Nayara Fernandes de Almeida Cunha OS CORONÉIS E OS OUTROS
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Nayara Fernandes de Almeida Cunha
OS CORONÉIS E OS OUTROS: Sujeitos, relações de poder e práticas sociais em Feira de Santana (1907-1927).
Feira de Santana
2013
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Nayara Fernandes de Almeida Cunha
OS CORONÉIS E OS OUTROS: Sujeitos, relações de poder e práticas sociais em Feira de Santana (1907-1927).
Dissertação apresentada no curso Pós-Graduação em História na Universidade Estadual de Feira de Santana para obtenção do titulo de mestre em História. Orientador: Prof. Dr. Eurelino Teixeira Coelho Neto.
Feira de Santana
2013
3
Banca Examinadora
______________________________________________
Prof. Dra. Maria Cecília Velasco e Cruz
Universidade Federal da Bahia
______________________________________________
Prof. Dr. Joaci Cunha
Universidade Estadual de Feira de Santana
______________________________________________
Prof. Dr. Eurelino Teixeira Coelho Neto
Universidade Estadual de Feira de Santana
(Orientador)
4
Ficha Catalográfica – Biblioteca Central Julieta Carteado
Cunha, Nayara Fernandes de Almeida C979c Os coronéis e os outros : sujeitos, relações de poder e práticas
sociais em Feira de Santana (1907-1927) / Nayara Fernandes de Almeida Cunha. – Feira de Santana, 2013.
152 f. : il.
Orientador: Eurelino Teixeira Coelho Neto. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Feira de Santana, Programa de Pós-Graduação em História, 2013.
1. História – Feira de Santana, BA. 2. História política – (1907-1927). 3. Eleição. Partidos políticos. I. Coelho Neto, Eurelino Teixeira, orient. II. Universidade Estadual de Feira de Santana. III. Título.
CDU: 981:32(812.22)
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RESUMO
Este trabalho tem por objeto analisar a política nas primeiras décadas do século XX na
cidade de Feira de Santana, mais especificamente de 1907 a 1927. Procuramos entender
as disputas políticas que agitavam o município, apresentando as principais frações de
classe que postulavam a direção da máquina municipal. Nesse sentido, buscamos
apresentar os grupos partidários e as práticas dos sujeitos que os compunham, as
estratégias visando criar legitimidade para as posições defendidas, tendo sempre em
conta os conflitos políticos e econômicos envolvendo estes grupos. Procuramos
entender o cenário eleitoral, os atores que dela participavam ou estavam excluídos,
tentando compreender a relação entre os eleitores e os políticos na cidade. Os jornais
que circularam em Feira de Santana nesse período, os memorialistas, as fontes do
executivo e do legislativo foram às fontes utilizadas.
Palavras- chaves: Feira de Santana; história política (1907-1927); eleições; relações de poder.
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Abstract
This work has as its objective analyze Feira de Santana’s politics in the early decades of
20th century, specifically from 1907 to 1927. We seek to understand the political
disputes that agitated the municipality, presenting the main class fractions that aimed
the direction of the governmental machine. In this spirit, we seek to present the political
organizations and the acts of the individuals who composed it to create legitimacy in the
defended postures, analyzing the political and economical conflicts involving such
groups. We intend to understand the electoral scenario, the parts that took part in it or
were excluded, trying to understand the relation between the voting and the voted. The
newpapers that circulated in Feira de Santana in this period, the memoir, the sources of
the executive and legislative sources were used.
Keywords: Feira de Santana; political history; elections; Power relations.
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LISTA DE ABREVIATURAS
APEB- Arquivo Público do Estado
APMFS- Arquivo Público Municipal de Feira de Santana
CEDOC- Centro de Documentação
IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
MCS- Museu Casa do Sertão
PRB- Partido Republicano da Bahia
PRC- Partido Republicano Conservador
PRD- Partido Republicano Dissidente
PRD- Partido Republicano Democrata
PRF- Partido Republicano Federal
PSD- Partido Social Democrata
UEFS- Universidade Estadual de Feira de Santana
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AGRADECIMENTOS:
Dedico este espaço para agradecer aos que me apoiaram e colaboraram para a
construção deste estudo. Sou muita grata a minha família, que acreditaram e me
ajudaram nessa caminhada. A meu pai que apoiou minhas escolhas e me incentivou a
segui-las e a minha mãe pela compreensão sempre. A minha avó, pelo carinho
incondicional e pelo muitos domingos em que pude descansar e relaxar ao seu lado. Aos
meus tios e primos, em especial, a Tia Lucia, Fernando, Pétala, Isabel e Tâmara, por
estarem sempre ao meu lado.
Talvez as palavras não sejam suficientes para agradecer a Anne e a Miguel por
compartilharem comigo todos os momentos da minha vida, estando ao meu lado e me
apoiando em tudo que precisei. A simples presença de vocês, fez com que tudo se
tornasse mais fácil e tranqüilo. Amo-lhes muito!
Agradeço a CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior, pelo auxílio financeiro que permitiu o desenvolvimento e a conclusão deste
trabalho.
Sou imensamente grata a Diego Carvalho, que considero muito mais que um
amigo, um irmão. Esteve a todos os momentos ao meu lado, desde a elaboração do
projeto, do processo de seleção, até a escrita final deste estudo. Sua generosidade é uma
das tantas qualidades que possui e que me encantam em sua pessoa. MUITO
OBRIGADO por tudo meu mestre Yoda.
Em especial, agradeço a Flávia Amorim (Flavinha), Yolanda Leony (Yole) e
Danilo, que ao longo desses sete anos de amizade dividiram comigo os melhores
momentos. Se não fosse o companheirismo, a solidariedade, a amizade e o apoio, com
certeza não conseguiria chegar ao fim deste trabalho. Agradeço as noites de estudos, as
leituras e sugestões feitas e as muitas cervejas tomadas, amo vocês.
Meus amigos e amigas, com quem tive meus melhores momentos na UEFS e
fora dela. Á Chintamani, Rafael Lins e João Pedro pelo apoio, a leitura cuidadosa e
amizade em todos os momentos. Á Aline Laurindo e Tiago Oliveira, casal vip, que
amo! Á Carolina Costa, André Santana, Luana, Hernandes, Luciane Almeida, Charlene
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Brito e Lívia Gozzer. Obrigada pelas resenhas, jogatina, as partidas de sinuca, pelas
viagens maravilhosas, pelas calorosas confraternizações e pelos momentos de
descontração e de amizade.
Ao meu orientador, Eurelino Teixeira Coelho Neto, em especial, por me aceitar
como sua orientanda e ter a paciência de ler meus textos, já que não faltou “no qual”
para mandar tirar. O admiro muito, não só como professor e também pela pessoa que é,
com um caráter, uma humildade e generosidade enormes. Muito obrigada por tudo.
Aos professores Joaci Cunha e Ana Maria de Carvalho, que se dispuseram na
maior boa vontade a ler e participar da minha qualificação, contribuindo imensamente
para que esse estudo pudesse se realizar. Agradeço muito pela leitura crítica e a
disponibilidade que sempre apresentaram nos espaços que nos encontramos.
Aos professores Elizete da Silva, Emília Silva, Ione Celeste, Rinaldo Leite,
Valter Guimarães e Ricardo Behrens que foram essenciais na minha formação
acadêmica. À Julival Cruz pela paciência e pela solicitude em todos os momentos.
Ao Núcleo de Estudos Feirenses (NEF) e ao Laboratório de História e Memória
das Esquerdas e das Lutas Sociais (Labelu), em especial, a Tamires Assad (Tamy),
Valter Zaqueu, Larissa Penelu, Sérgia, Andrei Valente e a todos pela oportunidade de
socializar e dialogar os passos deste trabalho, pelas discussões, debates e pela amizade
que se estendem além das reuniões.
Não posso deixar de agradecer as amigas: Dani, Lis e Poly. O apoio, a amizade
de vocês e o companheirismo foram essenciais na minha vida, não só nesse momento,
mas em todos em que vocês estavam junto comigo. Sou grata também a todos e todas
que direta ou indiretamente contribuíram para o desenvolvimento deste estudo.
Por último e talvez uma das pessoas mais importante, agradeço a Clóvis
Ramaiana. Meu “tio Clóvis”, aquele que sempre acreditou em mim. Sempre esteve
disposto a me ajudar, até quando eu recusei, ele estava lá. As palavras não são
suficientes para agradecer a esse sertanejo tanquinhense que me deu a mão todas as
vezes que precisei e que é umas das melhores pessoas que conheço. Como disse na
monografia, ressalto mais uma vez que se este trabalho tiver algo de interessante, ele é
dedicado a VOCÊ!
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SUMÁRIO
Introdução........................................................................................................................10
Capítulo I: Conhecendo a Feira de “Sant’Anna”: Classe, imprensa e sociabilidades em Feira de Santana..............................................................................................................17
Feira de Santana: cotidiano e sociabilidade................................................17
As famílias feirenses: patrimônio, riqueza e poder. Uma análise da ordenação socioeconômica em Feira de Santana........................................................... 25
“A classe comercial feirense”: analisando a criação da Guarda Nacional.36
Imprensa local: os periódicos e seu papel na cidade...................................39
Capítulo II: Política e eleições em Feira de Santana na “Primeira República”...............47
Quem participa do jogo político? Uma análise sobre o processo eleitoral na “República Velha” ..........................................................................................................47
Eleições em Feira de Santana: candidatos e eleitores.................................51
Quem são os grupos políticos? Uma análise dos partidos em Feira de Santana ............................................................................................................................59
As eleições de 1907: das disputas as relações de poder .............................64
“Cortem as unhas, tire os viscos”- analisando estratégias políticas............71
O bombardeio de Salvador e a ascensão de Seabra ao poder......................78
A reforma constitucional de 1915: a estratégia de dominação....................84
O retorno do chefe: uma análise do segundo mandato de Seabra...............87
Os percussores do progresso: reformas em Feira de Santana.......................92
Capítulo III: Os herdeiros da política feirense: uma análise de novos sujeitos políticos em Feira de Santana.......................................................................................................101
A chegada de um novo grupo ao poder: a ascensão dos calmonistas....................................................................................................................101
Será que tudo mudou? Os novos sujeitos políticos, os novos cenários econômicos e os partidos na década de 20....................................................................106
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Os herdeiros políticos? As relações entre Arnold Silva e Eduardo Froés da Motta............................................................................................................................. 118
Considerações finais..................................................................................................... 127
Lista de fontes...............................................................................................................130
Referências bibliográficas.............................................................................................133
Anexos...........................................................................................................................138
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INTRODUÇÃO
Todos se lembram- nem dois annos bastam para apagar a lembrança de ignomínias- temos nesse dia que o governo do Estado, tendo lhe faltado apoio dos “homens de bem” dessa circumscripção, amparou com seu prestígio a escumalha política, ganaciosa e trafega, despresada sempre por imprestável, a qual solicita levantou a lançada preferência que elle lhe atribuira pra o conturbenio ascoso da força eleitoral que se projectava e vinha próxima1. (sic).
Foi com esse tom que o jornal Folha do Norte apresentou seus lamentos e
revolta contra o grupo chefiado pelo coronel Abdon Alves, que no momento estava no
poder na intendência da cidade de Feira de Santana, no ano de 1910. A utilização do
jornal pelo grupo chefiado pelo coronel Tito Ruy Bacelar para divulgar suas opiniões
acerca do cotidiano político feirense, mas acima de tudo defender a posição de certos
grupos políticos e de seus projetos, foi uma das estratégias utilizadas por esses sujeitos
na disputa pelo poder político em Feira de Santana na “Primeira República”.
Essa dissertação tem o objetivo de discutir as relações políticas em Feira de
Santana nas três primeiras décadas do século XX, mais especificamente de 1907 a 1927.
Para tal partimos da cisão do Partido Republicano da Bahia (PRB) em 1907 que, no seu
desdobramento, atingiu e possibilitou que grupos políticos da oposição estabelecessem
estratégias para alcançar o poder. Nesse sentido apresentamos quem eram os grupos
políticos partidários e quais eram as práticas utilizadas para criar legitimidade para as
posições defendidas. Nosso enfoque recai sobre o processo eleitoral na “Primeira
República”, os atores que dela participavam ou estavam excluídos, as relações de poder
entre os sujeitos políticos e os instrumentos de disputas dos mesmos. Portanto, a
finalidade deste estudo é uma maior compreensão do processo político em Feira de
Santana nas primeiras décadas do século XX.
O interesse pelo tema da pesquisa nasceu ao decorrer das discussões feitas na
disciplina de História do Brasil III na graduação em Licenciatura em História. Nesta,
discutíamos sobre as relações de poder na “Primeira República”, sobre a permanência
das práticas chamadas “coronelísticas”, sobre as oligarquias, a “política dos
governadores” e sobre as práticas paternalistas. Neste sentido a partir destes debates,
1 Jornal Folha do Norte, 11 de novembro de 1910. P.01: Triste aniversário. MCS.
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passei a questionar como em Feira de Santana se teriam dado tais relações políticas.
Comecei então a buscar nos jornais que circularam na cidade, no início do século XX,
algumas notícias que nos mostrassem como era a política em Feira de Santana e os
envolvidos nela. A partir daí desenvolvi o trabalho monográfico buscando compreender
como os jornais: Folha do Norte e O Município tratavam a política nesse município no
período de 1910 a 19272. Abriu-se posteriormente, então, a perspectiva de ampliar o
estudo e a pesquisa sobre a política e as relações de poder.
O recorte temporal escolhido são os anos de 1907 a 1927. O marco inicial se dá
pela já mencionada cisão do PRB, que nos possibilitou uma rica análise das disputas dos
grupos políticos partidários em Feira de Santana. Em 1927 encerra a gestão do coronel
Arnold Ferreira da Silva, que foi o último coronel a assumir o poder antes do golpe de
Getúlio Vargas. Esse novo momento trouxe alguns desdobramentos e mudanças para o
país.
No decorrer do trabalho nos debruçamos sobre o cenário político local, que vai
desde as disputas políticas às relações de poder, como apadrinhamentos e paternalismo,
até os partidos políticos e os grupos que deles participavam. Acreditamos que
contribuímos para a compreensão da história política, que entendemos ser um campo
fundamental da pesquisa histórica. Pensamos a política não como algo descolado ou um
setor separado da sociedade, mas sim como um espaço de prática social. Partilhamos
das concepções de Mendonça, para quem:
A história política esta inscrita em uma perspectiva global onde o político é um ponto de condensação, um ponto para o qual conflui a maior parte das atividades, constituindo-se numa das expressões mais altas da identidade coletiva3.
Nosso trabalho está assim filiado à história política, no qual busca a clarificação
dos processos sociais em que as relações de poder estão entrelaçadas neste contexto
histórico. Esta dissertação compreende as relações políticas estabelecidas em Feira de
Santana, fazendo suas interlocuções com a política na Bahia e no Brasil.
2 CUNHA, Nayara Fernandes de Almeida. D’ O Município ao Folha do Norte: representações de poder
na imprensa em Feira de Santana. Monografia: UEFS, Feira de Santana, 2010. 3 MENDONÇA, Sônia Regina. Agricultura, Poder e Estado no Brasil: um projeto contra hegemônico na Primeira República. In: Nação e Poder: as dimensões da história. 1998, p.94.
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Muitos trabalhos historiográficos foram produzidos versando sobre Feira de
Santana. Várias temáticas foram abordadas, como: urbanização, conflitos no campo,
modernização urbana, diversões e lazer, política, relações de gênero e trabalhadores4.
Mas nenhum se debruçou especificamente sobre a política nessa cidade nas três
primeiras décadas do século XX. Pretendemos contribuir para iluminar esse período da
história de Feira de Santana.
Para analisar essas práticas políticas e desvendar essas relações de poder,
utilizamos diversificadas fontes de pesquisa. Os jornais que circularam em Feira de
Santana no período estão entre as mais importantes. Os jornais eram instrumentos de
combate, utilizados para a fixação e explicitação dos posicionamentos adotados.
Procuramos neles os momentos de síntese, a formulação dos posicionamentos a partir
de determinadas falas. Foram consultados: o Jornal Folha do Norte, que foi fundado em
1909 e tinha forte influência na vida da sociedade feirense, circulando até hoje na
cidade, ao mesmo tempo, em que os nossos sujeitos históricos tinham e mantinham
fortes relações com os editores deste; e os jornais: O Município (1908-1911), O
Propulsor (1906-1908), O Republicano (1912) e O Progresso (1900- 1908). Estes não
circularam por muito tempo, mas também tinham relevantes vinculações políticas.
As fontes produzidas pelo Executivo e Legislativo foram fundamentais para
análise dos acordos políticos e também para perceber o cenário político de Feira de
Santana no período. Foram as atas de reuniões, os discursos das sessões solenes, os
relatórios administrativos, atas de reunião do conselho municipal e dos presidentes deste
4 Alguns trabalhos são: DAMASCENO, Karine Teixeira. Mal ou bem procedidas: cotidiano e
transgressão das regras sociais e jurídicas em Feira de Santana, 1890-1920. Dissertação em História, UNICAMP, 2011. FREIRE, Luiz Cleber Moraes. Nem tanto mar, nem tanta à terra: Agropecuária, escravidão e riqueza em Feira de Santana, 1850-1888. Feira de Santana: UEFS editora, 2011. OLIVEIRA Clovis Frederico Ramaiana Moraes. Do empório a Princesa do Sertão: utopias civilizadoras em Feira de Santana (1893-1937). Dissertação, Salvador: UFBA, 2000. SANTOS, Aline Aguiar Cerqueira dos. Diversões e civilidade na “Princesa do Sertão”. (1919-1946)- Feira de Santana. Dissertação em História. UEFS: Feira de Santana, 2012. SILVA, Aldo José Moraes. Natureza sã, civilidade e comércio em Feira de Santana: elementos para o estudo da construção de identidade social no interior da Bahia (1833-1937). UFBA: Salvador, 2000. SILVA, Mayara Pláscido. Experiências de trabalhadores/as pobres em Feira de Santana (1890-1930). Dissertação em História, UEFS, Feira de Santana: 2012.
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conselho, balancetes de despesas da cidade e registros do imposto da décima urbana,
que nos permitiram uma maior aproximação deste cenário.
Também nos valemos dos relatos dos memorialistas, pois estes nos deram uma
visão do período, apresentando as suas impressões e suas representações da sociedade
em que viveram. Eurico Alves Boaventura, por exemplo, escreveu muitos poemas,
artigos e a obra Fidalgos e Vaqueiros, que nos permitiu um olhar de quem viveu e
conviveu com os homens mais abastados de Feira de Santana. Sua visão dessa cidade
era marcada pela nostalgia e pelo saudosismo de um lugar já transformado em virtude
da urbanização que havia destruído as principais características da cidade, como a feira
local e a importância do vaqueiro como elemento do município.
Os inventários, testamentos e processos-crimes presentes no Centro de
Documentação (CEDOC) dos políticos e de seus familiares foram fundamentais para
compreender quem eram esses sujeitos, ajudando a mapear seus patrimônios, seus
vínculos com instituições sociais, suas atividades econômicas e suas relações familiares.
Analisamos a ação e atuação desses sujeitos não só no âmbito político como também no
âmbito econômico, social e cultural (as suas relações com instituições tais como
filarmônicas, clubes, igrejas e montepios). Enfim, são peças importantes para
compreender as especificidades dos sujeitos políticos e perceber suas relações com a
sociedade.
A estrutura da nossa dissertação é a seguinte: o primeiro dos três capítulos teve a
finalidade de apresentar a cidade no início do século XX, percebendo como era formada
e as mudanças que ocorreram com a proclamação da República. Além disso, mapeamos
os principais sujeitos políticos e suas famílias, traçando o perfil socioeconômico,
procurando observar seus patrimônios, suas atividades econômicas até suas relações
sociais e suas articulações políticas. O intuito foi perceber o panorama social e
econômico da cidade, apresentando o ambiente histórico dos políticos, personagens da
história que vamos acompanhar. Por fim fizemos uma análise da criação dos jornais em
Feira de Santana, entendendo que os periódicos são armas políticas de auto-afirmação
dos governos municipais, de acusação dos seus opositores, um espaço de disputa interna
e externa.
O segundo capítulo tem o objetivo de analisar o cenário eleitoral em Feira de
Santana entre 1907 e 1927. Para tanto ampliamos o estudo relacionando o mesmo
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período na cidade com as configurações eleitorais nacionais e estaduais. Levamos em
consideração o modo como foram conformadas as eleições, os partidos e seus
candidatos, até os eleitores e os que estão excluídos desse processo. Fazemos uma
discussão do que estava acontecendo na política estadual, em especial, entre os anos que
estendem o poder concentrado nas mãos de J.J Seabra e seus correligionários (1912-
1923). O intuito foi analisar o cenário estadual, relacionando-o com a cidade de Feira de
Santana, percebendo como as cartas políticas mudavam de mãos, num cenário político
em que as relações de dependência e as trocas de favores eram de grande valor no
tabuleiro do poder.
Debruçamo-nos, também sobre a reforma constitucional feita por Seabra em
1915 e o seu controle sobre os chefes municipais, em especial, o controle do PRB em
Feira de Santana, a posição oposicionistas e os reflexos da revolta sertanejas sobre o
cenário da política estadual. Focamos também nas relações dos coronéis Agostinho
Froés da Motta e Bernardino Bahia na cidade, eles que compartilhavam de idéias
modernizantes e progressivas para Feira de Santana, buscando uma remodelação da
mesma em suas gestões.
O terceiro capítulo analisou o cenário político feirense e estadual na década de
20 do século XX. Analisamos como as figuras de Arnold Ferreira da Silva e Eduardo
Froés da Mota se inseriram nesse cenário, ganhando terreno para fortalecer e fincar suas
carreiras políticas no contexto político e social da Bahia, que nesse período é marcada
pela ascensão do bloco calmonista no poder executivo estadual. Pretendemos
compreender o processo político como um todo não esquecendo de analisar os que
fazem parte do jogo político como os eleitores. Objetivamos estudar as relações de
poder na década de 20, percebendo como os grupos em disputa se mantiveram,
analisando a entrada de novos sujeitos políticos em cena, como a figura de Arnold
Ferreira da Silva, avaliando o papel desse sujeito nesse cenário. Procuramos, de forma
mais refinada, apurar as analises, com o estudo do poder e da política e as novas formas
de fazer política de Arnold Silva e Eduardo Fróes da Mota.
17
CONHECENDO A “FEIRA DE SANT’ANNA”: CLASSE, IMPRENSA E SOCIABILIDADES EM FEIRA DE SANTANA.
É que, postada no limiar do sertão bahiano, tão se fôra destemerosa vedeta do progressismo, a Feira tem consciência da missão que lhe incumbe no momento, por seus foraes, suas tradições, sua adeantada cultura mental, suas possibilidades econômicas e até pela própria situação geográfica5. (sic) Tão boa era minha cidade sem cabelos brancos6.
1.1 Feira de Santana: cotidiano e sociabilidades.
Feira de Santana não é só balança de gado, nem roça de algodão, nem
trapiche de fumo. Nem é só a Mesa de Rendas. Feira de Santana é mais que
tudo isso7.
Detemo-nos a entender Feira de Santana nas primeiras décadas do século XX, logo
percebendo a dinâmica das relações urbanas e rurais, os serviços públicos, as
sociabilidades e cotidiano dessa cidade. Traçamos um panorama desse município, em
especial da sua sede principal, a cidade de Feira de Santana8. Com a implantação do
regime republicano as cidades brasileiras passaram por mudanças estruturais e sociais
que buscavam se adequar às novas “modernidades”. Circulavam discursos de progresso
e civilidade no país, que havia saído recentemente do regime escravocrata e do império,
em que se rejeitaram os antigos traços coloniais e se buscou inspiração nos países
europeus, sendo esse período caracterizado como belle époque 9.
5 Jornal Folha do Norte, 3 de outubro de 1925, MCS.
6 BOAVENTURA, Eurico Alves. A paisagem urbana e o homem: memórias de Feira de Santana. Feira
de Santana: UEFS Editora, 2006. 7 Idem, p.103. 8 Além da sede, havia os distritos de: São José das Itapororocas, Gameleira, Almas, Bom Despacho, Bonfim de Feira, Santa Bárbara, Tanquinho. 9 Para saber mais sobre a Belle Époque ver CHALLHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o
cotidiano dos trabalhadores pobres no Rio de Janeiro da belle époque. Companhia das Letras, 2002. SEVECENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. Companhia das Letras, São Paulo: 2003. RAGO, Luzia Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar: Brasil 1890-1930. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
18
Nos vários modos de viver este influxo, houve por muitas vezes relações
conflituosas entre os grupos dirigentes e os populares, em especial, sobre as novas
normas estabelecidas e a repressão a alguns hábitos e costumes dos sujeitos. Feira de
Santana não fugiu à lógica republicana, porém teve sua própria dinâmica e
peculiaridades nesse contexto. Assim o grupo dominante buscou adotar medidas para
adequar o município a um determinado modelo de civilidade.
Situada a 109 km de Salvador atualmente, Feira de Santana sempre foi conhecida
pelo seu entroncamento comercial, por estar situada entre a capital do estado e o interior
baiano, ressaltada por Luiz Cleber Freire enquanto uma cidade que ficava em local
estratégico, logo “nem tanto mar e nem tanto à terra”10. Lugar de passagem dos
tropeiros, que faziam o transporte do gado, essa cidade cresceu e se desenvolveu em
torno da feira que ocorria todas as segundas feiras, considerada a mais importante feira
semanal da região. Ao estudar as fazendas de gado, o trabalho escravo e a riqueza
gerada dessa relação no espaço da comarca de Feira de Santana no período de 1850 a
1888, Freire destacou que:
Embora existissem outras produções que movimentavam a economia local como a do fumo, do algodão, mandioca e açúcar, foi o comércio de gado que proporcionou a formação de uma elite econômica de fazendeiros em Feira de Santana11.
Esse autor afirmou que o povoamento da região de Feira de Santana se deu através
da ocupação de suas terras pelas fazendas de gado instaladas desde o século XVII12. Foi,
portanto, em volta das fazendas e da criação de gado que muitos sujeitos fizeram
fortuna e consolidaram sua posição social dominante no cenário rural e urbano. Essa
atividade foi também responsável por acentuar o grau de desigualdade sócio-econômica
da região, já que as terras foram ocupadas por uma minoria. Para além do comércio do
gado, atividades econômicas como a produção de fumo e de várias culturas agrícolas
como tabaco, algodão e mandioca também fizeram parte da dinâmica econômica em
Feira de Santana, embora a carne ocupasse de lugar de destaque. “A venda de carne
verde, do gado vivo e de seus derivados impulsionou e consolidou o comércio feirense
10 FREIRE, Luiz Cleber Moraes. Nem tanto mar, nem tanta à terra: Agropecuária, escravidão e riqueza em Feira de Santana, 1850-1888. Feira de Santana: UEFS editora, 2011. 11 Idem, p. 197. 12 Idem, p. 201.
19
desde meados do século XIX até quase metade do século XX” 13. Além disso, Freire
destacou o sucesso do desenvolvimento da cidade por essa estar em posição estratégica,
servida das águas dos rios Jacuípe e Pojuca, que matavam a sede dos gados que vinham
pelas estradas e por que era uma das poucas estradas que dava acesso do Sertão à capital
do Estado14.
A feira semanal atraia um grande contingente populacional das cidades
circunvizinhas. Unia dois espaços: a venda de gado e a feira livre, onde se
comercializava diversos produtos. Pequenos e grandes comerciantes, roceiros,
lavradores e lavradoras que vinham vender ou trocar seus excedentes; migrantes,
trabalhadores informais; bares, restaurantes e hotéis estavam dentro da dinâmica e da
movimentação que a feira das segundas trazia a Feira de Santana. Assim a feira livre e
O Campo do Gado (onde era comercializado o gado) eram espaços principais em que
eram realizadas as principais atividades econômicas,
Comumente, pessoas que vinham comercializar seus animais no Campo do Gado realizavam suas compras na Feira Livre, bem como o movimento reverso também se confirmava, fazendo com que as duas estruturas se interligassem e resguardassem todo o centro da cidade para a realização de suas atividades15.
Para além de tecer as relações econômicas, a segunda feira possibilitava um maior
contato e relações sociais aos moradores dessa sede, dos seus distritos e dos que aqui
chegavam, sendo essencial para seu desenvolvimento econômico e social. Também
Aldo Silva, ao discutir a construção de um ideal de cidade saudável em Feira de Santana
e seu posterior esvaziamento junto à população entre 1893 a 1937, salientou que o
processo de crescimento de Feira de Santana foi fundamentado pela condição de
entreposto que a cidade adquiriu, primeiro para o comércio de gado e depois, também,
de mercadorias e viajantes entre o litoral e o sertão16.
13LAURINDO, Aline. A nova ordem republicana em Feira de Santana e a família Fróes da Motta (1878-1922). Monografia em história, UEFS: 2012. P. 20. 14
FREIRE, Luiz Cleber Moraes. Nem tanto mar, nem tanta à terra: Agropecuária, escravidão e riqueza em Feira de Santana, 1850-1888. Feira de Santana: UEFS editora, 2011. P. 23. 15 Idem, p. 31. 16 SILVA, Aldo José. Natureza Sá, civilidade e comércio em Feira de Santana: elementos para o estudo da construção de identidade social no interior da Bahia (1833-1937). Dissertação, UFBA, Salvador: 200. P. 22.
20
Nas primeiras décadas do século XX, a classe dominante buscou propagar um
discurso de civilidade e criticar tudo que fosse considerado contrário a este. Jogatina,
vadiagem, arruaças, práticas religiosas que não fossem da religião católica, foram
rechaçados e criticados duramente nas páginas dos jornais que circularam em Feira de
Santana. Em 1893, foi criado o código de posturas em que se buscou ditar as regras de
conduta dos habitantes dessa cidade17. Os vagabundos, malandros, vadios eram
criticados, em especial, pela ociosidade em um contexto em que se defendia uma
sociedade voltada ao trabalho.
Os discursos de civilidade e progresso estavam atrelados ao desejo de mudança, de
se enquadrar aos novos modelos defendidos pelos grupos dominantes. A cidade e sua
estrutura física seriam o principal alvo desse discurso. Buscou-se propagar discursos
que defendiam a reforma urbana nas cidades e Feira de Santana não fugiu a essa lógica.
Analisando a euforia em busca do progresso nessa cidade, Eronize Souza destacou que:
A propaganda de intervenção pública visando melhoramentos urbanos chegava a essa cidade trazida pelos dirigentes locais que se apropriavam dos discursos da modernidade- influenciados por viagens feitas para a capital federal e estadual e em alguns casos até mesmo para a Europa, onde essas transformações já estavam em curso. As imagens do período- a exemplo de fotografia, cartões postais e livros- trazidas por representantes destes segmentos para presentear aos amigos e familiares que ficavam, constituíam-se em outro instrumento de apropriação e disseminações desses discursos18.
As capitais e a Europa foram a base e modelo para as reformas urbanas. Souza
salientou que em Feira de Santana a remodelação da área urbana veio através dos
dirigentes locais. Para construir novos prédios, alargar ruas e construir praças foi preciso
destruir os casebres e casas que “enfeiavam” essa cidade. Encontramos diversas atas do
Conselho Municipal em que houve discussões acerca de desapropriações e demolições.
Também nos jornais notícias vinculadas a esses atos. Vejamos,
17
Não achamos o código de posturas em si, porém achamos fragmentos deste noticiados nos jornais. Por exemplo, na notícia de 12 de fevereiro de 1922 diz que: “o artigo 12 do nosso código de posturas reza assim: deixar animaes soltos nas ruas e praças, conduzi-los por cima dos passeios ou amarra-los as portas ou arvores- Pena 3$000 de multa ou um dia de prisão. Chama se para elle a atenção dos srs. Ficaes” (sic). Folha do Norte, 12/02/1922, Com os fiscaes. 18SOUZA, Eronize Lima. Prosas da valentia: violência e modernidade na Princesa do Sertão (1930-1950). Salvador: UFBA, dissertação em história, 2008. P.15.
21
Louvamos a ação benéfica de s.exa., e fazemos votos que leve de vencida a demolição dos outros casebres e dos situados a praça General Argolo, também incluídos na mesma lei, todos os quaes tanto afeiam a nossa bela cidade19. (sic)
Trataremos mais especificamente das desapropriações no próximo capítulo. Por
ora salientamos que houve discursos que buscaram tornar essas demolições como algo
necessário ao desenvolvimento da cidade. Mas para quem foram necessárias essas
desapropriações? Em que espaços elas foram feitas? Para entendermos e buscarmos
responder tais questões deixamos claro, que compreendemos que o processo
civilizatório por que passam as cidades tem como mecanismo responsável a classe
dirigente e, portanto, o grupo que estava operando o poder.
Como já dito a feira semanal ocorria às segundas feiras e era o dia mais
movimentado no município. Vinham de toda parte tropeiros para negociar e comprar
gado. Devido à grande movimentação e a importância da venda do gado no Campo do
Gado, no ano de 1927, a Intendência Municipal decretou que todo ano ocorreria na
cidade uma exposição de gado como forma de incentivo à pecuária. Os jornais
defendiam que essa exposição era necessária, pois “a indústria pastoril na Feira, que se
não descura de aperfeiçoá-la mesmo por que constitui uma de suas principais, senão a
primordial e mais farta riqueza publica” 20. A partir de então todo ano passou a ocorrer a
semana de exposição de gado.
Sobre a divisão física da urbe feirense, Clóvis Oliveira em seu artigo sobre o
poeta Eurico Alves e a urbanização em Feira de Santana, retrata esta cidade no inicio do
século XX:
Essa urbe tinha suas ruas, encurvadas na sua maioria, seguindo o sentido Sul/Norte, como se fossem estradas que ligassem a sua Igreja da Matriz (sul) à feira de gado (norte) e dessem à pequena urbe os dois sintagmas que lhe conferiam o nome, Feira de Santana. Mas, não só isto, no meio da viagem entre a catedral e o Campo do Gado, havia duas Praças largas e contíguas, uma com nome do “Comércio”, a outra de João Pedreira. Nas duas era realizada a feira livre. Limitada ao oeste pela Rua Direita e ao leste por uma pequena Igreja dedicada a Senhor dos Passos, a feira dos produtos gerais parecia repetir o
19
Jornal Folha do norte, 11 de abril de 1915. Demolições, MCS. 20 Jornal Folha do Norte, 19 de junho de 1926. A utilidade das exposições de gado. MCS.
22
equilíbrio entre negócios e fé, que estava indicado no nome do pequeno lugar21.
Como destacou esse autor, a feira semanal e o culto a Senhora Santana (sua
padroeira) foram base e referência para o nome que leva essa cidade. A área urbana
desse município se desenvolveu tendo como baluarte dois pontos cardeais principais: a
Igreja da Matriz que ficava ao sul e a feira de gado ao norte. A sede principal de Feira
de Santana nas primeiras décadas do século XX era dividida entre becos, pequenas ruas
e as ruas principais. Entre suas ruas, três eram as grandes artérias dessa cidade: a rua
direita, a rua do meio e a Senhor dos Passos. A Rua Direita22 era onde ficavam as
principais casas comerciais da cidade, bem como as sedes das filarmônicas, da Escola
Normal23, da Companhia de Melhoramentos e o cine teatro Santana. A Rua do Meio era
onde moravam os principais comerciantes, proprietários e pecuaristas da cidade. E a
Rua Senhor dos Passos era a mais movimentada pela feira local 24. Ligando as ruas da
cidade, os becos eram também importantes. Mayara Pláscido Silva destaca que:
Em Feira de Santana, os becos, situados entre as ruas centrais da cidade, eram espaços de moradia e trabalho para a população mais pobre, bem como para realizar atividades consideradas ilícitas e imorais para os valores higiênicos e moralistas da República25.
A maioria dos que habitavam estes becos eram trabalhadores e trabalhadoras
pobres, que por muitas vezes moravam em pequenas casas que dividiam com familiares
ou outras pessoas, quando não podiam despender os custos de moradia sozinhos.
Desenvolviam ali atividades comerciais, em busca de seu sustento, e também, eram
espaços de sociabilidade entre os moradores. Como ligavam as ruas centrais da cidade,
os becos ficavam perto do centro e, conseqüentemente do movimento das suas
principais atividades. Os que moravam nos becos faziam assim parte significativa da
população feirense “que contribuía para consolidação da cidade de Feira de Santana
21OLIVEIRA, Clóvis Ramaiana Moraes. Ruas retas, lugares esquecidos: Eurico Alves e a urbanização em Feira de Santana (1920-1932). IN: BOAVENTURA/ Aldo José Morais Silva (org). História, poesia e sertão: explorando a obra de Eurico Alves. Feira de Santana: UEFS editora, 2010. P. 77. 22 Atual Conselheiro Franco. 23 Atual Centro de Cultura e Arte (CUCA). Esse prédio foi inaugurado em 1927. 24 DAMASCENO, Karine Teixeira. Mal ou bem procedidas: cotidiano e transgressão das regras sociais e jurídicas em Feira de Santana, 1890-1920. Dissertação, UNICAMP, São Paulo: 2011. P. 31. 25SILVA, Mayara Pláscido. Experiências de trabalhadores/as pobres em Feira de Santana (1890-1930). Dissertação em História, UEFS, Feira de Santana: 2012. P. 25.
23
enquanto um entroncamento social fundamental para o transporte, comércio e
movimentação de mercadorias” 26.
Além dos becos e das ruas centrais de Feira de Santana, havia ainda os
subúrbios, que eram os lugares mais afastados do centro27. Como nos becos, os
subúrbios eram habitados em Feira de Santana por uma população pobre e
marcadamente negra. Alto do Cruzeiro, Calumbi, Sobradinho, Mochila, Mangabeira,
Baraúnas, Queimadinha e Tanque da Nação eram exemplos de lugares que eram
considerados subúrbio em Feira de Santana28. Para lá se dirigiu boa parte da população
que, por conta das desapropriações e demolições teve que deixar para trás as casas e
casebres em que residiam. Era também uma alternativa para os migrantes que vinham
em busca de novas oportunidades na sede central do município.
Rollie Poppino analisando o desenvolvimento de Feira de Santana entre 1860 e
1950, destacou que houve no início do século XX uma expansão das obras e dos
serviços públicos na cidade, em especial, por parte da intendência, que, segundo este
autor, exigiu maior número de lugares administrativos29. Foram criados novos cargos
dirigidos aos serviços públicos municipais, como por exemplo: os de professores
primários, de administrador do matadouro municipal ou do mercado, bibliotecário,
secretário do intendente, agentes fiscais (os que recolhiam os impostos da cidade) e de
engenheiro. Poppino também destacou que, além da força policial municipal, foi criada
em 1913 a Guarda Noturna Comercial, “organizada pelos principais negociantes de
Feira de Santana para combater a incidência crescente dos roubos nas casas comerciais
da cidade” 30. A Guarda Noturna Comercial permaneceu ativa até o ano de 1930. Os
comerciantes reuniam-se e organizaram sua própria guarda a fim de resguardar suas
propriedades, ou seja, seus interesses econômicos. Mais à frente, analisamos um pouco
mais a criação dessa Guarda Noturna.
Além da divisão da área física da cidade, outros espaços devem ser
considerados, como os de sociabilidades. Espaços como o Cine teatro Santana, as
26
SILVA, Mayara Pláscido. Experiências de trabalhadores/as pobres em Feira de Santana (1890-1930). Dissertação em História, UEFS, Feira de Santana: 2012. P. 93. 27
DAMASCENO, Karine Teixeira. Mal ou bem procedidas: cotidiano e transgressão das regras sociais e jurídicas em Feira de Santana, 1890-1920. Dissertação em História, UNICAMP, 2011, p.19. 28
SILVA, Mayara Pláscido. Experiências de trabalhadores/as pobres em Feira de Santana (1890-1930). Dissertação em História, UEFS, Feira de Santana: 2012. P. 93. 29 POPPINO, Rolie. Feira de Santana. Editora Itapuã, 1968. P. 136. 30
Idem. P. 136.
24
filarmônicas, as festas religiosas, os clubes e os grupos literários faziam parte da rotina e
do lazer dos feirenses.
