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N. 22 NOVEMBRO DE 2019 1 n. 22 DJE de Novembro 2019

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N. 22 NOVEMBRO DE 2019

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n. 22 DJE de

Novembro 2019

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TESES E FUNDAMENTOS BOLETIM DE ACÓRDÃOS P UBLICADOS

Este Boletim contém resumos de decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.

Elaborado a partir de acórdãos publicados no mês de referência, e cujo julgamento tenha sido noticiado no Informativo STF, o periódico traz os principais fundamentos e conclusões dos julgados.

A fidelidade deste trabalho ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas almejadas, ape-nas poderá ser aferida pela leitura integral do inteiro teor publicado no Diário da Justiça Eletrônico.

SUMÁRIO

DIREITO ADMINISTRATIVO

PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ................................................. 4 DEVIDO PROCESSO LEGAL

CADASTROS FEDERAIS DE INADIMPLÊNCIA

ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ............................................ 4 ADMINISTRAÇÃO INDIRETA

EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA

DIREITO CONSTITUCIONAL

DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS .................................................... 6 DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS

LIBERDADE RELIGIOSA

ORGANIZAÇÃO DO ESTADO .................................................................... 7 UNIÃO

COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PRIVATIVA

ORGANIZAÇÃO DO ESTADO .................................................................... 8 MUNICÍPIOS

COMPETÊNCIA LEGISLATIVA SUPLEMENTAR — REPERCUSSÃO GERAL

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES ................................................................. 9 PODER EXECUTIVO

ATRIBUIÇÕES DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES ............................................................... 11 PODER JUDICIÁRIO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

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ORGANIZAÇÃO DOS PODERES ............................................................... 12 PODER JUDICIÁRIO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES ............................................................... 13 PODER JUDICIÁRIO

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

DIREITO ELEITORAL

ELEIÇÕES .......................................................................................... 14 SISTEMA ELEITORAL

NULIDADES DA VOTAÇÃO

DIREITO PROCESSUAL PENAL

PROCESSO EM GERAL .......................................................................... 16 PROVA

COLABORAÇÃO PREMIADA

PROCESSOS EM ESPÉCIE ....................................................................... 17 PROCESSOS ESPECIAIS

LEI 8.038/1990 – PROCESSOS PERANTE O SUPERIOR TRIBUNAL DE

JUSTIÇA (STJ) E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF)

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DIREITO ADMINISTRATIVO

PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

DEVIDO PROCESSO LEGAL

CADASTROS FEDERAIS DE INADIMPLÊNCIA

Na hipótese de inadimplência de convênio fe-deral por parte de Estado-membro, somente após o término da tomada de contas especial pode a União inscrever o ente estadual no Sistema Integrado de Administração Finan-ceira (SIAFI), no Cadastro Informativo de Cré-ditos não Quitados do Setor Público Federal (CADIN) ou no Serviço Auxiliar de Informa-ções para Transferências Voluntárias (CAUC).

A tomada de contas especial é o procedi-mento pelo qual há o reconhecimento defi-nitivo das regularidades, com a devida ob-servância do contraditório e da ampla de-fesa. Suas regras estão definidas na Lei 8.443/1992, e, por meio desse procedi-mento, o dano ao erário pode tornar-se dí-vida líquida certa.

É possível ao poder central suspender imediatamente o repasse de verbas ou a execução de convênios, mas deve fazer o ca-dastro nos termos da lei, ou seja, mediante a verificação da veracidade das irregularida-des apontadas. Isso porque o cadastro tem consequências, como a impossibilidade da repartição constitucional de verbas das re-ceitas voluntárias.

“Antes, portanto, da instauração da to-mada de contas especial não há validade da inscrição do ente federado em cadastros

1 ACO 3.011 AgR, rel. min. Dias Toffoli, P. 2 SUNDFELD, Carlos Ari. Reforma do Estado e em-

presas estatais. A participação privada nas empresas estatais. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito ad-ministrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 266.

3 CF/1988: “Art. 173. Ressalvados os casos previs-tos nesta Constituição, a exploração direta de ativi-dade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.”

restritivos por ausência do devido processo legal para tanto exigido”1.

ACO 2.892 AgR, red. p/ o ac. min. Alexandre de Moraes, DJE de 27-11-2019. (Informativo 951, Plenário)

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ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

ADMINISTRAÇÃO INDIRETA

EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECO-

NOMIA MISTA

A alienação do controle acionário de empre-sas públicas e sociedades de economia mista exige autorização legislativa e licitação pú-blica.

O “Direito Constitucional Brasileiro im-põe a concordância prévia do Legislativo para todas as alterações na estrutura da Ad-ministração que envolvam aquisição ou perda da personalidade governamental. De-veras, é necessário autorização legal tanto para o surgimento de uma nova organização governamental como para seu desapareci-mento”2.

A prerrogativa do controle legislativo de-corre da relevância atribuída pela Constitui-ção Federal (CF) aos preceitos imperativos que regem a atuação do poder público (CF, art. 173, caput3). Nesse contexto, a exigência de autorização legal para a instituição de empresa pública e sociedade de economia mista (CF, art. 37, XIX4) aplica-se também, por força do princípio do paralelismo das formas5, à alienação do controle acionário.

4 CF/1988: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Es-tados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, morali-dade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) XIX – somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pú-blica, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, defi-nir as áreas de sua atuação;“

5 ADI 1.703, rel. min. Alexandre de Moraes, P.

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Ademais, cabe destacar que a dispensa de licitação somente pode ser aplicada à venda de ações que não importem a perda de controle acionário de empresas públicas, sociedades de economia mista ou de suas subsidiárias ou controladas.

Isso porque a Lei 9.491/1997 (art. 4°, I e § 3°6), ainda vigente, exige, nos procedimen-tos de desestatizações, que a “alienação de participação societária, inclusive de controle acionário, preferencialmente mediante a pulverização de ações” ocorra por meio de licitação, a qual “poderá ser realizada na mo-dalidade de leilão”.

