Na autonomia do povo, o poder popular - Coletivo Universidade Popular

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˜ “Aprendi porque era uma convivência muito intensa com muita gente diferente, tanto do coletivo, quanto os assentados, e isso inclui adultos e crianças! Estávamos o tempo todo dis- cutindo, pensando, repensando, estudando...e é claro, pondo a mão na massa! Enfim, eu me deparei com muitas visões de mundo com as quais eu nunca tinha tido contato e acho que isso tudo serviu pra moldar a minha consciência política.” “A luta se faz com ação, criatividade, vida, trabalho, poesia, suor, sangue, esperança e companheirismo. Isso não foi coisa de um momento, mas de toda a experiência e vivência - vida de fato - que passei ao lado da galera do Universidade Popular e de todos os acampados: crianças, jovens, adultos e velhos. Era trabalho de base, trabalho coletivo, transformação de ver- dade. Nesse tempo, nessa vida que fizemos, a palavra utopia passou a significar realidade, possibilidade.” Depoimentos de membros do coletivo Universidade Popular

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Na autonomia do povo, o poder popular: experiências com educação popular no acampamento Elizabeth Teixeira - Caderno de experiências e metodologia do trabalho em educação popular realizado pelo Coletivo Universidade Popular no acampamento Elizabeth Teixeira, em Limeira-SP.

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“Aprendi porque era uma convivência muito intensa com muita gente diferente, tanto do coletivo, quanto os assentados, e isso inclui adultos e crianças! Estávamos o tempo todo dis-cutindo, pensando, repensando, estudando...e é claro, pondo a mão na massa! En� m, eu me deparei com muitas visões de mundo com as quais eu nunca tinha tido contato e acho que isso tudo serviu pra moldar a minha consciência política.”

“A luta se faz com ação, criatividade, vida, trabalho, poesia, suor, sangue, esperança e companheirismo. Isso não foi coisa de um momento, mas de toda a experiência e vivência - vida de fato - que passei ao lado da galera do Universidade Popular e de todos os acampados: crianças, jovens, adultos e velhos. Era trabalho de base, trabalho coletivo, transformação de ver-dade. Nesse tempo, nessa vida que � zemos, a palavra utopia passou a signi� car realidade, possibilidade.”

Depoimentos de membros do coletivo Universidade Popular

FICHA CATALOGRÁFICAUniversidade Estadual de Campinas

Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências HumanasCECÍLIA MARIA JORGE NICOLAU – CRB8/338

Au82 Na autonomia do povo, o poder popular: experiências com educação popular no acampamento Elizabeth Teixeira / Coletivo Universidade Popular (org.) – Campinas, SP : [s.n.], 2013.162 p. : il.

1. Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra. 2. Educação– Brasil. 3. Movimentos sociais. 4. Extensão universitária.I. Coletivo Universidade Popular. II.Título.

CDD 370.981

Índices para catálogo sistemáticoMovimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra 370.19346Educação – Brasil 370.981Movimentos sociais 303.484Extensão universitária 378.175

Campinas -SP, 2013

Esse caderno é fruto do trabalho de um coletivo de educa-doras e educadores ao longo de cinco anos. Esse trabalho é realizado na comunidade de trabalhadoras e trabalha-dores sem-terra chamada Elizabeth Teixeira, na cidade de Limeira-SP. Nesse caderno você encontra uma pequena parte do que essas educadoras e educadores, estudantes, e seus companheiros de luta, as moradoras e os moradores desse acampamento do MST, viveram e experimentaram nessa parceria.

Ele é também uma tentativa de passar a força que nós to-dos pudemos vivenciar na educação popular, com a prá-tica, sem por outro lado fingir que tudo é sempre bonito. Passamos dificuldades, e com elas, coletivamente apren-demos.

Chegamos ao acampamento como estudantes, mas com a vivência tudo se misturou. A gente se tornava militan-tes ao mesmo tempo em que acampadas e acampados viravam estudantes. E esses acampados-estudantes foram nossos educadores também. E é com esse aprender coleti-vo que vamos todos nos transformando em educadoras e educadores militantes.

Por conta desses e de tantos outros ensinamentos compar-tilhados, dedicamos esse caderno:

Aos agricultores sem-terra do acampamento Elizabeth Teixeira. Seus nomes estão trocados aqui, mas vão estar sempre na nossa lembrança;

A todos aqueles que se aventuraram a ser educandos, por-que sem essa coragem nenhum aprendizado é possível;

À juventude do acampamento;

Às crianças sem-terrinha;

À força das mulheres;

Aos apoiadores dessa luta que continua a ser uma das mais necessárias em nosso país, a luta pela reforma agrária.

A todos aqueles que foram e são parte do coletivo Universidade Popular:

Ana Carol, Ana Clara, Ana Elisa, Ana Isa, Ana Maria, Ana Maria (dança), Ana Maria (plásticas), Ana Paula, Anakim, Andréia, Bárbara, Béu (Isabela), Bia, Brunão, Bru-ninho, Carol Belaunde, Carol Cherfem, Carol Chima, Carol Florido, Dara, Dennis, Dorfo, Fabinho, Felipe, Fernanda, Gabriel, Gabriela Carvalho, Gabriela Furlan, Ga-briela Goulart, Jiló, João Manuel, Joãozinho, Jorjão, Júlia, Kátia, Laís, Lari, Ligia, Li-via, Lelê, Luis, Luciana, Luma, Mari, Miri, Marina, Milene, Mouro (Pedro), Natália, Natasha, Paulinha, Pacata, Pilar, Poca, Raquel, Rato, Renata, Ric, Rodrigo, Tamires, Tati, Taufic, Tessy, Thaís, Theo, Tira, Uruguaio, Verônica, Vini, Vivi, Wlad, Xanda, Yan, Zullo.

A Jéssica e Tereza, eternas companheiras de Luta

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É com muita alegria que apresentamos para vocês a nossa história, a história do coletivo Universidade Popular. Para essa história chegar até você, teve muita gente que deu a ideia de fazer essa publicação, outro tanto de gente que discutiu como poderia ser. Outras pessoas que foram pes-quisar onde poderíamos conseguir dinheiro para publicar. Outro monte de gente que escreveu projeto para concor-rer ao edital. Sem contar o trabalho dos outros coletivos-que já haviam feito isso e que nos inspirou.

Houve muito, muito trabalho, feito por militância. Isso quer dizer que, quando cada pessoa se envolveu nesse tra-balho, sabia que não ia trocar seu tempo por dinheiro, como na maioria dos trabalhos. Sabia que não ia doar só uma parte de seu tempo pra ajudar quem precisa, como num trabalho voluntário. Cada uma dessas pessoas ia usar seu tempo para construir coletivamente um futuro no qual acredita. Inventar e descobrir juntos um projeto de vida com o qual se identificar, e trabalhar pra vê-lo se realizando1.

Muitas dessas pessoas já não estão mais no coletivo. E como todas as vezes que se conta uma história conta-se uma versão da história, um ponto de vista, sabemos que seus pontos de vista podem ter ficado de fora. Essas pes-soas também podem contar suas versões da nossa história.Esse texto é, portanto, limitado à memória das pessoas do coletivo atual, unido em maio de 2013. 

O começo

Nossa história começa em 2007. Nesse ano houve uma grande greve nas Universidades Estaduais e Federais. O motivo principal era a ameaça à autonomia universitária.2

A pauta era importante, mas muitos estudantes que es-tavam participando do movimento, começaram a ficar incomodados. As pessoas estavam defendendo a autono-mia da Universidade sem questionar a quem servia essa Universidade, no nosso caso, a Unicamp.

1 Daí ser um trabalho feito por militância.  Por um lado ninguém manda que a gente faça, não somos obrigados. E por outro não estamos separando só uma partezinha de nossa vida, para depois continuar como se nada diferente tivesse acontecido. Estamos envolvidos com um projeto de transformação que busca a autonomia dos grupos populares.

2 A Lei no Brasil diz que as universidades públicas têm autonomia para decidir sobre como usar o dinheiro que recebem (autonomia econômica) e para criar regras para a universidade (autonomia política), independentemente das políticas governamentais.

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Alguns grupos até questionavam, faziam críticas, mas não faziam autocríticas das suas posturas. Não dialogavam com a maioria da população que não estava informada sobre os motivos da greve. Essa atitude parecia resultado daquele modelo de universidade que eles criticavam.

Bem, os estudantes incomodados com os grupos que di-ziam que estavam “liderando” a greve, decidiram começar a se reunir. A gente não queria dirigir ninguém. A gente queria agir coletivamente. Nos perguntávamos: “afinal, qual é a nossa proposta?”, “que modelo de universidade queremos?”, “autonomia para fazer o que?”.

Isso porque o que a gente via era uma Universidade volta-da a atender os interesses das grandes empresas da região e a formar os planejadores que decidem a favor dessas grandes empresas. Isso é explícito nos jornais da Unicamp e em seu site. Também percebemos isso na maioria das pesquisas, que são desenvolvidas com dinheiro público e que se escondem atrás do discurso da “neutralidade cien-tífica3”.

Decidimos então formar um grupo de estudos. Mas não era um grupo de estudos comum. Além de estudar, a cada encontro, tínhamos que tirar uma ação. Uma ação que conversasse com a população que não estava na Univer-sidade. Começamos assim, com esse grupo de estudos e sem saber exatamente onde chegaríamos. Pé no chão.

Os estudos

Fizemos diversos estudos no começo do grupo. Sobre outros modelos de Universidade na América Latina. So-bre  a  Delinqüência  Acadêmica  (discutimos um texto de Maurício Tragtemberg com esse título). Sobre burocracia (marca profunda da Universidade e das formas de orga-nização dos grupos que diziam que “dirigiam” a greve). 

Alguém perguntava: será que em outros momentos da história em que havia mobilização sempre havia uma di-

3 Esse discurso diz que as universidades são neutras, e que favorecem todo mundo igualmente. Diz que as pesquisas feitas na Universidades são para toda a população, para todo o país. Mas o que a gente percebia é que lá na Unicamp as pesquisas eram boas para os ricos: para as empresas e governos. A maioria do povo continuava sem pesquisa nenhuma para ajudá-los.

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reção que comandava os demais? E então íamos pesqui-sar...4 

Estudamos sobre educação popular e autonomia tam-bém. De autonomia chegamos nos estudos sobre auto-gestão... e assim por diante. Para dar uma ideia rápida do que encontramos em nossos estudos:

Essas ideias e práticas inspiraram muito a nossa atuação.A possibilidade de construção desse horizonte era bem emo-cionante e envolvente, era novo para nós. Estávamos nos conhecendo, descobrindo coletivamente o que era ser companheiros... 

As ações

Organizamos uma semana contra o empreendedorismo (a universidade usa dinheiro público, funcionários e alu-nos para organizar um grande feira, onde as empresas vi-nham fazer suas propagandas e seduzir seus futuros em-pregados).

4 Algumas coisas que lemos foram O que é método Paulo Freire e A questão política da educação popular, de Carlos Rodrigues Brandão; Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire; Os intelectuais e a organização da cultura, de Antonio Gramsci, Greve, um duplo desafi o, de João Bernardo e A delinquência acadêmica de Maurício Tragtemberg.

Autonomia é a capacidade e o direito que cada sujeito tem de decidir livremente sobre sua vida, fazer esco-lhas e se juntar com outros para realizar coisas.

Autogestão é quando um grupo de pessoas decide ho-rizontalmente, todas em pé de igualdade (no votar, no falar, e no fazer) sobre como se organizar, o que fazer, e sobre tudo que lhes diz respeito.

Educação popular é uma forma de ensinar e aprender que pressupõe um diálogo de todos no mesmo nível (horizontalidade), e com o compromisso de emanci-par, fazer com que as pessoas busquem e construam saídas para a opressão e exploração a partir da discus-são desses problemas.

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Também fizemos intervenção nas salas de aula das escolas públicas da periferia de Campinas e um encontro de in-tercambistas latino-americanos para que contassem sobre como se organizava a Universidade no país de onde eles vinham.

A gente fez intervenção no Unicamp de Portas Abertas (UPA). Nesse evento, a universidade mobiliza dinheiro público, funcionários e alunos para organizar dois dias em que os vestibulandos de diversas escolas têm um con-tato mínimo com a Unicamp. Fizemos uma atividade com Hip-Hop e jovens da periferia e conversas com os vestibulandos sobre o vestibular.

Além das atividades da própria greve, o grupo sempre es-teve ativo nas comissões de limpeza do espaço, lavagem de banheiros, assembleias e ocupações.

Tivemos tempo de estudar e possibilidade de propor e executar ações como nunca tínhamos tido antes. A greve possibilitou isso. Alguns diziam que esses estudos haviam valido mais, tinham tido mais sentido do que seus pró-prios cursos de graduação.

Vale lembrar que nesse grupo de incomodados tinham muitos que estavam se formando naquele ano, outros que já haviam se formado, outros alunos de pós-graduação, funcionários, alguns que estavam desempregados, e al-guns alunos que tinham entrado na Unicamp naquele ano mesmo. Cerca de 20 pessoas, e em algum momento, esses incomodados se batizaram de “universidade popu-lar”.

-“Deixa assim, esse nome provisório...”

Essa explosão de criatividade, essa sede de estudar e agir cresceu durante esses três meses da greve. A greve acabou, mas as coisas não voltaram ao normal. Ao menos, não para nós. Durante esse processo, muitas máscaras caíram ou foram arrancadas. Muitos professores que se diziam de esquerda, progressistas, marxistas, tiveram atitudes

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autoritárias, violentas, conservadoras, durante a greve, inclusive apoiando a punição de alunos que haviam par-ticipado do processo. Alguns colegas de classe, inspirados pelas práticas dos professores, reproduziram as mesmas atitudes.

A sensação era de que a Universidade estava cada vez mais sem sentido.

Por que sentar para fazer uma prova sobre qualquer as-sunto, qual o sentido de tirar 5, 8, ou nota 10?

Decidimos continuar nos encontrando, seguir os estudos e ações (agora, com horários mais restritos). Nosso obje-tivo era conversar com quem estava fora da Universidade. Assim, participamos de muitas atividades, quase todas que apareciam ligadas às lutas populares fora da Unicamp.

E havia mesmo essa vontade de conhecer outros movi-mentos, outras maneiras de se organizar, de estudar. Isso foi essencial para o processo de formação do grupo.

Mas é verdade também que “demos muito murro em ponta de faca”.

Um exemplo foi nossa inserção num bairro da periferia de Campinas:

Por intermédio de alguns alunos que davam aula em um cursinho popular do bairro, começamos a contribuir com a associação de bairro, principalmente com o grupo de jovens do local, com exibição de filmes, debates, organi-zação de um festival cultural. Bastante tempo, trabalho, finais de semana e noites dedicadas. Quando nos recusa-mos a fazer campanha eleitoral para uma das lideranças ligadas a um partido de esquerda da associação, a relação foi cortada.

O final do ano se aproximava e junto vinha também uma sensação coletiva de que precisávamos realmente nos fo-car, talvez em algum lugar. Ter as ações do grupo melhor definidas...

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O que faríamos depois do recesso de final de ano? O clima de euforia, mobilização, calor e criatividade na Universi-dade tinha sido trocado por uma espécie de “ressaca”...

Aquela “ansiedade boa” da época da greve agora tinha um outro sentido, uma ansiedade meio angustiante...

Voltaríamos para a Universidade? Sentíamos que não. Não havia clima, nem muita disposição. Quais espaços estavam abertos para uma atuação melhor planejada? Já tínhamos ido a muitos atos, ações pontuais, conhecido muita gente e agora queríamos uma atuação mais perma-nente...

Discutíamos isso, até que...

A aproximação com o acampamento Elizabeth Teixeira

Ficamos sabendo de um acontecimento terrível em nossa região. Um despejo de cerca de 250 famílias ligadas ao MST, em Limeira. Temos a obrigação de dizer aqui que foi uma das ações mais violentas da Polícia Militar (PM) no nosso Estado.

As famílias estavam na área desde Abril, mês conhecido por ser a jornada de lutas do MST em memória às vítimas de Eldorado dos Carajás.5

De abril a novembro de 2007, nós estávamos na Univer-sidade lutando por autonomia, e discutindo, estudando e sonhando e querendo construir outro modelo de Univer-sidade, e de sociedade (quem sabe?). E as famílias estavam em uma área de 602.867 hectares, na beira da Rodovia Anhanguera, discutindo, estudando, trabalhando, viven-do, sonhando e lutando por outro modelo de proprieda-de, de produção, e de sociedade (quem sabe?).

Sobre este momento, contamos através dos versos do acampado Sebastião Albuquerque um pouco dos aconte-cimentos de 2007 em Limeira.

5 Em 17 de abril de 1996 em um conflito de terras no estado do Pará foram assassinados 19 sem terra, dentre eles uma criança. Cerca de 1500 integrante do MST estavam marchando pacificamente em defesa das ocupações de terra quando foram fatalmente reprimidos pela polícia militar. Em 2002 essa data foi oficializada como o Dia Nacional de Luta pela Terra. (fonte: www.mst.org.br)

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“O Assentamento Elizabete Teixeira”

1. A Ocupação

No ano dois mil e setea vinte e um de abrilem município de Limeiragente honesta brasileiraacendeu mais um pavio

Um quarto de mil famíliasuma organizaçãogente pobre, gente ordeiracorajosa e prazenteirafez mais uma ocupação

A igreja progressistaapoia o MSTem favor dessa medidada terra distribuídaessa luta é pra valer

Sindicatos combativosse fazem também presentesgente séria e solidáriapra fazer reforma agráriasão elos dessa corrente

2. O despejo

Não foi mole meu cumpadreesse dia de tensãocomeçou na madrugadaà beira daquela estrada bem em frente ao lixão

A injusta liminarnão nos deu outra saídao povo cedo desperto

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seu destino era incertosem rumo as suas vidas

Um pelotão de soldadosarmados todos iguaispra cumprir o mandamentoum grande destacamentodas forças policiais

pois lá no núcleo seguinteà beira da Anhangueraa polícia foi chegandocom tratores derrubandoos barracos sem terra

Assim que aconteceua violência brutalsibilava, bala no ouvidogritaria e alaridoum barulho infernal

Bombas de lacrimogênioum irmão ferido ao chãoo barulho ensurdeciaa fumaça entorpecianão havia compaixão

Bombas eram arremessadasentremeio à multidãonós não movemos um dedoa merecer o degredo do maldoso batalhão

Havia uma irmãda igreja de Limeirauma senhora de idadepedindo ter piedadeatiraram nessa freira

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Permeio aquele choquetentamos conversaçãopara fazer a retiradaao menos da criançadao comando disse não

O pino de meio-dianaquela grande tensãomarcada fica a cabeçapra que nunca esqueçaa marca do coração

Trouxeram maquinaria feita por trabalhadorpara derrubar os barracoscolocá-los em buracoscavados pelo trator

O barracão socialconstruído com amorem segundos derrubadoem instantes enterradoo peito roeu de dor

É nó preso na gargantapara quem quer trabalharperguntas que se levantame não querem se calar

3. A reocupação

Raiz tem o que é bomo que é mal não tem raizfoi assim no Elizabethé assim pelo país

Em que pese ansiedadeno caminho da verdadea injustiça ruirá

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Enquanto houver Sem-Terranossa luta não encerrahaverá de continuar.

Pois então ô seu doutoré aqui que torce o rabo da porca de seu Nonôa chuva chegou mais cedona praia do arvoredoe o povo ainda não plantou

Estando no apertamentodeste nosso acampamentoo povo se rebelouse o governo é devagarquem queria trabalhara terra reocupou.

É nessa reocupação que a história do acampamento Eliza-beth Teixeira se cruza com o grupo Universidade Popular. 11 de dezembro de 2007 foi um daqueles dias “divisores de águas”....

O MST organizou um grande ato público, de reocupação da área. A divulgação foi grande, chegou na Universida-de e lá fomos nós, para mais uma ação. Chovia, chovia bastante.

Alguns de nós nunca haviam participado deste tipo de ação, alguns já. Mas mesmo estes não podiam imaginar o que iriam encontrar na área.

Conforme andávamos no local, íamos encontrando ras-tros de vida, de sonhos destruídos. Eram cadernos, rou-pas, brinquedos de crianças, bonecas, resto de barraco, de animais. Resto do galinheiro, da horta coletiva, do espaço demolido onde havia a ciranda infantil6.

Estávamos ali, oferecendo solidariedade, mas queríamos contribuir com a reconstrução daquela coletividade, da-

6 Espaço de aprendizagem e atividades com as crianças do acampamento.

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quele sonho, daquele acampamento, daquelas vidas que tiveram a coragem de voltar, mesmo após a crueldade da PM.

Fizemos uma conversa nesse dia mesmo com a direção do acampamento, que agradeceu nossa presença e nos convi-dou para voltarmos. O espaço estava aberto. Aberto pelo MST. E nós explicamos quem éramos, e perguntamos como poderíamos contribuir. Demanda não faltava, era óbvio, explícito.

Mas para além das coisas materiais urgentes, como lona, alimentos, roupas, fraldas, a direção nos disse que havia um número grande de pessoas analfabetas, e que podía-mos contribuir com o setor de educação.

Depois disso, as coisas não voltariam ao normal. Agora, aquela ansiedade angustiante deu lugar a uma indignação tão, mas tão grande, que uma nova sensação nos aquecia. Uma mistura de raiva com curiosidade de conhecer esse caminho que tinha se aberto. Esperança, compromisso... novas perguntas.

Então todas as pessoas do grupo — Sociólogo, historia-dor, biólogo, funcionário, matemático, filósofo, artista, — foram convidadas a voltar a um acampamento pre-cário perto de Campinas. Nos desafiamos a alfabetizar os acampados do Elizabeth Teixeira.

“As primeiras formações foram organizadas quando surgiu a ideia de trabalharmos com alfabetização. Como nin-guém sabia como fazer, resolvemos sentar e nos formar para isso. Quem veio dar as primeiras formações foi o Paulo, pai do João [educador popular há muitos anos]. As primeiras foram numa sala de estudos na moradia [estudantil], e ti-nha umas 30 pessoas participando. Algumas continuaram no coletivo, outras não. Depois que começamos de fato as aulas, as formações foram organizadas já junto com o setor de educação do movimento. [...] Nessa época eu lembro que já estávamos no trabalho de formar educadores do próprio assentamento pro EJA [...].”. (ANA MARIA, frente EJA)

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Por onde começar? Com que dinheiro íamos voltar lá? Que dia, que hora podíamos fazer isso? Quanto tempo cada um podia dedicar?

Muitas dúvidas novas... mas uma dúvida nós não tive-mos: íamos aceitar o convite.

Como organizar uma campanha de arrecadação de mate-riais: lona, fralda, ferramentas, e principalmente alimen-tos? Foi por aí que começamos. Afinal, não dava para es-tudar com fome.

O ano de 2008 foi profundamente marcado pelos diag-nósticos, planejamentos, vivências na área, estudos, ava-liações, reuniões, dúvidas, sorrisos, atividades culturais, e mais indignação com a situação dos acampados. Todas as atividades eram financiadas com recursos que vinham dos próprios participantes do grupo e de festas organizadas coletivamente na Universidade.

