Não há regresso. Do sentido evolutivo do "primeiro Eça"

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1 oitocentos, 1 Revista Luso-Brasileira de Estudos Oitocentistas (2006/07) http://sexta-feira.dyndns.org/oitocentos/nao_ha_regresso_do_sentido_.htm Orlando Grossegesse Não há regresso. Do sentido evolutivo do «primeiro Eça» Em 1970, Hans Robert Jauß transformou a crítica da "ideologia da objectividade" na historiografia e a crítica do "platonismo latente" nas filologias numa "provocação" para a história da literatura: A historicidade da literatura não se baseia num contexto de «factos literários» produzidos post festum; ela nasce de leituras prévias da obra literária. Este relacionamento dialógico é também a base fundamental para a história da literatura. Por isso, o historiador da literatura deve fazer-se sempre novamente leitor, ancorando a compreensão e classificação de uma obra, isto é o seu próprio juízo, na consciência de a sua posição actual se integrar numa sequência histórica de leitores.[1] Concordamos com Helena Carvalhão Buescu (1998) quando assinala que o texto se faz obra através da interacção com o leitor que, ao mesmo tempo, constrói uma imagem ou figura do autor.[2] Na história das leituras desde 1990, a obra e a figura de Eça de Queiroz sofreram mudanças, nomeadamente através de novas leituras de A Relíquia, A Correspondência de Fradique Mendes, A Cidade e as Serras, A Ilustre Casa de Ramires, e de diversos contos. No seguimento deste fenómeno de recepção das últimas duas décadas, fala-se muito do «último Eça», mas (ainda) pouco do «primeiro Eça» da Gazeta de Portugal e do Distrito de Évora. Parece que com a conhecida introdução necrológica de Jaime Batalha Reis às Prosas Bárbaras (1903) e com o livro O Primeiro Fradique Mendes de Joel Serrão (1985) fica tudo dito. Ambos contribuíram para a configuração tradicional da evolução queirosiana: para Batalha Reis, as palavras do próprio Eça, proferidas em 1891, confirmam o conceito de regresso aos inícios do "velho fantástico da Gazeta de Portugal", só "em prosa talvez menos bárbara que a desses longínquos tempos", quando o autor anunciou que estava "escrevendo a vida diabólica e milagrosa de S. Frei Gil." (PB: 46). A crítica tradicional, nomeadamente de cariz biografista, nutriu esta imagem evolutiva de regresso, que aliás se coaduna com a leitura monológica de A Civilização e de A Cidade e as Serras, num sentido ligeiramente diferente de abandono da civilização urbana decadente em favor da ruralidade renovadora, contudo harmonizável com o regresso à tradição do milagroso nas Lendas de Santos, configurando um abandono do paradigma do realismo / naturalismo que, na realidade, nunca teve atracção absoluta para o autor, nem possui homogeneidade de escrita. Ao estudo de Joel Serrão deve-se a desvalorização das Prosas Bárbaras ao concluir que "o Eça dos fins de 1867 não havia ainda encontrado o seu caminho e, até, nem sabia se alguma vez o viria a encontrar" (Serrão, 1985:138), apoiando-se igualmente no testemunho posterior do próprio autor. No texto necrológico dedicado a Antero de Quental, intitulado "Um génio que era

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texto de Orlando Grossegesse sobre a evolução da obra de Eça de Queirós.

Transcript of Não há regresso. Do sentido evolutivo do "primeiro Eça"

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    oitocentos, 1

    Revista Luso-Brasileira de Estudos Oitocentistas (2006/07)

    http://sexta-feira.dyndns.org/oitocentos/nao_ha_regresso_do_sentido_.htm

    Orlando Grossegesse

    No h regresso. Do sentido evolutivo do primeiro Ea

    Em 1970, Hans Robert Jau transformou a crtica da "ideologia da objectividade" na

    historiografia e a crtica do "platonismo latente" nas filologias numa "provocao" para a

    histria da literatura:

    A historicidade da literatura no se baseia num contexto de factos literrios produzidos post festum; ela

    nasce de leituras prvias da obra literria. Este relacionamento dialgico tambm a base fundamental

    para a histria da literatura. Por isso, o historiador da literatura deve fazer-se sempre novamente leitor,

    ancorando a compreenso e classificao de uma obra, isto o seu prprio juzo, na conscincia de a sua

    posio actual se integrar numa sequncia histrica de leitores.[1]

    Concordamos com Helena Carvalho Buescu (1998) quando assinala que o texto se faz obra

    atravs da interaco com o leitor que, ao mesmo tempo, constri uma imagem ou figura do

    autor.[2] Na histria das leituras desde 1990, a obra e a figura de Ea de Queiroz sofreram

    mudanas, nomeadamente atravs de novas leituras de A Relquia, A Correspondncia de

    Fradique Mendes, A Cidade e as Serras, A Ilustre Casa de Ramires, e de diversos contos. No

    seguimento deste fenmeno de recepo das ltimas duas dcadas, fala-se muito do ltimo

    Ea, mas (ainda) pouco do primeiro Ea da Gazeta de Portugal e do Distrito de vora.

    Parece que com a conhecida introduo necrolgica de Jaime Batalha Reis s Prosas Brbaras

    (1903) e com o livro O Primeiro Fradique Mendes de Joel Serro (1985) fica tudo dito. Ambos

    contriburam para a configurao tradicional da evoluo queirosiana: para Batalha Reis, as

    palavras do prprio Ea, proferidas em 1891, confirmam o conceito de regresso aos incios do

    "velho fantstico da Gazeta de Portugal", s "em prosa talvez menos brbara que a desses

    longnquos tempos", quando o autor anunciou que estava "escrevendo a vida diablica e

    milagrosa de S. Frei Gil." (PB: 46). A crtica tradicional, nomeadamente de cariz biografista,

    nutriu esta imagem evolutiva de regresso, que alis se coaduna com a leitura monolgica de A

    Civilizao e de A Cidade e as Serras, num sentido ligeiramente diferente de abandono da

    civilizao urbana decadente em favor da ruralidade renovadora, contudo harmonizvel com o

    regresso tradio do milagroso nas Lendas de Santos, configurando um abandono do

    paradigma do realismo / naturalismo que, na realidade, nunca teve atraco absoluta para o

    autor, nem possui homogeneidade de escrita.

    Ao estudo de Joel Serro deve-se a desvalorizao das Prosas Brbaras ao concluir que "o Ea

    dos fins de 1867 no havia ainda encontrado o seu caminho e, at, nem sabia se alguma vez o

    viria a encontrar" (Serro, 1985:138), apoiando-se igualmente no testemunho posterior do

    prprio autor. No texto necrolgico dedicado a Antero de Quental, intitulado "Um gnio que era

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    um Santo" (1894; publ. 1896), Ea constri uma espcie de converso colectiva sob a

    orientao deste "apstolo do socialismo", realando nesta sacralizao, no isenta de laivos de

    ironia[3], o papel missionrio de trazer "a palavra aos gentlicos": eles teriam abandonado os

    "versos satnicos" e "farrapos de filosofia fcil", trocando-os pelo estudo srio de Proudhon.

