NA BERLINDA, O PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO...
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NA BERLINDA, O PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO
SOBRE O INTERESSE PRIVADO: em busca de um novo fundamento para a auto-
executoriedade do ato administrativo
Renato de Abreu Barcelos1
Resumo: o presente artigo tem por escopo precípuo analisar a existência de um
princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado no universo
normativo pátrio. Para se cumprir a contento este intento, recorrer-se-á precipuamente
ao moderno instrumental doutrinário-teorético que distingue regras e princípios
jurídicos. Visa a, outrossim, refletir sobre a procedência do suposto princípio da
supremacia do interesse público sobre o interesse privado como fundamento da auto-
executoriedade do ato administrativo, conforme propalado pela doutrina
administrativista clássica brasileira. Enfim, será perseguido um novo fundamento para o
mencionado atributo do ato administrativo, em consonância com os postulados do
ordenamento jurídico e, em especial, a Constituição Federal.
Palavras-chave: interesse público; ato administrativo; auto-executoriedade;
juridicidade; ponderação.
1 Pós-graduando em Direito Público pela PUC Minas.
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1 PROÊMIO
É freqüente a assertiva segundo a qual a summa divisio do direito brasileiro
opera-se no binômio direito público e direito privado. Ao primeiro termo reserva-se o
papel de rotular o conjunto de enunciados normativos – princípios e regras –
reguladores das relações travadas entre Estado e indivíduo. Por seu turno, o direito
privado consistiria na reunião de enunciados normativos cuja finalidade principal é
regular as relações firmadas entre particulares. Destarte, é intrínseco ao direito público a
conservação e a promoção dos interesses que projetem o bem-estar de toda a sociedade,
a saber, os interesses públicos, ao passo que o direito privado paramenta-se como
protetor dos interesses concernentes aos próprios indivíduos, enquanto seres dotados de
liberdade, que são, justamente, os interesses privados.
Para que o Estado, no âmbito do direito público, consiga a contento a
maximização do bem-estar coletivo, é mister que tenha, à sua disposição, um arsenal de
prerrogativas, normas e institutos capazes de suplantar a muitas vezes resistente vontade
egoisticamente articulada, radicada no interesse privado e em tese contrária ao interesse
público. É precisamente o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse
privado que fundamenta o consignado conjunto de prerrogativas, normas e institutos,
dentre dos quais releva em importância a auto-executoriedade do ato administrativo. Tal
princípio assumiu, destarte, uma posição sacra no direito brasileiro.
Contudo, o princípio da supremacia do interesse público, hodiernamente,
vem sendo alvo de ataques por parte da moderna teoria administrativista, calcada
fundamentalmente na delimitação do que é, de fato, um princípio. Em tempos de
principialização do direito, resultado do chamado pós-positivismo jurídico, é
contraditório que um princípio tido como basilar no direito administrativo seja objeto de
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tão eloqüentes críticas, a ponto de ser solapado do mundo jurídico – se bem que a
palavra-chave aqui seria não destruição, mas desconstrução.
Isso posto, a presente composição científica objetiva analisar o princípio da
supremacia do interesse público sobre o interesse privado, buscando responder às
seguintes indagações: (i) existe, deveras, um princípio da supremacia do interesse
público sobre o interesse privado no ordenamento jurídico pátrio? (ii ) Tal princípio é
capaz de fundamentar a auto-executoriedade do ato administrativo? (iii ) É possível idear
outro fundamento para o registrado atributo do ato administrativo, que não seja o
princípio da supremacia do interesse público sobre o privado?
Com o fito de replicar às inquirições nucleares acima arroladas, este estudo
está do seguinte modo estruturado: de intróito, pincelar-se-á o quadro atual do direito
administrativo, fortemente marcado por uma crise de identidade atinente aos seus
institutos, prerrogativas e princípios curiais – dentro dos quais se inclui o princípio da
supremacia do interesse público sobre o interesse privado; em seguida, será delimitada,
de maneira precisa, para fins do presente estudo, a intelecção a ser dada ao princípio da
supremacia do interesse público e à auto-executoriedade do ato administrativo,
consoante a métrica fornecida pela doutrina clássica; empós, verificar-se-ão as
principais objeções formuladas pela moderna doutrina administrativista ao princípio da
supremacia do interesse público sobre o interesse privado; e, por fim, um novo
fundamento para a auto-executoriedade do ato administrativo será proposto.
Cumprir o roteiro acima traçado empenha grandes esforços. Afora os
obstáculos ínsitos a uma pesquisa científica, é preciso neutralizar as paixões políticas,
fugir da cegueira ideológica, enfim, abandonar, na medida do possível, toda a bagagem
histórico-axiológica que floresce com nossas idiossincrasias, o que não é, averbe-se, de
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fácil desincumbência. No entanto, é com grande entusiasmo – científico, e não
ideológico – que o assunto será analisado neste artigo.
2 UMA IDENTIDADE EM DECOMPOSIÇÃO: BREVES REFLEXÕES SOBRE
A ATUAL CRISE DO DIREITO ADMINISTRATIVO
2.1 Considerações gerais
O direito administrativo vive, atualmente, uma forte crise de identidade.
Essa corrosão dos caracteres intrínsecos ao direito administrativo é fenômeno por
demais complexo para ser nesta sede dissecado de maneira assaz pormenorizada.
Destarte, engendrar-se-á, nas linhas abaixo, um bosquejo sobre essa crise de identidade.
Paulo Otero (2007, p. 304-331) compendiou, de modo bastante eficiente, os
aspectos pontuais da crise de identidade do moderno direito administrativo. Para o
proponente português, a mencionada crise opera-se em três dimensões distintas, quais
sejam: (i) o fenômeno da privatização no âmbito administrativo; (ii ) a multiplicação
indiscriminada de autoridades administrativas independentes; e (iii ) a descaracterização
da função administrativa.
O fenômeno da privatização nos domínios do direito administrativo ocorre
de quatro modos diversos. Em primeiro lugar, verifica-se a privatização das formas
organizativas da Administração Pública, em que pessoas jurídicas administrativas com
personalidade jurídica de direito público engendram pessoas jurídicas administrativas
com personalidade jurídica de direito privado para atuarem em campos que demandem
maior desembaraço em relação às vinculações públicas, mormente naqueles
econômicos. É o que Vinícius Marins (2010, p. 87) rotula de privatização orgânica. O
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fator de crise reside em quatro pontos: (i) a atividade administrativa não é exclusiva de
pessoas jurídicas administrativas com personalidade jurídica de direito público; (ii ) por
conseguinte, a busca do interesse público não está confiada unicamente a pessoas
jurídicas de direito público; (iii ) isso provoca uma erosão qualitativa na noção de
personalidade jurídica de direito público; (iv) o que encontra reverbero inclusive no
direito administrativo, vez que este resta debilitado, dada a presença cada vez mais
marcante do direito privado nos seus domínios naturais. Nesse ínterim, essa privatização
dos sujeitos administrativos é consentâneo com a Constituição Federal pátria – v. art.
173. Ademais, como bem registrou José María Boquera Oliver (1963, p. 127), a
personalidade jurídica do Estado é una, ao passo que sua capacidade é dupla: uma
capacidade própria ao direito público e outra capacidade atinente ao direito privado.
Em segundo lugar, constata-se a privatização da gestão ou exploração de
tarefas administrativas: atividades administrativas, até então prosseguidas por pessoas
jurídicas administrativas de direito público são transferidas para pessoas jurídicas
privadas. Dá-se, nesse sentido, uma simbiose de esforços entre a entidade pública e a
entidade privada. Vinícius Marins (2010, p. 87) cognomina tal contexto de privatização
funcional. No Direito brasileiro, referida privatização é de existência facilmente
constatável: vide as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP’s).
Nesse diapasão, conforme explana o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado
(BRASIL, 1995, p. 46-48), ocorre uma publicização dessas entidades, vez que estas
desempenham serviços não exclusivos do Estado, operando-se, assim, uma mudança de
setor: as entidades sob comento deixariam de atuar no setor estatal para serem
deslocadas para o setor público não estatal. O fator de crise, aqui, opera-se na (im)
possibilidade de tais entidades terem a bênção constitucional para atuar nesses
contornos, além de sufocar o campo de atuação do direito administrativo.
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Em terceiro lugar, certifica-se o fenômeno da privatização do Direito
regulador da atividade administrativa. A imiscuição do direito privado na seara
administrativa ocorre outrossim no aspecto normativo, de modo que a Administração
recorre, vezes a basto, à métrica privada para nortear a atividade administrativa que lhe
fora outorgada pelo arcabouço normativo.
En primer lugar, la Administración utiliza el Derecho privado para la realización de uma serie de actividades que no van directamente orientadas a la consecución de los fines públicos que el ordenamiento específicamente le atribuye. Estas, a su vez, se desdoblan em dos clases de actividades. Por un lado, hay actuaciones que tienden a procurar los elementos materiales necesarios para el funcionamiento de la maquinaria administrativa: compra de libros para las Universidades, coche para la policía, gasolina para el Ejército, construcción de uma escuela, contratación de personal laboral, etc. [...]. Por outro, la Administración lleva a cabo una actuación económica de mercado, guiada por principios de esta naturaleza y movida por el ánimo de lucro [...] (PAZ, 1995, p. 208).
Não é sem razão, portanto, que Paulo Otero (2007, p. 311) fale, tendo-se por
perspectiva o horizonte acima apresentado, em direito administrativo privado. A crise
que esse direito administrativo privado proporciona é intensa, refletindo, inclusive, no
conceito de direito administrativo: afinal de contas, como conceituar direito
administrativo com a presença tão esdrúxula do direito privado? Por certo haverá
conceituações latas e estritas.
Enfim, em quarto lugar observa-se a privatização das relações laborais
intra-administrativas, correspondente à maximização da tônica trabalhista no âmago
das normas administrativas relativas ao pessoal da Administração Pública. Em outras
palavras: “[trata-se da] substituição das formas típicas da relação jurídica de emprego
público por vinculações contratuais regidas pelo Direito do Trabalho [...]” (OTERO,
2007, p. 313). A crise aqui é sublinhada pela circunstância de que se tornam mais
porosas as fronteiras entre direito administrativo e direito do trabalho, ensejando,
destarte, um enfraquecimento da noção de direito administrativo.
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Outra dimensão de crise no moderno direito administrativo refere-se à
proliferação de autoridades administrativas independentes. Autoridades administrativas
independentes, conforme se depreende do léxico de Paulo Otero (2007, p. 318),
correspondem àquelas entidades dotadas de maior autonomia operacional por
trafegarem em campos que reclamam maior imparcialidade e tecnicidade, de modo a
imunizá-las dos efeitos perniciosos do espaço democrático eletivo, a saber, o espaço
político. Investigando o direito brasileiro, perfaz-se que a figura descrita acima se ajusta
perfeitamente à idéia de agências reguladoras, como, por exemplo, a Agência Nacional
de Aviação Civil (ANAC).