Os primeiros círculos de cultura7 aconteceram nas casas dos acampados, num sistema de revezamento de casas. O dia escolhido pelo grupo foi domingo, durante as ma-nhãs.

Para escolher o dia, fizemos uma prosa numa assembleia que os coordenadores do acampamento organizaram. Nessa assembleia, foram algumas pessoas que não sabiam ler nada ou quase nada. Outras que já sabiam ler, mas queriam continuar estudando. Estas se interessaram por atividades de pós-alfabetização. Mas foram também al-gumas pessoinhas que mostraram sua força logo no pri-meiro encontro e manifestaram, ao nosso grupo, suas de-mandas. Isso deu origem às atividades da ciranda infantil.

É muito importante lembrar aqui que algumas mães e pais já faziam parte do setor de educação e infância den-tro do acampamento, mesmo antes do despejo. Eles eram responsáveis por cuidar do espaço das crianças, por acom-panhá-las no ônibus da escola. Então, a ciranda com a

7 O círculo de cultura é o encontro no qual se realiza a alfabetização

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participação do coletivo Universidade Popular (UP) só foi possível porque contamos com o que já existia no Eliza-beth Teixeira.

“Pessoas que eram do próprio EJA, chamavam para o co-meço da ciranda, surgiu a ideia da própria linha do movi-mento e do coletivo. A gente foi à Unicamp para conversar e ir montando a ciranda, que era aos sábados. O pessoal do EJA puxou o pessoal da ciranda”. (JU, acampada do Elizabeth Teixeira).

Foram a partir destas manhãs que alguns acampados des-cobriam o universo das letras, dos livros, das poesias, da escrita, dos jornais, das placas de ônibus, das cartas... Os participantes do UP também se viram obrigados a rea-prender a ler, não as letras, mas o mundo em si.

“Eu aprendi coisa pra caralho. Erguer barraco. Enxada, cavadeira. Agroecologia. Tombar, gradear a terra, odiar a burguesia – e a classe média universitária também, por que não? – ocupar, resistir, produzir, apesar dos vícios da cidade.” (JOÃO, frente EJA)   

O universo descoberto foi o da luta, na luta junto aos movimentos populares, em especial o MST. As reuniões organizativas e encontros do próprio movimento passa-ram a fazer parte da rotina do grupo intensamente.

Ao final de 2008, no encontro estadual do MST, entra-mos em contato com o setor de educação da região de SP, que se dispôs a realizar formações para que salas de aula ligadas ao PRONERA8 fossem abertas na região de Campinas, já que a demanda era grande. Por isso, nós, estudantes e acampados, ficamos na expectativa para que atividades mais frequentes e com uma estrutura física mí-nima acontecessem.

Fizemos um novo diagnóstico de educação nos meses de janeiro e fevereiro de 2009. Agora não apenas em Limei-ra, mas também em Americana, no assentamento Milton Santos9, junto com outro grupo de educação popular, o Via Popular, para ampliar a frente de educadores.

8 Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária. É um programa específico para educação nas áreas de assentamen-tos, e prevê cursos desde a educação de base até a educação superior.

9 Este assentamento existe desde 2006, com 68 famílias. Foi ameaçado de despejo no final de 2012 e sua situação até os primeiros meses de 2013 ainda era delicada. Site: www.assentamen-tomiltonsantos.com.br

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A previsão de chegada dos recursos do Pronera era mea-dos de março. Então, ao final de fevereiro, alguns muti-rões foram realizados pelos acampados para reformar o almoxarifado e dar a ele a função de escola.

Ampla divulgação sobre o início das atividades de EJA na “nova escolinha” foi realizada. Os dias e horários escolhi-dos pelos educandos foram terças a sextas, às 19:00.

Vale destacar que o esforço organizativo dos acampados e do UP para que as atividades acontecessem neste ho-rário era bastante grande. A situação de acampamento (que completaria 2 anos de existência, sem água, sem luz e nem posicionamento do INCRA) testou a paciência e criatividade de todos os envolvidos. Os círculos de cultu-ra aconteceram com luzes de emergência e velas, até que conseguíssemos recursos para comprar um gerador.

Contudo, o processo de fechamento das escolas do campo e consequentes cortes de investimentos fizeram com que logo chegasse a notícia de que os recursos do Pronera esta-vam travados. Educandos e educadores, junto com outros acampados e dirigentes ocuparam a sede do INCRA em SP em protesto10. Mesmo assim os recursos nunca chega-ram em Limeira, transformando a expectativa do início em uma grande frustração.

Em julho, na terceira vez que o gerador quebrou, não tivemos dinheiro para consertar. Também faltava verba para pagar a gasolina e pedágio nas 4 viagens semanais de Campinas a Limeira. A grana do Pronera também não chegou. A juventude do acampamento (adolescentes que ao longo do processo da EJA estavam se formando como educadores e acompanhando as aulas) continuou as ativi-dades ao longo do mês de julho, mesmo sem os univer-sitários. Mas em agosto de 2009, a Educação de Jovens e Adultos encerrou as atividades.

Esse processo de meses foi muito vivo e intenso. Além das atividades de terça a sexta, fazíamos formação com os jo-

10 Ver no Youtube o vídeo chamado “Ocupação do

INCRA 06/08/2009 São Paulo”.

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vens e noites culturais. Foi uma experiência que estreitou os laços de afeto entre todos os envolvidos na Educação de Jovens e Adultos.

O coletivo Universidade Popular continuou as atividades das outras frentes de atuação, e conseguiu alguns recursos da Pró-Reitoria de extensão da Universidade. Realizamos atividades como educação infantil, exibição de filmes, re-alização de oficinas de produção de texto e impressão de jornal, organização de encontros, entre outras, permane-cendo assim, em contato constante com a realidade do acampamento.

Nessa época, além da frente que realizava as atividades de EJA, o UP tinha mais duas frentes11: Ciranda e Co-municação. Não atuávamos apenas no Elizabeth Teixeira, mas também no acampamento Roseli Nunes12 realizando o Cinema da Terra.

O UP também participou de outras atividades como a ciranda do Encontro Nacional do MST, os encontros sem-terrinha, atos políticos e organização do Estágio In-terdisciplinar de Vivência (EIV).

Conforme o tempo ia passando, nossa relação ficava mais complexa e surgiam novos desafios, que por sua vez, ge-ravam tensões no coletivo. A partir dessas tensões muitas vezes surgiram coisas novas, demandas, rupturas.

Enfrentamos discordâncias sobre se devíamos ou não aceitar o convite de pessoas do MST para fazermos parte da direção do Movimento. Discordâncias sobre a relação com a Juventude do acampamento. Sobre uso de álcool e drogas no acampamento. Sobre a autonomia do cole-tivo em relação às questões que a direção do MST nos apresentava. Sobre como conduzir as relações pessoais. Sobre como lidar com os boatos. Sobre como participar das instâncias do Movimento. Sobre se devíamos ter uma frente de atuação na Universidade. Sobre como usar os recursos dos projetos que conseguíamos aprovar, mas que

11 As frentes são os sub-grupos dentro do coletivo

12 Esse acampamento foi feito em 2010, mas enfrentou muitas dificuldades e foi despejado. Hoje, o acampamento Roseli Nunes é uma pequena área próxima ao Assentamento Milton Santos, onde moram os militantes que ficaram depois do despejo.

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impunham um prazo de execução diferente da dinâmica do trabalho e da luta. Sobre o papel do educador popular. Sobre como contribuir nas novas ocupações sem deixar de lado as áreas em que já estávamos trabalhando.

E fazemos questão de compartilhar essas tensões porque não são conflitos só nossos. Mostram que educação popu-lar não é um “mar de rosas”. Mas aprendemos a enfren-tar essas questões. Lado a lado com os companheiros que estão na terra. Sem cair em picuinhas ou briga de egos, como algumas vezes aconteceu sim conosco.

Se pensarmos na Universidade, o comum são os pesqui-sadores que trabalham só para identificar os conflitos e questões. Aprendemos nesse tempo no acampamento que devemos enfrentar esses problemas. E não é fácil. Entre nós do coletivo teve muito choro, sono perdido, muitas brigas...

Nesse percurso, sentimos a necessidade de realizarmos en-contros com o grupo todo para conversamos com mais tranquilidade sobre as questões que não saíam da nossa cabeça. Por exemplo, como devia ser a relação do Univer-sidade Popular com o MST.

Segundo Encontrão do Universidade

Popular.

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Assim, quando temos um foco bem definido, os conflitos são transformados em novas possibilidades de atuação. E definir esse foco coletivamente é outro ponto muito im-portante. Isso exige PACIÊNCIA e COMPROMETI-MENTO.

“Como educadora, aprendi a ter paciência e amor. Não há educação sem ambos. Caso o contrário, não há presença e nem comunicação. Ensinar alfabetização para adultos foi marcante. Foi muito rápido, mas marcante. Aprendi que para ensinar qualquer coisa, você precisa estar aberto para entrar no mundo do outro. Buscar diferentes manei-ras – quanto mais melhor – de explicar um conceito, uma idéia a partir do mundo do outro. Paulo Freire. Aprendi também que métodos antigos e tradicionais não são neces-sariamente ruins ou inadequados. Tudo pode ser material de aprendizado.

Sim, esse é o ponto: a educação tem muito a ver com o dese-jo. O sucesso de um processo de aprendizado está quando o estudante quer aprender, tem o desejo. Por isso, atualmente sou totalmente adepta a facilitar o processo de aprendizado com o desejo das crianças, jovens ou adultos. A educação tem que ser abundante, ilimitada, abrir portas, possibilitar diferentes maneiras de ver e experimentar o mundo para que o educando possa escolher. Pois só ele pode eleger o que é bom para si mesmo e para seu coletivo. Nós podemos in-dicar, mostrar o nosso mundo, a nossa visão, mas não pode-mos (nem se quiséssemos) mostrar para eles qual o caminho mais adequado.” (RAQUEL, frente EJA)

É justamente o comprometimento do coletivo com as fa-mílias do acampamento, o que nos une para a realização das atividades de educação popular. Não porque somos pessoas boazinhas, mas porque fomos nos tornando com-panheiros de luta.

E além das famílias, nos tornamos companheiros de ou-tros coletivos por conta do trabalho que realizávamos. Em 2010 a ITCP (Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares)13 nos convidou para uma parceria de trabalho, oferecendo uma de suas vagas de educador ao nosso co-letivo.

13 Existe uma rede de ITCPs, com incubado-ras em várias universida-des públicas. No geral, elas trabalham para conseguir a auto-susten-tação de cooperativas populares, com gestão coletiva e igualitária. Ver site: http://www.itcp.unicamp.br/drupal/

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Esse fato é importante na nossa história, pois nós éramos nessa época um coletivo com 3 anos de existência e apren-demos muito com a experiência da ITCP, naquela época, com 9 anos.

Com essa aproximação, aprendemos a olhar, de manei-ra mais organizada, para os espaços da produção14 como espaços pedagógicos. Assim, foi se formando uma nova frente do Universidade Popular. A Frente Agroecologia.15

Além das atividades no acampamento, 2010 foi também um ano marcado por lutas na Universidade, desta vez, não focado apenas nas pautas dos estudantes, mas nas de-núncias sobre as condições de trabalho dos trabalhadores terceirizados.16

A partir da ideia de um educando do acampamento, fi-zemos, junto com o MST um dia de distribuição de ali-mentos para os funcionários terceirizados da Unicamp. Aproveitamos para denunciar situações de exploração e humilhação que eles vinham sofrendo. Uma das trabalha-doras terceirizadas que participou da atividade foi demi-tida, fazendo com que nos envolvêssemos ainda mais na campanha.

Foi também no finalzinho de 2010 que os trabalhos de EJA foram retomados, por pedido dos próprios acampa-dos. Desta vez, sem partir do zero, pois já tínhamos na bagagem a experiência dos anos anteriores.

Ao mesmo tempo, um grupo de estudantes da área de engenharia se aproximou do Universidade Popular, in-teressado em produzir tecnologia social, quer dizer, criar formas e recursos de trabalho para que assentados, acam-pados e trabalhadores em geral se tornem cada vez me-nos dependentes de grandes empresas e atravessadores. Oficinas de construção de cisternas e de bombas d’água – algumas com muitas dificuldades – ajudaram a repen-sar a tecnologia e a pesquisa que havíamos aprendido na universidade.

14 Há um coletivo de mu-lheres do acampamento Elizabeth Teixeira que se propõe a repensar a pro-dução agrícola. O Gru-po de Mulheres Luiza Mahin vende produtos agroecológicos em uma feira em Paulínia e tam-bém a alguns estudantes da Unicamp.

15 Mais adiante você vai ler um capitulo inteiro sobre o trabalho da frente de Agroecologia.

16 Terceirização é quando uma empresa repassa um serviço seu para outra, principalmente para cortar gastos com contratação de trabalha-dores e trabalhadoras. A empresa que contrata uma terceira diz que não é responsável pelos trabalhadores terceiri-zados que prestam ser-viços para ela. Isso con-tribui para diminuir os salários e os direitos do trabalhador e acontece muito com serviços de limpeza e conservação, serviços de segurança, e outros.

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Os anos que se seguiram também foram de muita luta e de reestruturação do coletivo. Em 2011, além das ati-vidades cotidianas das frentes, alguns educadores parti-ciparam intensamente das atividades que aconteceram no Acampamento Helenira Rezende17. O coletivo todo contribuiu com o novo acampamento de acordo com as possibilidades, realizando campanhas de arrecadação de fundos para infraestrutura e comparecendo nos atos de apoio. Estivemos lá também quando, infelizmente, esse acampamento foi despejado.

Esse processo intensificou as críticas que parte do coletivo tinha à direção do Movimento. No primeiro semestre de 2012, quando terminamos a avaliação coletiva do ano an-terior, várias pessoas decidiram sair do UP e buscar outras formas de militância. Isso fez com que a frente de Co-municação, que vinha trabalhando com a juventude do Elizabeth Teixeira e com a mobilização dos assentamentos da região de Campinas deixasse de existir.18

No período 2011-2012, outras mudanças foram positi-vas: compramos uma Kombi e chegaram novos recursos financeiros com a aprovação em editais. Com isso, fica-mos com mais autonomia, sem depender de carros indi-viduais.19 Antes o transporte era feito com os carros dos membros do coletivo e a conta da manutenção do carro

Kombi UP

17 O Acampamento Helenira Rezende foi uma ocupação que ocorreu em Americana no ano de 2011. Ele teve mais de 600 famílias

18 A frente de comunicação produzia um jornal do MST que recebeu o nome de Semeando. Partindo da ideia de Comunicação Popular, desenvolvida pelo comunicador argentino Mario Kaplún, o jornal procurava possibilitar o livre desenvolvimento dos sujeitos envolvidos na atividade, acreditando que o mais importante não é o produto final, mas o seu processo de produção coletiva. O Jornal Semeando surgiu em 2008 e foram impressas duas edições até 2010. Parte dos estudantes da frente Comunicação também entraram no MST em algum momento, se desligando do movimento depois. Todos nós reavaliamos muita coisa nesse processo.

19 E trouxe mais unidade também. Nós compramos a Kombi através de uma vaquinha entre mais de 20 pessoas, e tivemos que nos virar juntos para pagar (fazendo festas, por exemplo).

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acabava ficando para o proprietário. Ter um carro coletivo exigiu que o grupo se organizasse ainda mais. Os gastos de manutenção e transporte viraram responsabilidade do grupo todo.

Essa nova responsabilidade fez a gente repensar algumas coisas. Muitas vezes antes tínhamos incentivado no acam-pamento que as pessoas adquirissem e cuidassem juntas de certas coisas (por exemplo um gerador ou uma cister-na). Mas nós mesmos não tínhamos experimentado o que é ter algo material coletivamente. Aprendemos que isso não é simples, mas é possível, o que também deu maior maturidade ao coletivo.

Os novos recursos (que possibilitaram fazer esse caderno), também exigiram que o coletivo discutisse concretamente sobre alguns assuntos, como a remuneração, ou ajuda de custo, para educadores no acampamento. Até então não tínhamos passado por isso, pois os recursos que conseguí-amos financiavam principalmente a gasolina e material.

A discussão do grupo sobre o uso desses recursos também nos fez perceber ainda mais a importância de atuarmos sem nunca perder de vista a continuidade do trabalho. Aprendemos que não importa apenas o trabalho bem fei-to de agora. É preciso se organizar financeiramente para continuar a trabalhar. Essa preocupação passou a ser coti-diana. Atualmente o coletivo é formado por três frentes: EJA, Ciranda e Agroecologia. É sobre como elas traba-lham que nós queremos tratar nesse caderno.

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Introdução

Os círculos de cultura e Educação de Jovens e Adultos no-acampamento Elizabeth Teixeira começaram em 2008 e foram interrompidos no início de 2010. Chamamos esse período de “primeira experiência” da EJA. A principal razão para essa interrupção foram as dificuldades com a infra-estrutura: desde a iluminação do local de estudo até a forma de deslocamento tanto dos educadores como de educandos e educandas.

Neste texto iremos falar da “segunda experiência”, quan-do as atividades foram retomadas no início de 2011. Nesse meio tempo, muita coisa mudou: a localização das famílias no local, sua organização, seu cotidiano e suas necessidades.

As atividades da EJA são todas grandes experiências. Di-zendo de outro jeito, não dá para saber o que vai acon-tecer antes de começarmos a tentar reunir as pessoas e propor as atividades. Muitas vezes sentimos que erramos, e aí temos que continuar tentando.

Para a “segunda experiência” precisávamos saber muito bem com quais ingredientes estaríamos lidando. Como dissemos, muita coisa havia mudado desde que as pessoas fizeram a EJA da primeira vez...

Diagnóstico

O trabalho de educação de adultos não parte do que o educador1 imagina sozinho, e sim do que ele encontra na comunidade. Para começar esse trabalho é necessário co-nhecer a comunidade. A melhor forma é a conversa com os moradores. Saber, por exemplo, como é a vida deles, com o que trabalham, se querem estudar novamente e por que abandonaram os estudos.

Essa conversa se chama diagnóstico. Ela pode ser infor-mal, uma visita, tomar um café na casa do morador. Ou

1 Educador (ou educadora) é a pessoa responsável por preparar a aula. Corresponde ao professor da escola formal.O professor se relaciona com o aluno. O significado da palavra aluno é “sem luz”. Para a escola formal, o professor seria a pessoa iluminada que leva a luz para o aluno. Por isso que na educação popular substituímos o termo professor por educador.Também substituímos o termo aluno por educando.Educador e educando estão sempre aprendendo. Nenhum deles tem conhecimento absoluto de nada. Os dois tem conhecimentos de muitas coisas e são ignorantes em muitas outras. A relação entre eles é de troca de conhecimentos. Assim, nenhum é melhor que o outro.

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também pode ser uma entrevista. Colocar no papel as ca-rências e os problemas das pessoas da comunidade.

Para saber se uma pessoa tem interesse na EJA é preci-so se informar sobre sua formação escolar. Se já sabe ler, quando parou de estudar e se fez supletivo. Outras infor-mações, como idade e número de membros da família também ajudam.

É importante observar ou perguntar em que essa pessoa trabalha, quando começou a trabalhar, se tem filhos e quando teve o primeiro. Isso porque o trabalho e a fa-mília são duas das maiores razões que fazem as pessoas abandonarem os estudos. Muitas vezes esses são motivos importantes para que as pessoas também não voltem a estudar na EJA.

No acampamento Elizabeth Teixeira, a maior parte do diagnóstico foi feita a partir de visitas aos moradores da comunidade em suas casas. A participação dos estudantes em outras atividades do acampamento, como reuniões e mutirões, também foi importante nessa etapa.

Nas visitas os estudantes procuravam conhecer e se fa-miliarizar com os moradores. Buscavam respostas para algumas perguntas centrais: se aquela moradora terminou a escola, se gostaria de voltar a estudar, se tinha tempo disponível para isso, se conhecia mais alguém que gostaria de participar da EJA.

Essas perguntas nem sempre precisam ser feitas direta-mente, pois uma conversa que fale de educação puxará muitos desses assuntos. E na vivência do dia a dia com os moradores aprendemos muito mais do que fazendo per-guntas diretas. Além disso, as perguntas diretas podem muitas vezes constranger o morador.

Por outro lado, as conversas com os moradores podem ir por caminhos que muitas vezes não estamos prepara-dos para trilhar. Há sempre aqueles que desabafam sobre sua vida e suas angústias. Há aqueles que querem discutir

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política e saber quais são as nossas opiniões sobre deter-minados assuntos. Há os que necessitam de algum tipo de assistência e acabam recorrendo aos educadores. Há aqueles que querem “fofocar”.

Fomos entendo que deveríamos ter muita cautela quando isso acontecesse e colocar com carinho os limites de nossa atuação. Ao mesmo tempo, percebemos que a EJA tem um imenso potencial como espaço de encontro das pes-soas, onde elas podem falar e serem ouvidas. Em alguns momentos isso é mais importante do que “ter aula”.

Um diagnóstico pode ser demorado. Por isso é importan-te que o coletivo agrupe e organize as informações que surgem durante essa fase. A partir delas é que se pode saber o que precisa ser feito.

Após pouco mais de um mês no acampamento Elizabeth Teixeira os educadores da EJA perceberam que havia dois grupos diferentes. Existiam moradores não alfabetizados e também havia um número significativo de pessoas já alfabetizadas que queriam voltar a estudar. Eram 33 inte-ressados no total.

Todos tinham alguma dificuldade, por exemplo, encon-trar um horário para estudo. Alguns tinham também pro-blemas visuais que atrapalhavam a leitura e escrita. Com tudo isso, o coletivo da EJA viu que era preciso fazer ati-vidades de alfabetização e pós-alfabetização, pelo menos uma vez por semana.

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Planejamento

Para começar as atividades é necessário discutir com os educandos o que eles falaram no diagnóstico. A partir daí se decide coletivamente o percurso do aprendizado.

Educadores e comunidade constroem o planejamento juntos. Assim sabemos que as atividades vem de uma necessidade da comunidade, e não da cabeça de um ou outro.

No acampamento Elizabeth Teixeira, esse planejamento da EJA encarou muitas questões. O grupo tinha como princípio não excluir ninguém. Por isso buscamos faci-litar da melhor forma a participação de todos os acam-pados que mostraram interesse na educação de adultos. Mas, para cumprir isso, era preciso enfrentar uma série de limitações:

- ausência de energia elétrica, - situação precária da área coletiva do acampamen-to, - vias de circulação precárias durante as chuvas, - distância dos lotes de cada morador, - diferentes graus de escolaridade entre os interes-sados,- diferentes horários disponíveis de educandos e educadores, - carência de materiais escolares, - problemas visuais - problemas de locomoção de educandos.

De imediato, o coletivo de educadores pôde dar conta somente da falta de materiais escolares e dos horários de aulas. Os materiais foram adquiridos com o recurso do projeto de extensão comunitária aprovado pela universi-dade e através de doações organizadas pelos educadores. As aulas ficaram sendo uma vez por semana, nas tardes de sábado, das 14 às 17 horas.

