Museu Municipal de Vila Franca de Xira 21 de setembro’13 a ... · Segundo ele, Lisboa «não...

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Uma vida para os outros. Um percurso de vida. Museu Municipal de Vila Franca de Xira 21 de setembro’13 a 26 de janeiro’14

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Uma vida para os outros.

Um percurso de vida.

Museu Municipal de Vila Franca de Xira21 de setembro’13 a 26 de janeiro’14

VASCO MONIZ. Um percurso de vida. Uma vida para os outros.◄ 3

No ano em que se assinala o centenário sobre o nascimento do Pa-dre Vasco Moniz, é uma honra podermos levar até junto da popu-

lação a exposição biográfica “Vasco Moniz. Uma vida para os outros. Um percurso de vida”, projeto que se encontra integrado num con-siderável programa de comemorações, e que resulta de uma vasta e apurada investigação levada a cabo por um assinalável conjunto de ci-dadãos que por diversas razões, quer ideológicas, quer religiosas, quer políticas, quer ainda humanistas ou históricas, encontraram na figura do antigo pároco de Vila Franca de Xira motivo bastante para a união de esforços em torno da homenagem a um homem que a ninguém deixou indiferente, e que com a sua coragem, esforço e empenho em muitos deixou para sempre o cunho de uma vida feita para os outros.

Nascido em Goa, em 22 de outubro 1913, o Pe. Vasco Moniz foi pá-roco em Vila Franca de Xira durante 33 anos, atividade à qual viria

a juntar as de professor, pedagogo, jornalista, cidadão e, mais tarde, deputado constituinte (1975).

Mobilizado por uma luta sem cedências contra a fome, a miséria e todo o tipo de injustiças sociais (viessem elas de onde viessem), o

Pe. Vasco Moniz insurgiu-se, fez erguer a sua voz, mas também uma vasta obra, da qual, e apenas a título de exemplo damos conta do Cen-tro de Assistência Social Infantil (C.A.S.I.), instituição onde tantos e tantos encontraram o pão de cada dia, a instrução e o abrigo necessá-rios a um novo rumo de vida.

Em 1977, a seu pedido, recebe a dispensa das obrigações das or-dens sacras, tendo nesse mesmo ano contraído matrimónio com

Maria Fernanda. Após a conclusão de uma licenciatura em Filologia Românica dedicou-se ao ensino. Morreu em 29 de novembro de 1988, sempre embrenhado na sua reflexão em torno das questões sociais, políticas e religiosas. Vila Franca de Xira, não poderia deixar passar este momento que é de evocação, relembrando a sua obra, a sua pes-soa, mas, acima de tudo, a forma como viveu para os outros.

A Presidente da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira

Maria da Luz Rosinha

4 ► VASCO MONIZ. Comemorações do Centenário do Nascimento. VASCO MONIZ. Um percurso de vida. Uma vida para os outros.◄ 5

VASCO FRANCISCO DO ROSÁRIO MONIZ

Vernã (Goa), 22-10-1913 - Vila Franca de Xira, 29-11-1988

Há cem anos atrás, em Goa, o estado mais pequeno da União Indiana, nascia Vasco Moniz. Goa era, nas suas palavras, um “pontinho branco” que, por oposição à “borbulha” que desfi-

gurava o rosto da “Mother India” de Nehru1, embelezava o rosto moreno deste país. A história de Goa remonta a um período que se situa entre 20.000 e 30.000 anos a.c.. O seu ter-ritório foi cobiçado pelos mais variados povos, ao longo dos séculos. Quando os portugueses lá chegaram, em 1498, eram aquelas terras, desde o século XIV, dominadas pelos árabes. Em 1510, após uma primeira derrota, Afonso de Albuquerque massacrou o adversário e deu inicio a um período que se prolongou até 1961.Vernã, terra natal de Vasco Moniz, situa-se no concelho de Salcete. A região foi cristianizada pe-los frades franciscanos, processo mais tarde concluído pelos jesuítas. Nos anos 30 do século XX, a população era ainda maioritariamente cristã. Se é verdade que, inicialmente, os portugueses foram tolerantes para com o hinduísmo (enquanto que os muçulmanos foram sempre persegui-dos), a partir de 1540, sob a influência da Contra Reforma, essa tolerância desapareceu. Com a chegada da Inquisição a Goa, em 1560, muitos templos hindus foram destruídos. No seu lugar, foram construídas igrejas. Salcete foi mesmo o território «onde se travaram mais perseguições anti-hinduístas»2.

O Padre Moniz, ainda na sua fase tridentinista, só conseguia ver as virtudes da presença portugue-sa. Segundo ele, Lisboa «não mandou queimar em piras o “Mahabharata” e o “Râmayana” para nos ensinar o Evangelho e “Os Lusíadas”. «No goês, as grandes virtudes naturais exaltadas pelos épicos indianos foram sublimadas pelo Evangelho e por Os Lusíadas»3.

A estratégia de Afonso de Albuquerque não passou, exclusivamente, pela força e pela diplomacia. Uma outra vertente do seu governo foi, por um lado, manter as hierarquias sociais baseadas no sistema de castas, o que facilitou as conversões em massa de vilas inteiras e, por outro lado, fo-mentar a miscigenação, via casamentos de portugueses com mulheres indígenas, com o objectivo de “criar uma raça luso-indiana”.

Esta aculturação forçada acabou por dar os seus frutos ao cabo de várias gerações. Não espanta pois que o Padre Moniz (totalmente convencido da bondade da ideologia ultramarina estadono-vense) afirmasse que Albuquerque conquistou o território indiano, mas a sua alma, essa, foi-lhe oferecida generosamente pelos goeses como prémio do seu tino administrativo, e «desde então, Lisboa pôde dizer de Goa: carne da minha carne, pedaço da minha alma! 4

Nós, os goeses, representamos o abraço afectuoso do Ocidente ao Oriente. Coube a Portugal a glória de ter criado esse tipo antropológico tão rico e tão original.Daí, a admiração que sempre tive por Salazar, homem em quem se encontram, consubstanciadas, todas as qualidades de estadista ocidental: the right man in right place, nunca me impediu de admirar Nehru, pois também via nesta a estrutura moral e intelectual necessária a um governante oriental.5

Foi naquelas longínquas terras, no continente asiático, que, em vésperas da I Guerra Mundial, no seio de uma família católica numerosa e de recursos acima da média, nasceu aquele que, vinte e sete anos depois, a ironia do destino traria a Vila Franca e por lá ficaria para sempre.Filho de Caetano Joaquim Ravasco da Piedade Moniz e de Maria Clotilde Arminda Gonçalves Mo-niz, o pouco que sabemos da infância de Vasco Moniz é-nos relatado pelo próprio:

Nós somos ou éramos oito irmãos. Eu sou o ante-penúltimo. Eu e os últimos dois formávamos um grupo etário muito unido mas muito distanciado do resto. Tínhamos o nosso mundo. Volta-não-volta, andávamos, os três, envolvidos em “batalhas”, umas a sério, outras a brincar. Aquilo era dar e levar! Acontecia, às vezes, que uma irmã minha, dois anos mais velha que eu, se metia também na refrega. Está claro: dava e levava pela tabela! Então aparecia a tia, toda conse-lheiral, mas muito “abstracta”. E em vez de ralhar com todos, ralhava era só comigo: E tu, Vasco, não tens vergonha nenhuma! Já te disse tantas vezes que numa menina não se bata nem com uma flor!6

O Padre Moniz com dois irmão, cunhadas e um sobrinho7

Após a instrução primária, ingressou no seminário jesuíta de Rachol situado no norte do distrito de Salcete. A cons-trução deste seminário iniciou-se em 1580 e, rapidamente, ganhou grande desenvolvimento sendo a par do Co-légio de São Paulo de Velha Goa uma das mais prestigiadas instituições da cristandade no Oriente(…). Teve uma das primeiras tipografias da Ásia e na sua escola de Teologia formaram-se alguns dos mais brilhantes sacerdotes da Índia. Também foi uma das primei-ras instituições académicas a dedicar--se ao estudos das línguas indianas.8 O seminário detém hoje em dia uma das maiores bibliotecas em Goa, com um grande acervo de documentação sobre Portugal.

Em 1937 foi Moniz ordenado padre e, nesse mesmo ano, embarcou para Roma. Aí, em 1940, doutorou-se em Teologia Dogmática na Pontifícia Uni-versidade Gregoriana. Enquanto ali estudou, esteve alojado no Pontifício Colégio Português, instituição mantida pela Conferência Episcopal Portuguesa para alojar clérigos que, de Portugal ou de outras nações, são designados pelos seus superiores para frequenta-rem cursos superiores eclesiásticos.

Ao que parece, enquanto permaneceu em Itália, ganhou admiração pelo fun-

dador do fascismo e pelo próprio regi-me, cujas características estruturais o Estado Novo plasmou e que, certamen-te, também se fariam sentir em Goa: antimarxismo, rejeição da democracia, do liberalismo e do individualismo, de-fesa do estado autoritário, do partido único e do culto do chefe e afirmação de um nacionalismo exacerbado.

Na viagem de regresso à sua terra na-tal, ficou retido em Lisboa, devido aos efeitos da II Guerra Mundial, facto que mudaria radicalmente a sua vida. “Ven-do-se impedido de regressar a Goa, o padre Moniz solicitou ao Cardeal Ce-rejeira uma ocupação na metrópole”, tendo-lhe sido atribuída, a 17 de Ja-neiro de 1941, a paróquia de Vila Fran-ca de Xira da qual tomou posse a 9 de Fevereiro (até Outubro de 1974), substi-tuindo o padre António Antunes Abran-ches9, do qual passaremos a falar.

António Antunes Abranches (1913-2003), pároco de Vila Franca, durante 22 meses.

A PARóquIA Antunes Abranches foi um padre de transição. Veio substituir o padre José Dias Napolesim, que, entretanto, por problemas de ordem pessoal, foi afas-tado da paróquia. Ao cabo de 22 meses à frente das paróquias de Vila Franca e Castanheira do Ribatejo, foi Abranches para Lisboa tomar conta da paróquia de N. S. Fátima, onde permaneceu 50 anos. Tanto quanto sabemos , a coloca-ção do novo pároco em Vila Franca, foi, igualmente, uma solução de recurso, já que as razões que a motivaram eram conjunturais e, mal terminassem, Vas-co Moniz regressaria à Índia. Contudo, a sua integração foi de tal maneira que não voltaria a pisar solo goês. Era Mo-niz um jovem quando chegou. Tinha, apenas, 27 anos, a maioria dos quais passados nos bancos da escola e fazia parte de uma minoria étnica. Vila Fran-ca de Xira foi a sua primeira paróquia, sendo natural que não quisesse desa-pontar aqueles que em si confiavam. A paróquia que lhe foi atribuída não seria das mais fáceis para um homem sem experiência de vida. A realidade, po-rém, mostrou que tal desvantagem foi apenas teórica. Ao fim do primeiro ano, as suas «excelsas virtudes» já tinham conquistado «a simpatia e o respeito dos seus paroquianos», como reconhe-

6 ► VASCO MONIZ. Comemorações do Centenário do Nascimento. VASCO MONIZ. Um percurso de vida. Uma vida para os outros.◄ 7

A 8 de Dezembro de 1953, após cinco meses de obras, a igreja foi reaberta ao culto, com as respectivas cerimónias de inauguração. Simbolicamente, também nesse dia foi inaugurado o Bairro do C.A.S.I., na Costa Branca e celebrou--se o primeiro casamento de um pupilo daquela instituição – Joaquim Gomes de Sousa (o “Castanheira”) com Maria Lourdes Esteves.

O prestígio deste padre, vindo de longe, não parou de cres-cer, quer na paróquia, quer na diocese. Em 1958, recebeu a visita do Cardeal-Patriarca, que acompanhou a imagem peregrina de N. S. Fátima a Vila Franca, a 16 de Março e, por ocasião das suas Bodas de Prata Sacerdotais, em 1962, a paróquia e a autarquia prestam-lhe uma homenagem que contou com a presença do governador civil de Lisboa.

Visita a Vila Franca de Xira do Cardeal Patriarca de Lisboa Dom Manuel Gonçalves Cerejeira, acompanhando a imagem peregrina de Nossa Se-nhora de Fátima, em 1958.18

ce o jornal local: Sacerdote modelar – um verdadeiro pastor de almas – comparece sempre onde há lágrimas a enxugar, nos lares onde a doença entrou, nos locais onde é necessário o conforto para a dor e para o espírito. Muito lhe deve a Religião que ministra e muito lhe deve já o povo vila-fran-quense, apesar de ter decorrido pouco tempo da sua permanência nesta vila. São muitos os melhoramentos que, com a ajuda de alguns fieis, tem con-seguido para a igreja matriz. É grande amigo dos pobres que encontram nele um dedicado e desvelado protector.10

A paróquia deveria estar a passar por uma fase muito crítica. Independen-temente das qualidades individuais, que eram muitas, como veio a mos-trar, estes rasgados elogios de o Vida Ribatejana ao padre evidenciam algum marasmo, deixado pelo seu antecessor. Vários testemunhos o atestam.

Segundo Armando Dinis, Vila Franca tinha grandes problemas paroquiais. O padre anterior era maltratado11 pe-las gentes. (…) de início, o jovem padre era observado como uma coisa dou-tro mundo: além de negro12 – naquele tempo havia pouca gente de cor – era afoito. Encarava as situações difíceis como o campino enfrentava os toiros nas lezírias. Aos poucos, deixaram de apedrejar as pessoas e a Igreja e, com o auxílio de alguns cristãos, lá se foi impondo, com tacto e inteligência, conseguindo admiração e apoio, crian-do raízes.13

Segundo Maria Helena Rufino, o Padre Moniz quando chegou a Vila Franca não tinha ninguém na missa. A situação al-terou-se quando o seu pai, José Maria Ferreira Delgado, vereador da Câma-ra Municipal na presidência do major Nery, nos anos 40, impôs o descanso ao domingo14, hábito que não existia em Vila Franca de Xira. O descanso sema-nal ao domingo iniciou-se a 10 de Mar-ço de 194615.