As disposições supratranscritas estão em consonância com o caput do art. 37 da CF7, o qual dispõe que toda a administração pú-blica obedecerá aos princípios constitucio-nais da legalidade, impessoalidade, morali-dade e publicidade. Nesse sentido, permitir a venda direta de ações, em montante sufi-ciente a perder o controle societário de em-presa estatal, de maneira a impossibilitar a concorrência pública, poderia atentar contra o texto constitucional, o qual consigna que as alienações serão realizadas “mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concor-rentes” (CF, art. 37, XXI8).

A transferência do controle de subsidiárias e controladas não exige a anuência do Poder Legislativo e poderá ser operacionalizada sem processo de licitação pública, desde que

6 Lei 9.491/1997: “Art. 4º As desestatizações serão executadas mediante as seguintes modalidades ope-racionais: I – alienação de participação societária, in-clusive de controle acionário, preferencialmente me-diante a pulverização de ações; (...) § 3º Nas desesta-tizações executadas mediante as modalidades opera-cionais previstas nos incisos I, IV, V, VI e VII deste ar-tigo, a licitação poderá ser realizada na modalidade de leilão.”

7 CF/1988: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Es-tados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, morali-dade, publicidade e eficiência e, também, ao se-guinte:”

8 CF/1988: “Art. 37. (...) XXI – ressalvados os casos

garantida a competitividade entre os poten-ciais interessados e observados os princípios da administração pública constantes do art. 37 da CF.

“É dispensável a autorização legislativa para a criação de empresas subsidiárias, desde que haja previsão para esse fim na própria lei que instituiu a empresa de econo-mia mista matriz, tendo em vista que a lei criadora é a própria medida autorizadora”9.

Nesse sentido, caso se aplique o parale-lismo das formas, a extinção da subsidiária também prescindirá de lei específica, sendo suficiente a autorização legislativa genérica prevista em lei10.

Além de constitucional, a permissão con-fere agilidade, eficiência e economicidade ao processo, atendendo à realidade de em-presas estatais que atuam no mercado, mor-mente por se sujeitarem ao regime jurídico de direito privado11.

Diante disso, foi referendada, em parte, a medida cautelar antes parcialmente con-cedida pelo ministro relator para conferir ao art. 29, caput, XVIII, da Lei 13.303/201612 in-terpretação conforme à CF, nos seguintes termos: i) a alienação do controle acionário de empresas públicas e sociedades de eco-nomia mista exige autorização legislativa e li-citação; e ii) a exigência de autorização legis-lativa, todavia, não se aplica à alienação do controle de suas subsidiárias e controladas. Nesse caso, a operação pode ser realizada

especificados na legislação, as obras, serviços, com-pras e alienações serão contratados mediante pro-cesso de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cum-primento das obrigações.”

9 ADI 1.649, rel. min. Maurício Corrêa, P. 10 Trecho do voto do ministro Dias Toffoli. 11 Trecho do voto do ministro Dias Toffoli. 12 Lei 13.303/2016: “Art. 29. É dispensável a reali-

zação de licitação por empresas públicas e sociedades de economia mista: (...) XVIII – na compra e venda de ações, de títulos de crédito e de dívida e de bens que produzam ou comercializem.”

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sem a necessidade de licitação, desde que se observem os princípios da administração pú-blica inscritos no art. 37 da CF, respeitada, sempre, a exigência de necessária competi-tividade.

ADI 5.624 MC-Ref, rel. min. Ricardo Lewan-dowski, DJE de 29-11-2019. (Informativo 943, Plenário)

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13 CF/1988: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igual-dade, à segurança e à propriedade, nos termos seguin-tes: (...) VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cul-tos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;”

14 CF/1988: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, pro-teção do meio ambiente e controle da poluição;”

15 Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da Unesco de Paris/2003: “Artigo 2: Definições (...) 1. Entende-se por ‘patrimônio cultural imaterial’ as práticas, representações, expressões, co-nhecimentos e técnicas – junto com os instrumentos,

DIREITO CONSTITUCIONAL

DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS

LIBERDADE RELIGIOSA

É constitucional a lei de proteção animal que, a fim de resguardar a liberdade religiosa [Constituição Federal (CF), art. 5º, VI13], per-mite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz africana.

Sob o prisma formal, norma estadual que institui Código de Proteção aos Animais sem dispor sobre hipóteses de exclusão de crime amolda-se à competência concorrente dos Estados para legislar sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, de-fesa do solo e dos recursos naturais, prote-ção do meio ambiente e controle da polui-ção (CF, art. 24, VI14).

Sob o prisma material, a prática de rituais com animais não se subsome ao dispositivo constitucional que proíbe as práticas cruéis com animais.

A prática e os rituais relacionados ao sa-crifício animal são patrimônio cultural ima-terial15. Além disso, eles constituem os mo-dos de criar, fazer e viver de diversas comu-nidades religiosas e se confundem com a própria expressão de sua identidade (CF, art.

objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são as-sociados – que as comunidades, os grupos e, em al-guns casos, os indivíduos reconhecem como parte in-tegrante de seu patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em ge-ração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um senti-mento de identidade e continuidade e contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. Para os fins da presente Con-venção, será levado em conta apenas o patri-mônio cultural imaterial que seja compatível com os instrumentos internacionais de direitos humanos existentes e com os imperativos de respeito mú-tuo entre comunidades, grupos e indivíduos, e do desenvolvimento sustentável. 2. O ‘patrimônio cultural imaterial’, conforme definido no parágrafo 1 acima, se manifesta em particular nos seguintes cam-pos: (...) c) práticas sociais, rituais e atos festivos;”

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216, II16). É preciso dar ênfase à perspectiva cultural não apenas por esse fato, mas tam-bém porque a experiência da liberdade reli-giosa é, para essas comunidades, vivenciada a partir de práticas não institucionais.

A dimensão comunitária da liberdade re-ligiosa é digna de proteção constitucional e não atenta contra o princípio da laicidade (CF, art. 19, I17). Essa diretriz interpretativa decorre da obrigação imposta ao Estado bra-sileiro relativamente às manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasilei-ras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional (CF, art. 215, § 1º18).

