Não menos que nada
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7/31/2019 No menos que nada
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No menos que nada, mas simplesmente nada
Slavojiek
2 de julho de 2012
Se eu sou censurado pela resenha de Jonh Gray a respeito de meus dois ltimos livros
('The Violent Visions of Slavoj iek'1,New York Review of Books, July 12 2012) no
porque a resenha seja altamente crtica ao meu trabalho, mas porque os seus
argumentos so baseados em uma incompreenso to grosseira de minha posio que,
se eu fosse respond-la em detalhe, teria que gastar tempo demais apenas refutando
insinuaes e recolocando de modo adequado incompreenses a respeito de minha
posio, para no mencionar afirmaes diretamente falsaso que , para um autor, umdos exerccios mais entediantes imaginveis. Por isso me limitarei a um exemplo
paradigmtico que mistura m interpretao terica com indignao moral; ele diz
respeito ao anti-semitismo e est citado detalhadamente abaixo:
iek diz pouco sobre a natureza da forma de vida que poderia ter surgido
caso a Alemanha tivesse sido governada por um regime menos reativo e
impotente do que ele julga ter sido o de Hitler. Mas ele deixa claro que no
haveria espao nessa nova vida para uma determinada forma da identidade
humana:
O status fantasmtico do antissemitismo claramente revelado por uma
declarao atribuda a Hitler: Temos que matar o judeu dentro de ns.[...]
Essa afirmao de Hitler diz mais do que ela quer dizer: contra as suas
intenes, ela confirma que os gentios precisam da figura antissemita do
judeu para sua identidade. A questo, portanto, no apenas que o judeu
est dentro de ns o que Hitler esqueceu de acrescentar que ele, o
antissemita, tambm est no judeu. O que esse entrelaamento paradoxal
significa para o destino do antissemitismo?
iek explcito ao censurar certos elementos da esquerda radical pelo seu
desconforto quando se trata de condenar o antissemitismo inequivocamente.
1
Traduo para o portugus em Piau 71, As vises violentas de iek, em. Daqui em diante, todas as citaes do texto em portugus sero retiradas dessa verso. N.T.
http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-71/tribuna-livre-da-luta-de-classes/as-visoes-violentas-de-zizekhttp://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-71/tribuna-livre-da-luta-de-classes/as-visoes-violentas-de-zizekhttp://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-71/tribuna-livre-da-luta-de-classes/as-visoes-violentas-de-zizekhttp://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-71/tribuna-livre-da-luta-de-classes/as-visoes-violentas-de-zizek -
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Mas difcil entender a afirmao de que a identidade dos antissemitas e a dos
judeus se reforam mutuamente, de alguma formaideia que se repete, palavra
por palavra, emLess than Nothing, exceto como uma sugesto de que o nico
mundo em que o antissemitismo pode deixar de existir um mundo em que
no existam mais judeus.
O que est acontecendo aqui? A passagem acima referida deLess than nothing continua
imediatamente com:
Aqui podemos localizar novamente a diferena entre o transcendentalismo
kantiano e Hegel: o que ambos vem, claro, que a figura antissemita do judeu
no uma reificao (para colocar isso ingenuamente, ela no diz respeito a
judeus reais), mas uma fantasia ideolgica (projeo), ela est no meu
olhar. O que Hegel acrescente que o sujeito que fantasia que o prprio judeu
est "na imagem", que o mecanismo de existncia na fantasia dos judeus
como uma pequena parte do Real que sustenta a consistncia de sua
identidade: retire a fantasia antissemita e o sujeito a quem ela pertence se
desintegra. O que importa no a localizao do Eu na objetividade real, o
impossvel-real do o que eu sou objetivamente, mas como eu estou
localizado em minha prpria fantasia, como minha prpria fantasia sustenta o
meu ser como sujeito.
Essas linhas no so perfeitamente claras? A implicao mtua no entre os nazistas e
os judeus, mas entre os nazistas e a sua prpria fantasia antissemita: voc retira a
fantasia antissemita, e o sujeito a quem a fantasia pertence se desintegra. O ponto no
que os judeus e os antissemitas so de algum modo co-dependentes, ento o nico
modo de livrar-se dos nazistas livrar-se dos judeus, mas que a identidade de um
nazista depende de sua fantasia antissemita: o nazista est no judeu no sentido de que
a sua prpria identidade fundamentada na sua fantasia do judeu. A insinuao de Gray
de que eu de algum modo sugiro a necessidade de aniquilao dos judeus uma
obscenidade to ridcula quanto monstruosa que s serve como argumento para retirar
crdito do oponente ao atribuir-lhe algum tipo de simpatia pelo mais terrvel crime do
sculo XX.