Um dos principais espaços de lazer era o cine teatro Santana, que foi fundado em
1919, resultado da fusão do cinema Vitória com teatro Santana. Aline Aguiar, em seu
estudo, se debruçou sobre as diversões na urbe feirense entre os anos de 1919 a 1946,
analisando em especial as diversões que dialogavam com a lógica do “progresso
proposta para urbe como um projeto político de seus dirigentes, idealizando-a como
uma cidade princesa” 31. Esta autora destacou que, com a fusão, o cine teatro Santana,
passou a ser o principal centro de diversão da urbe, sendo um dos espaços mais
valorizados e freqüentados pelos abastados de Feira de Santana. A partir de então além
do teatro, havia a novidade do cinema, mais um símbolo do progresso que chegava a
essa cidade. Evidencia que este também definia os espaços sociais, já que boa parte dos
lugares estava vinculada a diferentes valores econômicos, privilegiando aqueles que
podiam pagar e tornando mais evidente a segregação social.
Um dos espaços mais antigos de que boa parte do grupo dirigente participava e
que estava presente em todos os eventos da cidade eram as filarmônicas. Estas eram
“agremiações musicais, compostas geralmente por um regente e mais ou menos 40
músicos, além dos associados e seus demais familiares” 32. Três filarmônicas foram
destaque na cidade: A Sociedade Filarmônica Vitória e A Sociedade Filarmônica 25 de
Março que foram fundadas no século XIX e A Sociedade Filarmônica Euterpe Feirense
fundada na década de 20 do século XX(a única que ainda existe na cidade). Estas
filarmônicas estiveram presentes nos festejos e diversões em Feira de Santana, além das
participações nos desfiles cívicos, das inaugurações de obras públicas, nas recepções de
figuras ilustres, como de políticos e intelectuais33. Boa parte dos sujeitos políticos e
abastados dessa cidade participavam dessas sociedades. Aguiar também destacou que
essas filarmônicas:
Eram instituições sinônimos de poder, e como tal, eram elementos de inserção e delimitação de espaços simbólicos de seus respectivos grupos no cotidiano da sociedade e nos momentos de afirmação da identidade feirense34.
31SANTOS, Aline Aguiar Cerqueira dos. Diversões e civilidade na “Princesa do Sertão”. (1919-1946)- Feira de Santana. Dissertação em História. UEFS: Feira de Santana, 2012. P.50. 32 Idem, p.52. 33 Idem, p. 54. 34 Idem, p.54.
25
Eram instituições sinônimos de poder, por que, no plano das significações,
participar e ocupar os principais cargos dentro destas sociedades conferia destaque e
poder aos sujeitos, além desses serem espaços que possibilitavam trocas de
sociabilidades e em que se teciam e se estabeleciam as relações de poder. Além das
filarmônicas, as sociedades de caridade como o Asilo Nossa Senhora de Lourdes, A
Santa Casa de Misericórdia e A Monte Pio dos Artistas Feirenses também envolviam as
principais figuras políticas e econômicas e suas famílias. Estar à frente de instituições
que visassem o bem social, a caridade, era mais uma estratégia de que os grupos
dirigentes se utilizavam para o convencimento e para se manter enquanto direcionadores
da sociedade. Sobre A Santa Casa de Misericórdia, por exemplo, Elizete Silva observou
que:
A irmandade da misericórdia, fundada em 1859, contava com a Santa Casa e o Cemitério Piedade. Segundo o poeta feirense (Eurico Alves Boaventura), era um reduto aristocrático dos nomes mais imponentes da região. Ser irmão da Santa Casa aqui também era título de escol, afirmação do alto nível social do eleito, garantido pelo seu balandrau preto. Segundo Cerqueira, assinaram o primeiro compromisso médicos, coronéis e padres, ‘todos de formação cristã’.35
Fica evidente que desde os finais do século XIX participar como membro de
entidades filantrópicas, de comissões de festas religiosas e das filarmônicas trazia
prestígio, envolvia o simbolismo de que estar associado pertenceria ao “seleto grupo
feirense” e era um espaço que possibilitava as relações sociais. Além das filarmônicas,
uma das opções de lazer esteve ligada à religião católica, como as festas religiosas
(Festa de Santana, São João, São Pedro, entre outras). Boa parte do grupo dominante
participava e organizava essas festas e, em especial, a principal, a festa de Nossa
Senhora Santana mexia com toda sociedade feirense sendo a maior celebração religiosa
da cidade.
Era esse o cenário social, físico e econômico que compunha a cidade de Feira de
Santana no início do século XX. Como Freire ressaltou foi, em especial, pela pecuária e
35 SILVA. Aldo José Moraes (org). História, Poesia e Sertão: Diálogo com Eurico Alves Boaventura. In. Silva, Elizete da. O campo religioso feirense: um olhar poético, p. 132. Feira de Santana, UEFS Editora, 2010.
26
pelas primeiras fazendas de gado que os homens mais ricos da cidade fizeram suas
fortunas e é sobre esses sujeitos e suas famílias que vamos discorrer abaixo.
1.2 As famílias feirenses: patrimônio, riqueza e poder. Uma análise da ordenação
socioeconômica de Feira de Santana.
Como o título deste tópico informa, nos propomos aqui a analisar quem são as
famílias abastadas de Feira de Santana, no período abarcado pela pesquisa. Assim
observamos seus patrimônios, suas atividades econômicas, ramos comerciais a que
estavam ligados, de que associações sociais participavam ou com que tiveram alguma
relação. Essa análise foi importante para entendermos melhor qual era o cenário
socioeconômico da cidade, já que compreendemos que os sujeitos políticos não devem
ser pensados separados da sociedade, posto que a todo tempo estão estabelecendo suas
visões de mundo, se relacionando com as diversas esferas da sociedade.
Em suas memórias, Eurico Alves de Boaventura nos informa quais eram, nas
primeiras décadas do século XX, os “pontos cardeais” da cidade de Feira de Santana:
Até que a Era getuliana acabou de degradar o nosso mil réis. Seu Bernardino Bahia, Seu Agostinho, Seu Epifânio, Seu Zé Alves Franco, D. Madalena (mãe de Adalberto), Quintiliano, o Moço, João Ourives eram as pessoas que dispunham, então, à mão de cem contos a mais. Eram os pontos cardeais da abastança na cidade36.
Como citou Boaventura, existiam em Feira de Santana, figuras abastadas, ou
seja, homens que tinham considerável renda, propriedade e riquezas. Traçamos, então, o
perfil dos principais sujeitos abastados da cidade, que eram também políticos ou aliados
destes e de suas famílias. Sobre os principais políticos desse município, Boaventura
afirma que:
Rui Bacelar inicia a República na dianteira das forças políticas das fazendas feirenses. É político fidalgo, ainda nos últimos tempos, nos derradeiros instantes da época robusta do pastoreio, antes do descalabro moral que a revolução de trinta implantou. Foi o Cel.
36
ALVES, Eurico Alves Boaventura. A paisagem urbana e o homem: memórias de Feira de Santana. Feira de Santana: UEFS editora, 2006, p. 94.
27
Bernardino da Silva Bahia, firmando o seu renome na significação das malhadas das fazendas amigas ou no comércio das boiadas gordas. Major Quintiliano Martins da Silva Júnior, conhecido como Quintiliano, o Moço, para diferenciá-lo do Pai, formava com o Cel. João Mendes da Costa e o Cel. Francisco Ramalho tipos de políticos de alto coturno no nosso meio, na meninice da República.37
Como salientou esse autor, a força política feirense no início do século XX vinha
dos fazendeiros feirenses. Estes sujeitos não se dedicaram apenas às fazendas, muitos
também tinham no comércio sua fonte de renda. Para analisarmos esses pontos cardeais
feirenses, pesquisamos inventários e processos-cíveis e crimes que envolviam estas
famílias a fim de perceber mais sobre a dinâmica, as relações de poder e estratégias
destas.
Uma das famílias que mais se destacavam na cidade era a do próprio memorialista
que citamos acima. Os Boaventura eram uma família tradicional formada por
fazendeiros na cidade, como por exemplo, José Alves Boaventura, importante
fazendeiro e dono de farmácia, que exerceu por diversas vezes o cargo de Conselheiro
Municipal e a direção de entidades filantrópicas como a Santa Casa de Misericórdia. O
primo deste, Gonçalo Alves Boaventura, pai de Eurico Alves, era comerciante de couro,
proprietário de terras e foi Conselheiro Municipal (1924-1926) e Francisco Alves
Boaventura, importante fazendeiro que apareceu entre os quinze maiores contribuintes
do imposto rural da cidade em 190538. Também dessa família se destacou o Padre
Ovídio Boaventura, que no século XIX foi uma figura de destaque, sendo o fundador da
Santa Casa de Misericórdia, do Asilo Nossa Senhora de Lourdes e do Monte Pio dos
Artistas Feirenses39.
Kleber Simões, ao historicizar as identidades masculinas do homem moderno e do
sertanejo no cenário da cidade de Feira de Santana entre as décadas de 1920 a 1940, se
debruçou sobre a dinâmica social e econômica de Feira de Santana, afirmando que esta
estava pautada na representação de algumas famílias que se destacavam no cenário
econômico.
37 BOAVENTURA, Eurico Alves. Fidalgos e vaqueiros. Edufba, 1989. P. 351 38 O Progresso, 24 de dezembro de 1905. Mãos recalcitrantes, p. 01. MCS. 39 No terceiro capítulo nos deteremos sobre Monte Pio dos Artistas Feirenses.
28
O cruzamento entre os nomes dos maiores proprietários de terras, casas comerciais e indústria revela uma concentração de renda nas mãos de quatro famílias, as quais participavam ativamente da administração do município, tanto no exercício do executivo como nos Conselhos Municipais, com uma atuação incisiva dessas famílias na condução das atividades econômicas do município. Conhecidos nomes da Feira de Santana, como os Fróes da Mota, Bahia, Falcão e Boaventura entrelaçavam os galhos da árvore genealógica com casamentos entre familiares, enquanto se revezavam na administração pública40.
Como destacou o autor, os nomes dessas quatro famílias realmente se sobressaiam
no cenário sócio-econômico feirense. Como nosso recorte abrange a primeira década do
século XX, encontramos também em destaque alguns sujeitos políticos que se
revezavam na administração pública e nos principais cenários sociais de Feira de
Santana. São eles os Bacelar e os Almeida. Sobre essas famílias, em especial, os
sujeitos políticos que dela se destacaram e também o nome do coronel Abdon Alves é
que nos dedicamos nas próximas linhas.
Comecemos pela a família Bacelar. Seu maior representante nessa cidade foi Tito
Ruy Bacelar. Coronel, político de destaque (chefe do PRB local), fazendeiro, jornalista,
foi redator chefe do jornal O Progresso (1900-1909) e dono do jornal Folha do Norte41.
No meio político, Tito Ruy foi intendente (1904-1907), conselheiro municipal e
deputado estadual. Por toda sua vida política esteve ligado a corrente “severinista”, isto
é, os que apoiavam o político Severino Vieira. Participou por duas vezes da convenção
do PRB. Ao pesquisar seu inventário, encontramos o nome de sua esposa Regina
Adelina Passos Bacelar, que foi sua única herdeira, pois não tiveram filhos. Após sua
morte em 1922, a mesma vendeu o jornal Folha do Norte para os irmãos Silva.
Sua relação com os habitantes da cidade era muito intensa, em especial, com
sujeitos políticos. Exemplo disso é que por meio do seu pedido, o coronel Agostinho
teve sua patente de coronel concedida em 1903, antes dessa era tenente coronel42.
Participou por várias vezes da comissão da festa de Santana, era membro da
Filarmônica sociedade 25 de março e da sociedade agrícola protetora de pequenos
40FREIRE, Kleber José Fonseca. Os homens da Princesa do Sertão: modernidade e identidade masculina em Feira de Santana (1918-1938). UFBA, dissertação em História, Salvador, 2007. P.28 41
Processo-cível. Estante 09, caixa 228, documento 4842. Inventário. CEDOC/UEFS 42
ALMEIDA, Oscar Damião. Dicionário Personativo, histórico e geográfico de Feira de Santana. Feira de Santana. P. 153.
29
lavradores. Durante a década de 10 foi a principal liderança política na cidade. Em 1903
assumiu a liderança do diretório do PRB, após a morte de José Freire Lima (primeiro
intendente após a Proclamação República na cidade) e do grupo a que pertencia, os
fazendeiros e comerciantes de gado. Era o que dava a palavra final na escolha para os
candidatos a serem lançados para os cargos de Intendente e Conselheiro Municipal na
cidade. Estabeleceu uma rede de contatos não apenas com os feirenses, mas também
com diversos políticos baianos como Ubaldino de Assis (político da cidade de
Cachoeira), o próprio Severino Vieira e José Marcelino.
Abdon Alves de Abreu seria, talvez, o mais controverso político pesquisado.
Encontramos suas pistas e de sua família com maior destaque, após as conturbadas
eleições municipais de 1907. O seu inventário data a sua morte em outubro de 191443.
Seu inventariante foi o coronel João Mendes da Costa, seu amigo e compadre44. Abdon
deixou viúva sua segunda esposa, Leonor de Araújo de Abreu, e oito filhos. Quatro do
primeiro casamento e cinco do segundo, sendo Augusto Alves de Abreu falecido. Não
encontramos muitas informações sobre a profissão desse sujeito. Oscar Damião afirma
que este era dono de tipografia e que foi proprietário do jornal O Comercial45. Foi
comandante da 43º brigada de Feira de Santana, teria lutado na guerra do Paraguai
(1865) e em Canudos (1896 a 1897) 46.
Foi Conselheiro Municipal (1904-1908) e por uma jogada política em 1908,
assumiu o cargo de intendente na cidade, permanecendo até 1912. Após essa data, todas
as notícias vinculadas a ele foram de comparações a figuras como Lucas da Feira47 e a
degradação da sua imagem por parte de seus adversários políticos. Sabemos que em
1905 circulou na cidade um periódico chamado A República, de que era o dono seu
43 Processo-cível. Estante 02, caixa 32, documento 352. Inventário. CEDOC/UEFS 44 João Mendes da Costa aparece enquanto amigo intimo deste sujeito. Fazendeiro e comerciante foi conselheiro municipal, chefe do Partido Republicano Conservador (PRC) local e foi prefeito nomeado em 1931. 45
ALMEIDA, Oscar Damião. Dicionário Personativo, histórico e geográfico de Feira de Santana. Feira de Santana. P. 153. 46 Jornal O Município, 08 de março de 1908, p.02. Abdon Alves de Abreu, MCS. 47 Lucas Evangelista mais conhecido como Lucas da Feira, foi um escravo, considerado um cangaceiro, fugido que foi acusado de vários furtos na cidade e que foi enforcado no século XIX. A imagem em torno desse sujeito é que este teve uma vida associada ao crime. Porém hoje há historiadores que entendem que esse lutou e resistiu à escravidão. Em matéria no jornal Folha do Norte, em 1914, foi feita uma comparação entre esses dois homens, considerando-os bandoleiros, desordeiros, que envergonhavam a história da cidade. E que além do roubo, teriam em comum os vícios da jogatina. Ver Folha do Norte, 05 de maio de 1914, MCS. Lucas e Abdon.
30
genro, que em suas páginas, buscava criticar os políticos que eram oposição a Abdon
Alves, além de buscar legitimar atitudes políticas desse sujeito. Percebemos, em seu
inventário, que Abdon não tinha muitas posses, além de uma chácara, uma velha casa,
uma roça e uma mula48. E que seus quatro filhos mais velhos abriram mão de suas
partes na herança para deixar aos seus irmãos mais novos. Encontramos recibo de várias
dívidas e promissórias em nome deste. Fica claro, então, que diferente dos outros
sujeitos políticos, o coronel Abdon Alves, não foi um abastado, e, este fato certamente
influenciou sua luta por alcançar o poder e se manter nele.
Havias as famílias: Cerqueira, Boaventura, Almeida, Carneiro, mas trabalhamos
para além dessas, por que englobamos sujeitos que em nosso recorte se destacaram no
cenário político. Tertuliano Carneiro, padre (conhecido como padre Bebeto) e cônego
na cidade de Feira de Santana foi um dos homens que conciliou na sua trajetória de vida
a política e a religião. Segundo Boaventura, esse Monsenhor exerceu diversas vezes o
cargo no Conselho Municipal (sendo presidente deste em 1925) e tinha o hábito de usar
a insígnia de Cônego nas posses desse conselho49. Manteve, além das relações políticas
e religiosas, relações sociais com boa parte da sociedade feirense, exemplo disso nos
ressaltou Boaventura a afirmar que este era seu padrinho de crisma.
Outro nome que se destacou nas relações políticas e econômicas de Feira de
Santana foi o coronel Tertuliano de Almeida, importante fazendeiro, exportador de
fumo, que atuou como conselheiro municipal por 12 anos ininterruptos (1916-1928) e
foi membro da Filarmônica Vitória (presidente desta em 1913-1914) e das comissões da
festa de Nossa Senhora Santana. Segundo Antônio Lajedinho, era pai de Guilhermina
de Almeida Motta, segunda esposa de Agostinho Froés da Motta50. Agostinho Froés da
Motta contraiu núpcias com ela em 1920, porém já possuía com a mesma um filho,
chamado Alberto Froés da Motta, o que leva a supor que esse coronel mantivesse
relações extraconjugais, nesse caso com uma das filhas de um dos importantes sujeitos
da cidade. Fica evidente que as relações sociais estavam para além das relações
econômicas e políticas no cotidiano de Feira de Santana.
48
Processo-cível. Estante 02, caixa 32, documento 352. Inventário. CEDOC/UEFS 49BOAVENTURA, Eurico Alves. A paisagem urbana e o homem: memórias de Feira de Santana: UEFS Editora, 2006. P. 25. 50 LAJEDINHO, Antonio do. A feira na década de 30. Feira de Santana, 2004. P. 87.
31
Agora nos detemos num dos mais importantes sujeitos de nossa pesquisa e sua
conturbada família. O já citado coronel Agostinho Froés da Motta foi um dos homens
mais ricos de seu tempo51. Foi casado em primeiras núpcias com Marximiniana de
Alves Motta e teve os filhos: Albertina de Motta Barreto, Arthur Froés da Motta,
Amália da Motta, Augusto Froés da Motta, Eduardo Froés da Motta e Adalgisa Motta52.
E em segundas núpcias com Guilhermina de Almeida com quem já tinha Alberto de
Almeida Motta.
O patrimônio avaliado desse sujeito era imenso. Casas de aluguel, imóveis,
fazendas, terrenos, cabeças de gado, carros, máquinas, promissórias de empréstimos
para receber, obras de artes, entre outros. Para se ter idéia da dimensão da riqueza de
Agostinho, ressaltamos que esse sujeito criou um banco para cobrar e receber os
aluguéis de suas propriedades. Nos processos-crimes e cíveis pesquisados encontramos
a figura deste homem cobrando empréstimos, promissórias, pagamentos atrasados,
devolução de produtos roubados por funcionários, entre outros.
Não sabemos de fato a origem de Agostinho Froés da Motta. Em seu testamento ele
afirmar ser de Feira de Santana53. O que se sabe é que em 1878, com 22 anos, ele abriu
sua primeira firma na cidade destinada à venda de frios, couros, gêneros alimentícios,
fumo e outros produtos.54 A partir de então, Agostinho se tornou um importante
comerciante e negociante em Feira de Santana, em especial no negócio do fumo55.
Atuou, também, como gerente do Banco do Brasil na cidade56, como membro da
sociedade de pequenos agricultores e da Sociedade Monte Pio dos Artistas Feirenses.
Seu filho, Eduardo Froés da Motta em entrevista dada à revista Panorama ao ser
perguntado sobre a origem de seu pai, salientou que ele era “um homem que começou a
51 Para saber a trajetória de Agostinho Froés da Motta, ver REIS, Wagner Alves. Agostinho Froés da Motta: trajetórias e conquistas de um “homem de cor” (1856-1922). Feira de Santana: UEFS, dissertação em história, 2012. 52 Processo-cível. Estante 06, caixa 166, documento 2573. Testamento de Agostinho Froés da Motta. CEDOC, estante 06, caixa 175, documento 2887. Inventário. CEDOC/UEFS 53
“Declaro que sou natural desta cidade de Feira de Sant’Anna do Estado da Bahia e que meus pais já são falecidos.”. Processo-cível. Estante 06, caixa 166, documento 2573. Testamento de Agostinho Froés da Motta. CEDOC, estante 06, caixa 175, documento 2887. Inventário. CEDOC/UEFS. 54
REIS, Wagner Alves. Agostinho Fróes da Motta: Comércio, Política e Questões Raciais na Princesa do Sertão (1900-1922).Monografia de Especialização. UEFS, 2008. p. 39 55 Freire destaca que a produção de fumo em Feira de Santana continuou a representar uma grande fonte de receita para o município até o final do século XX. Ver FREIRE, Luiz Cleber Moraes. Nem tanto mar, nem tanta à terra: Agropecuária, escravidão e riqueza em Feira de Santana, 1850-1888. Feira de Santana: UEFS editora, 2011. P. 78. 56 Jornal Folha do Norte, 15 de outubro de 1910, Agência do Banco do Brasil. MCS.
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vida muito simples, pobre. Ele era marceneiro. Eu ainda tenho a mobília que ele fez,
está aqui comigo, na casa de Agostinho e o nosso nicho está aqui em nossa capela” 57·.
Além de Eduardo, Lajedinho afirma que antes de abrir sua primeira firma, Agostinho
trabalhou como marceneiro para um casal português em Feira de Santana. E Boaventura
destacou que esse artífice, que depois seria coronel, fez a mobília de jacarandá de José
Freire, “confeccionada por um modesto tabaréu, marceneiro anônimo, que, depois,
chegou a coronel, chefe político de real expressão, intendente” 58. Não podemos
confirmar esta hipótese, mas encontramos essas três referências que afirmam ter sido
este coronel um marceneiro.
Ao analisar e identificar as estratégias utilizadas por Agostinho Froés da Motta a
fim de atingir seus desejos de ascensão econômica e prestígio social, Wagner Reis
destacou que esse coronel em seu percurso de vida foi um comerciante astuto e um
político experiente que soube se beneficiar das vantagens que sua múltipla atuação lhe
proporcionou59. Salienta, ainda, que Agostinho era um coronel de ascendência negra e
escrava. Além de cargos políticos como Intendente Municipal, Conselheiro Municipal,
esse coronel acumulou diversas funções como a de: Provedor da Santa Casa de
Misericórdia60, gerente do Banco do Brasil, presidente da Sociedade 25 de março e
presidente do Monte Pio dos Artistas Feirense.
O patrimônio acumulado durante a vida deste coronel é um dos maiores do Estado
no período de nosso estudo. Dois anos antes de falecer, escreveu de próprio punho um
testamento, estabelecendo seus herdeiros e a divisão de seus bens de acordo com sua
vontade. Em uma das cláusulas do seu testamento, este deixa 10 contos de reis para a
compra de um terreno no cemitério piedade para construção de um mausoléu. Justificou
a construção deste:
18ª: Deixo 10 contos de reis para construção de um mausoléu e compra de terreno perpetuo tanto quanto seja preciso, ao lado esquerdo do cemitério, cujo mausoléu servirá a mim e a meus descendentes até a 3ª geração. Esta disposição não tem por fim a vaidade ou ostentação faço- a apenas para decoração do cemitério de
57 Revista Panorama de Feira de Santana, N° 1, 9 de setembro de 1983. MCS. 58
BOAVENTURA, Eurico Alves. A paisagem urbana e o homem: memórias de Feira de Santana: UEFS Editora, 2006. P. 109. 59
REIS, Wagner Alves. Agostinho Froés da Motta: trajetórias e conquistas de um “homem de cor” (1856-1922). Feira de Santana: UEFS, dissertação em história, 2012. P. 86. 60
Jornal O Progresso, 07 de julho de 1907. O Novo Provedor da Santa Casa. MCS.
33
minha terra, e para lembrar a meus filhos que tudo isto fizeram o producto do meu trabalho durante a vida61. (sic)
A construção desse mausoléu, deixa explicita a necessidade desse sujeito em
perpetuar a memória sua e de sua família na cidade. Não apenas essa construção, mas a
do seu palacete (a maior residência da cidade) construído na Praça General Argolo, hoje
denominada Praça Froés da Motta. Houve um intento de deixar a sua marca de
progresso e civilidade impressa na sua cidade. Além disso, buscou perpetuar sua
imagem de benfeitor, doando valores para todas as sociedades e instituições em que
participou como membro e até algumas com quais não teve contato. Assim a Santa Casa
de Misericórdia, A Monte Pio dos Artistas Feirenses, Asilo Nossa Senhora de Lourdes,
As filarmônicas 25 de março e Vitória, os pobres, órfãos e viúvas foram beneficiados no
seu testamento62.
Porém a trajetória de Agostinho e de sua família, também, foi marcada por
conflitos internos. Por mais que pregasse os bons costumes e civilidade, algumas
divergências e posturas controversas fizeram parte da família. Em 1906, Agostinho
Froés da Motta e sua esposa Maximiniana Motta entraram com um processo de
deserdamento da sua filha Amália Motta. Justificaram tal ato, dizendo que esta se casou
sem o consentimento deles, sendo menor de 21 anos. O mesmo enfatiza em seu
testamento que esta filha estaria fora da divisão dos bens, porém em processo judicial a
mesma consegue receber sua parte na herança. O casamento sem o consentimento
paterno, de certo, colocou em questão a moral da família Fróes da Motta, o que exigiu
do patriarca uma solução à altura da sua indignação e do constrangimento perante a
sociedade.
Ao deserdar sua filha perante a justiça e excluí-la da partilha dos seus bens,
Agostinho Froés da Motta justificou esse ato por não ter consentido o matrimônio, mas
a questão envolvia outros fatores. A relação entre este e seu genro, Adelardo Galdino de
Carvalho, não era a mais amistosa, inclusive havendo um processo desse coronel contra
a mãe desse sujeito, cobrando o pagamento de uma promissória que ela devia. O
processo causou inimizade entre as famílias, o que levou o coronel romper suas relações
61 Testamento Agostinho Froés da Motta: Estante 06, caixa 166, documento 2573, CEDOC/UEFS. 62
Testamento Agostinho Froés da Motta: Estante 06, caixa 166, documento 2573, CEDOC/UEFS.
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pessoais com sua própria filha. Além da postura de Agostinho perante o comportamento
de sua filha e da repercussão que isso poderia gerar, podemos perceber que suas
contendas eram resolvidas também usando os meios judiciais.
Entre os processos que envolvem membros dessa família, temos o processo-crime
contra um de seus filhos, o Capitão Arthur Froés da Motta. Esse foi acusado de tentativa
de assassinato, no mesmo dia da morte de seu pai em 22 de março de 1922, que o levou
a ser preso em flagrante. Ao deferir um tiro em sua esposa Almerinda Motta, o mesmo
se defendeu no seu processo com o argumento de defesa da honra, já que garantiu que
sua esposa mantinha relações ilícitas com o médico cuidador de seu pai, o Dr. Auto
Reis63. Aline Laurindo ao se dedicar à análise desse processo, afirmou que “ao capitão
Augusto Fróes da Motta, autor do disparo que feriu a sua mulher foi dedicado por toda
sociedade uma clemência e um sentimento de solidariedade inestimável” 64. O médico
agredido e a esposa ferida na sua honra e no seu corpo foram atirados ao desprezo
público e à imoralidade, “pois desonraram a nobre família Fróes da Motta e por
extensão a elite feirense” 65. Assim apesar de ter ido a julgamento, o mesmo conseguiu
ter sua pena amenizada, seja pelo prestígio que sua família carregava, seja pelas normas
que consideravam o crime de adultério culpa das esposas e logo a elas estavam
relegadas o papel de censura, mesmo que fossem as vítimas.
Assim os meios judiciais foram parte da estratégia utilizada por esse coronel na
resolução de seus casos. Após a sua morte, houve uma disputa por parte de seus filhos
sobre a herança. Coube a Eduardo Froés da Motta, enquanto inventariante, administrar e
fazer os desejos deixados escritos no testamento de Agostinho. Porém esse foi acusado
pelos seus irmãos em vários momentos durante o inventário de querer prejudicá-los e se
apoderar da fortuna do pai. As relações entre Eduardo e seu pai e a herança política
deixada por este ao seu filho serão um dos temas de nosso terceiro capítulo.
Parceiro político de Agostinho Froés da Motta, o coronel Bernardino Bahia, era
natural de Salvador, filho de Francisca Alves A. Bahia e Bernardino da Silva Bahia, que
era comerciante de gado na capital. Não sabemos exatamente quando este fixou
63
Processo crime Nº 2431. E-5,CX-121. CEDOC-UEFS. 64
LAURINDO, Aline. A nova ordem republicana em Feira de Santana e a família Fróes da Motta (1878-1922). Monografia em história, UEFS: 2012. P. 51. 65
Idem. P. 51.
35
residência em Feira de Santana, mas desde o início do século XX, Bernardino foi se
destacando como importante comerciante de gado. Enquanto atuava em Feira de
Santana no comércio de gado, seu irmão Francisco Amado da Silva Bahia atuava na
capital como seu sócio. Bernardino Bahia possuía diversas fazendas nos distritos e nos
arredores de Feira de Santana, como São Gonçalo dos Campos, Monte Alegre, Baixa
Grande, Mundo Novo e Jacobina 66. Foi durante as três primeiras décadas do século
XX, um dos políticos de destaque e mais ricos da cidade.
Constituiu família em Feira de Santana. Do primeiro casamento com Maria
Berenisa de Barros Bahia (falecida em 1902) teve os seguintes filhos: Adélia Bahia,
Berenisa Bahia Silva, José Jerônimo de Barros Bahia e Rita Bahia Saback de Oliveira.
E do segundo casamento com Luisa Rubinos Bahia teve apenas Carlos Arthur Bahia.
Bernardino Bahia faleceu com 61 anos, em 11 de outubro de 1931, na cidade de Feira
de Santana. Participou ativamente das atividades políticas e sociais dessa cidade, até o
seu falecimento. Dos seus filhos, destacou-se no cenário político apenas Carlos Bahia
que foi pecuarista, líder político que pertenceu a União Democrática Nacional (UDN) e
candidatou-se duas vezes a prefeito (1947 e 1950), sendo derrotado em ambas as
oportunidades67.
Chamou-nos atenção no testamento deste coronel, a terceira cláusula em que
frisou que as suas filhas herdeiras casadas tinham a livre administração da sua parte no
espólio68. Quebrava, assim, as regras da sociedade da época em que as mulheres eram
representadas por seus maridos e a estes cabia receber e administrar heranças por elas
recebidas. Também como Agostinho Froés da Motta, Bernardino Bahia deixou um
testamento esclarecendo como queria que fossem divididos seus bens. Além de
beneficiar irmãos e sobrinhos, ele deixou doações aos pobres e à Sociedade 25 de
março, bem como uma quantia para a compra do sino da Igreja Senhor dos Passos. Na
décima quarta cláusula do seu testamento, negou-se a dar além de um valor estipulado
qualquer valor a mais a sua filha Rita Bahia por considerar que seu marido a quem ela
era solidária já havia lhe causado muitos prejuízos nos negócios69. Não deserdava essa
66 Seção de Justiça e Inventários. Inventários de Bernardino Bahia, Cx: 2702 Doc. 05. APEB. 67
ALMEIDA, Oscar Damião. Dicionário Personativo, histórico e geográfico de Feira de Santana. Feira de Santana. 68 Seção de Justiça e Inventários. Testamento de Bernardino Bahia, Cx: 2701, Doc. 05. APEB 69 Seção de Justiça e Inventários, testamento de Bernardino Bahia, Cx: 2701, Doc: 05. APEB.
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filha por conta dos seus netos, mas limitava a sua herança em um valor muito abaixo do
que seus outros irmãos receberam. No momento em que membros de suas famílias
praticaram atos que eram considerados contrários à boa conduta, como casar sem
autorização dos pais, ou quando um dos genros dava prejuízo aos negócios, esses
homens podiam romper laços familiares, seja por interesses econômicos ou por
rivalidades.
Na sua carreira política, o coronel Bernardino Bahia assumiu por diversas
ocasiões o Conselho Municipal e foi intendente por duas vezes (1912-1915/1920-1923),
todas sempre assumindo esses cargos políticos como filiado ao PRB. Foi provedor da
Santa Casa de Misericórdia (1919-1921) e fez parte da direção da sociedade 25 de
março, do Asilo Nossa Senhora de Lourdes, da Monte Pio dos Artistas Feirenses, da
organização da festa a Nossa Senhora Santana, acionista da Companhia de
Melhoramentos e foi um dos coordenadores da construção da nova Igreja Senhor dos
Passos. Introduziu ao meio político em meados da década de 20, seu genro Arnold
Ferreira da Silva.
Arnold Ferreira da Silva aparece desde muito jovem em nossas pesquisas. Com
apenas 14 anos de idade trabalhou como jornalista no jornal Folha do Norte, desde a
sua fundação em setembro de 1909, tornando-se seu proprietário no ano de 1922. Em
1927, tornou-se o chefe do diretório local do novo Partido Republicano da Bahia (PRB).
Foi Intendente Municipal (1924-1928) e prefeito de Feira de Santana (1959-1962). Foi
orador da Monte Pio dos Artistas Feirense70, membro da sociedade 25 de março e
presidente da Sociedade Filarmônica Euterpe Feirense. Importante negociante de leite
da cidade, Arnold Ferreira da Silva galgou sua carreira política através do apoio do seu
sogro Bernardino Bahia. Vale ressaltar que foi genro duas vezes desse coronel, casando
com duas de suas filhas. A importância das relações entre Bernardino e Arnold Silva,
sua herança política e o capital simbólico nas relações de poder em Feira de Santana é
tema trabalhado no terceiro capítulo deste trabalho.
Os sujeitos políticos aqui analisados faziam parte, portanto, da classe dominante
feirense que enquanto direcionadores da sociedade estabeleciam regras de conduta e
buscaram moldar as formas de viver de acordo com suas visões de mundo, criticando
70 Jornal Folha do Norte, 07 de julho de 1927. Sociedade Monte Pio. MCS.
37
severamente, reprimindo e criando estigmas aos que eram considerados destoantes
desse padrão. Uma das formas utilizadas por eles para imprimir e disputar a sociedade
foram os jornais. E é sobre o papel dos jornais na sociedade feirense que discutiremos
mais adiante.
1.2.1 “A classe comercial feirense”: analisando a criação a Guarda Noturna Comercial.
Analisamos aqui o momento em que os comerciantes feirenses se uniram com
objetivo de proteger seus interesses econômicos. Para tal escolhemos analisar a criação
da Guarda Noturna Comercial, alternativa encontrada por estes sujeitos para aumentar a
vigilância no centro da cidade das lojas comerciais, mantendo assim preservados seus
negócios.
A Guarda Noturna Comercial foi criada no ano de 1913. Vimos com Poppino
que, devido ao aumento de assaltos as casas comerciais em Feira de Santana, os
comerciantes se reuniram e decidiram criar essa Guarda para fazer a segurança durante
a noite no centro da cidade, região em que se encontrava a maior dos estabelecimentos.
Nesse ano foram noticiados no jornal Folha do Norte alguns assaltos em lojas de
importantes comerciantes. Em 9 de fevereiro de 1913, esse periódico publicou o artigo
intitulado Roubos:
Em noite do dia 4 do corrente foi arrombado o armazém de enfardamento de fumo do srs. Motta e Cª... , sito a praça 15 de novembro, nesta cidade. Do exame a que procedeu o subdelegado de policia, verificou-se que os ladrões conseguiram, por grande esforço, quebrar, de fora para dentro, o cadeado da tranca da porta principal do dito armazém. (...) Na mesma noite penetraram os refinados gatunos, provavelmente os mesmos, no armazém de enfardar fumo do Sr. Manoel Portugal, no fim da praça 15 de novembro. Houve violência de fora para dentro, pois quebraram o cadeado da tranca de ferro e a fechadura de trincos. Não é a primeira vez que os gatunos dão assalto no armazém de Portugal. O subdelegado prossegue no inquérito71.
71 Jornal Folha do Norte, 9 de fevereiro de 1913, p.01 Roubos. MCS.
38
Uma semana após essa notícia ser publicada, outra narra o assalto à loja do
comerciante Epiphanio José de Souza, também negociante de fumo. A cada notícia de
assalto publicada, o jornal enfatizava o prejuízo dos comerciantes e a falta de segurança
por parte da polícia. Após mais alguns roubos, o delegado de polícia em entrevista a
Folha do Norte, destacou que o destacamento policial da cidade resumia-se a quatro
praças, um sargento e um cabo, não dando conta da demanda. Sugeriu que “devido ao
número reduzido, alimentava o desejo de, a exemplo do que se tem feito em outras
partes, criar, com auxilio do comércio, uma guarda noturna.” 72 Com a sugestão dada
pelo então delegado, foi convocada uma reunião com os comerciantes para criar a
Guarda Noturna Comercial. O título da nota publicada no jornal Folha do Norte era:
“Guarda Noturna- reunião da classe comercial” 73, deixando evidente qual seria o teor e
a necessidade da criação de mais um aparato que protegesse o patrimônio dos
comerciantes feirenses.
Reuniram-se em 03 de agosto os principais comerciantes de Feira de Santana, a
fim de fundar a Guarda Noturna. Elegeu-se uma diretoria composta por presidente
(Leolindo Ramos), secretário (João Regis Martins) e tesoureiro (Alfredo de Castro) e
estabeleceu os valores mensais que seriam pagos por cada comerciante. Assim:
Que o comércio se constituía em sociedade com o fim único de manter uma guarda noturna destinada a garantir as casas comerciais contra a ação de larápios e malfeitores; que essa sociedade se comporia de quantos membros se inscrevesse; e que a contribuição para a manutenção da guarda seria mensal e feita a distribuição dos sócios em três classes. (...) Dentre de poucos dias, a cidade contará com a nova guarda. Não deixou de ser louvável a união de vistas e boa vontade com que agiu a nossa activa e laboriosa classe comercial74.
A Guarda seria financiada pelos comerciantes, porém as contribuições não
seriam iguais. A forma de contribuição foi dividida em três classes. Os comerciantes
que possuíssem de quatro a mais casas comerciais pagariam o valor mais alto. Exemplo
disso é que o coronel Agostinho Froés da Motta pagou 100$ réis. Já os que possuíam
duas ou três casas comerciais pagariam 50$ e apenas uma casa comercial, 20$. Na
72 Jornal Folha do Norte, 19 de julho de 1913. P. 01, Gatunos, MCS. 73 Jornal Folha do Norte, 27 de julho de 1913, P.01. Guarda noturna- reunião da classe comercial. MCS. 74 Jornal Folha do Norte, 09 de agosto de 1913. P.01. Guarda Noturna do Comércio. MCS.
39
primeira reunião mais de cinqüenta comerciantes se associaram a essa Guarda Noturna.
Também podemos notar como o jornal trata de felicitar e elogiar a “classe comercial
feirense” pela criação da Guarda Noturna, tratando-a sempre como laboriosa e ativa.
Novamente os interesses econômicos fizeram com que esses homens de negócios se
unissem em prol da defesa de suas propriedades. Essa Guarda funcionou até o ano de
1930.
Feira de Santana não foi à única cidade a criar uma Guarda para proteger o
comércio local. Além da fundação dessa guarda, que buscou proteger os interesses
econômicos nessa cidade, houve por mais de uma vez em nossa pesquisa, a união dos
comerciantes e negociantes feirense em busca de estratégias e alternativas para proteger
seus interesses. Estes se uniram para reivindicar a diminuição dos impostos ou mesmo
boicotar o pagamento destes quando quem estava no poder não os agradava. Esse
boicote e as reivindicações serão focados em nossos próximos capítulos.