    Assim tero nascido, milagrosamente, "as Conferncias do Casino, aurora de um mundo novo,

    mundo puro e novo que depois, dor, creio que envelheceu e apodreceu..." (NC: 268-69).

    Para Joel Serro, esta re-imaginao dos tempos da juventude prova da ruptura na evoluo

    queirosiana: o primeiro Ea acaba graas influncia salutar de Antero de Quental. Se

    olharmos para a cronologia, ficam dvidas, porque posteriormente aos folhetins da Gazeta de

    Portugal que surge o "heternimo colectivo Carlos Fradique Mendes", com participao

    anteriana (Serro, 1985: 139). Com isto, o prprio estudo de Joel Serro passvel de

    enfraquecer a tese da ruptura. A hagiografia irnica retrospectiva de "Um gnio que era um

    Santo" configura Antero aps a estada em Paris e o regresso de Ponta Delgada, em Outubro de

    1868, como um "apstolo do socialismo" compatvel com um ludismo dandstico no qual

    confluem reminiscncias acadmicas coimbrs e aprendizagens de esttica romntica

    (Grossegesse, 1991: 64). Neste contexto, a criao colectiva do poeta Fradique Mendes,

    apresentado em Agosto de 1869 por Batalha Reis como "um verdadeiro poeta, que por ora s

    conhecem os seus amigos ntimos" (apud Serro, 1985: 257), revela a ainda maior presena

    pblica deste jogo com a vida cultural lisboeta que funcionaliza estratgias discursivas

    romnticas, nomeadamente o fingimento e a ironia. Tal como nos Reisebilder (1826-31) de

    Heinrich Heine que tiveram, conforme Batalha Reis, "maior influncia nesse perodo sobre Ea

    de Queiroz" (PB: 22), a ironia no se cinge "dissoluo do ideal romntico" mas tambm

    "signo das situaes objectivas e dos processos individuais, sociais e histricos".[4] Em vez da

    fruio esttica da desiluso, fica

    [...] a concepo provocadora de uma realidade, na qual a contradio entre ideias e mundo banal [...] no

    se resolve numa harmonia superior. O estado do mundo no processo acelerado da histria (ps-

    revolucionria e j outra vez pr-revolucionria) a tragdia do mundo e a sua negao numa nica pea

    [...]. (Jau, 1970: 127)

    Uma leitura mais ampla da escrita queirosiana neste contexto de Ende der Kunstperiode (fim da

    poca da arte) que nos sugerida pela comparao entre Heine e Hugo empreendida por Hans

    Robert Jau (1970) e pela histria da recepo portuguesa de Heine, estudada por Maria

    Manuela Gouveia Delille (1984), teria revelado a construo clich de uma ruptura entre

    romantismo satnico e realismo. O prognstico de um Ende der Kunstperiode, proferido por

    primeira vez em 1828, no se refere s ao contexto da histria da literatura alem, mas anuncia

    o fim de uma noo da arte, no sentido da esttica clssica (na filosofia de Baumgarten at

    Hegel). Heine leva a sua oposio revolucionria contra esta noo da arte at aos limites,

    postulando uma interveno da arte na realidade e no andar do tempo (apud Jau, 1970: 111-

    12). Longe da esquematizao posterior da evoluo queirosiana, torna-se fcil reencontrar a

    mistura original, bem presente no terceiro folhetim, cujo ttulo "Poetas do Mal" (21 de Outubro

    de 1866) indica bem a oposio face arte do belo. Neste texto, Flaubert, Baudelaire e Poe so

    entendidos como artfices duma revoluo na arte, conscientes de que "o ocaso da arte feito

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    pelo materialismo que despedaa as sociedades" (PB: 92). So "poetas livres" (PB: 94) que,

    "vestidos com uma forma nova, desordenada e bizarra", avanam para uma ideia nova,

    procurando "uma regio nova e apaixonada e lrica onde no ouam a rouca voz do

    materialismo" (PB: 92). Estas citaes revelam um escritor-dndi, no melanclico e choroso

    como "a menina Byron" (PB: 94)[5], desiludido pelo materialismo crescente, mas sim, nascido

    de l'ennui, impassvel, frio e inutilmente herico,[6] combatendo "carne com carne", cantando

    "a podrido", mostrando "o horror" do egosmo humano (PB: 94).

    Numa esttica nova de choc perante a sociedade burguesa que oculta sob a sua moralidade

    hipcrita o fundamento materialista e capitalista, o romantismo satnico e o realismo aparecem

    unidos: o folhetim refere Baudelaire e o seu "poema divino das sociedades modernas que se vai

    aos farrapos", ao lado de Poe como escritor da "realidade dos terrores e das vises" (PB: 92).

    Esta esttica, analisada posteriormente por Walter Benjamin (1974), corresponde ao dndi,

    idealizado como heri que empreende a ltima tentativa de criar expresses diferentes ou

    inconfundveis que sejam eximidas das leis do mercado e da uniformizao. Sabendo da

    futilidade desta revolta, o dndi, chamado satnico e definido magistralmente por Baudelaire,

    pretende provocar e chocar, adoptando opinies ou atitudes contraditrias.[7] O dndi torna-se,

    assim, idntico ao jogo das diversas mscaras que lhe deveriam outorgar aquela identidade

    singular e aristocrtica que de facto perdeu (Zima, 1983: 417). Baudelaire e Poe correspondem

    ao perfil do dndi que no s exibe froideur e extravagance, tornando-se centro de atenes da

    causerie, mas tambm escreve, no entanto, sem adoptar plenamente o papel de escritor.[8] No

    contexto de Ende der Kunstperiode, esta escrita procura os limites da esttica, rompendo com o

    cnone e correspondendo misso de juntar arte, realidade (sociedade) e vida (sujeito).

    precisamente este princpio que est na origem do gnero do folhetim, do ensaio e da carta.

    Todos estes textos so formas do efmero que significam muito mais do que um mero suporte

    de escrita, tornando-se nomeadamente, com os Reisebilder de Heine um novo gnero de

    escrita, capaz de reunir elementos que normalmente se excluem, como a poesia e a agitao

    poltica (apud Jau, 1970: 112; cf. Preisendanz, 1968).

    O dandismo que evolui a partir do romantismo, e o realismo que nasce duma viso crtica da

    sociedade e duma ideologia socialista, so correntes que s a histria literria posterior separou.

