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    Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da ComunicaoXXIX Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao UnB 6 a 9 de setembro de 2006

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    A msica popular massiva, o mainstream e o underground

    trajetrias e caminhos da msica na cultura miditica1

    Autores:Jorge Cardoso Filho 2/Jeder Janotti Jnior 3

    Resumo

    O artigo discute as configuraes que caracterizariam aproduo musical contempornea a partir de sua dimenso

    plstica e miditica destacando, assim, a fora das estratgiasempregadas pela indstria fonogrfica no processo deproduo/circulao das canes e o papel que essas expressesculturais exercem no tecido social. Desse modo, apresentamosuma definio para a expresso "msica popular massiva" a fimde estabelecer parmetros de compreenso para a msica noestgio atual da cultura miditica.

    Palavras-chave

    Msica Popular Massiva, Condies de Produo e Reconhecimento, consumo

    Corpo do trabalho

    1. Apresentao

    Este artigo se prope discutir os aspectos miditicos da chamada msica popular

    massiva a partir da investigao do modo como s expresses musicais surgidas no

    sculo XX se valeram do aparato miditico contemporneo. Ou seja, tcnicas de

    produo, armazenamento e circulao que tanto em suas condies de produo como

    em suas condies de reconhecimento, so fundamentais no processo de produo de

    sentido musical. Entendemos por condies de produo e reconhecimento as

    determinaes de natureza social que restringem a confeco e a recepo de um

    determinado tipo de discurso que gerados sobre condies determinadas, que

    1Trabalho apresentado ao NP Teorias da Comunicao, do VI Encontro dos Ncleos de Pesquisa da Intercom.

    2 Mestrando no Programa de Ps-Graduao em Comunicao e Cultura Contemporneas (UFBA),

    bolsista CNPq e integrante do grupo de pesquisa Mdia & Msica Popular [email protected] Professor e coordenador do grupo de pesquisa Mdia & Msica Popular Massiva no Programa de Ps-Graduao em Comunicao e Cultura Contemporneas (UFBA)[email protected]

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    produzem seus efeitos sobre condies tambm determinadas entre esses dois

    conjuntos de condies que circulam os discursos sociais (VERON, 1996, pp. 127).

    necessrio esclarecer, ento, o que compreendemos por msica popular

    massiva. De incio, consideramos importante ressaltar que os estudos brasileiros efranceses observam uma distino entre cultura popular (de feies folclricas ou

    nativistas) e cultura pop (popular miditica) que nem sempre acompanhada pelos

    estudos culturais de lngua inglesa. Mas apesar de relevante, a distino entre a cultura

    popular, aquela produzida e difundida de maneira independente dos grandes

    conglomerados multimiditicos e cultura pop, que englobaria a cultura miditica surgida

    no sculo XX, acarreta algumas dificuldades, tendo em vista que tambm popular o

    ato de comentar, ouvir e valorar o universo pop. Mas vale ressaltar que a cultura poptambm relacionada, em terras brasileiras, aos fenmenos que colocam em destaque a

    comunicao gerada pelos conglomerados multimiditicos no ps-guerra. Assim

    possvel se referir Msica Popular Brasileira como uma manifestao ligada tanto s

    composies urbanas que utilizam as razes musicais brasileiras, como s manifestaes

    musicais de feies estritamente regionais. Mas, na hora de se referir ao Rock, com

    feies locais, produzido no pas, em geral se utiliza a referncia Pop Rock, ao passo

    que, entre os roqueiros, o termo pop em geral reservado s manifestaes musicais que

    seguem formatos j testados e que obtiveram sucesso. possvel perceber que essas

    classificaes obedecem a um emaranhado de posicionamentos e vises de mundo e

    que, para compreender melhor essas fronteiras e seus desdobramentos, se faz necessrio

    um entendimento do surgimento dos dispositivos tecnolgicos e culturais de reproduo

    musical surgidas a partir do sculo vinte.