1.3 Imprensa local: os periódicos e seu papel na cidade.
As questões que orientam o presente subtópico se relacionam diretamente sobre
os periódicos em Feira de Santana. Discutimos os jornais em si e como era a imprensa
nesta cidade no início do século XX. Atentamos para a importância do uso desses
veículos de comunicação como instrumentos de disputa política. Assim as descrições
produzidas pelos jornais, mais do que uma fotografia da sociedade feirense, traduziam
uma vontade de poder. Buscamos evidenciar as relações de poder, nos focando a partir
do uso da imprensa como uma das diretrizes de apoio dos políticos no contexto da
“República Velha”.
Sobre o papel da imprensa ao longo da história, Oliveira afirma que:
A imprensa brasileira tem se colocado, ao longo de sua história, diante do papel primordial de elaborar sentidos para o conjunto da sociedade, nomeando as estruturas sociais e silenciando sobre referências que não interessam ao discurso dominante75.
75OLIVEIRA Clovis Frederico Ramaiana Moraes. Do empório a Princesa do Sertão: utopias civilizadoras em Feira de Santana (1893-1937). Dissertação, Salvador: UFBA, 2000. P. 57.
40
Com o advento da República os jornais foram importantes mecanismos de
defesa de grupos políticos, bem como instrumentos de difusão de ideais defendidos, em
especial referentes às mudanças que se desejavam operar no país. Muitas delas estavam
direcionadas a uma ruptura com qualquer ligação que se remetesse à estrutura colonial
arcaica. Oliveira ressalvou que, sobre a construção de novos modelos de urbanidade,
“tiveram como caixa de ressonância os jornais e os órgãos do poder público,
instrumentos construtores de modelos de comportamentos supostamente mais
adequados ao viver de uma cidade adiantada” 76. Em Feira de Santana, os jornais que
circularam no nosso período também apresentavam essas características e foram palcos
de defesas e ataques políticos e de justificação de modelos que se almejavam para a
cidade.
Como afirma Kátia Silva, historicamente existiu uma intencionalidade na
fundação dos jornais. “Investimentos de iniciativa privada, eles foram fundados por
pessoas de prestígio econômico e político, com a finalidade de reforçar projetos e
disputar espaços no poder público” 77. As matérias, as definições e como ressalta Clóvis
Oliveira os silenciamentos tinham uma intenção por parte de quem os escrevia e
daqueles a quem representavam78. Na esfera política estes veículos de comunicação se
colocam como construtores da política, evidenciando os sujeitos políticos que bem lhes
interessam e silenciando os que não lhe convêm.
O primeiro jornal que circulou em Feira de Santana foi criado ainda no período
imperial, O Feirense, fundado no ano de 1866. Em nosso período de estudo circularam
neste município os seguintes periódicos: O Propulsor, O Progresso, O Município, A
República e a Folha do Norte. E é estes que nos deteremos agora79.
Comecemos pelo jornal A República. Não tivemos acesso diretamente a este
periódico, porém sabemos que circulou como um jornal de oposição à gestão do
governo municipal de Tito Ruy Bacelar (1904-1907). Foi fundado nos meses finais do
ano de 1905. O jornal A República pertencia a Requião, genro do coronel Abdon Alves 76 Idem, p. 17. 77SILVA, Kátia Maria de Carvalho. O diário do Bahia e o século XIX. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro: 1979. P. 54. 78OLIVEIRA Clovis Frederico Ramaiana Moraes. Do empório a Princesa do Sertão... op. cit P. 61. 79 Também circulou entre 1919 a 1921 o jornal O Feirense, com a mesma titulação do primeiro que circulou na cidade, mas que não era o mesmo. Porém como não tivemos acesso diretamente a este veículo de comunicação não nos deteremos sobre ele aqui. O que sabemos sobre este foi a partir de informações de Oliveira que nos informa que era de propriedade de Almiro Pinheiro que também acumulou a função de redator e que circulou apenas por três anos em Feira de Santana.
41
de Abreu. Além de proprietário, Requião assumiu nesse periódico, ao mesmo tempo, a
direção e edição-chefe.
Em notícia datada de 29 de abril de 1906, O Progresso apresentou na primeira
página a notícia de que A República tinha parado de circular em Feira de Santana. A
matéria intitulada de Arrebentou de raiva destacou que:
E tal acervo de benefícios fica para ahi, desperdiçado, como ficaram infrutíferos esses 21 números de pasquim, esse glossário de epítetos, editado pelos srs. Abdon e Requião. Feira comemora, liberta da apreensão que a audácia monstruosa dos pampheletarios fazia pesar sobre todos os espíritos. Descansa em paz infeliz pantera, e que a hygiene publica arrume á tua cova muita lenha com água-raz para extermínio dos micróbios que empresaram por vinte e uma semanas o ambiente puro das habitações moralisadas 80. (sic)
Podemos observar que a fundação desse jornal esteve atrelada ao objetivo de
atingir o governo municipal e seus correligionários. Também de acordo com O
Progresso, esse veículo de comunicação tinha duas páginas de propagandas comerciais,
imprimia 2.500 exemplares e tinha 1.500 assinantes por semestre. “Mas que não logrou
por inventar mentiras sobre o intendente” 81. Não podemos afirmar qual o motivo da
interrupção da circulação desse semanário, se por questões financeiras e falta de
assinantes ou por boicote político. O certo é que já existia uma desavença entre alguns
sujeitos políticos em Feira de Santana, apesar de todos estarem afiliados ao Partido
Republicano da Bahia que, em 1906, era chefiado por Severino Vieira e José Marcelino,
e que as páginas dos jornais foram palco dessa disputa. O jornal A República foi
utilizado por Abdon Alves para questionar a conduta do então Intendente Municipal,
que tinha por sua vez o jornal O Progresso como porta-voz da sua gestão.
O jornal O Progresso esteve ligado ao grupo chefiado pelo coronel Tito Ruy
Bacelar e foi fundado em dois de junho de 1900, circulando até o ano de 1909. Seu
proprietário era Alexandre da Silva Ribeiro e seu redator chefe era Miguel Ribeiro de
Oliveira, prováveis familiares a julgar pelos sobrenomes. Em 1905, Miguel Ribeiro foi
nomeado promotor público da comarca de Feira de Santana pelo governador do Estado,
assumindo seu lugar como redator chefe o coronel Tito Ruy Bacelar, que além de ser o
80 Jornal O Progresso, 29 de abril de 1906, p.01 Arrebentou de raiva. MCS. 81 Idem.
42
Intendente Municipal, concorria naquele momento pelo PRB ao cargo de deputado
estadual. Ao assumir a direção deste jornal, informou que:
Assumindo a chefia redactorial do O’Progresso não tive outro escopo se não continuar na defesa do Partido Republicano a que desde muito nos todos pertencemos com o maior devotamento e lealdade, pugnando pelos interesses deste florescente município, e prestando o nosso franco apoio ao benemérito Governo do Estado. No campo trevoso da calunia e da ambição sempre insaciável, surgiu a barraca dos operários do mal, estes, infelizmente em numero limitado, arvorando um falso pavilhão de combate, com a pretensão de chegar á culminância do poder local, como se pela escada apodrecida da exploração torpe do Governador do Estado. Para a defesa desses assaltos ao nosso pujante partido é que tomei nos meus ombros essa tarefa superior82. (sic)
“Os operários do mal” a que se referiu o coronel seria o grupo liderado pelo
Conselheiro Municipal Abdon Alves de Abreu, que rompeu com o PRB local,
declarando juntamente com seu genro Requião (dono do jornal A República) oposição
ao governo municipal. Declaradamente O Progresso tinha estreita ligação com o poder
municipal e estava aliado ao grupo dos “severinistas” e ao PRB. Também não sabemos
especificamente por que esse periódico parou de circular em 1909, mas esse foi o
mesmo ano em que surgiu o jornal a Folha do Norte. Afirmamos que esse último seria
uma continuação da corrente do grupo de Tito Ruy, uma vez que reivindicavam os
mesmos ideais e seguiam a mesma linha de discurso que o jornal O Progresso, além do
proprietário ser o mesmo coronel Tito Ruy Bacelar.
Fundado em outubro de 1895, o jornal O Propulsor tinha como proprietário
Demétrio Ignácio de Araújo e durante sua trajetória na cidade oscilou em suas posições
políticas. Além de proprietário, Demétrio, também, era redator juntamente com
Tranquino Dias. Era o típico periódico que apoiava a quem estava no comando, porém
alfinetando às vezes alguma esfera de poder. Oliveira ressalta que apenas por alguns
momentos este jornal serviu de instrumento de oposição, em especial, antes da
circulação do jornal O Município83. Durante treze anos, esse veículo de comunicação
circulou em Feira de Santana. No ano de 1909, encerrou suas publicações na cidade,
passando a atuar na cidade de São Felix, onde circulou durante todo resto da Primeira
República.
82 Jornal O Progresso, 3 de dezembro de 1905, p.01 O nosso periódico. Ano V. MCS. 83OLIVEIRA Clovis Frederico Ramaiana Moraes. Do empório a Princesa do Sertão: utopias civilizadoras em Feira de Santana (1893-1937). Dissertação, Salvador: UFBA, 2000. P. 63.
43
A fundação dos jornais O Município e a Folha do Norte estiveram atrelados à
disputa política entre dois grupos políticos divergentes. De um lado novamente o
coronel Tito Ruy e do outro o coronel Abdon Alves de Abreu. O jornal O Município foi
criado em 1908, ano em que o coronel Abdon Alves de Abreu assumiu o poder
municipal feirense e circulou até fins de 1911, ano em que o mesmo deixou a chefia da
intendência municipal84. O Município pregava a “defesa dos interesses do município, do
comércio e da lavoura” 85. Já a Folha do Norte foi criada em 17 de setembro de 1909,
também como resultado dessa disputa política, para fazer frente ao O Município e ser
um aparelho de ataque ao governo municipal. Com 104 anos de circulação, a Folha do
Norte vem sendo uma das principais fontes para os historiadores que pesquisam sobre a
história de Feira de Santana.
Oliveira destacou que desde seu aparecimento, o jornal Folha do Norte circulou
semanalmente, exceto por duas fases em que esteve impedido de circular, “uma em
função de divergências com a dona da oficina e a outra por causa de um incêndio
criminoso na sua redação em 1911” 86. Como já mencionamos, o proprietário desse
periódico era o coronel Tito Ruy Bacelar, chefe político do PRB local. Posteriormente,
passou a pertencer aos irmãos Silva87. No aniversário do 18ª ano, o jornal assim
apresenta a sua história:
A Folha do Norte foi criada sem alardes, modesta, mas resoluta, decidida a propugnar sempre pelo engrandecimento, pela prosperidade, e pelos créditos da terra bem amada. Alentavam-na a experiência de seu fundador e dirigente o saudoso Tito Ruy Bacellar, a inteligência robustecida pelo estudo do jovem Arnold Silva e a clarividência de João Carneiro Vital. Essa tríade intelectual feirense, já afeita a testilha das letras e conhecedora das dificuldades com que arca o jornalismo no interior para viver e triunfar não vacilou, no entanto, em meter ombros a empresa para defesa eficiente dos augustos ideais do torrão pátrio88.
84Entre os anos de 1892 a 1895 circulou na cidade um jornal também intitulado de O Município de propriedade de Miguel Ribeiro, porém esse não tinha nenhuma ligação com a criação do segundo O Município de 1908. Ver Oliveira, 2000. 85 Frase como subtítulo na primeira capa dos exemplares desse jornal. 86OLIVEIRA, Clovis Frederico Ramaiana Moraes. Do empório a Princesa do Sertão: utopias civilizadoras em Feira de Santana (1893-1937). Dissertação, Salvador: UFBA, 2000. P. 67. 87 No anexo III desse trabalho segue a foto dos irmãos Silva e dos funcionários desse jornal no ano de 1927. 88 Folha do Norte, 17 de setembro de 1927. P. 01: Dezoito anos de luta. MCS.
44
O redator desse artigo afirmou na comemoração do seu 18ª aniversário que o
objetivo da criação deste jornal esteve vinculado ao crescimento e engrandecimento da
cidade, superando as dificuldades de se ter um jornal no interior da cidade. O triunfo por
ele mencionado deveu-se ao fato deste periódico ter sido durante muito tempo o único
jornal que circulou em Feira de Santana. No final do ano de 1911, o jornal O Município
parou de circular na cidade e já em 1913 não houve mais oposição à Folha do Norte que
passou a ser o único periódico a circular semanalmente em Feira de Santana. Ser o
único jornal neste município favoreceu aos interesses do grupo a que este jornal estava
ligado.
Durante o período em que circularam concomitantemente a Folha do Norte e O
Município, os principais artigos publicados eram de ataques, criticas de um ao outro e a
defesa de seus periódicos. Para exemplificarmos o clima de tensão que envolveu esses
dois meios de comunicação destacamos abaixo uma dessas situações:
Mas a Folha do Norte julga que com isso, ficou o seu redactor-chefe cabalmente defendido e depois de nos dirigir novos insultos, que devolvemos, e de nos dar conselhos, que melhor deviam ser dados aos malandros, que, á cata de alguns nikeis, estão a rabiscar asneiras e descomposturas na sua gazeta, quer imitar o inocente Rabbi da Galiléia, “rogando ao Pai Celestial que perdoe o caluniador e opere o grande milagre da regeneração!”. Quanta hypocrisia! A Folha do Norte, no intuito de desviar a discussão sobre as responsabilidades do ex-intendente, seu jovem e mobilissimo risonho, caridoso e lealdoso redactor-chefe, recorreu ao reprovado expediente dos ataques pessoaes, como si isso fosse suficiente para nos fazer recuar89. (sic)
Todos aquelles que leram o artigo dirigido ao nosso redactor-chefe, publicado nas primeiras colunnas do O Município, asqueroso jornaleco que se diz órgão oficial ou oficioso dessa farrandula de gananciosos que se apresentam como administradores da Feira de Sant’Anna, com certeza estarão convencidos das calunias, das misérias, das infâmias, que foram titubiantemente lançadas e descritas pelo alludido jornaleco que serve de gurita aos vampiros da municipalidade!90 (sic)
89 Jornal O Município, 05de dezembro de 1909. Ainda indefeso. P. 01, ano II, nº 82. MCS 90 Jornal Folha do Norte, 11 de dezembro de 1909. Tirem as unhas, cortem os viscos. P. 01, ano 01, nº 13. MCS
45
Ambas as notícias estavam ligadas à antiga administração municipal de Tito Ruy
Bacelar. A acusação feita pelos redatores do jornal O Município era de que aquele
coronel não havia prestado contas do último ano de sua gestão, em 1907. O Município
acusou o ex-intendente de ter deixado vazios os cofres públicos e ainda não ter
apresentado o balancete anual de 1907 e do que teria sido feito com o valor do
empréstimo de 100$000:00 de réis, contraído pelo mesmo intendente. A Folha do Norte
por sua vez rebateu todas as acusações feitas por esse periódico e tratou de acusar e
ofender o jornal O Município, numa tentativa de descredibilizar as publicações feitas
por esse meio de comunicação. Trouxemos esses fragmentos para mostrar como era o
cenário de disputa utilizado pelos jornais, que além imprimir suas visões de mundo,
defendiam as posições políticas de seu grupo, atacando a oposição.
Com o fim do jornal O Município o caminho estava aberto para que a Folha do
Norte fincasse de vez sua posição. Atuando sozinho, a Folha do Norte podia apresentar-
se como voz da classe como um todo que, sendo a classe dominante fala, por sua vez,
pela cidade toda. Isso fica claro ao percebemos que a partir das gestões municipais dos
coronéis Bernardino Bahia (1912-1915/1920-1923) e Agostinho Fróes da Motta (1916-
1919) os ataques políticos cessaram. Passou-se a engrandecer as gestões desses sujeitos,
a propagar e defender os “melhoramentos” e as normas estabelecidas durante suas
administrações. Essa parceria se findou de vez quando este periódico tornou-se o órgão
oficial da Intendência da cidade, passando a publicar todas as notícias oficiais expedidas
pelo executivo municipal.
E por fim, circulou no ano de 1912 o jornal intitulado O Republicano. Seu
proprietário e também diretor era Manoel Falcão. Este jornal circulou apenas por um
ano e tivemos acesso apenas a uma parte de suas publicações. Ligado ao Partido
Republicano Conservador e ao seabrismo, defendeu a candidatura de Seabra ao governo
do estado e sua posse em 1912. Esse periódico parece ter sido a continuação do jornal O
Município, já que sua circulação parou justamente quando Abdon Alves teve que deixar
a intendência municipal, que passou a ser ocupada pelo coronel Bernardino Bahia.
Podemos ver sua vinculação ao seabrismo e a defesa desse chefe do PRC em noticias
como:
Não tem fundamento algum os boatos que os arruaceiros fizeram circular e haver o benemérito DR. SEABRA deixado o ministério. S.
46
exª continua, cercado de toda simpatia e prestigio do exmº Presidente da República. Todos os boatos são espalhados com o fim de arrefecer o entusiasmo do POVO DA BAHIA na eleição que, de acordo com a constituição de 2 de julho, se procederá em todo o Estado, no próximo domingo 28 do corrente, para o cargo de governador e em a qual, sahirá triumphante s. EX, queiram ou não os oligarcas. Não se illuda o Povo. Viva a República! Viva o Dr. Seabra91. (sic)
Vemos que o posicionamento do jornal é claramente de apoio à candidatura e à
vitoria de Seabra nas eleições governamentais. Suas páginas não tiveram acusações
explicitas, tensões e enfrentamentos como ocorreu entre os jornais O Progresso e A
República (entre 1905 e 1906) e entre O Município e a Folha do Norte (1909-1911), por
exemplo. Porém, também, teve uma intencionalidade em sua criação, que era demarcar
o seabrismo na cidade, já que a maioria dos representantes políticos de Feira de Santana
estavam associados ao Partido Republicano da Bahia. É preciso afirmar que Manoel
Falcão além de ser dono do jornal A República também era do jornal O Trabalho que
circulou na cidade vizinha, São Gonçalo dos Campos.
Fizemos o mapeamento da cidade de Feira de Santana nas primeiras décadas do
século XX, analisando os lugares, as famílias (sujeitos), os jornais e os espaços de
sociabilidades, passaremos agora às lutas políticas que constituem o centro da temática
da dissertação.
91 Jornal O Republicano, 28 de janeiro de 1912, p. 02. Nossos boletins, MCS.
47
CAPÍTULO II: POLÍTICA E ELEIÇÕES EM FEIRA DE SANTANA NA “PRIMEIRA REPÚBLICA”.
“(...) Vociferem, ornem, ladrem enfim os nossos desleais adversários, porque não cederemos as posições alcançadas pelos serviços reaes que temos
prestado ao partido, á grande causa da comunhão social.” 92 (Sic).
2.1 Quem participa do jogo político? Uma análise sobre o processo eleitoral na República Velha.
Aqui analisamos como se desenvolvia o processo eleitoral no Brasil no período
que foi denominado como “Primeira República”. Discutimos as relações entre o
governo da União, a política dos governadores e os municípios em um jogo político que
excluía a maioria da população do processo eleitoral e buscava fortalecer os grupos
economicamente favorecidos e as frações da classe dominante.
Em 1889 no Brasil ocorreu a mudança do regime monárquico para o republicano
e no ano 1891 foi instituída uma nova Constituição Nacional com suas instituições.
Definiu-se o federalismo, presidencialismo e a ampliação do regime representativo
como norma de organização do Estado. A “Primeira República” ou a “República Velha”
foi marcada por mudanças, tais como uma intensa urbanização, onde as capitais
brasileiras deveriam ser um espelho de uma civilidade e de um progresso pretendido por
grupos dominantes para o país. Foi também marcado por modificações políticas, como a
separação dos poderes: executivo e legislativo, implicando de forma direta no poder
local. Segundo Maria do Carmo Souza:
92 Diários de Notícias, setembro de 1910, p.01.
48
A imagem do Estado, à sua importância, seu controle político, foram os principais temas dos congressistas e juristas responsáveis pela elaboração da Carta Constitucional. Esta assegurava a cada Estado o direito de contrair empréstimos no exterior, decretar impostos de exportação, reger-se por suas próprias constituições, ter corpos militares próprios, bem como códigos eleitorais e judiciários 93.
A implantação da República acelerou a expansão do capitalismo, impelindo o
país a entrar no processo de industrialização, sobretudo valendo-se do fim das amarras
que o trabalho escravo e a centralização monárquica impunham à potencialização das
relações mercantis, mesmo considerando o predomínio de um grupo exportador no
bloco do poder. Era de interesse de grupos dominantes locais e regionais, tanto a
autonomia dos seus Estados quanto a liberdade para expandir os seus negócios,
oportunizando a emergência da República. Contudo, a classe dominante não era
homogênea, dividia-se em frações que buscavam repartir os privilégios e prioridades de
programas públicos para consolidar seus objetivos94.
Para Joaci Cunha, a autonomia dos Estados, tido como marca do federalismo
brasileiro, se impunha não exatamente por força do princípio constitucional em si, mas
pelos arranjos de poder que envolviam governantes, empresários e o judiciário95. A
Constituição de 1891 foi elaborada de forma que fortalecesse as relações de poder entre
os grupos dominantes. Nela, os arranjos políticos deveriam favorecê-los e, ao mesmo
tempo, dar-lhes liberdade para o desenvolvimento econômico. As relações políticas
estabeleciam-se pela lealdade e troca entre os grupos dos poderes federais, estaduais e
municipais.
A autonomia que os Estados ganharam com o regime federalista e
presidencialista, possibilitou mudanças na política em cada região do Brasil. Com o fim
da Monarquia, as disputas entre os modelos de república encaminharam-se no sentido
de produzir um arranjo que respeitasse as diferenças entre os grupos estaduais. Saiam de
cena as figuras centralizadoras do Imperador e seus gabinetes, e surgiam no teatro
político os agrupamentos provincianos de oligarcas. Consuelo Sampaio salienta que,
93SOUZA, Maria do Carmo Campello de Souza. O processo político partidário na Primeira República. In :Mota, C.G: Brasil em perspectiva. Editora: Bertrand Brasil S.A, 1987. P. 162. 94 Renato Perissinotto destaca que a classe dominante não é homogênea, monolítica e, consequentemente, livres de conflitos e oposições internas. Assim a classe dominante apresenta várias frações que a compõem, havendo dentro destas uma disputa pelo poder do Estado; esta fração se manifesta no nível político ou ideológico. Ver: PERISSINOTTO, Renato M. Classes dominantes e hegemonia na República Velha. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1994. 95
CUNHA, Joaci de Sousa. O fazer político da Bahia na republica velha 1906-1930. Salvador: tese em História,PPGH: UFBA, 2011. P. 68.
49
essa autonomia política dos Estados variou em função do seu poder econômico e em
função da capacidade de suas forças armadas96. Outros fatores, como seguir o jogo
político e obedecer às regras da política dos governadores possibilitavam uma maior ou
menor autonomia dos Estados.
A constituição de 1891, por esse caminho, concebeu os poderes Executivos e Legislativos como expressões da “vontade geral”, buscando um maior equilíbrio entre eles. Ao Legislativo, a Lei Maior atribuiu caráter de indissolubilidade e estendeu suas prerrogativas. Dentre essas incluiu o controle do orçamento federal, deliberar sobre a formação de banco de emissão, legislar sobre as forças armadas, criação de empregos públicos federais, e o mais importante, o direito exclusivo de verificar e reconhecer os poderes dos eleitos para função parlamentar97.
A autonomia e a posterior “política dos estados” ou “política dos governadores”,
foi determinante na estruturação político-partidária nesse período. Um aspecto crucial
foi a quase inexistência de partidos nacionais, predominando agrupamentos estaduais
com articulações eventuais. Essa forma de estruturação partidária conferia um enorme
poder às direções estaduais, reduzindo o jogo político à substituição dessas direções.
Apesar de terem acontecido algumas sucessões “tumultuadas”, a regra montada pelos
donos do poder fora construída de forma que os atritos não impedissem a hegemonia
das frações regionais.
Os Estados poderiam se organizar livremente, já a União ajudaria apenas em
caso de emergências ou necessidades econômicas. A Constituição dava aos membros
federados o direito de elaborarem leis eleitorais, estaduais e municipais. Essa política
era um sistema de compromissos no qual havia uma rede de dependência entre as três
instâncias de poder. Os governadores podiam conduzir independentemente a política em
seus estados em troca do estabelecimento de relações de lealdade ao presidente através
da sua bancada no Congresso Nacional98. A mesma situação acontecia na relação entre
governadores e os chefes municipais, esses últimos garantiam a vitória do candidato a
governador, em permuta de favores e autonomia para comandar sua área. Eram os
96SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos na Primeira República: uma política de acomodação. Salvador: Centro Editorial Didático da UFBA, 1975. 97
LEAL, Vitor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Alfa-Ômega, 1976. P. 378. 98SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos na Primeira República: uma política de acomodação. Salvador: Centro Editorial Didático da UFBA, 1975. P. 42.
50
governadores que decidiam sobre as dissensões nas eleições municipais, escolhendo os
seus aliados para assumir o poder público.
No sistema constituído, os verdadeiros protagonistas do processo político eram os Estados, os quais, dotados dos necessários suportes legais, dominavam a política nacional. Em troca da garantia de tal autonomia, sem intervenção da União e do direito de controlar as nomeações federais, os Estados davam apoio ao presidente da República, sem o qual este não subsistiria ao poder99.
O federalismo significou uma forma de manutenção da ordem. Esse
ordenamento foi elaborado, numa relação de interdependência, entre Estados e
municípios. O cargo de intendente municipal foi criado para administrar os municípios,
função que antes desse período era delegada ao líder do Legislativo Municipal para
questões de menor importância e, em demandas especiais, para o Presidente da
Província, que declarava a resolução final.
Conferindo autonomia aos Estados, a Constituição de 1891 manteve restrita a
participação da população no processo eleitoral. Estavam excluídos desse processo os
mendigos, os analfabetos, os praças de pré e os religiosos de ordens monásticas100. As
mulheres também estavam fora das escolhas eleitorais. Segundo Sampaio, a Bahia em
1890 tinha 1. 379.00 habitantes, 82% dos quais analfabetos. Ainda em 1920 81,6% da
população não sabia ler e escrever, ficando evidente que a maioria não participava do
processo eleitoral.
As eleições para a escolha do presidente da República, para o Congresso
Federal, para o legislativo estadual, câmara e senado (que se renovavam bienalmente),
para conselheiros municipais e para intendente e também eleições para preenchimento
de cargos vagos dos postos eram os processos eleitorais que ocorriam nesse período.
Sampaio aponta que em 1906 na Bahia havia 2.500.000 habitantes com 68.000 eleitores
(2,5%) e a capital do estado era o maior colégio eleitoral com 7.800101.
Para entendermos como se davam as eleições em Feira de Santana nos focamos
na configuração de processos eleitorais da União. Foram realizadas constantes eleições,
99 SOUZA, Maria do Carmo C. Campello de (Maria do Carmo Carvalho Campello de). Estado e partidos políticos no Brasil (1930 a 1964). 3. ed São Paulo: Alfa-Omega, 1990. P. 185. 100Constituição Federal, artigo 70, p. 16. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao91.h 101
SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos na Primeira República: uma política de acomodação. Salvador: Centro Editorial Didático da UFBA, 1975. P. 53.
51
que ocupavam o centro da vida política102. Estas ocorriam de forma direta, mas o voto
não era secreto, o que aumentava a possibilidade de controle dos políticos sobre os
eleitores.
A Constituição de 1891 estabeleceu a não reeleição para os cargos de
governador, presidente e intendente, em que só poderiam ser candidatos os maiores de
21 anos que estivessem no gozo dos direitos políticos e tivessem ao menos um ano de
domicílio no Estado103. O Rio Grande do Sul foi por muito tempo exceção a isso,
podendo o governador se reeleger. Fixava também que os aspirantes aos cargos de
presidente, senador e governador deveriam ser maiores de 35 anos. Eram inelegíveis os
cidadãos que não estavam alistados e procedia-se anualmente à revisão eleitoral.
A ação fundamental no processo político era atribuída aos mesários eleitorais
que, como já ressaltado, eram membros do conselho municipal. Essas mesas eram
compostas em cada município por cinco membros, eram presididas pelo presidente do
conselho que designava os quatros membros, sendo dois conselheiros e dois eleitores.
Também era o presidente do conselho quem designava os demais membros dos
distritos104. Por isso para o jogo político era de importância os políticos assumirem essas
funções, pois, o poder de indicar os outros membros poderia facilitar e legitimar o
resultado do grupo político que defendia e participava.
A mesa eleitoral é que apurava os votos e lavrava a ata respectiva, queimando, em seguida, as cédulas, salvo as apuradas em separado, que se remetiam ao Ministério do Interior (...). Entretanto é no ato das eleições, que o mecanismo opressão se estabelece: como não existe o voto secreto e a mesa eleitoral controla a presença e a votação, torna-se fácil a pressão sobre os eleitores. 105
Nos períodos eleitorais a disputa sobre quem presidiria a mesa eleitoral era
constante. Depois de definida as composições, muitas notícias circulavam sobre
possíveis duplicatas e escolhas marcadas para favorecer um candidato em específico.
2.2 As eleições em Feira de Santana: dos candidatos aos eleitores.
102Idem. P. 48. 103
Direito políticos era estar em dia com o pagamento dos impostos e se fosse estrangeiro ter ao menos um ano morando no local. Federal, artigo 70, p. 16. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao91.h 104
CARONE, Edgar. A primeira República (1889-1930): texto e contexto. São Paulo: DIFEL:1973. P. 296. 105 Idem, p. 301.
52
“Que isso de eleição de boca de urna é fatia de tabaréu e que, uma cadeira e
uma banca, tinta e papel valem por mil eleitores.” 106
Feira de Santana também sentiu os desdobramentos da Constituição Federal de
1891. A cidade passou a ter um intendente e um corpo de conselheiros municipais
formados por onze membros. Kelman Silva afirma que desde a emancipação de Feira de
Santana, facções políticas locais disputavam posições de poder. Conquistar um mandato
nesse período significava força política na cidade. Tais disputas apontavam que as
contendas pelo poder em Feira de Santana vêm de longo tempo e, a Câmara desde a sua
instalação era um local de polêmica entre as forças locais107.
Eram os membros do conselho responsáveis pelas mesas eleitorais, fazer o
alistamento eleitoral e a sua revisão a cada eleição, também, verificavam o resultado das
eleições e lavravam e liam as atas, convocavam os eleitores para as eleições federais e
estaduais. Assim, ao assumir essa função, esses sujeitos se tornavam personagens
importantes no jogo político, tinham a possibilidade de fazer as duplicatas eleitorais e as
fraudes nos resultados. Os conselheiros também aprovavam ou não as despesas do
município, o orçamento e atividades propostos pelo intendente e legislavam por meio de
posturas sobre estradas, ruas, jardins, logradouros e outros.
Em muitos municípios, grande parte das personagens políticas que ocuparam
este cargo na “República Velha”, foram coronéis e pessoas ligadas a eles.108 Portanto,
como em tantas outras cidades, o poder político em Feira de Santana no início da
República tinha sua base assentada na autoridade de coronéis como Agostinho Froés da
Motta, Bernardino Bahia, Abdon Alves, Tito Ruy Bacelar e outros109. Esses sujeitos
recebiam o título de coronel da Guarda Nacional. Segundo Margarida Resende à Guarda
Nacional foi uma instituição imperial, fundada na Regência, que funcionava como uma
espécie de força paramilitar da elite. O posto de coronel era atribuído aos homens de
106 Jornal Folha do Norte, 17 de setembro de 1909, MCS. 107 SILVA, Kelman Conceição. Política e reacomodação de poder em Feira de Santana na Era Vargas (1930-1945). Monografia, UEFS, 2009. P. 21. 108 Idem p. 17. 109ALMEIDA, Osmar Damião de. Dicionário Personativo, histórico e geográfico de Feira de Santana. Feira de Santana, p. 153.
53
grande fortuna110. Em nosso recorte temporal percebemos que a maioria dos intendentes
e dos membros do conselho municipal possuía o título de coronel.
O município é o lócus de sua força política, especialmente, aqueles contextualizados na zona rural, como era o caso de Feira de Santana, e onde concentrava-se boa parte da população brasileira. Neste ambiente bem definido geográfica e politicamente, a troca de favores e a reciprocidade clientelista se davam entre o coronel e a população local. 111
Eul-Soo Pang ressalta que para o chefe local ter sucesso como oligarca, dependia
basicamente de sua habilidade em trocar favores por votos, posto que o resultado das
eleições na “Primeira República” era consequência da colaboração dos que controlavam
os municípios (os chefes municipais) e os que controlavam os executivos: nacional e
estadual (presidentes e governadores) 112. Destacamos que o controle do executivo
significava, também, o controle do processo eleitoral, o que por sua vez favorecia as
fraudes eleitorais. Além disso, com o poder à disposição, os grupos dominantes
poderiam exercitar práticas clientelistas, de coerção, como por exemplo, o uso do “voto
do cabresto”. É importante ressaltar que o clientelismo é uma face dupla, mesmo de
forma desigual, pois, se favorece ou procuram se favorecer ambos os casos, é uma troca
de favores.
Em Feira de Santana essas relações de poder foram apropriadas por alguns
políticos que iniciaram sua carreira na Primeira República. Agostinho Fróes da Motta,
Bernardino Bahia, Tito Ruy Bacellar, Abdon de Abreu, João Mendes da Costa e outros
representaram, nessa cidade e eventualmente no Estado, o grupo de agentes políticos
que adotaram os termos da política de compromissos como forma de exercitar o poder.
Eles iniciaram as suas trajetórias num contexto marcado pelas relações políticas da
“República Velha”, e procuraram, nos espaços de disputas municipais, a consolidação
110 RESENDE, Margarida de Souza. Os cenários da República. O Brasil na virada do século XIX para o século XX. O Brasil Republicano I: o tempo do liberalismo excludente. Org. Jorge Ferreira e Lucilia Delgado. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2008. P.94. 111 SILVA, Kelman Conceição a. Política e reacomodação de poder em Feira de Santana na Era Vargas (1930-1945). Monografia, UEFS, 2009. p. 20. 112Pang, Eul-Soo. Coronelismo e oligarquias 1889-1934: a Bahia na Primeira República brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
54
dos próprios nomes como forças dirigentes da ordem e do progresso, angariando alguma
nomeada local e, eventualmente, prestígio estadual.
Prestígio que os qualificava a indicar nomes para a eleição estadual. Vimos que,
Tito Ruy Bacellar chegou a ser, além de intendente, deputado estadual por mais de uma
vez e líder do diretório local do Partido Republicano da Bahia, sua palavra passou a ter
forte importância no diretório local, como podemos perceber:
Apresentamos os candidatos do Partido Republicano da Bahia para o terço do senado e deputados estaduais. Em nossa cidade foi indicado pelo diretório local o nosso amigo Cupertino Lacerda e de dr. Raul dos Reis Gordilho. Sobre esta ultima indicação, é justo salientemos que não somente consultou os interesses vitaes do partido, como nasceu da expotanea inspiração de nosso querido amigo, prestigioso e estimado chefe, coronel Ruy Bacellar, um dos espartanos da gloriosa peleja de 1907113. (sic).
Em nosso estudo achamos dois grupos que disputavam o poder local na cidade
no início do século XX. São eles o grupo chefiado pelo coronel Tito Ruy Bacelar e o
outro chefiado pelo coronel Abdon Alves de Abreu. Nos jornais já analisados
encontramos em vários momentos disputas e tensões envolvendo políticos de ambos os
grupos que serão expostas mais adiante114. Até então vemos um cenário político local
no qual as disputas estavam ocorrendo entre os dois grupos já mencionados.
Vimos que houve com a Constituição de 1891 uma restrição aos que poderiam
votar nas eleições. Rollie Poppino afirma que essas restrições ao direito de voto em
Feira de Santana constituíam um índice “da reação conservadora”, que se vinha
acentuando no Brasil no começo do século XX 115.
Sobre o eleitorado feirense, houve desencontro entre os números a partir das
fontes conhecidas. Para melhor exemplificarmos esse desencontro fizemos um quadros
demonstrando alguns dados encontrados. Vejamos,
Quadro 1: número de eleitores em Feira de Santana, por ano, segundo diferentes fontes.
113
Folha do Norte, 10 de dezembro de 1910. Museu Casa do Sertão (MCS). 114Foram analisados os seguintes anos dos jornais: O Município (1908, 1909, 1910, 1911), O Progresso (1900 a 1909), O Propulsor (1907 e 1908), O Republicano (1912) e a Folha do Norte (1909 a 1927). Os jornais: O Propulsor, O Republicano e O Município tinham como seus redatores pessoas ligados ao grupo do coronel Abdon Alves e O Progresso e A Folha do Norte, ligados ao cel. Tito Ruy Bacelar. 115
POPPINO, Rollie E. Feira de Santana. Salvador: Editora Itapuã, 1968. P. 129.
55
Fonte Ano Eleitores Poppino 1894 5.045 Ata eleitoral116 1896 7.000
Ata eleitoral117 1906 1.730
O Progresso118 1907 2.014
Folha do Norte119 1922 2.444
Rollie Poppino; Arquivo Público do Estado da Bahia; Jornal O Progresso e Jornal Folha do Norte.
O desencontro se dá justamente pela diferença do número do eleitorado. Em fins
do século XIX, o número de eleitores era bem superior ao que encontramos nas
primeiras décadas do século XX. Houve um decréscimo desse número, mas não
sabemos qual o motivo. Com uma população aproximada de 43.000 habitantes no início
do século XX, temos um porcentual aproximado de 3,9% de quociente eleitoral, o que
seria ligeiramente superior à média do Estado.
Esse percentual pode ser explicado a partir de uma pista. Dois dos distritos
(Santa Bárbara e São José das Itapororocas) tinham populações superiores ao distrito
sede. Do primeiro deles, inclusive, saiu o intendente que dirigiu a cidade pelo maior
período de tempo, José Lima Freire. A existência de distritos grandes pode indicar uma
maior filiação de eleitores, influenciando no percentual final de eleitores.
Eram os conselheiros municipais que assumiam as mesas eleitorais e
organizavam as seções eleitorais. Depois dessas formadas, acusações de duplicatas e
falsificação dos resultados eram constantes nesse período. Assim no ano de 1907, com
as mesas definidas para as eleições municipais, o jornal O Progresso, que representava
os situacionistas, responde sobre a acusação desse tipo:
Estão traduzidos em lettras redondas em O Propulsor do dia 15 do corrente mez os boatos que incessantemente ocorrem de sábado à terça cá ultima, de haver a gente governista forgicado nas trevas uma duplicata de organisação das mesas eleitoraes para os diversos districtos deste município no pleito que se vae travar no dia 10 de novembro (...), entretanto é sabido e provado ficou que, dispondo apenas os senhores do feudo governamental de dois conselheiros e um suplente, não ousaram lograr a intenção de transpor o limiar do Paço Municipal; por que tinham a pleníssima convicção de que não conseguiriam eleger um suplente sequer, ofuscados pela leal e
116 Arquivo Público do Estado (APEB), sessão republicana, caixa: 2301, documento: 2921. 117 Arquivo Público do Estado (APEB), sessão republicana, caixa: 2295, documento: 2900. 118 O Progresso, 24 de novembro de 1907, p.01: Rebatendo a fraude eleitoral. MCS. 119 Folha do Norte, 04 de março de 1922,p.01: O pleito presidencial. MCS.
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brilhante maioria que constitue o padrão glorioso do Partido Republicano deste Município120. (sic)
Essa acusação é fundada na idéia de que a oposição havia sido excluída e que
por meio de duplicatas fora fraudada a formação das mesas eleitorais. Mais adiante
retornaremos ao episódio dessas eleições e seus desdobramentos. Atentamos aqui para
essas disputas ocorridas em volta das mesas eleitorais. Os que a presidiam tinham por
função legitimar a eleição e conferir os votos, o que lhes dava um leque de
possibilidades de dar a vitória a quem não teve maioria, falsificar votos ou incluir
eleitores fantasmas, entre outros.
Poppino afirma que as mesas eleitorais eram importantes dispositivos, pois,
possibilitava aos mesmos cidadãos dominarem por muitos anos os poderes municipais.