    Em conformidade com esta separao, h uma 'poltica da obra queirosiana' que o prprio autor,

    ajudado ou manipulado por testamenteiros, inaugura: Jaime Batalha Reis recorda o seu

    conselho, feito j em 1871, de uma "reunio em volume dos antigos Contos Fantsticos da

    Gazeta de Portugal", ao qual Ea teria respondido com "gargalhadas sarcsticas, gritos de

    indignao contra as imagens, os assuntos, o estilo", ao ouvir "a sua obra primitiva", mas

    admitindo "depois de uma longa discusso" a possibilidade de uma republicao em livro, "sob

    o ttulo crtico e severo de Prosas Brbaras" (PB: 45 seg.). Se realmente houve, por parte de

    Ea, vontade de definir esta ruptura com uma 'obra primitiva', ou mais por parte de Batalha Reis

    que, no esqueamos, fundamenta o seu papel de editor pstumo nas palavras memorizadas do

    mestre, isto no passa de estratgias mais ou menos mistificadas ou encenadas de 'construo da

    obra' que, no entanto, determinaram 'factos' da histria literria. significativo que Batalha Reis

    reduza a noo do "fim da Arte", definindo-o, a partir das Conferncias do Casino, "para Ea de

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    Queiroz" como "a reproduo exacta da Natureza, da realidade, impessoal, impassvel",

    construindo, ao mesmo tempo, um abandono de "criaes fantsticas onde a sua imaginao to

    maravilhosamente vivera algum tempo" (PB: 45 seg.). Esta esquematizao permite a

    construo do regresso com base em valorizaes pretensamente absolutas da escrita

    queirosiana, valorizaes essas, no entanto, questionadas pelas leituras das ltimas duas

    dcadas.

    De facto, sempre surgiram dvidas: Joo Gaspar Simes admirou-se que "nada fazia prever que

    Ea de Queirs, criador de Carlos Fradique Mendes, poeta satnico, se fosse proclamar [...]

    apstolo da ideia realista em literatura", como de facto acontecera nas Conferncias do Casino,

    embora exibindo-se com elegncia: "Nunca se tinha visto, com efeito, revolucionrio mais

    elegante!" (Simes, 1973: 294). Lidas sob a nossa perspectiva, estas mesmas frases revelam

    precisamente a ligao do "apstolo da ideia realista em literatura" mais uma sacralizao

    irnica com o ludismo dandstico. Basta lembrar Antero de Quental que apresenta "algumas

    poesias do nosso amigo e originalssimo poeta Carlos Fradique Mendes, os quais fazem parte da

    coleco [...] Poemas do Macadam"[9], definindo o satanismo como uma verso do realismo:

    O satanismo pode dizer-se que o realismo no mundo da poesia. a conscincia moderna [...] revendo-se

    no espectculo das suas misrias e abaixamentos, e extraindo dessa observao uma psicologia sinistra,

    toda de mal, contradio e frio desespero. (apud Serro, 1985: 266).

    Lembramos ainda O Mistrio da Estrada de Sintra, de 1870. Acerca deste "jogo mistificador

    desenvolvido no peridico entre noticirio e folhetim" (Monteiro, 1985: 17), remetemos para

    Oflia Paiva Monteiro (1985; 1987). Reconstruindo as "disposies provocadoras" que tinham

    presidido fabricao do romance, a sua anlise questiona a tradicional desvalorizao desta

    experincia na obra queirosiana; uma desvalorizao que os prprios autores, Ea e Ramalho,

    iniciaram com a carta-prefcio que acompanhou a publicao deste "romance-noticirio"[10],

    em 1884. A observao de que O Mistrio da Estrada de Sintra possui "disposies idnticas s

    que, um pouco antes, (...), tinham levado criao colectiva do poeta satnico Carlos Fradique

    Mendes" (Monteiro, 1985: 16) contribui para desenvolver uma viso para alm da sequncia

    clich de romantismo satnico e realismo. Oflia Paiva Monteiro (1993) sugere uma

    continuidade de ludismo humorstico.

    Em vez de estudar estas ligaes prximas no seu contexto histrico, Joel Serro fala de

    "tendncia heteronmica" em Antero e Ea (Serro, 1985: 178), lanando uma definio

    perigosamente malevel, que no processo da recepo acadmica chegou a causar a

    impresso equvoca de que os jovens Antero de Quental, Ea de Queiroz e Jaime Batalha Reis

    pudessem figurar como precursores directos de Fernando Pessoa: "Ora, se isto no prtica

    heteronmica, quase Fernando Pessoa, que ?" (id.: 184). Antes de cair nestas idealizaes to

    sedutoras de atribuir histria da literatura portuguesa uma vocao para a modernidade[11],

    importa relembrar: a partir do fim do sculo XVIII proliferam mltiplas prticas da ocultao e

    at da mistificao da instncia autoral, no reduzidas a uma funcionalizao pragmtica extra-

    textual (nomeadamente perante presses de censura e persecuo de autores), mas tambm e

    cada vez mais ldicas, nomeadamente no mbito do dandismo; deste contexto que nasce o

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    perfil baudelairiano de Fradique Mendes, definido por Jaime Batalha Reis e Antero de Quental

    nas respectivas apresentaes biogrficas[12] e nas prprias poesias, entre as quais,

    significativamente, uma dedicada ao defunto Charles Baudelaire, com datao fictcia "Paris:

    dia do enterro" e os seguintes versos: "Sob o fraque do dandy h em ti, bem o vs, um poeta, um

    leo, um demnio, [...]." (apud Serro, 1985: 269).

    As referidas prticas cultivaram-se (1) no Romantismo, nomeadamente de raiz germnica (Jean

    Paul, E.T.A. Hoffmann), e (2) no jornalismo. Ambas podem confluir no mesmo autor, ao

    transgredir intencionalmente as delimitaes entre literatura e no-literatura, como o caso de

    Heinrich Heine, nomeadamente na escrita dos Reisebilder. Heine de influncia capital nos

    jovens da Gerao 70, como refere Batalha Reis[13] e como comprova, em pormenor, o estudo

    de Maria Manuela Gouveia Delille (1984). Para destacar, desde j, a relevncia de uma escrita

    que rompe com o cnone esttico, correspondendo nova misso de juntar arte, realidade

    (sociedade) e vida (sujeito), preferimos falar de folhetins da Gazeta de Portugal em vez de

    utilizar o ttulo de Prosas Brbaras que implica uma dignificao ambgua, no compartida

    pelos textos publicados no Distrito de vora, por carecer de um ttulo prprio (pr-postumo) no

    seio da obra.

