N3 março 2014

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1 REVISTA PAULISTA DE CULTURA E POLÍTICA Nº 3 Março/2014 MARÇO DE 2014

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Revista de cultura e politica. Neste número: moedas sociais, arte e ideologia, e desproporção no sistema eleitoral.

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  • 1. 1 REVISTA PAULISTA DE CULTURA E POLTICA N 3 Maro/2014 MARO DE 2014
  • 2. 2 REVISTA PAULISTA DE CULTURA E POLITICA Editorial ....................................................................................................................... 03 Moedas Sociais...............................................................................................................04 Roberto Tonin Arte Moderna e Ideologia Parte I: Picasso e Dali.........................................................08 Roberto Tonin A Desproporcionalidade na representao poltica no Brasil ........................................20 Roberto Tonin
  • 3. 3 Editorial Neste ano de 2014 a temtica da Autonomia volta a ter destaque nos meios de comunicaes. Na Europa esto agendadas referendum na Esccia em 18 de setembro e Catalunha em 9 de novembro, alm do referendum realizado na Crimia em 16 de maro que garantiu a liberdade de seu povo, e da consulta tambm j realizada entre 16 e 21 de maro no Veneto, que ser base para um referendum em breve. Alm destas regies, a Valonia, Bretanha, Regies Bascas, Galicia, Corsega reforam seu ativismo contra sua submisso a Estados Nacionais obsoletos e incoerentes diante da Federao Europia em formao. Alguns questionam mesmo a necessidade de um Estado Continental, cada vez mais centralizado e normatizador que esta se tornando a Unio Europeia. Os povos temem a transformao da Europa com sua diversidade cultural e tnica, numa cpia dos Estados Unidos, com sua pasteurizao cultural e crescente centralismo politico e administrativo, que gera uma polarizao entre o extremo coletivismo e o extremo individualismo. Os povos europeus querem assegurar a existncia da vida comunitria, sem coletivismos ou individualismos, e garantir a humanidade de suas relaes, livres de artificialismos ideolgicos que impregnam a politica americana, e que agora contaminam a politica europeia, mostrando a subjugao dos Estados Nacionais obsoletos da Europa as vontades de estrangeiros. Outras regies do mundo tambm esto se mobilizando neste ano para obterem a to almejada autonomia e liberdade para seus povos, a Nova Calednia, Bougainville, Groelndia, Quebc e Regio Camba, so nossos outros estimulos para pensar e agir em prol das reais necessidades de nosso povo. Na presente edio vamos abordar a existncia das chamadas moedas sociais, o dinheiro local usado pelas comunidades para dinamizar a economia regional. Uma estratgia muito acertada que possui timos precedentes em outros pases. O dinheiro local estimula a cooperao, refora a identidade e permite o surgimento do sentimento de poder local. Removendo as correntes da submisso e dependncia imposta pelas praticas politicas corruptas dos governos e partidos centralistas. Na sequencia iremos tratar da relao da ideologia politica esquerdista com a chamada Arte Moderna. Neste artigo, o primeiro de uma srie que ir analisar a lgica por trs da chamada Arte Moderna, ir focar no antagonismo entre Pablo Picasso e Salvador Dal. O primeiro tornou-se o garoto propaganda da Arte Moderna e do movimento esquerdista internacional, valendo-se da fraude e oportunismo mesquinho. O segundo a despeito de sua superioridade tcnica e empenho acadmico, ou talvez
  • 4. 4 por causa dela como ressaltado pelo prprio Dal, foi expulso de ambos os movimentos devido a sua independncia individual e, sobretudo devido a sua defesa intransigente dos valores morais essenciais, O que valeu a Dal o epteto de fascista, imposto pela mdia esquerdista a todos os que os contrariam. Abordando os dois artistas mais significativos, semelhantes, contraditrios e que tomaram rumos completamente diferentes, esperamos buscar um pouco de esclarecimento tanto do uso da arte, como do uso da ideologia sobre as vidas e destinos das pessoas. O artigo final abordar uma questo bem tcnica, e sumamente importante para nosso povo. A questo da desproporcionalidade no sistema eleitoral, que gera uma divergncia gritante entre a quantidade de votos e o numero de polticos eleitos entre os estados do Brasil. Vamos abordar seus efeitos sobre os partidos polticos e fazer uma reflexo sobre a legitimidade das aes dos polticos eleitos sob a desproporcionalidade, contrariando as vontades majoritrias da populao e eleitorado.
  • 5. 5 Moedas Sociais Roberto Tonin Existem no pas 103 moedas alternativas ao real circulando livremente com a anuncia do banco central. O propsito do dinheiro local fortalecer a comunidade, evitando que as pessoas gastem seu dinheiro fora de sua regio. Isso porque existe um circulo vicioso na pobreza, quando um grupo de pessoas obtm recursos por meio de trabalho fora de sua localidade, acaba gastando esse dinheiro no comrcio e servio tambm fora de sua localidade, seja por no haver tais ofertas em sua regio ou por simples comodidade. Desta forma a moeda social tem como propsito romper esse obstculo de forma dupla. Por um lado atravs de emprstimos de pequenas somas, se viabiliza a empreendedores locais a criao de comrcio e servios. Uma vez existindo a oferta, o dinheiro estimulado a permanecer no local ao utilizar a moeda social como parte de pagamento de empregados na comunidade. Desta forma o dinheiro passa a circular na regio proporcionando o estmulo necessrio para novos empreendimentos. Geralmente as moedas sociais so associadas a bancos comunitrios para permitir emprstimos de micro-crdito. nica alternativa para pessoas de baixa renda que no tinham possibilidades junto a bancos comerciais. Foi constatado que o uso de moedas sociais eleva a autoestima da populao de locais carentes. Por se tratar de um dinheiro exclusivo da comunidade, e o seu uso implicar uma rede de solidariedade e confiana, a moeda social incrementa um valor cultural comunidade. O interessante que no h marco regulatrio para as moedas sociais. Fato chocante num pais onde tudo, absolutamente tudo regulamentado ou em vias de regulamentao. Existe atualmente apenas um procedimento administrativo do banco central para autorizar a emisso do dinheiro local, mediante o depsito em reais. E isso ainda instvel, j que at 2003 o Banco Central proibia a circulao de tais moedas paralelas ao real, e em 2011 o
  • 6. 6 Ministrio Pblico, sempre ele, instaurou um processo exigindo explicaes quanto a legalidade da moeda em circulao. A experincia possui o precedente na Sua. O Wirtschaftsring-Genossenschaft, conhecido como Crculo Econmico Suo, foi criado em 1934 e a experincia mais bem sucedida de moeda local. Essa estratgia foi um dos responsveis por proteger a Sua da recesso europeia, e a moeda local convive com o franco suo, superando 1 bilho de Euros em circulao. Em So Paulo temos vrias moedas sociais em circulao, criadas por associaes e apoiadas por universidades locais. Vida o dinheiro local no bairro de Jardim Gonzaga em So Carlos, embora possa circular em bairros vizinhos. A moeda foi criada pelo Banco Comunitrio Nascente com o apoio da Igreja Catlica que arrecadou o montante necessrio para o lastro em quermesses, e o apoio tcnico do ncleo de economia solidria da Universidade Federal de So Carlos. O Sampaio o dinheiro local no bairro de Jardim Maria Sampaio na zona sul da capital paulista. J na zona norte existe o Apuan, em circulao nos arredores do bairro Jardim Filho da Terra. Tambm na zona sul h o Moradia em Ao que circula no Jardim So Lus. Na zona oeste tem o Vista Linda no Jardim Donria. Na zona leste existe o Freire no bairro de Incio Monteiro. Estas moedas so emitidas por bancos comunitrios. apoiados pela Incubadora Tecnolgica de Cooperativas Populares da USP. Os bancos emprestam dinheiro para consumo sem taxas de juros, e para empreendimentos com juros irrisrios. As pequenas taxas servem apenas para sustentar as pequenas despesas de gerenciamento. No h lucro, apenas solidariedade. Algo bem distinto dos bancos comerciais, que so 6 das 10 empresas que mais lucram no Brasil. A lgica da reteno do dinheiro recebido pelos moradores para ser utilizado na prpria localidade pode gerar uma srie de reflexes: a pobreza no a ausncia de dinheiro e sim a ausncia de oportunidade; doaes de bens e comida com o intuito de amenizar a misria,
  • 7. 7 apenas a perpetua, pois no rompe o fator de estagnao produtiva, aqui podemos recordar a lio religiosa no de o peixe, ensine a pescar; ser capaz de controlar alguns aspectos de suas vidas, no caso a disponibilizao de crdito circulante, aumenta a sensao de poder da comunidade, permitindo a reduo da alienao e elevando o nvel de solidariedade e autonomia comunitria; uma vez percebido que a permanncia do dinheiro ganho na prpria comunidade altamente benfica para o bem-estar e progresso desta, comea a questionar as transferncias obrigatrias de dinheiro para o governo por meio de impostos, que no so reaplicados na comunidade, ou ento voltam como um favor de algum poltico. Haver o momento em que o povo perceber a armadilha fiscal em que vtima?
