Nachtmahr e a Estética Militarista Na Música Industrial - Lidia Zuin (Trecho Livro Comunicação e...

download Nachtmahr e a Estética Militarista Na Música Industrial - Lidia Zuin (Trecho Livro Comunicação e Cultura Do Ouvir)

of 27

Transcript of Nachtmahr e a Estética Militarista Na Música Industrial - Lidia Zuin (Trecho Livro Comunicação e...

  • NACHTMAHR E A ESTTICA MILITARISTA NA MSICA INDUSTRIAL1

    Lidia Zuin2

    Introduo

    Em 2007 o msico e ex-militar austraco Thomas Rainer fundou a Nachtmahr, banda de msica industrial. O projeto se-gue uma premissa de metforas e esttica militares, nas quais est inserida uma proposta teatral e ldica em que o lder da ban-da tratado como Supremo Comandante, enquanto os demais participantes da banda so soldados de seu exrcito tambm preenchido pelos fs. Nesse sentido, cada um dos trs lbuns lanados pela banda, at ento, abordam diferentes aspectos das relaes de poder: das massas, ertico e da militncia. Por meio de um breve panorama das bandas de msica industrial que an-tecedem Nachtmahr e que tambm se utilizaram de uma nar-rativa belicista, este estudo busca interpretar os fenmenos arts-ticos relacionados a tal cena musical e ao projeto austraco, em especfico. Procura-se chegar compreenso do objeto por meio de uma anlise da subcultura vinculada aos artistas menciona-dos, alm de depoimentos colhidos em entrevista com Rainer.

    As origens da msica industrial

    Foi em meados da dcada de 1970, quando o punk sur-gia no Reino Unido, que o quarteto ingls Throbbing Gristle

  • Nachtmahr e a esttica militarista na msica industrial100

    inaugurou um novo gnero na msica eletrnica, a chamada msica industrial. O termo vem justamente do nome da gra-vadora fundada pelo grupo, a Industrial Records, que fomen-tou artistas desde Cabaret Voltaire a William S. Burroughs. Com sonoridade voltada para o experimentalismo, de modo que at mesmo carrinhos de supermercado e serras eltricas poderiam se tornar instrumentos musicais3, o gnero possui o termo industrial como seu adjetivo caracterstico por ser uma representao do lado sombrio da sociedade ps Re-voluo Industrial a reprimida mitologia, histria, cincia, tecnologia e psicopatologia (Vale; Juno, 1983:1). Encon-trada no formato de livros, filmes, revistas e gravaes, a cultura industrial no possui nenhuma unificao esttica rigorosa, exceto que tudo que bruto, horrvel, demente e injusto examinado com os olhos do humor-negro, fa-zendo com que nada mais seja sagrado, seno o compro-metimento com a compreenso da imaginao individual (Vale; Juno, 1983:1).

    Sendo assim, vrias bandas comearam a utilizar uma abordagem agressiva e grotesca para apresentar seus tra-balhos, como foi o caso da exposio Prostitution (1976), quando a Throbbing Gristle criou no Instituto de Arte Con-tempornea de Londres uma instalao com facas enferru-jadas, seringas, cabelos ensanguentados e papel higinico usado. Por outro lado, havia ainda grupos que usavam como ttica de choque a esttica militarista, principalmente quela voltada para o perodo da Segunda Guerra Mundial, no que diz respeito aos fascismos. A banda eslovena Laibach, por exemplo, foi fundada em 1980 por msicos que se vestiam (e ainda vestem, j que a banda continua ativa) fardas milita-res negras que faziam meno ao uniforme da Schutzstaffel (SS). O propsito do grupo era justamente antecipar o pu-blicamente reprimido, mas ainda forte totalitarismo e os im-

  • Lidia Zuin 101

    pulsos irracionais interiores ao regime (Monroe, 2005:12), alm da prpria situao de desmembramento da Iugoslvia e a questo da identidade eslovena.

    Pertencente ao movimento artstico Neue Slowenische Kunst (Nova Arte Eslovena), a Laibach parece ter prazer em confundir as expectativas que suscitam tanto incluin-do elementos irnicos e contraditrios quanto desmentindo qualquer ligao s tendncias que amostram (Monroe, 2005:49). Isto , o grupo tem em sua obra diversas releitu-ras de msicas populares de bandas como Beatles, Rolling Stones e Queen. As canes tiveram suas letras traduzi-das e / ou modificadas, alm de um novo ritmo adiciona-do melodia, a fim de transformar a msica em um hino militarista. Segundo Monroe (2005:12), essas releituras eram tentativas de ressaltar a desconhecida comparao do rock como uma forma de entretenimento massivo de mobilizao fascista, enquanto a Laibach criava um tipo de ligao parastica que interrogava tanto o sistema e os absolutismos ocultos que conscientemente ou inconscien-temente o estrutura, formando suas contradies.

    Por outro lado, o grupo ingls Death in June, liderado por Douglas Pearce, traz consigo, desde 1981, o questiona-mento sobre os smbolos que carrega. O nome da banda uma homenagem a Ernst Rhm, comandante do batalho nazista Sturmabteilung, que foi assassinado pelo regime por conta de sua homossexualidade e por outros problemas rela-cionados sua tropa (ver Bulau, 2010). A morte teria ocor-rido em 30 de junho de 1934, da o nome da banda e o sm-bolo: uma Totenkopf (crnio de homem morto) customizada pela SS e o nmero seis, referente ao sexto ms do ano. Essa homenagem foi feita porque Pearce abertamente expe sua homossexualidade (Leigh, 2008) e justamente esse fato que norteia as composies do grupo, como o lbum Rose

  • Nachtmahr e a esttica militarista na msica industrial102

    Clouds of Holocaust (1995), que em 2005 foi includo pelo governo da Alemanha numa lista de obras proibidas. A obra no foi banida porque no havia nenhum uso de smbolos proibidos pela lei alem, a qual pune qualquer utilizao de signos que remetam ao perodo nazista desde a Totenkopf da SS s runas nrdicas adotadas pelas organizaes ou mesmo a sustica.

