1983. P. 31.

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124

Nacional e o outro, farmacêutico. Considerava seu pai um dos principais políticos

feirenses.

O senhor pode citar três políticos importantes aqui da terra? Afora, é claro, o doutor Eduardo Froés da Mota. Resposta- Há um vulto político em Feira de Santana, que vocês não conheceram e eu preferia não tocar no assunto. É meu velho pai. Meu pai foi todo este sertão à cavalo. E muitas vezes ele me dizia: “Eduardo, eu volto do Sertão tranqüilo, quando passo em Almas (que é Anguera hoje) porque digo comigo mesmo que se eu morrer aqui me levam para Feira para eu ser enterrado lá”. Era o amor que ele tinha por Feira. De modo que um é o meu velho pai, realmente. Arnold Silva foi um político em evidência, o João Marinho, o Bernardino Bahia, aliás, era meu padrinho de crisma308.

Fica claro que Eduardo reconhecia a importância da carreira política de seu pai.

Apesar da herança política passada pelo seu pai, Eduardo trazia um novo elemento,

inovou na parte financeira. Como inventariante do espólio de Agostinho, Eduardo

buscou de todas as formas evitar que seu irmão Alberto309 recebesse qualquer coisa do

pai. Também se indispôs com a maioria de seus irmãos, tentando evitar que recebessem

mais do que achava que mereciam310. Sua luta ferrenha durante o inventário do seu pai

deixa evidente que o lado material era uma característica marcante em sua

personalidade. Enquanto Agostinho tinha a postura de manter seu prestígio social, em

especial, aconselhando e interferindo como um juiz na vida de familiares, amigos,

empregados, Eduardo preferia romper relações para ter o máximo no montante da

herança de seu pai.

Como chefe do Partido Social Democrata (PSD) elegeu três prefeitos, mas

quando concorreu como candidato perdeu duas vezes. Assumiu a prefeitura por

indicação do governador do Estado e não foi eleito pelo processo eleitoral. Permaneceu

líder desse partido até o golpe civil-militar em 1964. Nessa mesma entrevista, Eduardo

afirmou que “a missão do chefe é não perder eleição” 311.

308

Revista Panorama de Feira de Santana, N° 1, 9 de setembro de 1983. MCS. 309

Alberto Motta era filho de Agostinho com sua segunda esposa, porém nasceu muito antes do enlace matrimonial ser realizado, logo era fruto de uma relação extraconjugal. Mas mesmo sendo gerado fora do casamento o coronel assumiu sua paternidade e custeou seus estudos e seu sustento material. Porém não foi citado pelo pai em seu testamento. 310

Estante 06, caixa 175, documento 2887. Inventário. CEDOC/UEFS 311 Idem, p. 37.

Page 125: Nayara Fernandes de Almeida Cunha OS CORONÉIS E OS OUTROS

125

As relações estabelecidas entre Eduardo Froés da Motta e Arnold Silva estavam,

portanto, para além das relações políticas. Por vários momentos ambos estiveram

engajados em atividades e sociedades que beneficiavam muito seus interesses e dos

grupos que representavam. Assim em 1927, criaram o banco de crédito popular de Feira

de Santana:

Fundou-se no ultimo domingo, nesta cidade, o banco de crédito popular da Feira de Sant’Anna, sociedade cooperativa de credito, de responsabilidade limitada, e forma anonyma, systema Luzzati... Foi subscrito o capital mínimo de 1.0$000$000. Elegeram-se de acordo com o estatuto, três conselhos de administração, tendo sido escolhidos diretores o srs. Eduardo Motta (presidente), Arnold Silva (gerente) e Carlos Bahia (secretário). A comissão fiscal é composta dos srs. Coronéis Bernardino Bahia, Mario Saback de Oliveira e Leolindo dos Santos Ramos. O Banco de Credito Popular fará, por estes dias, o depósito legal no cartório do Registro das Hypothecas, devendo iniciar suas operações em 1ª de julho próximo à Rua Bernardino Bahia, nº2 onde vai ser instalado. A sessão de fundação efectou-se no edifício do governo municipal, tendo sido o facto oficialmente comunicado aos srs. Dr. Governador do Estado e presidente do Banco do Distrito Federal312.