Outro problema com que o padre Mo-niz se deparou prende-se com as con-dições do edifício da igreja. As más condições do edifício são históricas. É sabido que a actual igreja matriz não foi concebida para esse fim.

A primitiva igreja matriz de Vila Franca era uma construção do século XIV, si-tuada no local do actual CBEI, ex-CASI,que ruiu com o terramoto de 1755. As obras, adiadas ad eternum, nunca se fizeram e a solução temporária passou a definitiva. O edifício sofreu, ao longo dos tempos, obras de recurso. Em 1903, depois de umas obras de fundo, foi rea-berta com pompa e circunstância.

Festa de inauguração da igreja Matriz, em 1093.16

Mas, na verdade, houve problemas que nunca ficaram bem resolvidos, nome-adamente no telhado. Quando o padre Moniz chega a Vila Franca, a igreja está, de novo, a precisar de obras e não tem dinheiro para as fazer. Está muito dependente dos beneméritos ocasio-nais. A partir de 1944, todo o dinheiro angariado passou a ser partilhado com o CASI – que passou a ser prioritário. De qualquer modo, nos anos 50, foram realizadas «algumas obras de restauro e embelezamento», precipitadas pela «visita da Imagem da Nossa Senhora de Fátima», em princípios de 1953.

Segundo o padre Moniz, o estado cala-mitoso da Igreja Paroquial criou uma situação deprimente não só para os sentimentos religiosos dos fiéis, mas para o brio de quantos vivem em Vila Franca. As tarefas das obras realizadas incidiram sobre: 1) Altar-mór, sacrário de ferro, degraus; 2) Lambrim; 3) Pavi-mento do presbitério; 4) Arco do cruzei-ro; 5) Transepto (pavimento); 6) Altar do Sagrado Coração de Jesus; 7) Altar de Nossa Senhora de Fátima; 8) Instalação eléctrica; 9) Torre, campanário e sinos; 10) Cantarias no exterior da igreja; 11) Estuques; 12) Lambrim do Transepto; 13) Canalização de água e instalação sanitária. No total, a obra foi orçada em 79.800 escudos, incluindo 5 mil escu-dos para imprevistos. Os custos foram suportados, na sua maior importância, pelos fiéis, tendo os trabalhos sido exe-cutados pelos rapazes do C.A.S.I., diri-gidos pelos seus mestres.17 Bodas de prata do Padre Vasco Moniz, pároco de Vila Franca de Xira. O

homenageado é aplaudido pela população ao entrar nos Paços do Conce-lho. 18-11-1962.19

Em 1963, foi a vez do Estado Português agraciar o padre Moniz, desta feita com o “Grau de Oficial da Ordem de Be-nemerência” (9/1/1963). Voltando às obras de 1953, tudo leva a crer que as mesmas não passaram de uma “operação de cosmética”, revelando--se insuficientes. Em 1970, menos de 20 anos decorridos, o Boletim Paroquial denunciava a situação: A nossa igreja (templo) precisa de reparações. De contrário, não virá lon-ge o dia em que as pedras sejam ameaça para a cabeça dos crentes. O arquitecto já diagnosticou e deu conta disso à paróquia na missa do Pentecostes.20

A população cresceu. Vinte anos depois da chegada do pa-dre Moniz havia, em Vila Franca, mais 5.394 católicos, cor-respondentes a uma subida de 24,3%, entre 1940 e 1960.21 A igreja começou a ser pequena devido, não só a esta subida do número de fiéis, mas também pela necessidade de adap-tar o espaço às novas orientações do “Concílio Vaticano II” – aplicadas de imediato pelo padre Moniz.22 A liturgia mudou: o sacerdote passou a estar virado para o público; as línguas nacionais substituíram o latim nas missas. Estas alterações implicaram um maior envolvimento de todos23, uma nova forma de contacto com os fiéis, mais próxima, que implicou, também, um novo enquadramento geográfico, que o velho templo do século XVII já mal conseguia suportar.

Para a remodelação do tempo, a ideia era convidar Nuno Teotónio Pereira, que não pode aceitar o trabalho, devido a outros compromissos. Ainda visitou o local e indicou outro arquitecto – Duarte Nuno Simões. A parte técnica (estabili-dade e betão armado) foi elaborada pelo engenheiro Aquili-no Ribeiro Machado.

Termo de responsabilidade do engº. Aquilino Ribeiro Machado24

8 ► VASCO MONIZ. Comemorações do Centenário do Nascimento. VASCO MONIZ. Um percurso de vida. Uma vida para os outros.◄ 9

Ficará assim, por dentro o templo que temos de remode-lar, cujo projecto é da autoria do arquitecto Duarte Nuno Simões25

a que se dedicou de alma e coração. Até à dispensa de or-dens sacras – a 14 de Março de 1977 – o problema esteve sempre presente e passou ainda para o seu sucessor.

VILA FRANCA NOS ANOS 40Vila Franca era ( e é) uma terra de recortes paisagísticos bem diversos. Mas, nos anos 40, os contrastes sociais eram os que chamavam mais a atenção. A guerra acentuou as contradições entre uma parte da população que vivia mise-ravelmente e o grupo dos poderosos locais, que partilhavam o poder entre si – lavradores, comerciantes e alguns (pou-cos) industriais – todos com grandes preocupações sociais.

O Tejo, rio de grande navegabilidade, constituiu, desde a proto-história até meados do século XX, a grande “auto--estrada” da região. Foi desde esses tempos remotos o eixo condutor do estabelecimento [dos] primeiros aglomerados “urbanos”, implantados em áreas de ancoradouro natural e com facilidades a nível de fixação portuária onde se podiam escoar produtos, mercadorias e ideias.32

Até 1951, as ligações norte/sul ainda se faziam de barco, ha-vendo para o efeito algumas empresas de transportes flu-viais. O Padre Moniz já tinha dez anos de Vila Franca quando foi inaugurada a Ponte Marechal Carmona, obra que vinha a ser reinvindicada desde os anos 20.

Simultaneamente, o Tejo era o ganha pão de pescadores sa-zonais vindos da Murtosa e de Vieira de Leiria que, a pouco e pouco, se foram tornando sedentários, construindo os seus bairros à parte da restante população - uns, na margem di-reita da ribeira “barbas de bode”, outros, dentro dos barcos, primeiro e. depois, nas suas palafitas na borda d’água.

O Tejo constituía também uma fronteira natural entre duas paisagens distintas: as lezírias e os montes. Vila Franca fi-cou encravada entre o rio e o “Monte Gordo”, debatendo-se com problemas para crescer e circular.

Nas lezírias fazia-se a grande agricultura – ainda pouco mecanizada - e a criação de gado. A agricultura empregava grande quantidade de mão-de-obra em determinadas épo-cas do ano. Essa mão-de-obra era contratada na “praça”, junto ao cais.

Era ali que se resolviam os salários de toda a semana, se-gundo as tarefas que a lavoura exigia, assim como as horas de fumaças e de sesta. Se havia muita gente da vila e os ranchos tinham descido das Beiras, o preço baixava; se o trabalho era muito e escasseavam os braços, o pessoal pe-dia jornas mais altas.33

Na época das mondas do arroz e das ceifas, os trabalha-dores locais eram insuficientes para as necessidades e vi-nham “ranchos” de “gaibéus” e “caramelos”34aos magotes para os campos de Vila Franca.

Para o Campo vem gente todos os anos.

Gente submissa e alegre que aparece em bandos, como se a Lezíria fosse a terra da promissão. Gente só rica de ilusões e que não entende os ódios do pessoal da vila.

Os daqui já percebem, porém, que a chegada de mais bra-ços no mercado de trabalho lhes rouba o ensejo de fazerem valer os seus.

Os ranchos aparecem e eles submetem-se.35

Nos “montes” fazia-se uma agricultura mais modesta, onde a par de alguns (poucos) grandes lavradores, a maioria eram camponeses que praticavam uma economia de auto-sufici-ência e vendiam os seus excedentes no mercado local.

A indústria local tinha pouca expressão. Todavia, existiam alguns estabelecimentos industriais na vila. Destes desta-cam-se a fábrica de descasque do arroz e a fábrica da fiação de lãs. Em 1950, a população activa do concelho distribuía--se quase que equitativamente pelos três sectores: primário – 32%; secundário – 33%; e o terciário com 35%. Vila Franca era marcada, maioritariamente, pelo comércio. Os comer-ciantes constituíram, desde finais do século XIX, o grupo social mais influente e acabaram com o monopólio do poder dos grandes lavradores, durante a república.

Fábrica nacional de lãs – Rua do Curado36

No entanto, a partir de meados do século XX, a fisionomia do concelho começa a transfigurar-se. A seguir à II Guerra Mundial, começa a industrialização da região e as carac-terísticas demográficas alteram-se. A população residente de Vila Franca passa de 10.305, em 1940, para 14.459, em 1970, o que constituiu um aumento de 40,3% , crescimen-to este insignificante se o compararmos com o de Alver-ca, que, no mesmo período, teve um crescimento de 354%. Apesar de reduzido, o aumento populacional de Vila Franca de Xira causou alguns constrangimentos relativamente à

Constituiu-se uma “Comissão de Ampliação da Nova Igre-ja”. O pedido de licença para as obras deu entrada a 16 de Novembro de 1972. O orçamento foi estimado em três mil contos. Como consegui-los? A distribuição de mealheiros pelos membros da paróquia26 foi uma possibilidade. O Bole-tim Paroquial fez o balanço desta campanha: No 3º Domingo do Advento, realizou-se a recolha dos mealheiros – 3ª fase da campanha. Rendeu 141 contos, com os 430 apurados nas primeiras duas, temos em caixa 561 contos.27 Para come-çar, eram necessários 800 contos. Não sabemos como foram adquiridos. Sabemos que esse problema angustiava o padre Moniz:

Como homem, sinto-me possuído de angústia – pois, nes-te quase outono da minha vida, não é agradável enfrentar encargos que se prevê atinjam a casa dos dois mil contos. Mas como cristão, sinto também que, em mim, a angústia do homem é superada pela esperança do cristão. A espe-rança remoça o homem. Confio em Deus e no Povo de Deus. A beleza duma obra está na razão directa das dificuldades que ela encerra.

Durante os primeiros 20 anos da minha vida nesta paróquia, andei esmagado sob o peso das preocupações económicas do C.A.S.I. Andei com o C.A.S.I. em cima das minhas cos-tas, como o caracol anda com a sua casa em cima das suas. Para conjurar as permanentes crises que o oprimiam, fiz--me tudo: carpinteiro, serralheiro, tipógrafo, comerciante, agricultor… E não era a época dos padres operários! (…)Espero que os paroquianos compreendam este meu … “palmarés” e não me obriguem a trilhar novamente esse caminho pior que o de cabras…28

O padre Moniz não queria deixar a paróquia antes da conclu-são e pagamento das obras. No entanto, há neste caso algo de contraditório. A decisão de ampliar a igreja surge num período em que Vasco Moniz começa a não se sentir realiza-do na vida sacerdotal. Ou seja, a partir de meados da déca-da 60 começa a afastar-se da Instituição Eclesiástica até ao ponto da sua permanência se tornar penosa.29. Em carta ao Cardeal-Patriarca dá conta do seu estado de espírito:

(…)

Continuar na situação em que me encontro seria abanda-lhar-me aos olhos não apenas da comunidade religiosa mas também da comunidade civil. Mais ainda: seria aban-dalhar-me [perante os] meus próprios olhos – e eu não me resigno a isso.Voltar a exercer o ministério sacerdotal seria abafar a voz da minha consciência que não se conforma com o que se exige do padre, e exercer o ministério sacerdotal contra as exigências da consciência é impostura que certas habilida-des podem disfarçar mas nenhuma Fé religiosa pode des-culpar (abstenho-me de dizer o que pensa disso a comuni-dade civil consciente).A única coisa que pode libertar a minha consciência é o estatuto que peço para mim: o estatuto de cristão católi-co, isto é, o estatuto que me permita exercer os direitos e cumprir os deveres inerentes à condição de cristão católico – e eu, na situação em que me encontro, não posso exercer aqueles nem cumprir estes.Não tenho a mais ligeira saudade dos anos volvidos no exercício do ministério sacerdotal, pelo menos a partir do despertar da minha consciência para os valores que não tinham o direito de cidadania na Instituição Eclesiástica, e para o repúdio de certos valores que a Instituição consa-grou e ainda consagra e que não são senão contra-valores que muito têm prejudicado o homem.30

Dois assuntos – obras e resignação - que, à partida nada teriam em comum, acabaram por se cruzar.

Era desejo meu comunicar a V. Eminência a minha resolu-ção [desejo de passar ao estado laical] há mais tempo, mas as obras de ampliação da Igreja não mo permitiram. Elas ainda não estão concluídas: encontram-se em vias de con-clusão. Mas o meu sucessor não terá preocupações com os encargos das mesmas, pois a importância mais ou menos prevista para as cobrir está realizada, embora com grande sacrifício meu.31

O padre Moniz, apesar da sua decisão, esteve sempre em-penhado em terminar aquilo que começou, mas as obras transformaram-se numa grande preocupação pela qual não merecia ter passado, depois de 33 anos à frente da paróquia

João Duarte, “Praça da Jorna”, 2013, conjunto escultórico em bronze.