Sucede, porém, que ao justificar-se a criação destas autoridades administrativas independentes nas ideias de reforço da neutralidade, da imparcialidade e da objetividade decisórias da Administração Pública em certas matérias se lança uma correlativa suspeição de sinal contrário sobre toda a restante Administração, comprovando-se, por esta via, que a impregnação política das diversas estruturas administrativas, expressando a já mencionada politização ou colonização dos partidos políticos [...] resultante do actual “Estado do partido governamental” [...], é já hoje uma realidade expressamente assumida pela ordem jurídica: o surgimento das autoridades administrativas independentes é a resposta à progressiva perda de neutralidade, imparcialidade e objectividade que uma Administração dominada por maiorias político-partidárias oferecem aos particulares, procurando-se salvar algumas áreas particularmente sensíveis dessa politização descontrolada (OTERO, 2007, p. 319-320).
Uma ressalva, contudo, não pode ser olvidada: a existência de tais entidades
é um manifesto inequívoco de falência do sistema político representativo, e denota um
golpe na teoria democrática, na medida em que tais entidades reforçam uma suposta
superioridade técnico-burocrática em relação aos agentes políticos, o que é um exagero.
De derradeiro, resta a questão da descaracterização da função
administrativa. Este fenômeno, de acordo com o escólio de Paulo Otero (2007, p. 323-
331), materializa-se em duas frentes ligadas entre si umbilicalmente – ou, recorrendo-se
a uma metáfora pobre, são dois lados de uma mesma moeda: (i) a acentuada nota de
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terceiridade assumida por certas funções administrativas; (ii ) e a progressiva
intromissão da função jurisdicional em matérias eminentemente administrativas.
Como cediço, a função administrativa tem por apanágio, na resolução de
conflitos surgidos no seio administrativo, a parcialidade da Administração: esta,
estranhamente, julgaria em causa própria. O remédio para esta distorção concentra-se na
ausência de coisa julgada relativamente à decisão proferida na banda administrativa.
Entrementes, hoje se constata que a função administrativa, precipuamente no que se
referem às já explanadas autoridades administrativas independentes, vem absorvendo
traços próprios à função jurisdicional: a Administração Pública, na função
administrativa que lhe incumbe, passa a assumir a posição de terceiro em relação às
contendas nascidas entre particulares na seara administrativa, paramentando-se,
destarte, como juiz.
Adoptando uma posição de terceiridade nas respectivas decisões, a Administração Pública aparece como um árbitro ou um simples garante das regras do jogo, tudo se passando como se ela não fosse parte nesse mesmo jogo, mostrando-se acima do conflito de interesses que lhe compete dirimir e, neste preciso sentido, a função administrativa acaba por comungar de uma das características tradicionais da função jurisdicional: o seu carácter de terceiridade (OTERO, 2007, p. 325).
Corrobora as asserções acima engendradas, no direito brasileiro, a disciplina
normativa conferida ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).
Ademais, a função administrativa encontra-se em processo de
descaracterização em razão da progressiva intromissão do Judiciário em competências
em tese reservadas à Administração Pública. Cede-se a palavra a Paulo Otero (2007, p.
329-331):
Ou seja: a jurisdicionalização da função administrativa traduz-se na transferência para a esfera do poder judicial de tarefas ou decisões tipicamente integrantes da função administrativa, procedendo-se através
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desta “fuga para o terceiro poder” [...] a uma amputação da área material de incidência do Direito Administrativo, isto por efeito, segundo um diferente ângulo de análise, de um “enriquecimento sem causa” do poder judicial gerado por um “empobrecimento” da função administrativa.
Trata-se, como facilmente se pode inferir, do complexo e controverso
fenômeno do protagonismo judiciário, ou, em seu batismo mais consagrado, do
ativismo judiciário. Essa posição de proeminência do Judiciário no sistema político
menoscabaria uma das pedras angulares de um Estado que se alcunha de “de Direito”: a
cláusula de divisão harmônica das tarefas estatais – a afamada separação dos poderes. O
tema é por demais complexo, escapando, portanto, das observações aqui expendidas.
Todavia, não se pode ficar inerte ante à provocação feita pelo Catedrático de Direito
Constitucional II da Faculdade de Direito de Lisboa: quiçá fosse mais apropriado
repensar sobre um suposto enriquecimento sem causa por parte do Judiciário: essa
hipertrofia do Judiciário pode ser vista como uma reação natural a uma hipertrofia do
Executivo sobre um Legislativo submisso e imerso nos oceanos da corrupção,
Executivo esse historicamente comprometido em negar os direitos mais prementes de
um povo já castigado pela desigualdade social. Ou seja: talvez o antagonismo das
hipertrofias acima colocadas seja necessário para que se mantenha um equilíbrio
político-jurídico, obstaculizando, destarte, o nascimento de um Estado totalitário
democraticamente institucionalizado. Ronald Dworkin (2007, p. 205-234) já evidenciou
que é melhor ter juízes construtivistas (afetos a uma postura mais assertiva) do que
tolerar a existência de juízes construcionistas estritos (associados a uma concepção mais
moderada sobre o papel dos magistrados).
Outro ponto é fidedigno de destaque. Diagnostica-se outro fenômeno que
poderá contribuir, de maneira decisiva, para uma crise de identidade do nosso direito
administrativo. Sabe-se que o direito administrativo brasileiro, tal como concebido na
Carta Constitucional de 1988, perfilhou a tese de que o aparelho administrativo e toda a
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função que lhe é reservada devem prestar obséquios ao princípio da legalidade – essa
posição sobranceira da legalidade pode, inclusive, ser demonstrada pelo fato de que o
referido princípio é o primeiro a ser arrolado no art. 37, caput, da Constituição Federal.
É compreensível: o Estado brasileiro sob égide da Constituição atual quedou-se
traumático em relação à ditadura militar encetada na década de 60, uma vez que o
governo castrense valeu-se de meios jurídicos heterodoxos para governar, a saber, os
atos institucionais. Assim, não se pode censurar o constituinte originário pelo apego à
legalidade, dado que o pretérito visualizado pelo retrovisor da história indicava a
necessidade de vinculações jurídicas formais emanadas do Legislativo como forma de
impedir o arbítrio. Não podemos ser historicidas.
Todavia, a legalidade no direito brasileiro encontra-se em risco em razão do
chamado fetichismo da eficiência, decorrente indubitavelmente da reforma do aparelho
do Estado empreendida na década de 90 pelo governo social-democrata (imbuído dos
valores da Terceira Via) de Fernando Henrique Cardoso. Tal assertiva resulta
inequívoca ao se compulsar os documentos relativos à consignada reforma, mormente o
Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado e a atual Proposta de Organização da
Administração Pública e das Relações com Entes de Colaboração, fecundada no
governo Lula. Basta registrar que a palavra eficiência e seu antônimo ineficiência
aparecem cerca de 47 vezes no texto do Plano Diretor, ao passo que a menção à palavra
legalidade fica reservada, no máximo, aos dedos das mãos. A eficiência também é o
referencial na Proposta de Organização da Administração Pública e das Relações com
Entes de Colaboração, elaborada por uma Comissão de Juristas, como se vê do trecho
abaixo:
O trabalho dos juristas atende à constatação das autoridades do governo de que há um esgotamento no modelo atual da administração pública que tem gerado dificuldades para a ação estatal ágil e com qualidade [ou seja, ação
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estatal eficiente] no atendimento às demandas sociais e do mercado (BRASIL, 2009, p. 5).
Não se faz aqui críticas à eficiência: muito ao revés, afirma-se a
necessidade de que o aparelho do Estado funcione eficientemente de modo a atender
quantitativa e qualitativamente às expectativas sociais; contudo, esse fetichismo da
eficiência não pode, jamais, suplantar a legalidade. O perigo desse fetichismo reside, a
meu ver, na substituição pretendida pelos gerencialistas no sentido de alternar o controle
procedimental pelo controle de resultados, o controle a priori pelo controle a posteriori.
Colhe-se do mencionado Plano Diretor:
O modelo burocrático tradicional, que a Constituição de 1988 e todo o sistema do Direito Administrativo brasileiro privilegiam, está baseado no formalismo, no excesso de normas e na rigidez de procedimentos. A pretexto de garantir a impessoalidade, dificulta-se a transparência administrativa, inibindo-se deste modo o controle social. A excessiva regulamentação é expressão da ênfase nas normas e processos, e ocorre em detrimento dos resultados (BRASIL, 1995, p. 26).
[É necessário, então] substituir a administração pública burocrática, rígida, voltada para o controle a priori dos processos, pela administração pública gerencial, baseada no controle a posteriori dos resultados e na competição administrada (BRASIL, 1995, p. 46).
O Estado Democrático de Direito sustenta-se, justamente, no citado controle
procedimental, curial à legalidade, tanto na teoria dos sistemas luhmanniana quanto na
teoria do discurso habermasiana. Explica Marcelo Neves (2008, p. 143):
[...] Pode-se afirmar que, na perspectiva sistêmica, dá-se ênfase à não-sobreposição dos códigos de preferência do poder e da economia ao código de preferência do direito (lícito/ilícito), sustentando-se que este é o segundo código do sistema político e que a “Constituição enquanto aquisição evolutiva” atua como mecanismo de autonomia operacional do direito. [...] Em Habermas, a autonomia do direito, inerente ao Estado do Direito, embora também possa ser vista como uma autonomia em relação aos meios [Medien] “poder” e “dinheiro”, resulta da presença de procedimentos políticos com fundamentação racional discursiva.
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Transferindo-se todo esse arcabouço teórico para o controle na esfera
administrativa, tem-se o seguinte: (i) pela teoria dos sistemas, a ausência do controle
procedimental, em abono a um controle de resultados, proporcionaria a abertura do
sistema jurídico a outros códigos binários que não aquele pertinente ao sistema
(lícito/ilícito), como, por exemplo, ter dinheiro/não ter dinheiro, amigo/inimigo, etc.,
tornando o direito sujeito, portanto, a interferências externas, deletérias para o Estado
Democrático de Direito, vez que o direito, até então autopoiético com o controle
procedimental passaria a ter um matiz alopoiético com o controle de resultados; (ii ) na
teoria do discurso, por seu turno, a conseqüência é também um tanto quanto similar à
descrita acima: o controle de resultados, em detrimento ao controle procedimental,
oportunizaria a chamada colonização do mundo do direito pela economia e outros
sistemas.
Em síntese: o controle de resultados ensejaria um “vale-tudo” em nome da
eficiência, o que, por conseguinte, violaria o princípio da legalidade e também da
moralidade. Ademais, em razão da não-explicitação de suas premissas metodológicas, o
controle de resultados é excessivamente vago, o que permitiria injunções externas à
atividade administrativa que não se coadunam com um Estado Democrático de Direito.