Podemos ver que na diretoria, além dos dois políticos citados, encontra-se o

nome de Carlos Bahia, filho do coronel Bernardino Bahia, que por sua vez aparece na

comissão fiscal do banco, juntamente com os coronéis Mario Saback de Oliveira e

Leolindo dos Santos Ramos. A iniciativa da instalação de um banco de crédito na

cidade ou mesmo de uma sociedade de agricultura, que vimos no segundo capítulo, nos

mostra que o grupo dominante em Feira de Santana, estava inserido no contexto de

expansão do capitalismo, de criar condições que favorecessem seus negócios e de

protegê-los, tornando-se o grupo que monopolizava a economia da cidade. Evidencia,

portanto, que o grupo dirigente feirense, os que possuíam fortuna, eram uma classe ou

fração de uma classe, já que buscaram, por todo o período que nosso estudo cobre,

assumir o papel de direcionadores da sociedade em que viviam, como os verdadeiros

beneméritos desta, os que buscavam as melhorias necessárias para seu desenvolvimento.

Assim faziam tornar necessários seus interesses, colocando em prática o desejo de seu

grupo. Debatendo sobre as relações de poder e sobre o grupo dirigente feirense, Silva

defende que:

312

Jornal Folha do Norte, 07 de maio de 1927, p.01: Banco de crédito popular. MCS.

Page 126: Nayara Fernandes de Almeida Cunha OS CORONÉIS E OS OUTROS

126

Assim buscaram moldar as práticas desses sujeitos e manter a ordem material da cidade de forma a privilegiar o grupo dominante que exercia a direção política e controlava também o conjunto das forças econômicas ligadas ao comércio, considerado entre as atividades comerciais as prestações de serviços- estabelecimentos pertencentes a médicos, dentistas, advogados e afins. Dessa perspectiva esses diversos atos são ações de classe, ações coletivas que produziram definições de interesses, valores e normas que são relacionados às posições de classe e que ressoaram no conjunto da vida social313.

Como direcionadores da sociedade, esse grupo colocou em prática e conseguiu

várias vantagens, não só na esfera política e econômica mais também na social.

Novamente defendemos a história social da política, em que as atitudes políticas desses

sujeitos devem ser pensadas não se limitando apenas à política, aos espaços

institucionais. Por mais de uma vez, exemplificamos como as ações desses sujeitos

estavam atreladas aos seus interesses de classe.

Arnold Silva posteriormente criou um discurso baseado em suas primeiras

gestões na intendência de Feira de Santana para alavancar sua campanha eleitoral nos

anos 50. Assim lemos nas folhas do jornal Folha do Norte:

Se nada fez de útil, meu governo, pelos menos concorreu para que Feira obtivesse esses três poderosos elementos de vida, de progresso, de civilização: - posto de profilaxia rural, luz elétrica, Escola Normal; pelo menos promoveu e manteve uma política de congraçamento, de tolerância e de paz; pelo menos se traçou normas de severa honestidade em todos os departamento da administração; pelo menos defendeu na medida de suas forças,a integridade territorial do município; pelo menos conservou e aumentou a quilometragem das estradas de automóveis; pelo menos regularizou e melhorou o principal comércio da terra, instalando uma balança, a maior do Estado e uma das maiores do país, para pesagem do gado vivo; pelo menos pagou em dia a todos os funcionários, atendeu em dia a todos os compromissos da comuna; pelo menos elevou a receita média do município; pelo menos não transmite encargos não lega dívida, não arrola credores, deixando a Feira livre, desembaraçada, financeiramente independente; pelo menos concluiu, mobiliou e inaugurou a nova sede do governo local, porventura melhor, a mais bela e mais suntuosa das sedes de governos comunais da Bahia314. (sic)

313

SILVA, Kelman Conceição. Quem manda na Feira? Política, classe e rearranjos de poder em Feira de Santana (1930-1945). UNEB, Santo Antônio de Jesus, dissertação em História, 2012. P. 45. 314 Jornal Folha do Norte, 09 de agosto de 1958, p.01. MCS.