10 ► VASCO MONIZ. Comemorações do Centenário do Nascimento. VASCO MONIZ. Um percurso de vida. Uma vida para os outros.◄ 11

falta de habitação. Começaram, então, a surgir novos bairros na periferia: Bairro da Mata, Bom Retiro, Quinta do Paraíso, etc.

Os níveis de instrução eram baixíssi-mos. Em meados do século, mais de metade da população ainda não sabia ler: em 1940, existiam 55,7% de analfa-betos e, em 1950, 53,5%. Conscientes deste grande handicap dos seus con-terrâneos, um grupo de jovens, ligados à Secção Cultural da UDV, desenvolve-ram algumas campanhas de alfabeti-zação, em 1969, aplicando o método de Paulo Freire. Outros, como Carlos Cruz e Rosalina Pinho, utilizaram as salas de aula do CASI para o mesmo efeito.

Apesar desta “vergonha nacional”, na década de 30, chegaram a existir três jornais: O Vida Ribatejana (f. 1917), o Mensageiro do Ribatejo (1930-1941), e, em 1936/37, numa fase mais fasci-zante do regime, durante a Guerra Civil de Espanha, o Ribatejo (1936-37), que detinha um carácter mais ideológico. É também neste contexto de analfabe-tos que começará a dar os primeiros passos um dos movimentos literários mais marcantes do século XX – o neo--realismo. O “Grupo Neo-Realista de Vila Franca” constituiu-se em 1937-

38 e teve como veículo o Mensageiro do Ribatejo. Segundo Garcez da Sil-va a presença de semanários em Vila Franca, representando duas correntes opostas, correspondia a um ambiente de confronto político, num período que vai da segunda metade dos anos 20 até princípios da década de 40.37

Os tempos livres eram animados pe-las várias colectividades de cultura, desporto e recreio locais. A nível des-portivo, a população dividia-se entre o “Operário” e o “Águia”, grandes rivais. Na década de 50, o hóquei começa a tornar-se uma modalidade muito po-pular em Vila Franca, com a construção do Ginásio do CASI. As bandas também rivalizavam e dividiam a população en-tre os fãs do “Ateneu” e os da “Socieda-de União Musical”, que, por seu turno, realizava bailes todos os fins de sema-na. As classes mais altas frequentavam o “Clube Vilafranquense”, que lhes pro-porcionava bailes pelo Carnaval e Ré-veillon. Existia ainda uma sala de jogo e uma sala de teatro. Por aí passaram algumas das melhores companhias nacionais, para além do próprio grupo do clube.

As primeiras bibliotecas também per-tenciam às colectividades. A do Giná-

sio Vilafranquense viria a constituir o núcleo a partir do qual se constituiria a Secção Cultural da UDV, em 1957. A biblioteca municipal só foi fundada em 1947. Para esta fundação, foi consti-tuído um grupo dinamizador, do qual fizeram parte Vidal Baptista, Raul de Carvalho e, entre muitos outros, o Pa-dre Moniz. Tratava-se do “Grupo de Amigos de Vila Franca” (1945).

Quando o Padre Moniz chegou a Vila Franca, encontrava-se na presidência da Câmara José Van Zeller Palha, per-sonagem poderosa e de grande prestí-gio, com acesso ao poder central. Foi ele um dos grandes interpretes das orientações político-ideológicas do Es-tado Novo. O Padre Moniz encontrou no então Presidente um forte aliado (ou/e vice-versa). Sem Van Zeller e, obvia-mente sem outros, não teria sido pos-sível a realização da obra levada a cabo pelo reverendo.

Contrastando com este panorama ha-via a rua, a “Barroca”, o bairro da lata que espelhavam uma outra realidade bastante diversa.

Com os recortes literários que lhe são próprios, Alves Redol descreve as zo-nas pobres da vila:

Pela aba doce de um dos montes que encastoam o burgo escorre a parte mais velha do povoado, como se fosse a lava de um vulcão de fedor e de ruína. Ali se vêm acoitando, há mais de quatrocentos anos, os habitantes pobres, que não têm donde lhes venha, a não ser do braço. É um labirinto de ruelas e travessas, com tugúrios sem pulmões nem altura, amontoados pelo improviso dos trolhas e pela sovinice dos senhores da terra, uns e outros incapazes de conhecerem uma letra do tamanho de um boi, quanto mais quaisquer regras que os aconselhas-sem a prever o futuro.Aferrados à vida que então se vivia, já aqueles casebres lhes pareciam palácios ao pé das choças e as minguadas passadeiras de pedra mais do que espavento-sas avenidas de cidade, em comparação com os carreiros por onde viajavam fora das povoações.O futuro para eles era o presente – a mesma ronceirice, com os senhores a des-locarem-se, levados pelas bestas de sela ou de tiro, e os vilões sempre à pata, como os asnos e os mulos; e lá muito de vez em quando um carro tirado por junta de bovinos, a que o boieiro cantava para animar a marcha gingada e sorna.Os dejectos saíam pelas janelas e escorriam pelas ruas, até ao dia em que o pro-gresso inventou uma carroça para os recolher.(…)O bairro que se chama das Virtudes, sem que se alcancem as razões do nome, é uma espécie de estrumeira da vila, onde as doenças e as ratazanas passeiam como em casa própria.38

Em 1938, a Vida Ribatejana referia-se à mendicidade nas ruas da vila nos se-guintes termos:

Não se poderia pôr cobro a este mal e também a outro mal que nos pare-ce ainda mais degradante: o consenti-mento de que crianças andrajosas, em cujos rostos se denota a fome e a do-ença – por aí andem a pedir esmola? Fazem estes infelizes seu quartel ge-neral na estação do caminho de ferro ou nos locais onde param as camione-tas das carreiras. Este facto amesqui-nha o bom nome de Vila Franca.

Não seria possível dar-lhes de comer e aos seus? Socorrer estas pobres crianças, cujo futuro já se antevê se as não ampararem?

Está por criar nesta terra uma obra que venha acudir a essas infelizes crianças, essas e outras, que aí não têm a menor sombra de protecção.

Para as autoridades e para os cora-ções generosos apelamos.39

Com a guerra a situação agravou-se. O tema é recorrentemente abordado nas páginas do hebdomadário local, sem qualquer referência ao conflito. Nas vésperas do Natal de 1940, constituiu--se um grupo pedindo auxílio para os pobres.

Muitos são aqueles em que não se passa um dia sem que a fome os visite! Muitos são aqueles que à fome juntam a miséria de não terem uma cama para dormir, um cobertor para se agasa-lhar! E muitos são também os que não têm pão, não têm agasalho e não têm

casa e…vivem em furnas, em barra-cas, como se fossem animais.40

Apesar da existência de grupos cuja finalidade se atinha no combate à mi-séria na terra, a indiferença de muitos também era constante. O próprio admi-nistrador do concelho – major Joaquim Delgado – se lamentava do desinteres-se desses muitos que poderiam auxi-liar os pobres da sua terra [e] fecham os ouvidos e o coração às necessida-des dos seus infelizes contemporâne-os que só da caridade vivem e a essa onda de crianças miseráveis que por [lá se vêem] assaltando os passagei-ros das camionetas das carreiras e os dos agora muito raros comboios ou [batendo] às portas, esqueléticos, fa-mintos, a [pedirem] comer.Contam-se às centenas, em Vila Fran-ca, os desgraçados que têm necessi-dade de auxílio de pão, de agasalhos, de remédios – e também de instrução e educação.Infelizmente é esta uma [verdade] cruel, uma dura realidade.41

Na realidade, as condições de vida degradaram-se até à exaustão: devido a baixos salários, à carestia da vida, à falta de e/ou má qualidade dos géne-ros de primeira necessidade, açambar-camentos e racionamento do pão (bem como de outros produtos). Face a isto, tornava-se muito difícil compreender a continuidade das exportações de vol-frâmio e alimentos para a Alemanha. Portugal e, em particular, a região do Ribatejo, entrarão numa vaga de des-contentamento cada vez mais genera-lizado, o qual virá a desembocar nas greves de Maio e Junho de 1943 e a 8 e 9 de Maio de 1944. Os trabalhadores em greve organizaram duas marchas – marchas da fome: Uma delas, reunida a partir de Alhandra, e com predominân-

cia do operariado da vila, que tomou a Estrada Nacional para Norte, em direc-ção a Vila Franca de Xira. Uma outra, formada sobretudo por trabalhadores rurais, embora dirigida pelos operários das fábricas alhandrenses.

A resposta do poder não se fez espe-rar. Às cargas policiais seguiram-se as prisões – as Praças de Touros de Vila Franca e do Campo Pequeno passaram a funcionar como episódicos campos de detenção, sob a vigilância da GNR, onde agentes da PVDE se dirigiram para as subsequentes triagens, ante-cedidas por interrogatórios e não raro, por agressões. Por outro lado, alguns dos dirigentes fabris que se tinham revelado mais permeáveis às reivin-dicações dos trabalhadores estiveram detidos vários dias no Governo Civil de Lisboa, e muitos dos grevistas aprisio-nados – por 40 e mais dias – não volta-ram a ser readmitidos nos seus pos-tos de trabalho, por ordem expressa do governo. Finalmente, foi decretado encerramento das fábricas, por prazos diversos.42 Tal aumentou ainda mais a miséria de algumas famílias.

Vila Franca “progrediu”, mas a miséria não desapareceu. A conclusão da cons-trução da Ponte Marechal Carmona, inaugurada em 1951, satisfez um dos maiores desejos das populações riba-tejanas. Contudo, deixou em Vila Fran-ca, muitos desempregados sem meios para uma vida digna. Em 1956, o Padre Moniz referia-se a este novo flagelo so-cial nos seguintes termos: A ponte dei-xou uma “chaga” muito fedorenta em Vila Franca.(…) uma chaga muito séria que mina a saúde física e moral de Vila Franca. É o bairro da lata que as en-tranhas da Ponte geraram como fruto abortivo. É a medonha Pedra Furada…

Em tempos falei das furnas do Monte Gordo. Mas o bairro da lata que a Ponte deixou – e queira Deus que não seja para sempre – ultrapassou as furnas. As tocas do Monte Gordo já não despertam a nossa atenção, simplesmente porque outro valor mais alto se levantou…Não contei as barracas desse acampamento. Mas não é preciso contar as barra-cas para se poder contar a sua miséria material e moral.43

Os exemplos citados parecem ser sufi-cientes para se perceber o tecido social da paróquia que o Cardeal Cerejeira lhe atribuiu. Perante contrastes tão evi-dentes, era impossível ficar indiferente. Instalado na Pensão Ribatejana, o pa-dre Moniz “comprou” isto é, teve faci-litado o acesso a um lugar privilegiado para observar o que se passava no lar-go da estação.

12 ► VASCO MONIZ. Comemorações do Centenário do Nascimento. VASCO MONIZ. Um percurso de vida. Uma vida para os outros.◄ 13

O CASI

É neste contexto que vai nascer o Centro de Assistência Social Infantil (CASI). Para a sua concretização, o Pa-

dre Moniz contou com muitos apoios das forças vivas locais, nem sempre desinteressados, sendo embora que a maioria contribuiu de uma forma verdadeiramente altruísta.

Um dos principais mecenas foi José Maria Ferreira Delga-do. Vasco Moniz recordava o início do seu relacionamento com este industrial nas páginas da Voz do Catraio:

Foi há dez anos [1941] que conheci o senhor Delgado. Foi nos primeiros três anos da minha actividade nesta vila. Eramos amigos, bons amigos.Eu queria que o senhor Delgado me desse 15 contos para construir uma casa ou uma barraca ou uma coisa qualquer para esses rapazes desamparados de quem tantas vezes temos falado – e consegue fazer isso com 15 contos? – Eu sei lá … o resto pedirei a outros – Pode contar então com 15 contos , sim, 15 ou 20 ou mesmo 30.44

José Maria Ferreira Delgado (1882-1965), in-dustrial têxtil, presidente da comissão conce-lhia da “União Nacional”, vereador da CMVFX, católico e grande amigo do Padre Moniz e do seu projecto.

Foi criada uma Comissão Executiva, presidida pelo reveren-do Vasco Moniz.45 Foram aprovados os estatutos e definidos os seus objectivos. Os princípios orientadores estavam em harmonia com o alto valor moral da orientação doutrinária do Estado Novo, que, na sua política social – por todos os títulos, objectiva e realista – atribui pouca ou nenhuma efi-ciência ao tão decantado “providencialismo estatista” que entorpece e estiola num chefe de família os seus senti-mentos de responsabilidade económica e social – procura-rá escrupulosamente abster-se de tudo quanto possa criar no espírito dos pais das crianças assistidas a nociva espe-rança de encontrarem no Centro um meio de se libertarem das responsabilidades e encargos inerentes à criação dos filhos.46

Nesta ordem de convicções, a assistência ao domicílio será o objectivo principal do Centro, porque só ela evita os graves inconvenientes da “assistência individualista ou filantrópi-ca” e da “assistência burocrática, de carácter socialista ou comunizante”.47

O projecto de construção do C.A.S.I. propunha-se cumprir vários objectivos, com alguma ambição, conforme ditam os estatutos: Art. 2º - O Centro propõe-se sustentar ou pro-mover as secções seguintes: a) dispensário infantil e socor-ro às mães; b) creche-recreatório ou jardins infantis para crianças dos 2 aos 7 anos; c) escola do ensino elementar, ou recreatório e cantina económica para os alunos pobres que frequentem as escolas oficiais e particulares; d) casa de tra-balho, economia, higiene e aperfeiçoamento doméstico; e)

biblioteca de leitura ao domicílio. (…) único – na orientação e formação moral dos assistidos o Centro toma como base a religião católica tradicional do País. (…) Art. 4º - O Centro terá um Director escolhido por sua Eminência o Cardeal Pa-triarca de Lisboa.48

A câmara municipal cedeu o terreno - uma parcela do Jar-dim do Adro. Este espaço acabaria por ser cedido, na tota-lidade, ao CASI para futuras construções – Ginásio e prédio na Rua do Jardim (ainda existente).