    O lbum se tornou raro no pas e vendido apenas para maiores de 18 anos, pelo fato de que a primeira faixa a Horst Wessel Lied, hino da SS. Em Pearce (2006), o lder da Death in June explica que a cano foi utilizada para criar a atmosfera para uma narrao justapondo a homofobia de um membro da tropa de choque nazista com o fatalismo suicida de seu parceiro sexual.

    A Death in June sempre foi fascinada por smbolos e seus efeitos. H at mesmo um lbum chamado But, what ends when the symbol shatter? [Mas, o que resta quando um smbolo destrudo?] (...) Em ingls, temos a expresso segurar a mo do chicote, que significa tomar controle. Em 1997, a Death in June lanou um lbum chamado Take Care and Control. Tudo est conectado, tudo simblico e tudo que est na superfcie mu-tuamente contraditrio e importante no mun-do da Death in June. (Pearce, 2006)

    Apesar disso, nem todas as bandas so compreendidas maneira que querem ou acabam mesmo sendo recriminadas pela lei nacional. No caso da Death in June, que um trio ingls, no houve nenhuma lei especfica que os obrigasse a mudar de postura, mas a banda austraca Der Blutharsch precisou modificar seu logo original, que era um soldado

  • Lidia Zuin 103

    segurando um escudo com uma runa sieg. Esta letra, quando disposta duplamente, remete ao logo da SS e, assim como a Alemanha, a ustria tambm possui leis que probem o uso de smbolos que remetam ao nazismo, na chamada lei Wie-derbettigung. Por isso, a banda passou a usar como smbolo uma cruz de ferro, que no censurada pela lei por ser con-siderada um smbolo referente Primeira Guerra Mundial.

    De qualquer forma, tanto Douglas Pearce quanto Al-bin Julius, lder da Der Blutharsch, declararam no rela-cionar sua arte com a poltica. Em Pearce (2006), o cantor da Death in June afirma: Eu sou um msico e eu no me envolvo com poltica e eu recuso ser forado a me envol-ver com poltica. Julius, porm, afirma em Thorn (2005), que as acusaes que fazem sobre sua banda ser nazista so praticadas por pessoas que choram sobre o fascismo etc., e no veem que usam os mesmos mtodos daqueles contra os quais lutam. No final das contas, o msico aus-traco confessa que a nica coisa que se pode fazer con-fundir e entender que o uso da temtica militarista s uma consequncia de ver a vida como uma guerra, como ele diz, citando o dramaturgo romano Plautus4.

    Essa mesma lgica foi seguida pela banda Front 242, fundada em 1980. Os belgas, no documentrio Back to Front (Bergli; Cokes, 1986), declararam usar a imagtica militar porque ela forte, universal e humana. Isto , eles prprios se veem numa organizao militarizada, j que funcionariam como um comando de rpida e precisa ao: como soldados, eles declaram que, assim que o concerto [batalha] acaba, retiramo-nos e voltamos ao anonimato. Porm, foram justamente esses artistas que inauguraram um novo gnero na msica industrial, que visava a um rit-mo mais danante, por isso o nome Electronic Body Mu-sic (EBM). A partir deles, vrias outras bandas passaram

  • Nachtmahr e a esttica militarista na msica industrial104

    a incorporar novos elementos s suas canes, deixando o experimentalismo para se transformar em um gnero que regeria clubes noturnos frequentados por grupos da subcul-tura gtica e rivethead, como so conhecidos nos Estados Unidos os ouvintes de msica industrial. Os belgas no s inovaram como injetaram amostras de aspecto maquinal, vocais que gritavam entre batidas altamente energizadas (Woods, 2007:47).

    A subcultura em torno da msica industrial

    Entrando para o mainstream em 1987, com o lbum Official Version, a Front 242 estimulou a formao da subcultura rivethead, especialmente no que diz respeito ao seu visual, caracterizado pelo uso de acessrios mili-tares tais como coletes prova de bala, roupas camufla-das, coturnos e cortes de cabelo militares, culos escu-ros, tatuagens, piercings e outros (Woods, 2007). Assim como os gticos, os rivetheads fariam parte mais de uma nova categoria de subcultura, o que David Muggleton e Rupert Weinzierl em The post-subcultures reader (2004) chamam de ps-subcultura, pelo fato de seus integrantes estarem muito mais conectados ao estilo e esttica do que a uma ideologia e resistncia, como os hippies e os punks nos anos 1960, 70 e 80.

    Todas as subculturas surgidas depois do punk (...) possuem essa relao de identificao esttica demarcadas de maneira muito inten-sa, enquanto as questes de cunho poltico / ideolgico (quando existem) e de resistncia e choque a uma cultura dominante / mains-

  • Lidia Zuin 105

    tream parecem estar relegadas a um segundo plano. (Amaral, 2006:151)

    E justamente por isso comeamos a entender como os signos so tirados fora do contexto, tornando-se parte de uma lgica de subcultura em que as noes do bem e do mal desaparecem e se tornam um jogo esttico, como acon-tece com a banda austraca Nachtmahr. Fundado em 2007 pelo ex-militar Thomas Rainer, que j tocava h pelo me-nos 10 anos na banda gtica Lme Immortelle, o projeto solo a segunda empreitada do msico no gnero indus-trial, aps ter criado a Siechtum. Na Nachtmahr, o artista vienense encontrou uma forma de externar seu passado como soldado na Academia Militar Teresiana, formando em cada pea artstica uma metfora militar que, no final das contas, acaba sendo mais uma defesa da autenticidade e uma crtica hipocrisia e moralidade de rebanho trans-posta num jogo de representao de personagens assim como no Role Playing Game (RPG).