Page 127: Nayara Fernandes de Almeida Cunha OS CORONÉIS E OS OUTROS

127

Nada mais natural do que Arnold Silva defender sua primeira gestão, criando em

torno desta um ‘mito’ de progressos essenciais a Feira de Santana. O que este sujeito

buscou ao relatar as benemerências da sua primeira gestão foi a sua contribuição à

cidade e seu progresso material, colocando-se como uma das figuras fundamentais para

o desenvolvimento da cidade.

Por fim, Arnold Silva deixou a chefia do executivo municipal em 1928,

sucedendo-o seu correligionário Elpídio Raimundo Nova, advogado, que assumiu por

diversas vezes o cargo de conselheiro e também figurava pelas diversas sociedades e

instituições na cidade. Em 1930, ocorreu a “revolução de 30”, o que colocou o cargo de

prefeito nas mãos do interventor, isto é o “representante do governo federal que

substituíra o governador eleito na Bahia” 315. Elpídio Nova permaneceu como chefe do

executivo municipal até janeiro de 1931, quando o coronel João Mendes da Costa foi

nomeado para esse cargo. Após o golpe de Vargas, Arnold Silva integrou a bancada da

Aliança Liberal, assumindo como líder em oposição a esse presidente em Feira de

Santana. E Eduardo Froés da Motta, apoiou Vargas e foi o representante do “getulismo”

na cidade.

315 POPPINO, Rollie. Feira de Santana. Editora Itapuã, 1968. P. 140.

Page 128: Nayara Fernandes de Almeida Cunha OS CORONÉIS E OS OUTROS

128

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

A partir do estudo das fontes, da bibliografia consultada e dos debates em outros

espaços, desenvolvemos este trabalho que teve a finalidade de analisar as relações

políticas em Feira de Santana nas primeiras décadas do século XX. O objetivo foi

contribuir para uma leitura sobre a história política dessa cidade. Buscamos entender o

cenário político feirense, quem dele participava e quem estava excluído, as disputas

político-partidárias, o processo eleitoral e as relações de poder.

Primeiramente apresentamos a cidade de Feira de Santana no início do século

XX. Apoiamo-nos em trabalhos já desenvolvidos sobre esse município e nos

memorialistas Antônio Lajedinho, Eurico Alves Boaventura e Oscar Damião para

apresentar como era essa cidade, desde sua estrutura física até sua dinâmica econômica

e social. Mapeamos os principais sujeitos políticos, suas famílias e analisamos a

imprensa como instrumento de disputa política e de espaço para posições defendidas e

apresentadas pelos sujeitos históricos. Vimos que os grupos dominantes feirenses

também propagaram discursos de progresso e civilidade, criticando tudo que remetesse

ao antigo e arcaico. Estes buscaram tirar do centro urbano as casas e casebres, com a

justificativa que “enfeiavam” a cidade e colocaram em prática reformas urbanísticas.

Criaram o código de posturas, definindo regras e reprimindo ações que não fossem

consideradas adequadas a partir dos ideais de civilidade.

Através da análise dos sujeitos políticos e suas famílias, percebemos que estes

figuravam além dos espaços reservados à política tradicional vinculados ao Estado.

Estavam presentes e assumindo papéis de lideranças em sociedades, como o Monte Pio

Page 129: Nayara Fernandes de Almeida Cunha OS CORONÉIS E OS OUTROS

129

dos Artistas Feirense, em filarmônicas e festas religiosas. Ficou, assim, evidente que a

direção política significava a direção da sociedade como um todo, possibilitando pôr em

práticas suas visões de mundo, muitas vezes, impondo suas vontades através de

discursos baseados no bem-estar da sociedade.