Cabe destacar que o sentido de laicidade empregado no texto constitucional destina-se a afastar a invocação de motivos religio-sos no espaço público como justificativa para a imposição de obrigações. Não se trata, pois, de identificar quais argumentos de origem religiosa são ou não racionais, mas simplesmente de reconhecer que a pre-tensão de validade de justificações públicas não é compatível com dogmas.

Nesse contexto, a proteção específica dos cultos de religiões de matriz africana é compatível com o princípio da igualdade, uma vez que sua estigmatização, fruto de um preconceito estrutural, está a merecer especial atenção do Estado.

RE 494.601, red. p/ o ac. min. Edson Fachin, DJE de 19-11-2019. (Informativo 935, Plenário)

16 CF/1988: “Art. 216. Constituem patrimônio cul-tural brasileiro os bens de natureza material e imate-rial, tomados individualmente ou em conjunto, porta-dores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasi-leira, nos quais se incluem: (...) II – os modos de criar, fazer e viver;”

17 CF/1988: “Art. 19. É vedado à União, aos Esta-dos, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabele-cer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, em-baraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou ali-ança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de in-teresse público;”

18 CF/1988: “Art. 215. O Estado garantirá a todos o

ORGANIZAÇÃO DO ESTADO

UNIÃO

COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PRIVATIVA

É inconstitucional a lei estadual que disponha sobre a proibição de cobrança de taxa de re-ligação de energia elétrica em caso de corte de fornecimento por falta de pagamento e que estabeleça prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas para o restabelecimento do serviço, sem qualquer ônus para o consumi-dor.

Ao tratar do tema, a lei estadual invadiue a competência privativa da União para legis-lar sobre energia19, bem como interferiue na prestação de serviço público federal20, em diametral contrariedade às normas técnicas setoriais editadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), com reflexos na respectiva sua política tarifária.

Com efeito, os prazos e valores referen-tes à religação do fornecimento de energia elétrica não apenas já estão normatizados na legislação setorial pertinente, assim como o custoquantum pelos serviços cobrá-veis e pelas visitas técnicas submetem-se à homologação da ANEEL, razão pela qual não remanesce, sob esse prisma, qualquer es-paço para a atuação legislativa estadual, mercê de, a pretexto de ofertar maior prote-ção ao consumidor, o ente federativo tornar sem efeito norma técnica exarada pela agência reguladora competente.

pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fon-tes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valo-rização e a difusão das manifestações culturais. § 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas popu-lares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros gru-pos participantes do processo civilizatório nacional.”

19 “Art. 22. Compete privativamente à União legis-lar sobre: (...) IV –- águas, energia, informática, teleco-municações e radiodifusão;”

20 “Art. 21. Compete à União: (...) XII –- explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: (...) b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;”

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O dDireito do cConsumidor, mercê de abarcar a competência concorrente dos Es-tados-mMembros21, não pode conduzir à frustração da teleologia das normas que es-tabelecem as competências legislativa e ad-ministrativa privativas da União.22

Diante disso, foi declarada a inconstituci-onalidade da Lei Estadual 13.578/2016 do Estado da Bahia.

ADI 5.610, rel. min. Luiz Fux, DJe de 20-11-2019. (Informativo 946, Plenário)

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ORGANIZAÇÃO DO ESTADO

MUNICÍPIOS

COMPETÊNCIA LEGISLATIVA SUPLEMENTAR —

REPERCUSSÃO GERAL

É comum aos poderes Executivo (decreto) e Legislativo (lei formal) a competência desti-nada a denominação de próprios, vias e lo-gradouros públicos e suas alterações, cada qual no âmbito de suas atribuições.

21 “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Dis-trito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) V –- produção e consumo; (...) VIII –- responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e di-reitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;”

22 ADI 3.661, rel. min. Cármen Lúcia, P; ADI 5.253, rel. min. Dias Toffoli, P; ADI 4.861, rel. min. Gilmar Mendes, P; ADI 4.477, rel. min. Rosa Weber, P; ADI 2.615, red. p/ o ac. min. Gilmar Mendes, P; ADI 4.478, red. p/ o ac. min. Luiz Fux, P.

23 “Art. 30. Compete aos Municípios: I – legislar so-bre assuntos de interesse local; II – suplementar a le-gislação federal e a estadual no que couber; III – insti-tuir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatori-edade de prestar contas e publicar balancetes nos pra-zos fixados em lei; IV – criar, organizar e suprimir dis-tritos, observada a legislação estadual; V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, in-cluído o de transporte coletivo, que tem caráter essen-cial; VI – manter, com a cooperação técnica e finan-ceira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; VII – prestar, com a

A Constituição Federal consagrou o Mu-nicípio como entidade federativa indispen-sável ao nosso sistema federativo, inte-grando-o na organização político-adminis-trativa e garantindo-lhe plena autonomia.

As competências legislativas do Municí-pio caracterizam-se pelo princípio da predo-minância do interesse local, que, apesar de difícil conceituação, refere-se àqueles inte-resses que disserem respeito mais direta-mente às suas necessidades imediatas.

A atividade legislativa municipal sub-mete-se à Lei Orgânica dos Municípios, à qual cabe o importante papel de definir, mesmo que exemplificativamente, as maté-rias de competência legislativa da Câmara, uma vez que a Constituição Federal23 e 24 não as exaure, pois usa a expressão interesse lo-cal como catalisador dos assuntos de com-petência municipal. Essa função legislativa é exercida pela Câmara dos Vereadores, que é o órgão legislativo do Município, em colabo-ração com o prefeito, a quem cabe também o poder de iniciativa das leis, assim como o poder de sancioná-las e promulgá-las, nos termos propostos como modelo, pelo pro-cesso legislativo federal.

cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população; VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora fe-deral e estadual.”

24 “Art. 31. A fiscalização do Município será exer-cida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante con-trole externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei. § 1º O con-trole externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver. § 2º O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de pre-valecer por decisão de dois terços dos membros da Câ-mara Municipal. § 3º As contas dos Municípios ficarão, durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos ter-mos da lei. § 4º É vedada a criação de Tribunais, Con-selhos ou órgãos de Contas Municipais.”