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Logo de início os educadores e os educandos reconhece-ram que era pouco tempo, mas foi o possível de se fazer naquele contexto. Ter “pés no chão” e “não dar passos maiores que as pernas” é também sinal de responsabili-dade. Não adiantaria um imenso esforço de termos aulas diárias se o fôlego de educadores e educandos acabaria em pouco tempo, diante das condições precárias do espaço. Tínhamos aprendido isso com a experiência de EJA que aconteceu antes. Mas o número de aulas deveria ser au-mentado assim que possível.

Junto com os educandos foi resolvida a questão dos di-ferentes letramentos2. O grupo preferiu manter uma só turma, sem separações, com pessoas em alfabetização e outras já alfabetizadas. Os educadores fariam atividades de acordo com as dificuldades específicas dos educandos.

Os outros problemas encontrados – a maior parte – exi-giriam um esforço de mobilização da comunidade toda. Nesse caso, é tarefa dos educadores acompanhar esse pro-cesso como companheiros de luta. Muitas vezes são ne-cessários atos políticos para reivindicar melhorias na área garantidas por lei, como luz, água encanada, ou ônibus escolar para as crianças. É com a presença e participação nesses momentos que a comunidade adquire confiança

2 Letramento é a relação que cada pessoa e cada grupo desenvolve com a leitura e a escrita. Mais do que alfabetização, que é saber ler e escrever, o letramento se refere ao uso que a pessoa faz da escrita e da leitura na sua vida: Usa muito? Pouco? Quando? Pra que? Não usa? Porque?

Barracão onde aconteciam as aulas, 2009

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nos educadores. Assim construímos uma relação de com-panheirismo e solidariedade, fundamentais para o anda-mento do trabalho de educação popular.

Porém, algumas coisas prejudicaram essa mobilização co-letiva naquele momento, como, por exemplo, a redefi-nição da coordenação do acampamento. É comum que conflitos internos da comunidade apareçam na EJA. Em geral, as aulas devem ser preparadas com cuidado para que a recorrência de conflitos não vire o foco da EJA. Assembleias e reuniões do próprio acampamento são os espaços mais recomendados para resolução de questões que dizem respeito ao acampamento todo. Mas os edu-cadores não podem continuar a aula como se os conflitos não estivessem acontecendo, ou seja, “tapar o sol com a peneira”. É quando os conflitos aparecem de forma clara que temos maiores chances de tratá-los.

Os educadores estavam ansiosos quanto ao início das ati-vidades, porque o projeto aprovado tinha um prazo de duração de um ano, e dois meses já haviam sido usados para diagnóstico. Além disso, os que haviam se disposto a realizar esse trabalho não tinham muita experiência.

Mutirão da escolinha, 2011

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Os moradores também estavam ansiosos. A partir das vi-sitas domiciliares, eles ficaram sabendo da intenção dos estudantes de retomar a “escola”, que havia sido interrom-pida desde a primeira experiência em 2008, que havia du-rado um ano e meio.

Nessa situação, os educadores e educandos escolheram aproveitar a área coletiva já existente.3

Definido o espaço, escolhido o melhor horário, é hora de fazer nova divulgação do trabalho na comunidade. Nes-se caso, foram feitas novas visitas de barraco em barraco (comunicação “boca-a-boca”, pois muitos não sabem ler), panfletos distribuídos junto às cestas básicas das famílias, informes na reunião de coordenação do acampamento (que deveriam comunicar aos núcleos de famílias), e car-taz na área social. Depois de divulgadas, as atividades do círculo de cultura começaram.

Cotidiano dos educadores

Até agora, contamos um pouco dos “bastidores” do círcu-lo de cultura da EJA e de todo o trabalho que foi necessá-rio para que ele começasse. A metodologia de alguns cír-culos vocês lerão adiante. Mas nesse momento queremos lembrar de alguns pontos que precisam fazer parte do co-tidiano dos educadores para que o trabalho não se perca:

• Estudos: os educadores precisam estudar juntos. Às vezes os estudos coletivos são deixados de lado, por serem considerados espaços muito “teóricos”. Porém, quando temos um objetivo de trabalho bem definido, eles são essenciais.

• Pontualidade: parece um detalhe, mas os atrasos atrapalham muito o andamento do trabalho. Tam-bém comprometem a confiança dos educandos, porque atraso é entendido por eles como “desres-peito”. Avisar “em cima da hora” que vai atrasar tem o mesmo efeito do atraso.

3 O ideal é que as atividades aconteçam em espaços coletivos, pois a própria organização do espaço passa a ser uma atividade pedagógica da EJA. Nessa organização do espaço definimos responsabilidades e divisão de tarefas. No espaço privado, em geral essa participação fica restrita.

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• Relatos: todas as atividades e reuniões devem ser escritas, relatadas. Todas. Sempre. De preferência, quando possível, os relatos devem ser entregues para os educandos.4 Os relatos servem como um “diário”, e também para avaliação do andamento dos educandos e do próprio coletivo de educado-res.

• Comemorações: os educadores devem estar aten-tos para a chegada de datas consideradas importan-tes para o grupo. Os espaços de confraternização não podem ser esquecidos. Eles aquecem o coti-diano. Quando perguntamos para os educandos sobre a experiência da EJA de 2008 e suas prin-cipais lembranças, em todas as repostas estavam as atividades culturais que fazíamos após as aulas de sexta-feira. Fazíamos uma fogueira, assávamos mandioca e levávamos instrumentos para improvi-sarmos um som.

• Alimentação: é também tarefa dos educadores estarem atentos sobre isso. É comum que os edu-candos cheguem com fome no espaço. Às vezes não têm tempo de fazer janta depois de um dia de trabalho, ou de ir ao supermercado comprar o que o acampamento não produz. Numa época di-fícil pode até faltar comida. O educador precisar perceber se isto está acontecendo, pois muitas ve-zes o adulto tem vergonha dessa situação. Lanches coletivos e gastos com alimentação precisam ser lembrados quando se pensa uma atividade de EJA.

4 Pode-se fazer uma “pastinha” impressa, com relatos e fotos, planejamentos e avaliações. Impressa porque na maioria das vezes a comunidade não tem acesso a e-mails e plataformas virtuais.

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Como trabalhamos

No começo, éramos dez educadores voluntários. O grupo se preparou principalmente para a alfabetização de adul-tos, com leituras sobre educação popular e encontros de formação com educadores.

Uma referência importante nesse início foi o livro Que é método Paulo Freire, de Carlos Brandão.

Durante o diagnóstico o grupo prestou atenção nas pa-lavras que os moradores mais usavam e essas palavras se tornaram as palavras geradoras.5 Foi a partir delas que a turma tomou contato com as letras e as sílabas, fazendo a silabação.

Exemplo de silabação:

LUTA

LU-TA

LA-TA

LE-TE

LI-TI

LO-TO

LU-TU

A partir dessas sílabas quais novas palavras podemos for-mar?

Esse exercício serve muito bem para as pessoas que es-tão aprendendo a ler e escrever conhecerem letras que são novas para elas. Acontece que, já na primeira atividade, havia só dois alfabetizandos.6 A maioria da turma fi cou mesmo sendo os adultos já alfabetizados. Para quem já lê e escreve esses exercícios são simples demais e isso fez com que o foco na alfabetização perdesse muito de seu sentido.

5 Palavras geradoras são as primeiras palavras usadas no espaço de educação. Elas são escolhidas pra isso porque representam muito para os educandos.

6 Alfabetizando é a pessoa que está aprendendo a ler e escrever.

LATA, LATE, LATO, LOTA, LOTO, LUTE, LUTO, TATO, TETA, LI, LE, TELA, TALO etc

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A turma também variou durante um tempo. Ao todo, passaram pela EJA em 2011 doze educandos até se formar um grupo que comparecia em toda atividade. Eram cinco mulheres, entre 30 e 60 anos de idade. Entre elas, somen-te uma não era alfabetizada.

No primeiro dia da EJA, os educadores mostraram as pa-lavras geradoras e dividiram a turma em dois grupos com alfabetizados e não alfabetizados juntos. Os que já liam iam tentar escrever um texto a partir da palavra apresen-tada. Os que não liam fariam a silabação junto com um educador para daí formar novas palavras.

Logo nessa primeira atividade os alfabetizados7 começa-ram a falar o que já sabiam fazer e mostrar que para eles as dificuldades eram outras. Percebemos que devíamos fazer algumas adaptações.

Mas quando os educadores sugeriram de novo que a tur-ma fosse separada, formando um grupo de alfabetizados e outro de alfabetizandos, todos os educandos8 preferiram continuar juntos. Assim, durante os primeiros três meses, a metodologia9 das aulas foi sendo mudada em discus-sões com a turma.

Todas as mudanças eram feitas na base da conversa com os educandos, aproveitando o final de cada encontro. Aos poucos a atividade foi ganhando a forma de um círculo de cultura10 baseado num tema gerador11, que permitia desenvolver atividades diferentes, de alfabetização e pós--alfabetização. Mais ou menos assim:

Fazemos uma leitura coletiva de um texto preparado pelos educadores para o encontro. Então o grupo, com educa-dores e educandos sentados formando uma roda, conver-sa a respeito da leitura. O que cada um entende, o que aquilo os faz lembrar. De modo geral, o que os educandos têm a dizer sobre o tema. Tudo feito numa leitura em voz alta, dividida entre todos os presentes, bem devagar e comentada.

7 Alfabetizado é a pessoa que já lê e escreve..

8 Educando: Ver educador.

9 Metodologia é o como fazer algo.

10 Círculo de cultura é o encontro em que se realiza a alfabetização. A aula.

11 Tema gerador é o assunto da conversa do círculo de cultura.

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Para que os não alfabetizados não fiquem de fora, os edu-cadores planejam várias atividades com imagens, e delas vem palavras para a escrita e para a silabação. As imagens são pensadas e escolhidas sempre a partir daquilo que é compartilhado pelos educandos nas atividades anteriores.

Depois da leitura, a turma é dividida para escrever. A al-fabetizanda, junto com um educador, faz a silabação que traz sílabas e letras novas para ela. No começo era muito difícil que ela se lembrasse do que foi trabalhado de uma aula para outra, porque uma aula por semana era muito pouco para o aprendizado. Por isso, assim que possível, o círculo de cultura passou a ser feito duas vezes por sema-na, à noite. Isso só aconteceu porque alguns moradores conseguem por conta própria geradores de energia elé-trica.

Já com o grupo de mulheres alfabetizadas, a prática escrita é um texto livre a respeito do tema do dia, mesmo que só um parágrafo ou frase. Outro recurso usado foi uma va-riação de ditado com frases para completar, por exemplo “quando estou trabalhando eu penso...”.

A intenção dessas propostas é fazer com que os educandos escrevam a partir das suas opiniões, sem esperar que um professor fale o que eles devem escrever ou pensar. É im-portante planejar aulas que favoreçam isso, porque muitas vezes o adulto espera que a EJA aconteça como a escola da sua infância quando o professor dizia o que e como fazer.

A pós-alfabetização10 tem dificuldades específicas, prin-cipalmente quando se trata das regras da língua e o por-quê de elas existirem. O adulto que não terminou os es-tudos às vezes diz que não sabe escrever, mas está falando da norma padrão. Ele não conhece as regras do português, mas escreve.

Por isso, sempre relemos com as educandas aquilo que elas escrevem. Assim quando elas percebem que há dife-rença entre o que queriam escrever e o que de fato escre-

12 Pós-alfabetização é a atividade feita com quem já sabe ler.

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veram – como quando alguém inverte ou come letras – a correção é feita, muitas vezes por elas mesmas.

No final do circulo de cultura, todos se reúnem e são con-vidados a ler o que escreveram, com a intenção de valori-zar o esforço da escrita e compartilhar o seu aprendizado. Fechamos a atividade com um grito, uma forma de místi-ca que lembra o por que da EJA no acampamento:

“Agente quer verO povo sabendo ler!A gente quer verO povo sabendo escrever!”

Essa metodologia teve efeitos positivos para todas as educandas, de maior desenvoltura para dar opiniões em espaços coletivos até o progresso na leitura por parte da alfabetizanda, que conseguiu ler suas primeiras palavras no final de 2011.

Ao mesmo tempo, para os educadores, com alguns pro-blemas vistos na prática, mudanças pequenas – como por exemplo, um novo lugar e dois horários de aulas por se-mana – conseguiram aumentar bastante o rendimento da EJA, que aos poucos vem ganhando novos participantes no acampamento.

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23 de abril de 2012

Planejamento:

I. A partir do quê planejamos a aula? 

Essa atividade foi planejada a partir das manifestações da jornada de lutas que o MST faz todo ano para relembrar a morte de trabalhadores rurais sem-terra no massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996. No dia 17 de abril de 2012, militantes do Acampamento Elizabeth Teixeira rea-lizaram um ato na cidade de Limeira. Também ocorreram protestos contra o massacre por todo o Brasil. Mulheres e homens do Elizabeth Teixeira fizeram a distribuição de alimentos cultivados no acampamento, numa praça no centro da cidade. Protestaram contra o latifúndio, a mo-nocultura e o uso de agrotóxicos.

As fotografias desse ato foram vistas pelos educadores da EJA como um material de trabalho muito rico porque co-locava a possibilidade dos educandos lerem nas imagens uma situação na qual estavam (vários deles apareciam nas fotografias). Assim, os educadores aproveitaram para esti-mular uma leitura dos educandos sobre sua própria ação. Já que nas fotos eles eram retratados em um ato político e simbólico da luta dos trabalhadores sem-terra.1

II. O que foi planejado?

Pensamos nas fotos do dia 17 de abril para planejar a aula. Daí surgiu a ideia de fazermos um jogo com os acampa-dos. A partir das fotos montamos o jogo, baseado em um jogo de cartas francês chamado DIXIT. Um baralho com ilustrações diversas para estimular a imaginação. Quería-mos entender a importância que teve para eles o ato no qual participaram, discutir e dialogar sobre a luta. Prepa-ramos também algumas questões nesse sentido para dar continuidade à atividade. Então dividimos a aula em dois momentos, um para trabalhar as fotos, através do jogo, e o outro para fazer as questões. 1 ver fotos 5, 6 e 7.

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Como o jogo era jogado?

As imagens são distribuídas igualmente entre os jogado-res. Daí tem o jogador que começa, o jogador da vez. Esse jogador que começa fala uma palavra que ele identifica com a imagem que escolheu. Nesse momento, os jogado-res ainda não poderão saber quais são as imagens uns dos outros. Escolhida a palavra, os outros jogadores escolhem, entre suas imagens, aquela que melhor combina com a palavra que foi falada pelo jogador da vez. Depois jogam na mesa as imagens que escolheram. Por exemplo, se eu escolho uma imagem e digo “comunidade”, então cada um pegará também, entre as suas imagens, uma que ache que tem ligação com essa palavra.

Em seguida colocamos as fotos viradas para baixo, sem ver a imagem. Aí embaralhamos todas elas. Depois vira-mos todas as cartas, deixando as imagens para cima, vi-síveis, e tentamos descobrir qual foi a foto que o jogador que disse a palavra “comunidade” jogou.

Não é um jogo competitivo, sua intenção é a integração dos participantes. Nesse caso, relacionando essa integra-ção aos momentos de luta, e participação dentro e fora da comunidade.

Essa dinâmica seria acompanhada pela montagem de um mural com todas as fotos usadas a cada rodada do jogo. A gente também ia escrever as palavras que foram rela-cionadas às fotos. Separando numa folha grande de papel pardo as palavras e imagens de cada rodada, teríamos no final, uma quadro geral de imagens. Essas imagens esta-riam divididas em grupos que representam campos se-mânticos2, porém unidas numa só situação, porque todas as imagens se referem ao mesmo ato.

Materiais para aula: Fotos do ato impressas em papel, pa-pel pardo, fita adesiva, caneta hidrográfica. 2 Campo semântico quer

dizer um conjunto de palavras ligadas por um sentido comum.

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Atividade

* Primeiro Momento: Começamos a explicar a brincadei-ra com as fotos, colocamos o papel pardo no chão para podermos embaralhá-las e escrever as palavras que fos-sem faladas no jogo. Então, distribuímos cinco fotos para cada pessoa, educadores e educandos. A primeira pessoa começou o jogo e relacionou a sua foto com a palavra CORAGEM (ninguém sabia qual era a foto). Enquanto o jogo ia acontecendo, um de nós escrevia a palavra no papel pardo.

Das educandas e educandos presentes, a Bárbara, na vez dela, relacionou a foto à palavra SAÚDE, o Hugo, a foto dele a REVOLUÇÂO, Juliana, a AMIZADE e Márcia, a APOIO. Todas as fotos tinham relações com as palavras faladas e era muito interessante notar que as pessoas do Elizabeth que estavam ali tinham muitas vezes a certeza de qual era a foto que o outro tinha escolhido para jogar. Por exemplo, a foto que a Márcia mencionou relacionada a APOIO, o Hugo teve certeza sobre qual era por ter sen-tido o mesmo que a Márcia no dia do ato: “os operários da obra tinham parado para observar o ato na Anhan-guera, e entendemos que era uma forma de apoio”. Os operários aparecem em uma das fotos, na qual a Márcia está com a bandeira do MST.

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* Segundo momento: As questões a seguir foram traba-lhadas oralmente com a turma toda. Os educandos já alfabetizados responderam por escrito essas questões em seguida, enquanto com a educanda em processo de al-fabetização trabalhamos a silabação e o universo das pa-lavras, APOIO, CORAGEM, REVOLUÇÃO, AMIZA-DE e SAÚDE.

As perguntas feitas foram:

1- O que aconteceu no dia do ato? 2- O que não foi bom? O que foi bom? 3- O que vocês mudariam?

4- Estamos em atividades de educação dentro do Elizabeth Teixeira. Como vocês acham que deveriam ser utilizadas essas fotos no espaço do Elizabeth?

Algumas das respostas apresentadas (transcritas literal-mente) foram:

Educanda fotografada durante

o ato na rodovia

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1- O que aconteceu no dia do ato?

Márcia: “foram dois atos muito bons e mecessários, pois assim mostramos p/ a população de limeira que somos trabanhadores” Bárbara: “Foi o dia muito corrido pra nós  mas foi o dia muito bom  porque a gente estava tudos juntos lutados”

2- O que não foi bom? O que foi bom?

M: “o cansaço mais mesmo assim valeu a pena e como valeu”

B: “Porque estava tudo junto e unido”

3- O que vocês mudariam?

M: “eu mudaria a quantidade dos atos pois nós fazemos poucos”

B: “Nada Foi tudo muito Poderia fazer mas luta dessas”

4- Como vocês acham que deveriam ser utilizadas essas fotos no espaço do Elizabeth?

M: “as fotos eu acho que deveria  ser postas em quadros guardasdas para enfeitar as paredes de nosa escola”

B: “Deveria ser dividida para todas as pessoas que estava nos atos”

Avaliação

A atividade cumpriu a proposta de discutir a importância do ato. Mas não só: a metodologia que buscamos, que foi o jogo que fizemos usando fotos, permitiu que as pessoas se vissem na ação política. Fazendo isso, elas colocaram as suas opiniões na escrita, e assim escrever não se tornou um exercício sem razão. Respondendo as perguntas, elas usaram a escrita para avaliar o ato que fizeram e projetar o que gostariam. Exercitaram, na verdade, seu direito e sua capacidade de dizer o mundo.

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Todas as pessoas tem a capacidade de ler e de dizer o mun-do. Mesmo que a pessoa não leia as letras, ela interpreta e entende as coisas, através dessa leitura de mundo.

Por isso é tão importante exercitar o direito que todos têm de dizer o que entendem do mundo. Porque fazer isso é a única forma de se libertar da mentira de que não sabemos nada, que somos ignorantes e não temos nada importante para dizer.3

E a cada discussão das palavras e das imagens nós, educa-dores, pudemos ver os muitos sentidos presentes naquela situação, que mostravam várias relações existentes na co-munidade:

• a história de suas lutas;

• o conhecimento que eles têm uns dos outros;

• as tarefas de cada um na construção de um ato;

• e a representação que eles fazem do próprio Mo-vimento Sem-Terra.

As imagens foram mediando esses sentidos e trazendo identificações entre os educandos.

Essa identificação foi aumentando: um educando nos questionou que sentido a palavra REVOLUÇÃO tinha para nós. Foi um momento importante, porque pensamos juntos sobre a palavra. Ninguém teve que dizer “revolu-ção é isso, e pronto”. Fomos dando abertura para cada um falar o que achava. Assim, educadores e educandos não fizeram uma definição de revolução, mas a partir dessa pergunta construímos relações entre as seguintes palavras: luta, vida e esperança.

3 Nossa sociedade faz da diferença de saberes uma desigualdade que vira exploração quando determina que uns sabem muito e outros são totalmente ignorantes e incapazes. Isso só sustenta o poder de mandar de quem diz que sabe mais, e impede todos os outros de dizerem a sua versão das coisas. Se acreditarmos que não temos nada para dizer, como vamos reclamar nossos direitos?

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2 de julho de 2011

Planejamento

O planejado era passar o filme Tapete Vermelho1. Assis-tindo esse filme a turma poderia conversar sobre o campo-nês que protesta para conseguir o que quer. Passaríamos o filme, e em seguida, conversaríamos sobre ele. Depois a gente ia escrever um pouco o que fosse discutido e as impressões sobre a história contada.

Materiais

- filme; - aparelho de DVD; - caixinhas de som; - televisor; - gasolina (para o gerador); - gerador.

Atividade

Foram quatro educadores. Chegamos lá e encontramos Márcia e Mariana que avisaram que não iam na aula, por-que estavam fazendo a distribuição das cestas básicas no acampamento. Bárbara também foi até a área coletiva, onde aconteciam as aulas, para buscar sua cesta e disse que não ficaria na aula porque estava muito cansada.

Então encontramos a Juliana que esperava anima-da pela aula. Mas Bárbara nos avisou que não con-seguiu o gerador, e disse que podíamos ir até a casa da Sônia, onde talvez conseguíssemos um empresta-do, e que podíamos conseguir a TV com um vizinho. Fomos de carro com a Juliana para a casa da Sônia. Che-gando lá, Sônia disse que não ia mais estudar, e não con-seguimos nem o gerador nem a TV. Ficamos com uma educanda, a Juliana, e a única atividade que tínhamos planejado, o filme, não ia acontecer.

1 Uma comédia brasileira de 2006, esse filme conta a história de um caipira que promete levar seu filho ao cinema para assistir um filme de Mazzaropi. Ele encontra todo tipo de dificuldade, é preso pela polícia, solto, e acaba se acorrentando no cinema para conseguir fazer com que passem o filme.

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Nisso chegou o Luís, companheiro de Sônia, e topou par-ticipar da aula. O problema foi que não tínhamos nem por onde começar, já que pensamos só no filme. Mas aí a Carol propôs uma revisão do que viemos fazendo até aqui no EJA, afinal fazia um mês desde a última vez que ele tinha comparecido.

Assim, depois de tudo isso, começou a aula, com mais de uma hora de atraso. A filhinha da Sônia esteve na aula o tempo todo, e atropelou o raciocínio da Juliana várias vezes. Uma das educadoras teve que ficar com ela. A Bár-bara acabou indo até a casa da Sônia e ficou praticamente a aula toda, mas só assistindo, sem caderno e sem fazer a atividade.