O edifício [orçado em 240.000$00] foi projectado com dois pavimentos – cave e rés-do-chão, onde ficam as instala-ções do Centro e aproveitando-se a cave, sem acabamento, para arrecadações e armazenagem de géneros alimentí-cios, lenhas, etc., comprados ou oferecidos.

O CASI foi inaugurado a 10 de Dezembro de 1944. A par-tir desta data passou a ser prestada assistência à primeira infância e começaram a funcionar casas de trabalho para os menores de idades compreendidas entre os 12 e os 14 anos.

As instalações do Centro eram: gabinete de regência, con-sultório, refeitório, sala de aula, três salas de trabalho, cozi-nha, copa e instalações sanitárias.

Foi prevista a construção de uma divisória desmontável separando as duas salas de trabalho do lado direito, tor-nando possível existir um salão amplo, sempre que fosse necessário, quer para conferências, para pequenas festas ou mesmo para futura creche 49 integrada no Centro de As-sistência Infantil de Vila Franca de Xira.50.

10 de Dezembro de 1944 - Inauguração do C.A.S.I.

Alçado principal do C.A.S.I.

A sala de aula destina-se, principalmente, à realização dum dos mais louváveis objectivos do Cen-tro, a educação maternal.

Não estando dentro das possibilidades do Centro, organizar uma verdadeira Clínica de Pedia-tria, limitar-se-á o mesmo a promover a educação das mães mediante lições práticas – realiza-das em dias e horas certas e assistidas em comum – que possam instilar no espírito delas ideias sãs sobre a conduta higiénica dos próprios filhos.

Nela funcionará também uma escola de ensino primário, onde as crianças, que tenham a idade escolar, possam aprender a ler e escrever.51

Passados três anos, o CASI era já pequeno e os estatutos estavam aquém do seu integral cumprimento. O âmbito da “obra” alargou-se e houve necessidade de proceder a um alargamento de instalações. Assim, nasceu o 2º andar, jus-tificado do seguinte modo:

Creche

Escola

Oficinas

Voz do Catraio

Quinta

Bairros

Ginásio

Investimentos

O 2º andar impunha-se. As duas divisões onde os rapazes dormem não foram construídas para camaratas mas sim para oficinas. A bem dizer, o internato não fôra previsto. Pretendia-se vestir, calçar, alimentar e educar os catraios. Mas eles revelaram coisas espantosas. Eu durmo num caixote do lixo, tu dormes na estação, ele dorme no hall da cadeia. Mais ainda: durante o dia co-miam, trabalhavam, vestiam-se. À noite, dormiam onde calhava. No dia seguinte, a roupa trazia parasitas. Queres que fale mais claro? Traziam bichos no corpo e na roupa. Queres ainda mais claro? Toma: traziam piolhos sim, senhor, traziam piolhos que senhores e senhoras tinham que catar. Eu mesmo fiz esse serviço de despiolhamento muitas vezes. Mas o pior é que todas as vezes que catava piolhos, perdia a vontade de almoçar. Não, não pode ser. Isto é horrível, insu-portável! – berrei um dia.

Nada de oficinas. Camaratas é que a gente precisa. O sr. Carlos Doninha fez os catres (mais tarde substituídos por camas da fábrica Portugal). As duas divisões estavam transformadas em camaratas. Os catraios tinham cama e mesa e roupa lavada. Ao princípio, eram vinte – e estava muito bem; depois eram trinta – e não estava muito mal. Passaram-se meses e eramos quaren-ta. Mau, mau, mau. E hoje somos cinquenta e seis. Péssimo. Horrível.

Ora aí está a razão por que em cima da minha cabeça, no telhado, anda uma data de pedreiros e serventes.52

O CASI foi a obra maior do Padre Moniz. A testemunha-lo es-tão os muitos “catraios” que nunca esqueceram aquele que, durante 30 anos, dirigiu a instituição que tirou dezenas de rapazes da rua e ajudou a dar sentido às suas vidas.

Este grande empreendimento, inspirado na “Cidade dos Ra-pazes” do padre Flanagan53, e que teve o apoio de todas as forças vivas locais, rapidamente, ganhou um prestígio ímpar, tanto localmente, como a nível nacional.

Por ele, Vasco Moniz deu tudo. Em troca, teve duas recompen-sas: em primeiro lugar, a satisfação de ver os seus rapazes cres-cerem e ganharem “asas para outros voos”; em segundo, foi agraciado com “dores de cabeça” que nunca mais o deixaram dormir.

Muitas destas cefaleias crónicas tiveram a sua origem nas dívidas que a “obra” “obrigou” a contrair e nas buscas cons-tantes de meios de financiamento. Sendo sempre muito di-recto e muito pragmático o director do CASI não perdia uma oportunidade para solicitar a todos a respectiva comparti-cipação. Disso nos dá conta o Diário de Lisboa, numa breve notícia intitulada “Uma Grande Obra Social em Vila Franca de Xira”:

O padre Vasco Moniz aproveitou a imponente missa cam-pal de Alcamé, onde reuniu o escol do Ribatejo, em sã confraternização com os humildes, para pedir à lavoura da região duas coisas: primeiro que tome a seu cargo a liquidação do «deficit», superior a 60 contos, do admirável

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Centro de Assistência Social Infantil, que fundou e dirige em Vila Franca de Xira, e que tem um encargo mensal de 18 contos; segundo que a lavoura subscreva com uma cota mensal fixa de 3 contos, além de quaisquer outros novos auxílios que possa prestar. Estamos certos de que serão gostosamente atendidos tais apelos do bondoso e activo sacerdote que no C.A.S.I. protege e ampara um total de 112 crianças roubadas à vadiagem ou à miséria, alimen-tando, tratando, vestindo, instruindo e educando profissio-nalmente.54

O Padre Moniz procede à bênção do gado e do pão, em Alcamé

Apesar das dádivas e dos apelos regulares do seu director, o C.A.S.I. viveu constantemente com a “corda na gargan-ta”. Pedro Miguel Gil, ex-catraio, dá dessas aflições teste-munho:

O Padre Moniz foi um homem que sofreu muito. Passou por muitas dificuldades para dar de comer aos rapazes. Foi um homem que não nasceu para dirigir uma paróquia. Era um catedrático. Íamos à missa, metíamo-nos no carro para ir ao seminário e íamos buscar um cheque para deposi-tar no banco. Andámos nesta corrida anos. Havia alguém no banco ultramarino que controlava a situação. Nunca se mandava nenhum cheque para trás. Passava uma semana e levava as mãos à cabeça. Voltava a repetir-se tudo na se-mana seguinte.55

Por este motivo, e não só, o Padre Moniz tentou, sempre, que a “obra” se auto-sustentasse. Daí os projectos que foi paralelamente promovendo e cuja finalidade principal ti-nha mais a ver com preocupações pedagógicas e formativas do que financeiras.

A propósito dos subsídios que recebia do Estado, o Padre Moniz esclarece-nos o seu pensamento sobre alguns inves-timentos:

Não seria melhor o Estado entregar-me este ano, de uma assentada, o que me vai dar nos próximos 9 anos? Eu em-pregaria esse dinheiro. Dentro de meses, tínhamos um prédio construído pela rapaziada. Este prédio podia-nos render mais do que o subsídio anual do Estado. Empregava a mão-de-obra desta rapaziada – mão-de-obra que tantas

vezes se inutiliza por falta de recursos financeiros. Dentro de nove anos o Estado fica livre de um mendigo. Era uma espécie de “carta de alforria” que o Estado passava a uma obra.56

O CASI tem que ser analisado, em primeiro lugar, como um projecto pedagógico total. O esquema abaixo esclarece-nos um pouco a filosofia que o Padre Moniz quis implementar no CASI.

Em primeiro lugar, o CASI pretendia apoiar famílias, funcio-nando como creche para crianças com menos de três anos. O director do Centro explica porquê:

Não nos será possível deixar de acudir simultaneamen-te às crianças na primeira fase do desenvolvimento, vis-to que o C.A.S.I. não pode ficar indiferente ao problema da mortalidade infantil (…)É claro que qualquer assistência à infância na primeira fase seria pouco eficiente se ela não se estendesse si-multaneamente às mães pobres durante o período de aleitamento.57

A creche foi substituir a da fábrica de fiação, fundada por José Maria Ferreira Delgado, como lembra a filha do in-dustrial:

Para acolher os filhos das mulheres trabalhadoras, JMFD criou um infantário – um dos primeiros em Portugal – com a ajuda do padre Vasco Moniz (…)

Tínhamos lá pessoas para trabalhar com as crianças, mas [eu e a minha mãe] íamos lá ajudar. Porque gostávamos mas também porque era preciso ajudar. Mudávamos as fraldas, tratávamos das crianças, dávamos-lhes banho. Às vezes ia eu de manhã e a minha mãe de tarde. Revezámo--nos. A creche tinha lavadeiras. Era tudo de pano.

Primeiro chegaram os filhos das trabalhadoras da empre-sa. Depois vieram outros. Até que se alargou a casa e a obra do Centro de Assistência Social e Infantil.58

Para os que estavam na idade escolar, funcionava uma es-cola primária.

(…)«Como todas as secções desta obra também a escola custou-me muitas aflições. Criar uma escola, é fácil. Mas criada como a gente queria, não era nada fácil.(…)Hoje muitos sabem ler e escrever. Calculo que seja uma grande obra de caridade, uma obra verdadeiramente humanitária, ensinar a ler e escrever. Eu penso muitas vezes no tormento dum analfabeto (…). Deve ser um tormento, o analfabetismo.

Já o nosso Ciganito dizia que não acabava de compreender como é que a gente possa pôr no papel o que tem na cabeça. (…)

Quero que todos eles façam pelo menos o exame da 4ª classe. Não sei onde foi que o li, mas li-o algures. Divulgou um jornal suíço que em certo cantinho da Suiça havia um analfabeto. Foi uma notícia sensacional. Um fenómeno. Pois houve gente que, aos magotes, se deslocou de pontos distantes para ir ver o fenómeno. O contrário deu-se aqui, no Centro. Quando foi criada a nossa escola, havia só quatro catraios que sabiam ler e escrever. Estes é que constituíam o verdadeiro fenómeno. Os outros – os analfabetos – eram a regra.

Pois quero que eles façam o exame da quarta. É o mínimo que exijo. Hei-de massacrá-los se não me derem esse mínimo»59.

Porque havia necessidade de ensinar os rapazes a “pescar” foram criadas escolas-oficina. O padre Moniz recebia os jo-vens e encaminhava-os para a escola ou para as oficinas para que aprendessem a trabalhar como estucadores, pedreiros ou serralheiros - testemunha Pedro Miguel60.Também como alfaiates, sapateiros, tipógrafos, carpinteiros, canalizadores – acrescentamos nós.

Sempre tive para mim que o problema fundamental desta casa, como de resto de todas as casas de assistência é o da colocação dos rapazes, creio que ninguém põe em dúvida este axioma da assistência social: encerrar as crianças numa casa até aos 14 anos de idade e depois de se ter verificado que estão bem comidas e bem educadas, dar-lhes alta – é tirar as crianças do rio para as atirar ao mar.61

Camamesa eroupa

Escola

Formação profississional

InvestimentosSustentabilida-de e emprego

VIDA ACTIVA

Apoiar as famílias

Eu não quero que eles quando saírem desta casa sejam parasitas da sociedade tolerados por piedade. Quero-os membros activos e produtores capazes de procurar por suas mãos o pão que hão-de comer. Quem não tiver mãos, que o ganhe com os pés. Mas ganhe, não o peça!

Alguns dos meus rapazes estão empregados. Trabalham nas oficinas, escritórios e campo. (…) Regozijo-me com isto. Por todo este ano precisarei de colocar mais alguns dos meus rapazes. Quero que cada um deles tenha um ofício. Mas um ofício cuidadosamente aprendido, ofício que a um tempo se coadune com a vocação do rapaz e lhe garanta a facilidade de colocação: serra-lheiro, carpinteiro, pedreiro, alfaiate, sapateiro, camponês, etc. (…)Ampará-los-ei até que me convença de que é chegada a hora de os largar para a vida.62

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Mas para o Padre Moniz, o trabalho não constituía, apenas, um meio de subsistência, era, também, uma forma de realização pessoal e integradora do indivíduo na sociedade, como nos explica:

O homem constrói-se trabalhando. Nada mais verdadeiro. Estragaram-se-me alguns rapazes porque não pude coloca-los no lugar que a sua vocação reclamava. E não pude arranjar-lhe esse lugar unicamente por-que a casa não tinha oficinas. (…)

Respeita-se muito, nesta casa, a vocação profissional. (…)

Um rapaz que aos 17-19 anos não possui uma aprendizagem séria duma profissão séria é um estorvo ao andamento da comunidade humana. É um infeliz que semeia infelicidades à sua volta. Mas será feliz quem, na mesma idade, tem uma profissão séria, mas não aquela com que sonhou e para a qual nasceu? Não. (…)

A profissão é, para ele, não um meio de viver mas um meio de não morrer. (…)

Uma profissão imposta exclusivamente por exigências estomacais é um grilhão. Não é através dessa profis-são que se pode construir o homem. O trabalho que constrói o homem é o reclamado pela sua vocação. (…) Nada pode substituir a falta de trabalho, nem o bem-estar nem o afecto. Os desvios resultantes dessa falta não se corrigem nem com castigos nem com exemplos. A falta de trabalho não tem outro antídoto senão o trabalho. Mas um trabalho que corresponda à vocação, ao impulso interno (…). Trabalho em que o rapaz encontre alegria, a fonte de saúde e de regeneração. Trabalho em que, sobretudo, se encontre a si próprio.63

Eu não deito cálculos à vida. Tomo compro-missos, resolvo situações angustiantes, e ve-nho a este mirante para te dizer que esta casa precisa de muita batata, muito grão e muito feijão.