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A Lei Orgânica municipal, ao estabelecer, como matéria de interesse local, e, conse-quentemente, de competência legislativa municipal, a disciplina de denominação de próprios, vias e logradouros públicos e suas alterações, representa legítimo exercício da competência legislativa municipal. Não há dúvida de que se trata de assunto predomi-nantemente de interesse local.

Por outro lado, se a Lei Orgânica munici-pal não afastar expressamente a iniciativa concorrente para propositura do projeto de lei sobre a matéria, não há se falar em qual-quer desrespeito à Separação de Poderes, pois a matéria relativa à “denominação de próprios, vias e logradouros públicos e suas alterações” não pode ser limitada tão so-mente à questão de “atos de gestão do Exe-cutivo”, pois, no exercício dessa competên-cia, o Poder Legislativo local poderá realizar homenagens cívicas, bem como colaborar na concretização da memorização da histó-ria e da proteção do patrimônio cultural ima-terial do Município.

Diante disso, foi declarada a constitucio-nalidade do art. 33, XII, da Lei Orgânica do Município de Sorocaba25, concedendo-lhe interpretação conforme à Constituição Fe-deral, no sentido da existência de uma coa-bitação normativa entre os Poderes Execu-tivo (decreto) e o Legislativo (lei formal), para o exercício da competência destinada a “denominação de próprios, vias e logradou-ros públicos e suas alterações”, cada qual no âmbito de suas atribuições.

RE 1.151.237, rel. min. Alexandre de Moraes, DJE de 12-11-2019. (Informativo 954, Plenário)

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25 “Art. 33. Cabe à Câmara Municipal, com a san-ção do Prefeito, legislar sobre as matérias de compe-tência do Município, especialmente no que se refere

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES

PODER EXECUTIVO

ATRIBUIÇÕES DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Conflita com a Constituição Federal (CF) a ex-tinção, por ato unilateralmente editado pelo Chefe do Executivo, de órgãos colegiados que, contando com menção em lei em sen-tido formal, viabilizem a participação popular na condução das políticas públicas – mesmo quando ausente expressa “indicação de suas competências ou dos membros que o com-põem”.

O Parlamento é a arena preferencial de deliberação no âmbito da democracia repre-sentativa, de modo que, ao prever, em sede legal, a existência de determinado colegiado enquanto mecanismo de participação direta da sociedade civil na gestão da coisa pública, acaba por fornecer, mediante a instituciona-lização de espaços de participação social, concretude ao que poderíamos denominar “espírito de 1988” – a ser levado em conta, linear e indistintamente, por todos os Pode-res da República.

Ao fazê-lo, as Casas Legislativas partilha-ram, em alguma medida, de prerrogativa que lhes é própria – discutir, em sede deli-berativa, fiscalizatória e legiferante, as gran-des questões nacionais e as diretrizes de atuação do Estado na condução de políticas públicas. Observada a organicidade da or-dem constitucional, surge razoável condicio-nar a extinção de determinado órgão colegi-ado com assento legal à prévia chancela par-lamentar.

Interpretação em sentido diverso esvazi-aria importante espaço institucional de diá-logo entre os Poderes, o que não se con-funde com eventual tentativa de manietar o Executivo com a supressão ou limitação das atribuições essenciais do Chefe do Poder no

ao seguinte: (…) XII – denominação de próprios, vias e logradouros públicos e suas alterações.”

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desempenho da função de gestor superior da Administração.

O ponto de partida hermenêutico se-gundo o qual estaria configurada invasão na esfera de competência do Executivo, pre-sente o espaço de atuação a este franque-ado sob o manto da discricionariedade ad-ministrativa, ignora a ingerência decisiva desse Poder nas deliberações legislativas, a qual transcende o veto. O Governo possui bancada e líder nas Casas Legislativas, assim como instrumentos políticos de pressão, es-pecialmente, bem ou mal, sob a óptica do controle de cargos e de recursos públicos.

A República está assentada no postulado da separação dos Poderes, os quais devem, no relacionamento recíproco, atuar com in-dependência e harmonia, predicados cuja adequada concretização pressupõe a atua-ção de cada qual na área respectivamente reservada pela Constituição Federal, a teor do art. 2º26.

Além disso, cabe destacar que democra-cia é um regime político composto por um conjunto de instituições voltado a assegurar, na medida do possível, a igual participação política dos membros da comunidade. Sob essa óptica, qualquer processo pretensa-mente democrático deve oferecer condi-ções para que todos se sintam igualmente qualificados a participar do processo de to-mada das decisões com as quais presidida a vida comunitária: cuida-se de condição da própria existência da democracia. Tem-se conceito ideal.

Considerado o modelo liberal clássico de democracia representativa, exerce-se o po-der apenas indiretamente pelos membros da sociedade e diretamente pelos represen-tantes eleitos. A razão é simples: surge invi-ável, nas complexas e plurais sociedades contemporâneas, a tomada de decisões po-líticas diretamente pelos cidadãos. Firme nessa premissa, a soberania popular não é,

26 CF/1988: “Art. 2º São Poderes da União, inde-pendentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Exe-cutivo e o Judiciário.”

27 SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Deliberação

necessariamente, autora das decisões fun-damentais, mas, noutro giro, legitimadora do papel desempenhado pelos representan-tes escolhidos por meio do voto em eleições periódicas, na quais observado o sufrágio universal em processo justo e igualitário de escolha.

Por isso, resumir a participação política dos cidadãos ao ato de votar é passo insufi-ciente ao fortalecimento da vitalidade prá-tica da democracia, cujo adequado funcio-namento pressupõe o controle, crítico e fis-calizatório, das decisões públicas pelos membros da sociedade. Povo que não a exerce não se autogoverna.

Longe de pretender negar o papel central exercido pelo processo popular de escolha de representantes, vale ter presente, na es-teira de autores partidários da chamada de-mocracia deliberativa, a impropriedade de reduzir-se a vida democrática à representa-ção clássica de matriz oitocentista, devendo envolver “também a possibilidade efetiva de se deliberar publicamente sobre as questões a serem decididas”27. A efetiva deliberação pública racionaliza e legitima as decisões to-madas no âmbito da gestão política da coisa pública. Para tanto, surge imprescindível a criação de condições a franquearem, no de-bate público, idêntica oportunidade a todos os cidadãos para influenciar e persuadir em contexto discursivo aberto, livre e igualitá-rio.