    Os discursos da banda Nachtmahr

    Enquanto Rainer entende a sociedade como com-posta por pessoas que nascem, estudam, trabalham e mor-rem, ainda dentro de suas rodinhas de hamster (Rainer, 2011), ele tenta, atravs da Nachtmahr, fazer um convite ao pblico para que este saia desse padro e se d ao direito de escolher o que quer realmente ser: da a busca pela autenti-cidade. O primeiro EP (Extended Play) da banda, Kunst ist Krieg (2007) ou arte guerra, traz como faixa de abertu-ra a Nachtmahr, que segundo Rainer um discurso para suas tropas entrarem no clima certo para a batalha (Rainer,

  • Nachtmahr e a esttica militarista na msica industrial106

    2011). A msica apresenta a lgica da banda como sendo composta por uma legio de guerreiros prontos para lutar contra a hipocrisia. Tal como o escritor alemo Ernst Jn-ger fazia em suas obras, ao descrever como um comandante precisa convencer seus soldados a entrarem no humor certo para a guerra, Rainer busca em Nachtmahr preparar seus ou-vintes para uma nova concepo lanada na banda.

    Ao indicar, no ttulo da obra, que a arte guerra, Rainer segue a mesma lgica de Albin Julius, da Der Blutharsch, que diz que a vida guerra. Sempre ao explicar essa frase, Thomas Rainer cita o escritor John Knittel, o qual afirma que um msico s pode obter sucesso atravs da constan-te e incessante batalha contra ele mesmo, um esforo que requer nervos de ao e energia, ao qual somente podem sobreviver os mais fortes. Assim sendo, Rainer entende a palavra guerra alm do significado de uma forma parti-cular de violncia organizada, na qual usualmente participa pelo menos um governo (Galtung, 2002), mas a prpria lgica da vida.

    Em cada um dos trs lbuns lanados pela banda, o ar-tista prope uma narrativa que trabalha a noo de poder (ou de relaes de poder) de acordo com diferentes pontos de vista. Em Feuer Frei (2008) a capa inaugura uma esttica e lgica que se perpetuariam na banda nos anos seguintes. Em preto, branco e vermelho, a imagem representa uma grande reunio de pessoas entre prdios antigos, tal como as Reu-nies de Nuremberg, onde bandeiras com a letra N so has-teadas para um lder que, na verdade, um homem negro. Alm dessa surpresa, a capa ainda reserva, entre o pblico, uma placa erguida com a mensagem War is not the answer ou Guerra no a resposta, dita por Martin Luther King no discurso Beyond Vietnam: A Time to Break the Silence, em 1967, e que se tornou mote do movimento contrrio

  • Lidia Zuin 107

    Guerra do Vietn, repercutindo em manifestaes pacifistas posteriores. Rainer (2011) explica que a ideia criar uma justaposio, fazendo com que os observadores pensem que se trata de um comcio nazista, quando na verdade no .

    No encarte desse primeiro lbum, j so anunciadas as personagens que seriam melhores abordadas no trabalho seguinte, Alle Lust will Ewigkeit (2009). As garotas em uniforme que caracterizam parte da imagtica da Nacht-mahr so apresentadas em camisas brancas, gravata, saia de cintura alta, botas e chapu de marinheiro todos pre-tos. Com uma faixa preta no brao, onde est confeccio-nada a letra N, de Nachtmahr, elas posam no mais sen-suais que no segundo lbum, em que a capa retorna com os mesmos tons de Feuer Frei, desta vez com a fotografia de uma mulher vestida em uniforme sovitico, apontando uma arma para a prpria boca.

    Enquanto o casaco est aberto e ela segura um dos seios, o revlver acaba tomando uma proporo quase flica e er-tica, tal como se segue nas fotografias do encarte. L, nova-mente, ressurgem as garotas em uniforme, ento envolvidas em um relacionamento ntimo que, ao mesmo tempo, de-monstram certo confronto, uma vez que h uma luta pela configurao da parceira dominante. Como explica Rainer (2011): O tpico geral do lbum a ganncia pelo poder e como o poder corrompe as pessoas. E o segundo aspecto, o sexual, um que escolhi de um ponto de vista imagtico, porque ele mantm essa nsia muito bem.

    Essa noo melhor visualizada no clipe Can you feel the beat? (2011), quando uma garota em uniforme tenta assassinar uma colega que foi homenageada por Thomas Rainer, aps ter mantido sigilo ao ser sequestrada por um inimigo que tentou for-la a contar os planos do cantor de dominao mundial. Isto , existe na Nachtmahr uma tea-

  • Nachtmahr e a esttica militarista na msica industrial108

    tralidade que segue a narrativa de um mundo e concepo criados pelo msico austraco. A banda, como um todo, vista como um exrcito que se acrescenta com os fs, to-dos liderados pelo Supremo Comandante Thomas Rainer. Nesse mesmo vdeo, que o primeiro e nico da Nachtmahr, e tambm nas fotos promocionais, possvel verificar a po-sio de dominncia e liderana do artista, que se configura como uma representao do bermensch quanto ao ponto de vista defendido pelo projeto musical: uma filosofia de vida prxima quela defendida por Friedrich Nietzsche sob o ttulo de vontade de potncia (will zur macht).