    2. Mdia e Msica: algumas relaesEm termos miditicos, pode-se relacionar a configurao da msica popular

    massiva ao desenvolvimento dos aparelhos de reproduo e gravao musical, o que

    envolve as lgicas mercadolgicas da indstria fonogrfica, os suportes de circulao

    das canes e os diferentes modos de execuo, audio e circulaes audiovisuais

    relacionados a essa estrutura. Sabe-se, por exemplo, que o aumento do consumo da

    msica por uma parcela da populao que no possui conhecimento da notao musical

    est diretamente ligado ao aparecimento dos primeiros aparelhos de reproduo sonora:

    o gramofone, o fongrafo, o rdio e o toca-disco, e que por outro lado, a popularizao

    de expresses musicais, como o Rock a partir da dcada de cinqenta, est ligada no s

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    a indstria fonogrfica, bem como televiso e ao cinema. preciso reconhecer ento,

    que a expresso msica popular massiva refere-se, em geral, a um repertrio

    compartilhado4 mundialmente e intimamente ligado produo, circulao e ao

    consumo das msicas conectadas indstria fonogrfica. Esse adendo permite a

    compreenso de que apesar de popular, a msica massiva, pelo menos em sentido

    estrito, passa pelas condies de produo e reconhecimento inscritas nas indstrias

    culturais.

    O socilogo Simon Frith (1996) apresenta trs fases histricas a partir das quais

    aqueles processos de produo, circulao e consumo da msica se organizaram

    majoritariamente: o estgio folk, no qual a msica produzida e armazenada atravs do

    corpo (humano ou dos instrumentos) e executada mediante performances, estgiofundamental para a chamada msica popular. O estgio artstico, no qual a msica pode

    ser armazenada atravs das notaes e partituras (que concede uma produo e

    existncia ideais obra) e caracteriza as peas da msica erudita. E, finalmente, um

    estgio pop, no qual a msica produzida mediante um dilogo com a indstria

    fonogrfica, armazenada em fonogramas e executada mecanicamente ou

    eletronicamente para o consumo de um pblico extremamente amplo. Esses estgios

    indicam no apenas sistemas de produo, circulao e consumo diferenciados, mas

    tambm transformaes na prpria experincia material e social da msica.

    perceptvel que Frith insinua uma certa evoluo nesses estgios, valorizando o

    estgiopop em detrimento do artstico e este em detrimento ao folk, mas pretendemos

    chamar ateno para o fato de que um estgio no precisa, necessariamente, substituir o

    outro. Eles podem, inclusive coexistir dentro de lgicas segmentadas construdas pela

    prpria indstria fonogrfica para orientar o consumo de ouvintes que preferem

    produtos com sonoridades maisfolkou outros de audio mais erudita, o que indica que

    embora marcas desses estgios ainda estejam disponveis em produtos contemporneos,

    uma outra camada de mediao se insere sobre eles. importante, tambm, observar

    que tanto nos estgios folk quanto artstico h uma relao muito estreita entre

    produtores e consumidores. Enquanto em uma delas a aproximao se relaciona com o

    fato da co-presena no ato da execuo musical, o que faz do evento uma espcie de

    ritual coletivo partilhado e interativo, na outra essa aproximao ocorre pelo

    4 Esta idia devedora dos comentrios e sugestes apresentadas pela professora Silvia Borelli no XVIIICongresso Brasileiro de Cincias da Comunicao.

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    conhecimento de um cdigo comum que partilhado pelos apreciadores de msica (as

    notaes musicais) dispostos a contemplarem de maneira atenta o desenvolvimento da

    pea musical em execuo.

    Queremos apontar com isso para o fato de que a prpria condio dearmazenamento caracterstica desses estgios favorece uma proximidade entre

    produtores e consumidores, afinal, mesmo que a msica esteja cifrada numa partitura

    necessrio que algum a execute para que os sons produzam seu sentido. Essa

    aproximao no caracteriza as manifestaes expressivas que se encontram no estgio

    pop. Produtores e consumidores se encontram muito distantes no ato de execuo da

    cano e por esse mesmo motivo a mdia desenvolve estratgias particulares para a

    construo do sentido de identidade dos ouvintes com a msica. Chamamos atenoparticular para esse aspecto por ele se constituir como uma das questes fundamentais

    para uma anlise miditica5 da msica popular massiva.