  • 8. 8 Arte Moderna e Ideologia Parte I: Picasso e Dali Roberto Tonin Dal foi alm da imaginao de sua poca ao desconstruir imagens clssicas e remonta-la atravs do imaginrio simblico do subconsciente. Os modernistas, incluindo mais tarde Picasso, desconstruram o imaginrio tradicional, mas no deixaram nada no lugar, apenas o caos. H notavelmente uma enorme distancia entre as obras modernista-surreais de Dal e as obras modernista-abstratas de Picasso. O que levou os dois amigos, conterrneos a desenvolverem um confronto de estilos? Contexto. O modernismo surge como um engajamento de artistas num combate iconoclasta contra uma civilizao no to civilizada. O culto do feio, tal como o escritor Emile Zola cunhou o movimento, era a reao dos artistas e escritores ao perceberem que a sociedade era feia, sobretudo quanto aos seus sentimentos. Eles procuraram ser apenas fieis a realidade, dizendo que prefervel uma verdade horrorosa a uma mentira bela. Psicanlise A psicanlise tornou-se no inicio do sculo XX um movimento importante na busca da compreenso do como a mente composta e o que motiva as aes do homem. O mundo da mente subconsciente comeou a ser estudada pela mente consciente. Fsica A teoria da relatividade e a teoria quntica, desenvolvidas tambm em princpios do sculo XX, levaram a uma mudana brusca da compreenso da natureza, sobretudo aps a fisso atmica, quando a prpria cincia perdeu o carter aventureiro e meio que fantasioso. A bomba nuclear gerou um cisma do antes e o depois da cincia se comprometer com o poder. Guerra A mortandade sem sentido provocada pela Primeira Guerra Mundial, deixando tambm milhes de mutilados e milhes com traumas psquicos que os hospitais militares no conseguiam tratar. A Chuva de Ao destruiu tambm a ingenuidade romntica da civilizao ocidental. A beleza do idealismo morreu asfixiada com gs mostarda numa trincheira pestilenta. Jovens intelectuais irritados com a destruio fsica e emocional causada pela guerra revisitaram a afirmao do filsofo Rousseau de que a civilizao, cincia e arte eram apenas um simulacro para ocultar a podrido das emoes humanas. A Burguesia industriais e empresrios, alvos dos ataques modernistas, acabaram abraando a nova arte, porque estavam em busca de sua prpria cultura, uma vez que o classicismo era associado a nobreza. E a nobreza estava quase toda enterrada em Flandres e Verdun. Grande parcela da aristocracia europeia morreu na primeira guerra mundial. A burguesia, desprezada pela nobreza, surge como a elite sobrevivente e ansiosa para criar uma identidade prpria.
  • 9. 9 A revoluo modernista. A burguesia dirige seus olhares para obras modernistas, Van Gogh, Czanne e Gauguin, havia se tornado percussores da revoluo modernista, a burguesia percebe que a sociedade j produzia sua prpria arte. Mas a burguesia no precisava do artista como um pintor profissional, uma vez que poderia usar a fotografia para sua crnica histrica, retratos e publicidade. Entretanto, eles perceberam que a arte poderia ser um bom negcio se fosse produzido em grande escala. A principio a arte acadmica estava nas mos da nobreza, que no receberam os percussores modernistas. Czane (1839-1906), Van Gogh (1853-1890) e Gauguin (1848-1903) tinham muito pouca instruo formal. Eles no buscaram aprender a pintar porque no desejam inibir a sua espontaneidade. Os artistas, rejeitados pelas escolas artsticas formais, alegaram que no queriam apreender o aspecto fsico de seus modelos, mas seu carter e emoo. Passaram a se engajar numa luta contra as impresses sensoriais. Cezanne decidiu que o contedo de sua arte estava no que seus olhos percebiam. Suas pinturas devias ser percepes da natureza, mas no fieis a ela. O artista deveria se voltar para a natureza, mas no para servi-la ou imita-la. Emile Zola, o escritor, apesar de apoiar o movimento artstico contra a nobreza recusou-se a escrever sobre a obra de Cezanne, pois ele sentia que ele pintou mal s porque no poderia pintar melhor. Um aspecto que foi levantado dcadas depois por Dali. Desde a Renascena, com o resgate da arte greco-romana, os artistas tinham aprendido que as formas naturais so basicamente geomtricas. Tudo pode ser reduzido a circulo, triangulo, quadrado e retngulo. Cezanne disse que a forma geomtrica tinha sua prpria postura e deveria ser mantido pelo artista em sua pureza. O artista deve abandonar a posio de ilustradora da literatura, ganhando sua prpria liberdade. Gauguin foi o primeiro artista a se isolar da civilizao, buscando novas fontes para sua inspirao artstica. Viajou para o Peru e Tahiti. Van Gogh buscou junto com Gauguin um rompimento com a pintura ilusionista, evitando o tridimensional. Eles buscavam apresentar uma vibrao espiritual mais elevada com a cor, o que eles sentiam que seria impossvel se o artista ficasse preocupado com a tcnica. Van Gogh queria pintar com a simplicidade tal como o pensamento de uma criana. Para voltar natureza deveria ver o mundo como uma criana, agir como criana, sentir como criana. por isso que acreditava que a cor deveria ser aplicada da forma pura, com um senso de urgncia na tela. A sensao de emoo s poderia ser alcanada sem exatido. Voltar-se ao naturalismo deve ser feita atravs da forma espontnea e das cores variadas. Em 1905 foi realizada a primeira exposio fauvista em Paris. Na Alemanha a nova tendncia foi chamada de expressionista, de acordo com este novo movimento a arte no era um pensamento, mas um fato. A pintura no podia se apegar a pensamentos ou cores. Maurice de Vlaminck (1876-1958), gabava-se de nunca ter pisado no Louvre, que ao invs preferia passar o tempo no Trocadero, local de exposio de arte Africana. Vlaminck como os fauvistas e expressionistas revoltavam-se contra a academia formal, acusando-os de defenderem
  • 10. 10 formas decadentes de arte, a servio da nobreza aristocrtica. Edward Munck (1863-1944) e Vassily Kandinsky (1866-1944) clamavam contra a civilizao, afirmando que o que se precisa so brbaros. Em 1907, aps a morte de Cezanne, foi aberta uma galeria em Paris para promover o cubismo. Picasso e Braque so os grandes nomes da nova tendncia. Que mais tarde influencio Dal. Picasso afirmou que no tinha inteno de inventar o cubismo, ele surgiu como um fato pictrico. Intencional ou no, a velha academia no apenas cedeu a presso do modernismo, como tornou-se ela prpria a academia da anti-arte, com suas regras e estilos prprios. Em 1917 surge o Dada Magazine, editado por Tristan Tzara. A publicao visava dar continuidade ao movimento revolucionrio contra a arte convencional. Sua arte subversiva buscava afirmar o inconsciente contra o chamado de lucidez da conscincia. Buscando mostrar a estupidez a que a sociedade estava reduzida. No mesmo ano Marcel Duchamp envia suas criaes artisticas para uma exposio em Nova York, o famoso urinol invertido. Os dadastas o consideraram o seu precursor artstico. Mais tarde uma dissidncia do movimento dadasta resultou no grupo surrealista, liderado pelo escritor Andr Breton (1896-1966), que definia o surrealismo como um automatismo psquico puro, pelo qual se prope exprimir, tanto verbalmente, tanto pela escrita, tanto por qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento. Ditao do pensamento, na ausncia de todo controle exercido pela razo, fora de toda preocupao esttica ou moral (Manifesto Surrealista, Andr Breton). Picasso e Dali. Picasso chegara a Paris na virada do sculo, vindo da Andaluzia/Espanha. A cidade fervilhava com a revoluo modernista, todas as regras da pintura, literatura, msica e escultura estavam sendo quebradas. E Picasso no queria ficar alheio a este acontecimento. E, sobretudo sabia o que no queria em relao arte, a velha pantomima dos poderosos. A arte moderna se considerava moderna porque repudiava as grandes histrias pintadas para aristocratas e reis. O quadro ao lado representa este engajamento de Picasso, Menino conduzindo um cavalo - 1906. O menino nu, desprovido de quaisquer elementos heroicos, num ambiente vazio, sem qualquer histria, assunto ou mensagem. Apenas o moderno surgindo do arcaico. Porm se a inspirao mostra-se inovadora, ele mantem a tcnica acadmica, com a ideia de profundidade, com a textura dos personagens, numa disposio sobre o cenrio, que apesar de rido, ainda mantem a necessidade de um local discernvel para o evento narrado. Uma vez desprezando a histria e os atos gloriosos, Picasso buscou destruir a beleza, elemento essencial do ideal clssico da arte. O que na pintura representado frequentemente atravs da sensualidade feminina. Os modernistas projetaram suas novas vises estticas como Gauguim: 1 11'Reo Mohi', 1897, Paul Gauguim.
