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Nº 31451/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR Mandado de Segurança 33942 – DF Relatora: Ministra Rosa Weber Impetrante: Partido Republicano Brasileiro (PRB) e outros Impetrado: Primeiro Vice-Presidente da Câmara dos Deputados MANDADO DE SEGURANÇA. ATO PARLAMENTAR. CONSELHO DE ÉTICA. QUEBRA DE DECORO. PARECER PRELIMINAR. RECURSO. ANULAÇÃO. DESVIO DE PODER. CONTROLE DE LEGALIDADE. POSSIBILIDADE. CONJUNTO PROBATÓRIO. USO INDEVIDO DA FUNÇÃO. NULIDADE. DEFERIMENTO DA ORDEM. 1 –Tem competência o STF para realizar controle de ato parlamentar eivado de desvio de finalidade, ainda que en- volva a interpretação de matérias aparentemente atinentes ao funcionamento interno do Poder Legislativo, pois tal atuação revela apenas controle de legalidade imperativo para o regular e republicano funcionamento da casa, sob os dita- mes do Estado de Direito. 2 – Revela-se desvio de finalidade pela reunião de diversas manobras regimentais e pressões políticas, com o único fim de retardar a marcha do procedimento de apuração de que- bra de decoro imputado ao Presidente da Câmara dos De- putados. 3 – Parecer pelo deferimento da ordem. Documento assinado digitalmente por RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, em 01/03/2016 18:14. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código F1FE7077.475CCD85.C38A103F.3CFFA21A

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Nº 31451/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR

Mandado de Segurança 33942 – DFRelatora: Ministra Rosa WeberImpetrante: Partido Republicano Brasileiro (PRB) e outrosImpetrado: Primeiro Vice-Presidente da Câmara dos Deputados

MANDADO DE SEGURANÇA. ATO PARLAMENTAR.CONSELHO DE ÉTICA. QUEBRA DE DECORO. PARECERPRELIMINAR. RECURSO. ANULAÇÃO. DESVIO DE PODER.CONTROLE DE LEGALIDADE. POSSIBILIDADE.CONJUNTO PROBATÓRIO. USO INDEVIDO DA FUNÇÃO.NULIDADE. DEFERIMENTO DA ORDEM.

1 –Tem competência o STF para realizar controle de atoparlamentar eivado de desvio de finalidade, ainda que en-volva a interpretação de matérias aparentemente atinentesao funcionamento interno do Poder Legislativo, pois talatuação revela apenas controle de legalidade imperativo parao regular e republicano funcionamento da casa, sob os dita-mes do Estado de Direito.

2 – Revela-se desvio de finalidade pela reunião de diversasmanobras regimentais e pressões políticas, com o único fimde retardar a marcha do procedimento de apuração de que-bra de decoro imputado ao Presidente da Câmara dos De-putados.

3 – Parecer pelo deferimento da ordem.

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PGR Mandado de Segurança 33942 – DF

1. O caso em exame

Trata-se de mandado de segurança impetrado pelo Partido

Republicano Brasileiro e pelos Deputados Federais César Hanna

Halum (1º Vice-Líder da agremiação), Ronaldo Manchado Mar-

tins e Fausto Ruy Pinato (filiados ao referido partido), contra de-

cisão do Deputado Federal Waldir Maranhão Cardoso, 1º Vice-

Presidente da Câmara dos Deputados, em substituição ao Presi-

dente da Casa, Deputado Federal Eduardo Cunha, que implicou a

anulação de atos na representação em trâmite contra este último.

Narram que o impetrante Fausto Ruy Pinato exerce manda-

to como 2º Vice-Presidente do Conselho de Ética e Decoro Parla-

mentar da Câmara dos Deputados e foi indicado, em 5 de novem-

bro de 2015, Relator na Representação 1/2015, promovida contra

Eduardo Cunha. Elaborou o pertinente parecer preliminar, proto-

colado em 16 de novembro seguinte, e aduziu complementações

em 24 de novembro.

Nesta data, o Deputado Manoel Júnior, também integrante

do Conselho de Ética, apresentou questão de ordem com o fim de

impugnar a indicação do Relator na representação, com base no

art. 13, I, “a”, do Código de Ética e Decoro Parlamentar da Casa

Legislativa1, que veda a escolha de relator pertencente ao mesmo

1 Art. 13. O projeto de resolução oferecido pelo Conselho de Ética e Deco-ro Parlamentar que proponha a suspensão de prerrogativas regimentais,

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partido ou bloco parlamentar do representado. Argumentou ser

Fausto Ruy Pinato filiado ao PRB, que compusera bloco com o

PMDB, ao qual é filiado o Deputado Federal Eduardo Cunha.

O Presidente do Conselho de Ética rejeitou o pedido, sob o

argumento de que o referido bloco parlamentar foi desfeito antes

mesmo da formalização da representação e ser relevante, para o re-

ferido impedimento, a formação partidária vigente no momento

do ato a ser praticado.

Interposto recurso para a Presidência da Casa, ora ocupada

pelo representado, foi apreciado por seu substituto, aqui impetrado,

que o proveu, sob o argumento de que parte dos efeitos do bloco

anteriormente formado se projetariam mesmo após seu desfazi-

mento.

Eis o teor da referida decisão, em seu mérito:

A razão normativa ínsita ao art. 13, I, ‘a’, do CEDPindubitavelmente é preservar, em toda sua extensão,a imparcialidade do relator, a servir à lisura do pro-

aplicável ao Deputado que incidir nas condutas previstas nos incisos VI aVIII do art. 5º deste Código, será apreciado pelo Plenário da Câmara dosDeputados, em votação ostensiva e por maioria absoluta de seus membros,observado o seguinte: I – instaurado o processo, o Presidente do Conselho designará relator, a

ser escolhido dentre os integrantes de uma lista composta por três deseus membros, formada mediante sorteio, o qual:

a) não poderá pertencer ao mesmo Partido ou Bloco Parlamentar do De-putado representado;

[…].