A igual oportunidade de participação po-lítica revela-se condição conceitual e empí-rica da democracia sob a óptica tanto repre-sentativa quanto deliberativa. Como ideal a ser sempre buscado, consubstancia-se prin-cípio de governo a homenagear a capaci-dade e a autonomia do cidadão em decidir ou julgar o que lhe parece melhor para a de-finição dos rumos da comunidade na qual in-serido – requisito de legitimidade de qual-quer sistema político fundado na liberdade. Em uma democracia participativa, “cidadão

Pública, Constitucionalismo e Cooperação Democrá-tica. In: BARROSO, Luís Roberto (org.). A Reconstrução Democrática do Direito Público no Brasil. Rio de Ja-neiro: Renovar, 2007, p. 44.

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não é mero sinônimo de eleitor, mas de in-divíduo participante, fiscalizador e controla-dor da atividade estatal”28.

Nesse contexto, os instrumentos da de-mocracia participativa devem ser compreen-didos como mais do que a corriqueira refe-rência aos projetos de lei de iniciativa popu-lar e aos institutos do referendo e do plebis-cito, (CF, art. 14, I, II e III29). Traduzem-se em toda e qualquer forma legal de controle, pela sociedade, dos atos da Administração, considerada a influência da atuação popular na formulação das decisões políticas e na gestão da coisa pública, fornecendo-lhes a necessária legitimidade democrática.

Diante disso, foi deferida parcialmente a medida acauteladora para suspender a efi-cácia do § 2º do art. 1º do Decreto 9.759/2019, na redação dada pelo Decreto 9.812/201930, e afastar, até o exame defini-tivo da ação direta de inconstitucionalidade, a possibilidade de ter-se a extinção, por ato unilateralmente editado pelo Chefe do Exe-cutivo, de colegiado cuja existência encontre menção em lei em sentido formal, ainda que ausente expressa referência “sobre a com-petência ou a composição”. Por arrasta-mento, também foi suspensa a eficácia de atos normativos posteriores a promoverem, na forma do art. 9º do Decreto 9.759/201931, a extinção dos órgãos.

ADI 6121 MC, rel. min. Marco Aurélio, DJE de 28-11-2019. (Informativo 944, Plenário)

28 MACEDO, Paulo Sérgio Novais. Democracia par-ticipativa na Constituição Brasileira. In: Revista de In-formação Legislativa. Brasília: nº 178, abril/junho de 2008, p. 187.

29 CF/1988: “Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – inicia-tiva popular.”

30 Decreto 9.759/2019: “Art. 1º. Este Decreto ex-tingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal direta, au-tárquica e fundacional. (...) § 2º Aplica-se o disposto no § 1º aos colegiados instituídos por ato infralegal, cuja lei em que são mencionados nada conste sobre a com-petência ou a composição.”

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES

PODER JUDICIÁRIO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A competência prevista no art. 102, I, f, da Constituição Federal (CF)32 não alcança con-tenda a revelar mero interesse patrimonial do ente político, insuscetível de abalar o pacto federativo.

Essa norma constitucional visa atribuir ao Supremo Tribunal Federal (STF) o papel de árbitro das crises da Federação, e não de Ju-ízo ordinário de toda e qualquer questão ju-rídica em que estejam em disputa os entes que compõem o Estado brasileiro.

Tem-se emprestado interpretação estrita ao preceito, a viabilizar a competência origi-nária tão somente se houver risco à harmo-nia do pacto federativo, ausente quando dis-cutida matéria de índole meramente patri-monial33.

ACO 989, rel. min. Marco Aurélio, DJE de 7-11-2019. (Informativo 951, Plenário)

___________________________________

31 Decreto 9.759/2019: “Art. 9º. Até 1º de agosto de 2019, serão publicados os atos, ou, conforme o caso, encaminhadas à Casa Civil da Presidência da Re-pública as propostas de revogação expressa das nor-mas referentes aos colegiados extintos em decorrên-cia do disposto neste Decreto.”

32 CF/1988: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribu-nal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originariamente: (...) f) as causas e os conflitos entre a União e os Esta-dos, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração in-direta;”

33 ACO 1.606 AgR, rel. min. Cármen Lúcia, P; e ACO 2.057 MC-Ref, rel. min. Celso de Mello, P.

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ORGANIZAÇÃO DOS PODERES

PODER JUDICIÁRIO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O Supremo Tribunal Federal (STF) possui competência originária para processar e jul-gar as ações ordinárias que impugnam atos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) (i) de caráter normativo ou regulamentar que tra-cem modelos de políticas nacionais no âm-bito do Judiciário, (ii) que desconstituam ato normativo de tribunal local, (iii) que envol-vam interesse direto e exclusivo de todos os membros do Poder Judiciário, consubstanci-ado em seus direitos, garantias e deveres, e (iv) que versem sobre serventias judiciais e extrajudiciais.

A plasticidade das normas constitucio-nais deve atrair exegese que faça eco às múl-tiplas funções do STF enquanto cúpula do Poder Judiciário e Corte Constitucional. No-tadamente em relação aos preceitos do art. 102 da Constituição Federal (CF), deve-se resguardar as prerrogativas essenciais deste Tribunal, relativas à tutela da estabilidade, uniformização e desenvolvimento do di-reito, de forma que a Corte possa se concen-trar em sua missão precípua de guardiã da Carta Política34. Nesse contexto, a compe-tência originária do STF deve alcançar as de-mandas que impugnem atos de cunho fina-lístico do Conselho, que guardem nexo com a razão máxima de sua criação, de modo a não subverter a posição que lhe foi constitu-cionalmente atribuída.

Cabe destacar que o entendimento juris-prudencial tradicional vem sendo paulatina-mente alterado, de modo que, em hipóteses específicas, a Corte tem atenuado a regra geral da interpretação restritiva do art. 102, I, r, da CF35.