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Ento quando Gray escreve que iek diz pouco sobre a natureza da forma de vida que
poderia ter surgido caso a Alemanha tivesse sido governada por um regime menos
reativo e impotente do que ele julga ter sido o de Hitler, ele simplesmente no est
dizendo a verdade: o que eu aponto que tal forma de vida no precisaria procurar
por um bode expiatrio como os judeus. Em vez de matar milhes de judeus, um regime
menos reativo e impotente do que ele julga ter sido o de Hitler transformaria, por
exemplo, as relaes de produo eliminando seu carter de antagonismo. Essa a
violncia que estou pregando, a violncia na qual nenhum sangue precisa ser
derramado. Essa a violncia totalmente destrutiva de Hitler, Stalin, e do Khmer
Vermelho, que para mim reativa e impotente. nesse sentido simples que eu
considero Gandhi mais violento do que Hitler:
Em vez de atacar diretamente o Estado colonial, Gandhi organizou
movimentos de desobedincia civil, de boicote a produtos britnicos, de
criao de um espao social com liberdade de ao no interior do Estado
colonial. por isso que se pode dizer, por mais louco que parea, que Gandhi
era mais violento do que Hitler. A caracterizao de Hitler que faria dele um
cara mau, responsvel por milhes de mortes, mas mesmo assim um homem
com culhes para perseguir seus fins com uma fora de vontade ferrenha no apenas eticamente repulsiva, tambm errada: no, Hitler no teve culhes
para realmente mudar as coisas. Todas as suas aes foram fundamentalmente
reaes: ele agiu de modo que nada realmente mudasse; ele agiu para prevenir
o perigo comunista de uma verdadeira mudana. Sua perseguio aos judeus
foi em ltima instncia um ato de descentramento com o qual ele evitou o
inimigo realo ncleo mesmo das relaes sociais capitalistas. Hitler encenou
um espetculo da Revoluo para que o capitalismo pudesse sobreviver em
contraste com Gandhi cujo movimento efetivo procurou interromper a base de
funcionamento do Estado colonial britnico.
Em vez de entediar o leitor com dzias de exemplos similares de interpretaes errneas
de Gray, deixe-me apenas mencionar que Gray conclui sua resenha com uma
observao sobre o alegado isomorfismo entre o capitalismo contemporneo e meu
pensamento que
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reproduz o dinamismo compulsivo, sem propsito, que ele v nas atividades
do capitalismo. Ao alcanar um contedo enganoso com a reiterao
interminvel de uma viso essencialmente vazia, a obra de iek que ilustra
muito bem os princpios da lgica paraconsistente consiste, no final, em
menos que nada.
Nada pode ser comprovado com uma homologia pseudo-marxista to superficialessas
homologias, junto com as numerosas distores tendenciosas de Gray, so tristes
indicadores do nvel do debate intelectual que est na mdia de hoje. o trabalho de
Gray que se encaixa perfeitamente no universo ideolgico do nosso capitalismo tardio:
voc ignora totalmente sobre o que o livro que est resenhando, voc renuncia a
qualquer tentativa de reconstruir de algum modo a sua linha de argumentao; em vezdisso, junta citaes vagas e gerais do livro, distores grosseiras da posio do autor,
analogias vagas, etc. e, a fim de demonstrar seu engajamento pessoal, adiciona um
bric-a-brac de apimentada indignao moral comjarges provocativos e pseudo-
profundos (imagine, o autor parece defender um novo holocausto!). A verdade no
importa aquio que importa o efeito. isso que os consumidores de intelectualidade
fast-food procuram: frmulas simploriamente cativantes misturadas a indignao moral.
Entretm e faz voc sentir moralmente bem. A resenha de Gray no nem menos doque nada, simplesmente um nada sem valor.
Traduo: Pedro Eduardo Zini Davoglio
Original em: http://www.versobooks.com/blogs/1046-not-less-than-nothing-but-simply-
nothing
http://www.versobooks.com/blogs/1046-not-less-than-nothing-but-simply-nothinghttp://www.versobooks.com/blogs/1046-not-less-than-nothing-but-simply-nothinghttp://www.versobooks.com/blogs/1046-not-less-than-nothing-but-simply-nothinghttp://www.versobooks.com/blogs/1046-not-less-than-nothing-but-simply-nothing