    Quando Rainer (2011) defende que as pessoas sejam autnticas e tomem suas decises para no acabarem como hamsters numa roda, ele pensa tal como o humano de Nietzsche, que aquele que possui a vontade de potncia como vontade de viver, algum que quer experimentar a vida alm do controle moral: o humano que existe na mediocridade que precisa ser superado, porque escravo de sua prpria criao (Arajo, 2008:44). E por isso mesmo que as pessoas, caso sigam o conselho de Rainer, acabam inseridas num contexto de constante guerra, uma vez que precisam lutar contra o sistema estabelecido para poder agir de acordo com a sua vontade. Isso, no fim das contas, tem muito a ver com a agenda daqueles que fazem parte do fan-dom da Nachtmahr, uma vez que vrios desses fs poderiam ser encaixados subcultura gtica, que ainda sofre, com de-terminado grau de intensidade, resistncia e preconceito por parte da sociedade. Essa percepo ressaltada pela Nacht-mahr na msica Endzeitstimmung (humor apocalptico), a qual insere entre as batidas eletrnicas o udio de uma reportagem que apresenta a subcultura gtica (em alemo, Gruftie) como pessoas jovens que vivem num humor apo-calptico, que sua msica obscura e melanclica, suas

  • Lidia Zuin 109

    roupas so pretas, sua maquiagem plida, suas joias sm-bolos satnicos. Tudo isso vem a confirmar o que aponta-mos anteriormente, a respeito de Vale e Juno (1983) terem afirmado que a cultura industrial usa a lente do humor-negro para observar elementos considerados degenerados ao senso comum e isso serve tambm para a subcultura gtica.

    Militarismo e esttica do poder

    Para entender os conceitos da banda, preciso ter o pen-samento voltado queles que so ouvintes da Nachtmahr. Nos anos 1980 a subcultura gtica sofreu uma reconfigu-rao de seu habitus conforme a cantora inglesa Siouxsie Sioux (Siouxsie and the Banshees) trouxe elementos feti-chistas e sadomasoquistas, inspirando uma gerao de mu-lheres com seu vesturio sexual (Issitt, 2011:9). Com isso, nos anos 1990 e seguintes, a questo fetichista passou a se dissolver na subcultura, deixando de causar o mesmo impac-to e se tornando parte da moda. Na Overdose5, por exemplo, que a maior festa gtica na ustria, havia vrias garotas vestindo corsets, botas e roupas de ltex e / ou couro, alm de elementos combinados esttica militarista, como fardas, quepes e coturnos.

    Siouxsie comeou sua carreira como uma gtica decana na cena da Sex Pistols, ajudou a popularizar a esttica caracterizada pela palidez mrbida, maquiagem escura, pela decadncia da era Weimar e pelo Nazi chic (Goodlad; Bibby, 2007:1). Isto , a cantora combinou tanto a noo do mal com o ertico encontradas na imagtica gtica principalmente quando passou a usar uma faixa de brao vermelha com a sustica. Assim, as garotas de uniforme da Nachtmahr estariam como filhas da artista britnica, sendo

  • Nachtmahr e a esttica militarista na msica industrial110

    inseridas num contexto de cores, nas peas artsticas, que j induzem ao pensamento da sensualidade e do poder. O tom vermelho, como Reich (1970) explica, traz tanto uma noo de fertilidade e sensualidade quanto uma cor guerreira, energizada pela cultura ocidental. O preto, no entanto, incita o mistrio, a religiosidade e at mesmo a morte. As personagens, porm, no se posicionam como tal de maneira forada, subjulgadas condio de objetos sexuais. Como Rainer (2011) conta, muito antes de um show comear, elas vestem seus uniformes porque se sentem mais poderosas.

    Esse poder tanto referente ao impacto causado pela roupa, como Benjamin (1996) afirma, ao lembrar dos pio-neiros da Wehrmacht, que quase levam a crer que o unifor-me para eles um objetivo supremo, almejado com todas as fibras do seu corao, quanto uma indumentria que diz respeito ao pertencimento a um grupo. Os fs da Nachtmahr tendem a vestir peas que lembrem aquelas vestidas pela banda e, dessa forma, em vez de dissolver cada indivduo numa massa uniformizada, essa caracterizao acaba os di-ferenciando como o exrcito da Nachtmahr.

    Eu vejo, em meus shows, pessoas se vestindo num mesmo estilo e elas se aproximam e fi-cam juntas. H um grupo de pessoas da us-tria que vai com os uniformes da Nachtmahr e com bandeiras austracas aos concertos e me apoiam, fazem algo do gnero. algo ti-mo, faz as pessoas se aproximarem, faz com que elas se sintam parte de um grupo. Isso cria um sentimento comum, um sentimento de pertencimento. (Rainer, 2011)

    E essa militncia pela banda est representada no l-timo lbum lanado, o Semper Fidelis (2010). O termo que,

  • Lidia Zuin 111

    em latim, significa sempre fiel, acaba fazendo meno unio dos fs, como um exrcito da Nachtmahr, alm de ser uma expresso usada por vrios exrcitos ao redor do mun-do. Assim como Rainer defende a luta pela autenticidade e a vontade de potncia como estmulo vida, seu pblico formaria uma espcie de manifestao tal qual a resistncia de Foucault, uma vez que essas pessoas lutam por um esta-tuto da individualizao, como explica Branco (2007), no qual o objetivo dos homens no de se descobrirem, mas de recusarem quem so.

    No se trata de encontrarmos nosso eu no mundo, mas de inventarmos nossa subjetivi-dade. Antes de ser produto de um encontro, a subjetividade resultado de um processo inventivo. De tal modo que a luta pela liber-dade se inicia na prpria esfera subjetiva. A questo, assim, produzir, criar, inventar novos modos de subjetividade, novos estilos de vida, novos vnculos e laos comunitrios, para alm das formas de vida empobrecidas e individualistas implantadas pelas moder-nas tcnicas e relaes de poder. (Branco, 2007:13)

    E nesse jogo, Rainer se posiciona como um lder que, apesar de representado como um Tanzdiktator (ditador da dana, msica do lbum Alle Lust will Ewigkeit), no pos-sui uma atitude opressiva, porque entende que o relaciona-mento fs-artista dual. Ao enxergar a pista de dana de um clube ou de um show como o palco de uma batalha ou guerra (War on the Dancefloor, msica do lbum Alle Lust will Ewigkeit), a audincia se torna um grupo de soldados e a msica os comanda (Rainer, 2011). Mas para que essa

  • Nachtmahr e a esttica militarista na msica industrial112

    relao funcione, ela precisa ser entendida como dual, ou seja: o pblico deve permitir ser contaminado pela msi-ca. Para Rainer, isso acontece tal como para todo general, que s pode obter grandes conquistas na batalha quando seus soldados esto motivados e acreditando no que ele faz (Rainer, 2011).