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cesso tanto par afastar tendências pessoais favoráveis,como desfavoráveis, ao representado.Para o propósito, a obtenção do significado normativo dodispositivo mencionado deve advir de uma compreensão sis-temática e em absoluta concordância com o conjunto de re-gras que disciplinam o funcionamento interno da Câmarados Deputados. Em outras palavras, não há como extrair daquestionada regra de impedimento todo seu sentido semconjugá-la com o Regimento Interno da Casa.Assim, não restam dúvidas de que o bloco parlamentar legi-timamente formado no início da Legislatura, cujo funciona-mento orgânico é reconhecido no caput do art. 57 da LeiMaior, projeta parte de seus efeitos por todo esse tempo,mesmo que verificada sua dissolução.De modo expresso pelo caput do art. 26 do RICD ficapreservada a distribuição de vagas nas Comissões edemais cargos dos órgãos da Casa que observam aproporcionalidade partidária, mesmo na hipótese dedesfazimento dos blocos parlamentares que servirampara o respectivo cálculo.Portanto, a persistência dos efeitos dos blocos parla-mentares após desfeitos configura regra regimental,aplicando-se entendimento no outro sentido, em caráter deexceção, apenas nos casos em que o funcionamento dos par-tidos desligados reste prejudicado caso a eles não se reconhe-ça essa nova condição, a exemplo da constituição de novas li-deranças e atuação no Plenário.Corolário lógico do que dito, uma vez que as negociaçõespolíticas que sustentaram as designações dos parlamentarespara compor o COETICA se deram inequivocamente nocontexto dos blocos parlamentares existentes ao tempo daprática do ato de nomeação do relator. Os vínculos políti-cos que resultaram na designação do membro doCOETICA permanecem e exigem que continuemsejam levados em conta no presente caso. [Destaquei]

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Destituiu-se, assim, Fausto Ruy Pinato da relatoria do caso,

com a anulação dos atos até então praticados, decisão contra a qual

os impetrantes agora se insurgem.

Assinalam que, conquanto preveja o Regimento Interno da

Câmara dos Deputados, no art. 95, § § 8º e 9º, a possibilidade de

recurso administrativo – sem efeito suspensivo – da decisão da

Presidência para o Plenário, isso só pode ocorrer durante sessão da

Câmara. Essas estariam suspensas por ordem do próprio Eduardo

Cunha até a apreciação final pelo STF do rito a ser adotado em

processos de impeachment.

Alegam que o representado tem interferido na condução do

trabalho das comissões, visando a impedir o regular desenvolvi-

mento do procedimento de cassação. Nesse sentido, tem ajuizado

ações e provocado o adiamento das sessões do Conselho, sendo a

anulação da indicação do Relator mais uma medida nesse sentido.

Apontam haver perdurado o bloco parlamentar que ensejou a

anulação por cinco dias: entre 1º e 5 de fevereiro de 2015. Desta-

cam os laços entre o representado e o impetrado, com ele eleito

para integrar a Mesa e também investigado na Operação Lava Jato.

Fazem notar aduzido o pedido de afastamento do Relator após a

protocolização do parecer prévio por ele elaborado.

Salientam tolhida a atuação parlamentar de Fausto Ruy Pina-

to, em detrimento também das atividades do Conselho e da pró-

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pria Casa Legislativa. Defendem ser controláveis judicialmente os

atos irregulares, ante a garantia do acesso à Justiça, a violação ao

princípio da legalidade e a proteção contra o arbítrio, extrapolan-

do os limites internos da atividade legislativa.

Argumentam que a legislação sobre impedimentos deve ser

interpretada restritivamente, citando precedentes judiciais. Afir-

mam a necessidade de o impedimento ser atual. Reportam-se ao

art. 26, caput e § 4º, do Regimento Interno da Câmara e ao art. 7º,

§ 4º, do Código de Ética e Decoro Parlamentar, para ponderar que

a persistência dos efeitos dos blocos partidários diz respeito à pre-

servação da proporcionalidade partidária na composição das mesas

e comissões, constitucionalmente determinada no art. 58, § 1º, não

se estendendo ao impedimento ora em debate.

Indeferida a liminar pela Ministra Rosa Weber, sob o funda-

mento de a matéria veiculada aparentar ser interna corporis, foi in-

terposto agravo regimental, pendente de exame.

Intimada a prestar informações, a autoridade apontada coato-

ra não se manifestou.

Vieram os autos à Procuradoria-Geral da República, para pa-

recer.

Esses, em síntese, os fatos de interesse.

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2. Mérito

2.1. Da legitimidade ativa dos impetrantes

Quanto à legitimidade ativa dos impetrantes, impende salien-

tar que tanto Fausto Ruy Pinato como o Partido Republicano

Brasileiro possuem inegavelmente interesse na preservação dos atos

praticados pelo primeiro, representante do segundo. Nesse sentido,

ambos são diretamente atingidos ao impedir-se o exercício de po-

sição que teria sido obtida de forma legítima, em contexto ineren-

te à atividade parlamentar.

Sobre a legitimidade de Senadores e Deputados Federais para

impetrarem mandado de segurança em defesa de suas prerrogativas

institucionais, há sucessivos precedentes da Corte. Há de se obser-

var fixado, em diversas oportunidades, o entendimento de que os

parlamentares têm legitimidade ativa para a impetração de manda-

do de segurança quando buscam a observância do devido processo

legislativo constitucional.2

Com igual razão possuem os membros do parlamento a pos-

sibilidade de acionar o Judiciário com esteio na preservação do de-

vido processo no contexto de medidas disciplinares.

2 Foi o que se decidiu no MS 24.667 AgR – DF (Rel. Min. CARLOS VELLOSO,DJ 23 abr. 2004); e no MS 24.041- DF (Rel. Min. NELSON JOBIM, DJ 11abr. 2003).

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É de se destacar aqui a teleologia do inciso II do art. 55 da

Carta Magna. A perda do mandato, por ausência de decoro, retrata

o interesse coletivo, extensível a toda a Casa Legislativa, na preser-

vação da dignidade inerente ao exercício do mandato eletivo.

Manter quem de conduta indecorosa em atividade parlamentar re-

sulta em perigo à produção legislativa e à convivência de forças

antepostas que é mediada pelo sistema representativo. A situação

torna-se mais grave quando a imputação de conduta indecorosa é

formulada contra dirigente da Mesa da Casa Legislativa, revestido

do poder-dever de conduzir seus trabalhos e de representá-la pe-

rante os demais Poderes.

Em síntese: a cassação surge como via de preservação da higi-

dez da Democracia, revelando o interesse de todos os parlamenta-

res na escorreita tramitação do procedimento a ela atinente, com o

que se confirma a pertinência da legitimidade dos demais co-

impetrantes, Deputados Federais César Hanna Halum (1º Vice-

Líder da agremiação) e Ronaldo Manchado Martins.

2.2. Da sindicabilidade do ato

Ainda no tocante ao cabimento, não se enquadra a presente

situação no disposto no art. 5º, inciso I, da Lei 12.016/2009. Isto

porque, conquanto haja a previsão de recurso administrativo da

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decisão impugnada nesta impetração, não é dotado de efeitos sus-

pensivo, que só poderá ser concedido a posteriori, mediante novo

pleito, conforme dito no art. 95, § 9ª, do Regimento Interno da

Casa Legislativa.