Destacamos, que desde 1889, a classe dominante no poder era a dos proprietários,
negociantes e comerciantes que buscavam, além do cargo de intendente, assumir a
câmara e manter vínculos com o governo do Estado121. O perfil dos candidatos da
cidade no período que abrange nossa análise é de comerciantes, proprietários e mais
posteriormente, na segunda década do século XX, de advogados e médicos.
Vale ressaltar aqui uma exceção desse processo eleitoral na Bahia. É que,
enquanto governador do Estado J. J Seabra instituiu, no ano de 1915, que a indicação
dos intendentes seria feita diretamente por ele. Não haveria eleições para esse cargo e na
cidade de Feira de Santana, o chefe do executivo estadual designou o coronel Agostinho
Froés da Motta para assumir a intendência municipal nesse ano e posteriormente o
coronel Bernardino Bahia seria indicado pelo governador Antônio Moniz. Mais adiante
discutiremos sobre essa reforma constitucional durante a gestão de Seabra e seus
efeitos. Sampaio salienta que a maioria dos coronéis que foram indicados por Seabra
conseguiram a patente de coronéis no período que era ministro do Interior. Em nossas
análises encontramos, por exemplo, notícias da patente de coronel dada ao político, que
posteriormente seria prefeito, João Mendes da Costa122.
O alistamento eleitoral era feito na sede dos municípios. Eram dez seções
eleitorais, uma por distrito e duas na sede. Entretanto, para conseguirem os seus
certificados de eleitores as pessoas eram obrigadas a se deslocar para o distrito sede,
tarefa relativamente difícil uma vez que algumas sedes distritais são afastadas de Feira 120 Jornal O Progresso, 20 de outubro de 1907, MCS. 121
POPPINO, Rollie E. Feira de Santana. Salvador: Itapuã, 1968. P. 126. 122 Notícia encontrada no jornal O Município, 15 de maio de 1909, MCS.
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de Santana. Nas eleições municipais eram escolhidos: o intendente, oito nomes (no caso
de Feira de Santana) para ocuparem as vagas do Conselho Municipal, os
administradores distritais e os juízes de paz.
O conselho municipal convoca o eleitorado deste município a comparecer as 10 horas da manhã nos lugares abaixo designado afim de ter lugar as ditas eleições; devendo cada eleitor depositar na urna cinco cédulas, escriptas em papel branco ou anilado sendo uma com rotulo distinctivo- Para Intendente Municipal contendo um só nome, outra- Para membros do Concelho Municipal, colocando oito nomes; outra- Para Juízes de Paz com três nomes, outra- Para Administrador, com um só nome; e outra- Para membros da Junta Districtal, com dois nomes123. (sic)
Os grupos políticos de alguma forma disputavam o eleitorado ou buscavam
pressioná-lo para que seus candidatos fossem eleitos. Como uma das condições para ser
eleitor era ser alfabetizado, o que excluía mais do que a metade da população, a
imprensa buscava por meio das suas colunas também influenciar os que tinham esse
direito. Podemos ver isso no trecho abaixo retirado do jornal O Progresso em 1906:
A mingua de argumentos, um rethoricão qualquer, dos que a miúdo surgem e estream parvoamente no relógio de repetição, que é A Republica, arrisca proposições em que a mentira alvar se pantantea em sua repelente nudez, deslembrado de que o brioso corpo eleitoral não é um agregado de analfabetos, mas constituído por homens que leem, que ajuízam, que discernem e calmamente, prescindindo de paixões partidárias sabem de que lado esta a razão e a justiça , em que parte está a traição, a intriga e a calunnia.124 (...) Agora, já não é o Sr. Abdon o chefe político (mas político de mérito) chefe é o Sr. Cônego Cupertino de Lacerda a quem A Republica, na faina de ferir-nos, emprestou palavras e conceitos que s. ex. jamais proferira na segunda reunião sobre o empréstimo de cem contos de reis125. (sic)
Junto à defesa do Partido Republicano da Bahia e da importância do voto, o
jornal O Progresso anunciava que a chefia desse partido na cidade não estaria mais nas
mãos do coronel Abdon de Abreu e sim do Cônego Cupertino de Lacerda. O grupo
liderado pelo coronel Tito Ruy, que eram os situacionistas, se defendia das acusações do
123
O Progresso, 06 de fevereiro de 1906, MCS. 124 Acreditamos que os jornais eram armas usadas nas disputas internas e externas. Além destes existiam outros órgãos privados tais como a Sociedade Nacional de Agricultura (SNA) que tinha em Feira de Santana uma filial denominada Sociedade Agrícola Protetora de pequenos lavradores do qual participavam, por exemplo, Tito Ruy Bacelar. Ver jornal O Progresso, 19 de janeiro de 1902. O Progresso, 25 de janeiro de 1906, MCS. 125
O Progresso, 25 de janeiro de 1906, MCS.
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grupo liderado por Abdon Alves, sobre o empréstimo que estava sendo contraído pela
Intendência na sua gestão no valor de 100$000$00 (cem contos de reis). As causas e a
defesa sobre esse empréstimo geraram divergências entre os dois grupos e uma série de
acusações e as eleições também entraram na pauta. O jornal então passou a defender o
ponto de vista do grupo chefiado pelo Coronel Tito Ruy, ao mesmo tempo em que
tentava desconstruir a imagem dos seus adversários, dedicando “especial carinho” ao
futuro intendente Abdon de Abreu, principal liderança do grupo adverso.
Esse conflito teria desdobramentos organizativos e os grupos tentariam angariar
novos correligionários. A cada eleição era realizado um novo alistamento eleitoral,
neles eram incluídos mais cidadãos habilitados a votar. No ano de 1907, por exemplo,
foi efetuado um novo alistamento, sendo incluídos mais 200 eleitores126. Entre estes
estava o jovem Arnold Ferreira da Silva que, como já visto, seria intendente e era
chamando de coronel em Feira de Santana, aliado de Tito Ruy127. A futura atuação
desse novo eleitor insinua algumas questões para a interpretação que pretendemos
encetar acerca dos novos inscritos e suas participações no jogo político feirense mais à
frente.
Aqui analisamos o campo político em Feira de Santana, isso é tentamos entender
quem eram os candidatos e qual o perfil dos eleitores. Esse objetivo é limitado pela
escassez de fontes, o que nos leva à tarefa de cruzar as listas eleitorais com informações
dos memorialistas, processos-crimes, jornais e inventários. A partir das listas eleitorais e
dos que coordenavam as mesas128 com a leitura de memorialistas pudemos observar até
então que o perfil dos eleitores era de: advogados, proprietários de terras, comerciantes,
médicos, farmacêuticos, agricultores, pecuaristas, funcionários públicos e professores.
A exemplo de tentar perceber quem eram os eleitores, encontramos alguns
nomes que aparecem na lista e uma foto com alguns desses no ano de 1911, imagem
produzida nas eleições para o terço do senado e para deputados, ocorridas em janeiro
daquele ano, e encontrada na capa do jornal Folha do Norte129, acompanhada da matéria
denominada A prova provada e de um abaixo assinado dos eleitores130. Os dois
126 O Progresso, 06 de janeiro de 1907, p. 03: “Alistamento eleitoral”. MCS 127
Arnold Ferreira da Silva recebia o tratamento de coronel na cidade, porém não possuía esse título. 128
Os alistamentos eleitorais e quem iriam compor as mesas eleitorais aparecem nos jornais que representavam o executivo municipal. São eles: O Progresso, O Município, O Republicano e A Folha do Norte. 129
Folha do Norte de 05/02/1911, número 68, p.1. MCS. 130
A foto e a lista com os nomes no abaixo assinado se encontram no anexo II dessa dissertação.
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instrumentos denunciavam que a secção na qual votariam estava fechada no dia da
eleição. Temos alguns nomes que já nos são conhecidos e outros que pudemos traçar o
perfil. Figuram sujeitos como Bernardino Bahia, do Dr. Joaquim dos Reis, o
farmacêutico José Alves Boaventura, Agostinho Fróes da Motta, entre outros.
A presença dessas figuras só nos confirma que a maior parte desses eleitores
pertencia à classe dominante feirense e que as relações eleitorais perpassavam por
relações familiares e de compadrio. Pelas limitações estabelecidas aos votantes,
percebemos que eleger um candidato tornava-se tarefa de manter um círculo de
influência amplo e sólido, que envolvia laços familiares, de compadrio, de negócios e
clientela, de emprego com os seus. Pelo quadro político analisado todos os que
assumiam posições políticas possuíam relações com o comércio de gado ou eram
proprietários de terras ou negociantes; assumir o poder era estratégia de defender seus
interesses131.
Para compreender o processo político em Feira de Santana e as suas relações,
temos que pensar nas configurações nacionais e estaduais. Desse modo entendemos que
essa cidade, obviamente, não estava isolada e apresentava suas especificidades e suas
generalidades no quadro das relações políticas. Neste sentindo, compreendemos que o
Estado é parte, embora uma parte muito especial, da sociedade, com suas questões e
tensões. Ele não existe descolado das questões que atravessam a vida social. Este é uma
condensação de relações sociais132. O Estado consiste numa relação em que as
sociedades contemporâneas se ordenam e se estruturam em torno dele, disputando-o e
fazendo-o enquanto objeto principal da competição.
Pensamos o cenário da política em Feira de Santana entendendo que o Estado se
constitui numa relação e é nessa condição que merece ser estudado. Partindo de sua
leitura de Poulantzas, Sônia Regina de Mendonça afirma lançar-se ao estudo do Estado
como se ele próprio contivesse seu princípio e sua razão de ser seria deter-se na
aparência das coisas133. Esta autora ressalva também que não se pode pensar a história
política como um setor separado, posto constituir-se, igualmente, numa modalidade de
131 No anexo I desse trabalho possui um quadro político feito com todos os políticos, incluindo sua profissão, bens, posses e cargos públicos assumidos. 132 MENDONÇA, Sônia Regina. Agricultura, Poder e Estado no Brasil: um projeto contra hegemônico na Primeira República. In: Nação e Poder: as dimensões da história. P. 25. 133
MENDONÇA, Sônia Regina. Estado e Políticas Públicas: considerações político- conceituais. Outros Tempos, www.outrostempos.uema.br, V-01 esp., 2007, p. 1-12.
60
prática social. Veremos como os grupos se agrupavam em busca de alcançar o poder
público, seja nas esferas federais, estaduais ou municipais
2.3 Quem são os grupos políticos? Uma análise dos partidos em Feira de Santana.
Depois de discutirmos sobre o processo eleitoral e os representantes políticos,
nos debruçamos agora sobre os partidos políticos que participavam dessa conformação.
É importante ressaltar que a nossa abordagem no estudo dos partidos políticos foi
desenvolvida a partir das contribuições teórico-metodológicas de Antônio Gramsci,
deste modo, ampliamos a concepção tradicional de partido político, partindo do
pressuposto que não são apenas as amarras institucionais normativas que determinam o
que é um partido político.
O moderno príncipe, o mito-príncipe não pode ser pessoa real, um indivíduo concreto, só pode ser um organismo; um elemento complexo da sociedade no qual já tenha inicio uma vontade política reconhecida e afirmada parcialmente na ação. Este organismo já está dado pelo desenvolvimento histórico e é o partido político, a primeira célula na qual se sintetiza os germes de vontade coletiva, que tendem a se tornar universais e totais134.
O partido é a prática da ação política coletiva e tem por objetivo dar corpo e
organizar a vontade coletiva, atuando no interior da sociedade civil, mas com realização
completa quando adentra, também, nas relações da sociedade política. Seu fim é
também a universalização da visão de mundo de seu grupo, classe ou fração de classe.
Apresentamos quem são os grupos políticos, mais especificamente em que
partidos eles se organizaram politicamente, quem eram as lideranças destes na cidade e
o que defendiam. Analisamos as relações destes com os políticos presentes no cenário
estadual e nacional: governadores, senadores, deputados e presidente. Assim partirmos
de uma discussão sobre os partidos nesse período, quem são e quais são suas bandeiras
de luta, quem deles participava para relacioná-los com os nossos sujeitos históricos.
134 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere: volume 2 e 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. P. 16.
61
Para Souza, os partidos políticos surgidos nesse período pautavam-se por serem
congregações de forças estaduais sob a égide do governo central135. Cremos que além
dos meios legais para alcançar o poder muitas vezes os partidos também recorriam à
fraude e manipulação dos resultados do processo eleitoral.
No período que trabalhamos analisamos três partidos políticos em especial. São
eles: I) Partido Republicano da Bahia (PRB), criado em 1901, deste ano até 1907, este
partido usufruiu da posição situacionista com quase nenhuma oposição, tendo como
chefes políticos Severino Vieira e também José Marcelino de Souza. II) O Partido
Dissidente (PD) que tinha J.J Seabra à frente, surgido após a cisão do PRB em 1907. III)
O Partido Republicano Democrata (PRD) fundado em março de 1910 e que por um
tempo esteve ligado ao Partido Republicano Conservador (PRC) e tendo também como
líder J.J Seabra. Sobre o PRB Sampaio nos aponta:
Surgiu no início do século XX, como o primeiro grande partido formalmente estruturado e, ao contrário dos seus predecessores, penetrou ainda que timidamente, no interior do estado, convocando coronéis e doutores para comporem seus quadros136.
O PRB nasceu em função do desaparecimento do Partido Republicano Federal,
que para Edgar Carone decorreu da tendência regionalista dominante devido à nova
situação da autonomia dos Estados137. Manteve certa coesão interna até o ano de 1907,
quando ocorreu uma cisão, passando então a ser dividido em dois grupos: os
severinistas (os que apoiavam Severino Vieira) e os marcelinistas (apoiavam José
Marcelino). O motivo da cisão foi justamente a escolha do candidato a governador para
o quatriênio de 1908-1912; de um lado estavam os que apoiavam o então governador
José Marcelino que indicou Araújo Pinho, de outro Severino Vieira que apoiava a
candidatura de Inácio Tosta. Formaram-se então dois grupos dentro do PRB e surgiu um
terceiro: o Partido Republicano Dissidente (PRD) chefiado por Seabra que logo depois
se tornou o Partido Democrata (PD).
Silva afirma que houve mudanças na participação política no período da
“Primeira República”, causadas, principalmente, por cisões ou reacomodações nos 135
SOUZA, Maria do Carmo C. Campello de (Maria do Carmo Carvalho Campello de). Estado e partidos políticos no Brasil (1930 a 1964). 3. ed São Paulo: Alfa-Omega, 1990. P. 213. 136
SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos na Primeira República: uma política de acomodação. Salvador: Centro Editorial Didático da UFBA, 1975. P. 81. 137
CARONE, Edgar. A primeira República (1889-1930): texto e contexto. São Paulo: DIFEL:1973. P. 313.
62
partidos. Em geral, essas rearticulações, no interior da classe dominante podiam
ocasionar alguma redistribuição de poder.
Compunham coligações que se organizavam de acordo com influências e interesses em comum, até o período em que se desfaziam essas organizações, entre outras razões, por motivações de choques de interesses ou descontentamentos individuais138.
Para entender essa cisão no Partido Republicano da Bahia, precisamos elucidar
qual contexto e sujeitos levaram a essa ruptura. Como já dito, eram os ex-governadores
Severino Vieira (1900 a 1904) e José Marcelino (1904-1908) (representante dos setores
agrário e comercial139 e presidente da comissão executiva do PRB), os chefes do
partido140. O Partido Republicano da Bahia também surgiu de um conflito interno no
Partido Republicano Federal e foi criado justamente para ser, também, um catalisador
dos anseios e aspirações da burguesia agrária comercial141.
Na tarefa de articular os variados setores do partido, o PRB realizou, no ano de
1901, uma convenção com a participação de intendentes, conselheiros e representantes
de vários municípios. Nessa reunião, Feira de Santana foi representada pelo o coronel
Afonso Pedreira de Cerqueira e pelo engenheiro Dr. Joaquim Arthur Pedreira Franco142.
No total duzentos delegados participaram desse conclave. Já na convenção de 1907, os
coronéis Agostinho Fróes da Motta e Tito Ruy Bacellar foram eleitos para o conselho
geral do partido143.
O PRB conseguiu sobreviver, até 1907, praticamente como partido único144. Mas
as divergências sobre a escolha para o sucessor de José Marcelino no governo do Estado
levaram à ruptura nesse partido. As divergências sobre o sucessor ao governo foram
sentidas em todo Estado. Em alguns municípios o poder local foi disputado por grupos
138SILVA, Kelman Conceição a. Política e reacomodação de poder em Feira de Santana na Era Vargas (1930-1945). Monografia, UEFS, 2009. p. 23. 139 A qualificação foi feita por Pang em Coronelismo e Oligarquias 1889-1934. P. 86. 140Pang ressalta que seriam dois chefes dentro do PRB por ser José Marcelino muito influente e de prestígio. Assim formalmente apenas era Severino Vieira o chefe desse partido. 141SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos na Primeira República: uma política de acomodação. Salvador: Centro Editorial Didático da UFBA, 1975. P. 79. 142
Jornal O Progresso, 07 de abril de 1901: ‘Reunião política’, p. 01, MCS. 143O Progresso, 07 de julho de 1907, “Convenção do Partido Republicano”, p. 01. MCS. 144Referimos a expressão praticamente único porque Sampaio nos apresenta o Partido Republicano Dissidente criado em 1906.
63
rivais, que apoiaram e demonstraram manifestações de solidariedade ao candidato que
estavam defendendo145.
Para Carone, o federalismo e a formação de partidos únicos nos Estados
acabavam conduzindo ao exclusivismo, ou seja, o fazer político nas mãos dos mesmos
grupos. Entretanto, esse mecanismo oportunizava a formação de oposições particulares,
que tornavam a luta ainda mais localizada, pontual. Dessa forma, as dissidências e
pequenos partidos contrários aos situacionistas enxameiam de maneira constante, mas
efêmera, por todo o período146. Por esta análise ficou evidente que alguns nomes eram
alavanca e base nessa relação política entre os políticos e os partidos. Sampaio defende
que a fidelidade existia não em relação ao partido, mas ao chefe do partido e,
dependendo do seu poder carismático, podia ser incondicional e vitalício147.
O PRB conseguiu até 1907 manter-se coeso, mas dentro deste partido existiam
algumas divergências entre sujeitos políticos, que disputavam os principais cargos
políticos nos municípios. Podemos ver abaixo que em Feira de Santana já no início do
século XX havia dentro do Partido Republicano da Bahia querelas entre os dois grupos
(o de Tito Ruy e o de Abdon Alves) já mencionados.
Conta-se por desastre os argumentos da A República. Ao que presumimos se não estão desvairados com as derrotas das eleições ou não entendem de algarismos nossos desleais adversários. A Republica assevera que se não fosse pela “inquebrantável solidariedade política do coronel Abdon com o partido republicano” os votos dos nossos correligionários “representariam uma parcella insignificante no resultado eleitoral da opposição”!148 Tanta fortaleza em contabilidade causa assombro, pois, em situação desagradável ficou o Sr. Abdon, contribuindo apenas com 33 votos para quatro dos candidatos do Partido Republicano, nas duas secções desta cidade, quando o menos votado dos competidores seabristas, seus co-religionarios de hontem, conseguia 46 votos.149
O jornal O Progresso, cujo redator-chefe era o coronel Tito Ruy Bacelar,
defendeu que a vitória do PRB nas eleições ocorreu pelo seu apoio e dos seus
145SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos na Primeira República: uma política de acomodação. Salvador: Centro Editorial Didático da UFBA, 1975. P. 97. 146CARONE, Edgar. A primeira República (1889-1930): texto e contexto. São Paulo: DIFEL:1973. P. 315. 147
SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos na Primeira República: uma política de acomodação. Salvador: Centro Editorial Didático da UFBA, 1975. P. 47. 148 O Progresso, 18 de fevereiro de 1906, p. 01: “Desastrados sempre!”. MCS. 149 Idem.
64
correligionários, obtendo 869 votos contra a oposição, com 235 votos. Aponta que o
coronel Abdon Alves só teria conseguido 33 votos para o Partido. Em contrapartida o
jornal A República noticia que a vitória do Partido se deu devido à influência de Abdon
Alves e que se o mesmo apoiasse a oposição ocorreria uma derrota para o PRB. Os dois
jornais dizem coisas distintas sobre o pleito eleitoral, atentando em provocar o
adversário e se apresentarem como legítimos representantes do PRB. Essas provocações
entre os jornais e as diferentes versões sobre o pleito, significa que vencida as eleições
por José Marcelino, todos queriam ser responsáveis pela conquista da vitória.
Com a cisão do PRB, os grupos divergentes passaram cada um a apoiar um dos
candidatos para estas eleições, o de Tito Ruy (severinista) permaneceu no PRB e apoiou
a candidatura a Inácio Tosta, e o de Abdon de Abreu (marcelinista), que antes faziam
parte do PRB, rompeu com esse partido e passou a apoiar a candidatura de Araújo
Pinho. Dessa forma, Abdon tornou-se presidente do Partido Dissidente em Feira de
Santana, tornando-se oposição ao grupo de Tito Ruy Bacellar. Assim foram formados
os grupos severinistas e marcelinistas em Feira de Santana.
Era preciso para esses políticos ter uma boa relação com o poder instituído e
com os outros políticos e com os seus eleitores. Veremos abaixo como prestígio e
influência foram essenciais para que os grupos políticos buscassem legitimar suas
vontades e ações na cidade de Feira de Santana.
2.4 As eleições de 1907: das disputas às relações de poder.
Aldo Silva destaca que nos primeiros anos da República as relações políticas
institucionais feirenses se mantiveram de certa forma uniformes, e em meados da
primeira década houve uma ruptura no segmento dirigente feirense, que estabeleceu
uma aguerrida disputa, que teve como palco as páginas dos jornais que circulavam na
cidade150. Sobre essa ruptura, seus motivos e os desdobramentos é que iremos nos
debruçar nas páginas seguintes.
Um dos motivos decisivos para essa cisão na política feirense para Silva foi um
desentendimento ocorrido no ano de 1904. Abdon de Abreu, tendo sido apadrinhado
150SILVA, Aldo José Moraes. Natureza sã, civilidade e comércio em Feira de Santana: elementos para o estudo da construção de identidade social no interior da Bahia (1833-1937). UFBA: Salvador, 2000. P.163.
65
politicamente pelo coronel Tito Ruy, depois de ocupar um lugar no Conselho
Municipal, insurgiu-se contra o antigo padrinho manifestando aspirações à intendência
nas eleições que se realizariam dali a três anos151. Abdon, entre os anos de 1904 e 1907,
foi membro do Conselho Municipal, sendo definido pelo jornal O Progresso como
oposição e minoria nesse mesmo conselho, votando sempre contra as propostas do então
intendente Tito Ruy. Com a cisão que ocorreu no Partido Republicano da Bahia, este
político teve a oportunidade de satisfazer seu desejo e lançar sua candidatura nas
eleições para a intendência em 1907.
Não sabemos se essa divergência começou antes do ano de 1904, mas
apontamos que os atritos já ocorriam antes das eleições municipais de 1907. Pois, do
ano de 1905 até o conturbado pleito eleitoral de 10 de novembro de 1907, os jornais
publicavam, muitas vezes, trocas de farpas entre os políticos feirenses que eram os
donos dos jornais (O Progresso e A República), que foram instrumentos importantes na
disputa que se seguiria. O confronto se deu pelo cargo de Intendente e dos Conselheiros
Municipais. Na convenção do PRB no município em 1907, o coronel Bernardino Bahia
foi eleito com 27 votos para concorrer à chefia do executivo municipal, não estando
presente nessa convenção o coronel Abdon de Abreu, seu genro Requião e seus aliados.
A supracitada convenção também deliberou acerca dos candidatos que concorreriam
para o Conselho Municipal e os Juízes de Paz. Restou ao coronel Abdon de Abreu e
seus aliados entrarem na disputa pelo Partido Dissidente apoiado pelo candidato a
governador Araújo Pinho e o político J.J Seabra. Formalizou-se a primeira disputa
eleitoral do período republicano na cidade.
Com os candidatos declarados, foram formadas as mesas eleitorais. Vimos a
oposição acusar essa formação dizendo que havia sido forjada. Temos no jornal O
Progresso as mesas eleitorais compostas pelos políticos representantes do Partido
Republicano da Bahia. No 1º distrito quem estava na mesa era o capitão Juvêncio
Erudilho que era conselheiro e estava concorrendo novamente ao cargo pelo PRB 152.
Mas é comum a oposição basear-se nas mesmas cópias e dizer-se vitoriosa. É que eleições são ‘uma briga entre papéis falsos’ (apud. Deputado Erico Coelho). Daí aparecerem deputados e senadores, oposicionistas e situacionistas dizendo-se eleitos para a mesma vaga.
151Idem. P.168. 152 O Progresso 13 de outubro de 1907, p. 02: Editaes, MCS.
66
A comissão de verificação de poderes das Assembléias estaduais e do Congresso Nacional é que vai decidir afinal a questão 153.
Como ressaltou Carone, era comum usar as cópias das atas para declarar a
vitória aos candidatos do grupo. Isso ocorria em todas as instâncias, como percebemos
em nossas pesquisas. No ano da dissidência política em Feira de Santana, os dois grupos
usaram as atas eleitorais para provarem sua vitória, cada grupo formou suas mesas
eleitorais e os jornais que os apoiavam divulgaram um resultado buscando legitimar o
vencedor. Vejamos como o jornal O Progresso que representava um dos grupos,
noticiou o resultado dessas eleições:
Os nossos adversários cônscios da inevitável derrota que os aguardava nas urnas, destas fugiram forgicando das trevas uma eleição, da qual ninguém teve noticia, sabendo-se do seu resultado por telegrama enviado daqui e publicado no órgão do governo. (...) A população da cidade foi testemunha do espetáculo belíssimo, do exemplo edificante que deram nossos amigos, comparecendo nos edifícios previamente designados; a fim de exercerem o sagrado direito que lhes é assegurado pela nossa Constituição e leis orgânicas. (...) O que fez a oposição se não mandar nos penúltimos dias da eleição, receiosos ainda, concentraram aqui a soldadesca dos destacamentos de Santa Barbara, Almas e Bonfim transformando assim, esta cidade em praça de guerra154. (sic)
Muitas foram às discussões, trocas de acusações e até mesmo enfrentamentos
com violência física em função desse pleito. Nos resultados divulgados pelo jornal O
Progresso a diferença de votos entre Bernardino Bahia e Abdon Alves era imensa,
enquanto Bernardino teria recebido 252 votos em um dos distritos o seu oponente teria
recebido apenas um 155. Abaixo destacamos como foi intensa as acusações trocadas
entre esses dois grupos.
Effetivamente assim procederam esses pregoeiros da fama ingente do governo, por que não se julgaram dignos de um pleito livre, e com máxima desfaçatez chasqueiam e o atiram a face de uma população briosa, honesta, inteligente e circumpecta a monstruosidade de uma farça como se originada fosse de ventre das urnas. O simulacro da eleição a que vimos de referir, não resiste a mais rápida analise pela fraude torpe com que foi concebida. Basta considerar-se que sendo de 2103 os eleitores deste município, figuraram como tendo votado na eleição fraudulenta da gente do governo, 1541 eleitores; ficando para
153CARONE, Edgar. A primeira República (1889-1930): texto e contexto. São Paulo: DIFEL:1973. P. 303 e 304. 154 O Progresso, 17 de novembro de 1907, p.01: “O Resultado”. MCS. 155O Progresso, 17 de novembro de 1907, p. 01: “O Resultado”. MCS
67
o pujante Partido Republicano 562; numero este sujeito a mortos, feridos, mudados e indiferente ao pleito, etc. De cara à banda os senhores da fraude! 156. (sic) Os nossos adversários não puderam defender com seriedade a construção que fizeram da grande bandalheira nas eleições municipais havidas ultimamente, sobre cuja base de falsa argamassa pretenderam erigir seu castelo de fraude157 Há na administração actual, deshonestidades, esbanjamentos, bandaleiras e que a sombra de meios ignóbeis de há muito tem a facção severinista empolgado o governo municipal, de cujos cofres alguns tartufos bem conhecidos tem vivido exclusivamente, exordia estar o município levado a bancarrota. 158. (sic)
A oposição liderada pelo coronel Abdon de Abreu aproveitou-se da situação da
cisão do PRB para chegar à chefia do poder municipal, ao se aliar com os governistas
(José Marcelino, Araújo Pinho e J.J Seabra). Nos dias dessas eleições instalaram-se
outras mesas eleitorais e anunciaram pela imprensa que também havia ocorrido às
eleições no qual o mesmo coronel teria vencido com uma diferença grande para seu
oponente, o coronel Bernardino Bahia. Por ter o apoio do governador, esse grupo logo
enviou correspondência oficial declarando Abdon de Abreu o candidato vitorioso dessas
eleições. Logo esse grupo que até então ocupava o lugar de oposição, soube prevalecer-
se da cisão política e virar o jogo político na cidade, tendo também criado o jornal O
Município como instrumento de apoio na busca da formação de opinião pública.
As minorias ou oposições procuram, na luta pela sobrevivência, encontrar ou renovar fórmulas e maneiras que as justifiquem e unam: cisão de partidos, formação de novos partidos- que se mostram efêmeros- criticas às formas organizatórias situacionistas, caracterizações morais, formações de blocos dos Estados, são traços da luta das oposições contra a situação159.
Como Carone destacou, as oposições buscavam formas de conseguir espaço nas
disputas eleitorais. Foi ao que parece, o que o grupo liderado por Abdon de Abreu fez;
procurando vencer e tornar-se intendente, esse coronel por meio da aliança com os
governistas estaduais buscou legitimar os resultados da eleição ao seu favor. Assim foi
por meio das duplicatas, da formação de outras mesas eleitorais, da divulgação de dois
156 O Progresso, 24 de novembro de 1907, MCS. 157 O Progresso, 08 de dezembro de 1907, MCS. 158 O Propulsor, 01 de dezembro de 1907, MCS. 159
CARONE, Edgar. A primeira República (1889-1930): texto e contexto. São Paulo: DIFEL:1973. P. 311.
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resultados diferentes e embates verbais e físicos com o outro grupo em disputa que esse
assumiu a chefia do executivo municipal. Abdon de Abreu foi auxiliado pelo delegado
Andrelino e seus correligionários e tomaram de assalto à intendência em janeiro de
1908 tomando posse como intendente.
No livro negro das acções indgnas fica registrada mais uma das scenas vandálicas que, ao declinar o dia 28 do mez findo, a mão armada praticaram os seitosos que constituem o elemento desorientado do Sr. Governador do Estado neste município, para dar posse ilegal a Abdon. Os vampiros da situação governista arrombaram o paço municipal e as portas da igreja do Senhor dos Passos que foi transformada em aquartelamento de jagunços como se a Feira fosse uma terra de selvagens160. (sic).
Mas o grupo liderado por Tito Ruy Bacellar, apoiado por Severino Vieira,
alegando também a vitória, deu posse ao seu “eleito intendente”, o coronel Bernardino
Bahia, em outro prédio que foi alugado na Praça dos Remédios e denominado como o
novo Paço Municipal.
Não obstante a ostentação da força publica e a horda de jagunços que infestou esta cidade desde a tarde de 31 de dezembro ate o dia 02 de janeiro, esteve a posse dos conselheiros e intendentes eleitos para quadriênio de 1908 a 1911, revestida de grande solenidade. A uma da tarde começou a cerimônia repleta de pessoas gradas, representantes de todas as classes desta cidade e distrito, representantes de diversas sociedades e da imprensa, etc.(...) Nesta ocasião foram erguidas muitos vivas aos drs. Severino Vieira, Ignacio Tosta, senador Cupertino Lacerda e ao cel. Ruy Bacellar161.
Além de narrar toda a posse do coronel Bernardino Bahia, O Progresso ainda
traz uma lista apresentando figuras importantes da cidade que estiveram presentes neste
evento. Capitães, coronéis, farmacêuticos, jovens acadêmicos como Eduardo Fróes da
Motta. Aparecem nessa lista mais de 250 nomes de famílias e pessoas de destaque da
cidade e dos distritos162· .
Para além da cerimônia de posse em outro lugar, “os severinistas” como foram
chamados, recorreram ao Senado para resolver a questão do dúbio resultado e de qual
seria a Câmara legal. Mas foi José Marcelino, governador do Estado da Bahia, quem
160 O Progresso, 08 de janeiro de 1908, MCS. 161
Idem. 162Essa lista se encontra na página 03 do jornal O Progresso de 08 de janeiro de 1908 com o título de “A posse do intendente”.
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decidiu e deu como legítima a eleição de Abdon de Abreu. Enquanto o processo não era
concluso a cidade foi governada pelos dois coronéis no decorrer de alguns meses.
Ambos decretavam editais, cobrava impostos e administravam a cidade, tendo os jornais
ligados a ele como forma de legitimar os governos de cada qual.
Se assim é, admitido gratuitamente esta hypothese, o que diremos no caso da Feira, em que os adversários nunca tomaram posse dos cargos? Acaso terão eles a pretensão de serem continuadores de seus antecessores? O coronel Abdon e seus amigos é que exercem as funções as mais claras e notórias é que estão por direito e por posse material de fato reconhecida pelo exmo.Sr. Governador do Estado163. (sic)
O acordo feito entre o governador e o então intendente de Feira de Santana,
estabeleceu que Abdon fosse legitimado como eleito e que assumiria a gestão de 1908-
1912. Mesmo assim, durante a administração municipal desse, houve troca de
acusações, o boicote aos impostos e outras maneiras de desgastar a gestão. Um ano e
meio depois das confusas eleições, foi divulgado o resultado do processo que o grupo
oposicionista interpôs no Senado Estadual para invalidar a posse de Abdon. O jornal
governista publicou em 1909 que:
No dia 09 deste, o Senado Bahiano, tomando conhecimento da duplicata eleitoral, decidiu pela nullidade da eleição da opposição, validade de nossos correligionários, consolidando-lhe os effeitos, patenteando a verdade de que Ella era portadora164. (sic)
Não houve comentários por parte da oposição a respeito da divulgação desse
resultado. Mantiveram estes a sua estratégia de não colaborar com a administração e
buscar deteriorar sua imagem, acusando-os sempre de destruir e atrapalhar o progresso
da cidade. Nos jornais O Progresso e Folha do Norte desse período frequentemente
saiam críticas sobre os mais diversos serviços prestados pela intendência, tais como
iluminação pública, asseio, arborização e educação da cidade.
Entretanto, após a saída de Abdon de Abreu, uma aliança foi estabelecida entre
os coronéis Agostinho Fróes da Motta e Bernardino Bahia, a partir de então, durante os
anos subseqüentes, esses se sucederam na chefia do município conseguindo manter o
seu grupo sempre nas esferas do poder. Nesse período já estava enfraquecido, ou
163 Jornal O Município, 22 de agosto de 1909, MCS. 164 Jornal O Município, 18 de julho de 1909, MCS.
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melhor, vencido, o grupo que foi liderado por Abdon de Abreu. Mostra disso se dá que
a indicação de J.J Seabra para assumir a chefia do município em 1915 recai sobre
Agostinho Fróes da Motta, mostrando que resquícios da cisão do partido de 1907 ou
mesmo ressentimentos não estavam mais presentes nesse novo contexto e que o local
(os municípios) dependia da articulação com o estadual, das relações estabelecidas com
o governador165.
Concomitantemente, uma situação parecida ocorreu nas eleições também para
governador no ano de 1908, quando cada grupo político (PRB x PRD) apresentou como
eleito, seus candidatos. Os severinistas apresentaram Ignácio Tosta (que era deputado
federal e proprietário de prestígio no Estado), como eleito com uma grande diferença
para Araújo Pinho (fazendeiro, foi o primeiro presidente do Banco de Crédito da Bahia),
não obstante, o grupo dos marcelinistas legitimou a eleição deste último candidato. As
disputas e discussões entre os grupos rivais também recaíram sobre essa eleição, como
expressa O Progresso:
Desorientado, sim por que se o governo tivesse convicção plena de que a candidatura que impuzera de seu compadre e amigo para suceder-lhe na governamentação do Estado tivesse apoio geral ou ao menos maioria relativa eleitoral, não desceriam armmar belleguins por toda parte para perturbarem a ordem publica, levando desespero e pavor ao centro das famílias, com o fito de amedrontar os tíbios e, assim, por outros meios indecorosos obter, se não votos, ao menos dispersão dos eleitores para muito a jeito serem fabricadas eleições falsas166. (sic)
O jornal da oposição em Feira de Santana acusou o governador José Marcelino
de impor a sua escolha para a sucessão governamental, aplicando quaisquer expedientes
que garantissem a eleição do seu candidato. O grupo de Tito Ruy tomou posição em
defesa do candidato do PRB e buscou desqualificar a escolha do governador e divulgar
como fraudulenta e ilegítima a eleição de Araújo Pinho. As mesas eleitorais foram
organizadas na cidade e ocorreram as eleições, porém cada grupo acusou o outro de ter
fraudado a eleição, sendo divulgado por cada qual um resultado diferente. O grupo de
Tito Ruy anunciou a vitória de Ignácio Tosta e o de Abdon de Abreu, a de Araújo 165Analisaremos mais abaixo a aliança e as gestões desses dois sujeitos que se mantiveram forte até o falecimento de Agostinho Froés da Motta no ano de 1922, momento da emergência de um novo sujeito político, o jovem Arnold Ferreira da Silva, que assumiria a intendência nos últimos anos do nosso recorte temporal. 166 Jornal O Progresso, 08 de janeiro de 1908, MCS.
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Pinho. Nesses casos de duplicatas e dois resultados diferentes era o Legislativo estadual
que, pela lei, deveria resolver a questão desses impasses.
Mencionamos o caso das eleições governamentais destacando como foi
freqüente o uso das duplicatas nas eleições no início do século XX. Grupos divulgavam
mesas eleitorais, anunciavam ocorrência das eleições e declarava os candidatos eleitos,
o que levava a ter dois vencedores gerando tumultos, o que possibilitava ao Legislativo
dar a vitória ao grupo que apoiava. A cisão no Partido Republicano da Bahia foi um
dos vários motivos que possibilitou o fortalecimento de J.J Seabra, que assumiu o
governo do Estado em 1912 mantendo sua influência e aplicando sua estratégia no jogo
político durante todo o período que abrange 1912-1920 e que será discutido mais
abaixo.
2.5: Cortem as unhas, tirem os viscos 167- analisando estratégias políticas.
Analisamos dois exemplos em que os grupos rivais usaram de diversas táticas
para alcançar o desgaste público dos seus oponentes. O empréstimo contraído na gestão
Tito Ruy em 1906 e o não pagamento dos impostos de gado nos anos da administração
do coronel Abdon de Abreu (1908-1912), mostram armas de disputas das oposições no
momento para atingir seus adversários de alguma forma. Observemos as versões dadas
pelos grupos adversários ao empréstimo contraído em 1906:
O que há de certo é que, decrescendo as rendas de annos para cá, attentas as incertezas das estações pluviaes, motivaram a necessidade da realização de um empréstimo para ocorrer as despezas urgentes e effectuar-se a compra de dois edifícios, tendo um deles por fim instituir uma renda certa e progressiva, uma vez levado a efeito os melhoramentos de que carecedor. (...) De abril para cá, a voz onipotente da grey governista em desforço a recusa do legislativo e executivo municipal solidaridarem-se com o governo de Estado na campanha tremenda em favor da candidatura que a apresentará para o seu sucessor e faz espalhar urb ET orb até pelas interferências das autoridades policiais dos distritos, com raras exceções, que na epocha actual nenhum imposto deveria ser pago; de sorte que, essa voz constantemente renovada pelos pregoeiros do prestigio intensamente repetia por toda a parte cercando a vida econômica do município168. (sic).
167Jornal Folha do Norte, 11 de dezembro de 1909, p. 01, MCS. 168 Jornal O Progresso, 08 de dezembro de 1907, MCS.
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O empréstimo foi feito com os negociantes da Praça da Bahia (Salvador),
Almeida Castro & Comp. E Moraes & Comp. O valor, cem contos de reis, a juros de
10% ao ano, seria destinado à aquisição de dois prédios, um para a Santa Casa de
Misericórdia e o segundo para produzir renda através da locação. Seria dado como
garantia desse empréstimo, o imposto de gado e seu consumo, e como subsidiaria, na
insuficiência deste, o imposto de exportação. A oposição liderada por Abdon de Abreu
incitou a população a não pagar os impostos para evitar a efetuação do empréstimo.