O que se propõe, portanto, no presente espaço, é uma aclimatação: a
eficiência dentro da legalidade; a eficiência em consonância com um controle
procedimental lastreado na legalidade: o juízo do legislador, ator legítimo do palco
democrático majoritário, não pode ser combalido pelo juízo de um administrador
carecedor de legitimidade político-democrática.
Pelo exposto, conclui-se, com Sabino Cassesse (2011, p. 13), que o direito
administrativo é atualmente reflexo de quatro tensões não resolvidas, que se dão entre
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(i) política e administração; (ii ) público e privado; (iii ) o estatal e o universal; e (iv) o
nacional e o transnacional.
2.2 Considerações finais
Vive-se hoje sob o pálio da crise: é o que Stuart Hall (1997, p. 9)
denominou de fragmentação das paisagens culturais. E isso encontra reverbero num
produto cultural por excelência como é caso do direito. Todas as contemplações
despejadas acima têm por escopo contextualizar a pesquisa que aqui será realizada.
Nessa medida, o bombardeio a que o princípio da supremacia do interesse público sobre
o interesse privado estará exposto abaixo não se afigura como um caso isolado; pelo
oposto, trata-se de um aspecto fragmentário de uma crise maior, bosquejada
simploriamente nas linhas acima. Afinal de contas, a cognição da parte permeia
inexoravelmente também pela cognição do todo.
3 PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBR E O
INTERESSE PRIVADO E AUTO-EXECUTORIEDADE DO ATO
ADMINISTRATIVO: CORRELAÇÃO
3.1 O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado na
doutrina clássica
Com o fito de adequadamente enfrentar o repto proposto neste estudo,
desvela-se necessário delimitar o conteúdo do princípio da supremacia do interesse
público de acordo com as concepções albergadas pela doutrina clássica.
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Cognomina-se princípio da supremacia do interesse público sobre o
interesse privado o princípio que fundamenta todos os poderes, prerrogativas, e
institutos que o direito administrativo tem à disposição para alcançar o interesse
público. Sem maiores sofisticações, isso seria o decantado princípio.
O fundamento do princípio da supremacia do interesse público residiria no
próprio interesse geral da sociedade e na soberania popular (FROTA, 2005, p. 45).
Quando predomina o interesse público, prevalece a soberania popular. A busca do agente público pelo bem-estar geral da sociedade exalta a ânsia do povo pelo aprimoramento do ambiente em que vive, de seus pares, de si próprio e das instituições estatais (FROTA, 2005, p. 53).
São célebres as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello no que tange
ao princípio da supremacia do interesse público (1997, p. 29):
Trata-se de verdadeiro axioma reconhecível no moderno Direito Público. Proclama a superioridade do interesse da coletividade, firmando a prevalência dele sobre o do interesse particular, como condição, até mesmo, da sobrevivência e asseguramento deste último.
Em outra passagem, acrescenta o professor da PUC-SP: “dele resulta, em
prol da Administração, posição juridicamente correspondente à preponderância do
interesse entregue à sua cura” (MELLO, 1997, p. 54).
Discípula inequívoca de Celso Antônio, preleciona Maria Sylvia Zanella Di
Pietro (2007, p. 60):
[...] depois de superados o primado do Direito Civil (que durou muitos séculos) e o individualismo, que tomou conta dos vários setores da ciência, inclusive a do Direito, substitui-se a idéia do homem como fim único do direito (própria do individualismo) pelo princípio que hoje serve de fundamento para todo o direito público e que vincula a Administração em todas as suas decisões: o de que os interesses públicos têm supremacia sobre os individuais.
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Corroborando as manifestações acima colacionadas, o escólio de Alice
Gonzalez Borges (2007, p. 4):
Ora, todo o direito administrativo é construído sobre dois pilares básicos: a supremacia do interesse público sobre o interesse privado, e a indisponibilidade do interesse público. Sobre esses dois pilares é que se estruturam, de um lado, as chamadas prerrogativas de potestade pública e, de outro, as sujeições de potestade pública, que corporificam o conteúdo da atividade administrativa.
Odete Medauar (2009, p. 133), já em harmonia com a doutrina mais
hodierna, consagra a expressão “princípio da preponderância do interesse público sobre
o interesse particular”, de modo a conceder uma preponderância prima facie dos
interesses públicos sobre os interesses privados, afastando-se, portanto, das rígidas
posições – atinentes a uma absoluta supremacia – outrora vistas.
O objeto desse rápido item foi, destarte, coligir as lições oriundas da
doutrina clássica sobre o princípio ora em comento, para que se possa devidamente
compreender o objeto de estudo deste opúsculo.
3.2 A auto-executoriedade do ato administrativo
O ato administrativo é o modo pelo qual o Estado exterioriza uma vontade;
essa vontade, para que produza efeitos jurídicos, necessita estar em harmonia com as
disposições legais, de maneira que possa ser avaliada pelo Judiciário. Confira-se, a
propósito, o conceito de ato administrativo proposto por Celso Antônio Bandeira de
Mello (1997, p. 271):
[...] declaração do Estado (ou de quem lhe faça às vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas
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complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional.
O ato administrativo, enquanto calcado no conceito de ato jurídico – o que é
perceptível às escâncaras pelo que se viu acima – extrema-se deste na medida em que
lhe são conferidos certos atributos, imperceptíveis no ato jurídico de colorido civil,
dentro dos quais se avulta em importância, para o presente artigo, a auto-
executoriedade.
Encontram-se bastante sedimentados os contornos do atributo auto-
executoriedade no direito brasileiro. Nesse diapasão, a auto-executoriedade é o atributo
pelo qual o ato administrativo pode ser executado sem que se afigure necessária uma
permissão prévia oriunda do Judiciário.
Realmente, não poderia a Administração bem desempenhar sua missão de autodefesa dos interesses sociais se, a todo o momento, encontrando natural resistência do particular, tivesse que recorrer ao Judiciário para remover a oposição individual à atuação pública (MEIRELLES, 1995, p. 144).
É comum a doutrina bifurcar a auto-executoriedade do ato administrativo
em dois elementos distintos: a executoriedade, traduzida na utilização, pela
Administração, de meios coercitivos diretos sobre o particular; e a exigibilidade, que
denota o uso de meios coercitivos indiretos pela Administração com o intento de
compelir o particular a agir – ou não agir – deste ou daquele modo, em harmonia com o
interesse público cristalizado no seio social.
Finalizando este item, deve-se fazer referência aos casos em que a auto-
executoriedade pode manifestar-se mais claramente.
[...] a [auto-] executoriedade existe nas seguintes hipóteses: a) quando a lei prevê expressamente, que é o caso óbvio; b) quando a [auto-] executoriedade é condição indispensável à eficaz garantia do interesse público confiado pela lei à Administração; isto é, nas
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situações em que, se não for utilizada, haverá grave comprometimento do interesse que incumbe à Administração assegurar. Isto ocorre nos casos em que a medida é urgente e não há via jurídica de igual eficácia à disposição da Administração para atingir o fim tutelado pelo Direito, sendo impossível, pena de frustração dele, aguardar a tramitação de uma medida judicial. Nestes casos entende-se que a autorização para a executoriedade está implícita no sistema legal, pois é em decorrência dele que a Administração deve garantir a proteção ao bem jurídico posto em risco (MELLO, 1997, p. 300).
Perfazendo – e realizando uma associação totalmente negligenciada pela
doutrina: a auto-executoriedade tem licença para emergir da atuação administrativa nos
seguintes contextos: (i) quando a lei previr: a hipótese refere-se tanto à executoriedade
quanto à exigibilidade; (ii ) em situações inopinadas e urgentes: a hipótese refere-se
somente à executoriedade. Essa distinção será de grande valia para os propósitos
firmados neste estudo, consoante melhor explicado em linhas abaixo.
3.3 Correlacionando o princípio da supremacia do interesse público e auto-
executoriedade do ato administrativo
Todo o panorama que foi esboçado nas linhas pretéritas convida a uma
ilação necessária, do qual não se pode desprezar: a auto-executoriedade do ato
administrativo, enquanto atributo que permite à Administração Pública executar suas
próprias decisões independentemente de pronunciamento judicial, decorre
indubitavelmente do princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse
privado, em consonância com o esqueleto deste princípio pincelado anteriormente.
A conclusão colhida acima é registrada sem delongas por Celso Antônio
Bandeira de Mello (1997, p. 54-55):
Dele [do princípio da supremacia do interesse público] resulta, em prol da Administração, posição juridicamente correspondente à preponderância do interesse entregue à sua cura. Daí a possibilidade que tem, nos termos da lei,
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de constituir terceiros em obrigações mediante atos unilaterais. [...] Bastas vezes ensejam, ainda, que a própria Administração possa, por si mesma, executar a pretensão traduzida no ato, sem necessidade de recorrer previamente às vias judiciais para obtê-la. É a chamada auto-executoriedade dos atos administrativos.
Logo, em face da posição de privilégio ocupada pelos interesses públicos no
ordenamento jurídico nacional é que se tolera, em detrimento do princípio da
universalidade de jurisdição consagrado no art. 5°, XXXV, da Constituição Federal, a
possibilidade de a Administração Pública executar suas decisões estampadas em atos
administrativos sem necessidade de interpelar o Judiciário.
Contudo, toda a teoria atinente ao princípio da supremacia do interesse
público sobre o interesse privado vem sendo objetada por uma plêiade de jovens juristas
que recusam, veementemente, a existência científica de dito princípio. É o que será
analisado no passo que se descortina à frente.
4 DESMISTIFICANDO UM PRINCÍPIO: PLEXO DE ARGUMENTOS
CONTRÁRIO À EXISTÊNCIA DE UM PRINCÍPIO DA SUPREMACI A DO
INTERESSE PÚBLICO SOBRE O INTERESSE PRIVADO
O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado
constituía-se numa manifestação atávica nos manuais de direito brasileiros: reforçava-se
sua existência, sem, contudo, apresentar um arsenal científico capaz de demonstrá-lo
inequivocamente. Todavia, atualmente, tal princípio vem sendo alvo de críticas acerbas,
todas dotadas da impostergável cientificidade. Destarte, o presente espaço visa a
explicitar as razões para se afirmar o óbito do referido princípio no direito pátrio, o que
levaria à orfandade de fundamento o atributo da auto-executoriedade do ato
administrativo.
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4.1 Negação da supremacia do interesse público como norma-princípio
Toda a teoria do direito, nas décadas passadas, empreendeu uma jornada
com o intento de distinguir, claramente, regras e princípios. As maiores contribuições
advieram dos trabalhos seminais de Robert Alexy e Ronald Dworkin, este se
apresentando como o pioneiro na elaboração das diferenças entre regras e princípios.