    Uma das principais estratgias de articulao dos aspectos plsticos e miditicos

    se configura na idia de lbum. Este um produto musical com mais de quarenta

    minutos que possui uma ligao entre suas diversas faixas, composto por capa e

    encarte e apresenta-se como uma espcie de obra musical. O surgimento desse suporte

    est diretamente relacionada ao Long-Play, um disco de vinil, de 12 polegadas, com 331/3 rotaes por minuto que permitia aumentar a quantidade de dados armazenados,

    alterando assim parte das relaes de consumo com a msica popular massiva. Segundo

    Marchi: () o LP passa a ser consumido como livros, ou seja, um suporte fechado

    passvel de coleo em discotecas privadas com o status de objeto cultural, afinal

    julga-se a cultura musical de uma pessoa pela discoteca que possui (2005, p.13). Hoje,

    pode-se perceber que tocadores de MP3 como o Ipod6 e o armazenamento da msica

    nos computadores pessoais j permitem questionar a idia de uma biblioteca musical em

    sentido tradicional.

    Assim possvel notar que a noo de cano popular massiva est diretamente

    ligada aos encontros entre a cultura popular e os artefatos miditicos. Inicialmente

    cano se refere a capacidade humana de transformar uma srie de contedos culturais

    5 Procedimento interpretativo atravs do qual os aspectos plsticos e miditicos da cano so analisadosde maneira inter-relacionada.6 Drive porttil desenvolvido pela Apple e que se tornou referncia do consumo de msica no arquivo

    MP3, que um processo de compreenso de arquivo, MPEG-1 Layer, que permite tanto a troca e cpia demsica sem a necessidade de um CD, como sua circulao na Internet atravs dos computadores pessoais.

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    em peas que configuram letra e melodia. Segundo o pesquisador da cano brasileira

    Luiz Tatit (2005), o surgimento do primeiro gnero da cano popular brasileira, o

    samba, est diretamente relacionado ao aparecimento do gramofone, j que foram as

    primeiras gravaes que colocaram a necessidade de repetio da letra, de uma

    estruturao precisa da pea musical e o reconhecimento da importncia de autores e/ou

    intrpretes destas peas musicais:

    Iniciava-se, assim, a era dos cancionistas, os bambas da cano, que se

    mantinham afinados com o progresso tecnolgico, a moda, o Mercado e o

    gosto imediato dos ouvintes. Nascia tambm uma noo esttica que no

    podia ser dissociada do entretenimento (TATIT, 2004, pp. 40).

    A regularidade rtmica e meldica favoreceu o aparecimento de peas musicais

    que privilegiavam o refro e os temas recorrentes. O refro, elemento bsico da cano

    popular massiva, pode ser definido como um modelo meldico de fcil assimilao que

    tem como objetivos principais sua memorizao por parte do ouvinte e a participao

    (cantar junto) do receptor no ato de audio. Isso sem falar da repetio constante que

    caracteriza a circulao da msica popular massiva, desde da tecla repeatdos tocadores

    de CDs e Mp3s, at a espiral repetitiva que caracteriza as programaes das rdios e das

    TVs especializadas em videoclipes. A configurao da cano em seus aspectos

    miditicos est atrelada prpria capacidade de armazenamento dos primeiros LPs de

    48 rotaes por minuto, que s reproduziam canes de no mximo 3 minutos, padroque acabou servindo de referncia para as rdios e os ouvintes mesmo aps a ampliao

    da capacidade de armazenamento dos artefatos miditicos.

    Assim, pode-se pensar que, j em meados do sculo XIX, a maioria da produo e

    publicao musical encontrava-se nas mos de promotores, editores comerciais,

    gerentes de teatro e casas de shows. A essa altura ainda no se vislumbrava a fora que

    emergia a partir da articulao da msica com as divulgaes miditicas surgidas com o

    desenvolvimento acelerado dos novos meios de comunicao. Segundo Middletonpode-se afirmar que:

    Msica popular (ou como seja chamada) somente pode ser adequadamente

    examinada dentro do contexto de todo campo musical, dentro de uma

    tendncia ativa; e nesse campo, junto a suas relaes internas - ela nunca

    imvel - a msica est sempre em movimento (MIDDLETON, 1990, pp. 07).

    Nos idos de 1920, o mundo j estava envolvido por um aparato centralizador de

    publicao musical, pela sonoridade dos gramofones - ento dominados pelas empresas

    Victor/EUA e Gramophone/Inglaterra e pelo aparecimento do rdio, que iriamodificar radicalmente as relaes entre as atividades do dia-a-dia e a msica. Nessa

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    poca, j era possvel pensar em um cotidiano cercado pelas notas musicais presentes

    nos novos dispositivos de comunicao. As inovaes eletrnicas reconfiguraram os

    prprios parmetros da msica popular. Como apontou Walter Benjamin no artigo A

    obra de arte na era de sua reprodutibilidade tcnica (1936) as noes de autoria,

    reproduo e unicidade deveriam ser repensadas a partir dessas inovaes.