Outrossim, vem o Supremo Tribunal Federal, reiteradamente,

afirmando que o Poder Judiciário pode, sem ofensa ao princípio

da separação dos poderes, realizar o controle dos atos parlamenta-

res, desde que se limite a verificar a compatibilidade destes em face

das disposições constitucionais e não invada a seara da interpreta-

ção e aplicação das normas regimentais, matéria interna corporis e,

por conseguinte, insuscetível de apreciação jurisdicional3.

De fato, tem razão a Ministra Relatora ao demonstrar preo-

cupação com a temática aqui discutida – interferência do Poder

Judiciário em questões cuja resolução deu-se no âmbito do Poder

Legislativo com interpretação de normas regimentais que regulam

matéria constitucional.

Como bem fica evidenciado na ponderação feita pela emi-

nente Relatora, é tênue a linha entre a insuscetibilidade dos cha-

mados atos interna corporis à atuação do Poder Judiciário e a possi-

bilidade de controle jurisdicional e desconstituição daqueles atos

3 Nesse sentido: MS 33.353 (Rel. Min. Celso de Mello, DJe 30 jan. 2015);MS 24.849 (Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ 29 set. 2006); e MS 24.831(Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ 4 ago. 2006).

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que, embora fundamentados em dispositivos regimentais, possam

esvaziar preceitos de estatura constitucional.

O Supremo Tribunal Federal já debruçou-se sobre a contro-

vérsia em algumas ocasiões4 e sua jurisprudência predominante,

nestas hipóteses, tem sido no sentido de que cabe ao Poder Judici-

ário verificar se o ato se constitui, na verdade, questão interna cor-

poris, ou se, não obstante envolva assuntos internos da Casa Legisla-

tiva e possua conteúdo político, o ato viola direito subjetivo. Nesse

contexto, há posicionamentos nos julgados da Corte Suprema que

entendem que, se a questão interna corporis incorre em inconstitu-

cionalidade, com ofensa ou ameaça a direito subjetivo, tal ato não

escapa à intervenção judicial, tendo em vista o princípio da inafas-

tabilidade do controle jurisdicional previsto no art. 5º, XXXV, da

Constituição Federal.

Por outro lado, predomina a orientação no sentido de que, se

o ato impugnado possui nítido conteúdo político e envolve mera

divergência na interpretação de normas internas, tratar-se-á de

matéria interna corporis, que não produz lesão a direito, e está imune

ao controle judicial. O fundamento desse entendimento consiste

no reconhecimento da soberania dos pronunciamentos, delibera-

4 São exemplos de processos sobre a questão: MS 24.356, MS 20.247, MS20.471, MS 24.849, MS 25.579, MS 26.062 e MS 25.588

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ções e atuação do Poder Legislativo, na esfera de sua exclusiva

competência discricionária.

O presente caso, conquanto aparentemente envolva a mera

interpretação de norma regimental, revela inegável desvio de po-

der, a permitir e exigir imediata intervenção judicial, com o defe-

rimento da liminar e da própria ordem.

É sabido que o Deputado Eduardo Cunha já foi denunciado

por corrupção (“percepção de vantagens indevidas”). e lavagem de

dinheiro, no bojo do Inquérito 3983, e foi instaurado novo

inquérito para apurar corrupção passiva, lavagem de dinheiro e

manutenção de valores não declarados em contas no exterior (Inq.

4146). Há, portanto, denúncia proposta e investigação em curso, as

quais podem acarretar a perda do mandato do parlamentar pela

via político-administrativa.

2.3. Do desvio de poder

No caso concreto, conforme se verá a seguir, são inúmeras e

reais as ações do Deputado Federal Eduardo Cunha para

interferir no processo de apuração interna da Câmara dos

Deputados.

O Deputado Federal Eduardo Cunha tem adotado, há muito,

posicionamentos absolutamente incompatíveis com o devido

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processo legal, valendo-se de sua prerrogativa de Presidente da

Câmara dos Deputados unicamente com o propósito de

autoproteção, mediante ações espúrias para evitar a apuração de

suas condutas na esfera política.

Não há ressaibo de dúvidas ao Ministério Público Federal de

que, ultrapassando todos os limites aceitáveis no âmbito de um

Estado Democrático de Direito, os fatos adiante narrados são

demonstrações manifestas de que Eduardo Cunha vem utilizando

a relevante função de Deputado Federal e, especialmente, de

Presidente da Câmara dos Deputados em interesse próprio e

ilícito unicamente para evitar que as investigações contra si

tenham curso e cheguem ao termo do esclarecimento de suas

condutas.

A argumentação dos impetrantes calca-se em lógica de duas

etapas.

O primeiro argumento refere-se à inconstitucionalidade da

interpretação conferida pelo impetrado aos dispositivos regula-

mentares da Casa, ao estender o § 1º do art. 58 da Constituição

Federal a hipóteses nele não albergadas, transportando para a dis-

cussão sobre o impedimento fatores atinentes à representação das

agremiações nas mesas e comissões legislativas.

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O segundo, à utilização indevida do cargo pelo impetrado vi-

sando a favorecer o representado. Os dois fundamentos convergem

em uma análise de desvio de poder.

Caracteriza-se o desvio de poder como uma deturpação do

dever-poder atribuído a determinado agente que, apesar de

exercê-los nos limites aparentes de sua atribuição, direciona-o a

fim não buscado pela lei. Relaciona-se, assim, com a noção de le-

galidade positiva (positive bindung): exige-se do agente mais do que

não praticar atos vedados pela lei, mas atuar sempre e quando au-

torizado e impelido a tanto pela lei. Na clássica definição de Celso

Antônio Bandeira de Mello:

No desvio de poder o agente, ao manipular um plexode poderes, evade-se do escopo que lhe é próprio, ouseja, extravia-se da finalidade cabível em face da regraem que se calça. Em suma: o ato maculado deste víciodireciona-se a um resultado diverso daquele ao qual te-ria de aportar ante o objetivo da norma habilitante. Há,então, um desvirtuamento de poder, pois o Poder Públi-co, como de outra feita averbamos, falseia, deliberada-mente ou não, com intuitos subalternos ou não, aqueleseu dever de operar o estrito cumprimento do que seconfiguraria, ante o sentindo da norma aplicanda, comoo objetivo prezável e atingível pelo ato. Trata-se, pois, deum vício objetivo, pois o que importa não é se o agentepretendeu ou não discrepar da finalidade legal, mas seefetivamente dela discrepou.5

5 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29ªed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.996.