Carol e Ana conduziram a aula, pegando algumas das pa-lavras que já tinham sido trabalhadas e formando outras, até que chegamos numa família nova, a da letra V.

Sônia lavava louça e acendia o fogão a lenha, mas parti-cipava da aula, respondendo as coisas de vez em quando. Ela disse que do modo como a Ana e a Carol faziam, ela gostava, porque trabalhavam palavra por palavra. Mas do modo como havia sido em outras aulas, trabalhando com textos, era difícil demais.

 A atividade começou atrasada e ainda foi encerrada mais cedo, porque, sem planejamento, ficou muito fraca. Teve no máximo metade da duração prevista.

Avaliação

O grande erro nosso foi ter planejado uma atividade que poderia dar errado por um detalhe, como o filme, e não ter pensado numa alternativa, não ter um segundo plano. Qua-se ficamos sem ter o que fazer porque não conseguimos passar o filme.

Além disso, depois dessa aula, precisamos reavaliar por que razão os moradores não estavam frequentando a EJA,

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mesmo depois de terem dito que achavam importante e que sábado de tarde era um bom dia pra isso.

A Sônia deixou muito claro que não gostou da aula que partia da interpretação de texto. Educadores e educandos já tinham decidido que todos ficariam juntos na mesma turma, mas depois dessa aula, pensamos de novo em se-parar a alfabetização da pós alfabetização.

Isso, porque entendemos que a Sônia desanimou princi-palmente com o jeito com que a aula anterior tinha ocor-rido, e a gente não podia deixar isso acontecer.

Dessa experiência tiramos que precisávamos de mais for-mação pedagógica e contato com outros grupos de educa-ção popular. Mas principalmente, precisávamos descobrir as razões da evasão2. É falta de vontade? Tempo ocupado? Vergonha? Não gostam de como as aulas são conduzidas? Acham que não vale a pena? Acham que estão atrasados demais e não conseguem acompanhar?

Aos poucos, percebemos que a evasão dependia muito mais de fatores externos à EJA, como foi o caso da distri-buição da cesta básica, que ocupou no sábado duas edu-candas que iam muito nas aulas.

Vimos que para diminuir a evasão não precisávamos con-trariar a decisão coletiva de que a turma permanecesse uma só, porque mudanças simples, como a que fizemos, de passar as aulas para as segundas e quintas feiras a noite, davam bom resultado.

À noite a EJA não atrapalha a hora de nenhuma tarefa ou trabalho, e assim as pessoas ficavam mais concentradas, e aproveitavam mais. E quando os educandos sentem que aproveitam as atividades, continuam indo estudar e a eva-são diminui.

5 Evasão é quando alguém que faz parte da turma deixa de ir às atividades e para de estudar.

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A Ciranda Infantil é o espaço da criança. Criança que brinca, conversa, se organiza, desenha, pinta, cuida do ir-mãozinho mais novo, que ajuda os pais a plantar, a colher, a buscar água e um monte de outras coisas.

Esse espaço pode ser qualquer lugar: embaixo do barra-cão, em uma lona estendida embaixo de uma árvore, em uma kombi, no barraco de alguém.

Nesse espaço que nós, educadores e educadoras popula-res, buscamos junto com os pequenos, o lugar de respeito da infância no mundo dos adultos. Lutamos pela auto-nomia1 dessas crianças, para que sejam sujeitos que agem nesse mundo, que tem voz, que participam, que nos ensi-nam, aprendem e se expressam.

No acampamento Elizabeth Teixeira, a Ciranda surgiu como necessidade de uma das atividades feitas pelo cole-tivo Universidade Popular, lá em 2008, a EJA (Educação de Jovens e Adultos),mas também, como pedido de um espaço pelas próprias crianças.

Muitos moradores desejavam se alfabetizar mas não ti-nham com quem deixar os filhos. Alguns educadores e educadoras da EJA começaram a fazer atividades com as crianças, enquanto outros faziam as atividades de alfabe-tização.

Surge, então, a preocupação do que fazer com essas crian-ças. Os adultos precisavam de tempo sem as crianças para estudar e militar. Então foi criada a ciranda. O espaço da ciranda se tornou espaço lúdico2 e busca também, por meio da educação, levar à participação das crianças como sujeitos3 na construção do próprio Movimento (no caso, o MST).

A nossa ciranda infantil é um espaço tanto pra brincar como pra aprender. Também aprender brincando. É lu-gar das crianças se encontrarem, de se relacionarem e se expressarem. E olha que as crianças falam muita coisa! Falam de tudo (às vezes mais verdades do que queremos

1 Autonomia da criança: Quando a criança brinca sozinha sem nenhum adulto por perto, ela arranja a bola, improvisa o gol, resolve a briga, ensina a chutar, aprende a defender, cuida do irmão mais novo, inventa a brincadeira. Quando as crianças estão na ciranda, na hora do café, e um leva a bolacha, o outro serve o suco, o outro ajuda a passar manteiga no pão, alguém organiza a arrumação depois da bagunça, eles estão construindo e praticando sua autonomia.

Autonomia também é Liberdade.

Liberdade é uma palavra. Uma palavra que o sonho humano alimenta. Uma palavra que ninguém consegue explicar e que todo mundo entende.

2 Lugar onde podemos brincar, nos movimentar, nos relacionar uns com os outros.

3 Estamos acostumados a enxergar a criança como um dependente

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escutar!). Falam principalmente das suas vidas, da sua re-alidade.

É dali que partimos. Essas crianças são os pequenos su-jeitos desse movimento de transformação. Elas, do jeito delas, entendem o que acontece a sua volta. Se incomo-dam, se entristecem, se alegram. Querem entender essa sua vida, sua realidade, e também a querem mudar.

Mas como vocês fazem tudo isso? Brincam, aprendem, conversam, discutem, transformam, tudo junto? É um pouco disso. Como dizem: tudo junto e misturado! Mas para isso pedimos ajuda ao nosso conhecido de longa data, Paulo Freire. Tivemos que tentar transformar tudo, método e conteúdo. A educação popular nos ajudou.

Primeiro que brincadeira não é só brincadeira. Depois que a gente não faz educação da escola, mas discutimos o que as crianças nos apresentam como desafios delas, ou algum assunto que estão querendo muito falar.

O diálogo entre o que planejamos, o imprevisto e o im-proviso é sempre muito dinâmico. Principalmente pela idade desses pequenos sujeitos: de 0 a 16 anos. Todos tem que ter lugar nessa roda!

Pra fazer tudo isso vocês devem ter um lugar lindo, gran-de, cheio de brinquedos, materiais, mesas, essas coisa, né?

3(continuação) do adulto. Enxergar a criança como sujeito seria encorajar que ela atue, se organize, dê opinião (que será ouvida), sabendo que ela é capaz de tudo isso, porque também transforma a realidade nas coisas que ela já faz.

convite para início das atividades da ciranda infantil

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Esse é o nosso sonho (e deveria ser de todas as cirandas!), mas não é bem assim.

Antigamente a gente usava o espaço do “barracão”, uma estrutura na área social feita de vigas e telhas, lá, no chão batido de terra. Ali brincávamos, corríamos, pintávamos, fazíamos de tudo – tinha até sombra.

Hoje, essa estrutura não existe, caiu, e as atividades acon-tecem de baixo da sombra de alguma árvore, ou no lote de um acampado que está nos ensinando a fazer mudas no novo viveiro pedagógico!

É que a gente sempre tenta estar mais perto dos acampa-dos, das mães e pais. E acreditamos muito nesta partici-pação! Às vezes mais ativa, às vezes menos, mas sempre tentando.

Mas como vocês vão até o Acampamento?

Hoje temos uma kombi que usamos para ir até lá e nos ajuda a buscar a criançada em suas casas. Assim todos po-dem participar da atividade no lote coletivo. É nela que transportamos também os materiais que levamos para as atividades: papéis, lápis, giz, tinta, canetinhas, pincéis, li-vros, fantoches, papelão, toalha para o café, panos para

Atividade feita com as crianças sobre como e o que queriam no espaço da ciranda

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podermos sentar no chão, enfim, tudo que formos usar no dia. Melhor dizendo, na manhã, pois vamos todos os sábados das 9h as 12h.

Pra tudo isso deve ter bastante gente pra trabalhar, não?

Somos mais ou menos 10 educadores que fazem ciranda para mais ou menos 20 crianças. Nas atividades, aos sá-bados, nos revezamos, indo pelo menos 3 cirandeiros3. E as crianças também variam, a cada sábado, em número e idade, por diversos motivos, desde as mães não deixarem ir, até ter de ajudar os pais em casa, brigaram com algum coleguinha, etc.

Como nos preparamos para as atividades de todos os sábados:

Uma vez por semana tem a nossa conversa dos cirandei-ros. Ali que a gente avalia como foi a atividade do sábado passado para depois pensarmos a atividade do sábado se-guinte. Também aproveitamos para conversar sobre ou-tros assuntos que possam ter surgido no meio da semana e que temos que resolver.

Planejada a atividade, nos dividimos para reunir os ma-teriais necessários para a ciranda de sábado. Por exemplo, um pega o material de pintura, outro procura uma his-tória, cada um compra ou faz alguma comidinha para o lanche, outro separa a toalha para colocar no chão na hora do lanche ou da história, e assim por diante. No sábado de manhã combinamos um lugar para se encontrar. O motorista da vez passa de kombi para pegar todo mundo e irmos até o acampamento.

A cada semestre paramos alguns dias para fazer um ba-lanço geral. É um momento de lembrar das atividades, histórias, brincadeiras, enfim, tudo que fizemos duran-te aqueles seis meses. A gente pára e pensa. Refletimos um pouco. Assim a gente consegue ver os erros, acertos,

4 Cirandeiro é como chamamos o educador da ciranda!

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aprendizados, amadurecimentos, tudo na idéia de plane-jarmos o próximo semestre.

Vocês pensam as atividades na universidade e depois as fazem no acampamento?

As crianças nos dão pistas dos temas para as atividades. Temos que ficar muito atentos, pois é na brincadeira, na conversa, nas brigas, no bate-papo, nos segredos (que contam somente aos cirandeiros!), que os temas parecem brotar. Pois é a partir delas, das crianças, que as atividades serão planejadas.

Desses temas que surgem as questões geradoras, que são perguntas, angústias e questões que não tem respostas simples, e que deverão ser respondidas ao longo das ati-vidades. O semestre todo de atividades sai desses temas e questões, que vêm dessa observação atenta desses pedidos e desejos, das próprias crianças. Esse é o nosso tema geral ou tema gerador.

E é assim, tudo acontece como o planejado? Nem sempre. Quase nunca, na verdade. Fazemos isso para ter um cami-nho mais seguro para caminhar. Mas no meio do cami-nho sempre tem uma pedra, ou vários outros caminhos, desvios. Ai temos que alterar, fazer outro planejamento. É a realidade, e principalmente as crianças, que vão nos guiar nessa trilha.

Vendo assim parece que se nasce sendo cirandeiro. Verdade?

No começo ninguém sabia como cuidar de criança. A gente estava lá pra fazer EJA, educar adultos. As crian-ças apareceram e para não atrapalhar as aulas dos pais, alguns foram cuidar delas. Só que isso era toda vez, toda aula. Até que alguém teve a ideia: vamos só CUIDAR das crianças? Para responder essa questão (e muitas outras que apareceram) o pessoal começou a ler, estudar. Encon-

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traram a tal da pedagogia do movimento, e lá, viram que existia uma tal de ciranda infantil.

Pensaram: se é infantil deve ser coisa de criança, não é? Descobriram que as pessoas do MST já tinham pensado esse espaço das crianças, e que devia ser educativo, com brincadeira, atividades para formar os pequenos, os sem--terrinhas. Mesmo assim ainda ficava uma angústia: o movimento já pensou sobre isso, mas e a gente, universi-tários, como fazemos isso que o movimento nos está di-zendo? Não fomos formados para dar conta dessa deman-da, para cuidar de crianças. Muito menos ensinar. Ainda por cima ensinar para a emancipação5.

Por isso, nós, educadores com diversas formações, tanto acadêmicas, como de vida, buscamos formações coleti-vas para fazer um trabalho com as crianças cada vez mais completo. Formações para conhecer brincadeiras, para aprimorar o contar histórias, para conhecer danças e mú-sicas. Essas atividades são propostas por educadores do próprio coletivo, e também por pessoas de outras áreas de conhecimento e lugares.

Nesse mesmo caminho, formativo, fazemos estudos cole-tivos de temas que nos interessam, como educação infan-til, educação popular, pedagogia do MST. E ainda bus-camos conversar com outros educadores para trocarmos experiências, ouvir sugestões, críticas e conhecer, assim, novas maneiras de construir o espaço da ciranda.

Tentamos alternar estudo e formação, uma vez no mês. Um mês temos uma formação, no mês seguinte, estudo.

5 Emancipação: quando a criança poder ser Criança e decidir suas coisas a sua maneira (ser ouvida e respeitada na sua maneira de ver o mundo); e dessa maneira transformar o adulto, que só vê na criança, um adulto do futuro.

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As atividades aos sábados:

Já trabalhamos diversos temas com as crianças:

“a identidade sem terrinha” - para falar do porque estão em um acampamento do MST. Que luta é essa, a luta pela terra. Conhecer as canções do movimento, os gritos de ordem, a luta da criança sem terra, do sem terrinha.

“a identidade com a terra” - porque os pais são trabalha-dores da terra, e elas vivem no ambiente “rural”.

“a construção de um espaço físico da ciranda” - pois não temos um espaço físico para ciranda. Sem tetos e pa-redes, muitas vezes brincamos no sol, pintamos em cima do chão de terra, não conseguimos guardar materiais por lá. Durante esse tema, fizemos um grande trabalho junto aos pais, mostrando importância da ciranda infantil no acampamento.

“mitos de criação” - em alguns momentos, as crianças falaram de suas religiões, assim, quisemos mostrar as vá-rias visões do mundo, pra que acreditem nas delas, mas respeitem as outras. Nessas atividades usamos muito mi-tos e lendas indígenas, africanas e de outros povos e as contamos para as crianças.

Formação sobre brincadeiras e leitura de livros

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“ciclos de vida” - depois da morte de uma das crianças em um acidente e a mudança de algumas crianças do acampamento pra cidade, trabalhamos o tema da trans-formação e da morte. Decidimos tratar da morte falando da vida, desde o nascimento até a morte, de bichos, in-setos, plantas, do homem, mostramos as transformações durante esses processos de crescimento, além das transfor-mações nos ambientes, nos objetos.

“pensando sobre o espaço da ciranda” - depois de al-guns acontecimentos no acampamento, como chuvas e ventos fortes, os espaços onde aconteciam a ciranda fo-ram quase que destruídos. Sem lugar que nos abrigasse do sol, fazíamos a ciranda em baixo das árvores e com o tem-po fomos nos adaptando e encontrando necessidades de delimitar esse espaço e torná-lo mais aconchegante. Com isso, vieram panos e lonas para que pudéssemos sentar, uma placa dizendo “Ciranda”, e várias brincadeiras e ati-vidades que falassem de moradia. Além disso, o acampa-mento começou a produzir tijolos, junto a outros proje-tos, para que pudessem construir uma escola. A criançada se juntou a essa produção e fizemos vários tijolos. Hoje a escola está praticamente pronta e também será ocupada pela ciranda.

Esses temas são abordados dentro de uma rotina que acreditamos ser importante no processo de formação da criançada. É mais uma forma pra que eles também pos-sam se organizar, repensar e alterar a formação. Eles se lembram dela, quando não a seguimos tão rigorosamente.

O dia começa bem cedinho, quando os cirandeiros se re-únem para ir de kombi para o acampamento. Chegando lá, vamos de casa em casa chamando as crianças e quando chegamos na área social do acampamento, algumas já es-tão nos esperando. Nos preparamos então pra começar a brincar!

Brincadeiras: realizamos no início para esperar todas as crianças chegarem e para que elas extravasem suas ener-

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gias e ansiedades. As brincadeiras são sugeridas tanto pe-los cirandeiros (educadores) como pela criançada. Entre as mais frequentes estão: pular corda, diversas modalida-des de pega-pega e músicas de roda.

Como na ciranda tem crianças de idades muito diferentes brincando juntas, é preciso ter paciência com os menores que desejam brincar com os maiores, principalmente nas brincadeiras de correr. Quando estamos em vários educa-dores, conseguimos nos dividir e fazer brincadeiras para que os menores possam aproveitar mais. Mas achamos que todos devem brincam juntos, já que essa troca traz muitos aprendizados, e conflitos!

Para os muito pequenos, de 1 a 3 anos, estendemos um pano no chão e espalhamos objetos com superfícies di-ferentes (ásperos, macios, moles, duros, como sementes variadas, casca de árvore, objetos macios como tecidos), uma caixa repleta de materiais para se descobrir.

“ô abre a roda tindolelê, ô abre a roda tindolalá. Ô abre a roda tindolelê, tindolelê, tindolalá.”

(canção popular de roda)

Roda: é em roda que saímos do jeito normal de se fa-zer atividades, em fileiras. Não tem primeiro ou segundo, melhor ou pior, nesse momento todos podem se olhar e prestar atenção.

Esse é um espaço para conversamos. A conversa gira em torno de como cada um passou a semana, se lembram da última ciranda, de coisas que cada um quer contar, coisas que descobriram, alguma história que querem ler ou con-tar, ou mesmo qualquer assunto que queiram falar. Esse momento tem nos mostrado essa facilidade, que ainda não havíamos nos dado conta, da criança falar sobre seu mundo.

Para todos nos escutarmos, utilizamos um pássaro feito de papel machê como o objeto da fala. Quem estiver com o

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pássaro na mão pode falar (o objeto gira na roda tentando fazer com que todos falem um pouco). Um modo que criamos para se ter respeito a quem fala e criar o hábito de ouvirmos o outro.

Uma outra maneira de tornar esse momento mais diver-tido, é fazer com que a ação de passar o pássaro da fala se torne uma brincadeira. Por exemplo, cantar “batata quen-te” e passarmos o passarinho, no “queimou!”, a criança que ficar com o objeto conta algo na roda.

Podemos também, antes de iniciar esse espaço, chamar a criançada para seu início, de forma lúdica, com uma cantiga de roda, ou uma brincadeira que envolva estar em roda, em pé ou sentado, assim, sem perceber, estamos conversando.

Café: O momento em que comemos um pequeno lanche (fruta, suco, pão, bolo) preparado pelos educadores. É um espaço muito importante e elogiado pelas as crianças. Tentamos fazer com que elas ajudem o máximo a organi-zar o espaço: estendendo a toalha, distribuindo copos e guardanapos, servindo os alimentos, recolhendo o lixo e guardando o que foi usado. E mesmo sem água no acam-pamento, não nos esquecemos de lavar as mãos antes de comer! (sempre levamos um galão de água especialmente pra isso).

Atividade: É a etapa principal e mais duradoura da Ci-randa. É nesse momento que realizamos as atividades relacionadas ao tema geral presente no planejamento. Geralmente são atividades relacionadas a contação de his-tória e a arte-educação. É a hora de desenhar, pintar, mo-delar massinha e argila, brincar de teatro, caminhar pelo acampamento, viajar para outros lugares sem sair de cima da lona. Hora de deixar que as crianças usem a imagina-ção e se expressem em grupo ou individualmente.

As atividades são pensadas nas reuniões semanais e levam em conta tanto o tema que escolhemos trabalhar naquele

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planejamento semestral, como pedidos da criançada, su-gestões.

Algumas vezes uma delas nos mostra algo, como por exemplo o Léo, que nos ensinou a fazer pipa, o Rodrigo que nos ensinou uma técnica de desenho e pintura com giz e tinta, e a Juba que nos ensinou a música do sapo e da sapa com gestos durante a canção.

Nem sempre todas as crianças participam desse espaço. Algumas acabam achando outras coisas interessantes de fazer, ali, no espaço em que estamos. Algumas vezes isso não ajuda na atividade, a criança começa e não termina a atividade ou fica chamando outras crianças que estão envolvidas pra brincar com ela.

Em outros momentos, ela fica um tempo fazendo outras coisas e depois vai pra atividade da ciranda. Nós sempre tentamos envolver o que essa criança está fazendo parale-lamente na atividade da ciranda. Ou chamamos a criança pra estar junto, pois acreditamos na importância da parti-cipação de todos. Mas isso nem sempre dá certo e assim, a acompanhamos, meio perto, meio longe, na sua própria brincadeira.

Queremos também que esse espaço seja organizado con-juntamente com as crianças. Como no café, buscamos os

Uma manhã de sábado com as crianças

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materiais juntos, arrumamos o espaço e guardamos tudo no final.

Avaliação: Antes de irmos embora, sentamos em roda mais uma vez e conversamos sobre como foi a Ciranda do dia, o que cada um gostou e o que gostaria de fazer na próxima semana.

Algumas vezes cantamos uma música para encerrar as atividades. É nesse espaço que a criança fala se gostou ou não, quais as coisas que deseja, o que querem brincar mais, o que querem aprender mais.

Esse espaço de avaliação nem sempre acontece. Por falta de tempo, ou por ser uma ciranda muito agitada, mas tentamos fazer sempre. O processo de avaliação acontece tanto no acampamento, com as crianças, como entre nós, educadores, nos momentos de reunião.

Também, como dito antes, os ouvidos atentos dos ciran-deiros devem captar as avaliações que as crianças fazem a todo momento na atividade. “Ah, essa brincadeira é cha-ta!”, “Eu não vou fazer isso”, “Pintar não, vamos contar histórias”, “Porque a gente não brinca antes e depois fa-zemos atividades?”, são alguns exemplos de falas ou per-guntas que podem parecer normais mas que é a criançada se expressando e sendo sujeito da fala, da avaliação, da construção da ciranda.

Sugestões de Brincadeiras:

Com alguns anos de ciranda no acampamento Elizabe-th Teixeira, acumulamos um tantão de brincadeiras que aprendemos com as crianças, em formações e resgatadas da nossa infância. Organizamos as brincadeiras em um documento no computador, contando como se brinca em cada uma delas. Essa é uma ferramenta muito boa para todos os cirandeiros!

Vamos brincar?!

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Monjolo (com música)

Do que se trata:

Jogo com música para coordenação e atenção

Material:

Pequeno objeto (moeda, pedra, botão, etc.)

Desenvolvimento:

Apresenta-se a música e a coreografia em roda.

Letra da música:

Bate o monjolo no pilãoPega a mandioca pra fazer farinhaOnde foi parar o meu tostãoEle foi parar na vizinha

Coreografia:

Uma pessoa ao lado da outra, mão direita em forma de pilão, mão esquerda em forma de cuia. Em cada tempo (1 e 2) da música bate-se a mão direita (pilão) em uma mão esquerda (cuia). Tempo 1 = própria cuia/ Tempo 2 = cuia da pessoa do lado.

Insere-se um pequeno objeto que, no ritmo da música, deve percorrer toda a roda e ser procurado por uma pes-soa que fica no centro da roda.