    De uma forma geral aqui que se inicia a configurao do que viria a ser

    considerado pop, ou seja, parte da cadeia musical miditica em que os aspectos

    comerciais so melhores evidenciados, cujo ponto de partida o esforo para atingir o

    maior nmero possvel de ouvintes. A msica pop desenvolve-se atravs da divulgao

    via cinema, rdio, TV, computador, etc; apoiando-se em modelos de divulgao em que

    at as divises entre gneros musicais tendem a ser embotados. Nessa direo, pode-seperceber como possvel falar de msica pop tanto para se referir ao consumo

    indiscriminado de qualquer msica, quanto para aludir aos gneros musicais que

    colocam em relevo os aspectos homogeneizantes da cadeia miditica.

    O entrelaamento das inovaes tecnolgicas s prticas cotidianas fundamental

    para o entendimento da cultura pop, como, alis, para o de qualquer manifestao

    cultural. A estrutura de produo/circulao/consumo das cadeias miditicas agrega os

    msicos, os distribuidores, a audincia e os crticos. Assim, os dispositivos miditicosenglobam as pessoas que criam e interpretam a msica, as mdias e os locais de

    apresentao, os distribuidores, sejam comerciantes, promotores de shows ou

    divulgadores; os crticos que buscam padres para avaliao das canes, e a audincia,

    que varia desde consumidores ocasionais at colecionadores. no desdobramento desse

    cenrio durante o ps-guerra que surge a msica que marcou profundamente o sculo

    XX: o Rock e acabou forjando a idia de msica pop.

    Uma das primeiras mudanas tecnolgicas que contriburam para o crescimentoda msica jovem foi a criao de rdios e toca-discos portteis. Nos EUA, os grandes

    rdios-fongrafos custavam cerca de US$ 250,00. Mas com a entrada no mercado de

    rdios e toca-discos acessveis, uma radiola de plstico era vendida por cerca de US$

    13,00. Houve uma total reconfigurao do acesso a esses bens. At ento, um aparelho

    de som era um investimento familiar, com a chegada dos aparelhos pequenos, que se

    multiplicaram pelas casas e serviram inclusive para demarcar espaos como os quartos

    dos adolescentes, que agora podiam ouvir um tipo de msica diferenciada dos gostosdas salas de estar.

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    Nesse perodo, existia uma batalha (entre as companhias RCA e CBS) que dividiu

    o mercado dos discos de vinil em dois segmentos: de um lado, o long play (LP),

    introduzido pela CBS, que permitia a gravao de peas eruditas em um s disco; de

    outro lado, o disco de 45 rotaes por minuto da RCA, que oferecia possibilidades mais

    acessveis economicamente. O disco de 45 rpm acabou criando a indstria dos singles,

    canes de, no mximo, 3 minutos, que ocupavam um s lado do disco. Seguindo as

    estratgias mercadolgicas dos conglomerados multimiditicos, a RCA colocou

    disposio dos consumidores todo seu time de artistas em 45 rpm; desde cantores

    populares como Tony Martin at mestres do jazz como Dizzy Gillepsie.

    Ao mesmo tempo em que os singles se multiplicavam, comearam a aparecer os

    primeiros programas radiofnicos de Rock, comandados por disk jockeys (Djs),locutores que faziam a programao, a locuo e a divulgao de seus prprios

    programas, transformando-os ento, em verdadeiros shows; tanto que, muitos dos

    programas eram executados ao vivo em festas, dando incio aos pontos de encontro de

    fs de rock. Os Djs eram verdadeiros vendedores de discos e mestres de cerimnias. Os