Assim:
A diferença entre princípios jurídicos e regras jurídicas é de natureza lógica. Os dois conjuntos de padrões apontam para decisões particulares acerca da obrigação jurídica em circunstâncias específicas, mas distinguem-se quanto à natureza da orientação que oferecem. As regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão. [...] Mas não é assim que funciona com os princípios [...]. Os princípios possuem uma dimensão que as regras não têm – a dimensão do peso ou importância. Quando os princípios se intercruzam [...] aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um. Esta não pode ser, por certo, uma mensuração exata e o julgamento que determina que um princípio ou uma política particular é mais importante que outra frequentemente será objeto de controvérsia. Não obstante, essa dimensão é uma parte integrante do conceito de um princípio, de modo que faz sentido perguntar que peso ele tem ou quão importante ele é (DWORKIN, 2007 p. 39-43).
Em Robert Alexy colhe-se a seguinte explanação, no que tange à distinção
entre regras e princípios:
O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes. Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível (ALEXY, 2008, p. 90-91).
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As longas transcrições acima são necessárias na medida em que desnudam a
supremacia do interesse público enquanto princípio: ora, se um princípio tem dimensão
de peso ou importância, num eventual conflito – como é caso de um conflito entre
interesse público e interesse privado –, deve-se, na sintaxe de Dworkin, “levar em conta
a força de cada um”. Contudo, o princípio da supremacia do interesse público, tal como
delineado em páginas passadas, não leva em conta a força do interesse privado, mas tão-
somente do interesse público. Isso importa em dizer que a supremacia do interesse
público adota o padrão tudo-ou-nada – tudo para o interesse público e nada para o
interesse privado. Daí, então, emerge um paradoxo incrível: o princípio da supremacia
do interesse público sobre o interesse privado não é, em realidade, um princípio, mas
sim... uma regra! Mas as regras, para serem válidas, dependem de positivação e, se se
passar uma luneta no arcabouço de enunciados normativos do direito pátrio não se
constatará nenhuma regra positiva celebrando o princípio da supremacia do interesse
público sobre o interesse privado
A ilação registrada logo atrás também emerge com facilidade na concepção
de Alexy: o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, conforme o
colorido empregado pela doutrina clássica, somente poderia ser uma regra, por se tratar
inequivocamente de uma determinação, não se paramentando, portanto, como um
princípio. Caso se apresentasse como princípio, necessária seria uma otimização entre
interesses públicos e interesses privados, o que não se verifica, dada a constante
supremacia conferida aos interesses públicos.
Humberto Ávila compactua da conclusão aqui esposada, não obstante o
autor gaúcho partir de premissas um pouco distintas quanto à diferenciação entre regras
e princípios jurídicos. Vejamos:
21
Do modo como a teoria geral do Direito analisa os princípios prima facie, cujo significado resulta de uma recíproca implicação entre os princípios, não há dúvida de que ele [o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado] não é uma norma princípio: sua descrição abstrata não permite uma concretização em princípio gradual, pois a prevalência é a única possibilidade (ou grau) normal de sua aplicação, e todas as outras possibilidades de concretização somente consistiriam em exceções e, não, graus; sua descrição abstrata permite apenas uma medida de concretização, a referida “prevalência”, em princípio independente das possibilidades fáticas e normativas; sua abstrata explicação exclui, em princípio, a sua aptidão e necessidade de ponderação, pois o interesse público deve ter maior peso relativamente ao interesse particular, sem que diferentes opções de solução e uma máxima realização das normas em conflito (e dos interesses que elas resguardam) sejam ponderadas; uma tensão entre os princípios não se apresenta de modo principial, pois a solução de qualquer colisão se dá mediante regras de prevalência, estabelecidas a priori e não ex post, em favor do interesse público, que possui abstrata prioridade e é principialmente independente dos interesses privados correlacionados (p. ex. liberdade, propriedade) (ÁVILA, 2010, p. 186-187).
Toda a simplificação teórica empreendida acima por si só teria o condão de
objetar a existência de um princípio da supremacia do interesse público sobre o
interesse privado, dada a força científica do quadro teórico esboçado. Todavia, faz-se
necessário coligir outros argumentos, que serão expostos nos itens dispostos abaixo.
4.2 O princípio hermenêutico da unidade da Constituição
Também o princípio da unidade da Constituição, consistente em técnica
hermenêutica, tem relevância para contestar a empáfia ostentada pelos interesses
públicos no sistema jurídico nacional.
O princípio da unidade da Constituição estabelece, em linhas gerais, uma
equiparação dos interesses, bens e direitos por ela albergados. Por conseguinte, digna de
censura será a conduta do intérprete que menoscabar essa equiparação, de modo a, nas
hipóteses de tensões, concluir a-juridicamente pela prevalência de um dos bens em
conflito. Por uma decisão a-jurídica entende-se aquela tomada levando em conta
exclusivamente as idiossincrasias, as concepções político-ideológicas do hermeneuta.
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De fato, a Constituição é um documento dialético, fruto do debate e da composição política. Como conseqüência, abriga no seu corpo valores e interesses contrapostos. A livre iniciativa é um princípio que entra em rota de colisão, por exemplo, com a proteção do consumidor ou com restrições ao capital estrangeiro. Desenvolvimento pode confrontar-se com proteção do meio ambiente. Direitos fundamentais interferem entre si, por vezes em casos extremos, como ocorre no choque entre liberdade religiosa e direito à vida ou na hipótese de recusa de certos tratamentos médicos, como transfusões de sangue, sustentada pelos fiéis de determinadas confissões. Nesses casos, como intuitivo, a solução das colisões entre normas não pode beneficiar-se, de maneira significativa, dos critérios tradicionais (BARROSO, 2009, p. 302).
Nos casos de tensões, deve o intérprete valer-se de um processo ponderativo
metodologicamente controlado que busque, na medida do possível, a concordância
prática dos bens, interesses e direitos em conflito, evitando, destarte, a sucumbência
total de um em detrimento do outro.
De tudo o que foi explanado supra pode-se pinçar uma conclusão
evidentemente perceptível: não existe espaço para um princípio da supremacia do
interesse público sobre o interesse privado no universo jurídico pátrio, por ser contrário
ao princípio da unidade da Constituição. Os bens, interesses e direitos inseridos no
mundo jurídico são dignos de igual consideração, devem ser tratados em unidade,
resultando disso a repulsa a uma concepção de supremacia absoluta de um interesse
sobre outro.
Logo, diante disso, a função de unificação política se remete à idéia de unidade de valores, de princípios, de interesses. E unidade, aqui, possui claramente o sentido de pluralidade, de coexistência na diferença. De interesses diversos, como o público e o privado, ora em harmonia, sim, mas ora em conflito. E nesta última situação, por certo, o sentido democrático da Constituição não deve optar previamente pela prevalência de um ou de outro (SCHIER, 2010, p. 233).
Assim, mais uma vez, vê-se que um princípio da supremacia do interesse
público sobre o interesse privado não merece um abono de existência em razão da
unidade de interesses verificável na Constituição e no ordenamento jurídico.
23
4.3 Imbricação interesses públicos e interesses privados
Configura-se inquestionável desonestidade intelectual contrapor, de maneira
irascível, absoluta e perene, os interesses públicos e os interesses privados. Trata-se de
uma falácia embriagada de concepções ideológicas, que não pode mais ser propalada,
porquanto causadora de avarias na difícil construção de uma sociedade harmônica,
matizada pela já inerente pluralidade, complexidade, heterogeneidade. Entre interesses
públicos e interesses privados não existe – em todos os casos – verdadeira oposição,
mas sim uma imbricação.
Essa consignada imbricação opera-se no seguinte sentido: a realização dos
interesses públicos importa em realização dos interesses privados e a realização dos
interesses privados importa na realização dos interesses públicos.
Quiçá uma exemplificação possa iluminar o ponto. É uma mera
prestidigitação supor que o direito à propriedade – interesse privado – esteja em colisão
com a função social da propriedade – interesse público. (i) a manutenção da propriedade
apenas perpassa pelo cumprimento de sua função social – o interesse privado consagra o
interesse público; (ii ) a função social da propriedade não teria razão de ser se inexistente
o prévio direito à propriedade – o interesse público consagra o interesse privado.
Tal intelecção possui boa receptividade entre os proponentes modernos.
Confira-se:
Em vez de uma relação de contradição entre os interesses privado e público há, em verdade, uma “conexão estrutural” (“ein struktureller Zusammenhang”). Se eles - o interesse público e o interesse privado – são conceitualmente inseparáveis, a prevalência de um sobre outro fica prejudicada, bem como a contradição entre ambos (ÁVILA, 2010, p. 193).
Portanto, o quadro que se delineia diante dos olhos é muito mais o de convergência entre interesses públicos e particulares do que o de colisão. Tal situação, repita-se, não constitui a exceção, mas a regra. Na imensa
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maioria dos casos, a coletividade se beneficia com a efetiva proteção dos interesses dos seus membros. Até porque, o interesse público, na verdade, é composto pelo interesses particulares dos componentes da sociedade, razão pela qual se torna em regra impossível dissociar interesses públicos dos privados (SARMENTO, 2010, p. 83-84, grifo nosso).
Nesse contexto, os valores encampados constitucionalmente, tidos como paradigma da ordem jurídica, representam interesses públicos, ou seja, diretrizes efetivamente vinculantes para a máquina estatal. Ato contínuo, partindo da premissa de que interesses privados e coletivos coexistem como objeto de tutela constitucional, conclui-se que a expressão interesse público consiste em uma referência de natureza genérica, a qual abarca a ambos, interesses privados e coletivos, enquanto juridicamente qualificados como metas ou diretrizes da Administração Pública. Conseguintemente, o interesse público, num caso específico, pode residir na implementação de um interesse coletivo, mas também na de um interesse eminentemente individual (BINENBOJM, 2005, p. 68).
Também pela compreensão da Constituição como sistema, então, interesses (ou direitos) públicos e privados equiparam-se. Os interesses públicos não são superiores aos privados. Os privados não são superiores aos públicos. Ambos são reconhecidos na Constituição em condição de igualdade. Ambos encontram-se no mesmo patamar de hierarquia (SCHIER, 2010, p. 235).
Norteando-se pelas lições acima colacionadas, pode-se inferir
tranquilamente que se afigura despropositado elevar os interesses públicos a uma
condição de superioridade no ordenamento jurídico em relação ao interesses privados,
vez que estes, outrossim, merecem amparo constitucional. Interessante é averbar que a
explanação até aqui erigida apela inexoravelmente para idéia de unidade bosquejada em
passo pretérito: se os interesses públicos e privados devem sem considerados em
conjunto – ou, em outras palavras, como uma unidade dentro de um sistema – resta
prejudicada uma posição de superioridade de um sobre o outro.