  • 11. 11 Mas nada se compara ao ataque feroz de Picasso a esttica clssica com o seu Les Demoiseiles D Avignon, 1907, nele fortemente influenciado pelo primitivismo, Picasso retrata cinco prostitutas de forma levemente cubista. A obra qualificada como pr-cubista, mas esta presente em um modo insipiente. Aniquila tudo que antes era associado a mulher retratada pela pintura, beleza, sensualidade, graciosidade. Em sua obra, s h a brutalidade de um bordel. Nesta obra Picasso define a supresso da profundidade, e torna irrelevante a necessidade de cenrio. uma marca da adeso de Picasso ao abstrato. (figura a esquerda). Em seguida Picasso ataca a de vez a ideia de semelhana, constante da arte tradicional, nos quadros sempre implicou uma representao bi ou tri dimensional de personagens, objetos ou paisagens. Transmitindo ou no idias ou valores, a representao sempre visou atingiu uma grau de semelhana. Mas Picasso queria demolir essa constante. E apresentou Retrato de Ambroise Vollard 1910 (figura a direita), obra que marca a completa adeso de Picasso ao cubismo e a inspirao abstrata. Na obra no h formas, qualquer indicio de um personagem fsico, apenas uma ideia de um personagem. O sentimento que transmitido pela obra no claro. Mas Picasso busca criar impacto com sua obra, no tem preocupao em agradar o seu pblico, e rapidamente torna-se um cone da inovao dentro do movimento modernista. Nos anos 1920 Picasso foi convidado para integrar o movimento surrealista, mas ele no aderiu, entretanto participou de vrias exposies surrealistas entre 1925 e 1936, com obras como Minotauromaquia - 1935 (figura a esquerda), obras marcadas com grande originalidade, envoltas em espaos opressivos e distorcidos de anatomias, que parecem remetidas a um mundo onrico e cheio de sugestes, ele flerta com o surrealismo mas mantem seu prprio estilo. Ele prprio declarou: Eu estou interessado na semelhana mais profunda, mais real do que o real, que chega ao surreal. Em 1926 o jovem Dali, recm-expulso da Escola de Belas Artes de So Fernando, se mudou para Paris, e foi imediatamente conhecer seu conterrneo Pablo Picasso, a quem admirava desde a juventude. As obras pr-surrealistas de Dali possuam uma influencia do cubismo de Picasso, vide figura ao lado a obra Cabaret Scene - 1922. Entretanto rapidamente Dali se inseriu no movimento surrealista, na medida em que sua capacidade tcnica crescia, fazendo crescer tambm sua repulsa pela abstrao. Dali concebeu aquilo que definiu como mtodo atividade paranoico- critico. Este mtodo envolve entrar em um estado alterado de conscincia, como sonhando ou meditando, e em seguida, uma vez 2 Cabaret Scene, 1922. Salvador Dal.
  • 12. 12 fora do estado alterado, ser capaz de lembrar e reproduzir as imagens criadas pela mente subconsciente. Dali disse que todos os seres humanos envolvem nisso de alguma forma, tal como o processo que usamos ao olhar para nuvens e percebemos figuras e imagens nelas. Na obra ao lado, Cesta de po - 1926, Dali demonstra um alto grau do domnio da tcnica. E passa a se afastar do abstracionismo, preferindo buscar combinar o clssico ao moderno, e encontrou no surrealismo a forma de expresso ideal para suas concepes. Por meio de seu trabalho Dali percebeu o aspecto obscuro do subconsciente e aquilo que se designou como misticismo atmico. A cincia chegou a uma encruzilhada onde suas descobertas poderiam por destruir a humanidade no duplo sentido da expresso. Dal passou a pintar sua obra de arte mstica visionria aps a segunda Guerra Mundial, para ele o caos provocado pela cincia moderna iria gerar um mundo ironicamente parecido com uma pintura de Jackson Pollock, ou seja, uma indigesto que se tem, com sopa de peixe. A descoberta mais transcendente da nossa poca que a constituio da matria feita pela fsica nuclear... a pintura moderna pode e deve prosseguir, mas apenas a partir de uma nica ideia: a descontinuidade da matria. (Libelo contra a arte moderna, Salvador Dal). Dal concebeu seus relgios derretidos, ao mesmo tempo em que se referia aos crticos de arte moderna como os crticos ditirmbicos de arte moderna antiquada que odiavam o classicismo como um arrogante rato de esgoto. O desejo modernista de manter a percepo de criana dentro de si implicava uma mente aberta para a vida adulta. No entanto, a rejeio do ensino acadmico era uma rejeio no apenas da tcnica convencional, tcnica necessria para pintar trs dimenses em uma tela bidimensional, mas tambm uma rejeio da razo, razo marcada pela harmonia de formas e pensamentos. O modernismo se fundou na rejeio ao conservadorismo, tcnica e razo, e disso resultou no culto ao feio, no desejo egosta de satisfao, no anseio pela destruio. Foi contra esta ameaa que Dal se manifestou, e a razo pela qual se posicionou contra Picasso e a anti-arte representada pelos modernistas. Dali fazendo uso da ironia afirma: A fim de permanecer em sintonia com os crticos ditirmbicos, pintores se dedicaram ao feio. Quanto mais ele se viu, ou mais modernos que fosse. Picasso, que tem medo de tudo, foi para o feio, porque ele estava com medo de Bourguereau (Bourguereau foi um artista famoso que morreu em 1905 e de cujas pinturas eram consideradas o auge do conservadorismo). As pinturas de arte moderna eram tremendamente feias e Picasso explorava isso ao mximo, Dali proclamou que Picasso depois de ter esfaqueado Bourguereau quase at a morte, deveria dar o puntilla e terminar a arte moderna de um s golpe sozinho, em um Em pintura, sou um idealista. Na arte s vejo o belo, e para mim arte o belo. Por que repreduzir o que a natureza tem de feio? No vejo o porque disso ser necessario. Pintar exatamente o que vemos no! ou pelo menos no para aqueles que no sejam extremamente talentosos. O talento redime tudo e tudo desculpa. Hoje em dia os pintores vo longe demais, assim como vo os escritores e novelistas. No se pode saber onde eles vo parar. William-Adolphe Bouguereau. 3 Persistncia da Memria 1931. Salvador Dal.