    Mas como entender isso sem realmente ir a fundo numa pesquisa sobre a banda? Justamente pela fora da esttica mi-litarista caracterstica banda, muito fcil cair na tentao do senso comum e acreditar que o uniforme negro vestido por Rainer, que tambm possui um corte de cabelo militar, tenha a ver com o nazismo porque, justamente, o estilo relembra a indumentria da SS. Alm disso, a esttica da Nachtmahr bastante prxima daquela usada pelo Terceiro Reich. E, re-almente, o artista no descarta uma apreciao pela esttica nacional-socialista:

    Eles foram justamente os mestres da esttica e no havia nenhuma necessidade de se falar muito: voc apenas via o que eles estavam fa-zendo e eles iriam facilmente iludi-lo de que aquilo era algo grande, algo poderoso. E as pessoas naquele tempo estavam desejando algo poderoso, algo que pudesse tir-las da misria. (...) Eles mostraram seu potencial de liderana como a esttica. Foi um movimento muito esperto. (Rainer, 2011)

    Em Fascinating Fascism (1974), Susan Sontag atenta para o caso da cineasta alem Leni Riefenstahl, que colabo-rou com o regime nazista criando filmes publicitrios. Jus-tamente por isso, aps o fim da Segunda Guerra Mundial, ela ficou alguns anos em hiato, voltando somente em 1973 com o livro de fotografias The Last of the Nuba, que rene

  • Lidia Zuin 113

    imagens da tribo Nuba, situada no sudoeste do Sudo. Nes-sa publicao, a fotgrafa apresentada de forma lacni-ca, como sendo algo tal qual uma figura mitolgica como uma cineasta antes da guerra, parte esquecida por uma nao que escolheu eliminar da memria uma era de sua histria (Sontag, 1974). Isto , Sontag alerta para os eufemismos uti-lizados para no dizer que a nao a Alemanha e que a era de sua histria o Terceiro Reich.

    Sontag refora em seu artigo que, apesar do holocausto e de toda a brutalidade do regime, o nazismo no se tratava apenas de horror. A autora destaca o cuidado esttico dos soldados que no s deveriam seguir um padro de beleza, a ariana, como precisavam estar sempre bem apresentveis. No suficiente, os uniformes eram desenhados para transmi-tir sofisticao: a SS foi projetada como uma elite da comu-nidade militar que no seria apenas extremamente violenta, mas tambm extremamente bonita (Sontag, 1974):

    O mais importante que, geralmente, pensa-se que o Nacional Socialismo apoia apenas a brutalidade e o terror. Mas isso no verda-de. O Nacional Socialismo ou, mais abran-gentemente, o fascismo tambm defende um ideal, que persistente at hoje, mas sob outras fachadas: o ideal da vida como arte, o culto beleza, o fetichismo da coragem, a dissoluo da alienao em um enlevado sen-timento de comunidade; o repdio ao intelec-to; a famlia (sob a paternidade dos lderes). (Sontag, 1974)

    Ou seja, talvez o trabalho de Leni durante o nazismo no devesse ser desconsiderado de sua obra, posto num patamar de arte degenerada, porque possvel reconhecer atributos

  • Nachtmahr e a esttica militarista na msica industrial114

    tcnicos e estticos mesmo em filmes de propaganda nazis-ta como Triumph des Willens (1935). Em Beauty and evil: the case of Leni Riefenstahls Triumph of the Will (1998), de Mary Devereaux, a autora diagnostica: Ao mesmo tem-po magistral e moralmente repugnante, esse filme profun-damente preocupante resume um problema geral que surge com a arte. to bonito quanto maligno.

    Portanto, assim como em Leni havia beleza e crueldade, na Nachtmahr ainda h esse vestgio que, para Rainer, assim como para os fs, no possui a gravidade que para muitos existe. E para esse incmodo acontecer, sequer preciso ser um outsider s subculturas envolvidas com a msica indus-trial. Stephanou (2009), no blog The Gothic Imagination, da Universidade de Stirling, na Esccia, descreve um show da Nachtmahr com a confuso causada pela performance. Stephanou cita que enquanto o artista projeta no telo ima-gens da invaso nazista na Rssia, h tambm citaes de Chomsky, Steinbeck, Huxley, John Knittel (ao qual ela des-creve como escritor e apoiador do regime nazista) e Amelie Nothomb (que a pesquisadora relembra como escritora e neta de um poltico de direita).

    Stephanou (2009) afirma que bandas de EBM e industrial sempre flertaram com smbolos fascistas e de direita, mas de um jeito diferente do qual o punk os incorporou, no fim dos anos 70, o que teria sido uma ttica niilista de choque que reproduziria as manifestaes dadastas. Nesse sentido, ela cita a camiseta com a sustica que Sid Vicious, do Sex Pistols, usou e menciona a Laibach como uma banda que tentou confundir sua audincia ao usar insgnias totalitaris-tas, mas que sua agenda era especfica. O choque criado, mas a poltica est por baixo da superfcie. Quando se refe-re aos grupos mais recentes, como Feindflug e Nachtmahr, que tm chamado a ateno da subcultura gtica, Stephanou

  • Lidia Zuin 115

    (2009) diz que eles brincam com smbolos alemes/nazis-tas, tornando-os vazios e sem significado. A autora recorda Paul Virilio, que props repensar a vida moderna condicio-nada pela velocidade e pela tecnologia e questiona: se essas mudanas tiverem levado desumanizao do sujeito, o que ser possvel dizer sobre a msica produzida pela tec-nologia sem nenhuma mediao das faculdades humanas?.