Acontece que quando Abdon de Abreu assumiu a intendência, a sua tática foi colocada
em prática pela nova oposição liderada por Tito Ruy e Agostinho Fróes da Motta, que
passou a não pagar os impostos, deixando a Intendência sem verbas até mesmo para
iluminação pública.
Estes tentaram com seus planos machiavelicos impigir o publico sensato desta cidade que os contribuintes teem de pagar 32% ao anno, alem do principal, incitando o povo a que não pague os prestamistas. (...) Quem não pode assim falar ao povo é essa camarilha ganansiosa que custe o que custar quer se apoderar do poder, porquanto desde que se operou a cisão do partido, vem entorpecendo a marcha regular do município com doutrinas subversivas ao regimem tributário, a ordem da paz locaes169. (sic). No entanto, o município apezar de reconhecer terem suas rendas decrescidas por circunstâncias econômicas, está actualmente abraçado com outras dificuldades creadas por interesses que se não justificam, como dentre outras, a nulla, pode-se dizer, arrecadação de impostos devidos. Simplesmente por uma má orientação política de alguns de nossos concidadãos, o dizemos, sem que lhes possa pezar à dignidade, que se recusam ao pagamento do imposto, sob vários fúteis protestos, especialmente partidários. 170 (sic).
No primeiro trecho temos a administração do intendente Tito Ruy se defendendo
das notícias sobre não pagarem os impostos. Como esses tributos eram oferecidos como
garantia em caso de empréstimo solicitado, a fala do chefe da intendência era,
principalmente, um gesto de defesa do mandato. Um breve interregno... e o feitiço virou
contra o feiticeiro: uma vez empossado, o Coronel Abdon de Abreu foi vítima do
mesmo estratagema. Os oposicionistas mais abastados da cidade, Froés da Mota,
Tertuliano de Almeida, Bernardino Bahia, Quintiliano Martins, Heráclito Dias de
169 Jornal O Progresso, 22 de dezembro de 1907, MCS. 170 Ressaltamos mais uma vez que o jornal O Progresso estava ligado ao grupo liderado por Tito Ruy Bacellar e o jornal O Município ao grupo de Abdon Alves de Abreu. Jornal O Município 12 de junho de 1908, MCS.
73
Carvalho e outros171 passaram a se recusar a pagar os impostos de gado, dizendo ser a
administração de Abdon de Abreu ilegal e ilegítima. Os primeiros meses de publicações
do jornal O Município estava sempre a pedir que estes pagassem os impostos,
mostrando que essa era uma tática política da oposição. Tática essa praticada por esse
grupo anteriormente. Para solucionar a questão, Abdon de Abreu, juntamente com o
governador e o prestamista fizeram um acordo e conseguiram resolver o débito do
empréstimo no fim do ano de 1908.
Na gestão de Abdon de Abreu, por falta dos pagamentos dos impostos, chegou-
se mesmo a suspender temporariamente a iluminação pública da cidade, sob acusação
de a intendência não ter verba e ter já encontrado os cofres vazios e sem os livros de
foros e da décima urbana. Os negociantes, além de se negarem a pagar os impostos do
gado, também tentaram mudar a feira da cidade para São Gonçalo, estratégia para
enfraquecer ainda mais a gestão do então Intendente. Apresentamos aqui as duas
versões observadas sobre o episódio:
Diversos negociantes despeitados levantaram-se contra o pagamento do imposto de gado vendido no campo da feira, e, apesar de uma conciliação realisada depois de terem tentado retirar o commercio de gado d’aqui para S. Gonçalo, ainda não entrou quantia alguma desse imposto para os cofres municipaes, acrescendo mais que os adversários da actual situação envidam todos os esforços para que os agentes arrecadadores nomeados pelo intendente, que esta effectivamente exercendo as funções deste cargo não a façam172. (sic) Os abaixo assignados de negociantes e comerciantes nessa cidade tendo em vista a pressão e pela cobrança vexatória do imposto por parte de uma Câmara ilegalmente constituída, e ainda mais pela intervenção da força policial disposta em diversos grupos tendo a frente o delegado de policia (...) os vendedores e compradores resolveram procurar outro mercado para efectuarem a suas operações para este a sede do município visinho de S. Gonçalo173. (sic)
Vimos que os negociantes além de não pagar, se articularam para uma mudança
da feira, o que além de prejudicar a arrecadação do imposto iria atrapalhar a rotina e a
economia da cidade, já que o comércio e a feira semanal era a mais importante atividade
econômica. Ainda encontramos nos anos de 1909 e 1910 notícias circulando cobrando
171 Na lista de devedores constam 119 nomes. O Município, 08 de agosto de 1908. 172 Jornal O Município, 30 de junho de 1908, MCS. 173 Jornal O Município, 16 de janeiro de 1908, MCS.
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os pagamentos174, sendo mesmo acionado o advogado da intendência com ameaças de
recorrer judicialmente aos devedores do mesmo. O não pagamento teve como
desdobramento, além de dificuldades financeiras para a intendência, confusões e
enfrentamentos. Um exemplo foi o caso que envolveu o capitão Juvêncio Erudilho que
era correligionário de Tito Ruy e acusou o capitão Andrelino de Oliveira e os coronéis
Abdon de Abreu e Manoel de Freitas de agressão, por ter ele reclamado que duas rezes
suas ficaram presas no matadouro por falta de pagamento. O jornal O Município narra a
seguinte versão:
O Sr. Juvêncio é o maior grulha da Feira. Incançavel derractor da actual situação política e excitador de tudo quanto possa embaraçar a administração municipal por que elle e seus amigos depois de anniquillarem aquele município, este nunca quis pagar o imposto das rezes abatidas para o consumo e assim sendo impedido no dia 12 corrente de retirar do matadouro as mesmas rezes, sem o pagamento dos impostos e entendendo que isso era grande ofensa a sua pessoa e dirigindo-se com ares de grão- senhor ao capitão Adrelino que em companhia do cel. Abdon estava. (...) Isso deu motivo para que o cel. Abdon o repelisse com termos comedidos, mas energéticos não sendo agredido por trez, pois não teria sahido incólume175. (sic)
Como vimos foram inúmeras as versões desse episódio, que resultou numa
grande confusão entre os sujeitos envolvidos. Os que agora eram oposição justificavam
o não pagamento dos impostos pela ilegalidade da posse de Abdon. Afirmavam que
apenas pagariam os mesmos quando o Senado divulgasse o resultado do processo
movido por esses contra a eleição do Intendente. Essa tática foi a mesma que tempos
antes foi aplicada por Abdon e seus correligionários, ficando assim evidente que os
grupos usavam as mesmas cartas para atingirem seus objetivos.
Hontem era essa gente a gritar por toda parte que ninguém pagasse imposto algum; hoje é essa mesma gente que se julgando empoleirados por meio de eleições falsas, exige a ferro e fogo que se lhe pague todos os impostos!176. (sic)
Não só o caso relacionado ao pagamento dos impostos ocasionou
desentendimento e ataques pelos jornais, algumas vezes ocorriam violência (como a
troca de tiros) e agressões envolvendo membros desses grupos rivais. Vale ressaltar que
174 Ver os jornais O Município de 1909 (11 de agosto: “a pedidos”, 25 de julho: “Dever cívico”) e 1910 (13 de abril, 22 de julho: “aos devedores do município”). 175 Jornal O Município, 08 de agosto de 1908, MCS. 176 Jornal O Progresso, 19 de janeiro de 1908, MCS.
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a posse e os primeiros meses de 1908 foram marcados pelo uso da força e de violência
de ambos os lados. Exemplo disso foi que em Janeiro de 1908, segundo o jornal O
Progresso, acompanhado de policiais e (supostamente) de jagunços o mesmo coronel
Abdon foi à casa de Tito Ruy exigindo as chaves do paço municipal e sendo-lhe
negadas, invadiu a intendência e a igreja Senhor dos Passos,
Se a transacta administração não o amortisou e não satisfez os juros do ultimo semestre de 1907, foi unicamente por que logo nos prenuncios da cissão do governo do Estado, os aventureiros de posições no município procuraram com a policia de sabre em punho, incutir no espírito dos contribuintes o não pagamento dos impostos devidos, sob promessas falazes de em breve alivial-os desses e outros gravames, concorrendo assim para retardarem e decrescerem as rendas; e em dezembro do citado anno, os actuaes tartulos, pseudos-administradores, tomaram de assalto o prédio municipal, apossaram-se dos livros do archivo e tudo mais fizeram sob a garantia das auctoridade daquelles tempos, em que o despotismo apunhalava impunemente a Constituição e todas as leis do nosso Estado177. (sic)
Sobre o fato do assalto ao Paço Municipal, muitas versões circularam na Capital
do Estado. Os jornais, com algum tipo de relação com os grupos, apresentavam por ora
como invasão do grupo oposicionista e ora como legítima, a posse de Abdon de
Abreu178.
Também foi estratégia da oposição, formada pelos coronéis Tito Ruy,
Bernardino Bahia, Agostinho Froés da Motta e outros, que ocupava a maioria dos
cargos do Conselho Municipal, não participar das reuniões do conselho, inviabilizando
os encontros por falta de quorum. Quando, eventualmente, as reuniões ocorriam, os
conselheiros se recusavam a aprovar os projetos do intendente e estas terminavam
sempre em discussões e trocas de acusações. Essa forma de luta enfraqueceu o
intendente, impedindo-o de aprovar balancetes anuais, realizar obras e melhoramentos,
ou:
(...) que o intendente de fato não quis que as atas das escassas sessões do mesmo conselho fossem dadas à publicidade, por que... Por que... umas tantas cousas não podem aparecer179
177 Jornal Folha do Norte, 11 de dezembro de 1909, MCS. 178 As referências são o Diário da Bahia, órgão oficial do PRB e ligado a Severino Vieira e o Correio da Manhã. 179 Jornal Folha do Norte, 25 de dezembro de 1909, MCS.
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É conhecido, por demais até, que neste município houve duplicatas de eleições municipaes e governamentaes; também é subjacente notório que o conselho municipal opposicionistas não tomaram até hoje posse dos cargos que se dizem eleitos180. (sic)
Por conseguinte o intendente também se articulava no sentindo de conseguir
alcançar seus objetivos, seja burlando as eleições a fim de favorecer seus aliados
políticos, seja fazendo suas obras públicas sem apoio do conselho municipal. Assim
temos em 1911 a inauguração da Avenida Araújo Pinho feita na gestão deste sem apoio
do Conselho Municipal e que foi considerada pelo memorialista Oscar Damião como
única obra feita por esse intendente181.
2.5.1: Todos saem ganhando: uma análise do acordo político das eleições
municipais de 1911.
Consideramos essencial debater o acordo político feito entre os coronéis Abdon
Alves e Agostinho Fróes da Motta referente às eleições municipais de 1911 e seu
improvável enlace final. Nela podemos perceber as táticas dos grupos para que ambos
fossem beneficiados nessas eleições municipais. Vejamos como o jornal Folha do Norte
discorre sobre esse acordo:
Um acordo foi realisado entre as forças políticas deste município, representadas de um lado pelo nosso distinto, leal e querido correligionário coronel Agostinho Fróes da Motta e de outro lado pelo ilustre coronel Abdon Alves. Por este acordo solene, que dignifica a ambas as partes pelo desprendimento e abnegação de quaesquer interesses pessoaes, pois unicamente visa o levantamento deste municipio, ficou determinado dividir-se as posições políticas da Feira de Sant’ Anna, que caberão a seis membros de cada partido, sendo que nosso partido dará o intendente ficando indicado o coronel Fróes da Motta e cinco membros do concelho e dará o partido situacionista os restantes seis membros para o concelho municipal. Como se vê este acordo honra a Feira e seus filhos. Concorreram para elle, em perfeita comunhão de vistas as eminências do Estado. Ao superior critério e segurança de vista do conspícuo senador José Marcelino de Souza, chefe do partido situacionista, deve-se principalmente o êxito desta feliz solução. A ella esta ligado ainda o nome do honrado Dr. Araújo Pinho, mui digno governador do estado, cuja distinção e boa vontade muito contribuiu para o acordo que foi também aplaudido e
180 Jornal O Município, 19 de março de 1909, MCS. 181
DAMIÃO, Oscar. Dicionário Personativo de Feira de Santana. Feira de Santana.
77
propugnado pelo nosso eminente amigo e dedicado chefe senador Severino Vieira182. (sic).
As facções buscaram na forma de um acordo ocupar os cargos políticos e evitar
um futuro confronto. Porém os acontecimentos não saíram tão bem quanto o esperado e
desejado. O coronel João Mendes da Costa lançou também sua candidatura para o cargo
de intendente pelo Partido Republicano Conservador que era chefiado por J.J Seabra,
dizendo-se apoiado por este último e pelo político Luis Vianna183 Mais uma vez as
eleições ocorreram e duplicatas e dois resultados diferentes se apresentaram. Os grupos
do acordo político declaram-se eleitos.
É uma verdade. E felizmente, em prol da democracia, neste município da Feira de Sant’ Anna, o pleito eleitoral do dia 12 corrente foi uma realidade. Para orgulho nosso, para orgulho desta terra, o resultado que se proclama dos comícios eleitoraes do ultimo domingo, é o verdadeiro grito das urnas e a genuína expressão da vontade do povo. As urnas falaram... (sic) 184.
Uma semana após as eleições, vemos o jornal Folha do Norte anunciando a
vitória dos políticos que participaram do acordo político. Mas o mesmo ocorreu com o
coronel João Mendes que recorreu ao Senado dizendo-se eleito e legítimo intendente da
cidade.
A outra eleição que o Sr. João Mendes da Costa fez publicar n’o Trabalho, de São Gonçalo dos Campos é igualmente fraudulenta e mais audaciosa por que o actual vice-presidente do conselho municipal e chefe de hostes cujos ídolos são também Seabra e Vianna, concorreu, com todos seus elementos, ás urnas e disputou a eleição, por sinal soffrendo uma derrota ruidosa, em que o ampararam 27 votos185. (sic)
O jornal O Trabalho que circulava na vizinha cidade de São Gonçalo dos
Campos era órgão dos seabristas na região que buscou legitimar a vitória de João
Mendes da Costa. Essas eleições foram anuladas e um novo pleito ocorreria em 1912.
Sobre essa anulação, a Folha do Norte publicou o seguinte comunicado:
182 Jornal Folha do Norte, 24 de setembro de 1909, MCS. 183
A aliança entre Viana e Seabra derrotou José Marcelino, Araujo Pinho e Rui Barbosa nas eleições presidenciais de 1911 que será discutida mais a frente neste capítulo. 184 Jornal Folha do Norte, 18 de novembro de 1911, MCS. 185 Folha do Norte, 26 de novembro de 1909, MCS.
78
Por decreto do dia 28 do corrente, do digno Sr. Dr. Vice- governador do Estado foi auctorisado, aos actuaes intendentes, conselheiros, juízes de paz e membros de Junta disctrictal deste município, continuarem a funcionar de 1ª de janeiro em diante até que o Senado se pronuncie a respeito da duplicata de eleições municipaes. Não haverá assim a 1ª do corrente, a solenidade da posse para que se estavam fazendo convites. Igual medida o governo está tomando de referência a todos os municípios186 (sic).
Após a divulgação da anulação das eleições, o acordo político foi desfeito e o
coronel Abdon de Abreu passou a apoiar o coronel João Mendes como candidato. Em
um cenário em que alianças eram feitas, desfeitas e refeitas, o coronel João Mendes da
Costa foi um exemplo dessa instabilidade nas relações políticas. Num primeiro
momento concorreu a intendente como opositor da chapa Froés/Abdon. Anulada esse
pleito eleitoral, atraiu seu amigo e compadre Abdon de Abreu, que foi acusado de
traidor e de forjar as atas eleitorais. Por fim, desistiu do cargo de intendente,
concorrendo ao conselho municipal, ao lado de Agostinho. O novo candidato a
intendente, foi o coronel Bernardino Bahia, apoiado pelo governador do estado e seus
correligionários, que concorreu contra Abílio Guimarães.
As eleições de 15 de setembro de 1912 ocorreram apenas nos municípios do
interior do Estado e não ocorreu na capital. Foram fiscalizadas por deputados e
senadores da situação do governo: para cada distrito da cidade e na sede deste município
houve um emissário para verificar as mesas eleitorais. O objetivo desta seria evitar as
‘fraudes’ e ‘duplicatas’ nesse pleito eleitoral.
Chegarão hoje a esta cidade, em trem especial, distintos políticos, deputados e senadores situacionistas, que vêm da capital do Estado, comissionados pelo governo, assistir o pleito. Para cada distrito seguirá um desses emissários. Convêm que o srs. eleitores tenham muito em atenção o modo de fazer a cédulas que devem ser escoimadas de qualquer vicio187.
Apesar das acusações de Abílio Guimarães de duplicatas, o governo do Estado
declarou como legítimas as eleições de Bernardino Bahia como intendente e dos demais
conselheiros e juízes de paz. Em outubro desse mesmo ano, o mesmo coronel assumiu a
chefia do executivo de Feira de Santana, permanecendo até os fins de 1915 no poder.
186 Jornal Folha do Norte, 30 de dezembro de 1911, MCS. 187 Jornal Folha do Norte, 14 de dezembro de 1912, MCS.
79
Porém o cenário estadual encontrava-se totalmente conturbado e é sobre esse cenário
que debateremos agora.
2.6: O bombardeio de Salvador e a ascensão de Seabra ao poder.
Os chefes políticos não se improvisão de um dia para outro; não são os que
querem; são os que podem pelos predicados que caracterisam a essa posição188. (sic)
Nesse subtópico discutimos as manobras políticas estaduais que levaram a
ascensão de J.J Seabra à chefia do executivo estadual, suas estratégias, analisando e
relacionando como os políticos feirenses se posicionaram e suas estratégias de apoio ou
de oposição ao mesmo.
Em 1911, Seabra então ministro da Viação e Obras Públicas, lançou sua
candidatura para concorrer à chefia estadual da Bahia para o quatriênio 1912-1916 pelo
Partido Republicano Democrata(PRD). Era então chefe desse partido e foi buscando
consolidar de vez seu nome na política baiana, uma vez que já figurava nas relações
políticas nacionais e estaduais. Fora um dos percussores da campanha presidencial de
Hermes- Wenceslau (1910) na Bahia, não apoiando a candidatura de Ruy Barbosa e sua
campanha civilista. Seabra foi o responsável pela criação da JUNTA BAIANA PRO-
HERMES-WENCESLAU no centro político republicano, sendo o presidente desta.
Dele participaram figuras como Octávio Mangabeira, Antônio Moniz e Dr. Freire de
Carvalho. As bases dessa junta definiam que:
Base IV- Em cada município do Estado e em cada distrito desta capital os adeptos das candidaturas Hermes-Wenceslau, constituirão uma junta local composta do número de membros que considerarem conveniente, comunicando a comissão central o que porventura resolverem189.
Essa junta foi uma tentativa de captar em todo estado o apoio para dar a vitória
aos candidatos à presidência e vice-presidência da República. Esta mesma junta se
desdobraria na união com o Partido Republicano Conservador (PRC). Em resposta ao
188
Jornal O Progresso, 17 de dezembro de 1905: Pelo cós das calças, MCS. 189
ARAGÃO, Antônio Ferrão Moniz de. A Bahia e seus Governadores na República. Edição fac-similar- Salvador: Fundação Pedro Calmon, UEFS editora: 2010. P. 284.
80
apoio dado a sua campanha, o novo presidente eleito, o marechal Hermes da Fonseca
escolheu Seabra para assumir o ministério da Viação e Obras Públicas.
Com apoio do Presidente da República, Seabra lançou sua candidatura para o
cargo de governador, concorrendo com Domingos Guimarães (que se candidatou pelo
PRB). Mas do início dessa disputa eleitoral até a sua posse em 1912, muitas águas e
conflitos rolaram no cenário da política baiana. A principal delas foi o bombardeio da
cidade de Salvador, no contexto das chamadas salvações nacionais. Mônica Quaresma
salienta que durante o governo de Hermes da Fonseca, ocorreram no Brasil intervenções
federais nos estados, feitas pelos militares, que ficaram conhecidas como as salvações
nacionais190. É necessário entender como ocorreu a intervenção na Bahia e qual foi o
papel de Seabra nisso.
Como já dissemos J.J Seabra buscou articular-se na política baiana para que
quando chegasse o momento, o seu nome fosse lançado para concorrer à chefia do
executivo estadual. Mas não seria tão fácil alcançar o poder. Seabra já sofria com a
oposição dos grupos severinistas e marcelinistas, juntamente com Ruy Barbosa que
embargou a sua eleição para o senado no estado de Alagoas em 1906 e que durante sua
trajetória política foi um dos seus opositores mais veementes. Também os severinistas e
marcelinistas estavam dispostos a não deixar que Seabra chegasse à chefia do governo
da Bahia. Para tal, lançaram como candidato Domingos Guimarães pelo PRB,
acreditando que pelo fato de ser amigo íntimo do então governador da Bahia, Araújo
Pinho, esse teria peso para derrotar Seabra nas urnas191.
A oposição tentou impugnar a candidatura de Seabra. Criaram uma emenda que
estabeleceu que só poderia concorrer ao cargo de governador quem não estivessem
ocupando funções públicas192. Falando claramente, tentou-se tornar inelegível a sua
candidatura, baseado no argumento que o mesmo já assumia a função pública de
ministro da Viação e Obras Públicas, o que tornaria incompatível com a candidatura a
outra função pública. Essa tentativa foi elaborada por Ruy Barbosa, que buscou
pressionar para que o Senado aprovasse tal emenda.
190
QUARESMA, Mônica. O salvacionismo na Bahia: o político e a política em J.J Seabra (1912-1916). Dissertação de Mestrado, UNICAMP: 1999. 191ARAGÃO, Antônio Ferrão Moniz de. A Bahia e seus Governadores na República. Edição fac-similar- Salvador: Fundação Pedro Calmon, UEFS editora: 2010. 192 Idem, p. 356.
81
Nesse momento o então governador Araújo Pinho renunciou ao governo do
estado em 22 de dezembro de 1911, alegando problemas de saúde. Para os que
conheciam o mesmo, a razão da sua renúncia seria a falta de controle no cenário
político, fazendo com que o mesmo tratasse mais de política do que da administração do
Estado193. Pela Constituição, quem o sucederia seria o presidente do Legislativo, que era
o cargo exercido por Leoncio Galrão, função que o mesmo não aceitou, alegando ter
debilidades de saúde, assumindo então o presidente da Câmara dos Deputados, o senhor
Aurélio Viana.
As eleições ocorreram de forma tensa. Na tentativa de legitimar como eleito
Domingos Guimarães, Aurélio Viana decidiu transferir a reunião da Assembléia
Legislativa para contagem dos votos para a cidade de Jequié, no centro-leste da Bahia.
Esta cidade era de difícil acesso e não possuía telégrafo. Os seabristas entraram com
uma ação contra a transferência da Assembléia e o juiz federal Paulo Fontes deferiu,
ratificando que a mesma reunião se mantivesse em Salvador. A transferência da
Assembléia gerou conflitos entre os grupos políticos e inclusive insatisfação da
população194. O governador recusou-se a cumprir as ordens do juiz, argumentado que a
transferência era para proteger a autonomia do Estado. Pressionando para que o habeas-
corpus fosse cumprido, o presidente Hermes da Fonseca mandou virar os canhões do
forte de São Marcelo para a cidade e para a Assembléia. O governador substituto foi
informado de que, se não cumprisse a ação, iria haver disparos contra a capital do
Estado, tendo uma hora para decidir, o que levou ao desespero a população195. O
Bombardeio aconteceu em 10 de janeiro de 1912 e um dia após, o então governador
Aurélio Viana, renunciou. Dias depois a cidade começou a ser ocupada pelos militares
dos batalhões que vinham de toda parte do país196. Moniz de Aragão, vivenciando o
momento do bombardeio, defendeu a intervenção argumentando que:
A intervenção de 1912 se verificou na Bahia para a execução de uma sentença, garantindo exercício de suas funções a deputados e
193 Idem, p. 296. 194
QUARESMA, Mônica. O salvacionismo na Bahia: o político e a política em J.J Seabra (1912-1916). Dissertação de Mestrado, UNICAMP: 1999. P. 91. 195
Tanto Pang, quanto Novais, Quaresma e Noronha afirmam que os disparos levaram o caos a cidade de Salvador, sendo atingida e destruído alguns edifícios e algumas pessoas saíram feridas e mortas. 196QUARESMA, Mônica. O salvacionismo na Bahia: o político e a política em J.J Seabra (1912-1916). Dissertação de Mestrado, UNICAMP: 1999. P. 92.
82
senadores, dellas privados por prepotência do governo, que chegou ao ponto de transformar em caserna o edifício da câmara, onde deveria reunir-se a Assembléia Geral197. (sic).
Essa é a visão de um político que, no período era aliado de J.J Seabra e membro
do Partido Republicano Democrático. Já Quaresma, ao analisar o salvacionismo na
Bahia diz que houve em partes do Brasil protestos contra o bombardeio em Salvador e a
intervenção federal no Estado, houve demissões das pastas ministeriais, a exemplo do
barão do Rio Branco, que não concordou com a intervenção. E também houve em
algumas cidades baianas ligas antiintervencionista que eram contrárias a qualquer
medida de força no Estado198. Citou Feira de Santana entre estas cidades, porém, no
curso de nossas pesquisas, não encontramos referências sobre a liga antiintervencionista
citada pela autora.
Quaresma defende que o bombardeio não foi algo feito sem pensar e sem
preparação. Afirma que desde 1911 já havia planos de bombardear Salvador, logo não
teria sido algo pensado em cima da hora. Mesmo após o bombardeio a oposição
formada por Ruy Barbosa, Aurélio Viana, Inácio Tostas e outros tentou impedir que
Seabra assumisse o governo do estado. Ruy Barbosa entrou com um habeas-corpus para
que Aurélio Viana reassumisse o poder, alegando que ele havia renunciado, pois passou
por constrangimento para exercer suas funções199. O Marechal Hermes devolveu a
administração novamente a Aurélio Viana, que em 25 de janeiro renunciou ao cargo
mais uma vez.
A oposição não conseguiu impedir a legitimação das eleições e Seabra foi eleito
e assumiu o poder do executivo estadual em 28 de março de 1912, amparado pelo apoio
do poder federal. O bombardeio de Salvador possibilitou a sua ascensão ao poder. O
presidente Hermes não poderia imaginar era que, dali a um ano, esse político quebraria
as regras da política dos governadores, para se aliar com a oposição federal.
Quando começou a campanha para decidir quem seria o sucessor do Marechal
na Presidência da República, Seabra surpreendeu ao se aliar a Ruy Barbosa, apoiando
este como candidato a presidência, se posicionando contra o candidato de Hermes da
197ARAGÃO, Antônio Ferrão Moniz de. A Bahia e seus Governadores na República. Edição fac-similar- Salvador: Fundação Pedro Calmon, UEFS editora: 2010. P. 430. 198
Idem, p. 92 e 93. 199 Idem, p. 438.
83
Fonseca, de modo que quebrou o pacto da política dos governadores. Na oposição
uniram-se os severinistas, marcelinistas e vianistas contra o governador. Apesar do
apoio de Seabra, a candidatura de Rui Barbosa não vingou, sendo lançado o nome de
Wenceslau Brás.
Seabra tornou-se, além de chefe do executivo estadual, chefe do Partido
Republicano Conservador (PRC), de quem o líder era o influente Pinheiro Machado. O
PRC foi fundado em 1912, e na Bahia, o PRD, que era liderado por Seabra, se
incorporou a esse partido. Também dele os vianistas, por um tempo, fizeram parte.
Enquanto líder desse partido, o governador buscou, assim como o fizera o PRB em sua
fundação, agregar as lideranças do Estado, ou boa parte dos políticos importantes. Nele
estavam: Simões Filho, Antônio Moniz, Ubaldino de Assis, Moniz Sodré, entre outros.
Em Feira de Santana, por exemplo, era o coronel João Mendes da Costa, o presidente do
partido em 1912, aquele que concorreu para o cargo de intendente nas eleições
municipais que ocorreu no final de 1911 e que foi anulada pelo Senado Estadual. Sobre
essas eleições e o PRC em Feira de Santana, o jornal O Republicano nos traz como o
diretório local se articulou sobre a anulação das eleições. Vemos então que:
No domingo, 21 do corrente, realisou no palacete da residência do cel. João Mendes da Costa, ilustre e prestigioso chefe do Partido Republicano Conservador (PRC), solene reunião do directorio do partido, cujo fim foi para ser exposto pelo presidente a situação política do Estado, onde a cada instante surgem propostas de accordos com typo etherogeneos á política, com quaes não se conformando o chefe cel. João Mendes, julgou de conveniência política, regressar da capital para reunir os seus correligionários e amigos afim de scientifica-los das ocorrências da ocasião (...) o chefe relatou os esforços empregados na defeza de sua legitima eleição para o cargo de intendente e os obstáculos creados pelo L. Viana, para que entrasse em accordo com o portador de uma eleição falsa e inexistente. (sic). 200
O jornal que traz essa notícia era O Republicano, que tinha relações políticas
com o seabrismo e que circulou em Feira de Santana apenas no ano de 1912. Já
mencionamos que o proprietário desse periódico era Manoel Falcão, que também era
dono do jornal O Trabalho que circulava em São Gonçalo dos Campos. Durante o fim
da gestão do coronel Abdon de Abreu, esse órgão era o que divulgava o expediente da
intendência municipal. Podemos perceber que a notícia buscou apresentar os
200
Jornal O Republicano, 18 de abril de 1912, p. 2: Reunião Política. MCS.
84
acontecimentos do Estado, trazidas por João Mendes da Costa da capital. O mesmo
procurou na capital do Estado o apoio do então governador para que o pleito municipal
de 1911 não fosse anulado e que fosse declarada a vitória ao candidato do PRC. Porém
o senador Luiz Viana conseguiu no Senado a anulação dessas eleições e a realização de
um novo pleito, fazendo com que João Mendes buscasse, no seio do seu partido, apoio
para que isso não ocorresse.
Como era de se esperar durante seu mandato, Seabra sofreu oposições dos
severinistas. O governador permaneceu no PRC até o momento que apoiou Ruy
Barbosa ao invés do candidato de Hermes da Fonseca. Dessa vez era ele que era alijado
do PRC, tornando-se oposição ao governo federal, pois, estava quebrando as regras da
política dos governadores, segundo a qual o governador deveria apoiar as decisões do
presidente da república para não ter interferências na autonomia do seu Estado. Ao
mesmo tempo, Seabra passou também a sofrer oposições dos populares, crescendo os
movimentos reivindicatórios. A marca da sua primeira gestão foi o início da
modernização da cidade de Salvador201 seguindo o projeto higienista, ocorrendo
abertura de avenidas, construção de novos prédios públicos e reformando outros,
alargamentos de ruas e para tal ocorreram desapropriações de casas e casebres202.
Cunha ressalva que a modernização empreendida por esse governador visava o lucro
privado e não respeitava o patrimônio cultural e histórico da capital baiana203
2.7: A reforma constitucional de 1915: a estratégia de dominação.
Quando assumiu o governo estadual, Seabra buscou meios de fortalecer o seu
poder e começou fazendo alterações dentro da constituição do seu próprio partido.
Excluiu aqueles que possuíam postos no congresso, entre os quais Luiz Viana e Antônio
201
Para saber mais sobre a modernização da cidade de Salvador empreendida por Seabra, vê a dissertação de Rinaldo Leite: “E a Bahia civiliza-se”: ideais de civilização e cenas de anti-civilidade em um contexto de modernização urbana, Salvador, 1912-1916. Salvador: dissertação de mestrado, UFBA. 202
Importante lembrar que durante o governo do presidente Rodrigo Alves, Seabra foi ministro da justiça e negócios interiores tendo papel de destaque nas reformas da capital federal e também na repressão na revolta da vacina e na revolta da escola militar. 203CUNHA, Joaci. O fazer político na República Velha, 1906-1930. Salvador: UFBA, 2011. Tese de doutorado. P. 107.
85
Moniz204. Naquela altura, já como chefe do Partido Republicano Conservador (PRC),
ocorreu a cisão entre Seabra e Luiz Vianna, fazendo com que este último fosse excluído
do partido. Não somente Viana tornou-se oposição ao governador, o jovem Simões
Filho, dono do jornal A Tarde, também deixou o PRC, passando para as fileiras da
oposição ao então governador do estado. Como foi mencionado anteriormente, já no
ano de 1913, o próprio Seabra e seus correligionários seriam expulsos do PRC.
Como pela Constituição estadual, o governador não podia ser reeleito e já
pensando em como manter seu poder e domínio em todo estado para voltar a chefia do
executivo estadual, J.J Seabra em 1915 fez uma reforma constitucional (24 de maio de
1915) e criou a lei de organização municipal (lei 1.102 em 11 de agosto de 1915) de
acordo com a qual os intendentes dos municípios já não seriam eleitos e sim indicados
pelo governador, com a aprovação do Senado, para assumir por dois anos, com direito
de se renovar por mais dois anos de mandato. Logo, só assumiria o cargo de intendente
na Bahia, os políticos com seu consentimento. Nos últimos quatro meses da sua gestão,
Seabra nomeou 135 intendentes de 141 municípios do Estado, sendo 65% deles
coronéis e majores da guarda nacional205.
Pang ressalva que a reforma constitucional de 1915 foi estruturada por esse
político para conseguir controlar os coronéis206. A reforma aumentou assim o poder do
governador em monopolizar os processos eleitorais no Estado. Assim como Pang,
Sampaio destacou que o ano de 1915 assinalou o domínio inconteste do poder seabrista
em três sentidos: a consumação do controle absoluto do Legislativo, a reforma da
constituição estadual e a promulgação da lei de organização municipal207. Sobre a
reforma constitucional, o jornal O Republicano publicou que:
Esta reforma, uma das necessidades pelas classes de que se compõem a nossa media política, apontou na primeira mensagem o exm. Sr. Dr. J.J Seabra (...) O que de absolutamente não se poderá fazer culpa ao governo reformador, é de precipitação ou acomodamento. Se elle não é passível deste reparo, de qualquer outro ainda menos. O supremo
204 Idem, p. 100. 205
SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos na Primeira República: uma política de acomodação. Salvador: Centro Editorial Didático da UFBA, 1975. P. 130 206 PANG, Eul-Soo. Coronelismo e oligarquias (1889-1934): A Bahia na Primeira Brasileira. P. 124. 207 SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos na Primeira República: uma política de acomodação. Salvador: Centro Editorial Didático da UFBA, 1975.
86
motivo de agir esta reconhecido, desde que se tem verificado a necessidade da reforma. (sic)208
Podemos perceber que já em 1912, no início do seu mandato, J.J Seabra
tencionava fazer a reforma constitucional no Estado. Levou três anos para que a mesma
fosse efetivada, mas possibilitou ao governador um controle sobre a política estadual,
dando-lhe o poder de manipular ao seu favor quem assumiria o principal cargo dos
municípios: o de intendente.
Houve então alterações que permitiram que a relação de dependência entre o
governador e os políticos que assumiam o poder municipal (seja intendente ou os
conselheiros municipais) ficasse mais intensa. A partir de 1916, a apuração dos votos
passou a ser feita sob a responsabilidade do juiz instalado no município. Para Silvia
Noronha Sarmento isso aumentou o controle do governo estadual, já que eles
nomeavam os juízes. Se um juiz decidisse contrariar o poder local, precisaria estar
amparado pela força policial do Estado, em contingente expressivo. Dificilmente, o
governo teria como proporcionar esse amparo em todos os municípios durante o
processo eleitoral. Desse modo a maioria dos juízes, simplesmente referendava as
decisões tomadas pelo poder local209.
Na Bahia ocorreram algumas reformas constitucionais anteriores à de 1915,
entre elas a de 1904 (Lei Rosa e Silva), que estabeleceu que na comissão de alistamento,
deviam fazer parte obrigatoriamente os maiores contribuintes do município. Os homens
mais abastados das cidades eram considerados aptos a resolverem questões políticas, o
que lhe davam mais meios de dominar a política. Porém na reforma de 1916 essa lei foi
extinta. A nova lei criou a obrigatoriedade do eleitor de provar que tinha meios de se
sustentar como condição para se alistar210. Isso mostra que apesar do voto censitário ter
sido extinto na constituição de 1891, a questão da riqueza continuava de algum modo
presente como estratégia direta de exclusão da maioria da população de ter direito ao
voto durante a “Primeira República”.
Percebemos que tanto a primeira quanto a segunda lei nos mostram que existia a
tentativa de limitação para os que deviam estar dentro do jogo político. Portanto, existia
208 Jornal O Republicano, 5 de maio de 1912, p. 01: Reforma Constitucional, MCS. 209 SARMENTO, Silvia Noronha. A raposa e a águia: J.J Seabra e Rui Barbosa da Primeira República. Salvador, UFBA: dissertação de mestrado, 2009. P. 40. 210 Idem, p. 40.
87
um estreitamento do fazer político em torno das fortunas mais abastadas da cidade, do
Estado e do país. A lei de organização municipal só foi extinta no segundo mandato de
Seabra em 1920, sendo convocado um congresso de intendentes municipais em 1921.
Só em agosto de 1920 é que voltam às eleições municipais para intendente. Em Feira de
Santana foi eleito o coronel Bernardino Bahia, que já estava em exercício por indicação
do então governador Antônio Moniz.
2.8: O retorno do chefe: uma análise do segundo mandato de Seabra.
Como a constituição estadual não previa a reeleição ao mesmo cargo era preciso
que Seabra escolhesse alguém que fosse seu aliado para sucedê-lo, no quatriênio 1916-
1920. Que pudesse controlar o mesmo e se manter leal a seu partido até que pudesse
novamente concorrer ao cargo de governador. O PRD pressionou o então chefe do
executivo para saber qual a sua escolha. Alguns nomes foram alavancados, porém
Seabra indicou o nome de Antônio Moniz. Este além de ser amigo de longa data,
sempre fora fiel ao governador. Antônio Moniz havia sido deputado estadual em 1909,
ajudou na articulação da fundação do Partido Democrata e foi o autor do livro A Bahia e
seus governadores na República, publicado no ano de 1923211.
Devido à escolha do candidato para sucedê-lo no poder, Seabra rompeu
novamente com Ruy Barbosa e também com Octávio Mangabeira. Antônio Moniz, seu
candidato, foi eleito nas eleições de fins do ano de 1915 não tendo adversário no pleito
eleitoral. Governou de 1916 a 1920 e sua gestão foi pautada na tentativa de controlar os
chefes locais dos municípios, para o que se utilizou da reforma na lei municipal feita por
Seabra. Porém, não pôde controlar a oposição, que se articulou para impedir que Seabra
retornasse à chefia do executivo estadual. Desse cenário teve desdobramento a tão
conhecida Revolta Sertaneja.
Seabra preparou-se para voltar ao comando do Estado, porém agora contava com
uma oposição mais adensada e maior. Do lado da oposição encontravam-se nomes
como de Simões Filho, Miguel Calmon, Otávio Mangabeira e Pedro Lago. O juiz
federal Paulo Fontes concorreu ao governo pela oposição, contra Seabra. Sarmento
destaca que na disputa eleitoral entre Seabra e Paulo Fontes, a verdade era que esta era 211
ARAGÃO, Antônio Ferrão M. A Bahia e seus governadores na República. Edição fac-similar- Salvador: Fundação Pedro Calmon, UEFS- Editora 2010. P. 04.
88
mesmo um duelo entre Seabra e Ruy Barbosa e que este último se empenhou passando
por cidades do interior da Bahia fazendo campanha eleitoral, inclusive por Feira de
Santana, o que reitera essa cidade como um “lócus” de poder na política baiana212.