Na análise das relações políticas, evidenciamos que estavam emaranhadas numa

rede de relações de dependências em que apareciam envolvidas as esferas municipais,

estaduais e federais. Vimos que o Presidente da República precisava do apoio da

bancada do Congresso para executar suas decisões e essa vinha a partir da adesão do

governador e seus correligionários que, em troca, recebiam a liberdade e autonomia para

governarem os Estados. No mesmo sentido, os intendentes apoiavam o governador e

seus candidatos, que, por sua vez, recebiam o apoio do chefe do executivo estadual para

dominarem os municípios sem interferências.

Em Feira de Santana encontramos dois grupos que disputavam o poder político.

De um lado, o grupo liderado pelo coronel Abdon Alves e de outro, o grupo liderado

por Tito Ruy Bacelar. Estes utilizaram as mais diversas estratégias para manterem-se no

poder ou derrubar seus adversários. Entre elas esteve o boicote ao pagamento do

imposto sobre o gado, a tentativa da mudança da feira semanal para cidade de São

Gonçalo, a não realização das reuniões do conselho municipal e o uso da imprensa

como instrumento de ataque aos oposicionistas.

O processo eleitoral nesse contexto encontrava-se restrito ao pequeno número de

eleitores e por um sistema em que a fraude e a falsificação do voto eram constantes.

Percebemos que para entender a dinâmica política feirense tínhamos que levar em conta

o cenário estadual e nacional. Foi possível perceber que as disputas políticas estavam

baseadas numa rede de relações, na qual era preciso saber seguir as regras do jogo

político, em especial, nesse período, a “políticas dos governadores”. Vimos que o

declínio de J.J Seabra esteve atrelado à quebra dessa regra, que possibilitou a ascensão

do bloco calmonista ao poder estadual.

Na perspectiva de entender as relações de poder, evidenciamos a importância

das conformações familiares e de compadrio, tanto na inserção de novos sujeitos na

política, como para legitimar e ressaltar o poder político. A entrada de Arnold Ferreira

da Silva e Eduardo Froés da Motta foram exemplos por nós analisados para evidenciar a

Page 130: Nayara Fernandes de Almeida Cunha OS CORONÉIS E OS OUTROS

130

importância da herança política e o capital simbólico que possibilitaram a estes sujeitos

galgar e solidificar suas carreiras políticas e suas relações sociais em Feira de Santana.

Vimos que a maior parte dos sujeitos políticos mantinham relações pessoais uns

com outros. Bernardino Bahia era padrinho de crisma de Eduardo Froés da Motta,

compadre de Tito Ruy Bacelar, amigo íntimo de Agostinho Froés da Motta. Abdon

Alves foi compadre e amigo íntimo de João Mendes da Costa, que foi seu inventariante.

Agostinho casou-se com uma das filhas do coronel Tertuliano Carneiro e foi compadre

de Tito Ruy Bacelar.

Por fim, entendemos, portanto, que as discussões desenvolvidas aqui nos

possibilitam um olhar sobre as relações de poder em Feira de Santana. Mas estamos

cientes que as análises sobre a história política feirense não se esgotam aqui. Buscamos

contribuir com uma leitura sobre a história social da política de Feira de Santana,

tentando analisar os sujeitos para além da política institucional, entendendo que estes

eram também sujeitos sociais (ampliavam seus espaços de atuação) e que as relações

políticas feirenses apresentaram suas especificidades e generalidades dentro do

movimento histórico em que se encontravam.

Page 131: Nayara Fernandes de Almeida Cunha OS CORONÉIS E OS OUTROS

131

LISTA DE FONTES

1. Periódicos:

O Progresso 1905- 1908. (Museu Casa do Sertão/UEFS).

O Município 1908-1911. (Museu Casa do Sertão/UEFS).

Republicano 1912. (Museu Casa do Sertão/UEFS).

Folha do Norte 1909- 1927. (Museu Casa do Sertão/UEFS).

O Propulsor 1906- 1908. (Museu Casa do Sertão/UEFS).

2. Documentos oficiais:

Atas do Conselho Municipal:

12ª sessão do conselho municipal: ata 2 de junho de 1925.

13ª sessão do conselho municipal ata 12 de junho de 1925.

1ª sessão ordinária da 3ª reunião periódica do conselho em 15 de agosto de 1925.

