Nauru: Uma Ilha à Deriva

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NAURU, UMA ILHA À DERIVA Xosé Manuel Carreira Rodríguez - [email protected] INTRODUÇÃO Com este artigo, gostaria de analisar o fascinante caso do colapso socioeconómico e ambiental da ilha de Nauru, bem descrito em duas reportagens de TV (Jørgensen, T., 2001, para a televisão dinamarquesa, e Laurent J. et al., 2012, para a televisão francesa) enlaçando com os conceitos da ecological economics. O CRESCIMENTO EXPONENCIAL DE NAURU Nauru é uma pequena ilha de 21 km² no remoto centro do Oceano Pacífico. Os factos posteriores a 1900 estão inteiramente ligados com a história do seu recurso mineral único: o fosfato. Em 1968 Nauru fez-se independente e começou a explorar esta riqueza para si. (Jørgensen T., 03:20). A exploração de fosfato deu a Nauru um elevado nível de PIB per capita em comparação com os seus vizinhos (Gowdy et al., 1999). Além do dinheiro pago diretamente aos naruanos provenientes da exploração mineira (royalties) (Jørgensen T., 09:55) , um fundo fiduciário (trust fund) foi estabelecido e em geral acredita-se ter acumulado mais de 1000 milhões de dólares americanos como aponta o jornalista Cameron Steward (Jørgensen T., 19:00). O governo investiu muito mal em propriedades e fundos, mesmo pedindo créditos. Os dados económicos precisos e detalhados para Nauru são difíceis de adquirir porque grande parte dos registos financeiros da nação foram destruídos em um incêndio em 1988 (Gowdy et al., 1999). A professora Helen Hughes, historiadora da economia de Nauru, aponta que no princípio os nauruanos pouparam algum dinheiro até que semelhou que o dinheiro não iria rematar nunca. Marcus Stephen, presidente de Nauru entre 2007 e 2001, aponta que o primeiro governo fez investimentos arredor do mundo para rendibilizar os ingressos para o futuro mas o dinheiro muito mal gerido (Jørgensen T., 09:55). Helen Hughes assinala que tanto o dinheiro comum como as poupanças privadas têm sido malgastados (Jørgensen T., 11:45). O clientelismo foi uma das causas da mala gestão pois o eleitores foram tratados como consumidores aos que satisfazer e convencer com os rendimentos da minaria (Laurent J. et al., 12:15). Assim o fundo comum começou a distribuir-se entre a gente em dinheiro líquido Laurent J. et al., 12:30) e, como diz o ex-presidente Marcus Stephen, nem sequer o custo do manutenção e modernização das infraestruturas mineiras foi tido em conta (Jørgensen T., 02:00). Os naruanos foram então persuadidos para crescer e para investir forte e com alto risco para manter o artificial e insustentável nível de vida (Jørgensen T., 18:00). A casa de Nauru em Melbourne em 1971 foi um dos primeiros extravagantes investimentos imobiliários. Como num jogo do Monopoly os investimentos estenderam-se por meio mundo (Laurent J. et al., 12:30). A PERDA DA SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL Com a exploração mineira a coberta vegetal e as árvores desapareceram (Jørgensen T., 09:55). A desflorestação é uma das consequências mais visíveis da exploração dos fosfatos (Laurent J. et al., 18:25). Como resultado de pouco mais de 90 anos de mineração de fosfato, cerca de 80 por cento da ilha está totalmente devastada (Ayres R.U. et al. 1998). Os resíduos da indústria mineira e da sociedade de consumo são evidentes por toda a parte: máquinas, cintas de transporto de graneis, carros velhos, eletrodomésticos que não funcionam, etc

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História da ruína de um dos países mais ricos do mundo.

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  • NAURU, UMA ILHA DERIVA

    Xos Manuel Carreira Rodrguez - [email protected]

    INTRODUO

    Com este artigo, gostaria de analisar o fascinante caso do colapso socioeconmico e ambiental da ilha de Nauru, bem descrito em duas reportagens de TV (Jrgensen, T., 2001, para a televiso dinamarquesa, e Laurent J. et al., 2012, para a televiso francesa) enlaando com os conceitos da ecological economics.

    O CRESCIMENTO EXPONENCIAL DE NAURU

    Nauru uma pequena ilha de 21 km no remoto centro do Oceano Pacfico. Os factos posteriores a 1900 esto inteiramente ligados com a histria do seu recurso mineral nico: o fosfato. Em 1968 Nauru fez-se independente e comeou a explorar esta riqueza para si. (Jrgensen T., 03:20). A explorao de fosfato deu a Nauru um elevado nvel de PIB per capita em comparao com os seus vizinhos (Gowdy et al., 1999).