Cunha destaca que para disputar seu segundo mandato, Seabra teria pela primeira vez
que enfrentar uma disputa eleitoral contra uma oposição estruturada do interior da Bahia
à capital da República213. Logo o mesmo não poderia cometer qualquer deslize em
relação ao governo federal, significava dizer que não deveria cometer nenhum erro com
a política dos governadores. Conseguir assumir o seu segundo mandato foi um caminho
tenso e conflituoso para Seabra tanto quanto a sua primeira posse.
2.8.1 A Revolta Sertaneja.
Quando a apuração eleitoral declarou a vitória de Seabra como eleito para chefia
do executivo estadual, a oposição buscou articular-se para que o pleito fosse anulado.
Dessa vez se insuflou uma revolta que vindo do interior do estado chegaria à capital,
buscando dessa forma uma intervenção federal que favorecesse a oposição e fizesse
Seabra renunciar. Neste cenário o coronel Horácio de Matos se destacou, impulsionando
o levante e anunciando a luta ao presidente da República. Cunha salienta que os
civilistas buscaram derrotar o seabrismo pelas armas dos coronéis e por uma idealizada
intervenção federal214.
A oposição ao seabrismo encontrava-se mais organizada, reunindo-se entre estes
os coronéis, liderados por Horácio de Matos, e ainda Ruy Barbosa, Simões Filho,
Otávio Mangabeira e a Associação Comercial da Bahia que, como destacou Cunha,
patrocinou o levante concedendo armas para os coronéis215. Com o resultado das
eleições favorável à vitória de Seabra, Horácio de Matos declarou a marcha
insurrecional em direção a capital.
Os coronéis reuniram seus jagunços e buscaram tomar as cidades que tinham
chefes correligionários de Seabra. O clima era tenso e houve a intervenção federal, mas
212 SARMENTO, Silvia Noronha. A raposa e a águia: J.J Seabra e Rui Barbosa da Primeira República. Salvador, UFBA: dissertação de mestrado, 2009. P. 40. 213 CUNHA, Joaci. O fazer político na República Velha, 1906-1930. Salvador: UFBA, 2011. Tese de doutorado. P. 200. 214 Idem, p. 199. 215 Idem, 200.
89
como afirmou Cunha, apesar da revolta sertaneja e da oposição tentar anular as eleições,
essa intervenção federal foi favorável à posse de Seabra, que ocorreu no dia 23 de
fevereiro de 1920216.
O presidente da República no momento era Epitácio Pessoa e desde o início da
revolta buscou acabar com esta, temendo o caminho de insurreição que a oposição
estava tomando. Em fevereiro de 1920 começou então a intervenção federal que buscou
reforçar a segurança do Estado e negociar com os insurretos acordos para por fim ao
conflito. Muitos soldados se instalaram em cidades vizinhas as que estavam sendo
controladas, buscando cercá-la afim de que, se ocorresse o confronto, as tropas federais
estivessem preparadas. Feira de Santana foi uma dessas cidades que recebeu
destacamento do exército federal. Sobre a permanência deste nessa cidade, o jornal
Folha do Norte anunciou que:
Por motivo da intervenção neste Estado, acha-se estacionado nesta cidade, aguardando ordens, o 1º batalhão do 12º regimento de infantaria do exercito nacional, sob o commando do brioso e digno oficial, o Sr. Major Hypolito de Medeiros. (...) É muito significativo constatar e o fazemos da melhor vontade, a observação de que entre a distinta officialidade deste batalhão, não se nota tendências de natureza política e sim o ardente dezejo de cumprirem fielmente seus deveres sem preoccupações de personalidades217. (sic).
Pudemos ver que em Feira de Santana o batalhão do regimento ficou
estacionado na cidade esperando ordens do major caso fosse necessário agir. Não houve
nesta cidade qualquer levante contrário à posse do governador Seabra , a situação e o
PRD estavam fortemente aliados218. Houve mesmo durante as eleições presidenciais
uma campanha em Feira de Santana a favor de Ruy Barbosa, inclusive esse mesmo
estadista teria vindo fazer sua campanha, permanecendo por alguns dias na cidade. Mas
houve também o apoio ao candidato Epitácio Pessoa que, teve na cidade a maioria dos
votos.
Para o então governador Antônio Moniz o seu pedido para que o governo federal
interviesse na Bahia foi por que:
216 Idem, p. 212. 217 Jornal Folha do Norte, 28 de fevereiro de 1920: A intervenção: a força federal. MCS. 218
Nesse momento na cidade o PRD era aliado do PRB na cidade, porém com a queda de Seabra em 1923, o PRD desapareceu na arena política na cidade, mantendo-se apenas o PRB.
90
A ajuda ao presidente foi pedida, pois, a oposição tinha insuflado grupos, fornecendo armas, munições e dinheiro, impelindo-os ao saque pelo ataque as cidades abertas e argimentando-os a luta armada contra autoridades constituídas dos municípios219. (sic)
O debate historiográfico que gira em torno da revolta sertaneja e da intervenção
federal na Bahia afirma que houve apoio da Associação Comercial da Bahia à revolta,
fornecendo dinheiro e munições para os revoltosos, bem como também apoio da
oposição em fornecer armas e recursos para que a insurreição se mantivesse e pudesse
avançar rumo à capital do Estado.
Para acabar com a revolta, a ação federal firmou acordos individuais
diretamente com os coronéis, chamados de tratados de paz e que favoreceu muito esses
chefes políticos, já que esse acordo possibilitou estabelecer ainda mais seu domínio
sobre sua região, tendo a liberdade para atuar como bem quisessem. Sobre esse pacto e
quem foi beneficiado, Cunha diz que:
... Afinal os tratados de paz estabelecidos diretamente com o governo transformavam os coronéis em atores independentes na esfera política nacional, onde passaram atuar por meio dos deputados eleitos em seus territórios, não raro estabelecendo alianças com dirigentes de outros estados do país220.
A oposição mais uma vez saia da segunda intervenção federal no Estado da
Bahia derrotada, já que se na primeira vez, com o bombardeio de Salvador, a salvação
nacional fez com que Seabra assumisse o poder. A segunda possibilitou o mesmo
resultado, porém o governador assumia seu segundo mandato mais enfraquecido.
Os acordos feitos entre o coronel Horácio de Matos e o representante do governo
federal e as primeiras atitudes do governador Seabra, geraram alguns protestos pelo
Estado. Em Feira de Santana houve de forma isolada protestos contra como se
desenvolveu o fim da revolta sertaneja. Vejamos a denúncia feita pelo coronel João
Mendes da Costa a respeito:
O abaixo firmado, brasileiro, casado, negociante, proprietário natural desta cidade, onde reside, vice presidente do concelho municipal, membro do conselho geral do Partido dominante nesta cidade, vem
219ARAGÃO, Antônio Ferrão M. A Bahia e seus governadores na República. Edição fac-similar- Salvador: Fundação Pedro Calmon, UEFS- Editora 2010. P.682. 220
CUNHA, Joaci. O fazer político na República Velha, 1906-1930. Salvador: UFBA, 2011. Tese de doutorado. P. 216.
91
pela imprensa cheio de indignação, protestar perante o Presidente da República, todos os tribunaes, autoridades competentes e a parte sã da sociedade do Paz, contra o accordo negro e covarde celebrado entre o senhor Horácio de Matos e o comandante do distrito o general Cardoso de Aguiar, apoiado pelo dr. Seabra, hoje governador que com a criminosa deslealdade, ao seus fiéis correligionários, affronta os brios de um povo heróico, nomeando para cargos de grande importância e responsabilidades, indivíduos que acabaram de praticar os mais bárbaros crimes com a família sertaneja. (...) Assim nega o seu pequeno serviço e apoio ao actual governo, recolhendo-se aos bastidores até que Deus lembre deste pedaço de terra da Santa Cruz a muito esquecida. João Mendes da Costa221
Esse protesto feito pelo coronel João Mendes da Costa e divulgado pelo jornal
Folha do Norte ocorreu de forma isolada e específica, visto que nas pesquisas feitas não
encontramos nenhum outro tipo de manifestação contrária ao acordo feito entre o
governador J.J Seabra e o chefe da insurreição sertaneja, Horácio de Matos.
Percebemos, sim, que os grupos dominantes na cidade apoiou a intervenção federal,
recebendo bem o batalhão que permaneceu na cidade à espera de ordens e tão como
apoiou o novo governador, que pertencia ao mesmo partido que a situação na cidade.
O segundo mandato de Seabra transcorreu com uma oposição mais forte e aos
poucos sua influência e dominação política foram ficando cada vez mais enfraquecidas.
Uma das causas seria que nas eleições presidenciais de 1922, o mesmo concorreu para o
cargo de vice-presidente da República juntamente com Nilo Peçanha para presidente,
contra o candidato da situação Artur Bernardes. Mais uma vez Seabra quebrava o jogo
da política dos estados, já que além de não apoiar o candidato do presidente, ele mesmo
concorreu contra este. Sobre essas eleições e da posição política dos redatores do Jornal
a Folha do Norte, vemos que:
E de gratidão porque a Feira sempre gentil e cavalheirosa, vê apresentar-se-lhe ocasião de manifestar de publico o seu alto reconhecimento ao seu benfeitor, candidato agora á vice-presidência da República. A’s urnas, portanto, feirenses generosos, pelos candidatos da dissidência, porque com isso tereis concorrido para a estabilidade e firmeza do regimen republicano, como também tereis demonstrado a vossa admiração por José Joaquim Seabra, que tanto se desvela pelo futuro e bem estar de vossa terra222. (sic)
221
Jornal Folha do Norte, 17 de abril de 1920. A pedido: protesto, p.02. MSC. 222 Jornal Folha do Norte, 1922, sem data. MCS.
92
Durante a campanha presidencial a Folha do Norte apresentou diversos artigos
enaltecendo a figura do governador que no passado não lhe eram tão amistosas. Por
quanto o jornal trabalhou na expectativa da vitória de Seabra, houve também em Feira
de Santana o jornal A Feira que tinha sido criado justamente para apoiar a candidatura
Bernardes- Urbano. Sobre seus propósitos, a Folha do Norte diz que:
Começou circular nesta cidade, o periódico A’Feira. De moderno feitio e boa colaboração, pertence a uma sociedade anonyma, obedecendo a orientação do ‘centro feirense pró- Bernardes Urbano’ peleja em favor das candidaturas dos governadores de Minas e Maranhão aos supremos postos da República. (...) Nossas idéias políticas diametralmente opostas as do jovem colega, não impedem que nos regozijemos com a cidade pela aquisição de um novo elemento de progresso, nem que mandemos aos confrades d’ A Feira num dever de boa camaradagem, efusivas saudações e votos de longa vida223. (sic)
Não tivemos acesso a esse periódico e não encontramos além dessa notícia
nenhuma referência a esse jornal e ao centro feirense pró- Bernardes Urbano, mas pelo
que destacou a Folha do Norte, podemos ver que em Feira de Santana houve certa
disputa nessas eleições presidenciais. Tanto é que o mesmo Folha do Norte insistiu em
anunciar a chapa adversária de Seabra como vitoriosa no país e como tendo uma grande
diferença de votos em relação a Bernardes, tanto no Estado quanto na cidade. Sobre a
derrocada de Seabra e a ascensão do grupo calmonista discutiremos no próximo
capítulo.
2.9: Os percussores do progresso: reformas na cidade de Feira de Santana.
Por fim, discutimos aqui sobre as reformas urbanas empreendidas em Feira de
Santana pelos intendentes Bernardino Bahia e Agostinho Froés da Motta. Ao discutir
sobre modernização, Rinaldo Leite ressalva que as elites aspiravam ao modelo urbano
da cidade européia, numa tentativa de moldar os padrões tanto estéticos quanto
comportamentais da população, tentando apagar ou excluir o que não convinha com tais
ideais e pudesse romper com cenas de civilidade no cenário social224.
223 Idem. A Feira, p.01. 224LEITE, Rinaldo. E a Bahia civiliza-se: ideais de civilização e cenas da anti-civilidade em um contexto de modernização urbana, Salvador, 1912-1916. Salvador: dissertação de mestrado: UFBA. P.19.
93
Não podemos esquecer que o cenário político “encarna” boa parte dos problemas
econômicos das cidades e do Estado. Evidência disso foi que nas reformas urbanas
empreendidas pelos intendentes Agostinho Froés da Motta e Bernardino Bahia, de
progresso e civilidade para cidade, estavam inculcados tais problemas, buscando o lucro
privado e o beneficiamento próprio e do grupo dirigente da cidade. Também suas
relações com o capital estrangeiro e monopolista, tornando-se importante analisarmos
os “melhoramentos” empreendidos por estes e suas reais intenções.
Vimos no primeiro capítulo que a economia feirense era marcada pelo comércio
e, em especial, pela venda e compra de gado e de fumo. Em nossas análises destacamos
a intenção do grupo dirigente em aumentar sua rentabilidade e se inserir no
desenvolvimento econômico do país, dentro da lógica da expansão do capitalismo.
Encontramos sociedade de pequenos agricultores, o Banco do Brasil, o banco de
pequenos agricultores, a tentativa de se criar uma escola agrícola e o incentivo ao
cultivo de sementes, demonstrando que a “adaptação” da cidade às necessidades dos
grupos dirigentes era um fator estratégico na definição de políticas para a cidade.
O público e privado estavam entrelaçados e se misturavam nas articulações para
inserir Feira de Santana no desenvolvimento econômico do país e era uma tentativa de
ampliar ainda mais a rentabilidade dos mais abastados da cidade. Focamo-nos na análise
dos “melhoramentos” e as relações econômicas estabelecidas durante as gestões dos
coronéis Agostinho Fróes da Mota e Bernardino Bahia que, compreenderam o período
de 1912 a 1924.
Ao analisar as reformas urbanas em Feira de Santana entre 1910 a 1917, Tiago
Santiago identifica um grande número de pedidos de desapropriação por parte da
administração da cidade. O mesmo autor defende que houve uma nítida utilização do
poder público em favor de alguns indivíduos que dispunham de prestigio político e
econômico na cidade de Feira de Santana225. A maioria dos melhoramentos efetuados na
cidade, como também embelezamentos foram feitos perto de residências dos grupos
dominantes dessa cidade e de seus estabelecimentos comerciais. Também os discursos
que pregavam certa moralidade e condenatórios em relação ao comportamento da
população buscavam discipliná-las e ordená-las. Ao pesquisar nos jornais, percebemos
que se mencionavam sempre os códigos de posturas de Feira de Santana. Porém antes
225
SANTIAGO, Tiago. Casas, casebres e ruínas: uma política de desapropriação em Feira de Santana (1910-1917). UEFS: monografia em história. Feira de Santana: 2010. P. 10.
94
de 1925 não encontramos o próprio código em si, mais apenas citação de um ou outro
de seus artigos.
Muitas vezes o “aformoseamento” da cidade foi feito por investimentos próprios
dos sujeitos abastados. No ano de 1917, Agostinho Froés da Motta empenhou-se em
construir um coreto em frente ao palacete em que morava. Vemos que seu esforço era
mais um anseio em embelezar a sua residência, valorizar seu imóvel e deixar a rua em
que residia mais bonita e não propriamente de melhorar a cidade. Esses
“melhoramentos” buscaram beneficiar a classe dirigente feirense que não mediu
esforços para alcançá-las e não foi feita em benefício da população em geral como, no
entanto, era propagado nas páginas dos jornais que circulavam na cidade. Sobre a
construção dessa praça, Santiago salienta as seguintes observações:
Entendemos que, neste período, houve a sobreposição dos interesses particulares em detrimento do público, sendo que a proposta de intervenção urbana da praça em questão, remete a uma valorização dos imóveis do respectivo intendente, uma vez que os imóveis próximos à praça adquirem um ganho de valor através do melhoramento de um bem público. Também podemos perceber que este projeto proporciona uma elevação do prestigio pessoal perante a sociedade feirense226
O fato do coronel Agostinho Froés da Mota ter construído um coreto em frente à
sua residência produz um capital simbólico. Permitia ao coronel se alçar, crescer entre
os conterrâneos, criando em torno de sua residência um dos lugares mais bonitos da
cidade, valorizando assim seu patrimônio.
As obras de “melhoramentos” foram executadas no período das duas gestões
municipais foram as seguintes: as obras de construção Mercado Municipal227,
arborização das ruas Senhor dos Passos e Barão de Cotegipe228, reparos em passeios das
ruas General Osório, Remédios e Conselheiro Franco229, reforma da ladeira da
Nação230, abertura das Ruas Desembargador Mario Heiti231 e Bernardino da Silva
226
Idem. P. 17. 227 Jornal Folha do Norte de 23 de agosto de 1913, nº. 184, p.1. BSMRAG/MCS. Apud Santiago, 2010, P. 16. 228 Idem, 6 de setembro de 1913, nº. 186, p.1. BSMRAG/MCS. Apud Santiago, 2010, P. 16. 229 Idem, 9 de novembro de 1913, nº. 193, p.1. BSMRAG/MCS. Apud Santiago, 2010, P. 16. 230 Idem, 17 de janeiro de 1914, nº. 205, p.1. BSMRAG/MCS. Apud Santiago, 2010, P. 16. 231 Gama, ibidem, p.17. APMFS. Apud Santiago, 2010, P. 16.
95
Bahia232, juntamente com a praça e o coreto233 em 1915, construção de dois prédios
escolares, um localizado na rua Barão de Cotegipe e outro na Praça General Argollo234.
Calçamento das ruas Dr. Manoel Victorino e General Osório entre as praças dos
Remédios e General Argollo235, reformas na Praça de Sant’Anna e na Praça General
Argollo236. Algumas desapropriações de imóveis também fizeram partes destes gastos,
principalmente para a construção do mercado municipal. Também houve
“melhoramentos” como o asseio e iluminação pública da cidade, bem como a compra de
carroças e a aquisição de 24 novas lâmpadas237. As verbas utilizadas para estes
melhoramentos foram classificadas como serviços públicos.
Além das reformas dentro do perímetro urbano, houve um esforço por parte dos
políticos em ampliar as estradas de rodagem que ligassem a cidade tanto à capital
quanto ao interior. Sobre a necessidade e a abertura de uma estrada de rodagem em
Feira de Santana a Folha do Norte diz que:
Prosseguem activamente os serviços da grande estrada de automóveis que se esta rasgando entre esta cidade e Mundo Novo. Dos 96 kilometros, o primeiro trecho desta cidade ao districto de Almas, foi aberto as custas do nosso município que também já mandou construir um ramal até o districto de Bonfim. (...) Não desanimen as municipalidades, os fazendeiros e os habitantes das zonas cortadas pela nova estrada. Prossigam na sua fecunda actividade, pois estão dando um grande exemplo de patriotismo e atestado brilhantíssimo da compreensão, que têm, lúcida e nítidas dos interesses e necessidades do sertão238. (sic)
Um dos principais motivos seria a necessidade de ligar Feira de Santana a outras
áreas, seja ao sertão tão quanto à capital do Estado e facilitar a exportação e expandir
seu comércio. Novamente o interesse é muito mais ligado à necessidade econômica, a
expansão do capital. Não podemos pensar, assim, a economia separada da política, visto
232 Fotografia exposta na Sala de exposição. APMFS. Apud Santiago, 2010, P. 16. 233 Jornal Noite e Dia de setembro de 2004, caderno três, p.5. BMAS. Apud Santiago, 2010, P. 16. 234 Série Documentos antigos, nº. 08, Termo de construção de dois prédios escolares na cidade e ata da 7ª sessão da 2ª reunião periódica do Conselho Municipal em 25 de maio de 1916. APMFS. Apud Santiago, 2010, P. 16. 235 Ata da 7º sesção ordinária da 1ª reunião periódica do Conselho Municipal em 2 de março de 1916. Série: documentos antigos nº. 85 e 86. APMFS. Apud Santiago, 2010, P. 16. 236 Jornal Folha do Norte de 13 de outubro de 1917, nº. 395, p.2. BSMRAG/MCS. Apud Santiago, 2010, P. 16. 237 Idem, 26 de abriu de 1913, nº. 167, p.2. BSMRAG/ MCS. Apud Santiago, 2010, P. 16. 238
Jornal Folha do Norte. 04 de novembro de 1922, p.01: As avançadas do progresso. MCS.
96
que em ambas deparamo-nos com os interesses dos grupos dominantes. A inauguração
dessa estrada de rodagem envolveu grande parte dos políticos de Feira de Santana,
desde aqueles que estavam começando sua carreira política como Arnold Silva, Elpidio
Nova e João Marinho Falcão, aos mais consolidados como Bernardino Bahia, Leolindo
Ramos e João Mendes da Costa239. Kleber Simões destaca que a construção destas
estradas era importante, pois,
Com o regime republicano, o poder municipal conseguiria consolidar sua malha rodoviária, que teria uma importância estratégica no contato de Feira de Santana com outras regiões. A articulação com os municípios vizinhos proporcionou um ensaio inicial nas atividades atacadistas, que viriam a dar uma nova dinâmica à economia feirense. Além disso, a construção de estradas municipais que ligaram a sede do município com as fazendas locais e com seus distritos, pode ser verificada pelo número significativo de requerimentos feitos à Câmara Municipal de pedido de abertura de estradas, construção de pontes, bem como de suas manutenções – o que também indica o esforço do poder público municipal em viabilizar tais melhorias240.
A construção de estradas de rodagens se tornava algo de fundamental
importância no período, em especial, ao grupo economicamente abastado da cidade.
Trazia mais agilidade, um maior aproveitamento do tempo, já que poderia haver a
locomoção à noite, ligava Feira de Santana a outras partes do Estado e do país,
estabelecia contatos e comunicações mais rápidas. As noções de espaço e tempo e da
agilidade traria assim maiores vantagens aos negócios dos grupos poderosos, o que
torna claro o caráter de classe que se tem com as construções dessas estradas, pois,
beneficiava e aumentar o poder de expansão das atividades desse grupo.
Logo fica claro que, os “melhoramentos” e a reforma urbana em Feira de
Santana visaram modelar a cidade em apenas alguns espaços, justamente aqueles que
correspondiam a lugares freqüentados pela classe dirigente ou onde ela possuía
residências e estabelecimentos comerciais. Fica evidente que essa classe dirigente
feirense militava em benefício próprio. Podemos perceber isso a partir da notícia abaixo
transcrita que a Folha do Norte publicou:
239
Jornal Folha do Norte, 25 de novembro de 1922, p.01, MCS. Sobre as demais autoridades, políticos e pessoas presentes nessa inauguração ver notícia: Inauguração da estrada de rodagem, p. 01. 240SIMÕES, Kleber José Fonseca. Os homens da Princesa do Sertão: modernidade e identidade masculina em Feira de Santana (1918-1938). UFBA, dissertação em História, Salvador, 2007. P.25.
97
O Sr. coronel Bernardino Bahia, solicito intendente deste município, dando execução a lei de desapropriação ultimamente votada, fechou ante-hotem acordo com o proprietário do casebre nª 13, á rua conselheiro franco, pelo preço de 270$000. Dentre poucos dias será demolido o tal pardieiro.(...) Louvamos a ação benéfica de s.exa., e fazemos votos que leve de vencida a demolição dos outros e dos situados a praça General Argolo e outras ruas, também incluídos na mesma lei, todos os quaes tanto afeiam a nossa bela cidade241.(sic)
Os casebres e casas que foram desapropriadas e demolidas no período de nosso
estudo, foram geralmente em ruas e praças que, com o crescimento urbano, se tornavam
centrais, espaços freqüentados pela classe dominante feirense e em espaços comerciais.
Foi um número considerável de desapropriações que abrange o nosso recorte temporal.
Santiago salienta que:
O projeto urbano pensado por Bernardino Bahia e o seu grupo político previa, além da retirada dos antigos casebres, a reformulação dos passeios públicos e o calçamento das principais vias da cidade. Estas medidas tinham como objetivo, tornar mais fluida a movimentação de pessoas e mercadorias pela cidade242.
Mais uma vez fica claro que os políticos em Feira de Santana se utilizavam da
máquina pública em beneficio da classe a que pertenciam e para isso, além de assumir o
executivo municipal, ocupar um cargo de conselheiro municipal possibilitava que estes
se agregassem às comissões internas que lhes interessassem. Sobre isso, Kelman Silva
afirmou que:
Os políticos que exerceram mandatos em Feira de Santana recorrentemente utilizaram a máquina administrativa do município e do estado na realização de obras, aprovação de leis e decretos que atendiam aos seus próprios interesses econômicos, boa parte deles ligados ao capital comercial243.
Concordando com a autora citada, entendemos que assumir os cargos políticos e
ter aliados políticos em ramos do serviço público (postos de chefe de polícia, juízes de
241 Jornal Folha do Norte, 29 de junho de 1913, Desapropriação. MCS. 242
SANTIAGO, Tiago. Casas, casebres e ruínas: uma política de desapropriação em Feira de Santana (1910-1917). UEFS: monografia. Feira de Santana: 2010. P.39. 243
SILVA, Kelman Conceição. Quem manda na Feira? Política, classe e rearranjos de poder em Feira de Santana (1930-1945). UNEB: dissertação de mestrado. Santo Antônio de Jesus, 2012.
98
paz, escrivão, entre outros), possibilitava ao sujeito político dominar o cenário local e
alcançar seus interesses mais rapidamente. Todos os conselheiros municipais até aqui
analisados possuíam vinculação com a atividade comercial ou agrícola e possuíam
renda econômica suficiente para serem considerados como abastados244.
Ao analisar quem compunha o conselho municipal entre 1900 a 1927,
encontramos os seguintes nomes José Antunes Guimarães, comerciante, Agostinho
Froés da Motta, fazendeiro, comerciante e proprietário de casas de aluguel e de uma
salgadeira; Quintiliano Martins da Silva Junior, negociante de gado; José Alves
Boaventura, farmacêutico, fazendeiro e comerciante; José Pedro de S. Leão, Abdon
Alves de Abreu, dono de tipografia e membro da Guarda Nacional; Bernardino Bahia,
fazendeiro, negociante de gado e comerciante; João Barboza de Carvalho, farmacêutico
e proprietário de farmácia; João Manoel de São Boaventura, João Mendes da Costa,
comerciante de gado; Juvêncio Erudilho, fazendeiro e dono de açougue; Celso Valverde
Martins, fazendeiro; José Cordeiro, Rogério Cornélio da Maia Pitombo, Raul dos Reis
Gordilho, médico e negociante de gado; Silvino dos Santos Ramos, Manoel Portugal,
Tertuliano de Almeida, fazendeiro; Felinto Marques, advogado; Antônio Rubem,
comerciante; Álvaro Simões, negociante de fumo e couro; José Pinto dos Santos Junior,
Onofre Carneiro, Joel Barbosa, Valentim Junior, Auto Reis, médico; Tertuliano
Carneiro, cônego; Leolindo dos Santos Ramos, negociante; João Lucio, negociante de
gado e Gonçalo Alves Boaventura, comerciante de couro e dono de armazém. A
maioria desses sujeitos esteve presente repetidamente na política feirense durante os 20
anos de pesquisa. Percebemos que estes faziam e assumiam comissões internas no
conselho e cargos políticos visando seu beneficio próprio e de sua classe.
Para tornar mais clara nossa idéia, destacamos cinco destes sujeitos e
percebemos como as suas práticas sociais, econômicas e políticas estavam interligadas.
Bernardino Bahia, João Mendes da Costa, Agostinho Froés da Motta, Manoel Portugal e
José Alves Boaventura foram conselheiros, e alguns intendentes, em Feira de Santana
ininterruptamente durante vinte anos. Comerciantes, fazendeiros, farmacêutico,
proprietários de casas de aluguéis245, negociantes eram as atividades desenvolvida por
244
Segue no anexo I dessa dissertação a lista dos sujeitos que foram conselheiros e intendentes no período de 1900-1927 contendo suas profissões, as comissões internas que participaram enquanto conselheiros, as entidades sociais que participaram, suas propriedades e casas comerciais que possuíam. 245
Oliveira destaca em sua tese que ao pesquisar o livro de cobrança do Imposto da Décima Urbana permite ver que o aluguel de casas era um instrumento de ganho de algumas famílias mais abastadas em
99
eles. Figuravam, ainda, na lista dos quinze maiores contribuintes do imposto da décima
urbana e do imposto rural de Feira de Santana246, o que significava que eram os sujeitos
mais abastados da cidade. Também assumiram diversos cargos nas filarmônicas (25 de
março, Euterpe Feirense e Vitória), Santa Casa de Misericórdia, Monte Pio dos Artistas
Feirenses e Comissões de organização da festa de Sant’Anna, que eram espaços de
formação e sociabilidades políticas. O interessante de perceber é que o
aparecimento/coincidência dos mesmos nomes é um importante marcador de prestígio
de poder, material e simbólicos, destes.
Analisando a dinâmica de funcionamento do legislativo municipal de Feira de
Santana nas três primeiras décadas do século XX, percebemos que no inicio de todo ano
os membros do conselho elegiam sua mesa administrativa escolhendo o presidente, o
vice-presidente, 1º e 2º secretário e os nomes que iriam compor as comissões de
trabalhos internos “as quais eram responsáveis por apresentar propostas, assim como
deliberar sobre os projetos de leis de interesse coletivo da municipalidade” 247. As
comissões de trabalho eram as seguintes: Redação, Obras Públicas, Viação e
Agricultura, Fazenda, Instrução Pública e Justiça e Higiene. As comissões eram
compostas por dois ou três conselheiros. Estes sujeitos buscavam assumir as comissões
visando atender a seus interesses e as necessidades do grupo econômico a que
pertenciam. Silva salienta que:
Ocupar um mandato político e comissões como essas permitia a possibilidade de fazer reivindicações que contemplassem os diversos interesses econômicos dos sujeitos dos segmentos dirigentes de Feira de Santana, mas também estar próximo a debates que tivessem o resultado contrário, influenciando no controle da política municipal. Constituíam-se como representações diretas dos grupos dirigentes atuando na defesa de interesses248.
O perfil dos sujeitos políticos que assumiram a administração da máquina
pública era basicamente a de comerciantes, negociantes, proprietários, médicos,
Feira de Santana como os coronéis Agostinho Froés da Motta e Bernardino Bahia. OLIVEIRA, Clóvis Frederico Ramaiana Moraes. “Canções da cidade amanhecente”: urbanização, memórias e silenciamentos em Feira de Santana, 1920-1960. Tese de doutorado, 2011. Universidade de Brasília. 246
Jornal O Progresso 1900 a 1907, MCS. 247
SILVA, Kelman Conceição. Quem manda na Feira? Política, classe e rearranjos de poder em Feira de Santana (1930-1945). UNEB: dissertação de mestrado. Santo Antônio de Jesus, 2012. P. 41. 248
Idem, p.42.
100
advogados, farmacêuticos e jornalistas. Assim em Feira de Santana “o corpo burocrático
se confundia com o grupo dirigente que, no governo, usou o aparelho estatal em seu
beneficio249”. Os líderes políticos feirenses eram também os que dominavam a maior
parte da economia da cidade, o que pode ser comprovado analisando os maiores
contribuintes dos impostos.
Entendemos os políticos de Feira de Santana não só como sujeitos políticos e
sim também como sujeitos sociais. Sujeitos políticos enquanto classe social, na medida
em que tinham suas relações perpassadas não só na política bem como nas relações
sociais. Por isto se fez tão importante nos determos no primeiro capítulo nas relações
sociais desses sujeitos, por que tentamos compreendê-los enquanto sujeitos imersos na
sociedade que buscam pôr em prática sua dominação. Buscamos com isso a História
Social da Política250.
Compreendemos que temos que nos perguntar sobre os sujeitos, suas
experiências e como estes se constituem historicamente em relação aos conflitos na
sociedade. A história social da política é aquela então que busca, na totalidade, entender
as relações sociais, o sujeito enquanto estabelecido num emaranhado de relações, dentre
as quais as relações de poder. Portanto, quando chega a explicações da própria política
stricto sensu, ela vê a relação da inter determinação da sociedade política com a civil.
249
SILVA, Kelman Conceição. Quem manda na Feira? Política, classe e rearranjos de poder em Feira de Santana (1930-1945). UNEB: dissertação de mestrado. Santo Antônio de Jesus, 2012. P. 42. 250 Sobre a história social da política algumas discussões ocorrem no Laboratório de Memória e de História das esquerdas e das lutas sociais (LABELU) na Universidade Estadual de Feira de Santana do qual faço parte enquanto membro.
101
CAPÍTULO III: OS HERDEIROS DA POLÍTICA FEIRENSE: UMA ANÁLISE DOS NOVOS SUJEITOS POLÍTICOS EM FEIRA DE SANTANA.
“A missão do chefe é não perder eleição” 251
3.1: A chegada de um novo grupo ao poder: a ascensão do grupo calmonista.
Seabra conseguiu assumir seu segundo mandato no governo da Bahia em 1920,
apesar da Revolta Sertaneja. Contudo, sua influência e seu poder já estavam bastante
limitados, terminando por sua derrocada e a ascensão do grupo calmonista ao poder.
Cunha considera uma mudança no bloco de poder na Bahia em 1923 com o declínio de
Seabra e a ascensão do grupo liderado pelos irmãos Calmon e sujeitos como
Mangabeira e Simões Filho. Entende o conceito de bloco de poder “como o arranjo
político das classes dominantes baianas (numa formação social específica), buscando o
251
Revista Panorama de Feira de Santana, N° 1, 9 de setembro de 1983. MCS.
102
controle dos aparelhos de estado locais sob a direção de uma determinada fração de
classe” 252.
Um dos motivos que contribuíram para seu declínio foram as eleições
presidenciais dos fins de 1923, em que Seabra rompeu novamente com o pacto dos
estados ao não apoiar a campanha presidencial de Arthur Bernardes. Além disso, Seabra
concorreu pela oposição para o cargo de vice-presidente da República na chapa
denominada Reação Republicana.
A chamada Reação Republicana (que tinha o apoio dos Estados do Rio de
Janeiro, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Bahia) lançou a campanha Nilo Peçanha e
J.J Seabra na convenção realizada em junho de 1921, concorrendo contra a chapa da
situação formada por Arthur Bernardes e Urbano Santos. Sobre o que significou a
Reação Republicana, Ferreira e Pinto destacam que:
A Reação Republicana resultou da insatisfação das oligarquias de segunda grandeza ante a dominação de Minas e São Paulo. A resistência dos estados do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Sul e do Distrito Federal não era um fenômeno novo, pois em várias ocasiões pôde-se detectar uma busca de articulação entre essas oligarquias estaduais com o objetivo de aumentar seu poder de negociação ante os estados dominantes. O movimento de 1922 foi um momento expressivo dessa luta. Não devem ser esquecidas, entretanto, as formas de articulação buscadas pelos integrantes da reação republicana com os setores urbanos, em especial do Distrito Federal, e com os militares253.
Como mostram as autoras, uma das articulações da Reação foi mobilizar os
elementos militares para essa disputa eleitoral, que, por conseguinte, deu o pontapé para
que aumentasse a insatisfação do exército que se desdobrou no movimento tenentista e
outras revoltas menores254. A Reação não possuía em si uma plataforma de campanha
que conseguisse atrair os conservadores ou desestabilizar os adversários. Uma das
tentativas deste grupo era propor melhorias trabalhistas e no ensino, já que houve um
252
CUNHA, Joaci de Sousa. “O fazer político da Bahia na republica velha” 1906-1930. Salvador: Doutorado em História: UFBA, 2011. P. 30. 253
FERREIRA, MARIETA DE MORAES E PINTO, SURAMA CONDE SÁ. A crise dos anos 20 e a revolução de 1930. In: O Brasil Republicano I: o tempo do liberalismo excludente: da proclamação da República à Revolução de 30. 3º edição- Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. P. 399. 254
O movimento tenentista ocorreu em 1922 e teve essa denominação por que envolveu os tenentes e capitães oficiais de nível intermediário do exército. Ver Ferreira e Pinto, 2008.
103
aumento da presença dos trabalhadores no cenário nacional. Em 1917 ocorreu, por
exemplo, um movimento de greve e um aumento de reivindicações no país.
As eleições ocorreram como previsto em 1º de março, dando a vitória a Arthur
Bernardes, conseqüentemente os Estados de oposição como “Bahia, Pernambuco e Rio
de Janeiro sofreram alterações significativas nas suas políticas internas, com a troca de
grupos dominantes255”. Derrotado nas urnas, Seabra teve que suportar a falta de apoio
federal nas eleições estaduais e o risco de uma nova intervenção na Bahia.
Como uma das suas últimas cartadas, procurou lançar para seu sucessor um
nome forte o bastante para conseguir apoio da classe conservadora baiana e não sair da
cena política fracassado. Ao indicar o nome de Francisco Goés Calmon, Seabra contou
com franco apoio da Associação Comercial da Bahia, já que o candidato era membro
dessa associação. Cunha ressalva que Seabra deixou a oposição em uma situação
delicada, já que o maior nome desse grupo era justamente o irmão do candidato, o então
ministro da Agricultura, Miguel Calmon. Os oposicionistas optaram por não lançar
nome nenhum, mais mantiveram sua política de ataque ao ainda chefe do executivo
estadual. Contudo, a situação não estava das melhores para o governador que depois de
alguns boatos rompeu com o candidato Goés, deixando-o livre para a oposição e
lançando a candidatura de Arlindo Leone.
As eleições ocorreram e, como era prática comum na “Primeira República”, duas
atas eleitorais foram feitas, declarando os dois candidatos como eleitos. Porém o
presidente Arthur Bernardes se adiantou e decretou “estado de sítio em todo território da
Bahia pelo prazo de 30 dias” 256. A Assembléia Legislativa então declarou Goés
Calmon como legitimamente eleito, evitando assim um terceiro confronto federal no
Estado. Era o fim do monopólio de Seabra e de seu grupo, dando início à ascensão ao
poder baiano do grupo liderado pelos irmãos Calmon.
Analisando as estratégias definidas pelo grupo liderado pelos irmãos Calmon
(Goés Calmon e Miguel Calmon), podemos perceber que existia a necessidade de pôr
em prática as vontades do grupo que estes representavam; e a marca mais clara da
255 Idem, p. 400. 256SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos na Primeira República: uma política de acomodação. Salvador: Centro Editorial Didático da UFBA, 1975. P. 46.
104
gestão de Goés Calmon foi o incentivo ao grupo exportador e agrário. Sobre colocar em
praticar as vontades do grupo que está no poder, Bourdieu salienta que:
Os que dominam o partido e têm interesses ligados com a existência e persistência desta instituição (...) encontram na liberdade, que o monopólio da produção e da imposição dos interesses político instituído lhes deixa, a possibilidade de imporem os seus interesses de mandatários como sendo os interesses dos seus mandantes257.
Concordamos com este autor e também com Gramsci que, ao trabalhar com o
conceito de hegemonia, nos esclarece que a mesma se faz por uma relação entre a
coerção e o convencimento258. Assim os grupos dirigentes da sociedade ou frações do
grupo dirigente buscam convencer que seus objetivos e reais interesses sejam
percebidos como uma necessidade da população. Em outras palavras: desenvolvem
mecanismos que permitem tornar públicos seus objetivos privados. Logo, com a aliança
estabelecida com o presidente da República- mantendo as regras do jogo da política dos
Estados- e com a classe conservadora e dirigente do Estado, o novo governador baiano
buscou atender aos principais ensejos desse grupo, que nada mais era do que seu próprio
grupo e, portanto, seus próprios objetivos.
De fato a marca da gestão de Goés Calmon259 foi reestruturar as finanças do
Estado e atender a todos os pedidos da Associação Comercial, que, por mais que
argumentassem que não tencionava ser um grupo político, participava dos meandros da
política seja como um grupo de pressão, seja tendo representantes nos seus quadros da
política e dos cargos públicos. Prova disso é que durante a Revolta Sertaneja, em 1919,
essa associação e seus membros foram acusados de fornecer dinheiro para a compra de
armas e munições para os revoltosos, mostrando que, por mais que dissesse que não,
participavam da política. Essa associação buscava meios de ver no poder quem lhe
interessava. Mario Augusto Santos afirma que:
No governo de Goés Calmon, pela primeira vez na República, a Associação Comercial conseguiu situar-se com segurança na esfera do Poder Estadual, em conseqüência de ser ele um consórcio, de ter sido
257 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 15ª Ed. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil. 2011. P. 168. 258
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere: volume 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. P. 16. 259 Para saber mais sobre a gestão de Calmon e a entrada de capital americano, a monopolização da energia e da indústria no estado ver Joaci Cunha, 2011.