Ou mais concretamente: precisamos de 5.000 quilos de batatas, 2.500 litros de feijão e 2.000 litros de grão para o ano que começou.Se tu não me mandares a contribuição que a tua consciência te impõe eu farei uma tour-née pelas eiras dos lavradores desta região para que não falte aos nossos rapazes, irmãos teus, o que lhes é devido. 64

A quinta é uma realidade. Não somos do-nos dela, mas apenas rendeiros. Estuguei os meus passos para os lados do Monte Gordo. E lá encontrei o que queria. É a Quinta do Cai-pira.(…)Há lá algumas pereiras e figueiras. (…)Creio que essas árvores frutíferas serão for-midáveis agentes da formação da vontade dos nossos rapazes. À sombra delas conto ensi-nar-lhes coisas que se não aprendem na es-cola. Cada árvore será uma escola: cada pera ou figo uma lição. O catraio que mexer na fru-ta sem a competente licença, perdeu a lição; o que souber conter-se, aproveitou-a. Pro-curarei aproveitar o valor de todo o material pedagógico e didáctico que a quinta possui (…)Ora a quinta precisa de ser explorada. É ras-gar a terra, adubá-la, fazer pequenas obras.

Precisamos de uma junta de bois – quem ma oferece?

Queremos ter duas vacas leiteiras – não ha-verá por aí ganadeiro que me queira fazer um jeitinho?

Aqui há coisa de dois anos ofereceram-me 4 vacas. Não tínhamos onde nem como criar aqueles delicados animais. Preferi que me dessem o valor deles. Hoje, não. Hoje quero duas vacas.

Lavrador amigo, o leite simboliza a vida! As duas vacas que te peço são para uma obra altamente humanitária. Com uma malga de leite, quente e doce, quero barrar a muitas crianças o sinistro caminho que conduz aos preventórios e sanatórios. Anda pois, lavra-dor amigo, entre hoje mesmo no estábulo e aparta a vaca que há-de transformar a linfa dos nossos rapazes em sangue vivo e rubro.65

EduCAçãO E PRátICAS PEdAgógICAS66

Vasco Moniz instalou no edifício do CASI uma escola pri-mária, por onde passaram inúmeros alunos internos e ex-ternos. A instrução dos catraios era algo que o preocupava bastante, a par da educação, do profissionalismo e da reli-giosidade.Nos primeiros tempos, poucos eram os que faziam a Quar-ta Classe. Posteriormente, os resultados melhoraram bas-tante, com o aparecimento da Escola Indusrial e Comercial e do Colégio Sousa Martins. Alguns catraios fizeram o liceu, o curso industrial ou comercial. Outros, poucos, chegaram à Universidade e concluíram um curso superior. Para os que tinham mais dificuldades, eram contratados explicadores e foram criadas aulas nocturnas para os anal-fabetos. Para além da ajuda que dava aos professores do Centro, o padre Moniz dava aulas de Latim e Grego no Co-légio Sousa Martins, de Português e História no ciclo pre-paratório em Monchique, Alcochete e Vila Franca de Xira, onde pertenceu à Comissào Directiva. Para Vasco Moniz a educação dos catraios, os modos e as práticas pedagógicas adoptadas pelo Centro eram uma preocupação constante. "Cada qual pode ter o seu método de Educar. E, de facto, não há quem o não tenha. Pelo que não admira que nós tenhamos o nosso. Não pretendemos propor reformas pedagógicas. Nem tão pouco dar lições de pedagogia. (…) Estas preocupações estavam associadas ao reconhecimento das dificuldades que existem na educação de crianças e jovens, sobretudo quando estas são acresci-das devido às histórias de vida dos catraios.

Há muito quem pense - eu também assim pensava - que isto de educar a criança é tão suave como fazer versos em noites de luar (...)

(...) O trabalho do educador-educador, não falo do educador-funciánrio, também não pode ser regulado por contratos colectivos pela simples razão de que os limites desse trabalho são as necessidades do edu-cando. (...)

Neste sentido, Vasco Moniz considerava que o trabalho do educador era uma tarefa contínua, ou seja, que não se podia limitar a cumprir horários ou encargos normativos. O papel do educador, e assumia-o como seu, era balizado pelas ca-rências dos educandos.

A transmissão de valores como a honestidade, e o incutir o sentido da responsabilidade nos catraios eram pilares fundamentais nas práticas educacionais do CASI. (...) Ser--se honesto não consiste em não mexer na coisa alheia. A honestidade consiste, mas é, em não mexer na coisa alheia quando se podia fazê-lo impunemente. (...)

(...) Nós confiamos-lhes dinheiro e coisas, mas não à toa. São eles que vão receber as cotas, a importância das assinaturas, o pagamento das facturas das ofici-nas. São eles que vendem o jornal, recebem os acrés-cimos; vão ao mercado fazer compras. (...) Não vejo outra maneira de cultivar o sentimento da responsa-bilidade que é o factor primordial da educação.

A quINtAPara produzir parte do que se comia e dar ocupação e responsabilidades a alguns dos rapazes adquiriu-se uma quinta,

em Povos, nos terrenos onde viriam mais tarde a ser construídas as piscinas municipais.

São graves as preocupações que tenho sobre o destino desta obra. A falta de terrenos que nos dê batata, grão e feijão é dos pecados que bra-dam ao céu. Roubámos 200 metros quadrados ao recreio das crianças para plantar couves. A falta de terreno é um colete de forças que oprime os pulmões do Centro. E se esta tirania não mata o C.A.S.I., é, talvez, porque ele não tem onde cair morto. A penúria é uma garantia da nossa imortalidade. Não temos onde cair mortos.

O ano passado despejámos algumas dezenas de contos em troca de batata, grão e feijão que mais de 80 bocas rilharam. Chegámos a gas-tar mensalmente 450 escudos em hortaliças. Estamos numa região essencialmente agríco-la. Mas durante os 365 dias que o ano de 1945 teve, recebemos apenas 240 quilos de batata e umas escassas dúzias de couves e alguns molhos de nabiças. Os produtos agrícolas ofe-recidos não deram para 20 refeições, isto é, 10

dias. Como explicar esta indiferença da lavou-ra? O ano agrícola foi uma calamidade, bem sei. Por isto mesmo eu não me zango. Não quero remediar o mal passado, mas prevenir uma calamidade iminente. Confesso com toda a franqueza que o Centro não resistirá ao ano de 1946 se a lavoura nos tratar com a indife-rença de 1945. (…)

Eu podia aliviar a pressão que sufoca esta obra por uma forma muito simples: despedin-do muitas crianças. Se eu quisesse tratar es-tas crianças como me tratam a mim aqueles a quem recorro, eu passava a viver uma vida cómoda (…)

Ora o Centro não foi feito para inglês ver. Foi para servir a criança portuguesa.Não me pesa a consciência de ter negado am-paro a qualquer criança verdadeiramente ne-cessitada. Casos urgentes, não os podemos repelir. (…)

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Bairro do C.A.S.I., na Costa Branca, em 1953.

O mesmo bairro, em 2013.

(...) Eles [os catraios] um dia serão chamados à vida. Por isso, desde já ponho-lhes numa mão o dom da lberdade e na ou-tra o sentimento da responsa-bilidade. (...)

Desde a abertura do Centro, Vasco Moniz tinha uma relação de entendi-mento e amizade muito estreita com os rapazes, [amizade essa] que se in-tensificou ao longo dos tempos.Era com muito carinho que se referia aos catraios e ao relacionamento que os rapazes tinham entre si, chegou mesmo a dizer: (...) Não me importava

de morrer. Mas quando vejo o nosso miúdo a chamar mano ao Manuel Gai-béu, ou contemplo o Zé Maria com o Camilo, adormecido às costas, condu-zindo-o ao leito, digo a Deus, que não quero morrer.O interesse que tinha pelos catraios não se reduzia às questões da sua educação. Naturalmente, questiona-va-se acerca das suas vidas quando saíssem do CASI e era com alguma ansiedade que vivia a saída dos rapa-zes.O futuro destes rapazes preocupou--me desde a primeira hora. Que um

dia eles saíriam desta casa, sabia-o eu. É a ordem natural das coisas. (...)67

Depois de 30 anos à frente do C.A.S.I., dedicou-se, em exclusivo ao ensino, com uma breve passagem pela política. Em Vila Franca exerceu funções de do-cente em três escolas: professor de La-tim e Grego no Colégio Sousa Martins, de Religião e Moral na Escola Industrial e Comercial, de Português e História no Ciclo Preparatório. Foi ainda profes-sor em Monchique e, incumbido pelo Cardeal Gonçalves Cerejeira, em 1948, leccionou a cadeira de “Dogma”, no se-minário dos Olivais.

O BAIRRO dO CASI NA COStA BRANCA

O padre Moniz tinha a ideia, como já acima se referiu, de que a construção poderia proporcionar autonomia financeira ao CASI e dar emprego à “rapaziada”. Não descansou enquanto não concretizou a ideia. Em 1951 encontrou o terreno.

Após algumas semanas de passadas na periferia da Vila e alguns meses de inofensiva bisbilhotice, consegui descobrir o terreno. Comprei-o há cerca de 4 meses. Está quase pago. Custou setenta e tal contos. Dá para instalação de al-gumas dezenas de famílias. Digo Famílias, sim senhor. FAMÍLIAS porque não quero solteiros e muito menos solteirões no Bairro Económico. (…). Sei muito bem que os senhorios são normalmente cruéis para com inquilinos-famílias. Tolera-se o casal. Mas não se tolera que o casal tenha filhos menores (…) Crian-ças, não! Esta aversão a inquilinos-famílias é um crime que a lei devia punir severamente. E o maior atentado é contra a política pró família que o Estado pretende desenvolver. (…)O terreno comprado fica para os lados da R. Vasco da Gama. O Ex.º Sr. João .Alcobia - a quem muitos favores já devíamos – fez o projecto. (…) Começou a mobilização geral dos operários da construção civil. Admiti apenas um pedreiro de fora. Tudo o mais é gente de casa. São cerca de 20 carpinteiros; pedreiros e serventes que têm estado mais ou menos ociosos desde que terminaram as obras do Ginásio. Não se trata portanto de empregar o capital, pois o nosso ca-pital é negativo: o capital que devemos aos fornecedores. Quero empregar mas é a mão-de-obra que está imobilizada desde Dezembro. Não temos pressa. (…) Em 2 ou 3 anos. Se Deus a tanto nos ajudar, estará concluído o Bairro.68

Passados dois anos, parte do bairro está construída.

Dois terços de habitações do nosso bairro estão prontos. Este mês devem ser entregues aos inquilinos. (…) Fixei a renda. Duzentos e cinquenta escudos por cada habitação. Cada uma consta de 3 quartos (…), 1 casa de jantar, 1 cozinha, 1 despensa, 1 casa de banho e uma espécie de escritório ou casa de trabalho. Cada habitação tem ainda duas amplas varandas. (…)69

Em 1955, iniciou-se a construção de um segundo bairro económico, para mais de 50 inquilinos, na Quinta do Bom Retiro. Contudo, não teve o sucesso do primeiro e o projecto acabou por ser abandonado.

Alçado principal do prédio do Bom Retiro70

O bairro do Bom Retiro foi posto em almoeda para satisfazer as exigências plutocráticas de uma casa de crédito que, um belo dia, me apertou as goelas e disse: ou pagas ou morres! Eu cá respondi: é o morres! Não, não morres porque não tenho onde cair morto! E vendi o Bairro. Pronto! 71

O gINáSIO FERREIRA dELgAdO

Por obra e graça do “Mundo Desporti-vo” o Ginásio ficou famoso.

No dia 31 de Janeiro de 1951, o jornal “Mundo Desportivo” publica uma re-portagem sobre o CASI e o seu recém inaugurado Ginásio (8 de Dezembro de 1950).

Estou agora no ginásio – explica o jornalista . Magnífico. O pavimento é de azinho, em paralelepípedos mui-to bem ajustados. A toda a volta, no primeiro pavimento, uma bancada de cimento, com três filas de lugares. Uma galeria circunda todo o recinto, profusamente todo iluminado.

Outras instalações: bar, camarins, balneários, gabinetes para senho-ras, etc. Nem tudo está pronto. Mas pouco falta.

O sucesso foi imediato. Os patinadores começaram a aparecer em força e os patins não chegavam para as enco-mendas.

Continuando com o Mundo Desportivo dizia o repórter:

Mais de uma dezena de patinadores evolucionam no recinto. De quando em quando há um que dá um tram-bolhão…E a assistência numerosa, dá largas à sua … alegria! Um pequenito chama a minha atenção. Explicam-me que anda ali há mais de duas horas…

- Temos poucos patins. De maneira que o Pedro Miguel, um rapaz do CASI, vê-se em apuros para satisfazer os pe-didos. Não é verdade, Pedro?

- É sim, senhor prior. Não tenho mãos a medir. São tão poucos os patins!...

Neste momento, um rapaz desemba-raçado surgiu correndo e gritando:

- Então, Pedro, já chegou a minha vez? Estou à espera desde as nove e meia!

O Padre Moniz, que é entrevistado ao longo da reportagem, esclarece a fina-lidade do ginásio:

- Pois, é verdade, o CASI terá também a sua classe de ginástica. O ginásio virá a ser cedido a organismos e esco-las de Vila Franca e aproveitaremos a oportunidade para criarmos as nossas turmas.O ginásio será, assim, um motivo de receita e um motivo de valorização do CASI.

