Nação e Consciência Nacional, Benedict Anderson (algumas considerações)

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Nação e consciência nacional, Benedict Anderson – algumas considerações 1. Nação, nacionalidade e nacionalismo são conceitos difíceis de definir e de analisar. 2. Para Benedict Anderson, os estados nacionais são “novos” e “históricos” (surgem a partir do século XVIII), embora os nacionalistas apontem as raízes da nação em um passado de tempos imemoriais ou longínquos. É a magia do nacionalismo que transforma o acaso em destino. 3. Três paradoxos em relação aos conceitos de nação, nacionalidade e nacionalismo: a) a modernidade objetiva das nações aos olhos do historiador versus sua antiguidade subjetiva aos olhos dos nacionalistas; b) universalidade formal da nacionalidade (todo mundo tem uma nacionalidade) versus a sua manifestação concreta (nacionalidade brasileira, argentina, americana etc.); c) o poder político dos nacionalismos versus a sua pobreza filosófica (não há um grande pensador que articule o conceito de nação). 4. A nação é uma comunidade política imaginada – imaginada como implicitamente limitada e soberana. 5. Para Anderson, a nação é uma comunidade imaginada porque até os membros da menor nação nunca conhecerão, nunca encontrarão e nunca ouvirão falar da maioria dos outros membros dessa mesma nação, mas, ainda assim, na mente de cada um existe a imagem da sua comunhão. 6. A nação é imaginada como limitada porque tem fronteiras finitas, para além das quais se encontram outras nações. Nenhuma delas imagina ter a mesma extensão da humanidade. Nem os nacionalistas mais sonhadores ou messiânicos sonham com o dia em que todos os membros da espécie humana se unirão à sua nação. 7. A nação é imaginada como soberana, livre da dependência de poderes dinásticos ou religiosos. Isso porque o conceito de nação surgiu na época em que o Iluminismo e a Revolução enfraqueciam a ideia de legitimidade do reino dinástico hierárquico da ordem divina. O conceito de nação floresce em uma época em que mesmo os adeptos mais fervorosos de qualquer religião se depararam com o pluralismo de religiões no mundo. Para Anderson, a única maneira de as novas nações serem livres é serem soberanas sobre um pedaço determinado de terra.

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Nação e Consciência Nacional, Benedict Anderson (algumas considerações)

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Nação e consciência nacional, Benedict Anderson – algumas considerações

1. Nação, nacionalidade e nacionalismo são conceitos difíceis de definir e de analisar.

2. Para Benedict Anderson, os estados nacionais são “novos” e “históricos” (surgem a partir do século XVIII), embora os nacionalistas apontem as raízes da nação em um passado de tempos imemoriais ou longínquos. É a magia do nacionalismo que transforma o acaso em destino.

3. Três paradoxos em relação aos conceitos de nação, nacionalidade e nacionalismo: a) a modernidade objetiva das nações aos olhos do historiador versus sua antiguidade subjetiva aos olhos dos nacionalistas;b) universalidade formal da nacionalidade (todo mundo tem uma nacionalidade) versus a sua manifestação concreta (nacionalidade brasileira, argentina, americana etc.);c) o poder político dos nacionalismos versus a sua pobreza filosófica (não há um grande pensador que articule o conceito de nação).

4. A nação é uma comunidade política imaginada – imaginada como implicitamente limitada e soberana.

5. Para Anderson, a nação é uma comunidade imaginada porque até os membros da menor nação nunca conhecerão, nunca encontrarão e nunca ouvirão falar da maioria dos outros membros dessa mesma nação, mas, ainda assim, na mente de cada um existe a imagem da sua comunhão.

6. A nação é imaginada como limitada porque tem fronteiras finitas, para além das quais se encontram outras nações. Nenhuma delas imagina ter a mesma extensão da humanidade. Nem os nacionalistas mais sonhadores ou messiânicos sonham com o dia em que todos os membros da espécie humana se unirão à sua nação.