105
eleito como o candidato das “classes conservadoras” e, antes de mais nada, intimizado e identificado com seus interesses e aspirações. De um para o outro não havia razões de queixas e nem atritos260.
Além de reorganizar as finanças do Estado e reduzir os compromissos do
tesouro261, baixou a dívida interna e externa. Normalizando a situação financeira da
Bahia, buscou favorecer os grupos ligados à produção rural, como cacau, fumo e café e
atentou-se aos problemas do interior como as rodovias, com abertura de estradas de
rodagens e a instalação de caixas rurais de crédito nas cidades, estando entre elas, Feira
de Santana. A área educacional, com a construção das escolas normais, também foi
prioridade na gestão desse governador.
Financista emérito, conhecedor das questões econômicas que merecem enfrentados no momento, sabedor de quanto pode concorrer o credito agrícola para o desenvolvimento econômico dum povo, empenhou-se pela divulgação do cooperativismo concretizado e agiu no sentido de instalar aqui uma Caixa Rural, o que já é um fato (...). Vendo a necessidade de manter comunicações rápidas com os seus populosos districtos o Sr. Calmon acabar de conceder um auxilio de trinta contos de réis à rodovia que ligara esta cidade a Monte Alegre (...) vem crear a Escola Normal nesta cidade, que por seu desvanecedor movimento escolar quiçá o mais intenso do interior, virá ser verdadeiro núcleo de irradiação educacional (...) levado dum sentimento irreprimível de humanidade trata de instalar aqui um posto médico permanente (...). É assim que a decissão promta e serena dos fortes e destemerosos, que o agente primacial do poder executivo na Bahia traduz para a realidade as aspirações justas duma coletividade na nossa cidade262. (sic).
A Caixa Rural em Feira de Santana foi criada em 1925, sendo presidida por
Eduardo Froés da Mota, assim como nesse mesmo ano foi inaugurada a estrada de
rodagem ligando à cidade a Monte Alegre263. Já a Escola Normal, o posto de saúde e a
nova cadeia pública foram inauguradas em 1927, já perto do fim das gestões do
Governador Goés Calmon e do Intendente Arnold Silva. Os “melhoramentos” e
posicionamentos feitos por esses sujeitos assimilavam-se, ocorrendo um apoio mútuo
entre estes. Na inauguração do paço municipal em 1926 em seu discurso, o governador
salientou que: “O seu governo- afirmou- é um governo de trabalho, de utilidade, de 260 SANTOS, Mario Augusto. A Associação Comercial da Bahia na Primeira República. 3ª edição- Salvador: Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, Associação Comercial da Bahia, 2011. P. 155. 261 Idem, p.156. 262
Jornal Folha do Norte, 31 de outubro de 1925, p. 01: O benemérito governo da Bahia e a Feira. MCS. 263 Esta cidade é atualmente conhecida como Mairi e fica a 177 km de Feira de Santana.
106
encorajamento aos operosos, aos tenazes, aos dignos, como Bernardino Bahia, Froés da
Motta e Arnold Silva” 264.
Goés Calmon buscou manter seus aliados de alguma forma unidos, evitando que
seu grupo se enfraquecesse ou rompesse. Em 1927 foi restaurado o Partido Republicano
da Bahia, sendo ele o chefe desse partido. Goés Calmon procurou fazer uma convenção
com as municipalidades baianas no início de 1927, procurando já fortalecer seu partido
para que nas eleições estaduais o seu grupo se mantivesse no controle do poder do
Estado. Nessa convenção foi decidido que:
Arnold Silva. Feira. Bahia. 1ª Tenho a satisfação de comunicar ao prezado amigo que o dr. Governador do Estado acaba de receber o seguinte telegrama (...) Temos a honra de levar ao conhecimento de V. Exa que foi fornecidos aos jornaes a nota oficial que definiu o acordo político, sob seus bons officios, se realisou para fim de, assegurando a paz do Estado, reintegrar as forças componentes do situacionismo bahiano. 1º será creado mais um lugar na comissão executiva do Partido Republicano da Bahia, para qual será indicado o nome de um dos amigos do dr. Octávio Mangabeira (...) 3º o candidato a senatoria será o Sr. Miguel Calmon. (...) 5º o candidato à sucessão do Sr. Goés Calmon será o Sr. Dr. Victal Soares indicado pela comissão executiva do Partido Republicano da Bahia em convenção especial convocada para esse fim e para a creação do logar na comissão executiva de que trata o nº1. Aceite v. exa. As nossas cordeaes homenagens- Octávio Mangabeira, Miguel Calmon. Affs, sauds- Madureira de Pinho265. (sic).
O jornal Folha do Norte apresentou o telegrama que o intendente Arnold Silva
(chefe desse partido em Feira de Santana) recebeu, divulgando as decisões tomadas pela
convenção do partido realizada no mês de janeiro. Feira de Santana foi representada
pelo senador Queiroz Matos e por Bernardino Bahia. O que fica claro dos resultados
dessa convenção é o objetivo que a então situação traçou para manter o poder em suas
mãos, lançando candidatos a todos os cargos e não deixando nenhum para a oposição,
evitando logo qualquer interferência que pudesse enfraquecer ou desestabilizar o PRB.
Assim, mais uma vez na “Primeira República”, o PRB conseguiu manter-se
situacionista na maioria das cidades e no Estado, garantindo uma sucessão
governamental tranqüila. O nome de Vital Soares foi aceito e as eleições
264 Jornal Folha do Norte, 10 de abril de 1926. Inauguração do paço municipal. MCS. 265 Jornal Folha do Norte, 5 de fevereiro de 1927, p.01: Política, MCS.
107
governamentais ocorreram sem maiores transtornos, garantindo uma gestão que foi
interrompida apenas pela “Revolução de 30”.
3.2 Será que tudo mudou? Os novos sujeitos políticos, os novos cenários econômicos
e os partidos na década de 20.
Neste subtópico nos atentamos sobre as mudanças ocorridas no cenário político
feirense. Examinaremos se os grupos formados nas duas primeiras décadas do século
XX são os mesmos, se os partidos aos quais estavam filiados ainda são os mesmos e
quem são os novos políticos que entram em cena. Essa análise será feita sempre em
relação com as transformações (novos cenários econômicos, novos cenários urbanos e
nova arquitetura na cidade) que porventura tenham ocorrido em Feira de Santana.
Durante a década de 20, “a sociedade brasileira viveu um período de
efervescência e profundas transformações” 266. O pós- guerra e a instabilidade financeira
trouxeram temores, porém uma onda de modernismo e desenvolvimento possibilitou
vantagens e “melhoramentos” para o país. Ferreira e Pinto destacam que houve na
economia do Brasil nesta década uma:
Diversificação da agricultura, um maior desenvolvimento das atividades industriais, a expansão de empresas já existentes e o surgimento de novos estabelecimentos ligados à indústria de base foram importantes sinais do processo de complexificação pelo qual passava a economia brasileira267.
Como salientaram as autoras, o país passou por uma maior diversificação da
agricultura com a expansão das produções de cacau, fumo e café, este último tendo
políticas de defesa, já que representava uma grande parte dos lucros da economia do
país. O governo federal comprava as safras do café, as estocava e vendia quando o
mercado estivesse favorável. Essa política deu certo na maior parte do tempo, porém em
alguns momentos não funcionou, chegando mesmo nos fins da década a passar por uma
séria crise, em que houve perda das safras, em especial, por conseqüência da “quebra da 266 FERREIRA, Marieta De Moraes E PINTO, Surama Conde Sá. A crise dos anos 20 e a revolução de 1930. In: O Brasil Republicano I: o tempo do liberalismo excludente: da proclamação da República à Revolução de 30. 3º edição- Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. P. 388 267 Idem, p. 389.
108
bolsa de New York em 1929”, fazendo com que o país tivesse de enfrentar um déficit
comercial e crise financeira.
Na Bahia destacava-se a produção do cacau, do fumo e a pecuária. Sobre a
economia desse Estado, Cunha destacou que “na década de 1920, o movimento
financeiro na Bahia se alargou, acompanhando a ampliação da atividade agrícola e a
soma de capitais investidos em novas sociedades mercantis e empresas.” 268 Houve a
entrada do capital estrangeiro na Bahia, em especial, o capital americano, que com a
primeira guerra mundial tornou-se uma das principais potências mundiais.
Um dos motivos de termos escolhido o nosso recorte temporal de 1907 a 1927
foi por que se criou uma memória em torno das figuras de Bernardino Bahia, Agostinho
Froés da Mota e Arnold Silva, na qual se buscou consolidar a imagem de sujeitos que
conseguiram vultosos “melhoramentos” para cidade, muitas vezes valendo-se do
esforço de utilizar o orçamento local269. Sabemos que essa imagem é criada para
favorecer e enaltecer tais figuras que acabam sendo mitificadas como pessoas dedicadas
à sociedade. Compreendemos, entretanto, que tais esforços mais faziam parte de
iniciativas de um grupo socialmente favorecido, que visava que esses melhoramentos
trouxessem cada vez mais vantagens para si. A cidade e seus grupos estavam inseridos
de modo peculiar na lógica da expansão do capitalismo, contexto em que se tornava
muito mais interessante abrir as estradas de rodagem para beneficiar os que criavam
seus gados e precisavam de uma via mais rápida para sua venda, por exemplo. Assim
Feira de Santana, na década de 20 passou por algumas transformações que são nosso
alvo de interesse nesse momento.
Em Feira de Santana sabemos que o imposto do gado era a principal renda
pública. Prova disso é que o empréstimo contraído em 1906, pelo intendente Tito Ruy
Bacelar, tinha como garantia a arrecadação desse imposto. Na gestão de Arnold Silva,
buscou-se alterar a forma de captação do recebimento deste imposto, importando uma
balança que pesava o gado antes de entrar na feira da cidade, recebendo por esta uma
porcentagem a partir da pesagem. Sobre esta aquisição, Arnold Silva afirmou que:
268CUNHA, Joaci de Sousa. “O fazer político da Bahia na republica velha” 1906-1930. Salvador: Doutorado em História: UFBA, 2011. P. 277. 269 Folha do Norte, 3 de abril de 1926.
109
Não se compreende não se justifica não se admite, de fato, que a Feira, um dos três maiores centros do comércio de gado no país, comércio que dá ao município a sua maior fonte de renda, não se admite- dizia eu- que a Feira continue a deixar que esse comércio se exerça na mesma confusão e insegurança em que se iniciou quando éramos o arraial de Santana dos Olhos d’ Água. Marcando o início dessa obra necessária, minha administração fez assentar, no Campo de Gado, uma possante e excelente balança importada da América do Norte, balança onde é pesado vivo quase todo gado que se vende no entreposto desta cidade270.
A iniciativa de mudar a forma da pesagem do gado fazia parte da estratégia de
transformar o campo do gado, local onde eram realizadas as transações da venda e
compra desse animal em um mercado modelo, como destacou o próprio Arnold Silva
que o objetivo era transformar “a feira do gado em currais simples, porém modernos e
elegantes, de acordo com a bela planta já levantada” 271, numa tentativa de enquadrar a
feira do gado nas normas que o grupo dirigente considerava adequada. Dessa forma,
sairia a bagunça e a venda de pequeno porte teria que se enquadrar nas novas normas,
favorecendo os grandes proprietários e a máquina pública municipal. Sobre esse
primeiro passo dado pelo Intendente de Feira de Santana, Oliveira afirma que:
Feira de Santana não era mais “um simples e modesto arraial”, o boi, portanto merecia a sua indenização pelo que representava para a cidade e o poder público, as compensações garantidas pelas imponentes balanças, fornecedoras de recursos para os cofres da municipalidade272.
Organizar e ter mais controle sobre as atividades comerciais foi o objetivo da
municipalidade na década de 20, tentando arrecadar mais com o comércio que mais
dava lucro a Feira de Santana, a venda de gado. No ano de 1942 foram inaugurados os
currais modelo, instalados no novo campo do gado:
Entre o Campo do Gado, agora velho, e os Currais Modelo, Campo do Gado novo, foi interposto um imenso espaço de significados, um muro de práticas sociais que sugeriam novas sociabilidades ao mesmo tempo em que interditavam outras273.
270 Jornal Folha do Norte, 28 de junho de 1958, ano XLVIII, num. 2555. MCS. 271 Idem. 272 OLIVEIRA, Clóvis Frederico Ramaiana Moraes. “Canções da cidade amanhecente”: urbanização, memórias urbanas e silenciamento em Feira de Santana, 1920-1960. Tese em História: UNB, 2011. P. 71. 273 Idem, p. 75.
110
Agora além do controle do comércio do gado, o poder público limitava o lugar
dos vaqueiros e restringia sua circulação pelo centro da cidade.
Compunha um quadro geral de ordenação e controle público, constituindo um movimento de maior amplitude, dotar Feira de Santana de signos e referenciais urbanos, apropriados como progressistas e socializados como melhor caminho (talvez estrada) para atingir os avatares de uma terra civilizada274.
Era a defesa dos interesses dos grupos dirigentes, que por meio dos instrumentos
possíveis do poder público, tentava tirar do centro da cena o que lhe incomodava (a
figura do vaqueiro) e ao mesmo tempo, criava mais meios de controlar o comércio de
gado na cidade, ou seja, favorecer-se cada vez mais dele.
Além da tentativa de enquadramento e maior controle sobre a venda de gado,
alguns “melhoramentos” foram feitos nas gestões do intendente Arnold Silva (1924-
1928), muitos deles por conta das despesas próprias do município e outros em parceria
com o governo do Estado, chefiado por Goés Calmon. Tivemos a instalação do sistema
de telefonia entre Feira de Santana e a capital do Estado275, a construção de oito escolas,
a inauguração da primeira estrada ligando Salvador a Feira de Santana276, abertura de
outras estradas menores, posto de higiene, inauguração de um novo paço municipal e de
uma cadeia pública, entre outras. Uma empresa de melhoramentos aqui foi instalada sob
a chefia de Simões Filho, com intuito de promover e cuidar da instalação da luz elétrica
na cidade.
A “Companhia de Melhoramento” da Feira foi criada no ano de 1926 e foi uma
sociedade que se constituiu para explorar o contrato da concessão para fornecimento de
luz por energia elétrica em Feira de Santana que teve como acionistas figuras políticas
como Eduardo Froés da Mota, Arlindo Perreira Ramos (o maior acionista) e o diretor
desta Simões Filho, então deputado federal. Para Mayara Silva esta “Companhia era
uma espécie de órgão político que gestava e planejava mudanças na urbe e buscava
274 Idem, p. 77. Para entender mais sobre os currais modelo e seus desdobramentos ver Oliveira. 275 Instalada em 1925, a sua estação ficava na Rua Conselheiro Franco. Jornal Folha do Norte, 1925. 276 Inaugurado em 1926. ALMEIDA, Oscar Damião. Dicionário Personativo, histórico e geográfico de Feira de Santana. Feira de Santana. P. 67.
111
fiscalizar o cumprimento dos artigos do código de posturas de 1893” 277. O jornal Folha
do Norte divulga a seguinte notícia sobre esta Companhia:
A Companhia de Melhoramentos da Feira de Sant’Anna teve por incorporador o deputado Simões Filho, um dos sues actuaes directores e operoso representante do districto na câmara federal. A iniciativa do ilustre jornalista e parlamentar reuniu de prompto, o concurso das principaes firmas desta e da praça da capital, sendo em pouco, subscrito em sua totalidade, o capital necessário. São grandes acionistas da Companhia, os srs. Arlindo Ramos, dr. Eduardo Froés da Mota, Bernardo Martins, coronel Bernardino Bahia, coronel Mario Saback de Oliveira, major Leolindo Ramos, Tertuliano José de Almeida, major Celso Valverde Martins, sendo ainda maior a relação dos possuidores de vinte cinco ações a menos. De muito tempo se vinha cogitando de resolver o problema de luz elétrica na Feira de Sant’Anna. Aberta a concorrência pública depois de varias tentativas o concelho municipal firmou contracto com a Companhia de Melhoramento e a montagem da usina e instalação da cidade estão caprichosamente feitas com material de superior qualidade e a Feira vai ser a cidade mais bem iluminada do interior278. (sic)
Realmente houve durante o período de nossas pesquisas algumas tentativas de
implantação de luz elétrica na cidade, que só ocorreu em 1926. Fica claro que, os
envolvidos e acionistas dessa Campanha de Melhoramentos eram importantes figuras
políticas e abastadas da cidade e da capital do Estado. Podemos pensar aqui as inúmeras
formas como esses sujeitos podiam ser beneficiados sendo associados de uma
companhia como essa. Ter o monopólio desta possibilitava um controle estatal e,
evidentemente, lucros. O fato de ter como o incorporador o deputado federal Simões
Filho, “que a partir do governo de Goés Calmon havia se tornado um destacado membro
do bloco dominante e, desde os contratos citados, era tido como aliado dos interesses
estrangeiros contra o bolso da população” 279, nos deixa claro que os interesses da classe
dominante eram o de assegurar a direção da sociedade, de forma que os beneficiasse.
Como instrumento de apoio, essa Companhia de Melhoramento contou com a
ampla divulgação feita pelo jornal Folha do Norte. Além de um artigo publicado,
solicitando as casas comerciais e particulares a contratarem a Companhia, encontramos
notícias como: 277 SILVA, Mayara Pláscido. Experiências de trabalhadores/as pobres em Feira de Santana (1890-1930). Dissertação em História, UEFS, Feira de Santana: 2012. P. 25. 278 Folha do Norte, 3 de abril de 1926, p. 01: As inaugurações de hoje. MCS 279
CUNHA, Joaci de Sousa. “O fazer político da Bahia na republica velha” 1906-1930. Salvador: Doutorado em História: UFBA, 2011. P. 273.
112
Avulta consideravelmente o pedido de instalações da luz electrica pelos habitantes desta cidade. Felicitamos o povo feirense pelo brilhantismo com que assim há de representar a Feira de Sant’Anna como merecedora, que era, de tão importante melhoramento. Que se repitam os contratos de installações afim de que a Petrópolis Bahia venha testemunhar os seus foros de gente amante de luz... e progresso280. (sic)
Nesta nota o jornal felicitou o povo feirense por aderir à Companhia e seus
serviços de energia elétrica, deixando para trás “a velha e retrograda usança da
iluminação a kerosene” 281, destacando o grande número de habitantes que já haviam
procurado a Companhia para assinar os contratos de prestação de serviço. Usa como
vetor de incentivo o discurso de que a cidade seguia os padrões do progresso, deixando
no passado a forma “rústica” e “antiga” que era a luz por querosene. Os meios de
comunicação foram usados como mais uma ferramenta de propagação dos ideais e dos
interesses de um grupo que buscava tornar necessária essa mudança e se beneficiava
com o aumento cada vez maior de lucro.
Por isso ter o controle sobre o fornecimento de energia elétrica numa cidade
como Feira de Santana, uma das maiores do Estado, mediante a monopolização de uma
empresa que gerava energia na cidade era uma jogada ambiciosa que colocava esses
homens ainda mais no centro do poder. “As várias esferas estatais da República usaram
amplamente mecanismos de aparelhamento econômico do território (cidade e campo),
em prol deste ou daquele projeto ou interesses” 282. Mais uma vez não podemos separar
a economia da política, já que os interesses de uma perpassavam pela outra. Era preciso
ter contatos, estar comandando o poder público ou ter influência sobre quem estava
nessa esfera, para mais facilmente conseguir concessões como essas. O poder público
tinha um papel essencial. Cunha ressalta que “a intervenção estatal baiana nem sempre
correspondeu a um modelo destinado a impulsionar processos de desenvolvimento ou
de modernizações produtivas. Antes, podia visar benefício financeiro de corporações e
protegidos políticos”.283 Tratava-se, muitas vezes, de contribuir com os interesses de
aliados políticos e dos próprios governantes na obtenção de seus objetivos. Ou seja,
transformando suas necessidades em uma vontade geral.
280 Jornal Folha do Norte, 16 de janeiro de 1926. P.01, A luz electrica. MCS. 281 Idem. 282 CUNHA, Joaci de Sousa. “O fazer político da Bahia na republica velha” 1906-1930. Salvador: Doutorado em História: UFBA, 2011, p. 287. 283 Idem, p. 286.
113
A década de 20 não foi só um período de mudanças e sim também de pressões e
até mesmo de conflitos- em alguns momentos não houve acordo entre o governador e os
coronéis do sertão, levando a divergências. Mesmo apresentando um crescimento e uma
maior organização nas contas do Estado, também foi um período de dificuldades
financeiras advindas principalmente dos desdobramentos da Primeira Guerra Mundial.
Foi um período de maior reordenamento do Estado, já que novamente a Bahia estava
em convergência com a política dos estados. Por muitas vezes houve reivindicações
sobre a cobrança do valor dos impostos. A Associação Comercial ou mesmo
comerciantes avulsos ou concentrados enviavam cartas ao governo pedindo reavaliação
dessas cobranças. Vejamos:
O comércio local, representado por uma digna e distintíssima comissão, resolveu, em virtude do lançamento recente do imposto de Indústrias e Profissões, que acaba de sofrer, dirigir ao exmo. Sr. Dr. Governador do Estado, por intermédio do nosso distincto conterrâneo Sr. Dr. Deputado Hidelgardo Erudilho, o apelo que damos abaixo respectivamente assignado por quase toda a totalidade dos comerciantes da Feira284. (sic)
Vemos que os comerciantes de Feira de Santana, através de um telegrama,
buscaram renegociar com o governador o valor do imposto de Indústria e Profissões. Os
grupos ou frações da classe dominante buscavam, por meio de pressões, alcançar suas
metas. A notícia apresentada pelo jornal Folha do Norte deixou explícito que uma das
estratégias foi uma tentativa, por meio de um apelo, para que o imposto fosse reduzido
ou mesmo anulado. Concentrados, separados, apenas um grupo, o certo era que em
todos os momentos em que se sentiam ameaçados ou prejudicados, os grupos tentavam
formas de conseguir ter seus objetivos atendidos.
Os comerciantes feirenses buscaram, em grupo, desenvolver estratégias de não
serem prejudicados com arrecadação dos impostos. Para tal, era preciso manter uma
negociação com Estado/ município e com isso, além de terem dentro das esferas de
poder representantes, estiveram articulados dentro de uma associação que facilitasse
formas de negociação e de pressão. Vimos no primeiro capítulo que por mais de uma
vez os comerciantes de Feira de Santana se uniram para alcançar suas reivindicações.
Assim em 1908 mudaram a feira de gado da cidade para São Gonçalo para não pagarem
284
Folha do Norte, 14 de abril de 1925, p. 01. A grita do comercio local sob o peso da taxação do imposto de indústria e profissões. MCS.
114
os impostos e em 1913, criaram uma guarda noturna para combater os roubos às casas
comerciais, obtendo o apoio do executivo municipal.
3.2.1 Eleições e eleitores feirenses.
Voltemos a pensar um pouco sobre a dinâmica das eleições e sobre as relações
dos eleitores na década de 20. Fizemos uma busca nos dados demográficos como:
censos e recenseamentos para entender quem eram e qual o perfil dos que podiam votar.
Pelo recenseamento de 1920, Feira de Santana possuía 14.790 habitantes na sua sede
principal, tendo em sua área total mais de 77.600 habitantes285. Podemos perceber que
houve um aumento populacional e também um acréscimo do número de eleitores na
cidade286, que passa a ser entre 3.000 a 3.500 nessa década. Em 1925, por exemplo,
encontramos o número de 3.479 pessoas votantes na cidade. As sessões eleitorais
passaram de 10 para 12. A partir desses dados, estima-se que apenas 5% da população
feirense tinha direito ao voto.
Para além de analisar somente os números, nos interessa mesmo saber como
eram as relações dos sujeitos políticos com seus eleitores, como estes eram
considerados, que tipos de peças eram apenas no tabuleiro político. Apesar de haver
manipulações e adulterações freqüentes nas eleições, o político tinha uma imagem e
reputação a zelar. Nem sempre só a coerção conseguia fazer o político ter o prestígio
que necessitava, para tal, era necessário, criar em torno de si a figura de um sujeito
honesto e leal, que possuía as melhores intenções para o eleitorado. Em um cenário em
que o analfabetismo e a exclusão eleitoral eram imensos, nos questionamos como eram
estabelecidas as relações com o eleitor.
O político sabia que para manter seu cargo ou conseguir assumir um, teria que
estabelecer relações com outros sujeitos políticos de influência e tentar satisfazer os
interesses do grupo que representava. A inserção no cenário eleitoral, por exemplo,
dependia das relações que o aspirante à política possuía com outros políticos. Exemplo
285 IBGE, População Recenseada em 31/12/1920. Bahia, vol. 4, parte 5, tomo I. P. XLII e XCVII 286 IBGE, lista com os sensos demográficos.
115
disso é a entrada de Bernardino Bahia287, oriundo de Salvador, na política feirense foi
possível porque este se aliou ao então chefe político Tito Ruy Bacelar que o apoiou na
sua primeira eleição para Conselheiro Municipal em 1904.
Como já dissemos anteriormente, muito da relação entre eleitor e candidato era
estabelecido por vínculos familiares e de compadrio. O segundo casamento do coronel
Agostinho Froés da Motta com a filha do coronel Tertuliano de Almeida, a entrada de
seu filho Eduardo Froés da Motta na vida política, bem como o ingresso de Arnold
Ferreira da Silva nesse cenário político por meio de dois casamentos com as filhas do
coronel Bernardino Bahia, assumindo a chefia do executivo, logo após o seu último
mandato de intendente sugerindo uma herança de mandato, exemplificam como as
relações familiares e de compadrio estavam entrelaçadas nos emaranhados da vida
política feirense.
O perfil do eleitorado feirense, por exemplo, era de comerciantes, pecuaristas,
negociantes, advogados, médicos, farmacêuticos, dentistas, funcionários públicos
(professor, delegado, entre outros), o que nos leva a ver que era formado por um grupo
de pessoas com alguma condição econômica, mesmo que fosse pequena. A influência
de uma família, o peso de um nome, a troca de favores eram instrumentos que ajudavam
eleger um candidato.
Como destacou Sampaio, certos fenômenos distinguiram o sistema político da
Primeira República: “a debilidade institucional, o que se inclui os partidos políticos, e o
baixo grau de participação política da população” 288, o que facilitava o domínio do
poder nas mãos dos grupos dominantes. Um dos motivos desse baixo grau de
participação mencionado pela autora se dava por que a maioria da população era
analfabeta ou quase analfabeta. Perguntamos-nos então se não houve em Feira de
Santana algum partido ou associação que estimulasse e tivesse sido centros de
mobilização eleitoral na cidade.
Nessa busca achamos duas entidades que nos chamaram a atenção. O primeiro
deles é o Centro Operário, sobre cujo funcionamento encontramos notícias em Feira de
Santana em 1901, através do jornal O Progresso. As notícias não nos dão muitos 287 Em 1904 este ainda não possuía o título de coronel e sim de major. 288SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos na Primeira República: uma política de acomodação. Salvador: Centro Editorial Didático da UFBA, 1975. P. 46.
116
detalhes sobre esse centro, mais nos revelam que havia reuniões regulares e que
funcionava mais como uma sociedade mutualista do que um centro de reivindicação
operária, por exemplo. Anúncios convocando os membros para reuniões e assembléias
foram as notícias mais recorrentes encontradas sobre esse Centro, como a que vemos
abaixo:
De ordem do Sr. Presidente faço saber que foi convocada a assembléia geral desta associação para o dia 20 do corrente mês, as 3 horas da tarde, devendo a ela comparecer os agremiados que se acharem em goso dos seus direitos289. (sic)
Não sabemos exatamente quando foi fundado o Centro Operário em Feira de
Santana. Mas podemos afirmar que esse centro era mais de ajuda mútua e de
solidariedade. Também encontramos algumas notícias em que essa agremiação possuía
uma escola primária sob a regência do professor Germiniano Costa, que era também o
secretário deste centro. A escola admitia os agremiados e menores aprendizes. O centro
tinha reuniões consecutivas, porém, além disso, não encontramos nenhum vestígio que
ligue essa entidade a reuniões políticas, ao contrário, poderia ter no seu quadro de
membros, figuras políticas importantes, porém nem temos como afirmar isso, já que as
notícias encontradas se limitam a poucos anos no inicio da década de 10.
A segunda sociedade é a Sociedade Monte Pio dos Artistas Feirenses. Foi
fundado pelo Padre Ovídio Boaventura em 1876, que foi também fundador do Asilo
Nossa Senhora de Lurdes290 nos fins do século XIX, sendo uma entidade de caráter
mutualista e que possuía entre seus sócios as principais figuras políticas e abastadas da
cidade. Apesar do estatuto dessa sociedade afirmar que era voltada para os artistas e os
que “se interessam pelo desenvolvimento das artes e, principalmente pelo bem estar dos
artífices” 291, a presença de outros sujeitos que não eram artistas estavam presentes. Só
para citar como exemplo, estava na lista do ano de 1925 mais de 300 nomes de
289 Jornal O Progresso, 4 de janeiro de 1901. Centro Operário. P. 01. 290
Para saber mais sobre o Asilo Nossa Senhora de Lurdes ver Lívia Gozzer. COSTA, Lívia Gozzer. Capitães da Feira e outras crianças: a infância pobre e abandonada de Feira de Santana entre 1879 e 1945. Dissertação em História, Feira de Santana: UEFS, 2013. 291
Estatuto da Sociedade Monte Pio dos Artistas Feirenses. P. 01, capítulo 1, artigo 1ª. Acervo particular.
117
associados sendo beneméritos ou não, em que aparecem os nomes de sujeitos como
Bernardino Bahia, Filinto Marques, João Mendes da Costa, entre outros292.
Como o Centro Operário, essa entidade possuía uma escola noturna tendo mais
de cem alunos matriculados no ano de 1925, que o jornal Folha do Norte ressaltou
serem alunos de todas as classes. Podemos falar com muito mais propriedade do caráter
paternalista dessa entidade, pois ela aparece em todo o período de nosso estudo. O
simples fato de que na maioria absoluta das vezes, quem assumiu a presidência e os
principais cargos de organização foram os políticos e os homens economicamente
favorecidos da cidade, nos mostra que esses buscavam controlar também essa
sociedade. A Sociedade Monte Pio dos Artistas feirenses até hoje funciona na cidade,
mais não tem tanto destaque quanto tinha na primeira metade do século XX.
Nenhuma delas possuía abertamente teor político ou mobilização eleitoral, no
sentindo de chamar ou incentivar a população a votar, ou mesmo a um questionamento
da conduta e das práticas políticas de então. Para Elizete da Silva, “Montepios e
Círculos Operários de origem católica eram uma espécie de antídoto à crescente
organização da classe trabalhadora em sindicatos e movimentos políticos” 293. Eram
pensados assim para incorporar e dar direção a mobilização da classe trabalhadora,
imprimindo e tendo um caráter assistencialista, de solidariedade e de mutualismo, nas
quais figuras políticas apareciam como representantes dos direitos. Mais do que isso
essas eram equipamentos úteis à difusão de um certo senso comum, valores, normas de
comportamentos.
A presença destes personagens políticos na referida sociedade poderia ainda
facilitar o envio de recursos por parte do executivo municipal. Nas atas do conselho
municipal, além das discussões em torno das verbas que poderiam ser destinadas a
organização, foi possível identificar algumas emendas orçamentárias, como por
exemplo,
Em seguida passa-se a ordem do dia. Segunda discussão do projeto número trez, sobre o augmento da subvenção a Sociedade Monte Pio dos Artistas Feirenses. Em discussão é esta aprovada. Considerando
292
A lista está presente no anexo IV dessa dissertação. 293SILVA, Elizete da. O campo religioso feirense: um olhar poético. IN: BOAVENTURA/ Aldo José Morais Silva (org). História, poesia e sertão: explorando a obra de Eurico Alves. Feira de Santana: UEFS editora, 2010. P. 131.
118
que é necessário tal augmento, pois essa sociedade é de importante contribuição a essa cidade. (...) Sobre o augmento da subvenção as duas sociedades 25 de março e Victória considerando que tal augmento é necessário por isso que as tocatas efetuada pelas mesmas sociedades muito concorre para o gozo publico nos domingos dia reservado ao descanso da população é aprovada por unnanimedade294. (sic)
Nesta sessão do Conselho foi discutido e aprovada o aumento da ajuda a essas
instituições, o que nos mostra a presença do poder público e uma ligação entre estes.
Era um assistencialismo velado dentro e fora da instituição, já que além de inferir pela
política nessas sociedades, também faziam doações que geralmente eram noticiadas pela
imprensa. A maioria dos políticos eram sócios beneméritos ou benfeitores. Eram sócios
benfeitores os que “incluídos automaticamente no respectivo quadro todos os que
fizerem á Sociedade donativos de valor superior a 1:000$000” 295. De acordo com
Santos “a condição de sócio-benemérito era concedida aos membros de grande destaque
na corporação, que geralmente contribuíam com grandes somas de dinheiro” 296. Os
sócios beneméritos da Monte Pio eram aqueles que fossem escolhidos pelo conselho e
tinham um retrato de honra no salão da sede da Sociedade. Os escolhidos eram,
portanto, os ricos e de grande prestígio social.
Nesse cenário não podemos deixar de destacar que muitos trabalhadores
provavelmente, vinham de uma experiência escravista em que as condições de trabalho
e de estrutura impossibilitavam os estudos e uma mobilidade social297. Era interessante
ter o número de eleitores reduzido e manter um nível alto de analfabetismo. Relação de
paternalismo e certo clientelismo eram práticas recorrentes, em especial nos períodos
eleitorais.
3. 3 Os herdeiros políticos? As relações entre Arnold Silva e Eduardo Froés da Mota.
294 13ª sessão do conselho municipal ata 12 de junho de 1925. Atas do Conselho Municipal. Acervo Particular. 295 Estatuto da Sociedade Monte Pio dos Artistas Feirenses. Capítulo II, artigo 4º § 2º. 296SANTOS, Anderson de Rieti Santa Clara do. Músicas nos Coretos: Ruídos nos Palacetes: o cotidiano das filarmônicas de Santo Amaro da Purificação- Bahia (1898- 1932). Feira de Santana, UEFS, 2009, p. 16. 297Para saber mais sobre as condições de vida dos libertos ver: CHALLHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores pobres no Rio de Janeiro da belle époque. Companhia das Letras, 2002. FRAGA Fº, Walter. Mendigo, moleques e vadios na Bahia do século XIX. São Paulo, HUCITEC; Salvador, EDUFBA, 1996.
119
O capital político é uma forma de capital simbólico298.
Levantamos aqui a discussão sobre o “capital simbólico”, a herança política
passada por Agostinho Froés da Mota a seu filho, Eduardo Froés da Mota e de
Bernardino Bahia ao seu genro, Arnold Ferreira da Silva. Pretendemos perceber as
relações políticas estabelecidas entre eles, vendo os desdobramentos dessas relações e as
alianças feitas com outros políticos. Analisamos como estes se tornaram dirigentes do
Partido Social Democrático (PSD) em Feira de Santana. Não podemos esquecer que,
como insiste Bourdieu, “para estar de fato dentro jogo político se exige adesão ao
próprio jogo” 299. Era preciso conhecer e acumular capital simbólico, saber as
artimanhas do cenário político e com quem estabelecer as devidas relações300.
O fim da década de 10 e a década de 20 foram marcados pela saída do cenário
político de importantes sujeitos como: Ruy Barbosa, José Marcelino, Araújo Pinho,
Cupertino Lacerda, Agostinho Froés da Mota, Tito Ruy Bacelar, Severino Vieira, João
Guimarães Suzarte, entre outros, que faleceram naqueles anos, ao mesmo tempo em que
outros nomes se lançavam ou se consolidavam na carreira política. Nomes como
Octávio Mangabeira, Simões Filho, Vital Soares, os irmãos Calmon, Arnold Ferreira da
Silva, Eduardo Froés da Motta, entre outros, emergiram na política nacional, estadual e
local.
Sobre a carreira política de Arnold Silva, Silva enfatiza que:
Arnold conseguiu realizar duas gestões consecutivas, herdando os princípios da ação política do coronel Bernardino Bahia, assim como a participação na criação e comércio de gado da família, firmando-se como ator político também de forte influência na capital, chamado igualmente de coronel, carregando o atributo da continuidade política do seu sogro e ao começar sua carreira política em 1924 iniciou também a construção da chefia de um grupo político ligado ao PRB301.
298
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 15ª Ed. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil. 2011. P. 187. 299
Idem, p. 184. 300No campo político nem sempre as regras são seguidas. Apesar do campo político segundo Bourdieu ter uma autonomia relativa, ainda esta é histórico e passível de mudanças (principalmente a partir da luta de classes). 301
SILVA, Kelman Conceição. Quem manda na Feira? Política, classe e rearranjos de poder em Feira de Santana. UNEB, Santo Antônio de Jesus, dissertação em História, 2012. P. 39.
120
Arnold Silva foi inserido na política por seu sogro, o coronel Bernardino Bahia,
conseguindo chegar à chefia do executivo municipal sem sequer ter uma carreira
política até então. Já Eduardo Froés da Motta, buscou, pelo prestígio que envolvia o
nome de seu pai, construir uma carreira política que o consolidasse durante muitos anos
no cenário político. Campos salienta que “além disso, Eduardo e Arnold nasceram no
final do século XIX e fizeram parte de uma geração que assistiu o desenrolar político da
única experiência republicana que se tinha no Brasil até então” 302. Ambos nasceram no
final do século XIX e a experiência política com que conviveram foi aquela
desenvolvida por seus familiares em que a relação de compadrio, de clientelismo e de
paternalismo eram as principais características.
Procuraram, como ressalva Larissa Pacheco, “a identificação de traços exitosos,
como que feitos pelas suas próprias mãos, por desdobramento de suas vontades ou fruto
direto de suas idealizações são o fruto de uma vida de honra e merecedora (digna) de
sucesso” 303. Esses traços exitosos de que fala a autora foram as principais marcas que
esses sujeitos buscaram imprimir na imagem que passavam. Por muitas vezes, um feito
político, a construção ou inauguração de algum prédio público, por exemplo, eram
tratados por esses sujeitos, como demonstração de sua vontade de tornar a cidade um
lugar melhor. Era dirigidos a ele, todos os créditos e homenagens.
Vimos que Arnold Ferreira da Silva, juntamente com seus irmãos Dálvaro
Ferreira da Silva e Raul Ferreira da Silva (um dos arrendatários do cine-teatro Santana),
tornaram-se proprietários do jornal a Folha do Norte em 1922. Seus irmãos também
figuravam como importantes sujeitos em Feira de Santana, um deles sendo conselheiro
e o outro também de influência na cidade. Arnold Silva casou-se em 1921, com
Amanda Bahia, filha do coronel Bernardino Bahia, que veio falecer em maio de 1926.
Mas as relações de genro e sogro continuaram estreitas, ocorrendo o enlace matrimonial
com outra das filhas do coronel Bahia, Berenisa Bahia.
Como já ressaltamos nos capítulos anteriores, a solidificação da posição social e
política de sujeitos como Arnold Silva, por exemplo, passava pela participação e direção
de entidades de classes e organizações filantrópicas. A maioria dessas pessoas desde o
302
CAMPOS, Ricardo. O jogo político local: competição e dinâmica política em Feira de Santana (1948-1965). Dissertação em História, UNEB, Santo Antônio de Jesus, 2012. P.04. 303 PACHECO, Larissa Penelu. A produção da lembrança e a história política: memórias e biografias na cidade de Feira de Santana -BA. Artigo, UEFS, Feira de Santana, 2013, p. 07. No prelo.
121
início de nossas pesquisas apareciam como importantes colaboradores e ocupavam os
principais cargos em entidades como a Santa Casa de Misericórdia, Monte Pio dos
Artistas Feirense, filarmônicas, bancos e outros.
Concordamos com Silva na medida em que acreditamos que a ação de
Bernardino Bahia e seu apoio foram fundamentais para eleger Arnold Silva como
Intendente e também criar em torno de si um personalismo.