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Tal extrapolação finalística acaba por traduzir também uma

extrapolação de competência, pois esta é sempre referida a um fim

legal que, inobservado, faz com que cesse. Explica Lucas Furtado:

O desvio de poder ou de finalidade ocorre quando oagente se afasta dos fins definidos em lei que justificam aoutorga da competência ao agente. O desvio não requer,portanto, a violação da moralidade ou de qualquer outroprincípio ou preceito legal. (…). Assim, sempre que o ato praticado se afastar da finalida-de que justificou a outorga da competência ao adminis-trador público, ou seja, sempre que o ato praticado visara fim incompatível ou excludente do interesse público,haverá abuso de poder sob a modalidade desvio.6

Ocorre que, dada a pátina de legalidade, atestar a ocorrência

do desvio é sempre dificultoso, como recorda-nos Hely Lopes

Meirelles:

O ato praticado com desvio de finalidade – como todoato ilícito ou imoral – ou é consumado às escondidas ouse apresenta disfarçado de interesse público. Diante disso,há que ser surpreendido e identificado por indícios ecircunstâncias que revelem a distorção do fim legal,substituído habilidosamente por um fim ilegal ou imoralnão desejado pelo legislador. A propósito, já decidiu oSTF que “indícios vários e concordantes são provas”.Dentre os elementos indiciários do desvio de finalidade

6 FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. BeloHorizonte: Fórum, 2010, pp. 653-654.

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PGR Mandado de Segurança 33942 – DF

está a falta de motivo ou a discordância dos motivoscom o ato praticado. Tudo isto dificulta a prova do des-vio de poder ou de finalidade, mas não a torna impossí-vel se recorrermos aos antecedentes do ato e à sua desti-nação presente e futura por quem o praticou.7 Isso não obsta, todavia, o controle judicial da questão, dado

que o desvio de poder acarreta, necessariamente, ilegalidade, que

se reputa comprovada ante conjunto coerente de elementos. Na

dicção de Carvalho Filho:

Em preciosa monografia sobre o tema, CRETELLAJÚNIOR, também reconhecendo a dificuldade de pro-va, oferece, entretanto, a noção dos sintomas denuncia-dores do desvio de poder. Chama sintoma “qualquertraço, interno ou externo, direto, indireto ou circunstan-cial que revele a distorção da vontade do agente públicoao editar o ato, praticando-o não por motivo de interes-se público, mas por motivo privado”.[…].Agindo com abuso de poder, por qualquer de suas for-mas, o agente submete sua conduta à revisão, judicial ouadministrativa. O abuso de poder não pode compatibili-zar-se com as regras da legalidade, de modo que, consta-tado abuso, cabe repará-lo.8

Colhe-se, portanto, da doutrina o seguinte guia para verifi-

car-se a existência do desvio de poder: a) calca-se na existência de

7 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 118.

8 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo.27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 49.

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PGR Mandado de Segurança 33942 – DF

finalidade deturpada do ato administrativo; b) tal vício é objetivo,

satisfazendo-se com o descompasso entre a finalidade legal e a real;

c) dada a artificiosidade que o circunda, sua prova é feita por meio

de indícios que, revelando coerência, são capazes de nulificar o ato;

d) o desvio é passível de controle judicial, na qualidade de controle

de legalidade, inclusive na via do mandado de segurança.

Com o fim de deixar patente a existência do desvio de poder

no presente caso passa-se, a seguir, a narrar o contexto que antece-

de a decisão objeto desta impetração, já relatado pela Procurado-

ria-Geral da República quando aduzido ao STF pleito cautelar de

afastamento de Eduardo Cunha de suas funções parlamentares.

No dia 13 de outubro de 2015, houve representação por

“quebra de decoro parlamentar”, nos termos do art. 55, inc. II, da

Constituição Federal, em face de Eduardo Cunha no Conselho de

Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, visando a

cassação do mandato do parlamentar. Referida representação foi

apresentada pelos partidos PSOL e REDE SUSTENTABILIDA-

DE, além de ter sido firmada por 46 parlamentares de outros cinco

partidos, de forma individual. A referida representação baseia-se

em duas principais condutas incompatíveis com o decoro parla-

mentar: (i) a primeira em relação às condutas que motivaram a de-

núncia pela Procuradoria Geral da República; (ii) a segunda, em

relação à prestação de informação falsa quanto a contas bancárias

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PGR Mandado de Segurança 33942 – DF

declaradas à Câmara dos Deputados9. Assim, o primeiro fato está

relacionado ao Inquérito 3983 e o segundo em relação ao Inqué-

rito 4146.

A representação apresentada deu origem, assim, ao Processo

1/15 (Representação 1/15), cujo Relator era originalmente o im-

petrante Fausto Ruy Pinato.

Os elementos apontam que o Deputado Eduardo Cunha, na

qualidade de Presidente da Câmara dos Deputados, vem se valen-

do se sua posição para obstruir a continuidade das investigações do

Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, com o intui-

to de defender seus interesses particulares.

A sessão do Conselho de Ética estava marcada para o dia 19

de novembro de 2015 e tinha como finalidade votar o Parecer

Preliminar relativo ao processo contra Eduardo Cunha. Porém, re-

ferida sessão foi impedida de se realizar em razão de manobras fei-

tas pelo investigado e seus aliados.

9 Perante a CPI da PETROBRAS, EDUARDO CUNHA, em março de2015, afirmou que não possuía nenhuma conta bancária no exterior. Veja oque afirmou: “Delegado Waldir, estou dizendo para V.Exa., clara etextualmente, as coisas bem concretas: o Sr. Fernando Soares nãorepresenta o PMDB e não me representa; não tenho qualquertipo de conta em qualquer lugar que não seja a conta queestá declarada no meu Imposto de Renda; e não recebiqualquer vantagem ilícita ou qualquer vantagem com relação aqualquer natureza vinda desse processo” CPI da PETROBRAS,Audiencia Publica, REUNIAO No: 0074/15, DATA: 12/03/2015, Notastaquigráficas, p. 26, destacamos.

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PGR Mandado de Segurança 33942 – DF

Inicialmente, Eduardo Cunha trouxe dificuldades operacio-

nais para a realização da sessão, dificultando que o Conselho obti-

vesse sala de reunião. Segundo declaração dada pelo Presidente do

Conselho de Ética, Deputado José Carlos Araújo ao Jornal O Glo-

bo, o plenário da comissão somente lhe foi concedido momentos

antes do horário marcado para a reunião, o que acabou atrasando o

início da sessão. Destaque-se que, conforme asseverado pelo De-

putado Chico Alencar em representação dirigida à Procurado-

ria-Geral da República, a Câmara tem 16 plenários de comissões e

5 auditórios.

A referida sessão só foi iniciada 50 minutos após o horário

inicialmente agendado (9h30min), em razão da articular para esva-

ziamento da sessão.