O repórter prossegue: Nesta altura ou-vimos certo reboliço. O Pedro Miguel via-se em embaraços para atender os clientes da patinagem:

- Têm de esperar, tenham paciência.

E o padre Moniz aproveitou a oportuni-dade para repetir:

- Temos inúmeros pedidos para man-termos o ginásio aberto até às duas horas, mas não é possível. Os rapazes têm de trabalhar no dia seguinte. Com mais patins, porém, já se resolveria, em parte, o problema.72

Armando Dinis, “catraio”, legou-nos o seu testemunho:

Para o desenvolvimento cultural e físi-co dos catraios, o Padre Moniz mandou construir um ginásio, a que foi dado o nome "Ginásio Ferreira Delgado”, em homenagem ao seu amigo que o aju-dou nos primeiros projectos. Amizade porém interrompida, quando a situa-ção financeira do industrial entrou em declínio. O diferendo foi resolvido com a entrega do prédio, junto à Pensão Flora, ao seu velho amigo. Ginástica, basquetebol, andebol, futebol de sete e hóquei em patins eram as principais actividades. Grandes encontros con-celhios, regionais e mesmo nacionais, foram disputados naquele recinto. Teatro, revista, concertos musicais, Ópera e palestras em tempos áureos que os leitores não deixarão de recor-dar com uma certa alegria e angústia. Em certo espectáculo, em que a figura principal se chamava Alberto Ribeiro, o Ginásio encheu, até mais não. Al-guém da organização entendeu que os catraios mais pequenos não podiam entrar. Cá fora a rapaziada, em forma de protesto, gritava a bom gritar. O Padre Moniz ao aperceber-se dos mo-tivos, deu ordem para a malta entrar

para os camarotes, com os protestos dos "pagantes", aos gritos por terem pago o bilhete.

A fusão dos clubes vilafranquenses, "Operário - Águia”, que deu origem ao UNIÃO73, abriu perspectivas novas ao desporto da Vila. Com a inaugura-ção da nova pista de patinagem, o Gi-násio Ferreira Delgado deixou de ser a "sede", Mesmo assim, o “Velhinho” suportou, por algum tempo, o teatro amador, orientado pelo João Concei-ção e o cenógrafo Vasco Dantas, rode-ados por jovens do Centro, jocistas e locistas.

Transformado em escritórios, oficinas de serralharia e carpintaria, donde sa-íram jovens para a vida, o Ginásio cai ao mesmo tempo que o seu fundador deixa o convívio dos vivos.74

A construção do Ginásio permitiu a prática do basquetebol, do voleibol e do hóquei em patins

Nas instalações do Ginásio irá nascer o “Hóquei Club Vilafranquense”, no dia 1 de Maio de 1951.

Emblema do “Óquei Clube Vilafranquense”

Fundado (…) por um grupo de jovens adeptos da patinagem desportiva sur-gida em Vila Franca. O entusiasmo deste grupo por esta modalidade des-portiva, foi despertado pelos resulta-dos vitoriosos da Selecção Nacional de Hóquei em Patins, de então, nas com-petições mundiais.O grupo compunha--se, entre outros, por: Álvaro Guerra, Jorge Henriques, Fernando Marouco, José António, Fernando Mocho, José Horta, Gustavo Cunha, Virgílio Pereira e João Cunha.

VASCO MONIZ. Um percurso de vida. Uma vida para os outros.◄ 21 20 ► VASCO MONIZ. Comemorações do Centenário do Nascimento.

Recepção à selecção nacional de hóquei em patins, campeã do mundo, em 195275

que as vendas ultrapassavam em muito os mil exemplares e, no seu primeiro ano de vida, angariou assinaturas anuais no valor de doze mil escudos. Em 1953 tinha já cerca de três mil assinantes.

Inicialmente, a Voz do Catraio era impresso numa tipogra-fia da vila - Fernando A. Faria, Lda. - mas, posteriormente, o CASI adquiriu a sua própria tipografia, orientada por Luís Cairrão e, mais tarde, por José Correia. 77

Este jornal, que deixou de ser publicado em 1961, devido a problemas financeiros, enunciava assim os seus objectivos:

Este jornalzinho pretende ser, única e exclusivamente, uma obra de catraios: feita por eles e para eles. É a voz deles. Os catraios não admitem corresponden-tes, nem administradores, nem outra empregadagem. Correspondentes, ad-ministradores ou empregados são eles, os catraios. São eles que fornecem ma-téria-prima a este jornal.

O meu oficio é modesto: coordenar e plasmar essa matéria. Este jornal, de carácter social, pode ser uma folha de couve, mas nunca será uma folha em que se reimprima o que os outros dei-xaram escrito em tratados de sociologia ou filantropia, que enchem as estantes das nossas bibliotecas.

A redacção deste jornal dispensa biblio-tecas e os calhamaços que as enchem. O próprio CASI é uma biblioteca muito mais rica do que o “British Museum”. Cada catraio, um livro. E eu, nas minhas securas de ideias, não costumo pedir a nenhuma das musas da Mitologia que mas inspire. O catraio - sobretudo o que traz uma farta experiência de crápu-la - é uma musa generosa. Quando nos inspira, as palavras saem-nos em cata-dupas. Olhar para eles é o mesmo que pôr o bico da caneta a deslizar sobre o papel .78

O novo mirante79, como lhe chamou o Padre Moniz, chegou a ser a maior fonte de receita do CASI: A maior receita pro-vem, contudo, da assinatura e venda do nosso jornaleco “Voz do Catraio”. Temos umas 12 mil assinaturas e os ra-pazes durante o mês vendem uns oito a dez mil exemplares (afirmação ao Mundo Desportivo a 31 de Janeiro de 1951).

O PAdRE “PROgRESSIStA”

O pós-II Guerra Mundial revelou um mundo completamen-te diferente. As relações internacionais são pautadas

pelo bipolarismo da “Guerra Fria”. O comunismo estende-se à Ásia e ao continente americano. O capitalismo conheceu, nos trinta anos seguintes, um período de crescimento sem precedentes - «golden age». A Europa Ocidental, alavancada pelo “Plano Marshall”, a par de uma subida ímpar dos PIBs dos principais países, constrói uma sociedade baseada no consumo e no bem-estar dos cidadãos. As descolonizações de Africa e Ásia. O subdesenvolvimento dos países do “Ter-ceiro Mundo”.A Igreja, atenta a estas mudanças, tenta dar respostas aos novos problemas. João XXIII surpreendeu o mundo com um estilo radicalmente novo de exercer o «soberano pontifica-do» e, fundamentalmente, quando mostrou intenções de convocar um concílio, com uma dupla intenção: assegurar a renovação da Igreja face ao mundo moderno e preparar a unidade cristã.80 Na abertura do concílio no Vaticano, a 11 de Outubro de 1962, estiveram presentes uns cinquenta obser-vadores não católicos. 81

Por outro lado, das oito encíclicas, duas atingiram «particu-larmente a opinião pública», a «Mater et Magistra» (15 de Maio de 1961) - «Sobre a evolução contemporânea da vida social» - e «Pacem in Terris» (11 de Abril de 1963) - «Sobre a paz entre todas as nações, baseada na verdade, na justiça, na caridade e na liberdade».A primeira pretendeu actualizar a Doutrina Social da Igre-ja, através de uma nova e profunda leitura dos “sinais dos tempos”: o mundo industrial, do início dos anos sessenta é marcado pela complexidade e pela diversidade crescen-te de situações. As extraordinárias transformações científi-cas, técnicas e económicas abrangem todos os indivíduos e dizem respeito a todas as classes sociais. É a época do consumo de massas, do Estado Providência, mas, também, da tomada de consciência do subdesenvolvimento dos paí-ses do Sul. A «Mater et Magistra» retoma o ensino da «Re-rum Novarum» e torna mais precisos certos pontos, como o princípio da subsidiariedade, da socialização, do salário justo e do direito à propriedade. A justiça social é um tema largamente tratado. As desigualdades entre as pessoas e os grupos sociais, entre os sectores industriais e agrícolas, a divisão entre países ricos e pobres são consideradas injusti-ficáveis e devem ser reduzidas. Mas o que constitui a pedra angular da «Mater et Magistra» é o conceito de participação - participação dos indivíduos e das associações, participa-ção dos trabalhadores em todos os níveis da criação e da decisão, na vida, na propriedade, nos benefícios, no autofi-nanciamento das empresas … O princípio segundo o qual os trabalhadores não são meros executantes passivos já não pode ser mais claramente reafirmado.82. Esta encíclica ana-lisou também a corrida ao armamento, a superpopulação, o subdesenvolvimento e a condição dos trabalhadores rurais, incluindo o consequente fenómeno do êxodo rural e do cres-cimento exponencial das cidades. 83

A «Pacem in Terris» foi a primeira das encíclicas a dirigir-se não só aos cristãos como a todos os homens de boa vontade. Em plena guerra fria o seu objectivo é exortar à “Paz entre todas as nações, com base na verdade, na justiça, na carida-de e na liberdade” e procurar a cooperação entre os povos,84 numa época marcada pela ameaça nuclear. Os conflitos ar-mados, em virtude da sua própria natureza, não podem fazer

Iniciou-se a sua actividade de patina-gem, em fase organizativa de apren-dizagem e treino, no pátio do “Clube Vilafranquense”, antes e durante o período da construção do Pavilhão coberto polivalente do C.A.S.I., inau-gurado em 8 de Dezembro de 1950, com grande regozijo para os hoquis-tas vilafranquenses e que o Clube veio utilizar.

O projecto inicial da construção deste Pavilhão, no espaço anexo a esta ins-tituição, no histórico Jardim do Adro, não previa a utilização desportiva, mas exclusivamente, fins culturais e arte cénica, destinados à aquisição de fundos. A deligência do grupo, junto do Dr. Vasco Moniz, então pároco da paróquia e fundador do C.A.S.I., teve franco apoio para a alteração sugeri-da ao projecto, proporcionando, des-te modo, a concretização dum sonho pela prática e criação do Hóquei em patins em Vila Franca. 76

VOZ dO CAtRAIO

Desde os primórdios do C.A.S.I., o padre Moniz encontrou na Vida Ri-

batejana um apoio incondicional que pôs ao dispor do novo pároco as suas colunas, quer antes, quer depois da fundação da instituição. Logo após a inauguração, o padre Moniz passou a dispor de uma secção intitulada “Ecos do Adro”, onde dava conta dos princí-pios, dos apoios, das actividades, etc. da instituição por si fundada. Mas o prior quis um meio próprio, e mais di-recto, de comunicar com os leitores e de, simultaneamente desenvolver uma fonte de rendimentos.

25 de Fevereiro de 1945

Assim, em 1946 foi fundado o jornal Voz do Catraio, inspirado no jornal O Gaiato do padre Américo. A sua existência era uma forma de angariar fundos para a instituição, uma vez que as despesas

aumentavam à medida que as obras cresciam e o dinheiro dos benfeitores já não cobria os investimentos.

Voz do Catraio, nº 30, 13 de Junho de 1948

O jornal, de “carácter social” (nas pa-lavras do próprio padre Moniz), saía no segundo Domingo de cada mês e era vendido pelos catraios transformados em ardinas. Percorriam Lisboa, Lou-res, Samora Correia, Azambuja, Be-navente, Santarém, Muge, Carregado, Alenquer e muitas outras localidades, apregoando o seu jornal, que tinha o preço de 1 escudo. Havia meses em

22 ► VASCO MONIZ. Comemorações do Centenário do Nascimento. VASCO MONIZ. Um percurso de vida. Uma vida para os outros.◄ 23

prevalecer a justiça, enquanto outras formas de guerra se anunciam: econó-micas, financeiras, alimentares…As questões tratadas pela «Pacem in Terris» dizem respeito aos direitos do homem, ao desarmamento e à neces-sidade de uma ordem moral garanti-da pelas instituições internacionais. A verdade, a justiça social e a liberdade são apresentadas como condições ne-cessárias para a paz. As novas rela-ções com o Leste85 dão origem a uma distinção entre as ideologias e os mo-vimentos históricos criados com um fim social, económico, cultural ou po-lítico. Uma sociedade já não pode ser condenada devido à sua doutrina; deve ser considerada em função dos movi-mentos sociais que nela se organizam e fornecem os meios de controlo e de colaboração.86

Não cabe no âmbito deste trabalho uma abordagem alongada sobre esta tentativa de renovação doutrinal e litúr-gica iniciada por João XXIII e continuada por Paulo VI, mas não podemos deixar de fazer referência a dois documentos bem marcantes e de grande impacto no seio da Igreja e não só, a saber: a Cons-tituição «Gaudium et Spes» (7-12-1965) – a Igreja no mundo contemporâneo – e a encíclica «Popularum progressio» (26-03-1967) – sobre o desenvolvimen-to dos povos.

Portugal, apesar de tudo, também mudou. As «mudanças invisíveis», da década de 50, como lhe chamou o historiador Fernando Rosas: a indus-trialização; o crescimento das clas-ses médias e do operariado nas áreas metropolitanas das grandes cidades; o abandono da agricultura, na década de 60; a emigração; o turismo; a chegada da televisão, etc. Apesar da repressão, da censura, o isolamento já não era total. Muito do que se passava lá fora acabava por ter eco e era tema de dis-cussão: a Revolução Cubana; Che Gue-vara; a “Revolução Cultural” chinesa; a luta pelos direitos cívicos nos EUA; a liberdade sexual; a pílula, o aborto; o fe-minismo; a guerra do Vietname; a “Pri-mavera de Praga”; o “Maio de 68”, etc.