(...) não há como negar que nessa circunstância histórica determinada a ação individual do coronel Bernardino Bahia foi decisiva nesta eleição, por que para eleger Arnold Ferreira da Silva outros sujeitos políticos feirenses possivelmente partilharam da perspectiva do seu líder ou ao menos traduziram uma cooperação para com ele. Considero como uma ação coletiva que foi coordenada a partir da opção individual de Bernardino da Silva Bahia: colocar a frente da Intendência de Feira de Santana alguém ligado ao segmento que vinha dirigindo a cidade desde os primeiros anos do século XX e que provavelmente daria prosseguimento às práticas políticas em vigor na cidade304.
Assim, em fins do ano de 1923, Arnold Silva foi eleito como intendente para o
biênio 1924-1925, sem ter tido um concorrente. A sua posse foi narrada pelo jornal
Folha do Norte, pelos jornais da capital e também pelas lembranças e memórias de
Eurico Alves Boaventura, como sendo algo suntuoso e que envolveu em harmonia e
comunhão toda a população da cidade. Boaventura nos narra que:
À frente dos destinos da linda cidade que Deus e os vaqueiros presentearam nosso Estado, está um intelectual de talento (...). Lembro-me bem da grande solenidade da posse do então intendente (...). Passou toda a gente a pé. Nem a carruagem de Seu Agostinho, nem o seu Mercedes roncador como trovão seco, nem o automóvel de Seu Bernardino, nada disso dava a imponência que levava a ilustre comitiva (...). Pois bem, em prosa estilo Camilo, o empossado prometeu um rol de coisas. Prometeu e realizou tudo que prometeu. Não bancou o Chico promessas. Fez tudinho que estava no discurso. E foi reeleito (...). Seu Bahia, solene como um sim de casamento, vaidoso pelo genro substituí-lo na política da terra305.
304 SILVA, Kelman Conceição. Quem manda na Feira? Política, classe e rearranjos de poder em Feira de Santana (1930-1945). UNEB, Santo Antônio de Jesus, dissertação em História, 2012. P. 38. 305ALVES, Eurico Alves Boaventura. A paisagem urbana e o homem: memórias de Feira de Santana. Feira de Santana: UEFS editora, 2006, p. 102 e 103.
122
Era a figura de um jovem que emergia na cena política da cidade. Jovem
destacado pelo seu empenho profissional nas colunas do jornal Folha do Norte, onde
começou a trabalhar com 14 anos de idade, Arnold Silva foi ganhando espaço, sendo
reconhecido. Contudo, sem o apoio de seu sogro, seria improvável que alcançasse tão
cedo a chefia do executivo municipal. Mais uma vez destacamos como as relações
políticas perpassavam pelas relações familiares e de compadrio. Alias, eram essas,
talvez, que sustentavam e ajudavam a consolidar carreiras políticas em âmbitos locais.
Como já mencionamos, algumas importantes figuras políticas haviam falecido,
em especial, Agostinho Froés da Mota, o aliado político do coronel Bernardino Bahia,
com quem alternou a Intendência da cidade entre 1912 e 1923. Era preciso alguém em
que Bernardino Bahia confiasse para sucedê-lo na chefia do executivo, abrindo caminho
para nada mais do que Arnold Silva, considerado pelo segmento dirigente da cidade
como um dos seus.
Arnold Ferreira da Silva, para além de ter sido intendente antes da “revolução de
30”, foi uma figura política de destaque após 30, assumindo a liderança da oposição a
Vargas pela Aliança Liberal. Assumiu novamente a prefeitura da cidade em 1959 até
fins de 1962. Já Eduardo Froés da Mota, assumiu cargo de deputado e foi prefeito em
Feira de Santana entre os anos de 1944 e 1945.
Eduardo Froés da Motta era o caçula dos três filhos homens do primeiro
casamento de Agostinho. Formado em medicina na capital do Estado, começou a
aparecer na cena política da cidade aos poucos e, após o falecimento do seu pai, passou
a se destacar em algumas instituições e entidades filantrópicas da cidade. Foi ele o
inventariante do seu pai e um dos maiores herdeiros do mesmo. Além da residência,
diversas fazendas, casas de aluguel e diversos negócios passaram a pertencer-lhe. Em
1926, foi o presidente da Caixa Rural em Feira de Santana e o dirigente da Santa Casa
de Misericórdia. Pertenceu ao Monte Pio dos Artistas Feirenses e também era membro
da Filarmônica 25 de março. Sobre a história da vida de Eduardo Froés da Motta, a
revista Panorama destacou que:
Por onde quer que olhemos a historia de Feira de Santana, nestes últimos anos, iremos encontrar o nome deste homem. Como prefeito, como deputado, como presidente de um partido de grande expressão na vida política desta terra, como figura ilustre da cidade. Eduardo
123
Froés da Mota é a legenda viva de Feira de Santana. O ultimo de uma geração de políticos que viveu quase todos os grandes eventos deste século, que participou de forma ativadas mudanças e evolução de Feira de Santana e da Bahia.Presidente do PSD – Partido Social Democrata, aqui em Feira de Santana, durante quase quarenta anos, sob sua liderança formaram-se nomes que ainda hoje compõe o ladrilho político-partidário do Estado306.
Apesar de consolidar sua carreira política após a “Revolução de 30”, Eduardo
Froés da Motta cresceu rodeado pelas experiências do seu pai e de seus correligionários
(ele era afilhado de crisma de Bernardino Bahia), aprendendo seus primeiros passos e
sendo inserido no jogo político por seu pai. A partir do coronel Agostinho Froés da
Motta e de sua herança política, Eduardo Froés da Motta começou a se envolver e se
consolidar na política feirense. O mesmo narra como sua entrada seu deu:
Meu pai foi político e eu herdei dele, comecei a ser político em 1922. Até então eu era um médico, clinicando em São Paulo, onde morei grande tempo, e lá me casei. (Minha mulher é mineira). Meu pai já velho foi me visitar uma vez e me perguntou: “você como está aqui?” Eu estou muito bem. No dia seguinte vendo meu trabalho, minha situação, me disse: “estou vendo que você está muito bem aqui, mas preciso de você lá em Feira de Santana, estou velho sei que não vou viver muitos anos.” Eu disse: irei para onde você quiser meu pai. “Mas vai satisfeito?” Vou, agora com uma condição, eu lá não quero clínica médica. “Não você vai lá para ser meu sócio, meu companheiro (...) 307.
Como o mesmo afirmou, a sua entrada na política feirense foi em 1922, ano em
que seu pai ficou bastante doente e acabou por falecer. E era importante para Agostinho
Froés da Motta passar seu legado político e econômico para alguém de sua família,
assim como o fez Bernardino Bahia. Apesar de ter mais dois filhos homens, o coronel
depositou sua confiança em seu caçula, que voltou a morar em Feira de Santana e
tornou-se seu sócio, inventariante e começou sua carreira política sendo eleito
conselheiro municipal em 1928. Eduardo também foi o único dos três irmãos que se
formou e tornou-se médico. Seus dois outros irmãos eram um capitão da Guarda
306
Revista Panorama de Feira de Santana, N° 1, 9 de setembro de 1983. MCS. 307 Revista Panorama de Feira de Santana, N° 1, 9 de setembro de 1983. P. 31.
124
Nacional e o outro, farmacêutico. Considerava seu pai um dos principais políticos
feirenses.
O senhor pode citar três políticos importantes aqui da terra? Afora, é claro, o doutor Eduardo Froés da Mota. Resposta- Há um vulto político em Feira de Santana, que vocês não conheceram e eu preferia não tocar no assunto. É meu velho pai. Meu pai foi todo este sertão à cavalo. E muitas vezes ele me dizia: “Eduardo, eu volto do Sertão tranqüilo, quando passo em Almas (que é Anguera hoje) porque digo comigo mesmo que se eu morrer aqui me levam para Feira para eu ser enterrado lá”. Era o amor que ele tinha por Feira. De modo que um é o meu velho pai, realmente. Arnold Silva foi um político em evidência, o João Marinho, o Bernardino Bahia, aliás, era meu padrinho de crisma308.
Fica claro que Eduardo reconhecia a importância da carreira política de seu pai.
Apesar da herança política passada pelo seu pai, Eduardo trazia um novo elemento,
inovou na parte financeira. Como inventariante do espólio de Agostinho, Eduardo
buscou de todas as formas evitar que seu irmão Alberto309 recebesse qualquer coisa do
pai. Também se indispôs com a maioria de seus irmãos, tentando evitar que recebessem
mais do que achava que mereciam310. Sua luta ferrenha durante o inventário do seu pai
deixa evidente que o lado material era uma característica marcante em sua
personalidade. Enquanto Agostinho tinha a postura de manter seu prestígio social, em
especial, aconselhando e interferindo como um juiz na vida de familiares, amigos,
empregados, Eduardo preferia romper relações para ter o máximo no montante da
herança de seu pai.
Como chefe do Partido Social Democrata (PSD) elegeu três prefeitos, mas
quando concorreu como candidato perdeu duas vezes. Assumiu a prefeitura por
indicação do governador do Estado e não foi eleito pelo processo eleitoral. Permaneceu
líder desse partido até o golpe civil-militar em 1964. Nessa mesma entrevista, Eduardo
afirmou que “a missão do chefe é não perder eleição” 311.
308
Revista Panorama de Feira de Santana, N° 1, 9 de setembro de 1983. MCS. 309
Alberto Motta era filho de Agostinho com sua segunda esposa, porém nasceu muito antes do enlace matrimonial ser realizado, logo era fruto de uma relação extraconjugal. Mas mesmo sendo gerado fora do casamento o coronel assumiu sua paternidade e custeou seus estudos e seu sustento material. Porém não foi citado pelo pai em seu testamento. 310
Estante 06, caixa 175, documento 2887. Inventário. CEDOC/UEFS 311 Idem, p. 37.
125
As relações estabelecidas entre Eduardo Froés da Motta e Arnold Silva estavam,
portanto, para além das relações políticas. Por vários momentos ambos estiveram
engajados em atividades e sociedades que beneficiavam muito seus interesses e dos
grupos que representavam. Assim em 1927, criaram o banco de crédito popular de Feira
de Santana:
Fundou-se no ultimo domingo, nesta cidade, o banco de crédito popular da Feira de Sant’Anna, sociedade cooperativa de credito, de responsabilidade limitada, e forma anonyma, systema Luzzati... Foi subscrito o capital mínimo de 1.0$000$000. Elegeram-se de acordo com o estatuto, três conselhos de administração, tendo sido escolhidos diretores o srs. Eduardo Motta (presidente), Arnold Silva (gerente) e Carlos Bahia (secretário). A comissão fiscal é composta dos srs. Coronéis Bernardino Bahia, Mario Saback de Oliveira e Leolindo dos Santos Ramos. O Banco de Credito Popular fará, por estes dias, o depósito legal no cartório do Registro das Hypothecas, devendo iniciar suas operações em 1ª de julho próximo à Rua Bernardino Bahia, nº2 onde vai ser instalado. A sessão de fundação efectou-se no edifício do governo municipal, tendo sido o facto oficialmente comunicado aos srs. Dr. Governador do Estado e presidente do Banco do Distrito Federal312.
Podemos ver que na diretoria, além dos dois políticos citados, encontra-se o
nome de Carlos Bahia, filho do coronel Bernardino Bahia, que por sua vez aparece na
comissão fiscal do banco, juntamente com os coronéis Mario Saback de Oliveira e
Leolindo dos Santos Ramos. A iniciativa da instalação de um banco de crédito na
cidade ou mesmo de uma sociedade de agricultura, que vimos no segundo capítulo, nos
mostra que o grupo dominante em Feira de Santana, estava inserido no contexto de
expansão do capitalismo, de criar condições que favorecessem seus negócios e de
protegê-los, tornando-se o grupo que monopolizava a economia da cidade. Evidencia,
portanto, que o grupo dirigente feirense, os que possuíam fortuna, eram uma classe ou
fração de uma classe, já que buscaram, por todo o período que nosso estudo cobre,
assumir o papel de direcionadores da sociedade em que viviam, como os verdadeiros
beneméritos desta, os que buscavam as melhorias necessárias para seu desenvolvimento.
Assim faziam tornar necessários seus interesses, colocando em prática o desejo de seu
grupo. Debatendo sobre as relações de poder e sobre o grupo dirigente feirense, Silva
defende que:
312
Jornal Folha do Norte, 07 de maio de 1927, p.01: Banco de crédito popular. MCS.
126
Assim buscaram moldar as práticas desses sujeitos e manter a ordem material da cidade de forma a privilegiar o grupo dominante que exercia a direção política e controlava também o conjunto das forças econômicas ligadas ao comércio, considerado entre as atividades comerciais as prestações de serviços- estabelecimentos pertencentes a médicos, dentistas, advogados e afins. Dessa perspectiva esses diversos atos são ações de classe, ações coletivas que produziram definições de interesses, valores e normas que são relacionados às posições de classe e que ressoaram no conjunto da vida social313.
Como direcionadores da sociedade, esse grupo colocou em prática e conseguiu
várias vantagens, não só na esfera política e econômica mais também na social.
Novamente defendemos a história social da política, em que as atitudes políticas desses
sujeitos devem ser pensadas não se limitando apenas à política, aos espaços
institucionais. Por mais de uma vez, exemplificamos como as ações desses sujeitos
estavam atreladas aos seus interesses de classe.
Arnold Silva posteriormente criou um discurso baseado em suas primeiras
gestões na intendência de Feira de Santana para alavancar sua campanha eleitoral nos
anos 50. Assim lemos nas folhas do jornal Folha do Norte:
Se nada fez de útil, meu governo, pelos menos concorreu para que Feira obtivesse esses três poderosos elementos de vida, de progresso, de civilização: - posto de profilaxia rural, luz elétrica, Escola Normal; pelo menos promoveu e manteve uma política de congraçamento, de tolerância e de paz; pelo menos se traçou normas de severa honestidade em todos os departamento da administração; pelo menos defendeu na medida de suas forças,a integridade territorial do município; pelo menos conservou e aumentou a quilometragem das estradas de automóveis; pelo menos regularizou e melhorou o principal comércio da terra, instalando uma balança, a maior do Estado e uma das maiores do país, para pesagem do gado vivo; pelo menos pagou em dia a todos os funcionários, atendeu em dia a todos os compromissos da comuna; pelo menos elevou a receita média do município; pelo menos não transmite encargos não lega dívida, não arrola credores, deixando a Feira livre, desembaraçada, financeiramente independente; pelo menos concluiu, mobiliou e inaugurou a nova sede do governo local, porventura melhor, a mais bela e mais suntuosa das sedes de governos comunais da Bahia314. (sic)
313
SILVA, Kelman Conceição. Quem manda na Feira? Política, classe e rearranjos de poder em Feira de Santana (1930-1945). UNEB, Santo Antônio de Jesus, dissertação em História, 2012. P. 45. 314 Jornal Folha do Norte, 09 de agosto de 1958, p.01. MCS.
127
Nada mais natural do que Arnold Silva defender sua primeira gestão, criando em
torno desta um ‘mito’ de progressos essenciais a Feira de Santana. O que este sujeito
buscou ao relatar as benemerências da sua primeira gestão foi a sua contribuição à
cidade e seu progresso material, colocando-se como uma das figuras fundamentais para
o desenvolvimento da cidade.
Por fim, Arnold Silva deixou a chefia do executivo municipal em 1928,
sucedendo-o seu correligionário Elpídio Raimundo Nova, advogado, que assumiu por
diversas vezes o cargo de conselheiro e também figurava pelas diversas sociedades e
instituições na cidade. Em 1930, ocorreu a “revolução de 30”, o que colocou o cargo de
prefeito nas mãos do interventor, isto é o “representante do governo federal que
substituíra o governador eleito na Bahia” 315. Elpídio Nova permaneceu como chefe do
executivo municipal até janeiro de 1931, quando o coronel João Mendes da Costa foi
nomeado para esse cargo. Após o golpe de Vargas, Arnold Silva integrou a bancada da
Aliança Liberal, assumindo como líder em oposição a esse presidente em Feira de
Santana. E Eduardo Froés da Motta, apoiou Vargas e foi o representante do “getulismo”
na cidade.
315 POPPINO, Rollie. Feira de Santana. Editora Itapuã, 1968. P. 140.
128
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
A partir do estudo das fontes, da bibliografia consultada e dos debates em outros
espaços, desenvolvemos este trabalho que teve a finalidade de analisar as relações
políticas em Feira de Santana nas primeiras décadas do século XX. O objetivo foi
contribuir para uma leitura sobre a história política dessa cidade. Buscamos entender o
cenário político feirense, quem dele participava e quem estava excluído, as disputas
político-partidárias, o processo eleitoral e as relações de poder.
Primeiramente apresentamos a cidade de Feira de Santana no início do século
XX. Apoiamo-nos em trabalhos já desenvolvidos sobre esse município e nos
memorialistas Antônio Lajedinho, Eurico Alves Boaventura e Oscar Damião para
apresentar como era essa cidade, desde sua estrutura física até sua dinâmica econômica
e social. Mapeamos os principais sujeitos políticos, suas famílias e analisamos a
imprensa como instrumento de disputa política e de espaço para posições defendidas e
apresentadas pelos sujeitos históricos. Vimos que os grupos dominantes feirenses
também propagaram discursos de progresso e civilidade, criticando tudo que remetesse
ao antigo e arcaico. Estes buscaram tirar do centro urbano as casas e casebres, com a
justificativa que “enfeiavam” a cidade e colocaram em prática reformas urbanísticas.
Criaram o código de posturas, definindo regras e reprimindo ações que não fossem
consideradas adequadas a partir dos ideais de civilidade.
Através da análise dos sujeitos políticos e suas famílias, percebemos que estes
figuravam além dos espaços reservados à política tradicional vinculados ao Estado.
Estavam presentes e assumindo papéis de lideranças em sociedades, como o Monte Pio
129
dos Artistas Feirense, em filarmônicas e festas religiosas. Ficou, assim, evidente que a
direção política significava a direção da sociedade como um todo, possibilitando pôr em
práticas suas visões de mundo, muitas vezes, impondo suas vontades através de
discursos baseados no bem-estar da sociedade.
Na análise das relações políticas, evidenciamos que estavam emaranhadas numa
rede de relações de dependências em que apareciam envolvidas as esferas municipais,
estaduais e federais. Vimos que o Presidente da República precisava do apoio da
bancada do Congresso para executar suas decisões e essa vinha a partir da adesão do
governador e seus correligionários que, em troca, recebiam a liberdade e autonomia para
governarem os Estados. No mesmo sentido, os intendentes apoiavam o governador e
seus candidatos, que, por sua vez, recebiam o apoio do chefe do executivo estadual para
dominarem os municípios sem interferências.
Em Feira de Santana encontramos dois grupos que disputavam o poder político.
De um lado, o grupo liderado pelo coronel Abdon Alves e de outro, o grupo liderado
por Tito Ruy Bacelar. Estes utilizaram as mais diversas estratégias para manterem-se no
poder ou derrubar seus adversários. Entre elas esteve o boicote ao pagamento do
imposto sobre o gado, a tentativa da mudança da feira semanal para cidade de São
Gonçalo, a não realização das reuniões do conselho municipal e o uso da imprensa
como instrumento de ataque aos oposicionistas.
O processo eleitoral nesse contexto encontrava-se restrito ao pequeno número de
eleitores e por um sistema em que a fraude e a falsificação do voto eram constantes.
Percebemos que para entender a dinâmica política feirense tínhamos que levar em conta
o cenário estadual e nacional. Foi possível perceber que as disputas políticas estavam
baseadas numa rede de relações, na qual era preciso saber seguir as regras do jogo
político, em especial, nesse período, a “políticas dos governadores”. Vimos que o
declínio de J.J Seabra esteve atrelado à quebra dessa regra, que possibilitou a ascensão
do bloco calmonista ao poder estadual.
Na perspectiva de entender as relações de poder, evidenciamos a importância
das conformações familiares e de compadrio, tanto na inserção de novos sujeitos na
política, como para legitimar e ressaltar o poder político. A entrada de Arnold Ferreira
da Silva e Eduardo Froés da Motta foram exemplos por nós analisados para evidenciar a
130
importância da herança política e o capital simbólico que possibilitaram a estes sujeitos
galgar e solidificar suas carreiras políticas e suas relações sociais em Feira de Santana.
Vimos que a maior parte dos sujeitos políticos mantinham relações pessoais uns
com outros. Bernardino Bahia era padrinho de crisma de Eduardo Froés da Motta,
compadre de Tito Ruy Bacelar, amigo íntimo de Agostinho Froés da Motta. Abdon
Alves foi compadre e amigo íntimo de João Mendes da Costa, que foi seu inventariante.
Agostinho casou-se com uma das filhas do coronel Tertuliano Carneiro e foi compadre
de Tito Ruy Bacelar.
Por fim, entendemos, portanto, que as discussões desenvolvidas aqui nos
possibilitam um olhar sobre as relações de poder em Feira de Santana. Mas estamos
cientes que as análises sobre a história política feirense não se esgotam aqui. Buscamos
contribuir com uma leitura sobre a história social da política de Feira de Santana,
tentando analisar os sujeitos para além da política institucional, entendendo que estes
eram também sujeitos sociais (ampliavam seus espaços de atuação) e que as relações
políticas feirenses apresentaram suas especificidades e generalidades dentro do
movimento histórico em que se encontravam.
131
LISTA DE FONTES
1. Periódicos:
O Progresso 1905- 1908. (Museu Casa do Sertão/UEFS).
O Município 1908-1911. (Museu Casa do Sertão/UEFS).
Republicano 1912. (Museu Casa do Sertão/UEFS).
Folha do Norte 1909- 1927. (Museu Casa do Sertão/UEFS).
O Propulsor 1906- 1908. (Museu Casa do Sertão/UEFS).
2. Documentos oficiais:
Atas do Conselho Municipal:
12ª sessão do conselho municipal: ata 2 de junho de 1925.
13ª sessão do conselho municipal ata 12 de junho de 1925.
1ª sessão ordinária da 3ª reunião periódica do conselho em 15 de agosto de 1925.
2ª sessão do conselho municipal 18 de agosto de 1925
3ª sessão do conselho municipal 25 de agosto de 1925
4ª sessão do conselho municipal 27 de agosto de 1925
5ª sessão do conselho municipal 01 de setembro de 1925 (exposição de gado todo ano na cidade afim de estimular o desenvolvimento da pecuária na cidade). 10155 ver.
6ª sessão do conselho municipal 8 de setembro de 1925
1ª sessão extraordinária do conselho municipal em 06 de outubro de 1925
132
4ª sessão extraordinária do conselho municipal em 09 de outubro de 1925
5ª sessão extraordinária do conselho municipal em 10 de outubro de 1925
1ª sessão ordinária do conselho municipal 10 de novembro de 1925
4 sessão do conselho municipal 1 de dezembro de 1925
Relatórios da Intendência (1902, 1904, 1912, 1915, 1919, 1922 e 1924).
Atas dos presidentes dos Conselhos Municipais (1907 a 1927).
Balancete da receita e despesas de FSA (1916-1919)
3. Arquivo Público do Estado da Bahia
Inventário: Bernardino Bahia- Caixa: 2701; Documento: 05.
Sessão Republicana: Caixa: 2295; Documento: 2900
Sessão Republicana: Caixa: 2301; Documento: 2921
Sessão Republicana: Caixa: 1821; Documento: 1935
Sessão Republicana: Caixa: 2284; Documento: 2878
Sessão Republicana: Caixa: 2288; Documento: 2879
Sessão Republicana: Caixa: 2294; Documento: 2891
Atas dos conselhos municipais 1890; 1901;1904 e 1906.
4-Museu Casa do Sertão:
Revista Panorama: entrevista com Eduardo Froés da Motta. Numero° 1, 9 de setembro de 1983.
5-Centro de Documentação (CEDOC/UEFS)
Inventários e testamentos:
Estante: 02; Caixa: 32; Documento 352.
Estante: 09; Caixa: 228; Documento 4842.
Estante: 06; Caixa: 166; Documento 2573.
Estante: 06; Caixa: 175; Documento 2887.
133
Estante: 13; Caixa: 348; Documento 7976.
Estante: 13; Caixa: 350; Documento 8015.
Processos-crimes:
Estante: 03; Caixa: 72; Documento: 7123.
Estante: 05; Caixa: 128; Documento: 2504.
Estante: 09; Caixa: 236; Documento: 5022.
6-Acervo particular:
Estatuto da Sociedade Monte Pio dos Artistas Feirenses.
7-IBGE:
População Recenseada em 31/12/1920. Bahia, vol. 4, parte 5, tomo I. P. XLII e XCVII. Lista com os sensos demográficos.
8- Memorialistas:
ALMEIDA, Oscar Damião de. Dicionário Personativo, Histórico e Geográfico da
Feira de Santana. Feira de Santana, 2000.
BOAVENTURA, Eurico Alves. A paisagem urbana e o homem: Memórias de Feira
de Santana. Feira de Santana, Editora UEFS, 2006.
LAJEDINHO, Antonio de. A Feira na década de 30. Feira de Santana, s.n., 2004.
134
REFEREÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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Feira de Santana. Feira de Santana, 2000.
ARAGÃO, Antônio Ferrão M. A Bahia e seus governadores na República. Edição
fac-similar- Salvador: Fundação Pedro Calmon, UEFS- Editora 2010.
BOAVENTURA, Eurico Alves. A paisagem urbana e o homem: memórias de Feira
de Santana. Feira de Santana: UEFS Editora, 2006.
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BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 15ª Ed. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil. 2011.
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regras sociais e jurídicas em Feira de Santana, 1890-1920. Dissertação em História,
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anos 20 e a revolução de 1930. In: O Brasil Republicano I: o tempo do liberalismo
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Feira de Santana, 1910-1917. UEFS: Feira de Santana, 2010. Monografia em história.
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Sertão”. (1919-1946)- Feira de Santana. Dissertação em História. UEFS: Feira de
Santana, 2012.
SANTOS, Anderson de Rieti Santa Clara do. Músicas nos Coretos: Ruídos nos
Palacetes: o cotidiano das filarmônicas de Santo Amaro da Purificação- Bahia (1898-
1932). Feira de Santana, UEFS, 2009.
SANTOS, Mario Augusto. A Associação Comercial da Bahia na Primeira
República. 3ª edição- Salvador: Assembléia Legislativa do Estado da Bahia,
Associação Comercial da Bahia, 2011.
SARMENTO, Silvia Noronha. A raposa e a águia: J.J Seabra e Rui Barbosa da
Primeira República. Salvador, UFBA: dissertação de mestrado, 2009.
SEVECENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na
Primeira República. São Paulo, 2ª edição: Brasiliense, 1985.
SILVA, Aldo José Moraes. Natureza sã, civilidade e comércio em Feira de Santana:
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Tempo Brasileiro: 1979.
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Santana na Era Vargas (1930-1945). Monografia. Feira de Santana: UEFS, 2009.
SILVA, Kelman Conceição. Quem manda na Feira? Política, classe e rearranjos de
poder em Feira de Santana (1930-1945). UNEB: dissertação de mestrado. Santo
Antônio de Jesus, 2012.
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SILVA, Mayara Pláscido. Experiências de trabalhadores/as pobres em Feira de
Santana (1890-1930). Dissertação em História, UEFS, Feira de Santana: 2012.
SIMÕES, Kleber José Fonseca. Os homens da Princesa do Sertão: modernidade e
identidade masculina em Feira de Santana (1918-1938). UFBA, dissertação em História,
Salvador, 2007.
SOUZA, Eronize Lima. Prosas da valentia: violência e modernidade na Princesa do
Sertão (1930-1950). Salvador: UFBA, dissertação em história, 2008.
SOUZA, Maria do Carmo Campello de Souza. O processo político partidário na
Primeira República. In: Brasil em perspectiva. Editora: Bertrand Brasil S.A, 1987.
QUARESMA, Mônica. O salvacionismo na Bahia: o político e a política em J.J
Seabra (1912-1916). Dissertação de Mestrado, UNICAMP: 1999.
139
ANEXO I:
Quadro dos conselheiros
NOME CARGOS PROFISSÃO
POSSES
Comissões OUTROS
José Antunes Guimarães
Conselheiro (1894/1901-1903) Intendente (julho-dez 1903 e abril 1906 a dez 1907). Comissário de Polícia (1902).
Comerciante Presidente da comissão municipal de FSA (1902, o progresso 023).
Coronel Presidente do conselho (1901/1907) Presidente do conselho (1908).
Agostinho Froés da Mota
Conselheiro (1901 a 1915). Intendente (1915-1919).
Negociante, comerciante, dono de casas de aluguel e proprietário de terras.
Comissão da fazenda e obras públicas e higiene (1901) Comissão da fazenda (1906) Gerente do Banco do Brasil.
Coronel. Presidente da Monte Pio dos Artistas Feirenses (1890-1891). Provedor da Santa Casa de Misericórdia (1910-1911). Presidente do Conselho (1912-1916).
Gonçalo Alves
Conselheiro suplente (1926 a 1927)
Negociante de couro. Dono do armazém de compras de
Pai do poeta Eurico Alves Boaventura.
140
pele. Quintiliano Matias da Silva
Conselheiro( 1900 a 1915 e 1919-1923).
Negociante de gado.
Coronel
José Alves Boaventura
Conselheiro (1900 a 1923/1924-1926). 2º secretário do conselho (1915-1919)
Farmacêutico, fazendeiro e comerciante
Dono da farmácia Alves fundada em 1866.
Comissão da fazenda e justiça, instrução publica e agricultura (1901)
Presidente da soc. 25 de março (1901).
Mario Saback de Oliveira
Conselheiro (1912-1915)
Negociante Coronel
Elpidio Nova
Conselheiro (1924-1926) Intendente (1928-1930).
Advogado Promotor público de FSA (1922).
Provedor da Santa Casa de Misericórdia 1927.
Eduardo Froés da Motta
Conselheiro (1928) Prefeito (1944/45) Deputado
Médico, negociante e comerciante.
Dirigente do banco popular de FSA (1927) Acionista da campanha de melhoramento (1927).
José Pedro de S. Leão
Conselheiro (1900-1903)
Comissão da fazenda e justiça, instrução e agricultura (1901)
Tenente- coronel
Abdon Alves de Abreu
Conselheiro (1904-1907). Intendente (1908-1912)
Proprietário do jornal O Município e O comercial. Dono de tipografia.
Coronel
Bernardino da Silva Bahia
Conselheiro (1904-1907/1915-1919) Intendente (1912-1915/1920-1924).
Fazendeiro, comerciante de gado.
Comissão da fazenda (1906)
Coronel
Presidente do conselho (1915-1919.
João Conselheiro Farmacêutico Coronel
141
Barboza de Carvalho
(1904-1907) e proprietário de farmácia em Bonfim de Feira.
João Manoel de São Boaventura
Conselheiro (1900-1903/1904-1907/1908-1912)
Obras públicas e higiene e justiça, instrução publica e justiça(1901)
Coronel
João Mendes da Costa
Conselheiro (1912-1915/1915-1919/1920-1923) Juiz de paz (1901)
Negociante de gado.
Coronel Vice-presidente do conselho (1915-1919). Presidente da Monte Pio (1905).
Juvêncio Erudilho da Silva Lima
Conselheiro (1904-1907/1912-1915)
Dono de açougue
Capitão Membro santa casa misericórdia (1901)
Celso Valverde Martins.
Conselheiro (1912-1915/1915-1919/1920-1923)
Proprietário da Pharmácia Chile( localizado na rua chile). Empregado da casa comercial dos srs. Ramos, Irmão & Cia. (1902)
José
Cordeiro
Conselheiro (1915-1919/1920-1923)
Rogério Cornélio da Maia Pitombo.
Conselheiro (1904-1907/1908-1912)
Comissão de redação (1906).
Major
Dr. Joaquim
Conselheiro (1908-1912)
Negociante de gado.
142
Raul dos Reis Godilho
Silvino dos Santos Ramos
Conselheiro (1908-1912/1912-1915)
Major
Manoel Portugal dos Santos
Conselheiro (1908-1912/1912-1915/1915-1919/1920-1923)
Comerciante e negociante de fumo.
Major
Tertuliano
de
Almeida
Conselheiro (1915-1919/1920-1923/ 1924-1926)
Fazendeiro e negociante de gado.
Presidente da filarmônica Vitória em 1913-1914.
Filinto Marques
Conselheiro (1920-1923/1924-1926)
Advogado Comerciante
2ª secretário do conselho (1922)
Foi diretor da Faculdade de Direito.
Antônio Rubem
Conselheiro (1920-1923/1924-1926)
Comerciante
Alvaro Simões
Conselheiro (1920-1923)
Negociante de fumo e couro.
Comissão de fazenda (1922).
Um dos fundadores da Associação Comercial
143
(1945).
José Pinto dos Santos Junior
Conselheiro (1920-1923)
1ª secretário do conselho (1925)
Onofre Carneiro
Conselheiro (1915-1919/1920-1923)
Joel Barbosa
Conselheiro (1912-1915)
Valentim Junior
Conselheiro (1912-1915)
Major
Auto Reis
Conselheiro (1912-1915/1915-1919)
Médico
Tertuliano
Carneiro
Conselheiro (1915-1919/1920-1923-1926)
Padre Bebeto Cônego Presidente do conselho em 1925. Presidente da Monte Pio dos Artistas Feirenses (1911/1912).
Leolindo
dos Santos
Ramos
Conselheiro (1915-1919/1920-1924)
Negociante Major
1ª secretário do conselho em (1915-1919). Presidente conselho (1922)
Presidente da guarda noturna do
144
comércio (1913).
João Lucio
Conselheiro (1915-1919/1920-1923/1924,1925)
Negociante de gado.
Guimarães
Suzarte
Conselheiro (1924-1926)
2ª secretário do conselho (1925) Presidente da filarmônica Vitória (1925). Presidente da guarda noturna do comércio (1925).
Lúcio José
de
Cerqueira
Conselheiro (1926-1927)
Negociante Major
Lista dos intendentes (1904 a 1927):
Tito Ruy Filiação e participação política
Família Bens e imóveis
Profissão Religião Participação social
Notícias nos jornais
Chefe do Partido Republicano.
Intendente (1904-1906).
Deputado estadual pelo PRB (1906-1910).
Esposa Regina Adelina dos Passos Bacelar.
Dono do jornal Folha do Norte (1909-1922).
Secretário municipal em 1901.
Católico Membro da filarmônica 25 de março.
Membro da sociedade agrícola protetora de pequenos lavradores.
Membro do
Redator chefe do jornal O Progresso
145
Monte Pio dos Artistas Feirenses.
146
Agostinho Fróes da Motta
Filiação e participação política
Outros Família Bens e imóveis
Religião Participação social
Notícias nos jornais
Filiado do PRB.
Presidente do conselho municipal em 1914.
Conselheiro municipal (1900-1904-1904/1907-1908/1912-1912/1915-1919-1921).
Vice-presidente do conselho em 1900.
Declarou ser natural Feira de Santana.
Compadre Manoel Portugal dos Santos.
Deixa 1 conto de reis para viúvas pobres, sob responsabilidade de Eduardo.
Processou seu empregado Ernesto Santos
Declarou que os pais são José Borges da Motta e D. Maria Valeria de Jesus.
Casado em primeiras núpcias com D. Marximiana Alves Motta e tem os filhos: Albertino, Arthur, Amália, Augusto, Eduardo e Aldagisa. Casado em 2ª núpcias com D.Guilhermina de Almeida em regime de separação de bens.
Irmãos: Amélia( sobrinhos: Julieta, Maria, Adalberto e Octávio); Jorge Perreira Aguiar(falecido, seus filhos são Joanna, Izac e Hermegildo); Romana Chagas; Floriano Perreira
Palacete na Praça General Argolo.
Casa na rua 24.
Casa a rua dos remédios. Seguro feito na Companhia “caixa geral família” Seguro “A Equitatura.
Possui fazendas e pastoris.
Comerciante matriculado pela junta comercial da capital do Estado, proprietário de uma salgadeira.
Católico Apostólico Romano
Membro da Santa Casa de Misericórdia.
Membro da filarmônica 25 de março. Membro da soc. Monte Pio.
Gerente do Banco do Brasil.
Provedor da santa casa de misericórdia
Amália deixa de ser sua herdeira e seu 2º esposo João Grego Fascony.
Tenente em 1900.
147
Aguiar(falecido e suas filhas são Auta Tourinha e Fortunata);
Abdon Alves
Filiação e participação política
Família Outros Bens e imóveis
Profissão
Religião Participação social
Notícias nos jornais
Membro do PRB (1904).
Líder do Partido Dissidente (1908).
Conselheiro Municipal (1904-1907).
Esposa Leonor de Araújo Abreu.
Nove filhos: Edgar, Zélia,George e Lusete (2ª casamento) e Ernestina, Amélia, Amalha, Adelha e Augusto( falecido).
Faleceu em 26/10/1914.
O cel. João Mendes foi o inventariante.
Os filhos Amália e Claudia desiste da herança em favor dos 4 filhos menores.
José Alves Franco cobra a dívida de 600 reis. José Libiam Marinho também requer o
Chácara na Praça 15 de novembro valor 9.000$000 com 2 portas,13 janelas.
Uma velha casa e terreno denominada escola americana. As cisternas da chácara. 1 mula já idosa.
Proprietário de tipografia.
Editor do jornal “O Comercial”
Presidente nos exames da 1ª escola publica do sexo feminino em 1908.
Comandante da 43 brigada de Feira de Sant’Anna( O Município p.02 1908).
Lutou contra canudos.
148
Bernardino Bahia
Filiação e participação política
Família Bens e imóveis
Profissão Participação social
Notícias nos jornais
Outros
Filiado ao partido republicano.
Conselheiro municipal (1904/1907-1915/1919-1924).
Casado com Maria Bereniza de Barros Bahia.
Pais Francisca Alves
Fazendas.
Dono do jornal Folha do Norte a partir de 1922.
Negociante, proprietário e pecuarista.
Comissão fiscal do banco de crédito agrícola.
Provedor da Santa Casa de
O jornal narra à posse deste, mesmo depois de Abdon aparecer com os
Posse ocorrida a uma da tarde em outro prédio ( n.43 na rua dos Remédios)
pagamento de 1:447$000 e José Mendes da Costa requer pagamento de 2 contos de réis. Bernardo Martins Catharino requer a quantia de 6: 449$ 800 com juros.
Imposto de Industrias e profissões e Silva do exercício de 1906 a 1912 o valor de 600:400$ 200 reis.
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Presidente do conselho municipal em 1919.
Bahia e Bernardino da Silva Bahia.
Irmão Francisco Amado Bahia.
Filho Carlos Bahia (pecuarista e líder político da UDN).
Filhos: Adélia, Berenisa, José Jerônimo e Rita Bahia.
Misericórdia. (1919)
Membro da filarmônica soc. 25 de março
jagunços pela cidade. 08/01/1908
pois o paço municipal estava ocupado por Abdon.
Arnold Silva
Filiação e participação política
Família Bens e imóveis
Profissão Participação social
Notícias nos jornais
Outros
Folha do Norte
Intendente (1924-1925/1926-1927).
Prefeito (outubro de
Irmãos Raul e Dálvaro.
Primeira esposa Amália
Dono do jornal Folha do Norte, juntamente com seus
Negociante de leite.
.Membro do Monte Pio dos Artistas Feirenses.
Membro da filarmônica
Em 1922 aparece como primeiro suplente do juiz de direito e
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1959 a novembro de 1962).
Presidente do diretório local do PRB em 1927.
Bahia e segunda Berenisa Bahia.
irmãos. Euterpe Feirense.
Membro da filarmônica sociedade 25 de março.
presidente da junta organizadora das mesas eleitorais na cidade.
07/07/1912 aparece como orador do Monte Pio.
13/03/1913 aparece enquanto 1ª sec. Da sociedade 25 de março.
Presidente da euterpe feirense, monte pio e santa casa de misericórdia
Chefe do PRB 1926.
Genro de Bernardino Bahia (duas vezes).
.
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Anexo II:
A Prova Provada:
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Anexo III:
Irmãos Silva e funcionários da Folha do Norte:
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