Em seguida, logo que se iniciou a sessão, houve questão de

ordem levantada por dois parlamentares, Manoel Júnior e André

Moura, “aliados fidelíssimos de Eduardo Cunha”, segundo a De-

putada Eliziane Gama, para que a reunião fosse encerrada, sob pre-

texto que o quórum mínimo só fora alcançado 50 minutos após o

início da reunião e não dentro dos 30 minutos, conforme suposta-

mente exige o Regimento Interno, o que não foi aceito pelo pre-

sidente do Conselho de Ética.

A leitura das notas taquigráficas da sessão do dia 19 de no-

vembro demonstram claramente as tentativas de os aliados de Edu-

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PGR Mandado de Segurança 33942 – DF

ardo Cunha de impedir, tumultuar e procrastinar o andamento da

sessão.

Não bastasse, visando, então, encerrar forçosamente os traba-

lhos das Comissões, sobreveio mais uma manobra regimental vi-

sando a impedir que o parecer prévio, elaborado pelo Relator em

seu desfavor, fosse analisado.

O Regimento Interno da Câmara dos Deputados não per-

mite que a Ordem do Dia da sessão do plenário coincida com as

das comissões. Assim, uma vez iniciada a Ordem do Dia do Plenário,

as comissões são proibidas de deliberar. Por sua vez, em geral, a Or-

dem do Dia do Plenário costuma se iniciar por volta do meio dia.

Como profundo conhecedor do Regimento Interno e com

o único intuito de protelar e impedir a análise do parecer prévio

do Deputado Fausto Pinato, Eduardo Cunha determinou, no dia

19 de novembro de 2015, que a Ordem do Dia do Plenário se ini-

ciasse 10h46min. Em razão disso, foi suspensa a reunião do Conse-

lho.

Em seguida, o Deputado André Moura reapresentou a ques-

tão de ordem em plenário, afirmando que, em razão do tempo já

transcorrido, a reunião do Conselho de Ética não poderia ser

aberta e deveria ser anulada. Eduardo Cunha chamou, então, outro

aliado para decidir a questão de ordem, o Deputado Felipe Borni-

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PGR Mandado de Segurança 33942 – DF

er, Segundo Secretário da Mesa Diretora. Este decidiu deferir a

questão de ordem do Deputado André Moura, às 10h44min, can-

celando a sessão do Conselho de Ética, conforme a seguinte deci-

são10:

O SR. PRESIDENTE (Felipe Bornier) - Isso já foi decidido edeclarado. Já respondi sobre isso. Inclusive, a sessão foi anuladaporque ela não aconteceu. Eu acho que desse assunto já basta poraqui. Não tenho o que responder.O SR. ANDRÉ MOURA - Então estão nulos todos os atos?O SR. PRESIDENTE (Felipe Bornier) - Está anulada a sessão,porque ela não aconteceu. O SR. ANDRÉ MOURA - Então estão nulos todos os atos?O SR. PRESIDENTE (Felipe Bornier) - Está nulo. Está anulado.O SR. ANDRÉ MOURA - É deferimento à minha questão.Então, agradeço. Portanto, estão nulos todos os atos, porque nãoexistiu reunião do Conselho de Ética. Muito obrigado.O SR. PRESIDENTE (Felipe Bornier) - Está respondido. O SR. ANDRÉ MOURA - Parabéns a V.Exa.!

Eduardo Cunha, em seguida, para dar aparência de legalidade,

afirmou que suspenderia a decisão de Felipe Bornier, mas man-

tendo-a em vigor, para decisão posterior:

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Cunha) - Eu gostaria da atençãodo Plenário. Vou tomar uma posição, para que não paire qualquerdúvida quanto ao processo que se está desenvolvendo e para queesse fato não contamine a discussão a que se procede na Casa.Eu não vou desrespeitar a decisão do Deputado Bornier, nemquero proferir decisão sobre tema que possa ter qualquer relação

10 http://www.camara.leg.br/internet/SitaqWeb/TextoHTML.asp?etapa=5&nuSessao=358.1.55.O&nuQuarto=46&nuOrador=2&nuInsercao=34&dtHorarioQuarto=10:44&sgFaseSessao=OD&Data=19/11/2015&txApelido=FELIPE%20BORNIER%20%28PRESIDENTE%29,%20PSD-RJ

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PGR Mandado de Segurança 33942 – DF

direta com a minha pessoa. Eu vou apenas proferir uma decisãomomentânea, para que não paire dúvidas nesta Casa e para quenão se contamine os trabalhos do Plenário com qualquer coisaque diga respeito à pessoalidade da Presidência da Casa ou à suarepresentatividade.Eu vou suspender a decisão proferida pelo Presidente emexercício sobre a questão de ordem. A questão de ordem seráacatada, para ser decidida a posteriori.No momento, suspenderei a decisão proferida. Mas isso nãosignifica que não haverá decisão sobre a questão de ordem.Posteriormente, a questão recolhida será decidida, provavelmentepelo Primeiro Vice-Presidente ou pela Mesa Diretora. Aosuspender a decisão, evitamos qualquer tipo de discussão que possaafetar os trabalhos da Casa. Releva apontar que Eduardo Cunha iniciou a sessão com a

presença de apenas 189 Deputados, quando se exige maioria abso-

luta (ou seja, 257 Deputados) para deliberação na Ordem do Dia,

nos termos do art. 47 da Constituição Federal.

Em razão da manobra do Deputado Eduardo Cunha, na qua-

lidade de Presidente da Câmara, com o intuito de se beneficiar

pessoalmente, logrou impedir a continuidade dos trabalhos do

Conselho de Ética.

Não bastasse, Eduardo Cunha novamente efetuou manobra

para atrasar seu processo de cassação, revelada na decisão atacada

por meio do presente mandado de segurança.

No dia 9 de dezembro, quando o Conselho já estava pronto

para decidir, Eduardo Cunha logrou destituir o impetrante Fausto

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PGR Mandado de Segurança 33942 – DF

Pinato da Relatoria da representação contra si, por intermédio da

decisão da autoridade ora apontada coatora, notório aliado do Pre-

sidente da Câmara dos Deputados.

Queda hialino, do contexto já descrito, que a interpretação

conferida pela autoridade apontada coatora ao regimento interno

é escoteira e oportunista, feita de molde a beneficiar seu aliado de-

clarado, potencializando a existência de bloco parlamentar por

exíguos cinco dias para gerar mais um óbice à tramitação da re-

presentação, mediante a eternização dos efeitos daquele bloco

transitório a fatos futuros que em nada se relacionam com a exis-

tência pretérita daquele bloco parlamentar.