    Stephanou (2009) critica a falta de reflexo acerca dos temas e signos utilizados pelas duas bandas germnicas, o que nos leva a pensar na questo da banalizao do mal, vista em Hannah Arendt. No caso da Nachtmahr, no se trata do ponto discutido na obra Eichmann em Jerusalm (1963), no qual a filsofa sugere que o personagem e ru, tenente-coronel da SS Adolf Eichmann, talvez estivesse apenas se-guindo as ordens que lhes eram direcionadas, sem conseguir mediar que aquilo era algo ruim. Rainer tem noo de que o nazismo foi um regime horrvel e que cometeu crimes ini-gualveis, mas ainda assim ele capaz de gostar do pacote sem apreciar o contedo.

    O que as pessoas precisam fazer (...) tirar os smbolos fora do contexto. Voc no pode olhar sempre para uniformes pretos e pen-sar que so uniformes nazistas. errado de um ponto de vista artstico e lgico. que simplesmente eu nunca irei entender porque as pessoas tm a mente to fechada. Se isso fosse realmente to bvio e to problem-tico, ento eu penso, por que eu nunca tive problema com o governo, com a polcia ou qualquer um? (...) Eu tambm sempre expres-so abertamente que eu discordo totalmente e me oponho totalmente ideologia nazista so-

  • Nachtmahr e a esttica militarista na msica industrial116

    bre raa, sobre nacionalidade, sobre tudo. Eu me oponho a isso e no concordo com nada disso, mas os uniformes eram timos. O que h de errado nisso? (...) Todos podem diferen-ciar essas duas coisas, entre o pacote e o con-tedo. Por que voc tem que concordar com o contedo se voc concorda com o pacote? (Rainer, 2011)

    Rainer (2011) ainda sugere que preciso superar essa fixao com o nazismo, dizendo que o regime j acabou, j faz 66 e pergunta: Por que nossas mentes no amadu-receram em 66 anos a ponto de agir assim? (...) J hora de ver as coisas separadamente. Apesar dessa quantidade de anos parecer grande para uma vida humana, historica-mente um perodo muito curto e natural que ele perma-nea recente na agenda mundial. Alm disso, como Hanley (2004:162) indica, certas bandas de msica industrial, neste caso a Nachtmahr, acabam se situando na posio de poder formalmente carregada por uma figura poltica ou grupo e isso pode acabar se tornando uma estratgia perigosa, por que as imagens utilizadas continuam frescas em nosso vo-cabulrio cultural, de forma que os smbolos resignificados acabam levando a atos de agresso indesejveis, preenchi-dos pela mensagem de fora original.

    No entanto, Sontag (1974) sugere que essas pessoas que mais recentemente passaram a usar o nazismo como referncia para prticas sadomasoquistas ou mesmo para a apreciao esttica, ou seja, aqueles nascidos aps a dcada de 1940, no saberiam realmente o que foi o nazismo. Por isso, o tema permanece to obscuro quanto sedutor, passvel de ser deturpado. Acaba se situando numa posio pareci-da com a de vampiros e monstros que, originalmente maus,

  • Lidia Zuin 117

    passam a ser admirados primeiro pela subcultura gtica, agora pela cultura pop mainstream, com a saga Crepsculo. E nessa grande metfora que a Nachtmahr, Rainer desper-ta no pblico uma sensao voltada ao que ele no gostaria o nazismo , justamente porque as figuras de linguagem podem se tornar perigosas, como indica Paul De Man, em The Epistemology of Metaphor (1978:21):

    So capazes de inventar as entidades mais fantsticas por causa do poder posicional ine-rente na linguagem. Elas podem desmembrar a tessitura da realidade e entrela-la de novo de maneiras as mais caprichosas, empare-lhando homem e mulher ou ser humano com fera, nas formas mais antinaturais. (De Man apud Jeha, 2007:07)

    Arte versus poltica

    Por outro lado, medida que Rainer prope no seguir a moralidade de rebanho e unir-se a ele em seu exrcito contra a hipocrisia, talvez fosse necessrio pensar alm da ques-to do bem e do mal, como visto na obra de Nietzsche. A transvalorao ajudaria a superar esse conflito visual porque esvaziaria a noo do que maligno e o que benigno, co-locando a obra da Nachtmahr num patamar apenas artsti-co, uma vez que a arte serve justamente para provocar, para questionar e chamar a ateno, convidar reflexo. Numa lgica da indstria cultural, natural que Rainer tente se sobrepor s outras bandas de msica industrial escolhen-do uma esttica forte e polmica em Rainer (2011), ele comenta que a Nachtmahr surge como uma alternativa aos

  • Nachtmahr e a esttica militarista na msica industrial118

    grupos do gnero musical que estavam com medo de ousar, justamente por questes econmicas referentes venda de CDs. E ainda nesse sentido, lembramos que Flusser tambm sugere a superao da noo do bem e do mal:

    tica e lgica so aspectos de frases que sur-gem como consequncia da abstrao, como consequncia do afastamento do pensamento da vontade. tica e lgica so sintomas de pensamentos abstratos. A vontade, essa fonte da realidade, est alm da tica e da lgica, alm do Bem e do Mal, e alm da verdade. A manifestao imediata da vontade a be-leza. A mente possessa pela vontade criadora uma mente soberba. Ela se localiza alm do Bem e do Mal, e sabe que arte melhor que verdade. A msica a articulao mais pura desse clima da mente. (Flusser, 2005:164)