  • 13. 13 nico dia produziu um feio mais repulsivo do que todos os outros em vrios anos juntos. (Libelo contra a Arte Moderna Salvador Dal) A guerra civil espanhola entre Dal e Picasso. Aps um perodo conturbado entre 1923 e 1931, o governo monrquico organizou eleies municipais em 12 de abril de 1931. A coalizo de esquerda venceu em 40 das 50 grandes cidades, embora no tenha obtido expresso na rea rural, os esquerdistas passaram a apresentar o resultado eleitoral como uma espcie de Plebiscito anti-monarquia e promoveram um golpe. Forando a famlia real ao exlio. Ao compor o governo majoritariamente, a recm criada Republica, adotou polticas radicais e contraditrias, devido a heterogeneidade da coalizao de esquerda. Em 1933 uma das faces do partido comunista tentou um golpe de Estado para impor uma ditadura de estilo marxista-leninista. A oposio, de direita, tambm heterognea (monarquistas, unitaristas, catlicos, militaristas, fascistas, etc) se organizaram para fazer frente ao governo central. A Espanha atingiu o clmax do dualismo politico nas eleies de 1935, obtendo 4,645 milhes de votos contra 4,503 milhes de votos dos direitistas e 0,5 milho dos liberais. Pelas regras eleitorais o vencedor a coalizao de esquerda com 45% dos votos, obteve 80% das cadeiras parlamentares, gerando enorme tenso. Grupos regionais buscavam a independncia de suas regies, anarquistas causavam ataques de vandalismo (s nos quatro meses que precederam a guerra civil, 159 igrejas foram incendiadas) e o Partido Comunista financiado pelo URSS visava obter o controle total do governo espanhol. A direita passou a receber apoio de Portugal e Itlia, ambos fascistas. E nas colnias africanas, um forte movimento de oposio toma forma, com apoio do exrcito colonial. O choque era iminente. Picasso, a despeito de se autodeclarar apoltico, na verdade era membro ativo do Partido Comunista espanhol e francs. Em 1936 Picasso assumiu o cargo de Diretor do Museu do Prado, embora no tenha exercido a funo. Picasso pintou a srie tauromaquia (exemplares abaixo) representando o choque, a violncia e fria das touradas, que foi associada ao
  • 14. 14 ambiente socialmente turbulento da Espanha. Picasso associava a sociedade tradicional, catlica e rural a uma Espanha negra, sombria, talvez representada pela figura do minotauro, ser obscuro. Enquanto a sociedade urbana, burguesa, era associava a vitalidade e progresso, talvez representada pela luz, em lamparinas ou velas, presentes em diversos quadros da srie. Haveria um choque entre estas duas vises, como a que ocorre numa tourada. No era mera disputa politica entre partidos, mas uma verdadeira guerra ideolgica. O novo governo exigia a obedincia a suas reformas, inclusive quanto a vida familiar e intima. Mudando a maneira de viver. Alegando que o conservadorismo havia realizado isso no passado ao impor sua viso de mundo a toda a sociedade. Cada lado via o outro como a perdio da Espanha, e exigia sua erradicao. Dali representou com maestria essa dualidade fratricida em que a sociedade espanhola esta vivenciando. Seu quadro Construo Mole com Feijes Cozidos (Premonio da Guerra Civil) 1936 (obra a direita), mostra a luta intransigente dos dois polos sob um frgil equilbrio. Concluda e exposta meses antes do inicio da guerra, sua arte expressava sua averso a luta que estava por vir. No quadro fica evidente que o desfecho violento inevitvel, e que o resultado, qualquer que seja, ser prejudicial a ambos os contendores. Os dois seres em luta formam o contorno do mapa do pais, os feijes espalhados no cho representam o desperdcio e a inconsequncia da luta, reforada pela representao ferocidade dos seres digladiando-se, rasgando-se e se destruindo-se. Mas a obra mais famosa retratando a guerra civil espanhola sem dvida Guernica 1937, de Pablo Picasso. Exposta na exposio internacional de 1937 de Paris, com o fito de atrair apoio a causa do governo espanhol (coalizao de partidos esquerdistas) contra os rebeldes fascistas de Franco. Guernica foi produzida com um propsito claro, criar comoo e mobilizao. E de fato o mural se tornou o smbolo da guerra civil espanhola, e um alegado apelo contra a guerra. Tambm tornou-se um panfleto contra os fascismos. Mas antes de Guernica, Picasso produziu literalmente uma srie de panfletos, intitulados Sonho e Mentira de Franco. (exemplos abaixo) Tais panfletos, como outros materiais produzidos por artistas convidados pelo governo espanhol, era ridicularizar os rebeldes liderados por pelo General Franco, associando-o ora a uma espcie de Dom Quixote de cmicas pretenses, ora a uma fera monstruosa e sanguinria, ora a um verme. Esse era o retrato desumanizador que o governo oficial espanhol produzia para seus adversrios, antes rival politico, agora um inimigo numa guerra fratricida.
  • 15. 15 Picasso declarou durante a exposio: No, a pintura no feita para decorar as habitaes. um instrumento de guerra ofensiva e defensiva contra o inimigo. Entretanto a obra prima de Picasso, Guernica no possui nenhuma referencia concreta a um ataque areo, do qual se alega a origem da obra, nem mesmo a Guerra civil espanhola evidenciada. Porem ele no um quadro narrativo, mas simblico. pintado em branco, preto e muitos tons de cinza. Picasso comeou a pintar sua obra em 18 de abril, sob encomenda para o pavilho espanhol da feira mundial. Mas o dito bombardeio de Guernica foi alegadamente realizado em 26 de abril, sendo noticiado apenas no dia 28. De fato no inicio de 1937, Picasso recebeu uma comitiva do governo espanhol que lhe encomendou a produo de panfletos artsticos contra Franco e seus rebeldes, a serem distribudos durante a feira mundial. E tambm se encomendou um mural de 11 por 4 metros com a mesma finalidade. Picasso aparentemente pensou em produzir uma verso de suas famosas Tauromarquias, dada a grande similaridade da obra Guernica com as sries Tauromarquias (veja a comparao abaixo). Para a realizao da obra Picasso obteve a cesso de uma grande sala em Paris, na Rue des Grandes Augustins, n 7, local utilizado por Balzac e no momento era a sede de um grupo politico esquerdista Contra- Ataque, do qual pertencia o surrealista Georges Bataille e Dora Maar, amante de Bataille e Picasso. Curiosamente Picasso recebeu do governo espanhol o equivalente a 15% da verba destinada a todo o pavilho espanhol, e cuja nota de pagamento foi utilizada posteriormente pelo governo espanhol para reclamar a posse da obra, atualmente pertencente ao Museu Nacional Rainha Sofia em Madrid. Guernica, Tauromarquia e panfleto sonho e mentira de franco, contem semelhanas ntidas, vide acima. A expresso de desespero de pessoas, o touro feroz, cavalos se retorcendo de dor, a luz de vela/lmpada se impondo contra a Espanha negra associada ao conservadorismo da sociedade espanhola. Elementos que jogam a dvida sobre a vinculao de Guernica ao episdio ocorrido na cidade Basca. Alis, o prprio bombardeio questionado por investigaes histricas, que se supe que tenha sido forjado, aps uma exploso acidental ou intencional, do paiol de munio guardado na cidade. A divulgao do episdio seguiu a linha de muitos fatos forjados pela mquina de propaganda do partido bolchevique da Unio Sovitica, tal como os alegados massacres de So Petersburgo de 1917. Picasso como membro
  • 16. 16 do partido comunista talvez tenha aceitado a divulgao de sua obra como referencia ao fictcio bombardeio para servir como pea de propaganda contra os rebeldes franquistas que odiava. Caso interessante e jamais exposto foi a perseguio anticatlica durante a Guerra Civil, que apenas continuou um padro j existente: nos s quatro meses que precederam a guerra civil j 159 igrejas teriam sido incendiadas. Durante a Guerra, pela represso republicana (governo esquerdista), segundo o historiador Hugh Thomas, foram mortos 6861 religiosos catlicos (12 bispos, 4.184 padres, 302 freiras, 2.363 monges). Foram destrudas por volta de 20.000 igrejas, com perdas culturais incalculveis pela destruio concomitante de retbulos, imagens e arquivos. Uma selvageria muito superior a fictcia Guernica, e que jamais foi mencionada por qualquer artista, muito menos Picasso. Dali por seu turno passou a reavivar seu catolicismo latente, manifestou atravs de suas telas e seus sonhos uma apreenso com a crise social que estava deformando o pais, transformando a disputa politica numa luta de dio crescente. A tela Espanha 1938 (imagem a direita), foi pintada como a viso da guerra por Dali. Nela o artista representa vrios personagens, visveis sob perspectivas distintas. Trata-se de um simulacro de corpo de mulher, aparentando uma grande quantidade de braos e pernas esmagando-se mutuamente. Observa-se um grupo de soldados combatendo e que formam a face da mulher. Pode ser interpretado como o esfacelamento da nao espanhola, representado pela mulher, cuja face esta sendo mutilada pela guerra, e que permanecer marcada, seja qual for o vitorioso. Em 1939 Salvador Dal foi expulso do movimento surrealista por Andr Breton, por razes no esclarecidas. Entretanto o fato coincidiu com a vitria dos rebeldes franquistas contra o governo esquerdista na Espanha. E como a maioria dos membros do movimento surrealista, tal como os modernistas em modo geral, possuem inclinaes esquerdistas, e tendo Dal declarado abertamente ser um defensor da restaurao da monarquia, acabou por ser associado ao fascismo. Questo que o perseguiu por toda a vida, reforado pelos fatos de que em 1940, quando se mudou para os Estados Unidos, retomou a prtica do catolicismo, que marcou profundamente suas obras subsequentes, e em 1947 quando se mudou definitivamente para a Espanha, para sua amada Catalunha, ainda sob governo de Franco, fatos no aceitos por colegas ateus e marxistas. Curiosamente quem bancou a viagem de Dali para os Estados Unidos foi Pablo Picasso. Algumas semanas antes da entrada dos alemes em Paris, Picasso auxiliou Dali a se mudar para a Amrica, entretanto, ele prprio permaneceu na Paris ocupada. 4 Espanha 1938 Salvador Dal. 5 A ltima ceia 1955. Salvador Dal.