    Enquanto Batalha Reis destaca de Heine "qualidades musicais de som e ritmo" e o "humorismo,

    a um tempo irnico e ingnuo" (PB: 23), o nosso interesse centra-se na mistificao autoral e na

    transgresso entre literatura e no-literatura sob a perspectiva do Ende der Kunstperiode. O

    prprio Antero importante para a recepo heiniana, nestas questes. A 23 de Maro de 1864,

    com vinte e um anos, publica uma "Carta de Henri Heine a Grard de Nerval", enquanto o seu

    amigo Germano Vieira de Meireles assume o papel de Nerval. No a primeira vez que o

    jovem Antero adopta outra identidade, pois j escreveu textos sob os pseudnimos de Vasco

    Vasques Vasquemes (Nov. 1861) e Raimundo Castromino ("A Indiferena como Poltica";

    Maio/Junho 1862), entre outros. Mas a dita "Carta de Henri Heine" aparece ainda num jornal

    que inteiramente da lavra de Antero de Quental: O Sculo XIX, de Penafiel (1864-65), onde

    no s se publicam poesias inspirados por leituras heinianas[14], mas tambm artigos de um

    Bacharel Jos que se refere aos escritos de um tal "Senhor Antero". Estabelece-se, assim, uma

    relao dialgica no seio deste jornal.

    Perante todos estes dados[15], mais do que provvel que Antero, embora ausente a partir de

    Novembro de 1866, tivesse orientado a aprendizagem do jovem Ea, tanto no que diz respeito

    aos folhetins na Gazeta de Portugal, como elaborao integral do Distrito de vora, conforme

    o modelo do Sculo XIX de Penafiel. Uma ligao expressa constitui a reimpresso do poema

    "Pepa" de Antero, "publicado outrora no jornal Sculo XIX", inserido na rubrica de "Leituras

    Modernas" do Distrito de vora, em 7 de Maro de 1867, anunciando-o como "da primeira

    maneira do poeta, nos seus tempos de maior convivncia e profunda comunho com Heine,

    Shakespeare, Hugo, Zorrilla, Musset, etc." (DE: 634).

    No Distrito de vora, os artigos da "Correspondncia do reino" (DE: 388-424) levam as iniciais

    de A. Z., ocultando-se a autoria sob as letras terminais dos nomes Ea e Queiroz. Para alm

    disso, este "correspondente poltico" A. Z. introduz um "correspondente potico", citando as

    poesias deste, e entra ainda em dilogo com o viajante e poeta genial Manuel Eduardo (DE:

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    411), apresentado como recm defunto "no Norte, na Dinamarca, chorando por no poder ver

    ainda o seu belo sol, o ar do Sul, a cor meridional." (DE: 399). Este Manuel Eduardo, "de forte

    recorte heiniano-nervaliano" (Delille, 1984: 342-343), no s pode ser considerado pr-

    fradiquiano relativamente aos traos que comporo a partir de 1869 o seu perfil (id.: 343), mas

    tambm relativamente estratgia discursiva da apresentao pstuma, j presente em Aus den

    Memoiren des Herren von Schnabelewopski, esboos narrativos fragmentrios, posteriormente

    integrados no segundo volume dos Reisebilder. Estas memrias de um conde polaco j falecido,

    viajante e estudante, podem ter servido de inspirao no s para a criao de Manuel Eduardo

    mas tambm de outras personagens que aparecem nos folhetins da Gazeta de Portugal, como

    mostraremos mais adiante, at culminao do processo nas "Memrias e Notas" d' A

    Correspondncia de Fradique Mendes (1888).

    Em concluso, argumentamos para uma relevncia evolutiva destas aprendizagens, na qual

    confluem a ocultao autoral e a esttica romntica de fingimento, Weltironie (ironia do mundo)

    e fragmento. Discordando de Joel Serro (1985), realamos a prpria transgresso da divisria

    entre literatura e jornalismo, a ficcionalizao fantasista e humorista da realidade, de inspirao

    heiniana[16], o desenvolvimento de "uma escrita na pessoa de outro" (Berrini, 2000: 113). Em

    geral, trata-se da iniciao na dimenso ldica e humorstica das estruturas enunciativas que

    destacou Oflia Paiva Monteiro (1993). Esta dimenso caracterstica de textos,

    frequentemente com marcas de epistolografia, publicados na Gazeta de Portugal e no Distrito

    de vora. Apenas dois anos depois, Ea, em parceria com Ramalho Ortigo, utiliza estas

    mesmas aprendizagens n' O Mistrio da Estrada de Sintra para simular a autenticidade de um

    caso policial, numa srie de cartas fingidas, publicadas n'O Dirio de Notcias.

    Ea de Queiroz nunca abandona estas prticas. No entanto, vai alm da leitura produtiva do

    Romantismo. Basta referir dois exemplos que analismos noutras ocasies, argumentando para

    uma teoria alternativa da evoluo queirosiana (vd. Grossegesse, 1995), com base em estratgias

    discursivas que interagem com a reflexo sobre o papel da literatura e do escritor no seio da

    sociedade burguesa dos media.

    (1) "A Inglaterra e a Frana julgadas por um ingls" (1884) um texto composto por fico

    editorial e epistologrfica que retoma a tradio secular do dilogo dos animais redescoberta no

    Romantismo e j experimentada por Ea no folhetim "O Milhafre", para comentar o fim da

    Arte.[17] Em 1884, esta deslocao enunciativa permite-lhe parodiar as bases da esttica realista

    e naturalista. Conforme a nossa anlise (Grossegesse, 1991 a), o co D.Jos que escreve sobre a

    vida social da Inglaterra e da Frana no parece s de inspirao cervantina e hofmanniana, mas

    lembra tambm Voyage aux Pyrnes (1858) de Hippolyte Taine, provavelmente j lido pelo

    jovem Ea nos tempos do Distrito de vora, por integrar-se neste livro de viagem uma biografia

    intitulada "Vie et Opinions philosophiques d'un chat". O animal espelha, de uma forma

    pardica, o filsofo viajante Hippolyte Taine, que pretende proferir definies vlidas sobre a

    civilizao.

    (2) Em 10 de Junho de 1885, Ea explica numa carta a Oliveira Martins a mise en scne

    pstuma da futura Correspondncia de Fradique Mendes, reelaborando precisamente estratgias

    de fico biogrfica-editorial. Como demonstrmos noutro lugar (Grossegesse, 1993), outro

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    livro de Hippolyte Taine, muito popular naqueles tempos, pode ter servido de inspirao: Notes

    sur Paris, publicado em 1867 com o subttulo "Vie et Opinions de Frdric-Thomas

    Graindorge". O livro, com marcas de contexto jornalstico (carta ao editor), apresenta

    postumamente a vida de um dndi americano e as suas crnicas epistolares acerca do mundo

    social de Paris. muito provvel que o jovem Ea, que traduziu Le Voyage en Italie para O

    Distrito de vora, tambm tivesse chegado a conhecer ambos os livros de Taine que acabamos

    de referir como fontes provveis.