    Prximo ao raciocnio da transvalorao de Nietzsche, Flusser tambm fala sobre o pensamento de vontade, algo que poderia entrar em acordo com a vontade de potncia do filsofo alemo. Portanto, Flusser (2005) focaliza os pensamentos gerais do outro, localizando-o no terreno da arte, especificamente a da msica. Ainda segundo o filsofo tcheco-brasileiro, a msica nossa origem e nossa meta. A lngua tornada beleza, que a msica, representa o nosso ca-minho mais direto rumo ao auto-conhecimento e, por isso, a msica vence a iluso, porque representa diretamente a realidade, que nossa vontade criadora, sendo a lngua pura, a qual sepultura de Deus e do Diabo (Flusser, 2005). Assim, ele ainda corrobora com o argumento de Erja-vec e Grzinic (1991) de que a esttica totalitarista expressa por um artista diz respeito cultura e arte, mas nem sem-

  • Lidia Zuin 119

    pre poltica, e que isso seria suficiente para pr o autor numa condio distante do totalitarismo do Estado e de seus aparatos ideolgicos.

    Conforme Aristteles considera o homem um animal poltico (zoon politikon) conforme um ser racional (zoon logikon) que, naturalmente, encontra sua completude na po-lis, aqui entendemos essa mxima como o homem poltico no sentido de participar da polis, de acrescentar algo ao seu ambiente e sociedade e no necessariamente tomar uma po-sio poltico-partidria e / ou militante. Nesse sentido, o filsofo poltico Norberto Bobbio, em Os intelectuais e o poder: dvidas e opes dos homens de cultura na sociedade contempornea (1997), defende que a cultura e a poltica correspondem a esferas de pensamento e de ao interde-pendentes, mas autnomas, que coexistem de formas varia-das em todas as sociedades (Botelho, 2004:98) e, justamen-te por isso, discute-se uma relativa autonomia da cultura em relao poltica.

    Falando de autonomia relativa da cultura, pretendo dizer que a cultura (no sentido mais amplo, isto , no sentido da esfera em que se formam as ideologias e se produzem os co-nhecimentos) no pode nem deve ser reduzi-da integralmente esfera do poltico. A redu-o de todas as esferas em que se desenrola a vida do homem em sociedade poltica, ou seja, a politicizao integral do homem, o de-saparecimento de qualquer diferena entre o poltico e como se diz hoje o pessoal, a quintessncia do totalitarismo. No se trata de rejeitar a poltica ( aquilo que chamei de no-indiferena), mas se trata de no exalt

  • Nachtmahr e a esttica militarista na msica industrial120

    -la a ponto de cantar: Certa ou errada sem-pre a minha ptria ou, o que d no mesmo, Certo ou errado sempre o meu partido (ou, pior ainda, a minha seita). (Bobbio apud Bo-telho, 2004:99)

    Quando a Nachtmahr usa nos lbuns o selo Love Mu-sic. Hate Politics ou ame a msica e odeie poltica, deve-se entender que possvel no reduzir as manifestaes hu-manas somente ao nvel da poltica partidria e militante de algum segmento ideolgico, direita ou esquerda, aquele pensador ou outro. O ser humano poltico, mas no sentido de sempre estar envolvido nos negcios que dizem a respei-to da sua sociedade, de sua polis, em aes sociais, culturais e artsticas, sem necessariamente defender um ponto de vista como certo ou errado o que Bobbio exemplifica com o partido ou ptria. A Nachtmahr, assim como outras bandas da msica industrial, no pretende reforar nenhum concei-to fechado de doutrinas polticas, mas justamente relativizar as relaes de poder num teatro desprovido de mensagem poltico-partidria. Isso, no entanto, no significa que Tho-mas Rainer seja alienado ou algum que rejeita a poltica, como Bobbio diz. Em Rainer (2011), o austraco comenta que o voto no obrigatrio na ustria, mas que, mesmo assim, ele vota, j que poltica necessria. Ele diz que seus ideais se aproximam de um amlgama composto pelas propostas dos partidos Verde, Socialista e Cristo Democra-ta de seu pas.

    Ou seja, Rainer, como cidado, possui posiciona-mento poltico, porm no pretende veicul-lo em sua arte, tornando-a politicamente militante. E, como visto, suas in-clinaes ideolgicas no esto prximas do neo-nazismo ou de qualquer manifestao de direita extrema, a qual ele considera totalmente fora de questo. Por isso a Nacht-

  • Lidia Zuin 121

    mahr corrobora com a afirmao de Erjavec e Grzinic (1991) de que a esttica totalitarista expressa por um artista diz so-mente respeito cultura e arte, no necessariamente tendo vinculao com a poltica. Assim, Rainer estaria distante de praticar o mesmo totalitarismo do Estado e de seus aparatos ideolgicos.

    Referncias

    AMARAL, Adriana. Vises Perigosas: Uma arquegenealogia do cyberpunk. Porto Alegre: Editora Sulina, 2006.ARAJO, Mauro. Uma nova moral em Nietzsche. Cincia e Vida, So Paulo, v. 8, p.34-45, 2008.BENJAMIN, Walter. Teorias do Fascismo Alemo. Sobre a coletnea Guerra e Guerreiros, editada por Ernst Jnger. In: Obras escolhidas I. Magia e tcnica, arte e poltica: ensaios sobre literatura e histria da cultura. So Paulo: Brasiliense, 1996.BERGLI, Sege; COKES, R. A. Back to Front. Bruxelas: Rock Box Films, RTBF TV, 1986. (30 min.), son.color.BOBBIO, Norberto. Os intelectuais e o poder: dvidas e opes dos homens de cultura na sociedade contempornea. So Paulo: Unesp,1997.BOTELHO, Andr. O poder ideolgico: Bobbio e os intelectuais. Lua Nova, So Paulo, n. 64, 2004.BRANCO, Guilherme Castelo. Foucault em trs tempos: a subjetivi-dade na arqueologia do saber. Revista Mente e Crebro Filosofia, So Paulo, n.6, p. 6-13. 2007.BULAU, Doris. 1934: Hitler manda executar Ernst Rhm. Deuts-che Welle. 2010. Disponvel em: . Acesso em: 10 set. 2011.DEVEREAUX, Mary. Beauty and evil: the case of Leni Riefenstahls Triumph of the Will. In: Aesthetics and ethics: essays at the inter-secion, Jerrold Levinson. New York: Cambridge University Press, 1998.