Primeiramente, como salientado pelo Presidente do Conse-

lho de Ética quando do indeferimento do recurso apresentado

pelo Deputado Manoel Júnior, a interpretação que veio a ser al-

bergada pelo impetrado contraria a prática até então adotada pelo

Conselho, calcada no fato de os seus membros exercerem mandato,

diferindo portanto o Órgão de outras comissões. Tal mudança de

rumos é mais um indício do voluntarismo por trás da decisão do

impetrado.

No tocante ao fundamento agitado para o alijamento do Re-

lator, o pretexto revela-se tão frágil que impediria eventual proces-

so de cassação em face de um Presidente da Câmara hipotetica-

mente eleito por unanimidade. Isso porque todos os membros do

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PGR Mandado de Segurança 33942 – DF

Parlamento integrariam seu bloco político, o que o escudaria, até o

término da legislatura, de qualquer perquirição acerca de seu de-

coro.

Ora, as regras de impedimento no âmbito das Casas Legislati-

vas devem ser as mais objetivas possíveis, porque é próprio da ati-

vidade legislativa a formação de maiorias, a composição de alianças

e a construção de consensos sobrepostos. Não é esse devir da ativi-

dade política durante a legislatura que gera, por si, o impedimento

do parlamentar.

O impedimento do parlamentar por suposta perpetuação de vin-

culo político não decorre da previsão regimental de preservação da dis-

tribuição de vagas nas Comissões e demais cargos dos órgãos da Casa

que observam a proporcionalidade partidária, ainda que desfeitos os res-

pectivos blocos parlamentares. Ali há típica regra objetiva de preserva-

ção da distribuição proporcional da representação legislativa em seus

órgãos internos, sem qualquer pertinência com as questões atinentes ao

impedimento do parlamentar.

Ademais, vale salientar ter sido aduzido o recurso apenas

quando já protocolado o parecer preliminar pelo Relator; e acres-

ce anunciada a decisão de sua anulação exatamente no momento

em que ficou claro que o Conselho acolheria o parecer e daria

continuidade ao processo.

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PGR Mandado de Segurança 33942 – DF

Em suma: conquanto efetivamente tenha versado a decisão

administrativa acerca da interpretação de dispositivos regimentais,

isso se deu como subterfúgio em contexto antirrepublicano, a au-

torizar de forma plena a intervenção do Judiciário, calcada no im-

perativo de legalidade positiva e finalística que circunscreve todos

os atos estatais.

Cumpre aqui, diante do patente interesse público envolvido

em qualquer mandado de segurança, realçado pela temática envol-

vida nesta impetração, que o Ministério Público noticie à Relatora

outros eventos ocorridos no contexto da impetração, a denotar os

vícios que maculam a decisão atacada e o imperativo da concessão

da ordem.

Na mesma data em que o Deputado Federal Eduardo Cunha

impediu a votação do relatório do Deputado Federal Fausto Pina-

to – favorável à continuidade do processo –, no dia 19 de novem-

bro, veio a lume ameaças sofridas pelo Deputado Fausto Pinato em

razão de suas funções como relator do processo de cassação de

Eduardo Cunha. Um dos parlamentares afirmou que o Relator te-

ria recebido ameaças e que sua família fora constrangida durante

um trajeto realizado de carro. Veja a seguinte reportagem:

Segundo parlamentares, Pinato disse que, na quinta-feira passada,ao retornar de Brasília para São Paulo, seu motorista, que oaguardava no aeroporto da capital paulista, contou que foiabordado por um homem que bateu no vidro do carro em que

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estava e lançou a ameaça.— Diga para seu chefe que, se ele for inteligente, ele pode se darmuito bem. Ele não devia mexer com essa coisa de Conselho deÉtica, tem uma família tão bonita e deveria preservá-la — disse ohomem, segundo os deputados que presenciaram o relato dePinato.O relator decidiu pedir proteção policial e, hoje, o presidente doConselho, José Carlos Araújo, afirmou que pedirá à Polícia Federalproteção para Pinato. Na reunião, o relator também afirmou estarrecebendo "recados" de diversos lados, até mesmo de grandesempresários. Ele estaria sendo questionado por pessoas sobre oque pretende fazer no conselho e orientado a "pensar bem" sobrecomo proceder no colegiado em relação a Cunha.Em meio à confusa sessão no plenário da Câmara, comandada porEduardo Cunha (PMDB-RJ) para impedir que o processo contraele no Conselho de Ética seguisse adiante, o deputado SandroAlex (PPS-PR), vice-presidente do Conselho de Ética, requisitouproteção policial para o relator.Sandro Alex disse ter questionado a Pinato se ele ou a família delehaviam sofrido algum tipo de constrangimento ou ameaça.Segundo o deputado, a resposta foi “sim”. Aliados de Pinatocontam que ele está preocupado devido às pressões que vemsofrendo. Pinato deu parecer favorável à admissibilidade doprocesso contra Cunha sob a alegação de que há indícios “fortes”para que o caso siga adiante.— Ele tem sofrido ameaças nesses últimos dias, principalmentenessa última semana, Dentro e fora do Congresso, e estamospedindo agora à Polícia Federal que faça o acompanhamento e dêsegurança a ele e à família dele.Pinato disse ao vice-presidente que continuará na relatoria doprocesso envolvendo o presidente da Câmara.— Ele nos relatou que tem vivido momentos muito difíceis,momentos tensos. tem sofrido pressões todos os dias, mas o quetem preocupado ele é sua família, sua dignidade — disse Alex.Segundo relatos de deputados, Pinato estaria sofrendo ameaças demorte por telefone. Ele também teria sido intimidado quando

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estava no carro com sua família11.

No dia 1º de dezembro de 2015, o referido impetrante apre-

sentou representação ao Ministro da Justiça, narrando tais ameças e

confirmando-as. Em razão de sua importância, transcreve-se o teor

integral da representação:

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO DA JUSTIÇA,DR. JOSÉ EDUARDO CARDOZO.FAUSTO RUY PINATO, brasileiro, casado, advogado, deputadofederal [omissis], abaixo assinado, respeitosamente, vem, à presençade Vossa Excelência, expor e requerer a instauração deINQUÉRITO POLICIAL, se for o caso, pelos fatos efundamentos que se seguem:1- O requerente, atualmente com 38 anos, é nascido e moradorde Fernandópolis-SP, pacata cidade interiorana do Estado de SãoPaulo, local onde também reside toda a sua parentela.2 - Foi eleito e tomou posse como deputado federal em fevereirodo ano de 2.015.3- O requerente sempre manteve excelenterelacionamento com todos os colegas deputado.4 - Tudo corria normal no exercício do seu mandato.5 - Entretanto, em data de 05 de novembro pp. orequerente foi nomeado relator do processo que apurapossível quebra de decoro parlamentar por parte dodeputado federal Eduardo Cunha (presidente da câmara dosdeputados).6 - A partir daí o requerente passou a sofrer intensapressão e assédio de colegas deputados, para alguns orelatório deveria ser pelo recebimento da denúncia e, paraoutros, pelo arquivamento. Não obstante, nada deanormal dentro da atuação parlamentar.7 - Contudo, com o passar dos dias, parte da pressão e doassédio foram se travestindo em tom de

11 Disponível em http://oglobo.globo.com/brasil/relator-do-caso-cunha-sofre-ameacas-pede-protecao-policial-18091248. Acesso em 02.12.2015.