    Alm do dinheiro pago diretamente aos naruanos provenientes da explorao mineira (royalties) (Jrgensen T., 09:55) , um fundo fiducirio (trust fund) foi estabelecido e em geral acredita-se ter acumulado mais de 1000 milhes de dlares americanos como aponta o jornalista Cameron Steward (Jrgensen T., 19:00). O governo investiu muito mal em propriedades e fundos, mesmo pedindo crditos. Os dados econmicos precisos e detalhados para Nauru so difceis de adquirir porque grande parte dos registos financeiros da nao foram destrudos em um incndio em 1988 (Gowdy et al., 1999).

    A professora Helen Hughes, historiadora da economia de Nauru, aponta que no princpio os nauruanos pouparam algum dinheiro at que semelhou que o dinheiro no iria rematar nunca. Marcus Stephen, presidente de Nauru entre 2007 e 2001, aponta que o primeiro governo fez investimentos arredor do mundo para rendibilizar os ingressos para o futuro mas o dinheiro muito mal gerido (Jrgensen T., 09:55). Helen Hughes assinala que tanto o dinheiro comum como as poupanas privadas tm sido malgastados (Jrgensen T., 11:45). O clientelismo foi uma das causas da mala gesto pois o eleitores foram tratados como consumidores aos que satisfazer e convencer com os rendimentos da minaria (Laurent J. et al., 12:15). Assim o fundo comum comeou a distribuir-se entre a gente em dinheiro lquido Laurent J. et al., 12:30) e, como diz o ex-presidente Marcus Stephen, nem sequer o custo do manuteno e modernizao das infraestruturas mineiras foi tido em conta (Jrgensen T., 02:00). Os naruanos foram ento persuadidos para crescer e para investir forte e com alto risco para manter o artificial e insustentvel nvel de vida (Jrgensen T., 18:00). A casa de Nauru em Melbourne em 1971 foi um dos primeiros extravagantes investimentos imobilirios. Como num jogo do Monopoly os investimentos estenderam-se por meio mundo (Laurent J. et al., 12:30).

    A PERDA DA SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL

    Com a explorao mineira a coberta vegetal e as rvores desapareceram (Jrgensen T., 09:55). A desflorestao uma das consequncias mais visveis da explorao dos fosfatos (Laurent J. et al., 18:25). Como resultado de pouco mais de 90 anos de minerao de fosfato, cerca de 80 por cento da ilha est totalmente devastada (Ayres R.U. et al. 1998).

    Os resduos da indstria mineira e da sociedade de consumo so evidentes por toda a parte: mquinas, cintas de transporto de graneis, carros velhos, eletrodomsticos que no funcionam, etc

  • (Laurent J. et al., 06:00). Hoje a paisagem da ilha desrtica e os restos da indstria mineira abandonada como petrificada tambm (Laurent J. et al., 06:20).

    Alm disso, o aquecimento global antropognico ter graves implicaes para o povo de Nauru. Se as previses de aquecimento so corretas, o nvel do mar vai subir significativamente at ao final de sculo e a nica parte do Nauru acima da gua pode ser a parte menos habitvel da ilha (Gowdy et al., 1999).

    A PERDA DA SUSTENTABILIDADE ECONMICA

    Os juros a partir do fundo fiducirio deveriam ter segurado uma renda substancial e constante e, assim, a sustentabilidade econmica da ilha. Infelizmente, o uso populista do fundo, o endividamento para investimentos extravagantes e a crise financeira asitica, entre outros fatores, dizimaram a maior parte do dinheiro (Ayres R.U. et al. 1998). A minerao do fosfato remanescente cada vez menos rendvel e no poderia ser relanada sem fortes e novos investimentos (Laurent J. et al., 25:30).

    A professora Helen Hughes explica que, vendidos e desfeitos os investimentos, e com o decaimento da indstria de fosfatos, novos ingressos foram obtidos desesperada em uma fugida cara adiante a partir das sociedades offshore de branqueamento de capitais e da venda de passaportes (Laurent J. et al., 20:00).

    Nos anos 90, Nauru introduziu o sistema de paraso fiscal e rapidamente se tornou um dos destinos favoritos para dinheiro sujo da mfia russa, chegando a conseguir um capital de cerca de 70 bilies de dlares, segundo uma estimativa do Banco Central da Federao Russa. Isto levou a OCDE a identificar Nauru como um dos 15 parasos fiscais que no cooperavam na luta contra a lavagem de dinheiro (Laurent J. et al., 21:45).