Em conclusão: por estarem os interesses públicos e privados umbilicalmente
interligados, torna-se impróprio estabelecer uma superioridade – normativa ou
axiológica – em prol de qualquer interesse, seja ele paramentado como público, seja ele
qualificado como privado.
4.4 Análise sistemática da Constituição Federal. Argumento não-institucional
25
Muitos dos acólitos da construção teórica do princípio da supremacia do
interesse público sobre o interesse privado extraem suas precipitadas conclusões da
Constituição Federal: a revista aos dispositivos constitucionais permitiria uma ilação no
sentido de que os interesses públicos foram os festejados pelo constituinte originário,
ocupando os interesses privados posição de somenos envergadura, tornando evidente a
supremacia dos primeiros sobre os segundos. Essa posição de que o indigitado princípio
decorreria da análise da Constituição pode ser vista em Celso Antônio Bandeira de
Mello (1997, p. 55).
Entretanto, a dissecação da Constituição não comporta uma linha
interpretativa obsequiosa aos interesses públicos. Muito ao revés: a confissão de fé da
Constituição reside, numa análise de todo o sistema, nos interesses privados, e não nos
interesses públicos. Basta citar o preâmbulo e os arts. 1°, 3° a 17, 145, 150, 170, 196,
201, 203, 205, 206, 220, 226 e 227, como bem aponta Gustavo Binenbojm (2005, p.
64). Não à toa que a Constituição brasileira de 1988 é conhecida como “Constituição
Cidadã”.
É peremptória a asserção de Humberto Ávila (2010, p.188):
A ele [o princípio da supremacia do interesse público] faltam fundamentos jurídico-positivos de validade. Ele não pode ser descrito como um “princípio jurídico-constitucional imanente”, mesmo no caso de ser explicado com um princípio abstrato e relativo, pois ele não resulta, ex constitucione, da análise sistemática do Direito.
A reforçada ausência de fundamento jurídico-positivo sublinhada pelo autor
gaúcho torna perspícuo que o princípio da supremacia do interesse público sobre o
interesse privado reveste-se como instrumento argumentativo não-institucional, por não
ter um porto seguro no texto constitucional e no direito como um todo. O perigo desse
tipo de argumento não-institucional é patente: ele está sujeito às injunções oriundas da
26
bagagem histórico-axiológica do operador do direito, o que permite manipulações ao
sabor das conveniências. E isso é extremamente fugidio a controles.
[Assim] deve ser dada prioridade aos argumentos jurídicos que mais possam ser objetivamente condivididos coletivamente, em detrimento das afirmações genéricas mais ligadas às concepções pessoais e ao perfil psicológico de cada julgador. Isso faz com que devam ser prestigiados os argumentos mais ligados ao texto da regra a ser aplicada do que os argumentos de caráter não estritamente jurídico [...] (ARAGÃO, 2010, p. 10-11).
Em epítome: o princípio da supremacia do interesse público sobre o
interesse privado é um argumento não-institucional, vez que não radica em ponto
nenhum do sistema jurídico, o que contribui proficuamente para sua negação.
4.5 Incompatibilidade com o postulado normativo da ponderação
Consoante já visto, interesse público e interesse privado estão de tal forma
imbricados que a realização de um perpassará inexoravelmente pela realização do outro.
Essa é a regra. No entanto, é de clareza meridiana que nem sempre os interesses
públicos e privados estarão conectados mutuamente: de fato, existem hipóteses em que,
invariavelmente, tais interesses entrarão em rota de colisão.
Verificada essa polarização impostergável, mister será adotar alguma
técnica capaz de, efetivamente, solucionar o conflito. Pode-se dizer que, no caso, o uso
de postulados normativos será de crucial importância.
Os postulados normativos explicativos são normas imediatamente metódicas que instituem os critérios de aplicação de outras normas situadas no plano do objeto de aplicação. Assim, qualificam-se como normas sobre a aplicação de outras normas, isto é, como metanormas. Daí se dizer que se qualificam como normas de segundo grau. Nesse sentido, sempre que se está diante de um postulado normativo, há uma diretriz metódica que se dirige ao intérprete relativamente à interpretação de outras normas (ÁVILA, 2007, p. 122).
27
Humberto Ávila (2007, p. 143-175) arrola como os principais postulados
normativos os seguintes: ponderação, concordância prática, proibição de excesso,
igualdade, razoabilidade e proporcionalidade.
Não singrarei os contornos de todas essas terminologias. Mas dois pontos
devem ser destacados: (i) é comum, em sede doutrinária, fixar a proporcionalidade
como o postulado normativo curial às colisões entre interesses públicos e interesses
privados – vide Gustavo Binenbojm (2005, p. 67-79); (ii ) no entanto, para fins do
presente estudo, acolherei a técnica da ponderação como postulado normativo mais
adequado para solucionar os conflitos entre interesses públicos e interesses privados,
por uma simples razão: acredito que as premissas metodológicas da técnica da
ponderação estão melhores explicitadas do que as da técnica da proporcionalidade –
trata-se apenas de uma escolha intuitiva, apenas isso.
A idéia de uma prevalência abstrata e absoluta de um interesse público
sobre um interesse privado acaba por menosprezar os referidos postulados normativos,
que são extraídos direitamente das normas constitucionais. Nesse diapasão, ocorre uma
violação à própria Constituição Federal.
Em face disso, resulta claro que eles não podem coexistir no mesmo sistema jurídico, pelo menos com o conteúdo normativo que lhes têm atribuído a doutrina e a jurisprudência até o momento: de um lado, o debatido “princípio” que direciona a interpretação para a supremacia na relação entre os interesses; de outro, os referidos postulados que direcionam a interpretação, não para uma principial prevalência, mas para a máxima realização dos interesses envolvidos (ÁVILA, 2010, p. 194).
Se o princípio da supremacia do interesse público não decorre da
Constituição, conforme já referido, e tendo-se em perspectiva a decorrência dos
postulados normativos da própria Constituição, o corolário natural será a exclusão do
28
princípio em comento, por falta de amparo constitucional e por contrariedade aos
postulados normativos.
4.6 O revide da doutrina clássica
A doutrina clássica não ficou inerte ante ao bombardeio sofrido por um dos
seus mais caros princípios. Todavia, adiante-se desde já, os argumentos utilizados por
esse segmento doutrinário não contestam satisfatoriamente todos os pontos acima
referidos. A lealdade científica, contudo, recomenda a análise, mesmo que breve, do
revide da doutrina tradicional.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2009, p. 12-53), por exemplo, fornece as
seguintes objeções: (i) a tentativa de suprimir o princípio da supremacia dos interesses
públicos é um modo de garantir a abertura do direito administrativo às concepções
neoliberais; (ii ) a indeterminação do princípio da supremacia não é óbice à sua
existência – argumento este sequer utilizado neste artigo, vez que, realmente,
indeterminação não é sinônimo de inexistência; (iii ) o princípio da supremacia do
interesse público sobre o interesse privado coaduna-se com a razoabilidade; (iv)
interesses públicos e privados não são opostos.
Por seu turno, Alice González Borges (2007, p. 2-23) esforça-se para (i)
delimitar precisamente o que é interesse público; (ii ) aproximar interesses públicos e
privados; (iii ) assegurar a ponderação em casos de conflito.
Odete Medauar preocupa-se em relativizar o princípio indigitado,
estabelecendo uma prevalência prima facie aos interesses públicos, na forma de uma
preponderância, operando-se a uma ponderação em caso de conflito. Veja-se:
29
Esse princípio vem apresentado tradicionalmente como o fundamento de vários institutos e normas de direito administrativo e, também, de prerrogativas e decisões, por vezes arbitrárias, da Administração Pública. Mas vem sendo matizado pela idéia de que à Administração cabe realizar a ponderação dos interesses presentes numa determinada circunstância, para que não ocorra sacrifício a priori de nenhum interesse; o objetivo dessa função está na busca de compatibilidade ou conciliação dos interesses, com a minimização de sacrifícios. O princípio da proporcionalidade também matiza o sentido absoluto do preceito, pois implica, entre outras decorrências, a busca da providência menos gravosa, na obtenção de um resultado (MEDAUAR, 2009, p. 133).
Ora, soa no mínimo contraditório aceitar um princípio da preponderância do
interesse público sobre o interesse particular e, concomitantemente, apelar para a
ponderação para os casos de conflitos.
Também Luis Roberto Barroso (2009, p. 68-72) pugna pela subsistência do
princípio da supremacia do interesse público. O proponente fluminense afirma que o
Estado ainda é protagonista, e que o interesse público secundário – que, em suma, é o
interesse do erário – não pode sobrepor-se ao interesse público primário – que é o
interesse da sociedade. No entanto, o interesse público secundário não poderia
prevalecer, absolutamente, contra os interesses privados.
Por sua vez, a defesa engendrada por José dos Santos Carvalho Filho (2009, p. 26):
Algumas vozes se têm levantado atualmente contra a existência do princípio em foco, argumentando-se no sentido de primazia de interesses privados com suporte em direitos fundamentais quando ocorrem determinadas situações específicas. Não lhes assiste razão, no entanto, nessa visão pretensamente modernista. Se é evidente que o sistema jurídico assegura aos particulares garantias contra o Estado em certos tipos de relação jurídica, é mais evidente ainda que, como regra, deva respeitar-se o interesse coletivo quando em confronto com o interesse particular. A existência de direitos fundamentais não exclui a densidade do princípio. Este é, na verdade, o corolário natural do regime democrático, calcado, como por todos sabido, na preponderância das maiorias. A “desconstrução” do princípio espelha uma visão distorcida e coloca em risco a própria democracia; o princípio, isto sim, suscita “reconstrução”, vale dizer, adaptação à dinâmica social [...].
É importante frisar, em resposta ao argumento democrático de José dos
Santos, que o fato de um regime lastrear-se numa democracia majoritária não imuniza a
30
sociedade dos mais indizíveis abusos relativos aos direitos fundamentais do homem:
não se pode olvidar que o regime nazista institucionalizou-se com base, justamente, no
princípio majoritário, tudo através de uma roupagem democrática.