    Com base nas experincias de 1866-69, o autor desenvolve, aos poucos, uma esttica

    profundamente carnavalizada de dialogismo (Bakhtin, 1963) perante a decadncia da sociedade

    e da civilizao ocidental em geral. Essa decadncia implica para Ea uma crise profunda dos

    discursos e da linguagem literria, como tambm da prpria leitura sob as leis do mercado,

    situao j deplorada no Distrito de vora.[18] O escritor refora esta crtica da vida cultural

    numa altura em que ele comea a desistir da regenerao profunda e rpida do Portugal

    contemporneo e do realismo programtico, sentindo-se ele mesmo anacrnico e no-morto.

    Isso claramente visvel na Carta-Prefcio dos Azulejos de 1886. O uso do gnero epistolar

    como forma literarizada de uma espcie de auto-necrolgio e, ao mesmo tempo, necrolgio

    colectivo de uma gerao desiludida lembra "Uma Carta (a Carlos Mayer)" (PB: 213-223),

    publicada em Novembro de 1867. Ea continua a simular, ao longo da sua vida, a comunicao

    individual no espao pblico, consciente da adversidade das leis do mercado e da decadncia

    dos discursos.

    Em 1886, sentindo saudades da antiga intimidade entre escritor e leitor, contudo ironizada (NC:

    98), Ea lamenta que eles passassem a ser "duas substncias difusas que se penetram, como a

    luz quando atravessa o ar" (NC: 98). Nesta altura surgem muitas reflexes sobre a posteridade

    do "simples fazedor de livros", uma expresso de Thomas Carlyle reiteradamente citada (NC:

    99; 113); preocupa-o a construo da obra e da figura do autor pela posteridade (vd.

    Grossegesse, 2001), nomeadamente no seguimento da morte de Vtor Hugo, como demonstra o

    necrolgio em forma epistolar de 20 de Julho de 1885 (NC: 83-94). Tambm a publicao de O

    Mandarim e a reedio de O Mistrio da Estrada de Sintra, ambas ocorridas em 1884, indicam

    que Ea constri para a posteridade "uma espcie de retorno a origens durante algum tempo

    obliteradas pela lio realista naturalista", visvel nos respectivos prefcios (Reis, 1984: 46, nota

    4).

    No h regresso, apenas a expresso de uma vontade de regresso por parte do prprio Ea aps

    a construo da sua imagem como autor de romances realistas, no intuito de completar a sua

    obra. Conforme esta viso, Ea nunca deixou de revisitar a esttica romntica, aprofundando-a

    como esttica de carnavalizao face ao diletantismo e pessimismo de pacotilha, nomeadamente

    o Schopenhauerismo francs, no contexto finissecular. Mrio Sacramento (1945) foi um dos

    primeiros e dos poucos que argumentou neste sentido, sugerindo uma paragem da linha

    evolutiva aps a tomada de "posse da suprema conscincia irnica e dos segredos da sua

    transfigurao esttica" (Sacramento, 1945: 229) e vindo finalmente a afirmar a existncia de

    um "desejo de violentar a melancolia por um regresso, artificial embora, primitiva

  • 8

    ingenuidade" (id., 248).

    No h a menor dvida de que os folhetins na Gazeta de Portugal e alguns artigos publicados

    no Distrito de vora preparam esta evoluo. Ideologicamente, a "Sinfonia da Abertura" (7 de

    Outubro de 1866) possui todos os ingredientes culturais e literrios da posterior "Decadncia do

    Riso" (1891), ensaio teraputico contra o diletantismo: porque j esta "Sinfonia" programtica

    defende a terapia do mundo moderno, uma nova Renascena, que atravs das Artes do Sul

    (Itlia) e do Norte (Alemanha) fosse capaz de realizar a sntese entre alma, carne e riso que a

    Renascena histrica antes do subir do "Sol da melancolia" de Grard de Nerval no conseguiu

    (PB: 68). Nesta famosa imagem do "soleil noir" reflecte-se o dandismo do sculo XIX,

    conforme a famosa definio de Baudelaire em Le Peintre de la vie moderne: "l'astre qui

    dcline, superbe, sans chaleur et plein de mlancholie." O mesmo "grande sol negro" reaparece

    no brilho dos cabelos de Elvira, amante de Don Juan (PB: 70).

    Trs meses depois, o mesmo tema reaparece no Distrito de vora (n 3, Janeiro de 1867), ao

    lamentar-se a morte do entrudo, todavia "principal caracterstica da raa humana", e propondo

    um projecto universal historiogrfico e teraputico no contexto da decadncia da Europa

    moderna (inspirada na leitura de Louis Veuillot) e da misria portuguesa: " um livro que est

    por fazer, e que deve ser feito, este Da parte do entrudo na Histria da Civilizao." (DE:

    395).

    O desdobramento em vrios correspondentes, o surgir de Manuel Eduardo como dndi-poeta

    recm-defunto, dilacerado entre Sul e Norte, o anncio de grandes obras ainda no escritas ou

    no publicadas comprovam a transposio de estratgias discursivas ensaiadas na Gazeta de

    Portugal para a prtica jornalstica do Distrito de vora ou no sentido inverso, no que se refere

    ao segundo grupo de folhetins: basta pensar em "Onflia Benoton" (15 de Dez. de 1867) onde

    um editor annimo publica trs cartas de diferente autoria. Atravs deste conjunto de textos

    declaradamente no-literrios, narra-se, fragmentariamente, a "tragicomdia humana" do grande

    poeta defunto, Estvo Basco, de diversos ngulos, mas sempre com a mesma voz de amigo

    ntimo e com a mesma atitude de discreta venerao. As cartas contam a vida e a morte do

    poeta, aniquilado pela femme fatale Onflia, personificao do materialismo, at perder a

    identidade. Nesta breve biografia aparecem as condies duma escrita filosfica-literria que

    no se manifesta como tal, ou seja, em que a narrao somente a moldura dum "livro poderoso

    e cheio de vida" ausente ou ocultado (PB: 261). A instncia editorial e narrativa cinge-se a

    anunciar a futura publicao destes "estudos sobre a histria e sobre a arte" (ibid.) que lembram

    tanto a crtica da civilizao moderna na "Sinfonia da Abertura" como o estudo sobre o entrudo

    na Histria da Civilizao, mencionado no Distrito de vora.