34 ADI 2.797, rel. min. Sepúlveda Pertence, P; AP 937 QO, rel. min. Roberto Barroso, P; ACO 1.048 QO, rel. min. Celso de Mello, P; e ACO 1.295 AgR-segundo, rel. min. Dias Toffoli, P.

35 CF/1988: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribu-nal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originariamente:

De acordo com orientação jurispruden-cial tradicional, apesar de a dicção constitu-cional aludir à competência genérica do STF para julgar “ações” contra o CNJ, deve-se adotar uma interpretação restritiva, de modo que somente sejam alcançadas as hi-póteses em que o CNJ tenha personalidade judiciária para figurar no feito. Assim, a Jus-tiça Federal seria competente para a impug-nação de atos do CNJ por via de ação ordiná-ria, visto que a União é o ente de direito pú-blico em cuja estrutura institucional o CNJ está integrado36.

Por outro lado, recentes julgados de-monstram que a competência do STF pres-crita no art. 102, I, r, da Constituição espelha um mecanismo assecuratório das funções do CNJ e da imperatividade de suas deci-sões, concebido no afã de que provimentos jurisdicionais dispersos não paralisem a efi-cácia dos atos do Conselho. Por essa razão, essa competência originária não deve ser in-terpretada com foco apenas na natureza processual da demanda, mas, antes, no ob-jeto do ato do CNJ impugnado. Nessa pers-pectiva, as ações ordinárias contra atos do CNJ devem ser, em regra, processadas e jul-gadas na Justiça Federal, mas, para preser-var a posição hierárquica e a atuação finalís-tica do Conselho, deve ser inaugurada a competência do STF37.

Isso porque a dispersão das ações ordiná-rias contra atos do CNJ nos juízos federais de primeira instância tem o condão de subver-ter a posição que foi constitucionalmente outorgada ao Conselho, fragilizando sua au-toridade institucional e a própria efetividade de sua missão. Decerto, a submissão de atos e deliberações do CNJ à jurisdição de mem-bros e órgãos subordinados a sua atividade fiscalizatória espelha um indesejável conflito

(...) r) as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério Público;”

36 AO 1.706 AgR, rel. min. Celso de Mello, P; e ACO 1.680 AgR, rel. min. Teori Zavascki, P.

37 Pet 4.656, rel. min. Cármen Lúcia, P; Rcl 16.575 AgR, rel. min. Dias Toffoli, 2ª T; e Rcl 24.563 AgR, rel. min. Dias Toffoli, 2ª T.

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no sistema e uma dilapidação de seu status hierárquico no sistema constitucional.

Ademais, o desenho institucional do CNJ concebido pela Emenda Constitucional 45/2004 desautoriza que qualquer definição de âmbito nacional seja cassada por juiz de primeiro grau ou que políticas públicas naci-onais moldadas pelo órgão sejam desconsti-tuídas mediante a pulverização de ações nos juízos federais38.

Assim, a exegese do art. 102, I, r, da CF reclama a valoração (i) do caráter genérico do termo “ações” presente no dispositivo; (ii) das competências e da posição instituci-onal do CNJ no sistema constitucional pátrio; (iii) da natureza das atribuições constitucio-nais do STF; e (iv) da hierarquia ínsita à es-trutura do Poder Judiciário.

Rcl 15.564 AgR, red. p/ o ac. min. Luiz Fux, DJE de 6-11-2019. (Informativo 951, Primeira Turma)

___________________________________

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES

PODER JUDICIÁRIO

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

O fato de uma lei ter destinatários determi-náveis não retira o seu caráter abstrato e ge-ral, tampouco a transforma em lei de efeitos concretos.

“Os conceitos de determinabilidade e in-dividualização não se confundem, de modo que a lei possuir destinatário determináveis não retira o caráter abstrato e geral de seus mandamentos normativos, nem acarreta em sua definição como lei de efeitos concre-tos.”39 e 40

Acordos homologados judicialmente não re-tiram a competência do Supremo Tribunal

38 AO 1.814 QO, rel. min. Marco Aurélio, P. 39 ADI 5.472, rel. min. Edson Fachin, P. 40 ADI 2.137 MC, rel. min. Sepúlveda Pertence, P;

ADI 1.655, rel. min. Maurício Corrêa, P; ADI 820, rel. min. Eros Grau, P; ADI 4.048 MC, rel. min. Gilmar Men-des, P.

Federal (STF) para a análise da constituciona-lidade de lei.

“Os direitos humanos fundamentais, dentre eles os direitos e garantias individuais e coletivos consagrados no art. 5º da Consti-tuição Federal, não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para afastamento ou dimi-nuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagra-ção ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito. Os direitos e garantias fundamen-tais consagrados pela Constituição Federal, portanto, não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna (princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas).”41

“Nesse cenário, é possível que o Poder Judiciário produza decisões que conflitem com a própria Constituição Federal, gerando a chamada coisa julgada inconstitucional, de modo que não apenas atos do Poder Legis-lativo têm o condão de serem declarados in-constitucionais. No plano jurisdicional, se a sentença não está em consonância com o texto constitucional, inegavelmente está fe-rindo a norma maior, de sorte que essa in-compatibilidade de adequação aos ditames do ordenamento magno é que leva irreme-diavelmente ao patamar da inconstituciona-lidade”.42

RE 1.186.465 AgR, rel. min. Alexandre de Moraes, DJe de 12-11-2019. (Informativo 955, 1ª Turma)

___________________________________

41 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 34. ed. São Paulo: Atlas, 2017. pág. 31.

42 ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo de. O con-trole da coisa julgada inconstitucional. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 2006. pág. 193.

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DIREITO ELEITORAL

ELEIÇÕES

SISTEMA ELEITORAL

NULIDADES DA VOTAÇÃO

O legislador ordinário federal pode prever hi-póteses de vacância de cargos eletivos fora das situações expressamente contempladas na Constituição, com vistas a assegurar a hi-gidez do processo eleitoral e a preservar o princípio majoritário.