Registre-se, por fim, que a defesa mais consistente e apaixonada do
princípio da supremacia do interesse público sobre o privado foi realizada por Fábio
Medina Osório, em artigo especialmente produzido para responder à tese de Humberto
Ávila. Em epítome, aduz o citado proponente: (i) não é possível fixar uma concepção
unitária do que é princípio e uma distinção consensual entre princípio e regra (OSÓRIO,
2000, p. 76-77); (ii ) a tese de Alexy, onde Ávila recolhe subsídios para questionar o
princípio da supremacia do interesse público, não esclarece quem é o objeto do
mandado de otimização: o princípio ou a própria norma (OSÓRIO, 2000. p. 79); (iii ) o
princípio da supremacia do interesse público sobre o privado não é um princípio
absoluto, sendo conciliável com os direitos e garantias fundamentais (OSÓRIO, 2000,
p. 81), sendo, inclusive, compatível com os postulados da
proporcionalidade/ponderação (OSÓRIO, 2000, p. 83); (iv) o enfoque dado por Ávila à
questão é assaz reduzido: a prevalência abstrata do interesse público, de fato, não se
pode dar concretamente – em sede, pois, dos Tribunais – mas pode dar-se em outros
graus, como o legislativo e o administrativo (OSÓRIO, 2000, p. 85); (v) interesses
públicos e privados estão, finalisticamente, em situação de conflito (OSÓRIO, 2000, p.
88); (vi) o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado é um princípio
implícito (OSÓRIO, 2000, p. 89); (vii) relativamente aos privilégios concedidos à
Pública Administração, o princípio da supremacia do interesse público é capaz de,
juridicamente, embasá-los, não podendo a intelecção do princípio em tela ser reservada,
exclusivamente, à ciência política (OSÓRIO, 2000, p. 95-96); e (viii ) a supremacia do
interesse público sobre o interesse privado pode apresentar-se ora como princípio ora
31
como regra (OSÓRIO, 2000, p. 102). Entretanto, a impressão que se represa no leitor,
ao término da leitura da peça defensiva construída por Osório, é que se trata mais de
uma defesa do interesse público do que propriamente de uma defesa em prol da
supremacia do interesse público.
Os argumentos coligidos acima não refutam os alicerces teóricos erigidos
para corroborar a inexistência do princípio da supremacia do interesse público sobre o
interesse privado. Sinteticamente, eles apenas (i) tentam conceder alguma densidade ao
interesse público – em razão de sua elevada abstração; e (ii ) admitem a
razoabilidade/proporcionalidade/ponderação como compatíveis com o princípio em tela,
o que é, às escâncaras, extremamente incoerente. Logo, a defesa dos manualistas
tradicionais desvela-se insuficiente para solapar os argumentos articulados neste artigo,
no sentido de que não existe um princípio da supremacia do interesse público sobre o
interesse privado. Pelo contrário, os argumentos da doutrina tradicional mais depõem
contra a existência do princípio do que a favor de sua sustentabilidade normativa.
4.7 Síntese conclusiva
Pelo exposto, resulta perspícuo que não existe, no ordenamento jurídico
brasileiro, o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado.
Contribuem para tal ilação os seguintes argumentos: (i) o princípio da supremacia do
interesse público não é uma norma-princípio; (ii ) a noção de supremacia de interesses
públicos é paradoxal ao princípio da unidade albergado no texto constitucional; (iii )
interesses públicos e privados não estão, deveras, em oposição, mas sim, na maior parte
das vezes, imbricados; (iv) o princípio ora sob comento não encontra respaldo em ponto
algum do arcabouço normativo pátrio, revestindo-se, portanto, como argumento não-
32
institucional, digno, nesse diapasão, de ser rechaçado; (v) a ponderação é um postulado
normativo imanente no direito, que afasta inteiramente uma concepção de supremacia a
priori dos interesses públicos sobre os interesses privados.
Portanto, não existe mais fundamento jurídico para afirmar que eventuais conflitos entre titulares de posições jurídicas contrapostas poderiam ser solucionadas mediante uma solução abstrata e teórica, consistente na afirmação absoluta e ilimitada da preponderância de um sobre o outro. Toda e qualquer controvérsia tem de ser composta em vista das circunstâncias concretas, mediante a aplicação das regras e dos princípios consagrados pela ordem jurídica e visando à promoção dos direitos fundamentais (JUSTEN FILHO, 2010, p. 62).
A longa caminhada percorrida até aqui permite responder a duas das três
indagações nucleares desta composição científica: (i) não existe um princípio da
supremacia do interesse público sobre o interesse privado no universo jurídico pátrio;
(ii ) por conseguinte, tal princípio, por carecer de existência jurídico-científica, não pode
fundamentar o atributo da auto-executoriedade do ato administrativo. Portanto, resta
apenas uma inquirição a ser replicada: é possível idear outro fundamento para a auto-
executoriedade do ato administrativo, porquanto inexistente o princípio da supremacia
do interesse público? As atenções deverão recair, portanto, sobre esse ponto, o que se
passa a fazer a partir de agora.
5 EM BUSCA DE UM NOVO FUNDAMENTO PARA A AUTO-
EXECUTORIEDADE DO ATO ADMINISTRATIVO: PRINCÍPIO DA
JURIDICIDADE E POSTULADO NORMATIVO DA PONDERAÇÃO
O fato de não aderir à realidade jurídica nacional o princípio da supremacia
do interesse público sobre o interesse privado enseja uma conclusão óbvia: não pode o
debatido princípio apresentar-se como fundamento para a auto-executoriedade do ato
33
administrativo. Todavia, não se pode colocar a auto-executoriedade do ato
administrativo em posição de orfandade de fundamento. Destarte, o que se pretende
nesse passo é propor um novo fundamento para o consignado atributo: aliás, um
fundamento janusiano, calcado, conforme a hipótese, no princípio da juridicidade ou no
postulado da ponderação.
Para lograr os objetivos perseguidos, revela-se de extrema importância
recorrer a uma distinção já referida, no que tange à auto-executoriedade do ato
administrativo. O atributo comentado pode manifestar-se, como já visto, em duas
hipóteses: (i) quando expressamente previsto em lei; (ii ) em situações de premência.
Doravante, o item (i) será tomado como primeiro contexto e o item (ii ) como segundo
contexto.
Primeiro contexto: princípio da juridicidade
A auto-executoriedade do ato administrativo, atributo dessa manifestação
estatal, consiste na prerrogativa de a Administração Pública fazer valer suas decisões
sem que seja imperioso o recurso prévio às vias judiciais. Tal prerrogativa pode estar
prevista expressamente no ordenamento jurídico – e não só na lei – razão pela qual o
atributo debatido, na hipótese ora comentada, fundamenta-se no princípio da
juridicidade – e não na supremacia do interesse público sobre o interesse privado.
A compreensão do princípio da juridicidade requerer percepção sobre a
intelecção de dois fenômenos correlatos: a constitucionalização dos direitos e o
neoconstitucionalismo.
A constitucionalização do direito significa a impregnação da axiológica
constitucional no contexto do direito infraconstitucional.
34
Por “constitucionalización del ordenamiento” propongo entender um proceso de transformación de um ordenamiento al término del qual el ordenamiento em cuestión resulta totalmente “impregnado” por las normas constitucionales. Un ordenamiento jurídico constitucionalizado se caracteriza por una Constitución extremamente invasora, entrometida (pervasiva, invadente), capaz de condicionar tanto la legislación como la jurisprudência y el estilo doctrinal, la acción de los actores políticos, así como las relaciones sociales (GUASTINI apud BARROSO, 2009, p. 352).
Dois corolários indubitáveis dessa constitucionalização são: (i) a assunção
de enunciados normativos tipicamente infraconstitucionais pelo texto constitucional, no
que resulta uma constituição extremamente analítica, estimuladora do protagonismo
judiciário; (ii ) todo o direito infraconstitucional passa a ser observado pela ótica
constitucional, no que se denomina de filtragem constitucional. Assim, “[...] toda a
interpretação jurídica é também interpretação constitucional. Qualquer operação de
realização do Direito envolve a aplicação direita ou indireta da Lei Maior” (BAROSSO,
2009, p. 363).
É evidente que o fenômeno aqui descrito enseja críticas pertinentes, como
(i) a intromissão excessiva do Judiciário em assuntos políticos de alçada dos espaços
democraticamente eleitos; e (ii ) o engessamento da atividade do legislador, vez que o
constituinte positivou constitucionalmente temas intrinsecamente infraconstitucionais,
tornando o texto constitucional prolixo. A análise dessas críticas, contudo, ficam
reservadas para outra oportunidade.
Umbilicalmente relacionado à constitucionalização do direito está o
neoconstitucionalismo. A definição do que seja o neoconstitucionalismo não é tarefa
das mais singelas: o fenômeno é marcadamente heterogêneo em suas bases teóricas. Se
sua definição é questionável, os proponentes jurídicos chegaram pelo menos a um
relativo consenso sobre as alterações mais significativas imputadas ao
neoconstitucionalismo. Referidas alterações são de três ordens: (i) aspecto histórico; (ii )
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aspecto filosófico; e (iii ) aspecto teórico. Interessa-nos, nestas sendas, apenas o aspecto
teórico.
Consoante explanação de Eduardo Cambi (2006, p. 664-672), o
neoconstitucionalismo, em seu aspecto teórico, caracateriza-se: (i) pela concessão de
força normativa à Constituição; (ii ) pela expansão da jurisdição constitucional; (iii )
pelo aprimoramento de técnicas hermenêuticas próprias à Constituição. Não se trata,
todavia, de um fenômeno imune a críticas.
[...] três críticas podem ser levantadas contra o neoconstitucionalismo: (a) a de que o seu pendor justicialista é anti-democrático; (b) a de que a sua preferência por princípios e ponderação, é perigosa, sobretudo no Brasil, em razão de singularidades da nossa cultura; (c) a de que ele pode gerar uma panconstitucionalização do Direito, em detrimento da autonomia pública do cidadão e da autonomia privada do indivíduo (SARMENTO, 2011, p. 11).
Este não é contexto para desenvolver o neoconstitucionalismo, nem as
críticas acopladas a ele.
Mas uma ilação, de extrema importância para este estudo, pode ser extraída
das digressões outrora realizadas sobre o neoconstitucionalismo e a constitucionalização
do Direito. E ela é a seguinte: a Constituição é epicentro do sistema jurídico pátrio e
todo direito infraconstitucional deve a ela obséquios.
A reserva vertical de lei foi substituída por uma reserva vertical de Constituição. A Constituição passa a figurar como norma diretamente habilitadora da atuação administrativa, havendo uma “verdadeira osmose entre a constituição e a lei”. Pode-se, assim, dizer, [...] que se abre caminho para uma “legalidade sem lei”. Com efeito, [...] a Constituição se presta (i) não só como norma direta e imediatamente habilitadora de competências administrativas, como também (ii) serve de critério imediato de decisão administrativa (BINENBOJM, 2006, p. 131-132).
Do pincelado acima, pode-se extrair o princípio da juridicidade: a
Administração Pública não está sujeita somente à lei, mas a todo o direito, inclusive à
Constituição. Se a Administração está sujeito ao direito, então resulta claro que os
36
princípios jurídicos também devem ser observados durante o atuar administrativo.