  • 17. 17 Dal e a denuncia do desvirtuamento da Arte Moderna. Em 1940, a despeito de sua excluso do movimento surrealista, Dal sugeriu a Andr Breton uma nova abordagem para o surrealismo, aproximando-a de uma espcie de movimento mstico. Dal acreditava que o homem poderia superar sua maldade inata atravs do estimulo de seu aspecto angelical tambm inata a natureza humana. E o caminho para isso era atravs da beleza do classicismo. Seu trabalho no ps guerra enfoca esse surrealismo visionrio, onde encontra o arqutipo da unidade, marcada pela simbologia universal. Onde a criao se ope a destruio. Ele chamou isso de Mtodo mstico critico paranoico. Conceito como memria cuja decifrao ainda esta longe de ocorrer, produziu ideias interessantes, como a memria biolgica que persiste gerao aps gerao, e pode aflorar atravs de estmulos certos. Dessa concepo deriva a ideia de que o nvel subconsciente tende a operar atravs de um automatismo psquico puro. (Alm do Homo Sapiens, Mariu). As ideias de Mariu levaram Dali a buscar ir alm de entender a psique, passou a aspirar a explorar a conscincia individual onde as interpretaes falsas da realidade rompem o arqutipo, tornando-se uma sombra, no vocabulrio Junguiano. Dessa forma Dali fora o reconhecimento de sombras do subconsciente em suas pinturas. A imagem de um guerreiro heroico, bastante presente nas representaes do classicismo um arqutipo sombra da necessidade universal de agir atravs de julgamentos morais, enfrentando as contrariedades que nossos sentidos captam como ameaas. Habitualmente a imagem simblica universal para esse tipo de luta o culto da guerra e da destruio. Dali prega que o artista deve, como um ser paranoico, permitir que as imagens de seu subconsciente venham a tona. O trabalho dessa nova gerao de surrealistas busca mostrar que as imagens do subconsciente so smbolos. Isso implica que cada artista representa um arqutipo simblico diferente, embora se possa despir a representao individual e reconhecer a universalidade presente. Dali entende que a rejeio pregada pelos modernistas no seria capaz de transformar a compreenso do subconsciente, j que eles tendiam a depreciar o papel do intelecto na compreenso da verdade. O modernismo seria uma farsa para Dal. E essa farsa era uma espcie de acordo entre uma elite da qual gerava o que ele chamava de criticos ditirambicos que consiste em segmentos que promoviam a arte moderna, atravs da mdia, galerias e escolas de arte, moda, etc. A expresso apela para a ironia porque esses segmentos agiam como crticos de arte, definindo o bom e o mau gosto, sobretudo buscando renovar a prpria arte, porm, obviamente esses crticos tinham interesses concretos e agiam como um coro dionsico, que no teatro grego exaltavam em grande estardalhao a figura de seu deus, que no caso consiste na Arte Moderna. Dali ressalta que a farsa da arte moderna consiste em 4 aspectos em que ele enganou os seus prprios defensores, esses aspectos so: Sonho causado pelo vo de uma abelha em volta de uma rom um segundo antes de despertar. Salvador Dali.
  • 18. 18 1 - a enganao da feiura - segundo Dal a introduo da feiura na arte moderna comeou com Rimbaud1 que afirmou A beleza sentou-se em meus joelhos e estou fatigado dela. Foi o estopim para que os negativistas e aqueles que odiavam o classicismo, os quais Dali chamava de ratos de esgoto, encontrassem na feiura um atrativo, uma beleza no-convencional. Mas no se limitava a esttica, a feiura tambm se afirmava atravs de uma espcie de imoralidade, tais como os apelos aos pecados e a atitudes consideradas como desprezveis, tais como a obscenidade, a tortura, a imundice, etc. 2 a enganao pelo moderno a prpria ideia de moderno falsa. A farsa ideia de atual, contemporneo que foi embutido no conceito contraditrio. De fato, nada envelheceu mais depressa e pior do que aquilo tudo que num momento eles qualificaram de moderno. 3 - a enganao pela tcnica para Dal o estilo moderno passou a trair a sua finalidade original, passando de um decorativismo psquico para um decorativismo antidecorativo. Enquanto o modern style prosperou com a Bauhaus, associando o estilo decorativo a uma funcionalidade, ele rapidamente decaiu gerando uma forma nada funcional, como urbanismo e arquitetura de Le Corbusier, que Dal acertadamente definiu como inventor da arquitetura da autopunio por suas habitaes desconfortveis, alm de severamente dispendiosas. E em cuja estrutura, notavelmente no capaz de se sustentar corretamente, devido a busca pelo assimetrismo e linhas curvas. Causa obvia da pouca durabilidade e falhas estruturais de construes modern style, que o diga as obras de Niemayer. Na escultura o moderno significa nada mais do que histeria ertica, o bizarro com total falta de significados. A modernidade, na arquitetura e escultura tiveram o ultimo gnio com Gaud e aps ele ningum produziu nada alm de grotesca, bizarra e sdica arquitetura. Com Gaud houve a excelncia, aps Gaud s surgem excrescncia. Gaud construiu uma casa segundo as formas do mar, representando as ondas num dia de tempestade. (...) Trata-se de construes reais, verdadeira escultura dos reflexos das nuvens crepusculares na agua, possibilitada pelo recurso a um imenso e insensato mosaico multicolorido e rutilante. (...) Trata-se aqui, portanto, de fazer uma construo habitvel, com os reflexos das nuvens crepusculares nas guas de um lago, a obra devendo comportar, alm disso, o mximo de rigor naturalista. Proclamo que isso um progresso gigantesco. (Libelo contra a arte moderna, p. 59-60) 1 Arthur Rimbaud, 1854-1891, poeta francs. Conhecido por uma fama de libertino e uma alma inquieta. Sua obra principal Uma temporada no inferno. Nu couch. Picasso.La Mujer desnuda. Goya.
  • 19. 19 Dal identifica na excessiva sexualizao a runa da arte moderna. O sensualismo sutil de Gaud e a sensualidade burguesa de Ingress deu lugar ao ertico obsceno de Matisse e a erotizao repulsiva em Picasso. O desejo ertico a ruina da esttica intelectualista, assim fulmina Dal, ao identificar que os exageros do abstracionismo moderno converteu o pictrico, que j existia em Rafael, Giuseppe Arcimboldo, Goya e tantos outros, para um automatismo ornamental e uma arte pseudodecorativa que condicionou o mau em bom gosto atravs do academismo abstrato do modern style. Nossos modernos, cujos cabelos se eriam de horror ideia de uma matria que no fosse assptica e pr-fabricada, no tiveram que esperar o fim de sua vida para ver a apoteose do folclore mais ingnuo, a ressurreio de todos os plgios, de todos os arqueilogismos de todos os tempos, com a nica condio de que sejam enlameados e malfeitos. Cada quadro, cada cermica, ca tapete moderno que se respeita deve parecer sair de uma escavao e simular os acidentes da ptina e da decrepitude truculenta. (...) Partidrios do ultranovo, esnobados pelos novos-ricos do pseudovelho-velho, os crticos ditirmbicos foram ludibriados pela tcnica; com o Impressionismo, a decadncia da arte pictrica tornou-se ... impressionante. (Libelo contra a arte moderna, p. 65- 69). Dal expe de forma crua a inabilidade dos artistas modernos, afirmando que eles s produzem o bizarro e o abstrato por serem incapazes tecnicamente de reproduzir o belo e a semelhana. Os adeptos modernos de Czane apenas reproduzem a inabilidade do mestre, e sobretudo sua intolerncia com tudo o que for perfeito, simtrico, belo e harmnico. No restando a eles seno impor ditatorialmente suas deficincias, impercias e inabilidades catastrficas, como mero estilo. Dal afirma fulminantemente que diante dessa derrocada total dos meios de expresso, acreditou-se ter dado um passo adiante rumo liberao da tcnica pictrica. Cada fracasso foi batizado de economia, intensidade, plasticidade e, quando pronunciam esta horrvel palavra plasticidade, que os vermes esto a!. (Idem, p. 71). 4 a enganao pelo abstrato O cubismo inaugurou o conceito de arte abstrata, o que Dali identifica como uma conscientizao da descontinuidade da matria. Sendo louvvel, por um lado a busca da compreenso e representao das reais formas arranjadas em aparente anarquia no nvel subatmico. Entretanto as obras de inspirao abstrata no tem sentido algum, ou mensagem alguma. So apenas produtos de consumo e nada mais. E os prprios crticos assim o desejam, Dali informa que Picasso lhe dissera que seus compradores jamais lhe perguntaram o que seus quadros representavam. Todos os valores concretos da pintura moderna sero sempre traduzveis, no plano material, nesta coisa que eu pessoalmente sempre amei: o dinheiro! Em troca, que se tranquilizem os crticos puros que sempre desprezaram o dinheiro e tiveram medo de sujar-se tocando-o: os valores abstratos que eles defendem na pintura moderna se convertero inelutavelmente em dinheiro inteiramente limpo, totalmente inofensivo e imaterial. Ser o dinheiro puramente abstrato. (Idem, p. 85.) 6 A Mulher com chapu peixe - Pablo Picasso.