Como se joga:

Em roda, pequena ou grande. É necessário algum peque-no objeto (moeda, pedra, botão, etc.) que vai percorrer a roda (nas cuias e pilões) e ser procurada por quem estiver no centro da roda. A brincadeira só para quando este ob-jeto for encontrado.

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Barra Manteiga

Do que se trata:

brincadeira de pega-pega em dois times

Desenvolvimento:

um participante de um time vai até a fileira do outro time em que os participantes devem estar com uma mão esten-dida e recita batendo nas mãos:

“Barra manteiga na fuça da nega 1, 2, 3”

A última pessoa que foi tocada (no número 3) deve correr e tentar pegar a pessoa do time oposto. Se ela for pega, muda de time, se não, continua no mesmo. Uma nova rodada se inicia com a pessoa que tentou pegar na rodada anterior.

Como se joga:

os participantes devem se dividir em duas equipes uma na frente da outra numa distância suficiente para uma corrida de pega-pega.

Ciranda em um acampamento do MST

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Mais um, mais um

Letra:

Para dentro e para fora, mais um, mais umPara dentro e para fora, mais um, mais um, mais umEu lavo essa janela, mais um,mais umEu lavo essa janela, mais um, mais um, mais umEu escolho o(a) meu parceiro, mais um, mais umEu escolho o(a) meu parceiro, mais um, mais um, mais umEu danço bonitinho, mais um, mais umEu danço bonitinho, mais um, mais um, mais umEu o(a) deixo na roda, mais um, mais umEu o(a) deixo na roda, mais um, mais um, mais um

Coreografia:

Nos primeiros versos a pessoa que estiver no centro deve percorrer a roda fazendo um zigue-zague entre os parti-cipantes. No verso:”Eu lavo essa janela, mais um,mais um”, esta pessoa deve, em pulos imitar que está limpan-do vidros e, no verso: “Eu danço bonitinho, mais um, mais um”, puxar o participante a sua frente para o centro da roda, dançar com ele e depois dar adeus e voltar para o lugar da pessoa que ele puxou. Recomeça a música no-vamente

Como cantar:

Em roda, com grupos grandes ou pequenos. Todos devem cantar juntos, batendo palma para marcar o ritmo da mú-sica. Sempre um participante estará no meio da roda e a troca sempre acontece aleatoriamente, segundo a letra e o ritmo da música.

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Dig-dig da viola

Letra:

1.Oh dig-dig-dig da viola2.eu quero formar uma bola1.Oh dig-dig-dig da viola2.eu quero formar uma bola

3.minha mãe tem um “carro”4.eu tenho um “carrinho”

Coreografia:

feito por todos -

1.: tocando violão e bailando

2.: bailando com os braços em forma de bola

4.: agachado, fazer o diminutivo do movimento feito no verso 3

feito pelo puxador do verso:

3. fazer um gesto de acordo com a palavra dita

Como cantar:

Em roda. O verso 3 é cantado individualmente e o res-tante por todos. A cada repetição da música, uma pes-soa diferente puxa o verso 3. As palavras entre aspas são trocadas e a do verso 4 é o diminutivo da do verso 3. É possível propor temas para as palavras dos versos 3 e 4.

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Lá vem o sapo

(brincadeira que aprendemos com a Juba, criança do acam-pamento)

Letra:

Lá vem o sapo, sapo, sapoque morava no rio, no rio, no riocom sua roupa verde, verde, verdee tremia de frio, de frio, de frio.

Mas a dona sapa, sapa, sapatinha um roupão, roupão, roupãoque emprestou pro sapo, sapo, sapoque ficou quentão, quentão, quentão.

Coreografia:

feito por todos, individualmente -

os gestos só são feitos nas palavras que se repetem (sempre 3 gestos).

SAPO – bater duas palmas com os braços esticados, na frente do corpo, como uma boca, abrindo e fechando.

RIO – mãos na frente do corpo, fazendo movimentos cir-culares, como se fosse formar uma lagoa.

VERDE – passar as mãos na frente do corpo, como se estivesse arrumando a camiseta.

FRIO – mãos formando um “x” na frente do corpo, junto com os dedos mexendo (como se estivesse com frio!)

SAPA - mãos opostas uma próxima a cabeça e outra pró-xima a cintura, imitando uma dança egípcia.

ROUPÃO – gesto igual ao verde.

QUENTÃO – os dedos das mãos formando um “v”, pas-sá-los na frente dos olhos, uma mão de cada vez..

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Como cantar:

Em roda. Todos cantam a música juntos. Primeiro can-tamos a música inteira, em uma segunda vez, cantamos a música e fazemos os gestos. Na terceira vez, deixamos de falar a palavra “sapo”, mas continuamos a fazer o gesto, depois, deixamos de falar a palavra “rio”, depois, “verde”, e assim por diante, com todas as palavras que se repetem.

A brincadeira termina quando deixamos de cantar todas as palavras que se repetem (continuando com os gestos).

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Nos reunimos uma vez durante a semana para planejar a atividade do sábado. Planejar, avaliar a atividade anterior, e conversar sobre alguma questão do momento. Nessas reuniões, as principais informações são registradas e man-dadas por e-mail para todas as pessoas do coletivo. Assim, a gente sabe o que vai acontecer no dia da ciranda e regis-tra as decisões e discussões do coletivo.

18 de junho de 2011

Planejamento

Quando planejamos essa atividade a gente queria prepa-rar várias coisas para uma reunião com os pais das crian-ças da ciranda. Mostrar os desenhos das crianças, deixa--las participar, ajudar na reunião e contar como a ciranda funciona. Com isso a gente esperava envolver mais os pais e chamar atenção pra importância de criar um espaço no acampamento para as atividades da ciranda.

Assim, chegamos na seguinte proposta de atividade:

- montar um painel com pinturas e fotos da ciranda para mostrar na reunião de pais, como se fosse uma galeria de arte. Começar contando uma história e depois as crianças farão os desenhos e as fotos.

Materiais: fantoches; papéis mais grossos que sulfite (car-tão, cartolina), canetinha, lápis, giz de cera, câmera.

Atividade

Combinamos de sair as 7h30 mas por alguns motivos acabamos saindo por volta das 8h. Acabamos chegando até que cedo, umas 8h45. Fato era que nenhuma criança estava no barracão. Partimos, Diego e Fábio, para a busca das crianças nos barracos1. Vimos Theo e Gi no caminho, eles já estavam subindo para o barracão. Disseram que o Ric ia mais tarde. Encontramos a Fau saindo com a mãe para ir ao médico. Disse que não ia (mas no final da Ciranda ela voltou). Passamos no barraco da Lê para

1 Gastamos muito tempo às vezes buscando as crianças. De certa maneira é duro para os pais acordar e levar as crianças, mas isso tem que ser discutido. Há crianças, que dizem que se a gente não buscar no barraco elas não podem ir.. E também tem as que moram mais longe.

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ver se o Sasá estava lá. Tudo fechado e silêncio (depois descobrimos que ele havia ficado na Dona Ni, porque a Sô e Lê vieram para a Unicamp). No meio do caminho vimos a Julia que disse que viria com a gente na volta para o barracão.

Bom, colocamos a criançada no carro, pegamos a Julia e fomos. A volta foi MUITO legal. Fomos conversando um monte com as crianças. Brincando, conversando e edu-cando. Tudo virava pergunta e conhecimento, tentando fazer elas falarem, se colocarem no mundo, nos ensina-rem. Começou com o trator. Vimos um trator e elas disse-ram quem estava dirigindo. Perguntamos se o Rafa sabia falar trator – falou. Até o Gui falou. Ai elas disseram que era tipo um carro.

– Um carro?– É, mas é maior!– Mas se fosse um carro maior poderia chamar “carrão”, porque chamar trator?– Porque é diferente.– E o que é diferente?– Só tem um lugar. Só cabe um pra dirigir.– Só essa diferença?– O carro leva mais gente, faz passeio– E o trator?– Ele rastera o lote.– Que é isso?– Rastera, ué.– Não sei o que é. É tipo limpar?– Isso.– Mas pra que é que limpa?– Pra poder plantar depois.

Depois vimos os porcos do Danilo e todo mundo falou que fedia. Na encruzilhada encontramos o Carlos que nos ensinou como chegava na Dona Ni para ver se o Sasá esta-va lá. Depois que o Carlos falou todas as crianças sabiam

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como chegava. Fomos até lá. A Dona Ni disse que o Sasá tinha ido no Tatu (um bairro ali perto) com alguém e que não sabia se a Sô já tinha tirado ele do castigo. Na volta pro carro perguntei:

– O que é o Tatu?– É onde compram as coisas.– Que coisas?– Tudo. Bala, chiclete, refrigerante...– Uai, só isso?– Não mais coisas.– E quem gosta de refrigerante? Uruguaio você gosta?– (Uru) Gosto sim, mas gosto mais de suco!– (todos) A gente gosta muito!– Eu gosto mais de suco.– (Julia) Eu gosto mais de Deus.– Mas você gosta mais de Deus do que de Refri-gerante?– Sim!– Mais de Deus que de chiclete?– Sim!– Mas não tem nada que você gosta mais que Deus?– …– (Julia) Eu gosto de chocolate branco!– (todos) Eu também!– E quem gosta de chiclete?– EU!– E quem gosta de bolacha?– EU!!– E de refrigerante?– EU!!– Quem gosta do Uruguaio?– (silêncio - e um monte de risadas!)– E quem gosta do Fábio?– (a mesma coisa)

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– E quem gosta da CIRANDA?!!– EU!!!

Nisso, encontramos a Juba e brincamos com ela de quem chegava primeiro no barracão, ela ou a gente de carro. Ela saiu correndo e a gente atrás devagarinho. Nos divertimos bastante.

Chegando no barracão Vivian e Brunão estavam brincan-do. Estavam por lá também Diogo e Nelson (não conhe-cia esse último, mas participou de algumas coisas). Esta-vam brincando de bola. Chegamos e o Theo veio corren-do pedindo para jogar bola. Peguei a bola na mão, esperei todo mundo ficar perto e perguntei:

– Pessoal o Theo disse pra gente jogar bola, quem quer jogar bola?– Eu não! Eu não! Eu não! (a maioria das meninas, mas também os meninos disseram...)– Então Theo vamos guardar a bola e brincar. Do que vamos brincar?– Pega-pega (Juba).– E qual pega-pega?– Gelinho!

Aqui o Ric já estava. Juba quis ser a pegadora porque tinha falado da brincadeira. Começamos e ficamos brincando um monte. Depois disso brincamos de barra manteiga no solzinho, para esquentar, que ainda estava friozinho! O Gui ficou o tempo todo meio de fora de tudo. Ele parecia, até aqui, meio com sono, mas não sei. Depois foi cansan-do e alguém perguntou se não ia ter café. A Juba disse que tinha uma ordem. O Uruguaio lembrou o que havíamos combinado. A Juba disse que era primeiro a Roda, de-pois brincadeiras e depois café. Acabamos invertendo. E ai tentamos sentar em roda.

Nesse meio tempo o Gi estava com um saquinho de man-dioca chips (das que são feitas no acampamento). Chamei

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ele e perguntei se ele não queria guardar o saco para o momento do café. Ele topou e guardei o saquinho em cima da mesa. Algumas crianças sentaram na roda. Theo e Ric não. Não lembro quem puxou a conversa, acho que o Brunão.

– (Julia ou Juba) A gente ia fazer uma mística para a festa.– Mas vai ter festa hoje? (Bruno) – alguns disseram que sim e outros que não. – (Juba) Falaram que não vai ter festa porque se tivesse hoje não iria ter outro dia. – No carro a gente tava conversando, do que que era mesmo?– Do trator!– Isso, mas tinha um outro lugar, que o Sasá foi, quem lembra?– O Tatu.– Isso. E o que é lá?– É onde compra as coisas.– Compra o que?– (Ric) Gás, açúcar, sal, comida, roupa.– E porque compra lá?– É o lugar mais perto daqui.– É perto quanto? Dá pra ir a pé?– (Ric) Eu vou em 20 minutos.– (Juba) Tem um caminho por dentro que é mais perto, vai mais rápido.– E tem uma coisa que vocês me falaram que gos-tam de lá que não falaram aqui...– Ah! Bolacha!– Chocolate!– Sorvete!– Ô tio, pra ir pra lá passa pela linha do trem.– Ah, é?– Lá é perigoso.– Porque?

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– Porque já morreu muita gente.– Eu sei de duas pessoas que morreram lá. Eu vi, uma pessoa que tava pela metade (Ric)– É, me disseram que viram uma vez uma pessoa com uma faca na mão e outra no chão.– Também já matou vaca lá.– Outro dia passei com a minha mãe lá, de noite, e a gente ouvia passos.– É, é perigoso lá.– (Fábio) Morre muita gente por aqui.– É. Igual morreu a mãe da Jéssica e ela. (ficaram lembrando daquele dia)

Nesse momento a Juba lembrou que tinha gente nova:

– E o que a gente faz quando tem gente nova?– Faz a roda, vai no meio, faz um gesto e fala o nome.– Então vamos fazer?– Vamos! Vamos! - abrimos a roda. Todos de pé. Começou uma falação só. Ninguém se escutava. Tive uma ideia. Inventei um gesto do silêncio e gritei pra todo mundo.– Olha só pessoal todo mundo com a mão lá embaixo! - todo mundo fez a mesma coisa. Ai a gente levanta a mão fazendo um arco e fe-cha no meio dizendo em todo o movimento – ooooooooooooooooooooooooe! Fez o maior su-cesso.

Quando começamos a conversar na roda, também come-çaram a falar tudo junto. O Uruguaio tentou lembrar do passarinho da fala e disse para fingirem que estavam com o passarinho. Vi que não deu muito certo, tirei meu boné, enrolei e joguei para o Ric que tinha começado a falar.

Depois que todos fizeram silêncio, começamos a apre-sentação que foi bem legal. No meio do caminho che-gou a Ga. Quando ela chegou o Theo falou alguma coisa

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sobre um namoradinho dela (não entendi muito bem). Acontece que o Ric tomou as dores e saiu correndo atrás do Theo. Os dois se pegaram. Ric grudou no pescoço do Theo e jogou ele no chão e ficaram agarrados assim no chão. O Gi correu e deu um chute no Ric (na hora achamos horrível mas depois entendemos que o Gi estava defendendo o Theo). O Brunão saiu correndo e foi tentar conversar com os dois. Fiquei com muita vontade de ir lá, mas estávamos na rodada de apresentação. Pensei um pouco e chamei todo mundo. Peguei todo mundo pelo braço e fomos lá perto, fizemos uma roda do lado dos dois e começamos a conversar.

– (Brunão) E o que aconteceu? - começaram a falar tudo junto. Nisso todas as crianças ficaram quietas prestando bastante atenção. Enrolei meu boné e dei para o Theo. Disse para cada um falar.– (Theo) O Ric veio me bater.– (Ric) Não, não! O Theo começou a falar de um menino que a Ga gosta na escola e ela não gosta que fica falando.– (Ga) É isso! Ele faz sempre isso na escola e eu já disse que não gosto. Não quero que você faça isso. - nesse tempo a Juba interviu e jogamos o boné pra ela:– Tenho uma ideia: de vocês pedirem desculpas um para o outro – e ela começou a guiar as desculpas: Theo para a Ga, Theo para o Ric, Ga para Theo, Ga para...e assim por diante. MUITO LEGAL!

Fomos voltando para a Roda e alguém lembrou do café. Nisso o Ric e o Theo me chamaram de canto e falaram:

– Vamos cantar aquela música da cobra?– Aquela do rabo?– Isso!– Agora?– Tenho uma ideia: a gente tá acabando a apresen-

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tação e antes de ir pro café a gente faz essa brinca-deira, que acham?– Legal! - e voltamos para a Roda.

O Diogo e o Nelson chegaram mais perto. Chamamos eles para a Roda. Para não tomar mais tempo combina-mos deles só falarem o nome (faltava a Ga, Diogo e Nel-son). Depois falei que o Ric tinha uma ideia para a gente ir pro café. Ele disse da música e todo mundo se animou. Começamos a cantar e foi uma diversão só.

Indo pro café todos foram correndo e alguém lembrou de que tinha que lavar a mão. O Theo se prontificou a jogar água na mão de todos – muito legal porque não é a primeira vez que ele quer ajudar; temos que observar isso!

Lavadas as mãos. A Julia ajudou a esticar a toalha e foi todo mundo ajudando a colocar as coisas. O café é sem-pre surpreendente, todos ajudando, passando geleia, divi-dindo as coisas. No meio do café chamei o Gi e disse pra ele do chips que ele tinha guardado. Ele ficou feliz pegou e dividiu com algumas crianças que pediram. O café foi acontecendo e o Brunão saiu para pegar os materiais para contar a história. No meio do café o Ric veio falar que queria desenhar e se hoje não íamos ter desenho. Disse que não sabia e que íamos descobrir logo.

Acabado o café o Brunão chegou com as coisas e todos estavam se perguntando o que iríamos fazer. Perguntei se alguém tinha alguma coisa diferente. Todos ficaram olhando procurando, até que o Brunão foi trazendo as mãos para frente com uns papeis enrolados e todos grita-ram – ELE! ELE! O Brunão então chamou o pessoal, dis-se que ia contar uma história e todos foram para o toco de árvore, sentar e ouvir. Foi muito interessante todo mundo ir e ficar tranquilo para ouvir a história.

Brunão começou mandando muito bem, mas nesse meio tempo apareceram dois adolescentes, filhos da Ana do primeiro barraco de cima do acampamento. Chamaram

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o Uruguaio. Depois eles me chamaram. Um deles disse que a mãe, Ana, estava passando mal... Por esse fato eu não acompanhei o final da história mas cheguei e o Ric estava finalizando uma história (depois o pessoal me con-tou que ele quis contar uma história e todo mundo ficou ouvindo – muito legal isso!). Terminada a história do Ric, Uruguaio explicou o que era a atividade: disse que íamos fazer desenhos a partir da história mas que era livre e eles seriam para enfeitar a sala no dia da reunião com os pais. Todo mundo ficou louco com a atividade de desenhar. Dividimos as cartolinas e eles ficaram o tempo todo liga-dos nisso.

As coisas tomaram mais tempo do que esperávamos e não tivemos tempo de fazer a atividade da foto. Uma pena, mas o Brunão teve a idéia da gente aproveitar a máquina e tirar uma foto coletiva da Ciranda. No meio pro final da atividade chegaram Fau, JP e as irmãs. Também dese-nharam.

Fomos terminando a atividade porque estava chegando perto do horário precisávamos sair para entregar o carro. Falamos para fazer uma roda. Juntamos todo mundo – quem tava e quem não estava na Ciranda! Abrimos um rodão e falei:

– Agora a gente queria fazer uma coisa que nun-ca fizemos antes na ciranda... - todo mundo ficou com um olhão! - A gente queria tirar uma FOTO COLETIVA!!!!– (silêncio) Isso mesmo, todo mundo ficou me olhando com uma cara do tipo de quem não se interessou, mas não perdemos o rebolado. Fomos logo pegando todo mundo e correndo para um lu-gar tirar foto. Juntamos todo mundo no tronco. Todos lindos. Pegamos a câmera, eu e Brunão fize-mos um suporte para ela, colocamos no automáti-co e...pronto! Temos uma foto linda que pensamos

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em ampliar GRANDONA e levar na próxima Ci-randa, que é a reunião com os pais!

No final levamos o pessoal pros barracos. A Jéssica disse que se a gente não passar para pegar ela a mãe dela não deixa ir. E paramos para falar com o Marcelo da reunião com os pais. Depois voltamos com atraso para entregar o carro para o Jorge.

Relato da Avaliação da Ciranda

Essa avaliação é feita na reunião seguinte a atividade, en-tre os educadores. É um momento importante pois o que foi feito na ciranda anterior, e o que aconteceu, é consi-derado pra gente planejar a próxima atividade no acam-pamento:

–Roda rolou e tiraram a foto final da galerinha mais linda do Brasil. As crianças falaram bastante.–Muitas se colocaram e sugeriram as brincadeiras.–Resolveram a briga em roda, com todos juntos e conversando sobre o que aconteceu.Juba coordenou as “desculpas”.–Fabinho: ligado em todos os momentos tentan-do conectar tudo. Será que centralizou a função de coordenar a ciranda? Alguém centralizado em puxar as atividades? Achamos que devemos sentir o dia, nos olhar e saber quando e como cada um dos cirandeiros se coloca.– Criançada ao redor, brincando de bola. Fabinho conversou com os meninos para brincardepois da ciranda já que a bola iria distrair o pesso-al. Eles toparam numa boa.–Vivian: Relação com adolescente, relação de con-quista.

Como está se estabelecendo esse canal com os adolescen-tes que estão ao redor da ciranda, e que não sentem que as atividades que propomos são legais ou interessantes para a idade deles?

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24 de setembro de 2011

Como contamos na metodologia, nos reunimos uma vez durante a semana para planejar a atividade do sábado. Planejar, avaliar a atividade anterior, e conversar sobre alguma questão do momento. Nessas reuniões, as prin-cipais informações são registradas e mandadas por e-mail para todas as pessoas do coletivo. Assim, a gente sabe o que vai acontecer no dia da ciranda e registra as decisões e discussões do coletivo.

Veja abaixo um exemplo de planejamento:

CRONOGRAMA DO DIA

Brincadeiras

A Lele vai fazer uma lista. O Dorfo vai levar a corda.

Roda

Tarefa: conversar com as crianças sobre o tema transfor-mação, que é o tema tratado durante esse período na ci-randa

Lanche

Bolachas, frutas, pão: cada educador se responsabiliza por comprar ou fazer algo para o lanche.

Atividade

Deitar as crianças no papel pardo e contornar o corpo. Enfileirar no chão os desenhos em uma escadinha dos menores para os maiores; discutir os corpos, as diferenças: menino, menina e tamanho. Fazer uma conversa, se se lembram como eram quando pequenos e o que mudou.

Tirar fotos e levar pra reunião de pais.

Pra próxima atividade fazer uma colagem de elementos significativos para as crianças.

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Materiais

Papel pardo, canetinha hidrocor, tinta, pincel, tesoura.

contornando seus corpos!

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Relato da atividade

Esses relatos são escritos por um ou mais cirandeiros que vão na atividade do sábado. Assim, os que não foram na atividade ficam sabendo o que aconteceu. Ao mesmo tempo, esse relato é um exercício de reflexão pra quem escreve, porque na escrita, a pessoa pode repensar toda a atividade, lembrar do que aconteceu. Às vezes achamos que a ciranda foi horrível e quando escrevemos, vamos percebendo as coisas legais que aconteceram.

Saímos de Barão Geraldo às 7h30, com o coletivo de estu-dantes de engenharia, Tiradentes e Bruninho.

Chegamos ao Elizabeth Teixeira às 8h20, e já havia al-guns pequenos brincando no Barracão (Debora, Theo, Gi, Juba). Jéssica e Lele ficaram por lá, enquanto eu e Diego seguimos caminho com nossos colegas rumo à casa do seu Élvio, onde assumiríamos a Kombi para acabar de pegar a criançada. Do trecho pós linha do trem, foram poucas as crianças que vieram (Julia e Ric). A avó de Julia disse que ela podia vir, desde que “tome cuidado com... bom, já conversamos!” Ninguém mais daquele trecho es-tava em casa.