O fato de a Constituição Federal (CF) não detalhar todas as causas eleitorais de extin-ção de mandato em seu texto não significa que ela não as admita como forma de prote-ção da higidez do processo eleitoral, da de-mocracia e da soberania popular. Tampouco significa que a CF proíba que o resultado de-las seja a declaração de vacância do cargo ao qual o candidato vencedor tenha concor-rido, desde que esse efeito decorra de mo-tivo razoável voltado à garantia do devido processo eleitoral.

É inconstitucional a aplicação do art. 224, § 4º, do Código Eleitoral43, na redação dada pela Lei 13.165/2015, aos casos de vacância

43 “Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as de-mais votações e o Tribunal marcará dia para nova elei-ção dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias. § 1º Se o Tribunal Regional na área de sua competên-cia, deixar de cumprir o disposto neste artigo, o Procu-rador Regional levará o fato ao conhecimento do Pro-curador Geral, que providenciará junto ao Tribunal Su-perior para que seja marcada imediatamente nova eleição. § 2º Ocorrendo qualquer dos casos previstos neste capítulo o Ministério Público promoverá, imedi-atamente a punição dos culpados. § 3o A decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do regis-tro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de novas eleições, in-dependentemente do número de votos anulados. § 4o A eleição a que se refere o § 3o correrá a expensas da Justiça Eleitoral e será: I – indireta, se a vacância do cargo ocorrer a menos de seis meses do final do man-dato; II – direta, nos demais casos.”

dos cargos de Presidente, Vice-Presidente e Senador da República.

Embora o legislador ordinário federal possa prever hipóteses de vacância de car-gos eletivos fora das situações expressa-mente contempladas na Constituição, não pode adotar solução diversa da que foi insti-tuída expressamente pela Constituição para a realização de eleições nessas hipóteses, uma vez que em contraste com os arts. 81, § 1º44, e 56, § 2º45, da CF.

É constitucional a aplicação do art. 224, § 4º, do Código Eleitoral, na redação dada pela Lei 13.165/2015, à hipótese de dupla vacância dos cargos de Governador e Prefeito.

Os Estados-membros não precisam se-guir a regra prevista no art. 81, § 1º, da Cons-tituição no que tange à vacância na última metade do mandato, pois a permissão para a realização de eleições indiretas se reveste de caráter de excepcionalidade e, dada sua natureza singular, deve ser ela interpretada de maneira estreitíssima.

Portanto, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não estão obrigados a seguir a mesma solução federal para a hipótese de vacância na segunda metade do mandato

44 “Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga. § 1º Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presiden-cial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.”

45 “Art. 56. Não perderá o mandato o Deputado ou Senador: I – investido no cargo de Ministro de Estado, Governador de Território, Secretário de Estado, do Distrito Federal, de Território, de Prefeitura de Capital ou chefe de missão diplomática temporária; II – licen-ciado pela respectiva Casa por motivo de doença, ou para tratar, sem remuneração, de interesse particular, desde que, neste caso, o afastamento não ultrapasse cento e vinte dias por sessão legislativa. § 1º O su-plente será convocado nos casos de vaga, de investi-dura em funções previstas neste artigo ou de licença superior a cento e vinte dias. § 2º Ocorrendo vaga e não havendo suplente, far-se-á eleição para preenchê-la se faltarem mais de quinze meses para o término do mandato.”

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dos correspondentes chefes do Poder Exe-cutivo.

Com isso, buscou-se assegurar aos de-mais entes federativos tanto a opção pela repetição por completo da norma constitu-cional federal, prevendo, assim, eleição indi-reta naquela situação, como também a liber-dade de eles estabelecerem a realização de eleições diretas na segunda metade do man-dato46 e 47.

Em síntese, tratando-se de vacância na segunda metade do mandato, aos entes fe-derativos não se aplica o princípio da sime-tria. Por outro lado, contrario sensu, a regra da eleição direta na hipótese de dupla va-cância na primeira metade do mandato é norma de observância obrigatória, de modo que nos entes federativos, sempre que ocor-rer a vacância nos dois primeiros anos do mandato, devem ser realizadas eleições di-retas.

É inconstitucional a expressão “após o trân-sito em julgado” prevista no § 3º do art. 224 do Código Eleitoral.

Se, por um lado, a exigência do trânsito em julgado assegura certa estabilidade à go-vernança, prestigiando o princípio da segu-rança jurídica, por outro ele enseja o ames-quinhamento do princípio democrático e da soberania popular, uma vez que pelas regras eleitorais que institui, pode ocorrer de a che-fia do Poder Executivo ser exercida, por longo prazo, por alguém que sequer tenha concorrido ao cargo.

Nesse sentido, haveria violação ao princí-pio da proporcionalidade em sua dimensão de proibição de proteção deficiente de valo-res e princípios constitucionais, bem como ao da garantia fundamental da prestação ju-risdicional célere.

Dessa forma, a decisão de última ou única instância da Justiça Eleitoral que im-porte o indeferimento do registro, a cassa-ção do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário, em

46 ADI 1.057 MC, rel. min. Celso de Mello, P.

regra, será executada de imediato, indepen-dentemente do julgamento dos embargos de declaração.

É constitucional a inclusão da hipótese de “in-deferimento do registro” como causa de rea-lização de nova eleição, feita no art. 224, § 3º, do Código Eleitoral.

A escolha das causas eleitorais de extin-ção do mandato e a adoção de medidas para assegurar a legitimidade da investidura de candidato em cargo eletivo são matérias de ponderação legislativa, só sendo passíveis de controle judicial quando se mostrarem desproporcionais ou desvestidas de finali-dade legítima.

ADI 5.525, rel. min. Roberto Barroso, DJE de 29-11-2019. (Informativo 893, Plenário)

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47 ADI 687, rel. min. Celso de Mello, P.

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DIREITO PROCESSUAL PENAL

PROCESSO EM GERAL

PROVA

COLABORAÇÃO PREMIADA

O delegado de polícia pode formalizar acor-dos de colaboração premiada, na fase de in-quérito policial, respeitadas as prerrogativas do Ministério Público (MP), o qual deverá se manifestar, sem caráter vinculante, previa-mente à decisão judicial (Lei 12.850/2013, art. 4º, §§2º e 6º48).