  • 20. 20 Consideraes finais. A beleza no reside na tcnica ou na perfeio da representao, mas no sentimento. Assim o neoclssico uma farsa por copiar a tcnica e uma falsa beleza idealizada. J o moderno a farsa da farsa ao negar contrariar a alegada beleza e tcnica neoclssica. Assim o moderno por ser a anttese de uma farsa, torna-se pior que a farsa, a deturpao da arte, suprimindo o sentido do artstico. A perfeio da reproduo no arte, os que alegam que a fotografia enterrou a arte clssica e por isso buscam novas tcnicas de representao, simplesmente desconhecem o sentido artstico do classicismo, como bem ressalta Dal. O grotesco e o feio no so novas formas de representao do artstico, se opondo ao clssico. O sentimento, percepo, moral, ideias e a prpria beleza harmnica faz parte de uma ideia geral. Sua negao realizada pela aparncia, ignorando a essncia do classicismo. Dal enfatiza a necessidade de preservao do ideal na reproduo artstica, sem ele no resta nada alm de fraude e mediocridade. O ideal artstico possui para Dal alguns significados: o apuro tcnico, ou seja o domnio dos conceitos e tcnicas artsticas, e a capacidade de reproduzir com perfeio, se assim o desejar; a criatividade associada a genialidade, que implica na capacidade do artista de produzir uma inovao em suas produes; e harmonia esttica traduzida pela apuro do artista em respeitar os ditames da razo na sua criao; e sobretudo possuir a capacidade de transmitir o sublime atravs de sua criao, mensagens reproduzidas em formas, contornos, tintas, pedra. A arte como vimos no imune a ideologia, muito pelo contrario totalmente dependente dela. A arte como contemplao uma arte ideologicamente burguesa, arte moderna, assptica pr-fabricada, para ser produzida em escala e consumida, no significa nada, no quer significar nada. A arte clssica, por assim dizer, a arte com a finalidade de representao, seja ele de um poder politico, religioso, ou simplesmente um pensamento, que para Dali significa conceber uma cosmogonia apolnea, e especialmente para ele implicava a utilizao de seu mtodo de produo artstica - atividade irracional sistemtica paranoica. Este mtodo resumia uma atividade paranoica espontnea e irracional, baseado na associao interpretativa e crtica dos fenmenos delirantes dionisacos. O trabalho de Dal foi uma conjuno do instigante, a mstica clssica, dos valores culturais e a influencia das descobertas cientificas traduzidas numa nova perspectiva artstica. 7 Toureiro alucingeno - 1967-70
  • 21. 21 A Questo da desproporcionalidade no sistema representativo- eleitoral e seus efeitos na legitimidade poltica no Brasil. O sistema de representao proporcional no Brasil apresenta um grave desequilbrio. A maioria dos distritos eleitorais possui uma forte distoro entre seus respectivos eleitorados e vagas parlamentares. Como o Brasil um Estado Federal, cada unidade federada converte-se em distrito eleitoral, cada qual se fazendo representar por um nmero fixo de trs senadores e um nmero de deputados relativos sua populao. Naturalmente deve haver uma desigualdade de representao parlamentar (deputados) entre os estados, devido a diferena de populao. Dado que uns estados so mais populosos e outros o so menos. No entanto essa regra no seguida, porque as leis eleitorais brasileiras alteram essa composio equilibrada, fazendo ressalvas ao estabelecer nmeros mnimos e mximos de representantes por estado. Essa medida corrompe o carter de representao para vrios estados. De modo que o maior distrito eleitoral So Paulo, tem apenas 60% dos representantes cabveis, enquanto o menor distrito - Roraima, tem 975% de representao a que teria direito. Outra peculiaridade da legislao eleitoral brasileira tomar como base a populao para avaliar a magnitude do distrito, isso provoca trs problemas: 1- o primeiro que o uso da populao e no dos eleitores gera uma distoro muito grave, porque o cadastro do eleitorado automtico, baseando-se nos dados dos tribunais eleitorais, enquanto que a populao fundada numa analise parcial, onde at recm nascidos entram na contabilizao, ao passo que falecidos muitas vezes no o so, alm do fato de que migrantes continuam nos dados demogrficos, e consequentemente eleitorais, mesmo no residindo em seu estado de origem a dcadas. Existe eleitorados fantasmas em virtude deste critrio absurdo adotado no Brasil; 2- o segundo fator que a contagem da populao feita a cada dez anos, e s isso j deixaria um lapso, em que variaes da populao no seriam consideradas para as eleies dentro desse perodo. Mas a dificuldade, talvez intencional, dos cartrios em comunicarem o falecimento de habitantes,
  • 22. 22 inclusive de recm-nascidos, que foram contabilizados eleitoralmente, e assim o por dcadas, inflando artificialmente o eleitorado de certos estados; 3- o terceiro e mais evidente problema a no reviso da magnitude eleitoral para os distritos; essa no equivalncia do percentual de populao e o percentual do eleitorado dos distritos, resulta em uma defasagem eleitoral gravssima, pois h duas medidas diferentes: 1- a magnitude distrital baseada na populao; 2 o quociente eleitoral nos votos dos eleitores. Nessa situao, dois distritos com idntica populao, ter igual nmero de cadeiras parlamentares, mas um deles com maior nmero de eleitores do que o outro resultar em quocientes eleitorais diferentes, dado o tamanho de eleitorados diferentes para uma mesma magnitude. Isso resultar em pesos distintos para os votos desses eleitores. Essa situao causa um impacto nos partidos. Uma situao hipottica exemplifica bem isso: no distrito oeste o partido A tem 40% dos votos, considerando que os distritos tm a mesma magnitude, e o distrito norte apesar de ter a mesma populao tem um eleitorado maior. Isso significa que o partido A ter maior nmero de votos que o partido B, no entanto devido a esse sistema, eles tero o mesmo nmero de parlamentares, contrariando assim a justa representao do eleitorado. Na Tabela 1, reuni alguns distritos pelo tamanho do eleitorado para visualizar bem esse problema da magnitude distrital, resultando na desproporo da representao. O distrito de So Paulo, o mais subrepresentado, apresenta uma reduo de 39% de suas cadeiras (significando 44 deputados a menos) diante de uma representao proporcional perante o eleitorado, e para comparar com ele eu reuni vrios distritos sobre- representados at equivalerem em nmero de eleitores, esse o bloco sobre, reunindo 16 distritos eleitorais, onde o seu conjunto apresenta um acrscimo de 34% de cadeiras (significando 39 deputados a mais) nas mesmas circunstancias. Em comparao direta h uma distoro gravssima entre os votos dos eleitores paulistas e os eleitores do bloco sobrerepresentado. Apesar dos paulistas serem em maior nmero, possuem 83 deputados a menos, 219% de diferena. Ou seja, o voto no norte do Brasil vale 219% a mais do que o voto do paulista. Sendo o conceito de um cidado um voto um dos pilares da democracia, como se pode explicar esta distoro brutal? Se apenas considerando esses dois blocos podemos perceber que h uma discrepncia severa entre os votos majoritrios e representativos. Se um partido tivesse
  • 23. 23 60% dos votos em ambos os pleitos, e por causa da desproporcionalidade existente na representao no Brasil, o partido vencedor certamente no teria maioria no congresso, ou seja, mesmo vencendo as eleies no ganharia a maioria parlamentar. Porque as cartas marcadas da lei eleitoral brasileira impede a competio justa. Tabela 1. Dados TSE de 2010. eleitorado % Representantes ( A ) % Representao proporcional ( B ) Diferena A - B Bloco Sobre 30.187.108 153 114 + 39 So Paulo 30.290.443 70 114 - 44 Total no Brasil 135.804.084 100% 513 100% 513 n/a Bloco sobre-representado Estados da Regio Norte e Centro-Oeste, Maranho, Sergipe, Alagoas e Paraba. A = nmero de deputados federais efetivos. B = nmero de deputados federais terico, de acordo com uma proporcionalidade estrica em relao ao eleitorado. * mantendo o nmero total de 513 deputados. Efeitos sobre os partidos. Essa alterao da magnitude de certos distritos, sobrerepresentando-os ou subrepresentando-os, afeta o quociente eleitoral, causa um desequilbrio entre os partidos polticos. Como os partidos esto distribudos de forma desigual pelas regies brasileiras, e no caso tratado, com o PMDB, PP e DEM com grande influencia sobre o bloco sobre-representado (Distritos eleitorais nas regies norte, nordeste e centro oeste). Enquanto que o PSDB e o PT com grande influencia sobre o distrito subrepresentado, so severamente prejudicados. Notamos tambm que o PV, notavelmente prejudicado em ambos as regies devido s regras eleitorais, tendo uma bancada bem inferior ao seu conjunto de votos e preferencia do eleitorado. J o PP, possui um relativo equilbrio entre perdas e ganhos, mas perde inegavelmente em qualidade de seus representantes. Essa corroso da representao proporcional cria uma defasagem entre as correntes de opinio presentes de forma diversa pelos distritos, e sua representao no parlamento. Isso porque sendo as regies desigualmente representadas, isso reflete nos captadores de opinio e vontade pblica que, deveriam ser os partidos polticos.
