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nº 3

Poesia é pra lavar a alma

Dedico esta edição do Poezine à minha amada vó Norma, que encheu o meu tanque de linguagem até a borda.Coloridas, brancas, pretas,ali as palavras ficaram todas de molho, “curtindo”,para um dia serem estendidas.Eis o varal.Você, que está lendo: convido-o a ser o sol que vai renová-las,com seu próprio brilho e calor.

Bom banho de luz!E até o próximo mergulho poético.

Beijos,

Clara CruzDezembro ~ 2016

www.claracruz.com.brAgradecimentos: Ítalo Mendonça (designer)

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o murchar

Dentro de mim,tua imagem é túrgidatúrgidabalão prestes a estourar.

Tarde da noiteo balão arrebentapois já não aguentaa pressão do meu ar:

sou eu o balãoe o próprio insuflar.

Eu própria a agulhacom o poder de esvaziar.

Túrgida eu estavade coisas para falar.

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gira-gira

A poesia,esse lento caleidoscópio de imagens…cada palavra é o flagra de um momento…

Em cada uma eu me prendoatento…atento…

Até descobrir que o mistérionão está nas palavras(nas cores…)O mistério está é no movimentoque é lentoque é lento…

Estou tonto de poesia…bêbadode sentimento!

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mingau

uma avó ambrosiaque quando choro, miaquando sofro, espiaque me enche de carinhoque me lambe de alegriame deito no teu ninho eminha dor esvazia

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bolacha maria

O que estaríamos falando nós duasagora, naquela cena muda?Como seria viversem ter tido a tua ajudaque tornava tão mais fácilatravessar as noites frias?

Eram tão escuras as noites…Encerravam tantos medos…Mas teu enorme amor por mimsem reservas, sem segredosme protegia das tempestades.

Me protegia de mim mesma,da insônia de meu corpo.Me acalmava o passar do tempopois ao teu lado eu sempre sabiaquando já não era tão cedoquando ainda não era dia.

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Sem saber que sabia,de angústia você entendia.A minha você acalmavacom amor e bolacha maria.

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a transposição

para Simone, onde as palavras nascem

I.

caí do colo de minha mãepara o berço das palavras.

II.

as palavras me acolheramcomo um colo de mãe.

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dáfnis e cloé

para Ítalo

Mil estrelas tive que mirar,olhos nos olhos o céu contemplar.Até que chegasse gentil cavalheiroque me estendendo a mãome levasse ao altar.Cumpriste a missão, céu.Já posso chorar.

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desenjaulada

Súbito entrei numa caixinha.

Nunca pensei que ela existissemas.de repente.dela não consigo mais sair.

Ou será que consigo?

(Espia…Espia por aquela fresta ali.)

Olha, a caixa tem um furo.

Furo por onde o sol entra.

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Furo onde os diasse tornam mais clarosfuro onde as noitesmais claras ainda.

E fundo bem fundoeu vou respirar:

vida linda, sê bem-vinda,vou me desencaixotar.

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banquete

Por favor, não sorria:eu me apaixonei foi por tua cara amarrada.

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aos 8

“A poesia é a infância da língua.” (Manoel de Barros) Eu te amo de paixãoe também de paixinhoNada é mais bonitoque o nosso carinho!

(para Norma)

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sonho antigo

Saber que as palavrassão os frutos de um banquete:

é precisoque as escolhassejam módicas porções.

É preciso saciar-sesem morrer de indigestão.

Tentadora,tentadorae cruel é a imensidão…

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sopro

A minha morte não me causa mais medo.Pois ela já não éencomendada por alguémela é só o meu corpoquerendo descansar.

Deixo então que ela me toque,curiosa, com seus dedos:não há medos de acordar,não há medos de dormir…

Não há mal querendo entrar,só há mal que quer sair.

Corpo amigo, pra onde fores,quero ir junto de ti!

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estreia

As palavras são meu palco.As letras, meus movimentos.

A poesia é minha dança,meu amor de olhos atentos.

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neném

Meu corpo está macio,meu corpo está amoroso.

Um corpo sem vergonhasem vergonha de ser corpo!

Meu corpo em lua-de-mel,tomaraque dures pra sempre…

ai meu corpo enamorado,

ah,

meu corpolibertado…

o teu nome(sabe, neném?)o teu nomeé amor.

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minha boneca

Poesia, minha linda,

você é o meu carrosselminha roda-gigantemeu cataventomeu giroscópioo meu moinho

o meu helicóptero!o meu lepidóptero…(linda, linda borboleta!)

Você é minha montanha-russameu pirulitomeu algodão-doce

o meu gira-gira…

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Você é o meu ioiôo meu piãoe (olha lá no alto!)o meu balão…

Sim, poesia,você é o meu brinquedo!Você é tudo que girae me tira do chão.

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pupa

Passei muito tempo rastejandofeito minhoca,rente ao chão.

O dia em que levanteifaltou corrimão pra me ampararem minha tamanha vacilação.

Baqueava, baqueava,neném insegurosaindo do chão.

O que viria me ampararem minha solidão?Em meu andar manco?

Minhoca que era,não sabia ter pernasnem como usá-las.

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Onde corrimão,bengala,andador?

Foi então que senti nas costas o fisgão.Minhas asas me ampararame voei desde então.

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enigma

O tempo passou e eu não te vejo mais usar uniforme.Mas tu com teus olhos caladoscontinua enormedentro de mim.

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chacoalhão

Voem, palavras, voemVoem, palavras, sempreda minha boca para o mundotransformando pedra em gente.

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