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"aconselhamentos", agora também por terceirosdesconhecidos, no sentido de que o requerente poderiasofrer represálias na câmara e por terceiros, posto quepoderia prejudicar interesses de gente muito poderosa.Mas tudo ainda dentro do embate aceitável, dentro da atuação parlamentar.8 - Entretanto, no dia 13 de novembro de 2.015, omotorista do requerente, Sr. Cleiton Cornélio Nascimentoda Silva (brasileiro, solteiro, motorista, domiciliado( omissis ), visivelmente constrangido e assustado, alertou o requerente de que tinha sido abordado por ummotoqueiro, pessoa desconhecida, que teria mandado oseguinte recado mais ou menos da seguinte forma: "... fala para o seu patrão se ele quer ir para o céu e se ele não acha melhorcolaborar para as coisas ficarem mais fácies, pois tem muita gentepoderosa interessado no processo que ele pegou; ele tem umafamília linda e um irmãozinho lindo. Dá este recado para ele....",arrancando com a motocicleta em alta velocidade.9- O requerente, agora, amedrontado e temendo pela suaintegridade física (e da segurança da sua família), tomouimediatamente as seguintes providências:- Falou com o Capitão Rodnei Sebastião Dutra Hernandes,

comandante da 1a Companhia de Policiamento deFernandópolis-SP, que teria entrado de pronto em contato com ocomandante do 16° Batalhão de Fernandópolis, o TenenteCoronel Enio Lopes Bernardo, que por sua vez entrou emcontato com a Coronel Helena Dos Santos Reis, comandante doBatalhão de São José do Rio Preto, que por sua vez entrou emcontato com o Comando-Geral da Polícia Militar de São Paulo,providenciais essas que me foram cientificadas pelo sub

Comandante do 16º Batalhão, Major Antonio Umildevar DutraJúnior. Que o requerente, a partir de então, ficou mais seguro notocante a segurança da sua família em Fernandópolis;- Providenciou um carro blindado e contratou um policial militaraposentado para ficar dentro do seu domicílio e acompanhartodos os deslocamentos dos seus familiares, situação que perduraaté a presente data;

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- Que por intervenção do deputado Celso Russomano, foidisponibilizado um policial legislativo para acompanhar orequerente na cidade de Brasília-DF.- Esteve no dia 18/11/2015 e no dia 19/11/2011, registouBoletim de Ocorrência na Corregedoria da Polícia Civil doEstado de São Paulo -B.O n° 275/2015;- Comentou pessoalmente os fatos: com o Ministro da Justiça,José Eduardo Martins Cardozo, e com o Secretário de SegurançaPública do Estado de São Paulo, Dr. Alexandre de Moraes.

Isso posto, requer nos termos do art. 5o, parágrafo quinto, do CPP,a instauração de Inquérito Policial, se for o caso.que;Pede e espera deferimento. Brasília-DF, 11 de dezembro de 2.015. Fausto Ruy Pinato - Deputado Federal

No dia 2 de dezembro de 2015, o motorista do Deputado foi

ouvido acerca dos fatos, oportunidade em que confirmou as ame-

ças. Veja o depoimento:

Que é empregado (motorista) de Fausto Ruy Pinato desde oinício da legislatura; que anteriormente conhecia o deputadoapenas de vista; que recebeu uma mensagem de dois motoqueirospróximos à residência da família do deputado; que em umprimeiro momento não compreendeu como ameaça; que o fatoocorreu em data anterior a 13 de novembro, mas namesma semana, provavelmente na terça ou quarta feira;que após ficou receoso por alertas de colegas; que porisso, informou o fato ao deputado FAUSTO PINATO nodia 13 de novembro; que o deputado comunicou aameaça à polícia assim que recebeu a notícia; que contouna volta de viagem a São Paulo; que a ameaça se deu quandosaiu da frente da casa do deputado em Fernandópolis/SPquando deixou a família do deputado (esposa e filha) emcasa; que logo após dois motoqueiros o abordaram

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quando parou em cruzamento; que o que estava nagarupa disse "pergunte ao seu patrão se ele quer ir para océu. Se ele não acha melhor colaborar com a situação. Eletem uma filha linda/fuma esposa linda, um irmãozinho lindo. Tem muita gente poderosa por trás da relatoria doseu patrão. Dá esse recado pra ele"; que a pessoa que oabordou estava de capacete em uma moto e o garupa tambémestava de capacete; que não anotou a placa porque foisurpreendido; que na hora não entendeu que se tratava de ameaçareal; que não se lembra de nenhum traço identificador dossujeitos que o abordaram; ambos tinham estatura média, sendo ogarupa mais corpulento e o piloto nem magro, nem gordo, ambosmorenos; que não julga ser capaz de reconhecer os abordantes seos visse novamente; que a abordagem foi rápida, tendo duradoapenas alguns segundos; que não respondeu nada; que não notouter sido perseguido nem nenhum movimento suspeito; que é deconhecimento da maioria das pessoas da cidade o local deresidência do deputado; que não comentou o fato com ninguéma princípio; que depois de pensar sobre o fato comunicou-o aodeputado; que o deputado solicitou que o declarante redobrasseos cuidados; que o deputado depois do ocorrido passou aandar com um segurança; que o deputado se mostrabastante preocupado com a família; que o declarantetambém passou a sentir medo depois do ocorrido”.

Vejamos os indícios que ligam as ameaças ao Deputado Fede-

ral Eduardo Cunha: (i) Fausto Pinato afirmou que tudo corria

normal até ser designado relator do caso envolvendo Eduardo Cu-

nha; (ii) Fausto Pinato afirmou que não possuía qualquer problema

de relacionamento até então com seus colegas da Câmara; (iii) em

05 de novembro de 2015, Fausto Pinato foi nomeado relator do

processo que apura possível quebra de decoro parlamentar por

parte do deputado federal Eduardo Cunha; (iv) a partir dai, Fausto

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Pinato passou a sofrer intensa pressão e assédio de colegas deputa-

dos, mas, até então, avaliava como nada de anormal dentro da atua-

ção parlamentar; (v) com o passar dos dias, parte da pressão e do

assédio foram se travestindo em tom de "aconselhamentos", agora

também por terceiros desconhecidos, no sentido de que o reque-

rente poderia sofrer represálias na câmara e por terceiros, pois po-

deria prejudicar interesses de gente muito poderosa; (vi) pouco an-

tes de apresentar seu relatório, no dia 13 de novembro de 2015,

Fausto Pinato foi ameaçada, por intermédio de seu motorista; (vii)

além de a ameaça ter ocorrido pouco antes de o Deputado Fausto

Pinato apresentar seu parecer, a ameaça fazia clara menção ao pro-

cesso que ele conduzia como relator. Tais elementos reunidos

apontam que Eduardo Cunha está relacionado a tais ameaças.