    Djs locais passaram a ser celebridades; afinal, eles davam aos programas regionais

    caractersticas e acentos que se contrapunham aos anncios impessoais veiculados

    nacionalmente. Nesse momento, j era possvel perceber que os jovens compravam uma

    grande quantidade de discos e eram profundos conhecedores de detalhes da vida e das

    carreiras de seus dolos. Ento, os Djs passam a tentar identificar sua audincia e

    direcionar a msica certa para seu pblico. Basicamente, os programas de Djs eram

    dedicados ao pblico juvenil e tocavam singles, foi a partir desse contexto que surgiram

    os programas Top 10 e Top 40, conhecidos hoje como as dez mais da programao ou

    as preferidas do pblico. Os singles tornaram-se uma das bases de sustentao da

    msica pop; eles facilitaram o consumo e organizaram um tipo de execuo

    caracterstica da msica jovem. Logo, as gravadoras comearam a perceber o potencial

    desses programas e deram incio a um jogo de seduo com os Djs: seria o princpio

    daquilo que conhecido no Brasil como jab - uma quantia paga ao Dj em dinheiro ou

    mercadoria para que eles executem exaustivamente um determinado nmero musical.

    interessante notar que a mistura de colecionador, crtico e mestre de cerimnias,

    representadas pelos antigos Djs, sobrevive em alguns apresentadores de programas

    especializados e de gneros musicais cujas estratgias de identificao so empregadas

    para um consumo segmentado. Nesse sentido, pretendemos destacar como essas

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    estratgias de identificao podem ser construdas de modo a conferir sentidos

    diferenciados s canes e aos produtos miditicos. Essa hiptese fundamenta-se na

    afirmao segundo a qual se as condies produtivas associadas a um determinado

    nvel de pertinncia variam, os discursos tambm, em alguma parte, variam (VERON,

    1996, pp. 138) e permite uma investigao sobre os constrangimentos e dilogos que se

    estabelecem entre a indstria fonogrfica e as gramticas de produo e

    reconhecimento7 do campo musical.

    3. Mainstream e Undergroundcomo estratgias de consumo

    Anteriormente, destacamos o fato de ser possvel falar de msica popular massiva

    tanto para se referir ao consumo indiscriminado de qualquer msica, quanto para aludir

    aos gneros musicais que colocam em relevo os aspectos homogeneizantes da cadeia

    miditica a fim de se contrapor ao modelo. Essa distino se estabelece,

    fundamentalmente, a partir da estratgia desenvolvida pelas prprias indstrias culturais

    de amplo consumo ou de consumo segmentado. Ou seja, de confeco de produtos cujas

    condies e gramticas de produo e reconhecimento se vinculem ao mainstream ou ao

    underground.

    Esses dois termos, de origem inglesa, implicam modos diferenciados de conferir

    valor msica. O denominado mainstream (que pode ser traduzido como fluxoprincipal) abriga escolhas de confeco do produto reconhecidamente eficientes,

    dialogando com elementos de obras consagradas e com sucesso relativamente garantido.

    Ele tambm implica uma circulao associada outros meios de comunicao de massa,

    como a TV (atravs de videoclipes), o cinema (as trilhas sonoras) ou mesmo a Internet

    (recursos de imagem, plug ins e wallpapers). Conseqentemente, o repertrio

    necessrio para o consumo de produtos mainstream est disponvel de maneira ampla

    aos ouvintes e a dimenso plstica da cano apresenta uma variedade definida, em boa

    medida, pelas indstrias do entretenimento e desse repertrio. As condies de

    produo e reconhecimento desses produtos so bem diferenciadas, fator que explica o

    processo de circulao em dimenso ampla e no segmentada.

    O underground, por outro lado, segue um conjunto de princpios de confeco de

    produto que requer um repertrio mais delimitado para o consumo. Os produtos

    subterrneos possuem uma organizao de produo e circulao particulares e se

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    A relao que se estabelece entre o discurso e suas condies de produo e reconhecimento reguladapelas gramticas de produo e reconhecimento, uma espcie de sistema relacional que normatiza aconfeco dos materiais significantes.

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    firmam, quase invariavelmente, a partir da negao do seu outro (o mainstream).

    Trata-se de um posicionamento valorativo oposicional no qual o positivo corresponde a

    uma partilha segmentada, que se contrape ao amplo consumo. Um produto

    underground quase sempre definido como obra autntica, longe do esquemo,

    produto no-comercial. Sua circulao est associada a pequenos fanzines, divulgao

    alternativa, gravadoras independentes etc. e o agenciamento plstico das canes

    seguem princpios diferentes dos padres do mainstream. Essa relativa proximidade

    entre condies de produo e reconhecimento implica um processo de circulao que

    privilegia o consumo segmentado.

    Esse fator serve para demonstrar como na msica popular massiva h uma tenso

    entre o sistema de produo/circulao das grandes companhias musicais (mainstream)e sua contrapartida, o consumo segmentado (underground) que acaba sendo uma

    espcie de espao mtico na trajetria de expresses musicais como o Rock e a MPB.

