Música Independente no Brasil dos anos 90
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8/4/2019 Msica Independente no Brasil dos anos 90
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Msica Independente no Brasil dos anos 90 Revista de Cultura Vozes n. 1, ano
95, vol. 95, 2001 Vozes So Paulo
Msica Independente no Brasil dos anos 90
Eduardo Vicente1
Resumo: O texto procura oferecer um breve relato da produo musicalno Brasil centrado na atuao dos selos independentes e na sua relao
com as grandes gravadoras. Num cenrio em que a crescenteconcentrao econmica da produo musical faz-se acompanhar do
surgimento de novas e mais flexveis tecnologias de produo edistribuio, so analisadas as oportunidades que surgem para aampliao da participao destes selos no conturbado mercado nacional.
Nas pesquisas de vendagem de discos realizadas pelo Nopem em
junho desse ano, duas produes de gravadoras independentes figuravam
entre as 50 mais vendidas2: o lbum Jorge Arago ao Vivo, de Jorge
Arago, ocupava o 1 lugar em So Paulo e 2 no Rio, j Morango do
Nordeste, de Lairton & seus Teclados, colocava-se em 18 lugar em SP e
em 23 no RJ. O lbum de Jorge Arago saiu pela Indie Records, empresa
sediada no Rio e responsvel ainda pelo sucesso de artistas e bandas como
Vinny, LS Jack e Lbano3. J o CD de Lairton saiu pela Gema, uma
gravadora paulistana voltada exclusivamente para o que eles prprios
1 Eduardo Vicente graduado em Msica Popular e mestre em Sociologia (pela Unicamp). Realiza,atualmente, doutorado em comunicaes na ECA/USP sob a orientao do Prof. Waldenyr Caldas.
2 O Nopem um instituto de pesquisas voltado exclusivamente para o mercado fonogrfico. A empresafoi fundada em 64 e suas pesquisas so realizadas nos pontos de venda do eixo Rio-So Paulo, querepresenta aproximadamente 2/3 do mercado nacional de discos.
3 Tambm gravaram ou gravam pelo selo nomes como Luiz Melodia, Jerry Adriani, S & Guarabira,
Wando, Boca Livre e 14 Bis.
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definem como segmento brega romntico e que visa o mercado formado
pelas regies Norte e Nordeste do pas.
A importncia desses nmeros no deve ser menosprezada, poisse aideologia do ps-industrialismo aponta para a autonomia local, para a
individualidade do consumidor, a dinmica econmica revela outros
aspectos... No lugar da fragmentao, observa-se uma crescente
concentrao das firmas, e concentrao significa controle4. O caso da
msica exemplar. Atualmente, apenas 5 grandes gravadoras controlam
aproximadamente 80% da msica veiculada em todo o mundo5. So elas:
Universal Music, Warner, EMI, BMG e Sony. Alm disso, essas empresas
no so, com exceo da EMI, apenas gravadoras, mas apndices de
gigantescos conglomerados transnacionais de comunicao que abrangem
reas como televiso, cinema, rdio, editoras e, em casos mais recentes, a
Internet, satlites e sistemas de difuso por cabo. A gravadora Warner
expressa bem essa tendncia. O grupo do qual faz parte6 fundiu-se em
janeiro deste ano com a America On Line (AOL), maior provedor mundial
de Internet. Da fuso surgiu o maior grupo de comunicaes do mundo,
que alcanar com suas publicaes, canais de TV e Internet, 160 milhes
de americanos, mais da metade da populao daquele pas7.
4 ORTIZ, R. Mundializao e Cultura: So Paulo, Brasiliense, 1994, p. 163.
5
SPELLMAN, Peter: Merger Mayhem? The Upside to a Downsize, Music Business Solutions,http://www.mbsolutions.com/ art3.html, 1999
6 Alm da gravadora e editora musical fazem parte do grupo, entre muitas outras empresas, editoras comoTime-Life Books; estdios cinematogrficos como Warner Bros. (75%), Castle Rock Entertainment eNew Line Cinema; empresas de televiso por cabo e satlite como CNN, Superstation, TNT, CartoonNetwork, HBO (75%); o Clube de CDs Columbia House (50%, em associao com a Sony) e revistascomo DC Comics, Fortune, Life, People e Time conf. YDICE, G, La Industria de la Musica en elMarco de la Integracin Amrica Latina Estados Unidos: Conferncia apresentada no seminrioIntegracin Econmica e Industrias Culturales en Amrica Latina y el Caribe, Buenos Aires, jul/98.Texto fornecido pelo autor
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tambm a 4 maior empresa do mundo, conf. Revista Veja, Edio 1 632 -19/1/2000
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O fato de duas gravadoras nacionais e no ligadas a nenhum grupo de
comunicaes terem conseguido colocar lbuns entre os mais vendidos do
pas mostra, a meu ver, que importantes modificaes parecem estarocorrendo na esfera da produo e distribuio de msica. sobre elas que
este texto procurar refletir.