A Julia fez pra gente um presente lindo: na escola, a pro-fessora organizou uma competição entre os alunos, e tal “torneio” se dava sob a seguinte forma: quem fizesse o de-senho mais bonito ganharia uma caixa de canetas. A Júlia fez um desenho sobre o conto da “pomba e da formiga” (história que ela nos repassou durante o percurso) e, na parte de cima do desenho escreveu, dentro de um coração rosa, “Julia e o tiu e a tia”. Ela ganhou o tal premio, e disse que tinha feito o desenho para nós, da Ciranda, e que queria que o desenho fosse colocado no teto da Kom-bi (batizada pelo Lu, Nelson e Ric, em outro momento, como Nicolina).

Quando o Ric entrou, tudo estava bem. Ele ia contando--nos sua semana, sobre a construção da horta coletiva,

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sobre como ele vai fazer a horta dele e da mãe, e que há um reservatório de água na sua casa. Além disso, contou--nos sobre uma atividade de pintura que fez na escola, que gostaria de repetir na Ciranda, com tinta preta e giz de cera colorido.

Era aniversário do JP. Porém, ele, a Fau, a Pâ, e o Cris, não puderam ir à Ciranda porque tinham que ajudar em casa.

Chegamos ao Barracão, Jéssica estava brincando com os pequenos.

Presentes: Rodolfo, Uruguaio, Jéssica, Lele, Julia, Debora, Gi, Theo, Ric, João, Juba, Renan, Valter e, posteriormen-te, tivemos a grata surpresa de ter a presença da Lola.

Brincadeiras: o pega-pega foi na paz, sem brigas e choros. Porém, lembrado pela Lele no dia anterior, levei a cor-da — e este, pra mim, foi um marco no dia. Depois do pega-pega pedi pro Gi me ajudar a pegar um negócio, e trouxemos a corda. A criançada ficou feliz da vida, e, em seguida, foi briga pra ver quem ia bater corda, pra ver quem era o primeiro a pular, pra ver quem queria segurar a corda – o que resultou no violento “cabo de guerra” entre as partes, principalmente entre Ric e Theo. Em se-guida, a corda começou a ser batida, e a coisa voltava a se encaminhar bem, ainda que de modo precário.

Modo precário porque, se, por um lado, as crianças res-peitavam a fila, por outro, os que não estavam pulando a corda, agitados que estavam, ficavam correndo e se arre-bentando. A agressividade em relação à pequena Julia era impressionante; principalmente Ric se dirigia a ela com desdém ou raiva, ofendendo-a gravemente.

Acabamos com a brincadeira da corda, e o clima de dis-persão era sentido a quilômetros do local. Após várias ten-tativas de formação da roda, que incluiu pedidos, gritos e canções fracassadas – tudo isso enquanto a molecada tro-cava pancadas – conseguimos, por fim, fazer o tal círculo.

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A prosa foi rápida. Após algumas palavras ríspidas tro-cadas entre as crianças, elas começaram a falar como foi a semana. Os meninos, comovidos pelo sentimento de violência generalizada, começaram a contar como o Theo apanha sempre na escola. Como o Ric bate nele sempre, como os meninos separam as brigas. Como o Theo deu um tapa no João que, em resposta, deixou a marca dos cinco dedos na cara do Theo. Também contaram que o Valter quebrou uma cadeira na cabeça de um amiguinho na escola. E, após dizer isso, disse: “né, Lola?”, com um risinho maligno, daqueles que só os adolescentes são ca-pazes de fazer ao sacanear alguém, contar algo proibido, enfim.

Acredito que estávamos meio perdidos na discussão, uma vez que o mais longe que chegamos foi:

1) manter o silêncio;2) o Uruguaio perguntar o por que de eles não conversarem entre si. Eles responderam que con-versavam, mas que não dava...

O Uruguaio pediu, em seguida, para que a Julia mostrasse o desenho que fez a todos. Ela mostrou, orgulhosa, de pé, no meio da roda, o desenho. E foi aplaudida – aplauso sincero por parte de alguns, irônico por parte de outros. Mas ela parecia feliz.

Tentei também afastar a conversa da temática violência, pedindo pro Ric contar a atividade que ele havia feito na escola, para que pudéssemos fazer na Ciranda. Este pediu pro João contar, uma vez que estão na mesma sala. João contou, animado, a dinâmica. Antes que o murmurinho voltasse, a Lele sugeriu que fizéssemos o delicioso CAFÉ.

O café estava uma delícia. A Jéssica fez cookies, o Bruni-nho fez salgadinhos, a Lele levou frutas. Tudo foi devora-do. A meu ver, esse foi o momento de maior harmonia, inclusive na questão da organização e distribuição de ta-refas (ainda que alguns de nós fizéssemos algumas coisas).

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A seguir, a atividade.

Começamos um pouco depois das 11h. Sentamos em roda – não sem esforço -, e o Uru explicou o causo. A proposta foi bem aceita, com acréscimos da Debora, que já havia feito esta atividade em Minas Gerais, com a dife-rença de que, após os corpos desenhados, ela construiria a roupa da “sombra” com papel. Nesse momento, o Ian, que havia chegado a pouco, estava jogando bola com o João. A proposta da atividade, casada com nosso limite de tempo, era que, após contornar os corpos das pessoas nos krafts, colocássemos em ordem crescente.

A coisa foi indo bem, com tropeços. As meninas quiseram ser contornadas várias vezes, pois não gostavam do resul-tado do contorno inicial, feito pelos colegas. Os meninos – em especial Theo e Ric – se matavam (quase literalmen-te) pra ver quem iria esticar o rolo de papel pardo no chão pros companheiros deitarem e, assim, serem contornados. Porém, ainda assim, as crianças que estavam lá foram to-das desenhadas.

Nesse momento, aconteceu mais uma vez o episódio do problema com os materiais. O Ric pediu para que désse-mos uma folha pra ele ficar desenhando, e nós negamos, uma vez que tínhamos uma atividade para aquele mo-

comparando os tamanhos, as idades e as memórias

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mento. Porém, ele recortou uma folha para si e queria utilizar uma tinta guardada. A Lele falou com ele, e ele desistiu do plano. Porém, Juba e Debora pegaram folhas para si. Conversamos com elas e tudo se resolveu, elas voltaram pra atividade.

Os contornos eram engraçados. O processo era engraça-do. Quando nós deitávamos numa folha para sermos de-senhados, a mobilização das crianças para contornar-nos era quase geral, numa mistura de carinhos, lambidas e brigas entre si – para que um não estragasse o contorno do outro.

Acabado o traçado, posicionamos os desenhos um do lado do outro, e pedimos para que cada um deitasse sobre o seu – por causa do forte vento.

Foi aí que começamos a pedir comparações para as crian-ças. “Quem já teve o tamanho do Gi?”, “E o da Julia?”, “E o do Rodolfo? Ninguém, ele é muito grande...” Jun-to com essas questões, perguntávamos sobre as idades e em seguida dizíamos “o que vocês faziam com a idade do Gi?” Perguntamos a boa parte das crianças envolvidas, individualmente, e descobrimos que, de acordo com elas, na idade do Gi, a maioria absoluta comia terra – e se lem-bra muito bem.

Acabamos a atividade recolhendo os desenhos, e dizendo que, na semana seguinte, iríamos voltar a trabalhar com eles.

O Ian chegou pra mim, como quem não quer nada, e disse que, se formos trabalhar com giz de cera no próximo sábado, ele participa da atividade. A Lola disse que, se a mãe dela estiver em casa, ela vem, se não, não.

A volta teve momentos diferentes. Uru ensinava a todos palavras em espanhol – que eram repetidas com entusias-mo! Paramos na casa da Dona Lucia para dar parabéns ao JP – feliz da vida com o aniversário de quatro anos. Abra-çamos ele e as demais crianças e por elas fomos abraçados.

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O Cris, choroso, disse que queria ter ido à Ciranda, e que não ia na semana seguinte porque “queria ir hoje”.

Por fim, voltamos para casa, cansados por um dia que exi-giu alguma fibra e muito rebolado por parte de todos nós.

ADENDO da Lele (todo mundo que vai na atividade pode completar os relatos, como nesse exemplo)

Bom, vou completar algumas partes que me cabem:

Eu e a Jéssica ficamos com Gi, Theo, Debora e Renan, logo depois a Juba chegou. Foi bem bacana, brincamos de caminhão de laranja, e com um pneu velho que estava por lá. O Theo escreveu o nome dele com areia, de um jeito bem legal. Apesar de pequenos atritos nesse momento, vi momentos de grande amizade entre essa galerinha. A De-bora e o Theo se chamavam por apelidos: thethêo e dédé. O Theo subiu naquela árvore de semente que voa quando jogada pra cima. Pegou semente pra todo mundo brincar. O Theo e o Gi estavam super carinhosos com o Renan.

Acho incrível como as crianças mudam quando estão em grupo.

Chegamos de volta ao barracão e achei engraçado a Bia ter nos colocado ontem, na reunião, a importância sobre atividades para os bebês que possam aparecer e justamen-te hoje, apareceram 2!

Renan e Luis, filho da Jo, irmão do Diogo e da Juba. Não tínhamos levado nada pra esses tão pequenos, mas estendi a toalha do café no chão pra que eles pudessem sentar e ficar mais a vontade. O Gi quis ficar por perto e era muito carinhoso com o Renan, beijava ele constan-temente! A Debora levou uma bola pro irmão brincar e encrencou com o Gi, dizendo que ele furaria a bola se brincasse. Achei sacanagem e fui falar com ela, questio-nando porque ele não podia jogar e ela nem sabia dizer direito o porque. Falei que os dois eram pequenos e que conseguiam brincar numa boa. Ela não deu muita bola e

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os dois continuaram jogando.

A atividade rolou do jeito que o querido Rodolfo nos re-latou.

No mais, o episódio do Ric e os materiais foi complicado. Todos viram a tinta antes que a atividade começasse, mas falei que depois usaríamos a tinta e fomos contornar os corpos. Durante isso, Ric apareceu com uma tinta. Pedi pra ele guardar e ele ficava fazendo graça, querendo pin-tar. Depois de um tempo guardou e apareceu com um pincel. Falei firme dizendo que não era hora de usar aque-le material, pedi pra esperar e guardar. Depois conversei com ele. Falei que se ele sai usando o material, dispersa a galera da atividade. Ele entendeu.

O Ric é outro que muda bastante quando está em grupo. Ele provocou muito a criançada.

Outro momento legal foi quando, sem querer, o Theo passou com a tesoura na barriga da Julia. Esse fato não foi legal, claro! Ela chorou e ficou uma marquinha vermelha, que na hora pensei que daria problema quando a avó dela visse. O legal foi que o Theo, super preocupado, explicou o que aconteceu (ele estava carregando o rolo de papel pardo e segurando a tesoura com uma das mãos) e pediu desculpas pra Julia que aceitou numa boa.

Relato da Avaliação da Ciranda

Essa avaliação é feita na reunião seguinte à atividade, en-tre os educadores. É um momento importante pois o que foi feito na ciranda anterior, e o que aconteceu, é consi-derado pra gente planejar a próxima atividade no acam-pamento.

O que marcou pra gente.

– Questão da violência entre as crianças;

– O café foi a parte mais harmônica, na qual as crianças se organizaram – proposta de cozinhar

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com as crianças na casa da Mineira. Poderíamos fazer um bolo e tratar da questão das transforma-ções em cada etapa da produção;

– Contornar os corpos das crianças faz com que eles se tocassem de outra forma, além das brigas;

– Foi muito bacana quando comparamos uns aos outros, todos deitadinhos em cima de seus contor-nos, todos ficaram concentrados nesse momento.

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Histórico

Desde 2008 o Universidade Popular (UP) desenvolve trabalhos de educação popular com as crianças1, jovens e adultos2 no acampamento Elizabeth Teixeira (ET). Esses trabalhos desenvolvidos pelo UP estão diretamente liga-dos às condições de vida locais. A ausência de água, luz, transporte e saneamento são desafios diários para sobre-vivência dos agricultores. Por causa desses problemas e na busca de um espaço para realizar as atividades foi criada a Frente Agroecologia3 para serem encaminhados esses desafios.

Tais esforços do UP, em especial da Frente Agroecologia, têm em vista constituir uma infraestrutura mínima e ge-rar renda na comunidade. Um dos principais problemas enfrentados pela Frente e pelo UP é a falta de um espaço adequado para a realização das atividades.

Alguns educadores do UP passaram a se envolver com dois setores da organização interna do acampamento, o setor de produção e o de gênero.

No meio de 2009 o setor de gênero do MST propôs uma parceria com formadoras da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Essa parceria buscava recur-sos do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) para produção das mulheres no acampamento Elizabeth Teixeira, na cidade de Limeira, e no assentamento Milton Santos, em Americana.

Junto dessa parceria, um dos educadores do UP acom-panhava as reuniões do setor de produção. O setor de produção prevê a organização de frentes de trabalho para melhorar a infraestrutura do acampamento. Buscou-se melhorar ou construir:

- as estradas de acesso e as ruas dentro do Elizabeth;

- curvas de nível4;

1 O espaço de educação infantil é chamado de Ciranda.

2 Alfabetização, noites culturais e outras atividades.

3 O que é agroecologia? Área do conhecimento que pretende promover uma agricultura ecológica. As maneiras de plantio, manejo e organização da produção são pensados para garantir os alimentos por todo o ano e também a conservação da água, do solo e dos animais que ali vivem.

4 Curva de nível é o alinhamento do terreno formando curvas de diferentes alturas. Ajuda a reter os elementos solúveis do solo evitando lixiviação (lavagem dos sais minerais presentes no solo) e erosão (desgaste do solo pela chuva ou vento) –Ver foto 13 no fim do livro.

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- área social;

-mutirões entre os lotes de membros da militância (como forma de liberá-los para atividades de orga-nização política e demonstrar a eficácia do trabalho cooperado)

-mudas para plantio entre os acampados.

No final de 2009, mesmo sem o financiamento do MDA, os membros da direção do MST regional Campinas pe-diram que a ITCP apoiasse atividades de formação em cooperativismo5 no Elizabeth Teixeira.

Em 2010 um membro do Universidade Popular foi eleito para se tornar membro formador da equipe agricultura da ITCP. O objetivo era ajudar na formação em coopera-tivismo junto ao setor de produção. Ao longo deste ano, as reuniões do setor de produção eram abertas aos forma-dores da ITCP e foram desenvolvidas diversas atividades.

Uma das atividades foi uma visita da Associação de Mu-lheres Agroecológicas (AMA), grupo do assentamento Vergel, localizado em Mogi Mirim-SP, ao Elizabeth. Nes-se encontro falamos sobre coletivos de produção, reali-zamos uma oficina de produção de mandioca e banana chips (para aumentar o valor dos produtos), e comen-tamos sobre a necessidade da comunidade realizar uma pesquisa sobre as condições da produção das famílias e as possibilidades de organização de duas feiras com produ-tos do assentamento.

As mulheres se reuniam num mesmo espaço, com a pre-sença da ITCP, e as reuniões passaram a ser acompanha-das mais de perto.

Alguns membros do UP assumiram a responsabilidade de organizar e encaminhar de forma coletiva um espaço físico junto ao setor de produção e infraestrutura do Eli-zabeth. As tentativas de erguer um espaço para a Ciranda com técnicas tradicionais de construção, com base na per-

5 União de pessoas para o atendimento de desejos e necessidades econômicas, sociais e culturais comuns

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macultura6, chegaram a envolver um grande número de estudantes e acampados.

Para essa construção aconteceram duas reuniões de pais, articuladas pelos componentes da Ciranda, que juntos decidiram encaminhar a construção do espaço físico.

Diversos mutirões seguiram-se daí, desde a limpeza do espaço, colheita de bambus, novas reuniões, até a constru-ção da cobertura e das paredes. Tal cobertura foi feita em forma de geodésica7, uma estrutura circular de 5 metros de diâmetro.

As crianças participavam do processo de construção. Os mutirões eram semanais. Foi feito a ornamentação do es-paço com plantio de flores e árvores frutíferas.

Contudo, os mutirões e a construção foram desarticula-dos pela falta de envolvimento crescente, por brigas inter-nas no acampamento e pela falta de água para misturar terra, areia e palha e “dar a liga” para erguer paredes.

A partir do segundo semestre de 2010, os trabalhos rea-lizados junto ao setor de produção tentaram propor so-luções práticas para as necessidades por água, melhoria do solo e área social. Dentre as saídas propostas podemos destacar a busca por auxílio técnico para conhecermos mais sobre a terra ou solo e para a determinação das árvo-res que existiam no local. Estes auxílios técnicos partiram da necessidade de tratar a terra para melhorar o plantio. Também queríamos conhecer a mata para restaurar as áreas determinadas entre os acampados e o INCRA, para conseguir a licença ambiental da área.

Como pensamos e iniciamos as atividades

A frente agroecologia é a frente mais nova do Universida-de Popular. As atividades da frente surgiram como forma de organizar a participação direta de alguns dos membros do UP com atividades ligadas ao setor de produção e in-fraestrutura do acampamento. Essas atividades são muti-

6 Técnicas de construção e plantação onde se aproveita o que tem na terra onde estamos construindo e plantando.

7 A geodésica é uma cobertura de forma semi-esférica feita com bambu e paredes de taipa (barro). Todo material necessário para a construção era encontrado no acampamento. Ver Foto 14 no fim do livro.

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rões de trabalho (capina, construção) nas áreas coletivas, coleta de mudas para os agricultores, organização de feiras e outros espaços de comercialização. Essa frente também procurou atender as necessidades de assistência técnica, formação em cooperativismo, agroecologia, educação ali-mentar e nutricional para a soberania alimentar8.

Desde o segundo semestre de 2009, quando membros do UP passaram a acompanhar frequentemente as reuniões do setor de produção do Elizabeth, a gente se perguntava sobre as possibilidades de atuação naquele espaço. Nos-so papel não é óbvio. Como trabalhadores, somos rela-tivamente menos eficientes do que os trabalhadores que estão dia a dia no campo. Como formadores/educadores para os temas da agroecologia, agrotóxicos, soberania ali-mentar e energética ou assistência técnica, não tínhamos autoridade para falar sem parecer que éramos alienígenas diante das necessidades gritantes dos agricultores. Com isso, os membros do setor de produção nos convidaram a participar das tarefas braçais que encaminhavam: mu-tirões, colheita, coleta de mudas. Acreditamos que essa interação seja importante para o processo de formação da frente Agroecologia, para conviver e colaborar com o se-tor de produção do ET.

a) Lotes referência

No começo de 2011 houve muitas discussões entre os membros do coletivo Universidade Popular a respeito de possibilidades de produção coletiva nas áreas do MST. Foram realizadas conversas com militantes do movimento para encontrar uma área que pudesse ser coletivizada. As áreas apontadas foram as áreas sociais dos assentamentos/acampamentos (lotes comuns que existem tanto no Mil-ton Santos quanto no Elizabeth Teixeira), mas que foram recusadas pois seria necessária uma consulta, e permissão, de todos os assentados/acampados das duas áreas o que dificultaria o processo de coletivização. Um casal de mi-litantes então ofereceu o próprio lote para coletivização e

8 Consiste em dar aos camponeses condições dignas para viver e produzir alimentos saudáveis, que não estão contaminados por agrotóxicos e cujas sementes são as crioulas tradicionais dos povos, e não transgênicas. (www.mst.org.br)

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experimentação agroecológica. Mais tarde, outro acampa-do propõe a construção de um viveiro de mudas em seu lote, ambos no ET.

Decidimos encaminhar frentes de trabalho nessas áreas que foram coletivizadas. Entendemos que esses agriculto-res disponibilizaram seus lotes para o desenvolvimento de experiências em produção coletiva. Avaliamos que naque-le acampamento o lote social não apresentava condições necessárias ao aproveitamento do trabalho coletivo, visto que as experiências de construção e de plantio naquela área apresentaram perdas (de mudas e de trabalho).

Na área social, comum a todo assentamento, faltavam condições ao trabalho coletivo: falta de água e também de interesse da maioria dos moradores daquele local. Eles diziam que ainda não possuíam a área legalmente de modo que não trabalhariam na área social. Desse modo, fizemos a escolha de realizar trabalhos de infraestrutura e produção em lotes de militantes do MST. Esses militantes foram, ao longo dos anos, muito comprometidos com a organização daquele acampamento e com diversas outras lutas da região. A experiência também oferecia uma for-mação em técnicas de agricultura e construção aos estu-dantes que se dispunham a trabalhar, e a troca de saberes entre eles e os agricultores.

Combinamos com cada um dos agricultores envolvidos que os benefícios e a produção vinda das benfeitorias ins-taladas nos lotes (S.A.F., viveiro)9 também deveriam ser socializados. A experiência possui também um sentido pedagógico, pois estabelece referências sobre o manejo agroecológico do solo. A proposta é jamais utilizar ne-nhum agrotóxico, assim como adubos minerais, e utilizar o trator o mínimo possível.

Um componente importante da metodologia das ativida-des da frente de agroecologia é o regime de trabalho em mutirão. No mutirão é realizada a jornada de trabalho

9 Para saber o que é SAF veja adiante o Relato I da Agroecologia.

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com a maior quantidade de pessoas possível trabalhando na área ao mesmo tempo, ou em períodos alternados. Tal prática possibilita um aumento na eficiência do trabalho coletivo.

Para a preparação de mutirão algumas condições são im-portantes. A primeira delas é estrutural. É necessária uma porção de ferramentas, sementes, mudas de árvores, com-postos orgânicos, alimentos, água e etc. Outro elemento fundamental é a escolha do trabalho a ser feito, que deve ser decidido coletivamente. Por fim precisam-se juntar as pessoas, articulando os aliados e conseguir um transporte em que caibam todos e todas. Um almoço coletivo é legal para reanimar o povo! Uma conversa avaliando como foi o trabalho é tão importante quanto um bom planejamen-to.

b)Assistência técnica: análise de solo, levantamento florístico, analise da água.

Análise de solo

A partir das diversas reuniões acompanhadas pelo UP no setor de produção foram elencados alguns problemas en-frentados. Um dos problemas é o solo do acampamento. O solo podia estar contaminado por causa do lixão e da linha de trem que passam perto do acampamento.

Coletamos um pouco de solo de alguns lotes do ET. Foi feita uma conversa com cada acampado que mora no lote. Nessa conversa queríamos saber:

- o que o agricultor planta;

- o que já tentou plantar e não vingou;

- qual a profundidade do poço de água do lote;

- se tem pragas na plantação;

- se tem minhocas na plantação;

- e a temperatura do solo.

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No laboratório, descobrimos informações que ajudam a ver se o solo é fértil de cada lote que coletamos. Foi distri-buída uma cópia de todas as análises realizadas para cada lote, além de uma cópia para a ITCP. Assim, poderíamos usar as informações para outras atividades para pensar-mos em como melhorar e aumentar a produção com prá-ticas agroecológicas e de baixo custo, além de encaminhar informações e dúvidas para os técnicos do INCRA.