    Apesar de atrelado s estratgias e lgicas do mercado, no imaginrio dos fs, crticos e

    colecionadores, suas canes so criativas e calcadas na autenticidade, enquanto a

    msica mainstream, possui frmulas prontas e adequadas aos ditames do mercado

    cultural. De acordo com Grossberg, cooptao o resultado de uma recontextualizao

    do afeto, uma reestruturao das alianas afetivas que afetam e circundam a msica

    (1997, pp. 60). Por exemplo, roqueiros ou fs de samba, em geral se valem da msica

    dita cooptada como um recorte das diferenas e da afirmao de sua socialidade.

    um constante reordenamento das fronteiras e do que importante na cartografia da

    msica popular massiva. Por isso, a idia de cooptao, e sua contrapartida a

    autenticidade, no pode se valer somente de aspectos histricos, ela depende de uma

    rede de relaes e valoraes. S para citar um exemplo, o rock ingls da dcada de

    oitenta (como The Smiths e The Police) foi importante influncia na formao das

    bandas de rock brasileiras da dcada de oitenta (como Legio Urbana e Paralamas do

    Sucesso), mas foi considerada msica pop por parte dos fs de Heavy Metal que na

    mesma poca construam uma cena de rock pesado local, que respondia a outros modos

    de valorar a msica popular massiva.

    Mas ento, o que nos permite falar de underground e mainstream como

    estratgias de consumo construdas pelas indstrias culturais? A sua natureza

    dependente das formas de armazenamento e distribuio miditica. Mesmo um gnero

    musical de circulao segmentada, como o Heavy Metal ou a msica eletrnica, vai

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    empregar estratgias de configurao miditica similares aos empregados num gnero

    musical mainstream como a msica popular urbana e embora esses subgneros no

    circulem no cinema hollywoodiano e na TV aberta, ele certamente impulsionado pelos

    webzines de Heavy Metal ou pelas comunidades de ouvintes de msica eletrnica na

    Internet. O fator que permite uma diferenciao mais clara de ambos o grau de

    distanciamento entre condies de produo e reconhecimento identificados no produto,

    pois uma boa parcela do que chamado independente ou underground no terreno

    musical est diretamente relacionado a uma aproximao entre suas condies de

    produo e reconhecimento, ao passo que o mainstream se caracteriza por possuir uma

    exacerbada distncia entre essas condies. No obstante essa diferenciao, tanto

    underground quanto mainstream so estratgias de posicionamento frente ao mercado

    fonogrfico e ao pblico.

    distncia entre esses dois plos varia de acordo com os diferentes processos de

    produo presentes na indstria fonogrfica, o que permite compreender, por exemplo,

    porque algumas bandas e intrpretes so reconhecidos como roqueiros ou autnticos

    antes de serem contratados por uma grande gravadora, mesmo que em seus lanamentos

    por essas gravadoras a sonoridade no sofra grandes alteraes. Estarem margem das

    presses homogeneizantes das indstrias culturais torna-se uma marca de identificao

    das expresses musicais com a ideologia de audio do underground, uma ideologia

    partilhada por todos os ouvintes desse tipo de msica. Ratificando essa afirmao,

    Solomon (2005), caracteriza o undergroundcomo uma competncia empregada para

    negociar prestgio e reconhecimento entre determinados grupos.

    A ttulo de exemplo, apresentamos dois casos intrigantes: o primeiro o da banda

    norte-americana Metallica, uma das bandas mais expressivas do Thrash Metal durante a

    dcada de 80 e que at hoje possui alto ndice de circulao na indstria fonogrfica.

    Durante o comeo da carreira, a banda adotou uma postura artstica e poltica

    condizente com a estratgia do underground. Roupas, composies, declaraes

    imprensa e o prprio selo de distribuio dos lbuns, o Vertigo, faziam da banda uma

    das mais representativas do gnero musical Heavy Metal. Contudo, quando a banda

    assinou com uma major8 e passou a empregar estratgias de consumo menos associadas

    ao undergroundo antigo pblico repudiou a produo afirmando que o Metallica havia

    8 Grandes gravadoras do mercado fonogrfico que exercem uma espcie de hegemonia na produo edistribuio dos produtos musicais.