2ª sessão do conselho municipal 18 de agosto de 1925

3ª sessão do conselho municipal 25 de agosto de 1925

4ª sessão do conselho municipal 27 de agosto de 1925

5ª sessão do conselho municipal 01 de setembro de 1925 (exposição de gado todo ano na cidade afim de estimular o desenvolvimento da pecuária na cidade). 10155 ver.

6ª sessão do conselho municipal 8 de setembro de 1925

1ª sessão extraordinária do conselho municipal em 06 de outubro de 1925

Page 132: Nayara Fernandes de Almeida Cunha OS CORONÉIS E OS OUTROS

132

4ª sessão extraordinária do conselho municipal em 09 de outubro de 1925

5ª sessão extraordinária do conselho municipal em 10 de outubro de 1925

1ª sessão ordinária do conselho municipal 10 de novembro de 1925

4 sessão do conselho municipal 1 de dezembro de 1925

Relatórios da Intendência (1902, 1904, 1912, 1915, 1919, 1922 e 1924).

Atas dos presidentes dos Conselhos Municipais (1907 a 1927).

Balancete da receita e despesas de FSA (1916-1919)

3. Arquivo Público do Estado da Bahia

Inventário: Bernardino Bahia- Caixa: 2701; Documento: 05.

Sessão Republicana: Caixa: 2295; Documento: 2900

Sessão Republicana: Caixa: 2301; Documento: 2921

Sessão Republicana: Caixa: 1821; Documento: 1935

Sessão Republicana: Caixa: 2284; Documento: 2878

Sessão Republicana: Caixa: 2288; Documento: 2879

Sessão Republicana: Caixa: 2294; Documento: 2891

Atas dos conselhos municipais 1890; 1901;1904 e 1906.

4-Museu Casa do Sertão:

Revista Panorama: entrevista com Eduardo Froés da Motta. Numero° 1, 9 de setembro de 1983.

5-Centro de Documentação (CEDOC/UEFS)

Inventários e testamentos:

Estante: 02; Caixa: 32; Documento 352.

Estante: 09; Caixa: 228; Documento 4842.

Estante: 06; Caixa: 166; Documento 2573.

Estante: 06; Caixa: 175; Documento 2887.

Page 133: Nayara Fernandes de Almeida Cunha OS CORONÉIS E OS OUTROS

133

Estante: 13; Caixa: 348; Documento 7976.

Estante: 13; Caixa: 350; Documento 8015.

Processos-crimes:

Estante: 03; Caixa: 72; Documento: 7123.

Estante: 05; Caixa: 128; Documento: 2504.

Estante: 09; Caixa: 236; Documento: 5022.

6-Acervo particular:

Estatuto da Sociedade Monte Pio dos Artistas Feirenses.

7-IBGE:

População Recenseada em 31/12/1920. Bahia, vol. 4, parte 5, tomo I. P. XLII e XCVII. Lista com os sensos demográficos.

8- Memorialistas:

ALMEIDA, Oscar Damião de. Dicionário Personativo, Histórico e Geográfico da

Feira de Santana. Feira de Santana, 2000.

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de Santana. Feira de Santana, Editora UEFS, 2006.

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Page 134: Nayara Fernandes de Almeida Cunha OS CORONÉIS E OS OUTROS

134

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Page 135: Nayara Fernandes de Almeida Cunha OS CORONÉIS E OS OUTROS

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Seabra (1912-1916). Dissertação de Mestrado, UNICAMP: 1999.

Page 139: Nayara Fernandes de Almeida Cunha OS CORONÉIS E OS OUTROS

139

ANEXO I:

Quadro dos conselheiros

NOME CARGOS PROFISSÃO

POSSES

Comissões OUTROS

José Antunes Guimarães

Conselheiro (1894/1901-1903) Intendente (julho-dez 1903 e abril 1906 a dez 1907). Comissário de Polícia (1902).

Comerciante Presidente da comissão municipal de FSA (1902, o progresso 023).

Coronel Presidente do conselho (1901/1907) Presidente do conselho (1908).

Agostinho Froés da Mota

Conselheiro (1901 a 1915). Intendente (1915-1919).