A esfera da produo
Tornou-se tradicional, dentro da contexto da indstria fonogrfica, a
classificao das gravadoras em majors ou indies. So chamadas majors as
grandes gravadoras que controlam o mercado internacional de msica. No
s as cinco j citadas esto representadas no pas, como dividem o mercado
com duas outras majors nacionais: a Som Livre (das Organizaes Globo)
e a Abril Music (criada em 98 como brao fonogrfico do Grupo Abril). As
estratgias de ao dessas empresas derivam, claro, dessa sua integrao a
grandes grupos de comunicao, podendo ser assim sintetizadas:
1. Sua divulgao baseia-se na estratgia do blockbuster, ou seja, na
inverso de grandes somas para a promoo macia de poucos
segmentos e artistas. Seus trabalhos so integrados em diferentes
formatos como filmes, telenovelas, videoclipes, programas de TV, sites
da Internet, etc.
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2. Tendem a terceirizar sua produo (uma possibilidade aberta pelo uso
das tecnologias digitais8) e contratar apenas artistas j testados no
mercado por intermdio de indies.
3. Para a distribuio dos seus produtos priorizam as grandes superfcies
(supermercados e magazines) que favorecem o consumo macio em
detrimento das pequenas redes e lojas especializadas9.
4. Utilizam-se fortemente da inovao tecnolgica para a alavancagem de
suas vendas, recorrendo constantemente ao relanamento dos
gigantescos catlogos musicais que possuem em novos formatos de
distribuio (como o CD, o DVD, o MP3, etc).
Indies o modo pelo qual so denominadas as gravadoras (no
necessariamente de pequeno porte) no ligados a grandes grupos
econmicos. Como regra geral, os caminhos disponveis para a sua atuao
so:
1. Trabalhar visando a prospeco de novos artistas e sua promoo em
mercados locais para posterior repasse s majors.
2. Trabalhar em associao direta com as majors, que se encarregam da
divulgao e distribuio de suas produes. O selo MZA, por exemplo,8 Tratei do tema das tecnologias digitais de produo musical e da terceirizao da produo em minhadissertao de Mestrado no publicada "A Msica Popular e as Novas Tecnologias de Produo Musical:uma anlise do impacto das tecnologias digitais no campo de produo da cano popular de massas ",Campinas, IFCH/Unicamp, 1996. Tambm abordo o tema no artigo A Indstria Fonogrfica nos Anos90: elementos para uma reflexo, In: Arte e Cultura da Amrica Latina: vol VI, n 2 (2 semestre de1999) Sociedade Cientfica de Estudos da Arte CESA 1999, p: 71-96
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Sendo o comrcio eletrnico de CDs e de msica digitalizada a grande tendncia do mercado atual.
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funciona como uma espcie de joint venture da Universal Music que
lana todos os trabalhos por ele produzidos10. A prpria Indie Records
conta, atualmente, com distribuio da Universal.
3. Operar de forma completamente independente das majors, mas apenas
em segmentos por ela desprezados ou em mercados regionais onde os
custos de divulgao e as dificuldades de distribuio so menores11.
Entendo que o quadro aqui exposto mostra existir uma certa
complementaridade entre as atividades de majors e indies. Uma diviso do
mercado moldada pela forma de atuao das grandes gravadoras e, por
isso, necessariamente desigual que determina em boa medida os espaos
e a estratgia de atuao das indies. Num primeiro olhar, os dois selos
independentes que citei no incio desse texto enquadram-se perfeitamente
nessa ecologia da produo musical. A Indie Records, como j vimos,
distribuda pela Universal Music e a Gema opera dentro de uma regio e
em um segmento bem definido, mantendo circuitos de distribuio e
divulgao baseados em pequenas lojas do interior e rdios comunitrias.
Porm, o movimento da Gema para fora de seu nicho e o sucesso de um
artista da Indie superando os da prpria major que a distribui parecem
denotar o surgimento de rudos na engrenagem da indstria, de desafios
ao slido controle que as majors exercem atualmente sobre mercado
musical.
10 O selo pertence ao produtor Marcos Mazzola, e entre os artistas que lanou esto Chico Csar, RitaRibeiro e Zeca Baleiro.
11 Podem ser citados como exemplos destas estratgias os selos Visom (RJ) eNcleo Contemporneo (SP)que atuam na rea de msica instrumental; o MCD e o Azul Records (ambos de SP) na New Age e naWorld Music; oJWSe o Kaskatas no rap; o Outros Brasis, centrado na msica e no mercado da regio
Norte do pas (principalmente o Par) e oACIT, dedicado msica regional gacha.