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    se tornado uma banda comercial. Ou seja, o distanciamento obtido a partir da

    manipulao das condies de produo e reconhecimento se constituiu como fator

    fundamental na caracterizao da msica independente. A circulao justamente o

    espao diferencial entre os traos presentes como condies de produo e

    reconhecimento.

    O segundo caso o da banda nacional Los Hermanos, que embora circule pelos

    espaos da grande produo fonogrfica tem uma valorao sempre positiva no que diz

    respeito a sua imagem e identidade por se manterem fiis a chamada boa msica

    brasileira, resgatando influncias nacionais e manifestando publicamente

    descontentamento com a postura de outras bandas antolgica ocasio na qual um dos

    integrantes da banda foi agredido pelo vocalista da banda Charlie Brown Jr., por tercriticado uma propaganda feita para a Coca-Cola.

    possvel ento, lembrar que () na construo de um autor de texto para a

    msica popular massiva se fundem algumas combinaes da voz, do corpo, da imagem

    e de detalhes biogrficos (BRACKETT, 1995:2). No por acaso os atos performticos

    da msica popular massiva esto diretamente conectados ao universo dos gneros. Ser

    um astro do cenrio heavy metal ou da msica ax pressupe relaes com a audincia

    que seguem as especificidades miditicas e textuais dessas expresses musicais. Domesmo modo que uma cano ao mesmo tempo a msica e sua respectiva

    performance, a audincia no consome somente as sonoridades, mas tambm a

    performance virtual inscrita nos gneros miditicos.

    Nesse sentido, acredita-se que abordar os fenmenos musicais como

    manifestaes miditicas perceber como a comunicao da expresso musical, a

    cano, estruturada, mas no s em seus aspectos plsticos, como tambm em sua

    configurao miditica, uma vez que os limites que parecem separar aquilo que considerado pop da msica dita autntica , em muitos casos, uma questo de

    estratgias de produo e circulao. Ora, a distino entre os dois processos essencial

    para a compreenso do que vem a ser denominado, nesse artigo, de msica popular

    massiva.

    importante ressaltar que a articulao produo e reconhecimento aqui abordada

    implica a identificao de estratgias empregadas nesses processos de feitura,

    apropriao e circulao dos objetos culturais. Assim, as prticas musicais implicam oreconhecimento dos meios de comunicao como dispositivos tecnolgicos de

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    configuraes de mensagens, ligados a determinadas condies de produo e de

    reconhecimento dessas mensagens. Msica popular massiva est diretamente ligado ao

    formato cano e ao seu desenvolvimento a partir dos aparelhos miditicos, j msica

    pop pressupe uma srie de valores, ligados s especificidades das condies de

    produo e reconhecimento das chamadas grandes gravadoras e de uma certa

    acessibilidade das temticas e das sonoridades presentes em determinadas canes.

    Estudar essas diferentes formas de valorao e circulao da cano popular massiva

    uma forma de perceber como grande parte de nossas prticas culturais est diretamente

    vinculada configurao miditica de determinados objetos em seus aspectos plsticos

    e comerciais.

    4. ConclusesA msica que consumimos na cultura contempornea, como demonstramos, est

    indissociavelmente atrelada s redes miditicas de produo de sentido. Seja uma forma

    especfica como a cano, que se consolida no incio do sculo XX, aps as tecnologias

    de gravao e circulao, ou outras que permitem um tensionamento com esse modelo

    (como parece o caso da musica eletrnica ou mesmo o Rap) devem ser identificadas a

    partir de suas configuraes miditicas e isso legitima sua caracterizao como msica

    popular massiva.A partir dessas configuraes, identificamos duas estratgias primordiais de

    consumo da cano que asseguram um determinado pblico para aqueles produtos; uma

    estratgia de consumo amplo (mainstream) e uma de consumo segmentado

    (underground). Cada uma delas implica modos diferenciados de conferir valor a msica

    e ideologias de audio especfica que contribuem para o sentido final da cano. Nossa

    expectativa que essas reflexes contribuam para o desenvolvimento de uma

    metodologia de anlise que privilegie as configuraes miditicas dos produtos damsica popular massiva (como lbuns, videoclipes e canes) e para a compreenso que

    os estudos sobre msica oriundos do campo da Comunicao devem articular elementos

    plsticos e miditicos na investigao sobre o sentido dos produtos culturais

    contemporneos.

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