7. A nação é imaginada como soberana, livre da dependência de poderes dinásticos ou religiosos. Isso porque o conceito de nação surgiu na época em que o Iluminismo e a Revolução enfraqueciam a ideia de legitimidade do reino dinástico hierárquico da ordem divina. O conceito de nação floresce em uma época em que mesmo os adeptos mais fervorosos de qualquer religião se depararam com o pluralismo de religiões no mundo. Para Anderson, a única maneira de as novas nações serem livres é serem soberanas sobre um pedaço determinado de terra.

8. A nação é imaginada como comunidade: a despeito da desigualdade e exploração entre os diversos grupos que a compõem, a nação é pensada como um companheirismo profundo e horizontal. É esse sentimento que faz (fazia, de acordo com Luc Ferry) com que milhares de pessoas não só matem como morram voluntariamente por suas nações.

9. Anderson se pergunta sobre o porquê de um produto cultural (a nação, uma comunidade imaginada) de pouco mais de dois séculos levar tantas pessoas a sacrificar a própria vida em nome da nação.

10. Origens culturais do nacionalismo: o túmulo do soldado desconhecido aponta para uma afinidade entre a imaginação nacionalista com a imaginação religiosa. Curiosamente, o século XVIII assinala o raiar do nacionalismo e crepúsculo das modalidades religiosas de pensamento.

11. Para Anderson, a despeito do papel na legitimação do sistema de dominação e exploração, o grande mérito da religião é a sua preocupação com o homem no universo, a sua oferta de

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alento, a sua justificação para o sofrimento. Além do mais, a religião cria vínculos entre os mortos e os vivos, e reforça noções de pertencimento.

12. Segundo Anderson, o nacionalismo deve ser compreendido pondo-o lado a lado com sistemas culturais amplos que o procederam: a comunidade religiosa e o reino dinástico.

13. Entretanto, o autor não sugere que o nacionalismo tenha substituído a religião, mas sim que pertencem a um sistema cultural similar, uma vez que ambos foram constituídos para serem incontestáveis.

14. As monarquias também tinham, em geral, a sua legitimidade baseada em um pressuposto religioso. Além do mais, as fronteiras dos estados monárquicos eram menos rígidas, o que talvez explique o fato de estes reinos conseguirem manter seu domínio sobre populações heterogêneas por tanto tempo. Anderson ressalta que as antigas monarquias se expandiam não só pela força, mas também por uma política “sexual” de casamentos entre dinastias.

15. Mas para Anderson é um erro pensar que as nações teriam simplesmente surgido a partir do enfraquecimento das comunidades religiosas e dos reinos dinásticos, ocupando os seus lugares, embora o declínio dos reinos dinásticos e da religião tenha contribuído para o surgimento da nação.

16. Anderson destaca a importância do florescimento do jornal no século XVIII e do romance para o surgimento da comunidade imaginada que é a nação.

17. Destaca também o desenvolvimento da “imprensa-como-mercadoria”: o impacto da Reforma deveu muito ao êxito do capitalismo editorial; anteriormente, Roma sempre teve linhas de comunicação mais eficazes que seus desafiantes. A Reforma tem grande impacto na formação de um público leitor e na propagação das línguas vernáculas.

18. Para Anderson, a interação entre o capitalismo (modo de produção), a imprensa (tecnologia) e as diversas línguas (impossibilidade de uma única língua mundial) foram importantes para a formação das novas comunidades imaginadas, as nações.

19. Segundo Anderson, a imprensa cria um público leitor, inclusive bilíngue, que se dá conta tanto de seus iguais (por exemplo, aqueles que leem em espanhol), como de seus diferentes (aqueles que leem em inglês, português, francês): essa noção de pertencimento e de diferenciação é um dos embriões da comunidade imaginada “nação”. Frise-se que no século XVII, anterior ao século em que se dá a formação/invenção de várias nações, as línguas da Europa haviam, de modo geral, assumido suas formas modernas.

20. No mesmo passo em que ressalta a importância da língua na formação de um Estado-nação, Anderson chama a atenção para o caso das antigas colônias ibéricas (Brasil, Argentina, Venezuela) e dos Estados Unidos que, apesar da língua em comum com suas antigas metrópoles, acabaram por fazer suas independências, criando suas próprias nações.