O regime parece imutável. Continua fortemente repressivo, com a ausência de liberdade, a PIDE, a censura. No entanto, o país tinha mudado e Salazar não se tinha apercebido. Os novos gru-pos sociais não se reviam no regime. Não é, pois, de estranhar o “terramoto Delgado”. Humberto Delgado ganhou as eleições em Vila Franca, para gran-de espanto de José Palha.

Em 1959, a carta do bispo do Porto pôs fim ao unanimismo católico em relação a Salazar. Os acontecimentos de 1961: o assalto ao “Santa Maria”; o início da guerra colonial em Angola; a ocupação de Goa, Damão e Diu pela União Indiana

dão início a novas formas de oposição que se vão intensificando até à queda da ditadura e, por outro lado, puseram em evidência a impossibilidade do regi-me mudar por dentro, apesar de algu-mas cisões: a «Abrilada». Ao longo da década irão surgir novos movimentos e novos partidos políticos. O Partido Co-munista Português perdeu o monopólio da luta antifascista.

Vila Franca também mudou a seguir à Guerra. O concelho industrializou-se, os lavradores começam a perder peso social e político. As classes médias e o operariado crescem. A população vai--se alfabetizando. No final da década de 50 é fundada uma “Escola Técnica”, na sede do concelho. Enfim, tudo se transforma.

As encíclicas e os documentos saídos do Concílio Vaticano II vieram dar su-porte teórico à acção de muitos católi-cos. Algumas dessas iniciativas tiveram grande impacto mediático, nomeada-mente a ocupação da Igreja de S. Do-mingos (1969) e os encontros semanais de reflexão, na Capela do Rato (1972). Nasceu o movimento dos católicos pro-gressistas.

O padre Moniz, já de si bastante sensí-vel às injustiças, às questões políticas, económicas e sociais, bem como aos “sinais dos tempos” vai absorver muitos destes novos valores. Como explicou:

mos livros que cobrem não só a sua área vocacional, mas também um conjunto de obras que revelam um homem que quis estar a par dos “sinais dos tempos”. Do espólio que nos chegou constam livros de História, tanto universal como de Portugal. No âmbito da filosofia, começou nos antigos (Platão e Aristóteles) e acabou nos seus contemporâneos, não esquecendo os materialistas marxistas. No que toca a matéria religiosa não se coibiu de ler aqueles que reflectiam sobre as suas inquietações e apresentavam visões menos or-todoxas da religião: Homero, Tomás Morus, Maquiavel, Marx, Lenine, Mao, Theiard de Chardin, Sartre. Nos romances lidos por Vazco Moniz encontramos todos os clássicos do século XIX: Eça, Júlio Dinis, Herculano e Oliveira Martins. Não en-contrámos obra alguma de Camilo Castelo Branco. O século XX está muito mal representado. Não consta qualquer livro de poesia. De Aquilino, Redol, Saramago e Agustina, apenas um exemplar de cada. Há muitos livros sobre política, nomeada-mente sobre os EUA88, sobre as experiências socialista, edu-cação sexual, etc. Seria longo e fastidioso enumerar todos os volumes da sua biblioteca e indicar apenas alguns não faria justiça ao leque vastíssimo das suas leituras, mais ainda se acrescentarmos a estes os que leu na biblioteca que ajudou a fundar. Em qualquer escrito seu, por mais simples, são visí-veis os reflexos dessas leituras. As suas crónicas no Boletim Cultural dão-nos conta das suas leituras, actualizados, sobre as novas orientações teológicas saídas do Concílio Vaticano II e sagazmente assimiladas.

Em 1967, surge A Rampa, publicação dos jovens do SEJU, dirigida pelo diácono Carlos Cruz, que anuncia os novos tempos. Mas o verdadeiro mensageiro do “novo” padre Mo-niz foi o Boletim Paroquial, órgão do “Secretariado Paro-quial”, onde o padre Moniz assinou uma coluna intitulada “Sinais dos Tempos” (alusão à Encíclica Mater et Magistra de João XXIII).

O seu director explica os objectivos desta publicação que acabará por merecer a atenção da polícia política e encer-rará ao fim de 15 números (1970-72).

A necessidade de uma publicação remonta a 196889. O padre Moniz expôs os seus motivos numa reunião do “Secretariado Paroquial”: O órgão a criar seria um veículo de informação e doutrinação social, cuja necessidade se tornou imperiosa, de forma a que a paróquia possa dar a sua contribuição para o desenvolvimento sócio-cultural do patriarcado e, muito especialmente, contribuir para uma clarificação de ideias e segurança de objectividade nas informações sobre os acon-tecimentos susceptíveis de deturpação dos seus significa-dos, podendo ainda servir como órgão de apoio à actividade da secção cultural que se deseja rapidamente organizada, com a colaboração de toda a paróquia90.A proposta ainda teve 19 meses de maturação. O Boletim Paroquial fez a sua aparição em Abril de 1970.

Boletim Paroquial, nº 1, Abril de 1970

O Boletim Paroquial torna-se, não só no órgão do “Secreta-riado”, mas, também, numa voz oposicionista ao conservado-rismo da Igreja e ao regime.Pode dizer-se que, para além dos objectivos acima enuncia-dos, este boletim tomou como primazia a divulgação das en-cíclicas de João XXIII e Paulo VI e o espírito das conclusões do Concílio Vaticano II. Em segundo lugar, o modo como a paróquia – pela voz do seu prior e dos cristãos que o rodea-vam - interpretou esses textos. Terceiro, divulgação de notí-cias internacionais e nacionais, relacionadas, ou não, com a Igreja, que evidenciam a mudança. Entre estas destacamos, a reprodução, sem qualquer outro comentário de uma notí-cia saída no Diário Popular, sobre a recepção do Papa aos lí-deres dos movimentos de libertação de Angola, Moçambique e Guiné. Tal notícia deixou o regime em “estado de choque”.

Boletim Paroquial, nº 5, Agosto, 1970

Tinham, também, particular destaque as actividades da Igreja na América Latina, que denunciavam injustiças. Depois vinham as actividades do “Secretariado” e de tudo quanto se relacionava com a paróquia, bem como notícias de eventos culturais em Vila Franca. A secção de maior destaque era, no entanto, a intitulada “Sinais dos Tempos”, assinada pelo padre Moniz.

Aqui, Vasco Moniz deu-nos a conhecer o “novo” padre. Tra-tou-se de um corte radical com o passado. O Boletim e as actividades, dentro e fora da Igreja, valeram-lhe a acusação da PIDE/DGS: NÃO OFERECE GARANTIA DE COOPERAR NA REALIZAÇÃO DOS FINS SUPERIORES DO ESTADO.

Assinou a petição contra a prisão do padre José da Felici-dade Alves e leu na missa o documento. Estrategicamen-te, ausentou-se para um retiro espiritual, quando o Padre Felicidade veio casar ao “Senhor da Boa Morte” – em acto litúrgico organizado pelo diácono Carlos Cruz.

Deu cobertura às actividades do “34” – casa do Bairro do C.A.S.I., na Costa Branca – onde se realizavam reuniões dis-farçadas com toques de instrumentos musicais e cânticos

Na mesma ordem de ideias “teológicas” direi que entre o padre que fui e o padre que sou, a di-ferença é a mesma que existe entre “o Trento” e “o Vaticano 2”, isto é, fui um padre das obras e obrinhas como muito boa gente foi e sou agora ou pretendo ser um padre – formador da fé. E isto, porque estou convencido de que as obras realizadas por nós deformaram mais a Fé do que a formaram (…). A única OBRA que se impõe é a obra de profunda mentalização, à qual tento dar o meu modesto contributo.87

Ao padre do Concílio de Trento sucedeu um padre progressista, atento ao mun-do que o rodeia e com vontade intervir.As mudanças vão provocar conflituali-dade com a hierarquia da Igreja, com muitos sectores conservadores da so-ciedade e com o próprio regime. O pa-dre adorado por esse mesmo regime e pelas classes dominantes locais é, a partir de agora, odiado.

A ”Primavera marcelista” e as possibi-lidades que o abrandamento da censu-ra forneceu irão tornar imparável este movimento de mudança. A vinda de jo-vens diáconos, nomeada e mormente

Carlos Cruz, bem como o contacto di-recto com jovens (JEC; JOC, SEJU), re-forçam as novas convicções do padre. Entretanto, as novas leituras também são disso sintoma.

O Padre Moniz foi um homem de sólida e vasta cultura e um leitor muito aten-to. Para além da formação adquirida no seminário e na universidade, Vasco Moniz percorreu, sem preconceitos, todos os cantos necessários para uma sólida cultura humanista. A sua ape-tência intelectual pendeu, sem dúvi-da, para a área das ciências sociais e humanas. Na sua biblioteca encontrá-

24 ► VASCO MONIZ. Comemorações do Centenário do Nascimento.

e com recitações de poemas, onde normalmente também comparece o Padre Fanhais91. Estes serões culturais, que tinham lugar às sextas-feiras à noite, eram manifestas ses-sões de propaganda contra o regime. Todavia, a polícia he-sitava em avançar, por se tratar de uma moradia particular, pertencente à Igreja, e por as actividades não serem, pro-priamente, públicas, resumindo-se a um número diminuto de pessoas. Talvez tal se devesse ainda, a um “cheirinho a Primavera”. A PSP não deixou, no entanto, de comunicar à DGS o que lá se passava.

E muito embora se não possa provar que se trate de po-lítica por ser no interior daquela moradia nem terem ha-vido reclamações, afigura-se-me que o fim em vista só pode ser o de se relacionar com política e sob o disfarce de instrumentos musicais, em consequência de nas mesmas não faltar o já conhecido diácono CARLOS ALBERTO DE ALMEIDA CRUZ e subdirector do referido CASI, bem como bastantes jovens de ambos os sexos, todos conhecidos do antecedente por fazerem parte activa da CDE.92

A vigilância e a repressão no estertor do regime foram bru-tais. José Pedro Soares – barbaramente torturado - vivia no “34” quando foi preso. Este foi o pretexto para lá entra-rem. Tendo sido apreendida bastante e variada propaganda político-subversiva, nomeadamente exemplares do Jornal Avante e cerca de 2.000 exemplares do panfleto intitulado “Abaixo a repressão fascista”, sendo subscritos pela Direc-ção da Organização Regional de Lisboa do Partido Comu-nista Português, além de vários cartazes e dísticos repre-sentando figuras revolucionárias e comunistas93.

O padre Moniz nunca interferiu nas actividades do “34”, nem quando a polícia o incomodou sobre o assunto e continuou com o rumo que mais se coadunava com a sua consciência. Cedeu o salão paroquial para reuniões sindicais.94

Elogiou a atitude tomada pela juventude de VFX, nos vários movimentos, ali criados, incitando-os a continuarem nas suas reivindicações a que tenham direito, contando total-mente com o seu apoio.95 Com a sua cumplicidade, Alves Redol animou uma sessão cultural do Secretariado. Zeca Afonso animou uma sessão de baladas no secretariado e, noutra ocasião, cantou numa sardinhada, pelo Colete En-carnado, realizada no Largo do Adro.

Quando se dá o “25 de Abril”, já o padre Moniz tinha realiza-do a sua própria revolução. Ainda assim, 1974 será um ano de grandes mudanças: deixa a direcção do C.A.S.I., pede a resignação e despede-se da paróquia. Inicia uma carreira política no Partido Socialista e é eleito deputado para a As-sembleia Constituinte, nas primeiras eleições livres realiza-das em Portugal. A sua vida parlamentar não tem história. Rapidamente se desiludiu com a política. Todavia, foi uma atitude coerente com a sua conduta, enquanto homem de acção.

A sua participação na vida da polis não se limitou à política partidária. Como se já não bastasse a edificação da sua obra maior (o CASI), enquanto cidadão e neovilafranquense, deu a cara por inúmeras causas. Fez parte do “Grupo de Amigos do Concelho de Vila Franca” (1945), cujo objectivo foi a fun-dação da biblioteca municipal. Razão pela qual, a intenção de instalar uma biblioteca no CASI, nunca avançou.

Foi sócio-fundador do Clube de Amadores de Pesca e mem-bro do Clube de Campismo “As Sentinelas”. Fez parte do grupo de vilafranquenses que lutou pela fundação de um li-ceu.Dinamizou o associativismo juvenil católico – JOC, JEC, LOC, SEJU -, incentivando e apoiando os jovens, cujas ini-ciativas contestavam cada vez mais abertamente o regime do Estado Novo.

Concluindo: O Padre Moniz ajudou a moldar com a sua elo-quência e a profundidade do seu pensamento, duas ou três gerações de vilafranquenses que viriam a ter, ao longo das suas vidas, intervenções sociais de algum relevo e que lhe devem uma determinante influência.96 A estas palavras de Chico Milhano, - que por si justificam a razão desta home-nagem – acrescentamos que é nosso desejo que a figura de Vasco Francisco do Rosário Moniz continue a ser um exem-plo para as gerações futuras.

José CostaVila Franca de Xira, 03-09-2013

1 Jawaharial Nehru, primeiro-ministro da União Indiana, entre 1947 e 1964.

2 Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. XXVI, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclo-pedia, Lda,792.

3 Voz do Catraio, nº 94, Agosto de 1954,4 Ibidem.5 Ib.6 Boletim Paroquial, nº 14, Dezembro, 1971.7 In DINIS, ARMANDO, Um homem, uma aldeia,8 Seminário de Rachol, in http://pt.wikipedia.org/

wiki/Semin%C3%A1rio_de_Rachol (05-08-2013)9 António Antunes Abranches (1913-2003) foi pá-

roco de Vila Franca de Xira e Castanheira do Ri-batejo, por escassos 22 meses. Durante 50 anos esteve à frente da paróquia de N. S. de Fátima, em Lisboa. (http://www.loriga.de/figuras.htm#--conegoabranches).