  • 24. 24 Dessa forma o bloco sobrerepresentado, que corresponde as regies subdesenvolvidas, refletem estruturas polticas tradicionais, fortemente influenciadas por lideranas locais de carter oligrquico, e a influencia destes partidos so ampliadas no cenrio nacional pelo concurso da desproporcionalidade, fazendo-os terem 45% mais representantes do que o correto. Do outro lado o distrito subrepresentado faz parte da regio mais desenvolvida do pais onde as foras polticas operam por bases sociais bastante diferenciadas, e proporciona uma pluralidade de correntes de opinies em geral de carter progressista. Tem pelo mesmo sistema, sua influencia sobre o cenrio poltico nacional reduzido com a subrepresentao de sua base geogrfica. Desta forma surge um superdimencionamento dos partidos grandes nos distritos menos populosos, rurais e subdesenvolvidos, refletindo uma postura mais atrasada no parlamento. E surge um subdimencionamento dos partidos grandes nos distritos mais populosos, urbanos e desenvolvidos, que reflete uma postura menos progressista no parlamento. Logo, a formao do Congresso Nacional no corresponde integralmente s vontades e disposies do eleitorado, constituindo um enfraquecimento da legitimidade do corpo legislativo. Embora no chegue a comprometer a governabilidade, cobra um pesado tributo para a funcionalidade do sistema, como a dificuldade de implementao de reformas sociais, desejadas pela maioria do eleitorado. Assim a desproporo de numero de votos e cadeiras entre estados repercute sobre a fora relativa dos partidos, dada a desigual distribuio deste no espao geogrfico, favorecendo uns, prejudicando outros. A Tabela 2 exemplifica a distoro secundaria da representao pela diferena existente entre populao e eleitorado. Quando a lei eleitoral brasileira estabelece que a populao e no o eleitorado so bases para magnitude eleitoral, ao contrario da maioria dos pases, gera um desnvel claro na representao dos cidados como vemos a seguir: Tabela 2 Relao Populao x Eleitorado Habitantes Eleitores Deputados Senadores Bloco So Paulo 40 milhes 33 milhes 70 3 Bloco Sobre representado 60 milhes 33 milhes 153 42
  • 25. 25 O resultado mais uma aberrao brasileira. Isso porque senso comum usar o eleitor como referencia para a criao de distritos eleitorais e definir a quantidade de vagas parlamentares. Afinal eleitor o cidado por excelncia. Porm a legislao brasileira usa referencias diferentes para avaliar o mesmo objeto. Usa-se populao para definir a magnitude eleitoral (vagas parlamentares) e eleitores para definir o quociente eleitoral (a quantidade de votos para cada vaga parlamentar). Se o quociente eleitoral avaliado pelo numero de eleitores, para efeito de distribuio de vagas aos partidos, a diferena do numero total de vagas definido absurdamente pelo numero de habitantes, provocando distores tanto na distribuio de cadeiras legislativas aos partidos, como provoca distoro na representao dos cidados de cada estado. O ideal clssico de um cidado, um voto, claramente violado pela legislao brasileira, e torna-se uma afronta aos cidados prejudicados e uma ofensa ao princpio da isonomia politica. Na tabela 2 vemos claramente que os cidados do bloco sobrerepresentado so privilegiados com um maior numero de cadeiras legislativas, enquanto o bloco subreprentado (o Estado de So Paulo) tem seus cidados lamentavelmente prejudicados com uma menor distribuio de cadeiras. Apesar de votarem na mesma eleio, as leis eleitorais brasileiras impe pesos diferentes para o voto de seus cidados. Entre a cidadania e o curral eleitoral. A desculpa de que o nmero mnimo de oito deputados deve garantir representao para o estado, para seu eleitorado. Mas isso no correto. Dentro desses estados uma fora poltica obtm muito mais representao do que seus votos o permitiriam, enquanto outra fora poltica com menos votos ficaria excluda da representao. Digamos dois partidos com 10% do eleitorado cada, ficam com 0% de cadeiras, apesar de que a opinio que eles canalizam devesse corresponder a 20% dos deputados do distrito, ou 1 ou 2 deputados num distrito com 8 cadeiras. Ou seja, o estabelecimento de mnimos de representantes, no beneficia as pequenas populaes do Norte, centro-oeste e nordeste frente a federao, porque parte considervel de seu eleitorado, o mais progressista, no obtm a justa representao, devido ao alto custo de obteno de cadeiras (12,5% do total de votos para 10 deles). J que so foras polticas em ascenso nesses estados eles tem seu crescimento obstrudo. Logo a sobrerepresentao favorece no o pequeno eleitorado das regies subdesenvolvidas,
  • 26. 26 mas os grandes partidos tradicionais, ou melhor, as lideranas polticas locais, que mantendo pequena maioria do eleitorado garantem sua eleio, e devido ao sistema eleitoral conseguem transferir para si parte das cadeiras residuais, devido excluso dos partidos pequenos que no atingiram o quociente eleitoral. Por outro lado o estabelecimento de um nmero mximo de representantes para os distritos, que reduz brutalmente a representatividade da opinio pblica estabelecida em So Paulo, faz com que o equivalente a 38% do eleitorado do distrito (8,86 milhes de eleitores) sejam privados de participar dos destinos da federao. Dessa forma, em so Paulo, estado lder da regio mais desenvolvida do pas, onde os partidos progressistas esto fortemente estabelecidos, tm suas foras limitadas, j que o estabelecimento de limite de representao elevou drasticamente o quociente eleitoral, reduzindo, desta forma, o potencial poltico desses partidos no tocante composio do Congresso Nacional. Ou seja, reduz-se a influencia dos partidos progressistas na conduo da poltica nacional. Outra consequncia da alocao defasada do quociente eleitoral que isso constitui, tal como no caso anterior, num obstculo ao surgimento e ascenso de novas foras polticas, neste caso de uma representao mais prximo das disposies e opinies do eleitorado. Tabela 3 Distrito eleitoral sub-representado So Paulo Numero de deputados (A) Parlamentares em relao cmara federal Votao em relao ao total de votos nacionais Representao proporcional ( B ) Defasagem (A - B) PT 15 2,92 4,17 24,2 - 9,2 PSDB 13 2,53 4,10 21 - 8 PSB 7 1,37 2,07 10,7 - 3,7 PDT 3 0,58 0,87 4,6 - 1,6 PR 4 0,78 1,9 9,74 - 5,5 PMDB 1 0,19 0,45 2,33 - 1,3 PP 4 0,78 1,39 7,1 - 3,1 PV 5 0,97 1,7 8,7 - 3,7 PPS 3 0,59 0,71 3,7 - 0,7 DEM 6 1,7 1,49 7,64 - 1,64 A nmero de parlamentares eleitos sob a regra da desproporo eleitoral brasileira. B nmero de parlamenteares em distritos eleitorais sob uma justa representao proporcional.de acordo com os votos vlidos em cada distrito. Obs. Dados obtidos da eleio 2010/TSE.