As idas foram articuladas com o UP, como uma forma de ligar as análises que já haviam sido realizadas, criando um mapa detalhado do acampamento, sobrepondo ao mapa de lotes e declividade10 para que cada acampado consiga visualizar a condição de seu solo. No entanto, a atividade não foi finalizada. Houve uma desarticulação entre os membros e às atividades que a própria frente estava en-caminhando.

Apesar da desarticulação, as informações ainda podem ser utilizadas para pensar em possíveis práticas para melhoria das condições de cada tipo de solo encontrado. Com as informações podemos divulgar práticas de manejo11 de acampados que mostraram melhorias na composição do solo, como práticas realizadas no lote do seu Élvio. Tam-bém é possível ver que tipo de planta é melhor ser planta-da em cada lote, de acordo com a vontade do assentado.

Levantamento florístico

As questões relacionadas ao meio ambiente sempre foram diretrizes do MST. Muitas campanhas a favor da preserva-ção do meio ambiente são promovidas, dentre elas, a não utilização de agrotóxicos e venenos nas plantações.

Em 2010, para localizarmos e conhecermos a área para a realização do levantamento florístico, fomos acompanha-dos pela Dona Angélica. Ela nos falou sobre a preservação das matas para que os polinizadores e a água sejam ricos para a plantação.

10 Inclinação do terreno, ou diferença de altura entre dois pontos.

11 O que plantar, como plantar, quais plantas combinam entre si, plantar sementes, capina, adubação

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Para começarmos o processo de recuperação das poucas áreas de mata do ET realizamos a análise da mata que se iniciou em 2011. A demora a concluirmos essa demanda do ET está muito relacionada à falta de pessoas disponí-veis para a realização de um trabalho técnico voluntário.

A análise da mata ou levantamento florístico é uma téc-nica que conta e mede os diferentes tipos de árvores que formam uma floresta. A mata estudada está bem próxi-ma da beira do rio Tatu, com muitos tipos de árvores, mas com pouca madeira. Guaçatonga, Copaíba, Araribá e Cambará foram algumas das árvores encontradas no ET. A mata original foi toda retirada sendo que essas árvores fazem parte de uma nova mata com poucas espécies, que está se regenerando. O fato da mata ter regenerado sozi-nha nos mostra o potencial de recuperação da área. Esse estudo nos mostrou as árvores que já existem no Elizabeth e que podem ser utilizadas para a produção de mudas no viveiro.

Análise de Água

Outro problema que foi elencado pelo setor de produção foi a água do acampamento, que poderia estar contami-nada devido à proximidade do lixão, a mina de água, que estava secando e as manchas de óleo que apareceram perto da linha do trem.

Além disso, a plantação de cana perto do acampamento usa agroquímicos, que acabam contaminado os solos dos lotes próximos. Os estudantes do campus de Limeira ten-taram analisar a qualidade da água, além de questionar o laudo da SABESP que dizia que a água que corria no assentamento não estava contaminada. Contudo, as ativi-dades não foram finalizadas e a SABESP se negou a fazer outra análise da água. Mas entendemos que é importante procurar mais informações sobre a água no acampamento – água é vida.

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Relato I – Manejo dos lotes referência

O manejo12 do lote coletivizado tem como objetivo de-senvolver uma área de “sistema agroflorestal (S.A.F.)”.

Mas o que é um S.A.F.? E como criar um?

A princípio podemos afirmar que é uma plantação que procura imitar uma floresta natural, com espécies ocu-pando os diferentes estratos13 da mata, dando maior im-portância às espécies alimentícias, para garantir boa ali-mentação a todos.

Plantamos as árvores de grande porte, frutíferas ou ma-deireiras, relativamente próximas umas às outras, e entre elas, plantas de menor porte que crescerão primeiro, e também plantas de adubação verde14. As plantas ciclam15 os nutrientes do solo regenerando-o e criam uma dinâmi-ca de cooperação entre as espécies16.

Planejamento

A nossa atuação nos lotes referência inclui o preparo da terra para plantio e manutenção dos solos, como a capi-na e adubação verde, e o plantio de espécies de interesse alimentício, tanto para comercialização quanto para con-sumo dos acampados.

Para a realização do trabalho, precisamos providenciar mudas e sementes, ferramentas, e organizar mutirões.

Registro

Um dos dias de mutirão no SAF incluiu a plantação de mudas de abacaxi e o manejo da braquiara17. O abacaxi é um fruto fácil de ser plantado pois apenas com a coroa do fruto é possível produzir uma muda. Além disso, é uma planta muito resistente que se adapta facilmente em solos ácidos. O manejo da braquiara foi feito primeiramente carpindo a braquiara e depois depositando a matéria or-gânica cortada em áreas estratégicas para proteção do solo (evita perda de umidade do solo e retarda o crescimento da braquiara pelo abafamento).

12 Práticas agrícolas como capina, poda, colheita, semeadura, interação entre plantas, época de plantio, etc.

13 Os estratos são as camadas da floresta, plantas de diferentes alturas ocupam diferentes estratos.

14 Prática de plantio de plantas que fornecem nutrientes para o solo aumentando sua capacidade produtiva.

15 Ciclagem de nutrientes: as folhas em decomposição que cobrem o solo fornecem nutrientes para as plantas. Assim, as plantas têm nutrientes para se desenvolverem e quando morrerem fornecem nutrientes para outras plantas, completando o ciclo.

16 Ver foto foto 22 no final do livro.

17 É um capim originário da África, foi introduzida no Brasil para pastagem e transformou-se em uma espécie invasora de diversos ecossistemas brasileiros. Como invasora, ela impede o desenvolvimento das gramíneas nativas e sufoca o desenvolvimento dos campos nativos.

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Avaliação

O trabalho tem sido realizado periodicamente pelos inte-grantes da frente e tem atingido o objetivo de auxílio aos acampados , tendo em vista a dificuldade enfrentada pela dupla jornada de trabalho e o árduo trabalho com a terra.

Nesse trabalho compartilhamos conhecimento. Por um lado os acampados nos ensinam sobre práticas agrícolas sobre as quais tem grande domínio. Por outro, ensinamos a teoria por trás do planejamento e execução do sistema agroflorestal.

No plantio de espécies, a maior dificuldade encontrada é a obtenção de sementes e mudas. Sendo assim, muitas vezes nos limitamos a plantar um único gênero, de fá-cil obtenção e fácil adaptabilidade às condições ruins do solo. Duas práticas importantes que vêm sendo feitas é a adubação verde e o manejo da braquiara para formação de cobertura morta. Essas práticas fornecem proteção ao solo, melhorando sua qualidade em termos de nutrientes e acidez. Também permitem um melhor desenvolvimen-to das espécies de interesse. Dessa forma, diminui-se a dependência de insumos externos e adéqua-se a produção aos moldes agroecológicos .

Relato II – Sobre a construção da Geodésica.

No inicio de 2010, até o meio do ano, o coletivo Univer-sidade Popular empreendeu esforços para construir um lugar onde as pessoas pudessem estudar, e as crianças pu-dessem brincar.

A ideia surge, na verdade, a partir de conversas com acam-pados e a partir das necessidades das atividades de educa-ção já desenvolvidas no acampamento.

Fazíamos a avaliação de que os barracos dos acampados-não eram um bom espaço para as aulas de alfabetização, assim como o barracão também não era bom para as ati-vidades da ciranda.

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Surge então a tarefa de se construir uma “escolinha”. En-tretanto era necessário conseguir pessoas para isso, assim como construir essa ideia coletivamente, no acampamen-to. O grupo da Ciranda decide então realizar uma reunião de pais onde seria discutida a construção da escolinha, assim como os materiais. Tal encontro foi chamado outras vezes para organizar a construção do espaço. Os pais deci-dem então por construir um espaço de taipa e a cobertura seria em forma de geodésica.

Durante três meses as pessoas se organizaram para cons-truir a escola. Os meses de Abril, Maio e Junho de 2010, durante os mutirões levantamos as paredes e colocamos a cobertura do espaço físico para as atividades da Ciranda acontecerem.

Infelizmente por falta de estrutura e desmobilização das pessoas por questões sociais e ambientais, principalmente água, essa atividade não foi concluída. Porém não desisti-mos, hoje, nos mobilizamos mais uma vez, e próximo do lugar onde ficaram partes de paredes de barro e bambus podemos ver tijolos, que foram preparados e levantados em forma de parede em mutirões, encaminhados nas reu-niões do setor de educação.

Segue abaixo alguns relatos das atividades passadas de construção da escolinha.

Primeiro Mutirão 28 de abril de 2010

Hoje houve um primeiro mutirão para construção da es-colinha no Elizabeth, entretanto o acampamento inteiro se mobilizou para impedir que as pessoas de um acampa-mento próximo fossem pra lá. Havia alguma tensão ali, e me disseram que saiu na mídia que as pessoas iriam para lá. Sei que dificultou o mutirão, falei com o Edivan antes e ele avisou que a situação estava muito difícil. Naquela hora estavam, a Suelen, Leonor, Edivan, Mércia. A Mile-na. A Milena trabalhou na cozinha. Carpimos as áreas da construção durante todo o dia.

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Segundo Mutirão, 05 de Maio de 2010

Esse mutirão foi melhor que o anterior, dessa vez tinha muita gente, uma porção de pessoas contribuiram, Mér-cia, Gertrudes, Suelen, Leonor, dona Naná (cozinha), Maicon, Fábio, Flora, sua mãe, e devia haver mais gente ainda ! Demos continuidade ao trabalho, carpimos mui-to, medimos a area da ciranda e etc... O próximo será no sábado...

Terceiro Mutirão, 08 de Maio de 2010

Foi meio esvaziado o mutirão (Leonor, Suelen, Edivan, Mércia, Luiza, Rosana). Aproveitamos para limpar o mato do barracão apenas, mas foi muito legal que além do pessoal que foi levar a Ciranda, colocaram lá o Hum-berto de Araras-agroecologia e o Guilherme-Araras Agro-nomia, deram uma oficina-na-correria para a molecada da ciranda, e levaram uma ideia sobre bioarquitetura e o projeto de estrutura em bambu. Marcamos dois mutirões de corte de bambu e um novo mutirão de construção da geodésica com estrutura de bambus no sábado dia 15. Utilizaremos, com a ajuda dos nossos dois bioarquitetos, argila e gravetos de madeira para demonstrar com uma maquete o esquema de construção da geodésica para os acampados dispostos a erguer a cúpula em abóbada... Te-nho a impressão, só a leve impressão, que vai ser interes-sante!

Quarto Mutirão, 12 de Maio de 2010

Galera o mutirão rolou, dentro dos limites...estavam pre-sentes além de mim e do Edivan, a Mércia, a Suelen e a Babi. A dona Naná trabalhou na cozinha e fez o almoço.

A tarefa era colher bambu e colhemos muito bambu. Carregamos bambu. A caminhonete atolou várias vezes. Temos de arrumar um tratorzinho pra levar os bambus pra cima, já que a caminhonete não parava de atolar. O Edivan disse que dava um jeito. Sábado é oficina de ge-odésica.

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Quinto Mutirão, 15 de Maio de 2010

Relato Oficina Geodésica

MST, UP, ITCP e Agroecólogos (UFSCAR/Araras)

Começamos o dia de trabalho na geodésica a partir da chegada do povo da UFSCAR. Chegaram em uma moto e um carro cheio. Eram 8 estudantes, incluindo Hum-berto e Guilherme. Do MST estavam Edivan, Suelen e Leonor. Mais tarde apareceu Mércia e o Luís. Na parte da tarde apareceu a Babi. Começamos separando as peças de bambu, cortamos feixes com mais ou menos 1m de comprimento até o meio-dia. Depois iniciamos a monta-gem do modelo que serve de topo e centro de referência da abóbada de bambus que vai surgindo. Só vendo para descrever. Separamos as tiras de câmaras de caminhão e demos uma pausa para fazer uma articulação sobre o mo-vimento com o pessoal da UFSCAR, e realizar uma inte-gração entre crianças da Ciranda, militantes, UP, ITCP e o pessoal da UFSCAR. O Edivan falou sobre o processo de ocupação do Elizabeth Teixeira. Depois a Cecília fa-lou sobre a Ciranda no MST, seu surgimento ligado à divisão do trabalho militante de forma que liberasse as mães do MST para outras tarefas. Também falou sobre a importância daquele espaço para a organização da vida no assentamento e no acampamento. Fizemos um grande círculo para nos apresentarmos. Voltamos à construção da Geodésica e lá pelas 15 horas estava erguida a cúpula com mais ou menos 2,5m de altura e cerca de 5 m de diâmetro.

Reunião de Planejamento Participativo do Mutirão da Ciranda:

Reunimos militância, UFSCAR, ITCP, UP na escolinha para conversarmos sobre os próximos passos para cons-trução da Ciranda. Tentamos inserir o máximo que pude-mos os militantes. E em nome da Ciranda agradecemos o povo da UFSCAR por terem ido lá para tocar a oficina de

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construção da geodésica. Partimos para o planejamento das próximas atividades. Discutimos o problema da falta de água, o uso da geodésica da oficina na construção da cozinha coletiva, os banheiros secos, etc... Gabi ressaltou que precisávamos pensar uma forma de inserir as crianças na construção e concepção da ciranda.

Encaminhamos: mutirão de construção das paredes de barro a ser coberta pela estrutura da geodésica construída no sábado.

Divisão de tarefas: Edivan cobrir a geodésica da oficina. Militância do Elizabeth se responsabilizaria por tentar en-cher as caixas de água mais próximas ao canteiro. Coletar feixes de eucalipto e outras madeiras maciças e garrafas de vidro (colocadas na transversal) para construir as paredes da largura aproximada dos feixes e do comprimento das garrafas. Tal bioconstrução chama-se cordwood18 que uti-liza terra e outros materiais do ambiente para erguer as paredes. A ideia é fazer as paredes em esquema de oficina conjugando a técnica da taipa e o cordwood.

Sétimo Mutirão, 19 de junho de 2010

Infelizmente o mutirão de hoje aconteceu apenas comigo com a Suelen e com o Rodolfo, continuamos a construir as bases de uma das paredes, deliberamos que haverá duas portas, e tivemos que ir cortar e levar os bambus pra fazer a estrutura. Bastante trabalho. Por fim conversamos sobre a área do campinho, a qual nós praticamente delimita-mos. Conversamos também sobre a produção no lote co-letivo, e eles também já conhecem o modelo agroflorestal (AGF).

18 É uma parede de toquinhos de madeira e uma massa de terra, serragem, areia, cal e cimento. Nesse caso, os toquinhos foram substituídos por garrafas para ter luminosidade.

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Ao longo do trabalho de educação popular, muitas ve-zes os educadores e os educandos utilizam essa palavra. Falamos em projeto de vida, projeto político, projeto de mestrado, projeto da escolinha, projeto de viveiro, proje-to para conseguir financiamento... e essa quantidade de sentidos podem gerar algumas confusões.

No caso dessa publicação, quando falamos em projeto, estamos falando de atividades programadas para algum objetivo mais específico, com começo, meio e fim, que geram resultado material, que tem um produto que po-demos ver, pegar na mão, que extrapolam os momentos “oficiais” das atividades e que envolvem diretamente mais de um setor do acampamento e mais de uma frente do coletivo Universidade Popular.Uma educanda comparou assim: “o projeto do calendário aqui no Elizabeth Teixeira, é igual às Feiras de Ciências que acontecem na escola... todo mundo participa”.

É sobre dois projetos assim que iremos contar agora: o Calendário e o Viveiro Pedagógico.

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As atividades de educação em uma comunidade sem-terra sempre encontram muitas dificuldades para acontecer. Durante a experiência do Elizabeth Teixeira, algumas se destacam como o cansaço, a idade, a distância, a saúde e outras que já citamos ao longo do texto.

Os participantes das atividades da EJA, tanto educadores e educandos, ficam quase sempre desanimados com isso, pois muitas vezes bastante tempo é gasto preparando atividades.

Sem contar que aquelas pessoas que conseguem comparecer também estão enfrentado o mesmo tanto de problemas que aquelas que não apareceram reclamam sofrer.

Nesses momentos pode surgir, além do desânimo, a sensação de que as pessoas estão agindo de má fé por não comparecer. Uma educadora ou educador poderia dizer:

“É complicado! Passamos na casa das pessoas várias vezes, conversamos, tentamos esclarecer. Muitas até falaram que iam aparecer, e nada. Esse pessoal não quer saber disso mesmo...”

Da mesma maneira, vez ou outra reclama assim uma educanda ou educando:

“Como o fulano diz que não vem porque trabalhou demais? E eu, não trabalhei? Também estou cansada, mas estou aqui! Tenho compromisso!”

Temos que tomar muito cuidado quando isso começa a acontecer. É lógico que muitas pessoas “dão o cano”, não há porque esconder. Mas a maioria simplesmente não quer participar de uma “aula”, e isso é perfeitamente normal.

O fato de uma pessoa estar fazendo um grande esforço para participar da aula não significa que ela é melhor que aquela que escolheu não ir.

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Ao mesmo tempo, quando estamos passando de casa em casa para convidar as pessoas a ir à EJA, é muito difícil explicar todas as possibilidades que temos pela frente nas “aulas”. No fim das contas, todos associam a educação a essa escola oficial que conhecemos: com uma estrutura restrita, pedagogia conservadora, sem prazer, que não valoriza o povo, sem compromisso com a realidade das pessoas e das comunidades onde vivem.

O mais importante é: tudo isso não significa que as pessoas não queiram aprender coisas novas ou participar de atividades como as da educação popular!

Em determinado momento, lidando com todo esse caldo, começamos a pensar algumas idéias. Precisávamos fazer um “trabalho de base” diferente. Não adiantava apenas passar nas casas perguntando se as pessoas queriam estudar, dizendo em qual horário e onde aconteciam as aulas e tentando convencê-las de que iriam gostar.

Deveríamos, nessa conversa, mostrar um pouco mais na prática qual era a proposta da EJA. Deveríamos cumprir três missões:

- Realizar uma atividade que tivesse a ver com educação diretamente com cada um, em sua casa mesmo;

- Mostrar que a educação pode cumprir um papel importante na vida dessas pessoas e dessa comunidade;

- Envolver as pessoas no espaço das aulas da “EJA”.

Como fazer isso? Algumas propostas surgiram aqui e acolá. Certo dia, uma das educandas sugeriu: “e se montássemos uma folhinha de calendário própria da comunidade, com fotos e textos que escrevemos nas aulas?”. Estávamos no meio de setembro e teríamos algum tempo para organizar as coisas, embora fosse pouco.

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Um mês depois começamos a campanha. Educadoras/es e educandas/os passaram a circular pela comunidade tirando fotos e colhendo depoimentos das moradoras e moradores.

A proposta era fotografar os lotes individuais: a casa, a produção, os animais. Foi decidido pelas próprias pessoas que não entrariam fotos de “gente”, ou seja, não haveria identificação do rosto de ninguém. Depois de recolhidos os retratos e os depoimentos, eles seriam levados para as aulas da EJA e selecionados por todos. Muitos também pediram que o calendário tivesse as fases da lua e dicas de plantação de acordo com os meses.

A cada lote, novas propostas e ideias iam surgindo. Por menos clareza que as pessoas tenham disso tudo, elas estavam dedicando um tempinho de seu dia para uma atividade de educação. Nos apresentavam sua vida, seu dia-a-dia, seu trabalho e recebiam de nós um pouco da vontade de transformar isso tudo em leitura, escrita e reflexão (armas poderosas na luta do povo marginalizado).

Alguns relutavam: diziam que esse era mais um projeto que não ia dar em nada, como tantos outros projetos levados pela universidade (ou pelos universitários) para este lugar.

Também não foi fácil convencer as lideranças do local de que aquilo de fato poderia produzir um resultado interessante. Mas a forte participação de todos e a noção de que aquela história deveria ter começo, meio e fim fizeram acontecer o calendário.

Os calendários prontos proporcionaram mais coisas. O núcleo de EJA coordenou uma campanha de comercialização da folhinha. Participaram educadoras/es, educandas/os, moradoras/es e mais um monte de militantes que bancaram a ideia e lembraram de um amigo ou familiar que poderia contribuir comprando o material.

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Nesta campanha pudemos dialogar também com os sindicatos da região, com trabalhadores de outras localidades e com gente da política oficial para que ajudassem a luta da comunidade na defesa da terra onde vivem e trabalham. Em mais de uma ocasião encontramos um calendário pendurado em alguma parede distante daqui, sem entender direito como isso era possível.

Pés no chão. Apesar de ter sido um momento muito intenso de trabalho e envolvimento de todos, as coisas não mudam assim, de uma hora para a outra. As aulas da EJA não passaram a lotar por conta do calendário. Nem a luta da comunidade avançou como todos gostariam. Mas hoje compartilhamos a sensação de que a EJA é um pouquinho mais respeitada e compreendida por todos. O dinheiro arrecadado pode contribuir com muitas coisas para a toda comunidade, e isso faz a diferença.

Mais que isso, o calendário de 2012 é um registro da história desta comunidade. Com suas próprias palavras, com sua própria forma de dizer o mundo.

Esta é uma ação cultural que gostaríamos de compartilhar com todos e sugerir que experimentem, do seu jeito, nas comunidades onde vivam e trabalhem!

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De onde veio a ideia?

“Eu vim pro MST para fazer formação e o viveiro é pe-dagógico, temos de articular o resgate dos conhecimentos com a participação das pessoas, assim podemos multipli-car essa experiência. Aqui é um viveiro pedagógico, um viveiro para conseguirmos aprender com os companhei-ros” (agricultor do ET, julho de 2012)

A construção do Viveiro Pedagógico do Elizabeth Teixeira surgiu como proposta de um dos membros do setor de produção ainda no final de 2009 e foi iniciada no final de 2011. A idéia era iniciar trabalhos de produção de mudas, formação em técnicas de agroecologia e principalmente formar as crianças para uma outra forma de usar e estar na terra.

Até metade de 2011 as reuniões do setor de produção tinham como prioridade organizar e realizar tarefas rela-cionadas à produção e manutenção da infra-estrutura de toda a área do Elisabeth Teixeira:

análise de qualidade do solo, aplicação de cal concerto e embelezamento da área social (barra-cão, barraco-escola, banheiros),acompanhamento do Incra nas ações de divisão dos lotes e traçado de ruas comercialização da produção

Nesse contexto surgiu a idéia de construção de um viveiro de mudas, voltado à produção da comunidade, mas tam-bém voltado à formação e ao ensino.

“Tentar ensinar as crianças para terem melhor qualidade de vida, ensinar a plantar. O sentido do viveiro, o primordial, é resgatar as nossas raízes e cultivar as nossas crenças. Enten-demos como resgate a utilização de antigos cultivos e práticas conhecidas e abandonadas como cidra, uvalha e ervas me-dicinais”.

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Qual é a ideia do viveiro?

A idéia do viveiro é criar um ambiente isolado menos agressivo. Assim, as sementes de mudas de frutas, horta-liças e espécies nativas podem se desenvolver e crescer de forma mais rápida do que nas condições normais de solo, tempo e umidade. Dessa forma, conseguimos mudas para a comunidade.

Além disso, o viveiro do Elizabeth Teixeira tem por obje-tivo se tornar um espaço para realizar oficinas com visi-tantes e agricultores.