Embora o Deputado Federal Eduardo Cunha tenha pedido

“proteção” ao referido parlamentar, não exclui o fato de que era o

principal interessado e beneficiado pelas referidas ameaças.

Em nova entrevista, revelada após seu afastamento, o Deputa-

do Federal Fausto Pinato reiterou as ameaças mencionadas, inclusi-

ve que foi abordado por pessoas no aeroporto. Além disso, afirmou

que recebeu, de maneira velada, oferta de vantagem ilícita em ra-

zão da sua posição de relator. Veja a entrevista concedida ao Jornal

Folha de S. Paulo:

Folha - Quando o sr. assumiu a relatoria, foi procurado

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por emissarios do presidente da Camara, Eduardo Cunha?Fausto Pinato - No comeco foi assim: 'olha, isso e uma bucha,cuidado'. Normal. Depois comecaram aconselhamentos: 'Veja bemo que voce vai fazer... o Cunha e um deputado influente, comvarios deputados, domina praticamente todas as comissoes daCasa'. Mas ate ai tudo bem, faz parte ne? Tomei a cautela de naoomitir nenhum tipo de opiniao de merito. Fui tirado da relatoriaporque eu sou uma pessoa que estava fazendo um trabalho serio eindependente. O sr. encarou esses aconselhamentos como ameaca? Entao, por exemplo, eu fui abordado em aeroporto...

Por parlamentar? Nao, pessoas estranhas. Eu nao sei nem quem era. 'Voce que e oPinato? Olha, pensa bem, pode mudar sua vida [faz sinal dedinheiro com as maos]'. E eu recebi tambem uns dois telefonemas.'Pensa bem na tua familia'. Eu sou um cara de cidade pequena de70 mil habitantes acostumado a falar so em radio AM.

Ofereceram dar ajuda para sua proxima campanha? Diretamente, nao. Mas por telefone e pessoalmente no aeroporto,eu cheguei a ter propostas, sim: 'Voce nao quer pensar na tua vida?Pensar em voce?'. Mas eu nao sei se era para arquivar ou paracondenar. Eu ja cortava e saia.

Mas o senhor sabia de onde partia essas ofertas?

Nao. No telefonema falaram para pensar na familia e salvo enganoumas duas vezes no aeroporto.

Proposta insinuando vantagem? 'Pensa bem, voce pode arrumar tua vida, tal' [faz sinal de dinheirocom as maos]. Umas coisas nesse sentido. Mas como eu cortava.Sempre tentei me esquivar.

Os parlamentares nao chegaram a lhe oferecer dinheiro? Nao, nao falaram nada. Era 'pensa bem, ve o que vai fazer'. Naochegaram a ser tao incisivos, ate porque alguns sao ate meus

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amigos, tinha relacionamento pessoal de sair com eles. Eu era cercado de amigos [dentro da Camara dos Deputados] eme tornei o cara mais solitario do mundo. Mas tem um pessoal aqui que tem uma coerencia, que tem umahombridade, nao tem como generalizar.

O senhor ouviu rumores de oferta de dinheiro paradeputados votarem contra seu relatorio? Ouvi falar isso um monte, radio corredor fala sempre. Tanto e queesta uma discussao muito acirrada, ne? Nao querer nem deixarabrir o processo?

Mas o sr. testemunhou essas supostas ofertas?

Como eu virei relator e a pressao era muito forte, o que eu fiz?Eu nao conversei com ninguem do Conselho [de Etica]. Eu voufazer o que e certo e a minha parte dentro da minha consciencia.

O que os aliados de Eduardo Cunha conversaram com osenhor? Eles faziam parte desse pessoal que fazia oaconselhamento? Tambem, ne? Porque aqui, a verdade e a seguinte: um ou outrovoce sabe [de que lado esta], mas existe um exercito camuflado.Imagine um cara igual a eu, que e de primeiro mandato, chega,nao sabe se ta la ou ca.

Houve ameaca? Nao, so aconselhamento. 'Vai devagar, pensa bem, nao e tudo quea midia fala que e verdade, tem que tomar cuidado, tem quepensar aqui dentro da Casa'.

Tomar cuidado com o que? Pra nao se queimar, e tal. Aconselhamento, entendeu?” 12

12 “Ex-relator de Cunha na Comissao de Etica diz que recebeu oferta depropina” - 11/12/2015 - Poder - Folha de S.Paulo, dia 12/11/15, Disponívelem http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/12/1717639-ex-relator-de-cunha-na-comissao-de-etica-diz-que-recebeu-oferta-de-propina.shtml.

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Mais uma vez, conforme reiterado acima, tais ofertas são cla-

ramente ligadas ao processo de cassação de Eduardo Cunha. Além

de ser o mais interessado no deslinde final do feito, Eduardo Cu-

nha já demonstrou em outras ocasiões que atua por meio de inter-

postas pessoas, justamente para que não seja vinculado diretamente

com os atos ilícitos praticados

3. Conclusão

Revela-se, assim, demonstradas à exaustão as ações de Eduar-

do Cunha para interferir no processo de apuração interna da Câ-

mara dos Deputados, evidentes e incontestáveis. Tais condutas se

revelam absolutamente incompatíveis com o devido processo legal,

na medida em que o Eduardo Cunha se vale de sua prerrogativa

de Presidente da Câmara dos Deputados unicamente com o pro-

pósito de autoproteção mediante ações espúrias para evitar, a todo

custo, a apuração de suas condutas.

Ante o exposto, opina a Procuradoria-Geral da República

pelo deferimento da ordem, com a anulação da decisão que

afastou o Deputado Federal Fausto Pinato da relatoria da

Representação 1/2015, dando-se ao procedimento a devida

continuidade, a partir do momento em que houve a prática do ato

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abusivo por parte do Primeiro Vice-Presidente da Câmara dos

Deputados.

Brasília (DF), 26 de fevereiro de 2016.

Rodrigo Janot Monteiro de BarrosProcurador-Geral da República

JCCR/LCF

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