    Observa-se ainda que a "Correspondncia do Reino" do jornal eborense possui tambm um

    ttulo que sugere uma ligao directa com o falado estudo sobre o entrudo na Histria da

    Civilizao: "Comdia moderna".[19] Os breves textos "Sobre o Carnaval" (416-418), "Sobre a

    caricatura" (DE: 632-634)[20] e "A Feira de S. Joo" (DE: 634-638) devem ser considerados

    uma espcie de fragmentos deste estudo anunciado. A identidade prxima de "um frade novo da

    Alemanha, no sculo XIV", que o sujeito enunciador do ltimo texto assume, alude claramente

    ocultao autoral de Heine e ainda ao Romantismo de Novalis quando diz, ironicamente, que

  • 9

    "o que fica contado das fogueiras e do cu no se d em Portugal; num pas distante, no pas

    onde nasce a flor azul que canta" (DE: 637-38). A crtica da civilizao moderna de inspirao

    heiniana (Delille 1984: 345) ainda se repercute n' As Farpas ("O teatro em 1871") e na prpria

    escrita realista, quando definida e em parte realizada seguindo o modelo da opereta de Jacques

    Offenbach (Carvalho, 1986: 37; Grossegesse, 1991: 116-122).

    No fundo, as "Cenas da Vida Real" anunciadas, fragmentrias e inacabadas que constituem o

    corpus do chamado Ea realista, representam uma "obra de vida" (Lebenswerk)

    romanticamente construda que o ltimo Ea assumiu como tal: quando no necrolgio "Um

    gnio que era um Santo" fala, ironicamente, duma converso colectiva sob a orientao do

    "apstolo do socialismo", no o faz sem esquecer a inspirao igualmente anteriana duma

    "pera bufa, contendo um novo sistema do Universo" (NC: 268)[21], reivindicando assim um

    Antero carnavalizado face ao Antero que acabar por suicidar-se perante as incertezas do

    mundo.

    O anncio duma obra de vida ou da vida como obra, conceito romntico por excelncia

    cultivado por Novalis (vd. Schanze 1987), tambm aparece na novela incompleta O ru Tadeu

    que o jovem autor escreveu em vora (publicado a 18 e 30 de Julho de 1867, no Distrito de

    vora). Na priso, antes da sua morte, Tadeu Esteves "teve uma vida colrica e brbara, cheia

    de soluos, de silncios, de cantigas, de febre e de trabalho: escrevia" (T: 199), diz a narrao

    biogrfica, antes de anunciar e de copiar as "Memrias": "Entre os papis de Tadeu havia a

    histria desordenada e convulsiva dos anos distantes que passara, pobremente, com Simo" (T:

    206), seu irmo. Nos dois irmos desdobra-se a existncia burguesa e artstica. Tadeu, "um

    contemplativo intil", uma personagem na tradio do artista romntico, sofrendo da maladie

    de la idalit (Chasseguet-Smirgel, 1990): "Tocava rabeca e tinha o plano de compor uma

    sinfonia, intitulada Oflia." (T: 207). Evidentemente Tadeu, tambm chamado "menina

    Hamlet"[22], incapaz de realizar obra alguma, e s quando condenado morte, portanto j

    numa perspectiva pr-postuma, ele chega a escrever Memrias, postumamente recolhidas por

    um editor annimo.

    Stanislau, a personagem central da narrao do pobre msico Tadeu, tinha "a grande qualidade

    de se parecer com Sat que tenta Jesus no quadro de Ary Scheffer" (T: 208). A gravura mostra

    Jesus e Satans na tentativa ftil de dialogar totalmente humanizados[23], aproximando-os de

    Fausto e Mefistfeles: "Le mme Fausto, (...), fut le modle des Christs de Delaroche et de

    Scheffer." (Petit, 1994: 103). Esta sobreposio, entendida como evoluo histrica

    profanizante, tema do folhetim "Mefistfeles",[24] aludindo novamente a Scheffer no elogio

    interpretao de Mefistfeles por Jlio Petit na pera Faust de Charles Gounod (PB: 251).

    significativo que o Diabo, ao longo da sua histria, tambm se torne autor, fazendo "sonetos

    correctos e acadmicos s abadessas de Vecker" (PB: 250). Na sobreposio de Jesus / Satans

    e Fausto / Mefistfeles configura-se perfeitamente o antagonismo entre o artista do ideal que,

    como um segundo Jesus, carrega a cruz da arte, crucificado pela sociedade burguesa e pelo

    materialismo, e o dndi satnico como artista do real, insinuando-se a superioridade deste

    "diable civilis" ou "Belzbuth dandy" (Prevost, 1957: 112-13) a custo duma desiluso

    profunda, no entanto assumida com froideur e impassibilit em vez de sofrer a maladie de la

  • 10

    idalit e acabar em silncio e morte.[25]

    O caso de Tadeu assemelha-se com a "legenda idlica e brbara de Paganini" (PB: 100), contada

    num folhetim publicada anteriormente, a 28 de Outubro de 1867: "A ladainha da dor"[26]

    condensa o romance de formao musical que costuma acabar, romanticamente, no paradoxo do

    msico mudo e na "possibilit d'une forme d'accomplissement post mortem de la Bildung et en

    russissant y figurer la musique absolue." (Locatelli, 1998: 264). Paganini, que se vendeu

    ao diabo, transmite, aps a sua morte, "uma msica estranha de rabeca, acompanhada pelo mar,

    onde havia gemidos, dilaceres, e vozes pesadas de lgrimas, [...]. Havia vozes de rabeca aflitas

    e brbaras." (PB: 107-08). Repare-se na duplicidade de msica e palavra (voz), atribuda ao

    prprio instrumento musical. Esta comunicao post mortem de reflexos ou fragmentos da "obra

    de vida" extraordinria e nica, dirigida aos amigos privilegiados, espelha a prpria disposio

    textual: o discurso biogrfico (em duas cartas) e o discurso editorial do amigo ntimo, ambos na

    perspectiva pstuma. O bigrafo-editor sobrevive e d testemunho do grande artista que,

    conforme o modelo de Fausto, vende a alma, emudece e falece. a instncia narrativa e

    editorial que d vida (imortalidade) e voz (obra) ao defunto, cumprindo assim uma segunda

    parte da misso mefistoflica normalmente reservada aos poderes celestiais aps a ascenso do

    artista romntico. Estratgias semelhantes encontram-se noutros folhetins, merecendo especial

    destaque "Memrias de uma Forca", texto publicado uma semana depois de "Onflia Benoiton":

    a autobiografia duma forca, desde o ponto de vista da sua prpria morte, claramente

    intencionada como choc para a burguesia na poca natalcia.[27] O editor e copista annimo

    declara este documento inverosmil um fragmento: o prlogo das Memrias de um tomo,

    ainda inditas.[28] Assim, evoca-se mais uma obra mistificada, na sequncia dos trechos de "um

    livro branco em que [Paganini] escrevia o que pensava nas conversaes da noite",

    nomeadamente a antecipao da prpria morte e da posteridade:

    No entanto ele acreditava que no dia em que morresse a sua rabeca havia de estalar e os pedaos

    apodrecidos na terra ir-se-iam confundir com o corpo dele nos tomos das rvores, ou das estrelas, ou das

    guas: e escrevia ento: Que felicidade poder ter a mesma folhagem, dar a mesma luz, lanar a mesma

    espuma. (PB: 103)

    Esta mistificao da criao artstica face sociedade burguesa, combinada com o tratamento

    humorstico de ideias pantestas e da doutrina de metempsicose[29], caracteriza no s a maior

    parte dos folhetins publicados na Gazeta de Portugal, relacionando-os por analogias temticas e

    motivos (neste caso, os "tomos das rvores"), mas espelha tambm a sua prpria organizao

    discursiva: eles aparecem como "Cantos Fragmentrios", prlogos, notas marginais[30] de um

    imenso "Poema Fantstico" em prosa[31] ou aberturas de uma "pera bufa, contendo um novo

    sistema do Universo" que Ea recordar em "Um gnio que era um Santo" (NC: 268).

    Anunciada mas indita, ou seja, no exposta ao mercado e sociedade burguesa, esta obra ao

    mesmo tempo ocultada e revelada como oculta, juntamente com o seu autor, por vrios editores

    e narradores. Eles apoderam-se, no acto da sua leitura privilegiada, da exclusividade quase

    secreta de obra e figura enigmticas, como o fazem, no primeiro fingimento colectivo de

    Fradique Mendes, os bigrafos-editores Jaime Batalha Reis e Antero de Quental que apresentam

    excertos de grandes coleces de poesias e anunciam publicaes futuras.

  • 11

    Ao longo da evoluo literria, Ea cultiva a obra anunciada, como revela a sua epistolografia, e

    nunca deixa de praticar o discurso biogrfico e editorial, mesmo ao longo dos quinze anos da

    "hibernao" de Fradique Mendes, "imposta pela disciplina naturalista" (Reis, 1984: 48),

    conceito que serve de suporte para a construo evolutiva do regresso. aps a morte de Victor

    Hugo e, nomeadamente, com a carta a Oliveira Martins, anunciando o plano d' A

    Correspondncia de Fradique Mendes, que Ea atinge plena conscincia da polivalncia que a

    configurao pstuma da obra e da figura do autor pode oferecer. Esta conscincia possibilita a

    fico auto-irnica desta mesma configurao em Fradique Mendes como autor sem obra. Este

    o tema de todo o captulo VII de "Memrias e Notas", chegando o amigo ntimo concluso

    que "no existe uma obra porque Fradique nunca foi verdadeiramente um autor." (FM:102).

    A tese do regresso, acolhida to generosamente pela crtica tradicional e pela histria literria

    portuguesa, nasce da prpria inteno do autor, a partir de 1884/85, de construir uma evoluo

    orgnica de vida e obra: essencialmente, para ficar na memria da sociedade burguesa. Perante

    esta concluso, a revalorizao necessria do ltimo Ea que est a acontecer a partir de 1990

    pode causar duas impresses equvocas, ainda que no sejam intencionais. Em primeiro lugar, a

    impresso de uma evoluo literria acabada, ao manter o arco tradicional com o nmero trs,

    sempre atractivo (o primeiro Ea, o Ea realista, o ltimo Ea), com a nica diferena da maior

    valorizao e at expanso do ltimo Ea que j poderia comear com O poeta lrico,

    publicado em 1880, dando a mo ao primeiro. A segunda impresso que a tese de regresso

    est a ser apenas modificada por uma tese de superao do anterior Ea realista. No entanto,

    com o critrio da datao de textos mais ou menos afastados da escrita realista (por sua vez,

    longe de ser homognea) no seria difcil comprovar uma simultaneidade parcial tanto do

    primeiro como do ltimo com o Ea realista que, por sua vez, persiste tambm at aos

    ltimos romances, A Cidade e as Serras e A Ilustre Casa de Ramires, evidentemente

    modificando recursos estilsticos e desempenhando outras funes do que n' O Crime do Padre

    Amaro e n' O Primo Baslio.

    No h regresso na evoluo queirosiana. Prticas da escrita interagem com a reflexo sobre o

    papel da literatura e do escritor no seio de uma sociedade cada vez mais globalizada dos media

    que, sob o manto difano de informaes cada vez mais exactas e perturbadoras na sua

    pluralidade, produz principalmente incertezas e, portanto, causa do diletantismo, criticado por

    Ea como atitude responsvel da decadncia europeia. Precisamente neste contexto, a

    aprendizagem de estruturas textuais e o desenvolvimento de estratgias discursivas do primeiro

    Ea, soterrados temporariamente pela preponderncia do paradigma realista-naturalista no

    cnone da histria literria, confluem, nomeadamente a partir d' A Correspondncia de

    Fradique Mendes, numa esttica de dialogismo cada vez mais elaborada. A transgresso dos

    gneros (narrativo, ensastico e epistolar) e das delimitaes maleveis entre texto ficcional e

    no-ficcional, literrio e no-literrio, principalmente na fecunda colaborao em diversos

    jornais, so o motor da escrita queirosiana[32] em dilogo com uma parte da correspondncia

    do autor, a partir de 1884/85, produzida na conscincia da sua posterior leitura como epistolrio,

    e, portanto, como parte integral da obra e figura de Ea de Queiroz.

  • 12

    Nota: o presente texto nasce da releitura de duas comunicaes, apresentadas em dois Colquios

    organizados por ocasio do 1 Centenrio da morte de Ea de Queiroz (vora e So Paulo, 2000) e cujas

    Actas at data no foram publicadas.

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    NOTAS

    1 "[...] Denn der Literaturhistoriker mu selbst immer erst wieder zum Leser werden, bevor er ein Werk

    verstehen und einordnen, anders gesagt: sein eigenes Urteil im Bewutsein seines gegenwrtigen

    Standorts in der historischen Reihe der Leser begrnden kann." (Jau, 1970: 171). Todas as tradues de

    bibliografia passiva alem so do autor.

    2 "A constituio da correlao autor / leitor (que passa por uma outra, a de leitor / obra) no , a meu

  • 14

    ver, imanente obra - no sentido em que se 'esgota' numa funo meramente intratextual ou intraliterria.

    Ela deriva e apenas pode ser equacionada em funo de um movimento interactivo de carcter cultural,

    em que o reconhecimento das figuras do leitor e do autor refere e tematiza um sistema de modelizao

    mais vasto, nomeadamente o da produo discursiva." (Buescu, 1998: 39).