    O jornalista Cameron Steward aponta que o offshore banking era um esquema habitual em Nauru mas com a legislao internacional reforada contra estas operaes esta riqueza estava com os dias contados. Depois dos atentados de Bali em 2002, representantes dos EUA pressionaram s autoridades de Nauru para fechar temporalmente o offhsore banking e a expedio de passaportes, em troca por uma ajuda macia de investimento do governo norte-americano que nunca chegou (Jrgensen T., 23:30). Nauru perdeu rapidamente todos os ingressos provenientes das sociedades offshore em 2003 com a crise bancria asitica Nauru faliu. Sem uma infraestrutura mineira atualizada, quase sem fosfatos rendveis e sem qualquer capacidade para levantar novos fundos, o futuro financeiro de Nauru difcil.

    A PERDA DA SUSTENTABILIDADE SOCIAL

    Com o aumento da riqueza a gente no caminhou mais (Jrgensen T., 04:15). Os nauruanos mercavam todo o que queriam (carros 4x4, motos, TVs...), no poupavam e no faziam trabalhos manuais (Jrgensen T., 04:30). O tipo de comida tradicional baseado na fruta e no peixe mudou para a comida rpida, os pastis, os gelados, os refrescos aucarados e outra comida trazida de importao (Jrgensen T., 05:00; Laurent J. et al., 04:50). Falhos renais, enfermidades cardiovasculares, cegueira e amputaes so algumas das principais consequncias da diabetes generalizada (Jrgensen T., 15:20).

    No est claro se a diabetes existiu em Nauru antes de 1900. A escala do terrvel problema no foi percebida at 1975, quando se conduziram as primeiras pesquisas de diabetes em Nauru. As pesquisas mdicas revelaram que uma em cada trs pessoas com mais de 15 anos tinha a doena e uma em cada dez pessoa estava em risco de desenvolv-la. Dois teros dos maiores de 15 anos eram fumadores, 73% dos quais

  • fumavam mais de 20 cigarros por dia e 26% mais de 40 cigarros por dia (Zimmet et al., 1977).

    A professora Helen Hughes esclarece que os naruanos no costumavam trabalhar na minaria e mesmo a mo-de-obra era importada. A cultura do esforo foi-se perdendo (Laurent J. et al., 07:50). Por exemplo, se um carro falhava muitas vezes nem era reparado pois os naruanos nem queriam saber como se reparava, outro carro era comprado e o carro velho era abandonado (Laurent J. et al., 10:20).

    Hoje em dia, os naruanos so infelizes, a esperana de vida de apenas 59 anos e a taxa de diabetes a mais elevada do mundo (Laurent J. et al., 03:40) e basicamente no h nada para fazer na ilha (Jrgensen T., 02:00). Os laos comunitrios tambm eram mais fortes no passado do que hoje (Laurent J. et al., 05:20). O ex-presidente Ludwig Scotty, presidente em 2003 e entre 2004 e 2007, acha que o mais preocupa atualmente aos naruanos simplesmente a sobrevivncia e recuperar a sua identidade (Laurent J. et al., 03:10).

    A SUSTENTABILIDADE FRACA DE NAURU

    O povo de Nauru agora enfrenta um futuro sombrio: a ilha est biologicamente empobrecida e no tem hipteses de atrair investimentos financeiros. O desenvolvimento de Nauru seguiu a lgica de sustentabilidade fraca, e mostra claramente que a sustentabilidade fraca pode ser compatvel com uma situao de quase completa devastao ambiental. Este caso ilustra um argumento de peso contra a sustentabilidade fraca. A substituio do capital natural por capital manufaturado pode ser de sentido nico, dizer, irreversvel: uma vez que algo transformado em capital manufaturado no h nenhuma maneira de voltar situao original (Ayres R.U. et al. 1998).

    A sustentabilidade fraca depende da contnua disponibilidade de substitutos para o capital natural que est a ser esgotado. A substituio, no entanto, depende mais do que das meras possibilidades tecnolgicas. A substituio tambm depende de mercados bem operados e sem problemas e de uma cultura que aceita e incentiva a iniciativa, a negociao e o comrcio. O comrcio com o mundo exterior agora essencial para os naruanos para satisfazer umas necessidades que j no podem ser satisfeitas com o disponvel localmente. O comrcio ainda mais crtico devido ao aumento da populao de Nauru de cerca de 1.500 em 1900 para mais de 10.000 na atualidade. Nauru tem uma populao muito maior do que o seu ambiente local pode suportar. A sobrevivncia depende da importao de alimentos e outros recursos de outras regies (Gowdy et al., 1999). Atualmente os supermercados de Nauru esto sem produtos nas prateleiras pois no existe liquidez para importar produtos (Laurent J. et al., 03:50).