Portanto, o princípio da juridicidade compele o administrador a observar não apenas um
conteúdo – a lei – mas sim também todo o continente – o direito.
Supera-se, aqui, a idéia restrita de vinculação positiva do administrador à lei, na leitura convencional do princípio da legalidade, pela qual sua atuação estava pautada por aquilo que o legislador determinasse ou autorizasse. O administrador pode e deve atuar tendo por fundamento direto a Constituição e independentemente, em muitos casos, de qualquer manifestação do legislador ordinário. O princípio da legalidade transmuda-se, assim, em princípio da constitucionalidade ou, talvez mais propriamente, em princípio da juridicidade, compreendendo sua subordinação à Constituição e à lei, nessa ordem (BARROSO, 2009, p. 376).
Nesse diapasão, pode-se afirmar que, em se tratando de auto-executoriedade
do ato administrativo cuja previsão tenha espeque em qualquer ponto do direito, tal
atributo fundamentar-se-á no princípio da juridicidade. Portanto:
A constitucionalização do Direito, acompanhada da força normativa da Constituição [um dos corolários do neoconstitucionalismo em sua vertente teórica, conforme já apresentado] permitem e impulsionam o administrador a tornar efetivas as normas constitucionais em sua maior dimensão possível. Vê-se, portanto, uma mutação do princípio da legalidade administrativa no direito administrativo pátrio, que passou a se constituir num princípio da juridicidade, ou de constitucionalidade: a Administração deixa de ser vinculada exclusiva e necessariamente à existência prévia de lei, e passa a se pautar no direito como um todo, e, em especial na Constituição. A vinculação dos atos administrativos não se faz mais com relação exclusivamente à lei, mas à Constituição e demais normas do ordenamento, gerando, outrossim, um novo parâmetro de vinculação do administrador (RODRIGUES, 2010, p. 14, grifo nosso).
Logo, é incabível fazer menção ao princípio da supremacia do interesse
público sobre o interesse privado, vez que a auto-executoriedade do ato administrativo
está prevista no ordenamento jurídico – previsão plasmada numa regra ou num
princípio, tanto no campo infraconstitucional quanto no campo constitucional.
O que acontece, na verdade, é uma pré-ponderação engendrada ora pelo
legislador, ora pelo constituinte, no que se denomina ponderação abstrata ou
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preventiva, distanciando-se da intelecção dada por Ana Paula de Barcellos (2005, p.
146) a esse espécime de ponderação: o legislador – ou o constituinte – vislumbrando
uma colisão de interesses – públicos ou privados – antecipa-se ao operador jurídico,
solucionando, desde já, a colisão, sendo a decisão vazada através do princípio da
juridicidade. Assim, estando prevista uma medida auto-executória no ordenamento
jurídico, torna-se fácil compreender que o legislador preferiu permitir ao Poder Público
cumprir suas decisões independentemente de aval judicial a priori, no que diminui a
extensão da garantia da inafastabilidade da jurisdição, insculpida no art. 5°, XXXV, da
Constituição, o que evidencia uma ponderação. Mas lembre-se: a auto-executoriedade
do ato administrativo lastreada na juridicidade afasta o controle jurisdicional a priori,
permanecendo salvaguardado o controle jurisdicional a posteriori. Tal inteligência não
passou despercebida por Paulo Ricardo Schier (2010, p. 233):
Quando a Lei Fundamental opta, in abstrato, pela predominância do público sobre o privado (por exemplo, como sucede no art. 5°, XXV) ou do privado sobre o público (como no caso do art. 5°, XI ou XII, onde a regra é a inviolabilidade dos direitos privados), toma essa atitude como técnica de solução prévia de colisão de direitos fundamentais, eis que, [...] isto também é função da Constituição.
No caso da auto-executoriedade, como se pôde entrever anteriormente,
existe um interesse público consistente na atuação rápida do Poder Público,
abstratamente contrária à garantia constitucional individual do acesso ao Judiciário:
quando o legislador ou constituinte consagra, em algum ponto do ordenamento jurídico,
uma medida dotada de auto-executoriedade, por meio do princípio da juridicidade, está
na verdade operando uma ponderação prévia e abstrata de interesses.
Mesmo defendendo a existência do princípio da supremacia do interesse
público, a conclusão colhida em linhas pretéritas é também assumida, ainda que
elipticamente, por Celso Antônio Bandeira de Mello (1997, p. 57-58):
38
O princípio cogitado [da supremacia do interesse público], evidentemente, tem, de direito, apenas a extensão e a compostura que a ordem jurídica lhe houver atribuído na Constituição e nas leis com ela consonantes [isso evoca, indubitavelmente, o princípio da juridicidade]. Donde, jamais caberia invocá-lo abstratamente, com prescindência do perfil constitucional que lhe haja sido irrogado, e, como é óbvio, muito menos caberia recorrer a ele contra a Constituição ou as leis. Juridicamente, sua dimensão, intensidade e tônica são fornecidas pelo Direito posto e só por este ângulo é que poder ser considerado e invocado.
Finalizando: se a auto-executoriedade do ato administrativo está prevista em
lei em sentido amplo – princípio da juridicidade – não pode ser um princípio da
supremacia do interesse público sobre o interesse privado que vai fundamentar aquele
atributo – tal tarefa de fundamentação calha ao princípio da juridicidade.
5.2 Segundo contexto: postulado normativo da ponderação
Constatou-se que a auto-executoriedade do ato administrativo deflui para o
Poder Público em dois contextos distintos: (i) quando o atributo referido encontra esteio
em algum ponto do universo jurídico; (ii ) em situações de emergência. Assim, viu-se no
item acima que, em relação ao primeiro contexto, o que fundamenta a auto-
executoriedade do ato administrativo é o princípio da juridicidade. Logo, o presente
compartimento tem por escopo empreender uma busca de fundamento para a auto-
executoriedade do ato administrativo no segundo contexto, a saber, em situações de
emergência.
De intróito, mister é definir precisamente esse segundo contexto. A auto-
executoriedade do ato administrativo decorrerá de uma situação de urgência, que, caso
não tomada pelo Poder Público, proporcionará consideráveis prejuízos. A doutrina
clássica entende que na hipótese comentada existe uma autorização implícita do
ordenamento jurídico para que o Poder Público pratique o ato auto-executório, tudo em
39
homenagem ao princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado –
tal concepção é evidente em Celso Antônio Bandeira de Mello (1997, p. 300).
O que se contesta aqui é essa autorização implícita do sistema normativo em
nome do princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado, pois,
como foi visto anteriormente, tal princípio não encontra respaldo no sistema jurídico
pátrio. Se o referido princípio é uma artificialidade jurídica, não pode ele fundamentar
uma autorização implícita do ordenamento jurídico. Destarte, o que se propõe, a partir
de agora, é a substituição do princípio da supremacia do interesse público sobre o
privado pela necessidade do recurso ao postulado normativo da ponderação como
fundamento da auto-executoriedade do ato administrativo baseada em situação de
emergência.
Em hipóteses deste jaez – premência – não pode o Poder Público determinar
a expedição de um ato auto-executório com lastro num falacioso princípio da
supremacia do interesse público, pelo revés, deve considerar axiológica e
normativamente todos os bens jurídicos colocados em risco, sopesando-os, avaliando as
conseqüências advindas da decisão num sentido e em outro. Ou seja: deve percorrer um
iter metodologicamente delimitado a fim de decidir qual o bem jurídico será por fim
salvaguardado da situação de risco – seja um bem jurídico de matiz individual, seja um
bem jurídico de colorido público. Perceba que, nestes casos, a ponderação não será
abstrata ou preventiva, mas real e concreta. Portanto, em situações de urgência, deve o
Poder Público realizar um processo ponderativo como meio legítimo para resguardar
um bem jurídico que esteja em detrimento com outro.
Mas como se desenvolve esse processo ponderativo? Essa indagação
afigura-se de importância crucial, pois o processo ponderativo destituído de premissas
metodológicas explícitas pode conduzir o sujeito da ponderação à arbitrariedade,
40
porquanto incontrolável pode revelar-se o subjetivismo – mais uma vez ilustra-se a
necessidade dos controles procedimentais, como visto no item relativo à crise de
identidade do direito administrativo.
Para fins do presente estudo, acolher-se-á a proposta de processo
ponderativo idealizado por Ana Paula de Barcellos (2005), por se tratar de um brilhante
esforço dogmático destinado a estabelecer as fases do processo ponderativo. Logo, o
que se verá abaixo é uma síntese do percorrer ponderativo formulado pela proponente
fluminense.
Primeiramente, o intérprete deve selecionar os enunciados normativos em
tese contraditórios, reagrupando-os de acordo com as soluções respectivas. Dois
aspectos devem ser registrados nesta primeira etapa: (i) somente interesses pautados de
algum modo no ordenamento jurídico é que devem ser selecionados – uma manifestação
oblíqua do princípio da juridicidade; (ii ) devem ser selecionados enunciados normativos
– os textos dotados de signos lingüísticos –, o que exclui as normas – resultados das
interpretações sobre os enunciados normativos que evidenciam um comando específico.
Ultrapassada essa primeira etapa, deve o intérprete, ulteriormente,
selecionar as circunstâncias fáticas de maior relevância e os impactos destas sobre os
enunciados normativos.
Por fim, surge a decisão, ocasião em que o intérprete racionalmente
sopesará os elementos do conflito, levando em conta os enunciados normativos, os
fatos, e as normas extraíveis do contexto.
Entrementes, com o fito de melhor controlar e compreender o processo
ponderativo, incumbe ao intérprete lançar mão de dois parâmetros, de grande relevância
prática para a solução da colisão: (i) regras têm preferência sobre princípios; (ii ) as
normas que promovem mais explicitamente os direitos fundamentais e a dignidade
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humana têm preferência sobre as normas que promovem menos intensamente tais
direitos fundamentais e a dignidade humana. Durante a ponderação, tais parâmetros
podem ser utilizados a qualquer momento, uma vez constatados.
Obviamente o processo ponderativo ostenta minúcias e complexidades
maiores: no entanto, o modelo acima apresentado contribui excelentemente para ilustrar,
em linhas gerais, como se desenvolverá a ponderação; ademais, não é objetivo deste
trabalho científico tratar sobre a ponderação, mas buscar um novo fundamento para a
auto-executoriedade do ato administrativo, que, na hipótese de urgência, será justamente
a ponderação.
Um exemplo será capaz de dar luzes ao que se acabou de explanar.