  • 27. 27 Tabela 4 Distrito eleitoral sobre-representado* Numero de deputados (A) Parlamentares em relao cmara federal Votao em relao ao total de votos nacionais Representao proporcional ( B ) Defasagem (A - B) PT 19 3,71 3,07 17,7 + 1,3 PSDB 18 3,51 2,51 12,9 + 5,1 PSB 7 1,37 0,88 4,5 + 2,5 PDT 7 1,37 1,20 6,2 + 0,8 PR 13 2,54 1,62 8,3 + 4,7 PMDB 34 6,63 4,42 22,7 + 11,3 PP 13 2,54 1,49 7,6 + 5,4 PV 2 0,39 0,42 2,1 - 0,1 PPS 3 0,59 0,4 2,1 + 0,9 DEM 14 2,73 1,49 7,7 + 6,3 A nmero de parlamentares eleitos sob a regra da desproporo eleitoral brasileira. B nmero de parlamenteares em distritos eleitorais sob uma justa representao proporcional. * Estados da Regio Norte e Centro-Oeste, Maranho, Sergipe, Alagoa e Paraba. Obs. Dados obtidos da eleio 2010/TSE. Tabela 5 Desproporcionalidade na composio dos partidos no Congresso. Nmero de cadeiras perdidas com a sub- representao em So Paulo A Nmero de cadeiras ganhas com a sobre- representao no bloco sobre B ( A B ) Alterao na composio dos partidos *. Em % PT - 9,2 + 1,3 - 7,9 - 23,23 PSDB - 8 + 5,1 - 2,9 - 9,35 PSB - 3,7 + 2,5 - 1,2 - 8,57 PDT - 1,6 + 0,8 - 0,8 - 8 PR - 5,5 + 4,7 - 0,8 - 4,7 PMDB - 1,3 + 11,3 + 10 + 28,6 PP - 3,1 + 5,4 + 2,3 + 13,5 PV - 3,7 - 0,1 - 3,8 - 54,3 PPS - 0,7 + 0,9 + 0,2 + 3,33 DEM - 1,6 + 6,3 + 4,7 + 23,5 * - Efeito distorsivo provocado nos distritos sobre e sub representados em relao a cada partido.
  • 28. 28 A tabela 4 com o bloco sobre representado mostra como os grandes partidos fisiolgicos so beneficiados, no caso o PMDB, PP. PR e DEM ganhando 28 deputados, mas tambm o PSDB e o PT ganhando 6 deputados, isso resulta da influencia obtida com o controle da Presidncia da Republica, onde tradicionalmente parte dos votos do candidato favorito na eleio canalizado para o pleito legislativo afim de beneficiar seu prprio partido, com isso o PSDB e PT obtiveram visibilidade em regies controladas pelo PMDB, PP, PR e DEM, conseguindo dessa forma eleger o primeiro representante e concorrer com sobras, j que em 10 desses distritos o quociente eleitoral de 12,5%, tendia a excluir as legendas progressistas. Na tabela 3 v-se claramente o prejuzo da bancada de todos os partidos, principalmente do PT e PSDB. A tabela 5 mostra o resultado dessa desproporo dos dois blocos, na composio do parlamento para ntido benefcio do PMDB, PP e DEM. Como a composio da Presidncia e do Congresso fica distorcida, uma coligao progressista com a maioria dos votos, grande parte obtida no centro sul, teria minoria na cmara, e com isso o projeto desejado pela maioria do eleitorado seria obstrudo por uma maioria forjada (bolchevique) de parlamentares que vetariam propostas modernizantes, e condicionariam seu apoio a outras medidas e verbas para projetos particulares em seus nichos eleitorais ou a alocao de cargos na administrao, isso tornar a estabilidade governamental extremamente cara em termos polticos e sob o aspecto de seu projeto de modernizao em parte ineficaz. O exemplo disto esta na observao das tabelas 3 e 4, onde se verifica que em conjunto o PSDB, PT e PV, teriam 15,97 dos votos, e 14,03% das cadeiras, enquanto o PMDB, PP, PR e DEM teriam juntos 14,79% dos votos e 17,89% das cadeiras. Isso significa que uma aliana progressista apesar de ter a possibilidade de vencer o pleito presidencial unido, no teria o mesmo resultado no legislativo, se obrigando a estabelecer concesses para as agremiaes ditas atrasadas, pondo em risco o prprio projeto junto aos eleitores. O PT em 2002, 2006 e 2010 seguiu o mesmo caminho usado pelo PSDB em 1994 e 1998 para consolidar-se como grande partido em nmero de parlamentares e no apenas em nmero de votos. Ou seja, canalizou as intenes de voto no candidato presidncia para o partido no campo legislativo, e dessa forma obteve um crescimento significativo da legenda nas regies sobrerepresentadas, onde tendia a ficar excluda devido ao quociente eleitoral. Mas o crescimento petista obteve outro resultado: reduziu ligeiramente a presena do PMDB, PP, PR e DEM nessas regies, tal como o PSDB o
  • 29. 29 havia feito nos 2 pleitos anteriores. Somando a um pequeno crescimento compensatrio do PMDB, DEM, PP e PR na regio centro-sul, a desproporcionalidade entre os grandes partidos, causado pela desproporcionalidade entre os distritos, foi atenuada, mas no eliminada, como fica claro na tabela 5. Consequncias politicas da desproporcionalidade da representao. Se essa tendncia persistir pode haver trs consequncias distintas: A) mascarar de vez a dimenso federativa da alocao desproporcional, com todos os grandes partidos se acomodando com essa situao, compensando no nos distritos sobre-representados o que perdem no distrito sub-representado; B) o partido vencedor nas eleies majoritrias apesar de ter mais votos ele elege muito menos congressistas do que seria justo, buscar compensar a desproporcionalidade eleitoral, ou seja, se acomodar com a situao e se aliar a partidos fisiolgicos que possuem mais parlamentares do que votos; C) os partidos progressistas promovem uma aliana com as bancadas subrepresentadas dos partidos tradicionais, que nessa nova situao no teriam tantos motivos para apoiar a manuteno da desproporcionalidade, podendo hipoteticamente aprovar uma medida para corrigir essa distoro de representao. Na hipottica situao A a imposio de leis para limitar a criao de partidos, elevar cociente eleitoral, dificultar o funcionamento e existncia de partido pequenos, ir aumenta a distoro da representatividade dos cidados, embora a percepo deste problema gravssimo seja mascarada pelo arcabouo legal. Tal situao facilitar a imposio de governos autoritrios e a instalao de um regime de exceo, tendo em vista que as minorias no-representadas e parcelas significativas da populao prejudicadas com a sub-representao, no tero representantes suficientes para vetar leis, projetos ou aes governamentais contrrios aos seus valores e interesses. A situao B reforar o esquema de corrupo sistemtico implementado pela coalizo esquerdista capitaneada pelo PT, no processo judicial conhecido como Mensalo. Porm se essa prtica de corrupo se tornar to corriqueiro que ser aceito institucionalmente, fazendo parte da cultura politica brasileira. E diante de tal quadro, no ser possvel haver medidas legais para coibir to repulsivas prticas.
  • 30. 30 A situao C vislumbra uma alterao da legislao eleitoral para um sistema verdadeiramente representativo, estabelecendo um cociente nacional, com o mesmo peso do voto para cada cidado. Isso implicaria a alterao das bancadas para um numero justo de deputados para cada estado. E talvez a criao de um senado proporcional, como o existente na maioria dos pases desenvolvidos. Alternativamente poderia reunir alguns pequenos estados em macrorregies, de modo a otimizar a gesto administrativa e a organizao politica, melhorando tambm a representatividade parlamentar dentro deles. Pela experincia observada na histria de outras sociedades, a situao C a nica opo satisfatria, enquanto as situaes A e B, j em curso na prtica politica brasileira, se forem agravadas podero resultar num acirramento do radicalismo politico, devido a excluso de enorme parcela da populao do processo decisrio.
  • 31. 31 A Revista Paulista de Cultura e Poltica uma publicao da Associao Liga Paulista pela Autonomia. Editor: Roberto Tonin. Os artigos so de responsabilidade de seus autores, embora a Revista Paulista de Cultura e Poltica se reserve o direito de solicitar matrias a partir de pautas estabelecidas pelo Conselho Editorial.
  • 32. 32 Revista Paulista de Cultura e Politica. Coragem de expor os fatos Compromisso com a participao e o debate. Escreva, desafie, ns publicaremos. Neste nmero participaram: Roberto Tonin