Na Pista Com Murakami_ Dance Dance Dance — Homoliteratus

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homoliteratus.com Na pista com Murakami: Dance dance dance by Vilto Reis • July 28, 2015 • 3 min read • original Dance dance dance é um livro tipicamente murakamiano. Apenas para elencar algumas características: 1) título estranho; 2) protagonista com ausência de sentido para a vida; 3) reflexões sobre o que é a realidade; 4) pessoas normais tendo que investigar alguma coisa; 5) encontros com pessoas muito esquisitas; 6) eventos que conseguem ser mais bizarros dos que as tais pessoas esquisitas. Enfim, dá para citar outras caraterísticas, mas vamos ficar com estas. Mesmo assim, é um livro que merece ser lido. A partir do título [item 1 da lista acima] pouco se pode presumir da obra. É preciso que se diga que nas obras de Murakami pouco se pode presumir, mesmo ao finalizar a obra [característica não listada]. Não são daqueles livros com finais fechados, como outro texto aqui do site já apontou. Mas voltando a Dance dance dance, o protagonista do livro é uma espécie de jornalista freelancer que, quatro anos após ser abandonado por uma amante em um pequeno hotel, passa a sonhar com ela, vivendo a sensação de que ela o chama de algum lugar, como se pedisse socorro. Ele tem sua vida que até então era

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Na pista com Murakami: Dancedance dance

by Vilto Reis • July 28, 2015 • 3 min read • original

Dance dance dance é um livro tipicamente murakamiano. Apenas para elencar algumascaracterísticas: 1) título estranho; 2) protagonista com ausência de sentido para a vida;3) reflexões sobre o que é a realidade; 4) pessoas normais tendo que investigar algumacoisa; 5) encontros com pessoas muito esquisitas; 6) eventos que conseguem ser maisbizarros dos que as tais pessoas esquisitas. Enfim, dá para citar outras caraterísticas,mas vamos ficar com estas.

Mesmo assim, é um livro que merece ser lido.

A partir do título [item 1 da lista acima] pouco se pode presumir da obra. É preciso quese diga que nas obras de Murakami pouco se pode presumir, mesmo ao finalizar a obra[característica não listada]. Não são daqueles livros com finais fechados, como outrotexto aqui do site já apontou. Mas voltando a Dance dance dance, o protagonista do livroé uma espécie de jornalista freelancer que, quatro anos após ser abandonado por umaamante em um pequeno hotel, passa a sonhar com ela, vivendo a sensação de que ela ochama de algum lugar, como se pedisse socorro. Ele tem sua vida que até então era

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letárgica [item 2] sacudida pelo desejo de encontrar esta mulher. Seu ponto de partida éo hotel onde a viu pela última vez, o Dolphin Hotel, que ele por carinho ou desdémchama de “Hotel do Golfinho”. Contudo, ao chegar ao local, é atingido pela irrealidadedo que vê [item 3]. Onde há quatro anos existia um pequeno hotel, encontra umempreendimento colossal, operando sob uma lógica capitalista concreta deatendimento de luxo versus alto valor de diárias. O que mais o surpreende, no entanto, éque o hotel tenha o mesmo nome do antigo. Após algumas investigações [item 4],percebe que não pertence ao dono anterior. Ali hospedado, trava relações com uma dasrecepcionistas, Yumiyoshi [item 5]. Passados alguns dias, a moça relata umaexperiência bizarra [item 6] que teve um tempo atrás, no décimo sexto andar. Oprotagonista repete a experiência em um dia qualquer e acaba se deparando com umvelho e assustador conhecido: o Homem-Carneiro.

Dance dance dance (Alfaguara, 2015)

Neste ponto, se você é um leitor de outras obras de Murakami, poderá se lembrar dolivro Caçando carneiros. De certa forma, Dance dance dance é uma continuação da obracitada. Mas como estamos falando deste escritor japonês, ao mesmo tempo, não é. Olivro tem outro tom, outra pegada, um enfoque diferente. O personagem pode ser omesmo, porém as situações são diferentes.

O enredo não é muito claro. Entretanto, a partir do encontro com o Homem-Carneiro, oprotagonista tem um vislumbre do que fazer. Parte do que o estranho fala a ele é otrecho abaixo:

“Enquanto a música estiver tocando, você deve continuar a dançar. Entende o quequero dizer? Dançar, continuar dançando. Não deve pensar no motivo e nem nosentido disso, pois eles praticamente não existem. Se ficar pensando nessas coisas, seupé ficará imóvel. Uma vez parado, já não será mais capaz de agir. Já não restaránenhuma conexão com você. Vai se acabar para sempre, entendeu? Daí, só lhe restaráviver unicamente neste mundo. Cada vez mais será sugado por ele. Por isso, não deveparar de mover os pés. Por mais que lhe pareça uma tolice, não deve ligar. Devecontinuar dançando, dando passos. Deve ir amolecendo, mesmo que aos poucos, tudo oque estava completamente rígido. Ainda deve haver algo que não esteja perdido. Usetudo o que puder usar. Dê o máximo de si. Não há o que temer.” (pg. 111).

Isso acontece antes que ele encontre dois dos personagens mais importantes para asequência da obra: Gotanda, um amigo de infância que se tornou um astro de cinemainfeliz; e e Yuki, uma menina que é esquecida pela mãe no Hotel do Golfinho, fotógrafamuito famosa, porém ausente em seus deveres maternais.

Embora haja uma série de eventos estranhos, penso que a parte mais “mágica” do livroseja a forma como estes personagens se conectam. Nisso talvez resida a chave para avivência de quem lê a obra. Exatamente, não para interpretá-la, pois procurar

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significados determinados pode ser limitador e frustrante. É preciso ter um espíritomais leve, solto, que possa apenas fluir, entregar-se aos passos da dança.

Ler Murakami é encarar situações pesadas, conflitos emocionais densos, mas aindaassim vez ou outra dar uma risada. Seus livros são a prova de que é possível escreveralgo metafórico e divertido. Entre inúmeras realidades, saber que não há como fugirmosde nós mesmos e, ainda assim, aprender a observar as coisas de outros ângulos.

Portanto, abra um sorriso e venha para a pista. Dance dance dance. Só isso.

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