Tal previsão legal não caracteriza ofensa ao art. 129, I, da Constituição Federal (CF)49 porque não se trata de questão afeta ao mo-delo acusatório. Está relacionada, tão so-mente, ao direito de punir do Estado, que se manifesta por intermédio do Poder Judiciá-rio.

O texto confere ao delegado de polícia, no decorrer das investigações, exclusiva-mente no curso do inquérito policial, a facul-dade de representar ao juiz, ouvido o MP, pela concessão de perdão judicial ao colabo-rador, ainda que esse benefício não haja sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Código de Processo Penal (CPP)50.

O perdão judicial é instituto que possibi-lita ao juiz deixar de impor sanção diante da existência de determinadas circunstâncias

48 Lei 12.850/2013: “Art. 4º (...) § 2º Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Pú-blico, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Mi-nistério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Có-digo de Processo Penal) (...) § 6º O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a for-malização do acordo de colaboração, que ocorrerá en-tre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, con-forme o caso, entre o Ministério Público e o investi-gado ou acusado e seu defensor.”

expressamente previstas em lei. É a grada-ção máxima de redução da pena a resultar na extinção da punibilidade [Código Penal (CP), art. 107, IX51]. A Lei 12.850/2013 traz nova causa de perdão judicial, admitido a depender da efetividade da colaboração.

Em nenhum ponto esse ato normativo afasta a participação do MP em acordo de colaboração premiada, ainda que ocorrido entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, não se podendo cogitar da afronta à titularidade da ação penal. Ao con-trário, a legitimidade da autoridade policial para realizar as tratativas de colaboração premiada desburocratiza o instituto, sem importar ofensa a regras atinentes ao Estado Democrático de Direito, uma vez submetido o acordo à apreciação do MP e à homologa-ção pelo Judiciário.

Nesse contexto, a representação pelo perdão judicial, feita pelo delegado de polí-cia, ante colaboração premiada, ouvido o MP, não é causa impeditiva do oferecimento da denúncia pelo Órgão acusador. A colabo-ração premiada não retira do MP a exclusivi-dade da ação penal. No entanto, cabe desta-car que, embora o MP seja o titular da ação penal de iniciativa pública, não o é do direito de punir.

O acordo originado da delação não fixa pena ou regime de cumprimento da sanção. A norma legal prevê que, na prolação da sen-tença, serão estipulados os benefícios. Não se confunde essa definição, que só cabe a órgão julgador, com a propositura ou não da

49 CF/1988: “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;”

50 CPP/1941: “Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar im-procedentes as razões invocadas, fará remessa do in-quérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pe-dido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.”

51 CP/1940: “Art. 107. Extingue-se a punibili-dade: (...) IX – pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.”

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ação penal. No campo, o MP é soberano. Mas, quanto ao julgamento e à observância do que se contém na legislação em termos de vantagens, surge o Primado do Judiciário. Para redução da pena, adoção de regime de cumprimento menos gravoso, ou concessão do perdão judicial, há de ter-se instaurado o processo, garantindo-se a ampla defesa e o contraditório. Há de existir sentença, e, nela, o juiz, verificando a eficácia da colaboração, fixa, em gradação adequada, os benefícios a que o delator tem direito.

Portanto, mostram-se inconfundíveis o objeto da delação com o efeito concreto, em termos de viabilizar investigações, eluci-dando práticas criminosas, e os benefícios a serem implementados em sentença pelo ór-gão julgador.

ADI 5.508, rel. min. Marco Aurélio, DJE de 5-11-2019. (Informativo 907, Plenário)

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PROCESSOS EM ESPÉCIE

PROCESSOS ESPECIAIS

LEI 8.038/1990 – PROCESSOS PERANTE O

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ) E O SU-

PREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF)

Intimada a defesa para a sessão de julga-mento da ação penal originária, a ausência da sustentação oral prevista no art. 12 da Lei 8.038/199052 não invalida a condenação53.

A sustentação oral, possível no julga-mento colegiado de ação penal originária, não é ato essencial à defesa, mas mera fa-culdade da parte.

“[...] o artigo 12 da Lei n. 8.038/90 versa, estritamente, sobre o julgamento pelo Ple-nário. Tanto é assim que o texto legal tem

52 “Art. 12. Finda a instrução, o Tribunal procederá ao julgamento, na forma determinada pelo regimento interno, observando-se o seguinte: I – a acusação e a defesa terão, sucessivamente, nessa ordem, prazo de uma hora para sustentação oral, assegurado ao assis-tente um quarto do tempo da acusação; II – encerra-dos os debates, o Tribunal passará a proferir o julga-

início com alusão ao término da instrução. Fosse a audiência, no Tribunal, de instrução e julgamento, não teria a menor dúvida em placitar a óptica do revisor da Corte de ori-gem, entendendo olvidado o devido pro-cesso legal e, portanto, a necessidade de se contar com a participação da defesa, pouco importando se credenciada pela própria parte ou feita por defensor dativo. Todavia, a fase de que trata o artigo 12 referido é de deliberação pelo Tribunal e aí a ocupação da tribuna, nos prazos estabelecidos, não é obrigatória. Por isso mesmo, o Supremo, ao julgar o Habeas corpus n. 80.717-8/SP, pro-clamou que a falta da sustentação oral não implica violência ao princípio da ampla de-fesa, sendo facultativa a participação do causídico. No precedente, também compa-recera à sessão a advogada credenciada.”54

HC 165.534, red. p/ o ac. min. Roberto Bar-roso, DJE de 29-11-2019. (Informativo 950, Primeira Turma)

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mento, podendo o Presidente limitar a presença no re-cinto às partes e seus advogados, ou somente a estes, se o interesse público exigir.”

53 RHC 119.194, rel. min. Roberto Barroso, 1ª T; RHC 118.660, rel. min. Cármen Lúcia, 2ª T.

54 Trecho do voto do min. Marco Aurélio no julga-mento do RHC 85.510, 1ª T.