    Sem a capacidade de troca de dinheiro por recursos externos, a populao de Nauru no pode viver. Com 80% da ilha agora em uma condio severamente degradada, o nmero de pessoas que pode viver estritamente com os recursos locais da ilha menor dos mil habitantes que a ilha suportava antes do contacto com o Ocidente. Para Nauru, a sustentabilidade fraca dependia dos rendimentos do capital financeiro (Gowdy et al., 1999).

    A ALTERNATIVA DA SUSTENTABILIDADE FORTE DE DALY

    A interpretao alternativa da sustentabilidade, conhecida como sustentabilidade forte, v a sustentabilidade como oportunidades de vida no-decrescentes. Que critrio deveria ser usado para testar o uso sustentvel dos recursos? Se bem o Relatrio Our Common Future (Brundland, 1987) achava necessrio um crescimento econmico de 5% a 10% respeitando os limites ecolgicos como parte do desenvolvimento

  • sustentvel. O Relatrio Brundtland foi til para pr sobre a mesa a discusso sobre a sustentabilidade, mas as necessrias contradies terminaram por aparecer. Para a gesto dos recursos renovveis, h dois princpios bvios de desenvolvimento sustentvel. Em primeiro lugar, que a taxa de colheita deve ser igual a taxa de regenerao. Em segundo lugar, que as taxas de emisso de resduos devero ser iguais s capacidades de assimilao dos ecossistemas em que os resduos so emitidos. As capacidades de regenerao e assimilao devem ser tratadas como capital natural, e a incapacidade de manter estas capacidades deve ser tratada como consumo de capital no sustentvel (Daly H., 1990).

    Para a gesto dos recursos no renovveis possvel explor-los de uma forma quase-sustentvel, limitando a taxa de esgotamento com a taxa de criao de substitutos renovveis. Isto , ir emparelhando o esgotamento do no renovvel com um investimento compensador em um substituto renovvel, de tal maneira que o rendimento renovvel, ao final da vida til do recurso no renovvel, dar um rendimento sustentvel igual ao do componente do rendimento no renovvel (Daly H., 1990).

    O princpio geral claro, embora algums questes permaneam sobre a regra de emparelhamento. No que diz respeito tecnologia, a regra do desenvolvimento sustentvel seria enfatizar tecnologias que aumentem a produtividade dos recursos (desenvolvimento), a quantidade do valor extrado por unidade de recurso, mais do que tecnologias que permitam aumentar a prpria quantidade de recursos extrados (ou seja, o crescimento puro e duro) (Daly H., 1990).

    CONCLUSO FINAL

    O que evidente com o exemplo de Nauru que os aumentos dos tamanhos das economias aconselhados imperativamente pelo Relatrio Our Common Future (Brundland, 1987) e pelos economistas neoliberais exigiriam uma enorme utilizao de recursos que poderia ser devastador ecologicamente em poucas dcadas. Como escreve Herman Daly no prlogo do livro Paradise for sale, o caminho de desenvolvimento seguido por Nauru - o desenvolvimento voltado para as exportaes com base no empobrecimento do capital natural local - a mesma estratgia que o FMI e o Banco Mundial defendem para todos os pases. Talvez demais esperar que os traficantes da globalizao neoliberal possam aprender alguma coisa com o teste desastroso de Nauru (McDaniel et al., 1999).

    BIBLIOGRAFIA USADA:

    Ayres R.U., Van den Bergh J.C., Gowdy J.M. Viewpoint: weak versus strong sustainability (No. 98-103/3). Tinbergen Institute Discussion Paper. 1998.

    Brundtland Commision. Report of the World Commission on Environment and Development: Our common future. Oxford: Oxford University Press. 1987.

    Daly H. Operational principles for sustainable development. Earth Ethics. Green Fire Foundation. 1991. Uma verso anterior apareceu em Ecological Economics. 1990.

    Gowdy J.M., McDaniel C.N. The physical destruction of Nauru: an example of weak sustainability. Land Economics, 333-338. 1999.

    Jrgensen, T. Nauru, Paradise ruined. Uma reportagem de Tanja Jrgensen para Tvjournalist.dk. 2011. Consultado em 15/05/2015.https://vimeo.com/34319872

    Laurent J., Bonnet O. Nauru, Une le a la derive.

  • Uma reportagem para France 3. 2012. Consultado em 15/05/2015https://www.youtube.com/watch?v=PY52H90Cgvs

    McDaniel, C. N., Gowdy, J. M. Paradise for sale: a parable of nature. Univ of California Press. 1999.

    Zimmet, P., Taft, P., Guinea, A., Guthrie, W., & Thoma, K. The high prevalence of diabetes mellitus on a Central Pacific Island. Diabetologia, 13(2), 111-115. 1977.