Queremos fazer oficinas para ensinar técnicas agrícolas como compostagem, microbacias, terraços e curvas de nível, enxertia e estaquia, rotação e consórcio de espécies, para garantir o aproveitamento de recursos (água, solo, iluminação, vento, trabalho e fauna). Com isso queremos explorar as possibilidades de retirar o sustento da terra, garantir a preservação daquelas terras para as próximas gerações e enfrentar o modo dominante de agricultura, que obriga o agricultor a comprar fertilizantes industriais, aplicar agrotóxicos, arrendar suas terras para grandes usi-nas, vender sua mão-de-obra para grandes empresários.

Nas palavras do agricultor responsável pelas atividades do viveiro:

“A ideia do viveiro é realizar um trabalho de pesquisa, pro-dução de plantas nativas, ervas medicinais, árvores frutíferas e plantas exóticas.”

“É um modo de se sobreviver aqui com qualidade de vida. Entendemos que qualidade de vida é estar bom de cabeça, estar bem consigo próprio, é viver o dia a dia.”

Para onde vai a produção do viveiro?

“O pensamento é passar as coisas (produzidas) pras pessoas, é melhor ser feliz com a própria cabeça do que com o bolso cheio de dinheiro. O projeto do viveiro é ensinar e produzir, abastecer a comunidade de mudas e conhecimento.”

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“Não queremos ficar ricos com o viveiro porque temos uns aos outros, o que já é a maior riqueza da vida da gente.”

Onde construir o viveiro? Lote individual ou área social?

É fundamental pensar coletivamente o local de constru-ção do viveiro.

Um dos problemas que impedia a construção do viveiro pedagógico do Elizabeth Teixeira era definir um local para sua construção. O agricultor que propôs o viveiro abriu a possibilidade de utilizar o lote dele para a construção das estruturas. Para ele a construção de estruturas na área social acabava resultando em abandono. Nas reuniões de produção foi proposta a construção sem qualquer oposi-ção por parte dos outros agricultores presentes.

Decidimos apoiar a obra a ser feita no lote individual des-te agricultor, que assumiu a responsabilidade de tocar a produção e distribuição de mudas e organizar o viveiro para realizar oficinas e formações. Vale lembrar que este agricultor tinha sido responsável pelo viveiro do assen-tamento Dom Tomás Balduíno, na Grande São Paulo e sabia cada etapa para o projeto que passou a ser orientado por ele.

Passo-a-passo da Construção do viveiro

Lista de material para a estrutura física

- Eucalipto: 8 pés direitos (colunas laterais) de 2,5m- Eucalipto: 4 colunas centrais de 3,5 m.- Eucalipto: 3 linhas de 10 m (teto)- Eucalipto: Barroteamento do teto (“costelas” su-periores ) 37x2m- Eucalipto: Barroteamento lateral 30 x 2,2m- 10 x 6 m de lona transparente.- Arame 80 m (suporte de bandejas, fixação da lona )- 1 saco de cimento para instalação das colunas.

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- Pregos 4kg – 18x27mm, 4 kg 19x36mm, 4kg 15x15mm.- óleo queimado de motor (30 L) e pincel (para isolar as bases em contato com a terra e evitar apo-drecimento precoce)- tiras de borracha 5 cm x 5 cm (para fixar a lona com pregos, sem deixar rasgá-la)

Equipamentos e materiais para produção de mudas:

- facão- enxadas- enxadão- cavadeira- 10 sacos de substrato- 50m de sombrite- Latas de sementes orgânicas de hortaliças (alfa-ce, beterraba, chicória, rúcula, cenoura, abóbora italiana, escarola, espinafre, berinjela, rabanete, cebolinha, repolho, couve, almeirão, agrião seco, almeirão pão-de-açúcar, alcachofra).- 3 regadores- 3 bombonas de 220 L e 2 de 50 L (para mistura do biofertilizante)- 10kg de farinha de osso- 1 peneira grande (para seleção de sementes)- carriolas- 25 sementeiras- 2 rolos de nylon grosso- pazinhas- tesoura de poda

Cronograma da obra

Julho, agosto, setembro de 2011

Reuniões do Setor de Produção para definir junto aos agricultores a função e o local do viveiro.

Levantamento de lista de materiais, equipamentos e insu-mos necessários ao funcionamento do viveiro.

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Definição do local de construção e dos responsáveis por guardar os materiais, equipamentos.

Outubro, novembro e dezembro de 2011

Limpeza e nivelamento do terreno, separação das primei-ras toras de madeira para a linha central do teto. Alinhar os buracos dos pilares das paredes usando linhas de nylon fixos em estacas no chão. Formar cruzamentos com os fios até obter ângulos retos. Utilizar os ângulos retos para cavar buracos alinhados dos pilares com uma linha hori-zontal de nylon fixada nos pregos das estacas.

Janeiro, fevereiro, março de 2012

Obtenção de eucaliptos para erguer as paredes. Substi-tuição das toras de madeira da linha central por troncos mais finos. Uso de óleo queimado de motor para isolar os troncos de eucalipto da umidade do solo e evitar apodre-cimento precoce antes de fincar as toras no chão.

Abril, maio, junho de 2012

Colocamos as paredes, fincando os troncos de eucalipto no chão e erguemos o teto apoiado nesses troncos. Euca-liptos mais finos foram pregados na trave superior junto às costelas (eucaliptos do teto). Na base foram fixados em buracos rasos. Por fim colocamos a lona nas paredes e no teto, com uma pequena porta. Foram realizadas as pri-meiras atividades de formação das crianças no ambiente do viveiro.

Perguntas que devem ser feitas para pensar organização e funcionamento do viveiro e atividades de formação:

Para pensar atividades com as crianças:

- Como colocar as crianças da ciranda nesse espaço sem ser de modo forçado? - Quais atividades poderão ser realizadas pelas crianças no viveiro? Produção de mudas, plantio de mudas, colheita, ornamentação, cuidado, orga-

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nização, limpeza.- Como e com quais crianças serão feitas as ativi-dades? - Os adolescentes serão envolvidos? Como? - Qual o objetivo de desenvolver atividades da ci-randa no viveiro?- É possível uma área de ciranda próxima ao vi-veiro? - É possível a área próxima ao viveiro/estufa se tor-nar área para eventos culturais?

Perguntas para pensar o funcionamento e a organização do viveiro para a produção:

- Quais as funções do viveiro? Qual o objetivo do viveiro? Quais atividades serão desenvolvidas pelo viveiro?- Será que o trabalho com o viveiro será constante? Quem vai efetuar o manejo do viveiro no dia-a--dia? - Por que o viveiro foi instalado no lote de um agri-cultor e não na área social? O lote individual em que está construído o viveiro terá livre acesso a to-dos os interessados? Ou seja, o viveiro vai se tornar uma área social?- Como os outros assentados poderão se envolver nas atividades de produção de mudas? - Quais es-pécies serão cultivadas preferencialmente?1

Glossário

calagem: Alguns solos apresentam acidez muito acima ou muito abaixo do ideal para a maioria das plantas. Isso ocorre por conta do cultivo de apenas um tipo de cultura (monocultura), o uso de adubos químicos que aceleram o crescimento das plantas e o uso de venenos contra pragas naturais. A aplicação de calcário é comum na regulação dessa acidez. Algumas plantas também possibilitam bai-xar a acidez do solo, como por exemplo, a mamona, que

1 Veja no final do livro as fotos da construção do viveiro pedagógico passo a passo.

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pode ser cortada ao atingir 1 metro de altura e ser mistu-rada na terra.

Compostagem: Solos empobrecidos e sem vida necessitam ser novamente enriquecidos para possibilitar o crescimen-to das roças, pomares, hortas e outras plantas. Algumas misturas de matérias orgânicas, a exemplo de mato e lixo orgânico formam materiais com capacidade de fortaleci-mento do solo. Normalmente o composto que forma um bom adubo precisa de:

Três partes de mato e folhas secas para cada parte de ali-mentos em decomposição + temperatura e umidade cons-tante + um mês de descanso. Esse processo chamamos de compostagem.

Terraços e curvas de nível: As chuvas são necessárias para manter a saúde das plantas e do solo. Mas em solos sem raízes profundas ou vegetação, as águas das chuvas varrem toda a cobertura do solo, levando embora toda a matéria orgânica e os minerais da camada mais alta do solo. Por conta disso é necessário traçar canteiros, roças e hortas de forma que evite o aumento da velocidade das águas e a força delas. Para isso são feitos plantios transversais ao sentido das águas, evitando formar canais de enxurrada na parte de cima do solo.

Microbacias: As microbacias são reservatórios de água uti-lizados para reter água abaixo do solo. Em períodos de seca ou em locais com um longo período sem chuva, as microbacias ajudam a manter a água no solo por mais tempo, evitando sua evaporação e sua dispersão. Podem ser feitas de forma mais simples, como valas, nas áreas mais altas do terreno, para que a água das chuvas ou de uso na cozinha fique acumulada e se infiltre no solo.

Enxertia: É uma forma de aproveitar o crescimento de uma planta a favor de outra planta. Podemos tirar um pedaço de uma planta e amarrá-lo com outra planta para que cresçam. Precisamos abrir um pequeno corte no cau-

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le do “cavalo” que deve estar plantado e consolidado na terra, retirar um ramo da planta que será o “cavaleiro”, garantir que as cascas do ramo do cavaleiro e do cavalo fiquem em contato. Para isso utilizamos uma fita plástica, um fio, um barbante, com o qual enrolamos o cavalo no tronco do cavaleiro. Nem sempre essas combinações são possíveis porque cada espécie de planta exige uma quanti-dade e qualidade de nutrientes.

Estaquia: A estaquia é um jeito de criar mudas de plantas a partir de pedaços (estacas) de uma planta. Esses pedaços podem ser folhas, caules, raízes, etc. Para que a estaca se desenvolva é necessário deixá-la em vaso (pote, garrafa) sempre úmido. A água e a terra são fundamentais para o desenvolvimento dessas plantas.

Rotação de culturas: Cada tipo de cultivo exige do solo nutrientes que, se não forem repostos, resultam em uma produção cada vez menor. Por conta disso, desde que o ser humano desenvolveu a agricultura a milhares de anos atrás, foram desenvolvidas formas de evitar viciar o solo. Ao invés de plantar uma planta numa mesma área ao lon-go de vários anos, se busca alternar o cultivo de espécies diversas numa mesma área, de forma que o cultivo alter-nado favoreça o crescimento de outras plantas.

Consórcio de espécies: Hoje em dia aprendemos que as plantas competem entre si para crescer. Mas nem sempre as plantas cultivadas anulam umas às outras. Além da ro-tação de culturas, a agricultura mais avançada dos antigos ensina que certas espécies podem ser cultivadas ao mesmo tempo ou em seguida das outras. Cultivar plantas aro-máticas com hortaliças é uma forma de combater pragas. Cultivar plantas arbustivas como amendoim junto com plantas de raízes profundas, para recobrir o solo é uma boa forma de conter o avanço do mato, reter nutrientes e a água na terra. Cultivar roças, pomares e hortas junto com plantas nativas da região é uma boa forma de retor-nar ao solo os nutrientes em falta.

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Foi numa manhã de um sábado de outono que as crian-ças do acampamento Elizabeth Teixeira, conheceram o viveiro de mudas. Esse viveiro foi fruto do sonho de um agricultor de lá. Duas frentes do coletivo Universidade Popular, Agrecologia e Ciranda, se juntaram para pensar as melhores maneiras de introduzir esse novo espaço na vida e no cotidiano das crianças. Todas as questões que estão sugeridas, um pouco antes, nessa mesma prosa, fo-ram levadas em consideração para colocar em prática essa atividade1.

Assim, usamos o universo das histórias e da imaginação para propor algo que não fosse somente plantar uma se-mente para fazer mudas. Nós plantamos as sementes das mangas que comemos no café e ouvimos uma história so-bre elas. Além disso, quem nos ensinou a fazer essas mu-dinhas, foi um senhor que já comeu mais de cem mangas!

Agora, um relato da nossa aventura...

No início da manhã a kombi cirandeira passou de casa em casa. Às vezes, ela atola nas ruas do acampamento, mas não há mais buracos que nos emperrem. As crianças já trataram de criar uma solução mágica para esse problema, asas para nossa kombi! (são uns panos que prendemos nas portas da Kombi, e assim que ela começa a andar, os pa-nos voam, e parece que voamos!)

Quando chegamos no barracão, fizemos as brincadeiras que as crianças estavam propondo. Brincamos de pega--pega, viramos estrela, algumas crianças subiram nas ár-vores ao redor, elas adoram fazer isso tudo2. Então pro-pusemos, nós cirandeiros, uma dança diferente para que criássemos formas de árvores com o nosso corpo. Aí, aquecemos, acordamos nosso corpo com leves tapinhas, respiramos fundo, rodamos, rodamos, rodamos e, de re-pente, conseguímos nos tornar uma figueira, uma olivei-ra, macieira ou até mesmo uma mangueira. Até mesmo os mais dispersos participaram!

1 Como colocar as crianças da ciranda nesse espaço sem ser de modo forçado?

- Quais atividades poderão ser realizadas pelas crianças no estufa/viveiro? Produção de mudas, plantio de mudas, colheita, ornamentação, cuidado, organização, limpeza.

2 Nesse começo, quando chegamos, as vezes fica difícil unir todos em uma brincadeira só. Nós buscamos esse coletivo, mas também entendemos que nesse espaço da brincadeira, o que vale é brincar!

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Levamos a nossa mala viajante3 que sempre carrega curio-sidades dos mais diversos lugares, todo o sábado que ela está presente na ciranda é certo que teremos uma bela viagem criativa! Dessa vez, nossa mala tinha acabado de chegar da África! Abrimos curiosos. Ali havia um mapa--mundi (para vermos onde fica a África), um livro que falava de mangueiras e de uma chuva da própria fruta, e, é claro, mangas para o nosso café!

No início da história, mostramos no mapa onde é a re-gião da África que o menino Tomás (personagem da his-tória) mora, e durante isso, comemos deliciosas mangas. Guardamos os caroços e, na roda de conversa, chegamos à conclusão que o Seu Élio, como uma pessoa experiente no assunto, saberia como nos ajudar a plantar e cuidar das nossas futuras mangueiras. Assim como no livro, em que o menino pede auxílio a alguém mais velho para construir um brinquedo.

Subimos na nossa Kombi voadora rumo ao lote do Seu Élio, e durante o percurso o Gabriel, uma das crianças, puxou um grito dos sem-terrinha, falamos do Seu Élio e de suas curiosidades lendárias com as mangas, que inven-tamos para brincar com as crianças: “eu já ouvi falar que o Seu Élio já comeu mais de 100 mangas em um dia!”

Quando chegamos no lote do Seu Élio, fomos direto mos-trar o viveiro de mudas para as crianças. “Ai, que quente que é aqui!”, a maioria dos pequenos saíram porque não aguentaram o calor. Aproveitamos para explicar que era um lugar quentinho, para proteger as pequenas mudinhas e garantir que elas pudessem crescer.

Fomos tomar um café com o Seu Élio, nos organizamos coletivamente, comemos e ouvimos sua história sobre a manga e os escravos. Ele disse que essa história de não poder comer leite com manga era apenas um mito usado para amedrontar os escravos e impedir que eles comessem os produtos cultivados nas fazendas dos seus senhores.

3 A mala é em si, uma atividade que vira e mexe, volta pra ciranda. Ela é bem simples e carrega desenhos, ou um livro de histórias, objetos, materiais. É a comunicação das crianças do acampamento, com outras crianças, outras pessoas, e até porta de entrada pra alguma atividade que queremos propor no dia. Nesse dia, foi assim.

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Após o café o Seu Élio distribuiu os saquinhos pretos que ele havia separado para nós. Então, nos explicou direiti-nho como poderíamos plantar nossas sementes, qual era a quantidade correta de terra e qual a profundidade ideal para a semente ficar.

Assim, as crianças foram superindependentes. Cada um encheu o seu saquinho do jeito que melhor sabia. Se aju-davam mas também pegavam no pé um do outro sobre a maneira de encher os saquinhos. Conversamos nesse mo-mento com os mais velhos que tinham mais experiência e

criançada no Viveiro Pedagógico!

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habilidade que os mais novos. Esses mais velhos deveriam respeitar a maneira dos pequenos, que conseguiam encher os saquinhos com mais dificuldade e de outra forma, mas tinham o mesmo resultado: mudas de mangas!

O Seu Élio nos trouxe uma carriola, botamos nossas mu-das lá e levamos até o quentinho do viveiro. Chegando lá, seguimos as instruções dele e regamos com bastante água. Muitas crianças se mostraram interessadas no plantio.

Após plantarmos, fizemos uma grande roda em que o Seu Élio falou um pouco mais sobre o viveiro de mudas. Dis-se que estava muito feliz com a presença e interesse das crianças e que o viveiro era um espaço delas também, que elas poderiam ir ver o pezinho de manga e que ele poderia ensinar tantas outras coisas para elas.

Então, fizemos uma ciranda ao som de “oh, abre a roda, tindolelê. Oh, abre a roa tindolalá..”, a Juba, uma das crianças, puxou a música do sapo, que ela nos ensinou. E, mais uma vez, o grito dos sem-terrinha foi puxado e cantado por todos. A Juba agradeceu ao Sr. Élio o espaço aberto para a ciranda, um sorriso de satisfação brotou em cada um da roda, entramos na Kombi que decolou segu-ra de que não haveria buracos que emperrassem nossas vontades.

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Estamos no meio do caminho. Escrevendo essas páginas, olhamos para o tempo em que andamos junto dos mo-radores sem terra do Elizabeth Teixeira para afirmar que esse caminho continua. Cada um dos educadores sabe que a hora em que nos separarmos será de grande alegria, porque será também a certeza de que esses companheiros e companheiras estarão mais firmes e menos dependentes, amparados uns nos outros na busca de sua autonomia.

Nossa prática se destina ao empoderamento dessas pesso-as, sem distinção. Há crianças, há mulheres, há idosos e idosas, alfabetizados e não alfabetizados, há diferenças e há conflitos. Mas aprendemos que é preciso enxergar cada pessoa não como objeto de privação, embora a privação seja real, mas como sujeito de possibilidade.

E como educadores, podemos facilitar essa possibilidade que todos nós temos de ir mudando uns aos outros para nos tornar mais do que somos. Por isso a educação po-pular se mostrou uma prática fundamental para nós. E aprendemos que é preciso vínculo e sentimento na mes-ma medida que convicção e compromisso político.

Estamos no meio do caminho. A área ocupada, oficial-mente destinada para o assentamento das famílias sem terra, permanece sem a licença ambiental requerida para regularização. Essas famílias, depois de 5 anos, ainda estão sem água encanada, saneamento básico, energia elétrica. Ônibus escolar e caminhão pipa mal conseguem chegar por lá. Comunidade que na beira da Rodovia Anhangue-ra, ainda sem qualquer passarela ou meio seguro de se atravessar, perde duas companheiras, mãe e filha, em um atropelamento, deixando marido, irmãos, filhos, compa-nheiros e companheiras de luta…

Nessa situação, o trabalho de educação pode parecer es-tranhamente deslocado. Mas esses anos junto com mo-radoras e moradores do acampamento Elizabeth Teixei-ra nos permitiram entender melhor como pode ser uma

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educação com o povo, e ela é com toda certeza, leitura de mundo. Feita para entender e mudar essa mesma re-alidade.

É assim com a realidade do adulto que vai estudando a língua e percebendo. Percebendo que não é pior que nin-guém por não saber as letras, que é capaz de aprendê-las muito bem. E que já sabe um tanto de coisas que a escola não quis ensinar.

É assim com a realidade do agricultor, que sabe, de ver e de ouvir, produzir sem veneno. Que sabe dizer de uma erva medicinal pra que serve e aprende a passar esses sa-beres todos para outra geração através do trabalho. E aí se percebe como educador.

É assim com a realidade da criança, que cuida do irmão mais novo, ajuda nos trabalhos de casa, estuda, brinca, ensina brincadeiras, aprende outras tantas, inventa uni-versos, desenha, conta história e movimenta o mundo com a sabedoria de quem já viveu e vivenciou muita coisa.

É assim – leitura de mundo – com tudo que se aprende quando o aprender é para transformar. E tem muito pra ser transformado. De fato, estamos no meio do caminho.

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Agradecemos

ao Paulo, à Nadia, à Estela, à Tatit, e Rossana Alves pelas formações pedagógicas;

à Gabriela, Natasha, Ana Maria, Edison e Bruno pela grande ajuda na realização do calendário 2012;

à Edite, pelo acompanhamento;

à ITCP da Unicamp, pela colaboração;

ao professor Silvio Gamboa, e ao grupo de pesquisa Pai-deia, pela confiança no nosso trabalho;

a Fernando Macedo, José Dari Krein, e Francisco Ladei-ra, professores coordenadores dos projetos desenvolvidos pelo Coletivo Universidade Popular;

ao João, pela revisão e por todas as questões apontadas;

ao Wlad, pela editoração;

à Suzana, pela ajuda com relatórios e orçamentos;

à Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (PREAC) da Unicamp, e ao Ministério de Educação e Cultura (MEC), pelo apoio financeiro.

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E cada vez me convenço mais da importân-cia de educar. Educar é retomar as palavras, inventa-las, é retomar a voz, é retomar a voz para dizer “amor”. Porque não se luta por outra coisa que não seja por amor à nossa vida e aos nossos.

Lutamos porque queremos amar, e negar esse silêncio que é a morte em vida. Ser revolu-cionário é isso: é educar para o amor.

DIEGO

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AlgumAs fotos

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1 A EJA em Festa Junina

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2 Educandos e educadores em roda. Atividade da EJA em 2011

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3 Educandas da EJA, 2011

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4 Atividade de pós-alfabetização na EJA

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5 Ato em praça de Limeira (foto usada em aula da EJA)

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6 Fechando a rodovia (foto de ato usada em aula da EJA)

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7 Fechando a rodovia (foto de ato usada em aula da EJA)

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8 O calendário 2012 do Elizabeth Teixeira

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9 Caderno de alfabetizanda da EJA

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10 Foto coletiva da Ciranda

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11 Atividade da Ciranda

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12 Atividade da Ciranda

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13 Curvas de nível

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14 Estrutura da Geodésica

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15 Planejamento de atividade da Agroecologia

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16 Preparando o barro para taipa

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17 Parede de taipa

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18 Parede de taipa e geodésica ao fundo

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19 Mutirão de bioconstrução na área social do acampamento

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20 Crianças enfeitando a área social

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21 Lanche coletivo em mutirão

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22 Exemplo de Sistema Agroflorestal (SAF)

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23 Foto aérea de lote do Elizabeth Teixeira

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24 Esboço da distribuição de plantação em um lote

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25 Construção da escolinha

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26 Construção do viveiro: Esquema de alinhamento

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27 Construção do viveiro: Alinhando os pilares

com nylon

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28 Construção do viveiro: Linha central do teto

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29 Construção do viveiro: Impermeabilização

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30 Construção do viveiro: Estrutura do teto

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31 Construção do viveiro: Cobertura da lona

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32 Construção do viveiro: fase final