Negociante, comerciante, dono de casas de aluguel e proprietário de terras.

Comissão da fazenda e obras públicas e higiene (1901) Comissão da fazenda (1906) Gerente do Banco do Brasil.

Coronel. Presidente da Monte Pio dos Artistas Feirenses (1890-1891). Provedor da Santa Casa de Misericórdia (1910-1911). Presidente do Conselho (1912-1916).

Gonçalo Alves

Conselheiro suplente (1926 a 1927)

Negociante de couro. Dono do armazém de compras de

Pai do poeta Eurico Alves Boaventura.

Page 140: Nayara Fernandes de Almeida Cunha OS CORONÉIS E OS OUTROS

140

pele. Quintiliano Matias da Silva

Conselheiro( 1900 a 1915 e 1919-1923).

Negociante de gado.

Coronel

José Alves Boaventura

Conselheiro (1900 a 1923/1924-1926). 2º secretário do conselho (1915-1919)

Farmacêutico, fazendeiro e comerciante

Dono da farmácia Alves fundada em 1866.

Comissão da fazenda e justiça, instrução publica e agricultura (1901)

Presidente da soc. 25 de março (1901).

Mario Saback de Oliveira

Conselheiro (1912-1915)

Negociante Coronel

Elpidio Nova

Conselheiro (1924-1926) Intendente (1928-1930).

Advogado Promotor público de FSA (1922).

Provedor da Santa Casa de Misericórdia 1927.

Eduardo Froés da Motta

Conselheiro (1928) Prefeito (1944/45) Deputado

Médico, negociante e comerciante.

Dirigente do banco popular de FSA (1927) Acionista da campanha de melhoramento (1927).

José Pedro de S. Leão

Conselheiro (1900-1903)

Comissão da fazenda e justiça, instrução e agricultura (1901)

Tenente- coronel

Abdon Alves de Abreu

Conselheiro (1904-1907). Intendente (1908-1912)

Proprietário do jornal O Município e O comercial. Dono de tipografia.

Coronel

Bernardino da Silva Bahia

Conselheiro (1904-1907/1915-1919) Intendente (1912-1915/1920-1924).

Fazendeiro, comerciante de gado.

Comissão da fazenda (1906)

Coronel

Presidente do conselho (1915-1919.

João Conselheiro Farmacêutico Coronel

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141

Barboza de Carvalho

(1904-1907) e proprietário de farmácia em Bonfim de Feira.

João Manoel de São Boaventura

Conselheiro (1900-1903/1904-1907/1908-1912)

Obras públicas e higiene e justiça, instrução publica e justiça(1901)

Coronel

João Mendes da Costa

Conselheiro (1912-1915/1915-1919/1920-1923) Juiz de paz (1901)

Negociante de gado.

Coronel Vice-presidente do conselho (1915-1919). Presidente da Monte Pio (1905).

Juvêncio Erudilho da Silva Lima

Conselheiro (1904-1907/1912-1915)

Dono de açougue

Capitão Membro santa casa misericórdia (1901)

Celso Valverde Martins.

Conselheiro (1912-1915/1915-1919/1920-1923)

Proprietário da Pharmácia Chile( localizado na rua chile). Empregado da casa comercial dos srs. Ramos, Irmão & Cia. (1902)

José

Cordeiro

Conselheiro (1915-1919/1920-1923)

Rogério Cornélio da Maia Pitombo.

Conselheiro (1904-1907/1908-1912)

Comissão de redação (1906).

Major

Dr. Joaquim

Conselheiro (1908-1912)

Negociante de gado.

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142

Raul dos Reis Godilho

Silvino dos Santos Ramos

Conselheiro (1908-1912/1912-1915)

Major

Manoel Portugal dos Santos

Conselheiro (1908-1912/1912-1915/1915-1919/1920-1923)

Comerciante e negociante de fumo.

Major

Tertuliano

de

Almeida

Conselheiro (1915-1919/1920-1923/ 1924-1926)

Fazendeiro e negociante de gado.

Presidente da filarmônica Vitória em 1913-1914.