  • Nachtmahr e a esttica militarista na msica industrial122

    DIEHL, Paula. Propaganda e Persuaso na Alemanha Nazista. So Paulo: Annablume, 1996.ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.ERJAVEC, A.; GRZINIC, M. Ljubliana, Ljubliana. Ljubliana/Slo-venia: Mladisnsks Knjiga, 1991.FLUSSER, Vilm. A Histria do Diabo. So Paulo: Annablume Edi-tora, 2005.GALTUNG, Johan. Violncia. In: WULF, Christoph; BORSARI, Andrea (Orgs.). Cosmo, corpo, cultura: enciclopdia antropolgica. Milo:Bruno Mondadori, 2002.GOODLAD, Lauren M. E; BIBBY, Michael. Goth: Undead Subcul-ture. Duke University Press: Durham, 2007.HANLEY, Jason J. The Land of Rape and Honey: The Use of World War II Propaganda in the Music Videos of Ministry and Laibach. American Music, v. 22, n. 1 (Spring, 2004), p. 158-175.IGNACIO, Paula. Sobre a vontade de poder em Nietzsche. Dispon-vel em: . Acesso em: 10 out. 2009.ISSITT, Micah. Goths: A Guide to an American Subculture. Santa Barbara, California: ABC-CLIO, 2011.JEHA, Julio. Monstros como metforas do mal. In: JEHA, Julio (Org.) Monstros e monstruosidades na literatura. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2007. p. 9-31.LEIGH, Adam. Just Fascinacion: Extreme political imagery in un-derground industrial music. Disponvel em: . Acesso em: 11 abril 2011.MONROE, Alexei. Interrogation Machine. Massachusetts: MIT Press, 2005.MUGGLETON, David; WEINZIERL, Rupert. The pos-subcultures reader. Oxford/New York: Berg, 2004.NIETZSCHE, Friedrich W. Vontade de Potncia. So Paulo: Editora Escala, 2001.PEARCE, Douglas. News Death In June: Rose Clouds of Holocaust banni en Allemagne - declarations de Douglas P. 2006. Dis-ponvel:. http://www.deathinjune.org/modules/news/article.php?s-toryid=70. Acesso em: 18 out. 2011.

  • Lidia Zuin 123

    PROSS, Harry. A Sociedade do Protesto.v. 1. So Paulo: Annablume, 1997. RAINER, Thomas. Entrevista concedida a Lidia Zuin. Viena, 06 jul. 2011. Disponvel em:. Acesso em: 07 abr. 2012.REICH, Wilhelm. The Mass Psychology of Fascism. Nova Iorque: Farrar - Straus & Giroux, 1970.SONTAG, Susan. Fascinating Fascism. 1974. Disponvel em: . Acesso em: 10 out. 2011.STEPHANOU, Aspasia. Nachtmahr: Beware of the empty, vitreous and fascist BwO. 2009.Disponvel em: . Acesso em: 11 out. 2011.THORN, Malahki. Der Blutharsch Interview; Time is thee Enemy. He-athen Harvest, 2005.Disponvel em: < http://www.heathenharvest.com/article.php?story=20050712131249999>. Acesso em: 10 abril 2011.VALE, V.; JUNO, Andrea. Re/Search #6/7: Industrial Culture Hand-book. So Francisco: Re/Search publications, 1983.WOODS, Bret D. Industrial Music for Industrial People: The His-tory and Development of an Underground Genre. The Florida State University, College of Music. 2007.

    Notas

    1 O texto, apresentado no 3 Seminrio Comunicao e Cultura do Ouvir (2011), parte da pesquisa que resultou no Trabalho de Concluso do Curso de Co-municao (Jornalismo) da Faculdade Csper Lbero com o ttulo: Kunst ist Krieg: msica industrial e discurso belicista, sob a orientao de Jos Eugenio de O. Menezes. Participaram da banca os professores doutores Lus Mauro S Martino (Csper Lbero), Heitor Ferraz (Csper Lbero) e Vanessa Beatriz Bor-tulucce (Academia Brasileira de Arte e Centro Universitrio Assuno).

    2 Lidia Zuin de Moura cursa o mestrado em Comunicao e Semitica na Pontifcia Universidade Catlica PUC/SP com bolsa do CNPQ. Jornalista

  • Nachtmahr e a esttica militarista na msica industrial124

    formada pela Faculdade Csper Lbero e pesquisadora dos grupos de pesqui-sa Comunicao e Cultura do Ouvir (Csper Lbero) e Centro Interdiscipli-nar de Semitica da Cultura e da Mdia (CISC/PUC). Na iniciao cientfica desenvolveu pesquisa intitulada: Wired Protocol 7: um estudo sobre Serial Experiments Lain e a alucinao consensual do ciberespao, sob a orienta-o do Prof. Dr. Walter Teixeira Lima Junior. Contato: [email protected]

    3 No curta-metragem Halber Mensch (1985), de Sogo Ishii, o diretor apre-senta a banda alem Einstrzende Neubauten, que produz msica a partir de objetos como carrinhos de supermercado, serra eltrica, tubos de metal e outros destroos localizados na fbrica em runas onde o grupo se apresenta.

    4 No original, Homo homini lupis est ou a vida guerra.

    5 A Overdose uma festa gtica quinzenal realizada na cidade de Salzburg e rene por volta de 400 pessoas por edio. Os relatos so baseados na observao feita pela autora deste estudo durante a edio do dia 8 de julho de 2011.