    3 Desde Mrio Sacramento (1945), o problema da ironia no ltimo Ea constitui um problema de

    interpretao. No mbito de leituras das ltimas duas dcadas surgiram revalorizaes. No caso concreto,

    Antero aparece como "personagem aureolada por uma genialidade e por uma santidade que no anulam

    a discreta presena da ironia" (Reis, 1993: 565); a "ambiguidade no uso do tom panegrico" (Lima, 1993:

    336) implica tambm um 'aureolar' irnico da prpria instncia narrativa de 'amigo ntimo'.

    4 Jau (1970: 127, e nota 37a)

    5 Cf. a crtica de Thomas Carlyle de "l'egotisme larmoyant de Byron", chegando a uma categoria de

    escola satnica (Early Letters I:48). As cartas foram publicadas pela primeira vez s em 1886. (vd. Cabau,

    1968: 108; 298).

    6 Vd. "Mon coeur mis nu" e "Le Dandy" de Baudelaire (1859 ; 1863).

    7 Sobre os incios do dndi satnico e a sua transformao literria na Frana, vd. Prevost, 1957; sobre

    Baudelaire e o dandismo, vd. Olivier 1984 (com bibliografia).

    8 "Avant tout, l'crivain-dandy s'efforcer de paratre un dandy-crivant." (Lemaire, 1978: 106).

    9 in O Primeiro de Janeiro, 5 de Dezembro de 1869; apud Serro 1985: 265.

    10 Carta de Ramalho Ortigo dirigida em 1915 a Alfredo da Cunha (apud Monteiro, 1985: 17).

    11 Nem a diferenciao entre "dimenso pr-heteronmica" e "verdadeiros heternimos" (Reis, 1984: 54)

    pde travar esta idealizao, porque o estudo define Fradique como "um precursor da modernidade" (id.:

    60). A leitura acadmica selectiva.

    12 A Revoluo de Setembro, n 8167, 29 de Agosto de 1869, e O Primeiro de Janeiro, n 272, 5 de

    Dezembro de 1869 (in Serro, 1985: 257-58; 265-67).

    13 Batalha Reis reala a sua recepo directa do original alemo (privilgio s compartido pelo

    germanfilo Antero de Quental) face aos demais companheiros, entre os quais destaca Ea, que s

    tiveram acesso traduo francesa (PB: 22-23). A traduo Tableaux de voyage I, II, publicada por

    primeira vez em 1834, teve uma reedio, com um prefcio de Thophile Gautier, publicada em 1856-58

    e novamente em 1865, com certeza a edio utilizada por Ea. Destaca-se a conscincia crtica de Batalha

    Reis relativamente s diferenas: "Heine para mim um dos maiores escritores das lnguas germnicas.

    Traduzi-lo , sem dvida, emprobrec-lo: foi ele quem disse que um verso traduzido um raio de lua...

    empalhado. Mas as qualidades musicais de som e ritmo de vaga indeterminao que as suas obras

    perdem, ao passar para o francs, so substitudas por outras: a singeleza pattica como que se torna mais

    dolorosa claridade da nova lngua; o humorismo, a um tempo irnico e ingnuo, como que se faz mais

    subtil nas formas do esprito latino; [...]." (PB: 23).

    14 Vd. comentrio de Batalha Reis (PB: 22).

    15 Vd. os estudos de M.M. Gouveia Delille (1984: 215-229), com especial ateno influncia de

    Heine, e de Joel Serro (1985: 179-184), com base em Salgado Jnior (1982).

    16 Explicitamente presente na "Correspondncia do Reino" de 20 de Janeiro de 1867: "Quando Henri

    Heine, o romntico poeta dos Nocturnos, escrevia de Paris correspondncias para a Gazeta de Augsburgo,

    quando no tinha novidades a escarnecer, (...), tomava Mr.Thiers e tomava Mr.Guizot, e fazia-os danar

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    entre toda a sorte de frases motejadoras, comparando Mr.Guizot a um urso e Mr. Thiers a um macaco."

    (DE: 396) Citao comentada por Delille (1984: 339).

    17 Este folhetim abre a segunda srie dos folhetins na Gazeta de Portugal, a 6 de Outubro de 1867, e

    pode ser entendida em certa analogia funcional com a "Sinfonia de Abertura", no ano anterior (7 de

    Outubro de 1866).

    18 "Li. O qu? O que todo o mundo l hoje. [...] Porque, devem saber, hoje no se l, folheia-se; ...[...]."

    (DE: 396-97).

    19 Alis tematizado como work in progress no dilogo com o leitor: "eu procuro ir seguindo, par a par,

    a nossa Comdia moderna. Se quiserem, dem este ttulo s minhas cartas." (DE: 396).

    20 Relacionado com o perfil heiniano de Manuel Eduardo por Delille (1984: 343).

    21 Provavelmente, o poema filosfico e humorista A morte do diabo, destinado a ser uma opereta

    maneira de Offenbach, com msica de Augusto Machado. O texto perdeu-se (Delille, 1984: 349-50).

    22 Compare-se a denominao de Byron como "menina" (PB: 94).

    23 Vd. anlise de Joel Serro (1985: 168 f), com reproduo do quadro.

    24 Tambm do folhetim "O Senhor Diabo" (PB: 197-210), sob influncia de Grard de Nerval (Petit,

    1994: 104).

    25 Vd. estudo de Locatelli (261-67), fazendo referncia a Der arme Spielmann (1848) de Grillparzer e

    Gambara (1837) de Balzac, este ltimo provavelmente familiar ao jovem Ea.

    26 Conforme Delille (1984: 322-328), este retrato do Paganini defunto como artista satnico num

    mundo materialista, de declarada inspirao heiniana (PB: 23), deve ser relacionado com o posterior

    surgimento de Manuel Eduardo no Distrito de vora.

    27 De igual modo como a publicao do folhetim "Os Mortos", logo aps o dia de Todos-os-Santos.

    28 bem sabido que uma obra com o mesmo ttulo anunciada pelo dndi Joo da Ega n'Os Maias,

    evidentemente uma aluso intertextual irnica na constituio da obra queirosiana pelo autor.

    29 J presentes em Antero de Quental e Germano de Meireles (Delille, 1984: 227).

    30 Alis ttulo do primeiro folhetim, ainda antes da "Sinfonia de Abertura", que inaugura a mistificao

    do autor: "Na margem do papel marcado, onde se viam ainda estes restos de uma velha cantiga, algum

    escreveu estas notas desordenadas e bizarras." (PB: 50).

    31 As duas citaes so da Introduo de Jaime Batalha Reis em 1903 (PB: 33).

    32 Acerca da evoluo da escrita queirosiana na imprensa vd. Grossegesse (2003).