Filinto Marques

Conselheiro (1920-1923/1924-1926)

Advogado Comerciante

2ª secretário do conselho (1922)

Foi diretor da Faculdade de Direito.

Antônio Rubem

Conselheiro (1920-1923/1924-1926)

Comerciante

Alvaro Simões

Conselheiro (1920-1923)

Negociante de fumo e couro.

Comissão de fazenda (1922).

Um dos fundadores da Associação Comercial

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143

(1945).

José Pinto dos Santos Junior

Conselheiro (1920-1923)

1ª secretário do conselho (1925)

Onofre Carneiro

Conselheiro (1915-1919/1920-1923)

Joel Barbosa

Conselheiro (1912-1915)

Valentim Junior

Conselheiro (1912-1915)

Major

Auto Reis

Conselheiro (1912-1915/1915-1919)

Médico

Tertuliano

Carneiro

Conselheiro (1915-1919/1920-1923-1926)

Padre Bebeto Cônego Presidente do conselho em 1925. Presidente da Monte Pio dos Artistas Feirenses (1911/1912).

Leolindo

dos Santos

Ramos

Conselheiro (1915-1919/1920-1924)

Negociante Major

1ª secretário do conselho em (1915-1919). Presidente conselho (1922)

Presidente da guarda noturna do

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comércio (1913).

João Lucio

Conselheiro (1915-1919/1920-1923/1924,1925)

Negociante de gado.

Guimarães

Suzarte

Conselheiro (1924-1926)

2ª secretário do conselho (1925) Presidente da filarmônica Vitória (1925). Presidente da guarda noturna do comércio (1925).

Lúcio José

de

Cerqueira

Conselheiro (1926-1927)

Negociante Major

Lista dos intendentes (1904 a 1927):

Tito Ruy Filiação e participação política

Família Bens e imóveis

Profissão Religião Participação social

Notícias nos jornais

Chefe do Partido Republicano.

Intendente (1904-1906).

Deputado estadual pelo PRB (1906-1910).

Esposa Regina Adelina dos Passos Bacelar.

Dono do jornal Folha do Norte (1909-1922).

Secretário municipal em 1901.

Católico Membro da filarmônica 25 de março.

Membro da sociedade agrícola protetora de pequenos lavradores.

Membro do

Redator chefe do jornal O Progresso

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Monte Pio dos Artistas Feirenses.

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Agostinho Fróes da Motta

Filiação e participação política

Outros Família Bens e imóveis

Religião Participação social

Notícias nos jornais

Filiado do PRB.

Presidente do conselho municipal em 1914.

Conselheiro municipal (1900-1904-1904/1907-1908/1912-1912/1915-1919-1921).

Vice-presidente do conselho em 1900.

Declarou ser natural Feira de Santana.

Compadre Manoel Portugal dos Santos.

Deixa 1 conto de reis para viúvas pobres, sob responsabilidade de Eduardo.

Processou seu empregado Ernesto Santos

Declarou que os pais são José Borges da Motta e D. Maria Valeria de Jesus.

Casado em primeiras núpcias com D. Marximiana Alves Motta e tem os filhos: Albertino, Arthur, Amália, Augusto, Eduardo e Aldagisa. Casado em 2ª núpcias com D.Guilhermina de Almeida em regime de separação de bens.

Irmãos: Amélia( sobrinhos: Julieta, Maria, Adalberto e Octávio); Jorge Perreira Aguiar(falecido, seus filhos são Joanna, Izac e Hermegildo); Romana Chagas; Floriano Perreira

Palacete na Praça General Argolo.

Casa na rua 24.

Casa a rua dos remédios. Seguro feito na Companhia “caixa geral família” Seguro “A Equitatura.

Possui fazendas e pastoris.

Comerciante matriculado pela junta comercial da capital do Estado, proprietário de uma salgadeira.

Católico Apostólico Romano

Membro da Santa Casa de Misericórdia.

Membro da filarmônica 25 de março. Membro da soc. Monte Pio.

Gerente do Banco do Brasil.