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Os rudos na distribuio
Uma condio fundamental para o sucesso da estratgia de atuaodas majors a da manuteno do seu controle sobre as instncias de
distribuio e divulgao musical. Estes, porm, so setores que enfrentam
no momento grandes turbulncias. De um lado, o surgimento nas ltimas
dcadas de um amplo nmero de TVs e rdios locais possibilitou a criao
de circuitos de divulgao que favorecem uma maior regionalizao dos
padres de consumo simblico, reduzindo a influncia exercida pelas
grandes redes de mdia. Temos, nesse contexto, a formao de circuitos
locais de msica como a do forr eletrificado de Fortaleza, do mangue beat
recifense e do rap da periferia de So Paulo, entre outros12. Tambm a nvel
mundial, tanto a distribuio quanto a divulgao foram tumultuadas
recentemente pelo surgimento e popularizao do MP3, um formato de
digitalizao de udio que viabilizou a circulao de msica gravada
atravs da Internet13 e abriu, assim, a possibilidade para a cpia e
transmisso ilegal de msica pela rede. Pesquisa da RIAA constatou que
as vendas de discos entre os jovens de 15 a 24 anos diminuiu de 32,2% em
96 para 28% em 98. E... essa queda est relacionada ao MP314. Mais do
que incentivar a pirataria on line, acredito que o MP3 desafie a indstria em
pontos ainda mais sensveis. Em primeiro lugar, abre novas perspectivas de
divulgao e distribuio para artistas e selos independentes, o que j pode
12 Vale ressaltar que, no caso de Fortaleza, grande parte da cena musical encontra-se sob o controle doempresrio Emanuel Gurgel, que proprietrio de bandas, rdios, forrdromos e do selo Som Zoom oque mostra que mesmo nestes circuitos locais a concentrao econmica pode se fazer presente.
13 Isso ocorreu em funo do MP3 que surgiu como uma consequncia do desenvolvimento do DVD gerar arquivos muito menores do que os obtidos atravs do formato anteriormente usado, o WAV.
14 Prepare-se: a indstria comeou o contra-ataque on line, jornal Folha de So Paulo, 22-07-99. Porm,como se trata de um contra-ataque e a RIAA a associao que congrega as grandes gravadoras norte-
americanas, acho que devemos tomar com reservas as estatsticas apresentadas.
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ser constatado em diversos sites nacionais e internacionais15. Em segundo,
abre a possibilidade para que artistas que se projetaram internacionalmente
no mbito da grande indstria passem a considerar a hiptese de adotar aproduo e distribuio independentes, aumentando assim o controle sobre
sua carreira16.
Alm do MP3, as oportunidades para a venda direta de CDs abertas
pela Internet esto criando importantes vias alternativas de distribuio
para as gravadoras de menor porte. Atualmente, at as bancas de revista
passaram a ser utilizadas como vias alternativas de distribuio17.
.........................................
O maior espao de atuao aberto por estes fatores talvez esteja
levando a um nvel inusitado de articulao dos selos independentes do
pas. Significativa neste processo foi a criao, em 1999, da AMI -
Associao dos Msicos Independentes. Seu objetivo o de unificar as
estratgias de divulgao e distribuio dos selos, bem como aumentar seu
poder de negociao junto a fornecedores. Ainda cedo, no entanto, para
avaliar que impacto sua criao ter sobre o mercado no sentido de um
maior equilbrio entre majors e indies18. Outro fato que merece destaque o
da transformao da tradicional gravadora Eldorado em distribuidora.
Embora essa tenha sido uma deciso movida por razes exclusivamente
15 Dentre os nacionais destacowww.mp3clube.com.bre www.imusica.com.br
16 Prince (ou o artista que um dia foi conhecido por Prince) faz largo uso da internet em sua condioatual de artista independente.
17 Esse expediente foi usado por Lobo em seu ltimo trabalho, o independente A Vida Doce, bemcomo para todas as produes do selo Panela Records, de Pierre Aderne.
18 A AMI j est representada junto ABPD (Associao Brasileira dos Produtores de Discos), que
congrega as principais indstrias do pas. Entre os envolvidos em seu projeto esto os selos Visom, MCD,Ncleo Contemporneo e Pau Brasil, alm dos produtores Edson Natale e Pena Schmidt.
7
http://www.mp3clube.com.br/http://www.mp3clube.com.br/http://www.mp3clube.com.br/http://www.imusica.com.br/http://www.mp3clube.com.br/http://www.imusica.com.br/ -
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mercadolgicas, pode estar abrindo novas possibilidades de distribuio
para os selos menores. A proposta da Eldorado atender um mercado hoje
desprezado pelas majors, chegando a praticamente todas as lojas de discosdo pas. A Eldorado distribui, atualmente, por volta de 40 selos, todos
independentes e de pequeno porte.
Bibliografia
IFPI, The Recording Industry in Numbers 99: the definitive source of
global music market information, London, IFPI, 1999.
ORTIZ, Renato, Mundializao e Cultura, SP, Brasiliense, 1994
PETERSON, Richard e BERGER, David G. - "Cycles in Simbol
Production: the case of popular music"In: American Sociological Review,
1975, vol. 40 (april)
SPELLMAN, Peter. Merger Mayhem?The Upside to a Downsize, Music
Business Solutions, http://www.mbsolutions.com/ art3.html, 1999
YDICE, George. La Industria de la Musica en el Marco de la
Integracin Amrica Latina Estados Unidos: Conferncia apresentada no
seminrio Integracin Econmica e Industrias Culturales en Amrica
Latina y el Caribe, Buenos Aires, jul/98. Texto fornecido pelo autor
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