Imaginemos um edifício que está na iminência de ruir. Considere que não existe um
enunciado normativo permitindo a Administração demolir a casa, como medida auto-
executória. Neste caso, ficam patentes os interesses em conflito: de um lado, está a
segurança (pública) e, de outro, a propriedade (privada), ambas inequivocamente
agasalhadas no texto constitucional, o que se evidencia de maneira bastante clara no
próprio caput do art. 5° da Constituição Federal. Qual a postura a ser adotada pela
Administração? Permitir que o edifício desmorone por si, colocando em risco a
segurança e a vida das pessoas, em obséquio a um interesse privado consistente no
direito de propriedade? Ou, ao contrário, intervir na construção para que o edifício seja
implodido da maneira mais segura possível, violando, destarte, a propriedade, em prol
da segurança pública? Não se pode perder de vista que se está em um contexto
premente, em que entre a adoção da ação ou da omissão produz conseqüências
relevantes.
Vejamos o resultado se o processo ponderativo consoante acima
apresentado fosse empregado. Em primeiro lugar, vamos selecionar os enunciados
42
normativos em conflito. No caso, existe um conflito interno entre propriedade e
segurança no art. 5° da Constituição Federal. Esta é, então, a colisão selecionada. Em
seguida, selecionemos os fatos relevantes que incidem no enunciado normativo: se o
edifício desmoronar sem o aparato da Administração poder causar prejuízos às
edificações adjacentes, além de pôr em risco a vida das pessoas que se encontram no
local; de outro lado, intervir na casa que está prestes a ruir sem uma autorização judicial
pode projetar para o futuro problemas jurídicos para a Administração, em razão do
direito de propriedade consagrado constitucionalmente. Por fim, a decisão. Neste
momento é adequado valer-nos dos parâmetros gerais: como não há uma regra
específica permitindo à Administração intervir na casa, o primeiro parâmetro não pode
ser utilizado – não há também princípios assentes no mundo jurídico para serem
aplicados. Podemos, assim, recorrer ao último parâmetro, qual seja, o das normas que
promovem mais diretamente os direitos fundamentais e a dignidade humana. É de solar
clareza que se a Administração intervier com seu aparato tecnológico os danos para os
direitos fundamentais e para a dignidade humana serão menores. Ora, se o edifício
ruísse por si só, estaria em risco o direito à vida, que é o direito pressuposto de todos os
outros direitos, inclusive da dignidade humana. É o direito à vida – ligado à segurança –
que deve prevalecer. A propriedade merece uma intervenção da Administração para que
desmorone sem que proporcione maiores prejuízos para a vida humana alicerçada
naquele local. Portanto, a omissão da Administração, em homenagem ao direito de
propriedade, não pode prevalecer pois proporcionaria riscos à vida, que é um direito
fundamental, e à própria dignidade humana – que não pode existir sem o asseguramento
da vida – de modo que imperiosa faz-se a intervenção da Administração para que o
edifício seja demolido sem maiores gravames. É também importante aventar que o
edifício desmoronará de qualquer modo, com ou sem intervenção administrativa – ou
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seja, a propriedade, invariavelmente, estará comprometida. Portanto, o resguardo do
direito à segurança – intrinsecamente conectado com o direito à vida – deve prevalecer
em face do direito à propriedade. E foi justamente o processo ponderativo que permitiu
chegar à ilação final acima apresentada.
Perceba a sutileza de toda a construção teórica até aqui empreendida: se
houvesse um enunciado normativo – pode ser uma regra, ou um princípio –
determinando que, nos casos de edificações prestes a ruir, a Administração deve intervir
para que haja uma implosão capaz resguardar os interesses envoltos no contexto, o
processo ponderativo ou não seria necessário, ou ao menos seria estancado: (i) não
seria necessário porque se estaria diante de uma medida auto-executória prevista no
ordenamento jurídico e fundamentada no princípio da juridicidade; (ii ) ou seria
estancado ou diminuto, porque imediatamente incidiria o parâmetro geral segundo o
qual regras têm preferência sobre princípios. A diferença entre uma hipótese e outra
reside justamente na intensidade da presença da juridicidade: no (i) juridicidade
encontra sua plenitude; no (ii ) a juridicidade é mais restrita em razão da ponderação.
Portanto, o que fundamenta a auto-executoriedade do ato administrativo nas
situações de emergência não é um suposto interesse público dotado de supremacia, mas
sim um processo ponderativo racionalmente determinado, cujas premissas
metodológicas estejam explicitamente demonstradas.
5.2.1 Segundo contexto: postulado normativo da proporcionalidade
É comum a doutrina fazer referência à proporcionalidade como um
substitutivo da supremacia do interesse público sobre o interesse privado. Não se faz
muita alusão à ponderação, em conformidade com os esquemas acima traçados. No
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entanto, eventual discussão sobre ponderação ou proporcionalidade qualifica-se de
somenos importância: ambos os postulados normativos repudiam a idéia de uma
supremacia do interesse público sobre o interesse privado, prestigiando, ao revés, um
sopesamento racional dos interesses em jogo. Este estudo só não adotou expressamente
a proporcionalidade no segundo contexto da auto-executoriedade do ato administrativo
porque acredito que a ponderação, conforme processo sugerido por Ana Paula de
Barcellos (2005), possui premissas metodológicas melhores explicitadas do que a
proporcionalidade. Mas não é um equívoco recorrer-se ao postulado da
proporcionalidade para fundamentar a auto-executoriedade do ato administrativo nos
casos de urgência. Os resultados da proporcionalidade não serão muito distintos dos da
ponderação.
A proporcionalidade, conforme ensina Humberto Ávila (2007, p. 165-173)
lastreia-se em três exames: (i) adequação, que é, sucintamente, a idoneidade do meio em
relação ao fim pretendido; (ii ) necessidade, que é a verificação de meios alternativos
que podem outrossim contemplar o fim colimado e a adoção daqueles menos restritivos
aos direitos; (iii ) proporcionalidade em sentido estrito, que é o sopesamento das
vantagens e desvantagens que o caso enseja.
Ora, no exemplo do edifício prestes a ruir, acima referido, pode-se
tranquilamente asseverar que o resultado obtido no processo ponderativo é equivalente
àquele obtido nos domínios da proporcionalidade: deve a Administração imiscuir no
direito de propriedade, a fim de que o edifício que ameaça desmoronar não cause danos
às propriedades alheias e à vida humana das adjacências. A medida afigura-se, portanto,
proporcional, porquanto adequada, necessária e proporcional em sentido estrito.
Perfazendo: tanto a proporcionalidade, quanto a ponderação, são postulados
aptos a elidir o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado
45
como fundamento para a auto-executoriedade do ato administrativo nas hipóteses de
urgência. Não importa o meio – proporcionalidade ou ponderação – mas o fim – elisão
de uma supremacia abstrata e a priori dos interesses públicos.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo precípuo deste artigo foi replicar a três indagações, propostas no
proêmio do opúsculo: (i) analisar a existência de um princípio da supremacia do
interesse público sobre o interesse privado no universo normativo brasileiro; (ii )
perquirir a aptidão do citado princípio para fundamentar a auto-executoriedade do ato
administrativo; e (iii ) averiguar a possibilidade de se idear outro fundamento para o
referido atributo do ato administrativo, em detrimento ao princípio da supremacia do
interesse público. Na longa caminha engendrada até aqui foi possível colher respostas às
inquirições já arroladas.
É com sonora peremptoriedade que se faz a seguinte assertiva: o princípio
da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é um artifício jurídico que
não se pode sustentar juridicamente no direito pátrio – a não ser pela embriaguez
provocada pelo estupor das ideologias. São argumentos profícuos para corroborar a
inexistência do indigitado princípio: (i) o princípio da supremacia do interesse público
sobre o interesse privado não se configura como norma-princípio; (ii ) a unidade de
interesses albergados pelo texto constitucional não permite ilações tolerantes com uma
supremacia de um interesse sobre o outro; (iii ) interesses públicos e privados estão
imbricados quase que inexoravelmente, de modo que a realização de um perpassa, ainda
que perifericamente, pela realização do outro; (iv) a análise sistemática do texto
constitucional não abraça uma interpretação condizente com a supremacia do interesse
46
público, ao revés, cristaliza a preferência do constituinte pelo abono aos interesses
privados; (v) a idéia de ponderação/proporcionalidade, imanente a um sistema jurídico
pautado por valores democráticos, não se coaduna com uma suposta supremacia do
interesse público sobre o interesse privado.
Se falacioso é um princípio da supremacia do interesse público sobre o
interesse privado, torna-se patente que ele é desprovido de aptidão para fundamentar o
atributo da auto-executoriedade do ato administrativo.
Não obstante, é possível idear um fundamento janusiano para a auto-
executoriedade, consoante o seguinte modelo: (i) se a auto-executoriedade do ato
administrativo estiver prevista em algum enunciado normativo, é o princípio da
juridicidade que se apresentará como fundamento do referido atributo; (ii ) nas situações
de emergência, o que fundamentará o atributo comentado será o postulado normativo da
ponderação – ou, se se preferir, da proporcionalidade.
Explique-se melhor. O princípio da juridicidade é um alargamento da
legalidade tradicional: a Administração não deve observar somente a lei, mas todo o
direito, o que inclui a Constituição Federal e os princípios jurídicos. Assim, estando a
auto-executoriedade do ato administrativo pressagiada em algum ponto do ordenamento
jurídico, erguer-se-á a juridicidade para fundamentar o atributo do ato administrativo.
Já nas situações de emergência, em que a diferença entre a omissão e a ação
pode ter conseqüências nefastas, o que fundamentará a auto-executoriedade do ato
administrativo será o processo ponderativo. A ponderação, agora explicitando suas
premissas metodológicas, dar-se-á em três etapas: (i) de intróito, deve o intérprete
selecionar os enunciados normativos em conflito, reorganizando-os de acordo com os
resultados respectivos; (ii ) empós, será necessário selecionar os fatos relevantes e seus
impactos sobre os enunciados normativos; (iii ) enfim, a decisão, que se dará com o
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sopesamento de todos os elementos do conflito, tendo-se por perspectiva os enunciados
normativos e os fatos. Nessa tarefa de ponderação, o intérprete deve valer-se de dois
parâmetros, que serão de suma importância para a solução da colisão: (i) regras
ostentam a posição de preferência sobre princípios; (ii ) as normas que promovem mais
intensamente os direitos fundamentais e a dignidade humana têm preferência sobre as
normas que menos intensamente promovam esses direitos e a dignidade humana.
Logo, não é um princípio da supremacia do interesse público sobre o
interesse privado que fundamentará a auto-executoriedade do ato administrativo: tal
tarefa calha ao princípio da juridicidade e ao postulado normativo da ponderação,
conforme o caso em análise.
O direito administrativo vive sob égide de uma fase de colapso de sua
identidade, compreendendo inclusive um de seus princípios mais festejados, que é o
princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado. Este estudo
pretendeu jogar luzes no obscurantismo que permeia o indigitado princípio. Não por
vaidade, por ideologia ou por uma pretensão modernista, mas porque todo operador do
direito deve ser um fâmulo da cientificidade.
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