Provedor da santa casa de misericórdia

Amália deixa de ser sua herdeira e seu 2º esposo João Grego Fascony.

Tenente em 1900.

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Aguiar(falecido e suas filhas são Auta Tourinha e Fortunata);

Abdon Alves

Filiação e participação política

Família Outros Bens e imóveis

Profissão

Religião Participação social

Notícias nos jornais

Membro do PRB (1904).

Líder do Partido Dissidente (1908).

Conselheiro Municipal (1904-1907).

Esposa Leonor de Araújo Abreu.

Nove filhos: Edgar, Zélia,George e Lusete (2ª casamento) e Ernestina, Amélia, Amalha, Adelha e Augusto( falecido).

Faleceu em 26/10/1914.

O cel. João Mendes foi o inventariante.

Os filhos Amália e Claudia desiste da herança em favor dos 4 filhos menores.

José Alves Franco cobra a dívida de 600 reis. José Libiam Marinho também requer o

Chácara na Praça 15 de novembro valor 9.000$000 com 2 portas,13 janelas.

Uma velha casa e terreno denominada escola americana. As cisternas da chácara. 1 mula já idosa.

Proprietário de tipografia.

Editor do jornal “O Comercial”

Presidente nos exames da 1ª escola publica do sexo feminino em 1908.

Comandante da 43 brigada de Feira de Sant’Anna( O Município p.02 1908).

Lutou contra canudos.

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Bernardino Bahia

Filiação e participação política

Família Bens e imóveis

Profissão Participação social

Notícias nos jornais

Outros

Filiado ao partido republicano.

Conselheiro municipal (1904/1907-1915/1919-1924).

Casado com Maria Bereniza de Barros Bahia.

Pais Francisca Alves

Fazendas.

Dono do jornal Folha do Norte a partir de 1922.

Negociante, proprietário e pecuarista.

Comissão fiscal do banco de crédito agrícola.

Provedor da Santa Casa de

O jornal narra à posse deste, mesmo depois de Abdon aparecer com os

Posse ocorrida a uma da tarde em outro prédio ( n.43 na rua dos Remédios)

pagamento de 1:447$000 e José Mendes da Costa requer pagamento de 2 contos de réis. Bernardo Martins Catharino requer a quantia de 6: 449$ 800 com juros.

Imposto de Industrias e profissões e Silva do exercício de 1906 a 1912 o valor de 600:400$ 200 reis.

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Presidente do conselho municipal em 1919.

Bahia e Bernardino da Silva Bahia.

Irmão Francisco Amado Bahia.

Filho Carlos Bahia (pecuarista e líder político da UDN).

Filhos: Adélia, Berenisa, José Jerônimo e Rita Bahia.

Misericórdia. (1919)

Membro da filarmônica soc. 25 de março

jagunços pela cidade. 08/01/1908

pois o paço municipal estava ocupado por Abdon.

Arnold Silva

Filiação e participação política

Família Bens e imóveis

Profissão Participação social

Notícias nos jornais

Outros

Folha do Norte

Intendente (1924-1925/1926-1927).

Prefeito (outubro de

Irmãos Raul e Dálvaro.

Primeira esposa Amália

Dono do jornal Folha do Norte, juntamente com seus

Negociante de leite.

.Membro do Monte Pio dos Artistas Feirenses.

Membro da filarmônica

Em 1922 aparece como primeiro suplente do juiz de direito e

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1959 a novembro de 1962).

Presidente do diretório local do PRB em 1927.

Bahia e segunda Berenisa Bahia.

irmãos. Euterpe Feirense.

Membro da filarmônica sociedade 25 de março.

presidente da junta organizadora das mesas eleitorais na cidade.

07/07/1912 aparece como orador do Monte Pio.

13/03/1913 aparece enquanto 1ª sec. Da sociedade 25 de março.

Presidente da euterpe feirense, monte pio e santa casa de misericórdia

Chefe do PRB 1926.

Genro de Bernardino Bahia (duas vezes).

.

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Anexo II:

A Prova Provada:

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Anexo III:

Irmãos Silva e funcionários da Folha do Norte:

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