10 Vida Ribatejana, 8 de Fevereiro de 1942.11 Não sabemos a que padre se refere. Se a Na-

polesim (pároco de Vila Franca durante muitos anos), se ao padre Antunes Abranches que aqui esteve por 22 meses, apenas.

12 O passaporte diz moreno.13 SILVA, ARMANDO DINIS DA, Um Homem,

uma aldeia, 3.14 A câmara de Vila Franca foi uma forte oposi-

tora ao descanso dominical. Em Agosto de 1933, a Comissão Administrativa, presidida por Miguel Esguelha, envia ao ministro do interior uma “re-presentação” contra o descanso obrigatório ao domingo, usando argumentos “idênticos aos das associações patronais” – ruína do comércio local que lançaria para o desemprego parte do seu pessoal. In PATRIARCA, FÁTIMA, A Questão So-cial no Salazarismo (1930-1947), Lisboa, INCM, 1995, pp. 385-386. A questão não é meramente económica, mas essa discussão não cabe no âm-bito deste trabalho.

15 Anteriormente, o dia do descanso semanal era à 2ª feira e, mais recentemente, era à 5ª feira.

16 In NUNES, GRAÇA SOARES, Vila Franca de Xira: Economia e Sociedade na instalação do Liberalismo 1820-1850, Lisboa, Edições Colibri / Museu Municipal / Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, 2006. (Foto de Leonel César Pe-reira)

17 Vida Ribatejana, 12 de Dezembro de 1953.18 Arquivo fotográfico da CMVFX.19 Arquivo Fotográfico da CMVFX. 20 Boletim Paroquial, nº 3, Junho de 1970.21 No mesmo período, o número de recenseados

sem religião passou de 2.177 para 635. Enquanto que os praticantes de outras religiões diminuí-ram de 326 para 260, entre 1940 e 1960. É de re-alçar, que, à época, a Igreja Lusitana, implantada em Vila Franca desde 1929, gozava de enorme prestígio, devido à acção do seu diácono e depois bispo, dr. Luís César Pereira (também foi médico do CASI e contribuinte).

22 SILVA, ARMANDO DA SILVA, Um Homem, uma aldeia, 136.

23 A liturgia cantada foi implementada com grande sucesso na paróquia de Vila Franca. O grupo coral, orientado pelo António Casquinha, com os seus cânticos em português, passou a ser muito requisitado para animar festas religio-sas em outras paróquias.

24 AMCMVFX.25 Boletim Paroquial, nº 7, Novembro de 197026 Boletim Paroquial, nº 4, Julho de 1970.27 Boletim Paroquial, nº 8, Dezembro de 1970.28 Boletim Paroquial nº 6, Setembro/Outubro de

1970.

29 «Há mais de 10 anos [que] não me sinto rea-lizado na vida sacerdotal», diz em carta ao papa, em 1976.

30 Carta do Padre Vasco Moniz para o Cardeal--Patriarca, 15 de Dezembro de 1976.

31 Carta dirigida ao Cardeal-Patriarca, 13 de Ou-tubro de 1974.

32 Pimenta, João e Mendes, Henrique, Novos dados sobre a presença Fenícia no Vale do Tejo. As recentes descobertas na área de Vila Fran-ca de Xira, in Estudos Arqueológicos de Oeiras, Volume 18 . 2010/2011, pg. 11, consultado em: http://www.uniarq.net/uploads/4/7/1/5/4715235/pimenta_e_mendes_2010-11.pdf (21-08-2013).

33 REDOL, 127.34 «Gaibéus» e «Caramelos» eram trabalha-

dores rurais provenientes da zona centro que vinham, sazonalmente, trabalhar para as zonas do latifúndio, no sul país, sendo os «gaibéus» oriundos da Beira Baixa e Alto Ribatejo e os «ca-ramelos» da Beira Litoral.

35 REDOL, ALVES, Olhos de Água, 121.36 AMCMVFX.37 SILVA, GARCEZ da, Alves Redol e o Grupo

Neo-Realista de Vila Franca, Lisboa, Editorial Caminho, 31.

38 REDOL, ALVES, Olhos de Água, Lisboa, Edito-rial Caminho, 5ª edição, 1993, 35-36.

39 Vida Ribatejana, 11 de Setembro de 1938.40 Vida Ribatejana, 10 de Novembro de 1940.41 Vida Ribatejana, 10 de Maio de 1942.42 COELHO, RUI e GONZAGA, MANUELA, Alhan-

dra: a greve de 8 e 9 de Maio de 1944 (texto poli-copiado gentilmente cedido pelos autores).

43 Vida Ribatejana, nº 100, Fevereiro de 1956.44 Voz do Catraio, nº 59-61, Janeiro de 1951.45 Composição da Comissão Executiva do CASI:

Vasco Moniz, José Vidal Baptista (advogado), An-tónio Augusto dos Santos Malta (empregado de escritório), António Costa Ferrinho (industrial), António Maria (proprietário), Armando Carvalho Carrilho (proprietário), Fausto Nunes Dias (jor-nalista), Fernando Afonso de Paiva (electricista), Fernando Tarracha (estudante), Joaquim Augus-to Faria (comerciante), José Maria da Silva Gue-des Júnior (capitão), Júlio Gaudêncio (construtor civil), Noel Perdigão (industrial) e Raul Francisco de Carvalho (funcionário público).

46 Memória justifivativa do C.A.S.I. (AMVFX).47 Idem.48 Estatutos do Centro de Assistência Social

Infantil de Vila Franca de Xira, aprovados pelo alvará nº 105/43 de 8 de Setembro de 1943, do Governo Civil de Lisboa, e publicado no Boletim da Assistência Social, nº 13 de Março de 1944, pg. 29.

49 O documento não deixa de ressalvar a posi-ção do regime face às creches. «É certo que se nutre uma certa desconfiança pelas creches. Não desconhecemos que elas se têm prestado a mui-tas infâmias pelo incentivo que deram em certos casos à imoralidade. Mas desde que haja uma cuidadosa vigilância, a creche pode ser uma sã e profícua modalidade de assistência social, dada a necessidade em que se encontram certos pais de ganharem o seu pão de cada dia fora do lar. Por isto a admissão à creche só será autorizada em caso de extrema necessidade, apurada mediante um rigoroso inquérito familiar». In CASI. Memó-ria descritiva, Vila Franca de Xira, 15 de Novem-bro de 1943, Arquivo Municipal de VFX.

50 Idem.51 CASI, Memória Justificativa, Vila Franca de

Xira, 15 de Novembro de 1943, Arquivo Municipal

de VFX.52 Voz do Catraio nº 20, 14 de Setembro de 1947.53 Ver Voz do Catraio, nº 30 de 13 de Junho de

1948.54 Diário de Lisboa, 25 de Junho de 1945.55 Entrevista de Pedro Miguel Gil, in Mirante on-

line de 17 de Junho de 2009.56 Voz do Catraio, nº 64/65, Maio, 1951.57 Vasco Moniz. Uma obra com rosto humano,

2003, pg. 20.58 In Mirante online, 19-08-2010.59 Voz do Catraio, nº 19, 10 de Agosto de 1947.60 Entrevista de Pedro Miguel Gil, in Mirante on-

line.61 Voz do Catraio nº 15, 14 de Abril de 1947.62 Voz do Catraio, nº 15, 14 de Abril de 1947.63 Voz do Catraio, nº 102, Abril/Maio, 1960.64 Voz do Catraio, nº 3, 14 de Abril de 1946.65 Voz do Catraio, nº 7, 11 de Agosto de 1946.66 Capítulo reproduzido da obra Vasco Moniz.

Uma obra com rosto humano, Vila Franca de Xira, Comissão organizadora da homenagem a Vasco Moniz, 2003, pp. 54 e 55.

67 Vasco Moniz. Uma obra com rosto humano, 2003, pp. 54-55.54-55.

68 Voz do Catraio, nº 68, Agosto de 1951.69 Voz do Catraio, nº 85, Fevereiro de 1953.70 AMCMVFX. O prédio localiza-se na, actual,

rua Eça de Queirós.71 Voz do Catraio, nº 101, Jan-Fev, 1960.72 Mundo Desportivo, 31 de Janeiro de 1951.73 A União Desportiva Vilafranquense surgiu da

fusão de quatro colectividades vilafranquenses: “Grupo de Futebol Operário Vilafranquense”, “Águia Sport Club Vilafranquense”, “Ginásio Vi-lafranquense” e “Hóquei Clube Vilafranquense”.

74 SILVA, ARMANDO DINIS, Um Homem, uma aldeia, 1989, pp. 10 e 11.

75 Arquivo Municipal da Câmara Municipal de Vila F. Xira.

76 TARRACHA, JORGE CÂNCIO e JORDÃO, EMA-NUEL, Antologia Histórica sobre o movimento associativo de Vila Franca de Xira (1853-1995), Vila Franca de Xira, Edição de Emanuel Jordão, 1997, 237.

77 Vasco Moniz. Uma obra com rosto humano, 24.78 Voz do Catraio nº 1, 10 de Fevereiro de 1946.79 Ibidem.80 PIERRARD, PIERRE, História da Igreja Católi-

ca, Lisboa, Planeta Editora, 1992, 315.81 Ibidem.82 A Doutrina Social da Igreja Católica e o Mun-

do do Trabalho, Lisboa, Conselho Económico e Social, 1994, 99.

83 Papa João XXIII, in Wikipedia, http://pt.wikipedia.org/wiki/Papa_Jo%C3%A3o_XXIII (26-08-2013).

84 Idem, 111.85 Coexistência Pacífica.86 Id., 111-112.87 Boletim Paroquial, N.º 13, Outubro/Novem-

bro, 1971.88 País que visitara.89 Acta nº 6 do Secretariado.90 Acta nº 6 do “Secretariado Paroquial”, 3 de

Outubro de 1968.91 Lê-se num relatório da Polícia de Seguran-

ça Pública, enviado ao director da polícia política (DGS) – 6 de Maio de 1970.

92 Idem.93 Uma Obra com rosto humano, 104.94 Uma obra com rosto humano, 102.95 Idem, 103.96 Blogue “O Escritório de Deus”, 29-01-2013.

26 ► VASCO MONIZ. Comemorações do Centenário do Nascimento.

EXPOSIçãO OrganizaçãoCâmara Municipal de Vila Franca de Xira Pelouro da CulturaDepartamento de Educação e CulturaDivisão de Cultura, Turismo, Património e Museus Museu Municipal de Vila Franca de XiraComissão Executiva das Comemorações do Centenário do Nascimento do Padre Dr. Vasco Moniz 2013

Coordenação geralDavid Santos

Coordenação de produçãoFátima Roque

Comissão Executiva das Comemorações do Centenário do Nascimento do Padre Dr. Vasco MonizArnaldo Cunha da SilvaCarlos Almeida e CruzDavid Fernandes SilvaFrancisco Payne PereiraGraça Costa FernandesJoão Pereira da Conceição José dos Santos CorreiaJosé CostaJunta de Freguesia de Vila Franca de Xira Maria Goreti MarquesReinaldo Ribeiro Ferreira

Seleção e organização documentalArnaldo Cunha da SilvaCarlos Almeida e Cruz David Fernandes Silva Fátima PiresFrancisco Payne Pereira Graça Costa Fernandes João Pereira da Conceição José dos Santos Correia José Costa Maria Goreti Marques Reinaldo Ribeiro Ferreira

TextosGraça Costa Fernandes José Costa Maria Goreti Marques

Museografia e produçãoDavid Santos Fátima Pires Idalina Mesquita João Alves Ramalho

Planeamento e logísticaFátima Pires Idalina Mesquita João Alves Ramalho

Apoio administrativoAnabela Fernandes Célia Silva

DesignDivisão de Informação Municipal e Relações Públicas - DIMRP Carla Félix

Créditos fotográficosEstúdios ZJosé CostaMaria Goreti Marques

Digitalização e tratamento de imagensFátima Pires Helder Dias João Alves Ramalho Mónica Alves

Apresentação vídeoPedro Santos Vitor Cartaxo

ComunicaçãoDivisão de Informação Municipal e Relações Públicas - DIMRPFilomena Serrazina Prazeres Tavares

Serviço educativoPaulo Silva Rosário da Mata Tiago Soares

MontagemDepartamento de Educação e Cultura . DECDivisão de Cultura, Turismo, Património e Museus . DCTPM . Museu MunicipalFátima Pires . Idalina Mesquita . João Alves RamalhoDivisão de Informação Municipal e Rela-ções Públicas . DIMRP . Setor de Design e Produção GráficaCarla Félix . Helder Dias . Miguel OliveiraDepartamento de Obras, Viaturas e Infra-estruturas . DOVIDivisão de Obras, Viaturas e Infraestru-turas . DOVICarla Gomes . Guilherme Rómulo . José A. SoaresCarpintariaEdgar Lúcio . Gilberto Martins . José TravassosPinturaArmindo Rocha . Ricardo Pereira . Rui MeloEletricidadeDavid Costa . José Fernandes

SeguradoraAllianz Seguros

AgradecimentosA Câmara Municipal de Vila Franca de Xira e o Museu Municipal de Vila Franca de Xira agradecem a todos os que de al-gum modo contribuíram para este projeto expositivo.

JORNAL

OrganizaçãoCâmara Municipal de Vila Franca de Xira Pelouro da CulturaDepartamento de Educação e CulturaDivisão de Cultura, Turismo, Património e Museus Museu Municipal de Vila Franca de XiraComissão Executiva das Comemorações do Centenário do Nascimento do Padre Dr. Vasco Moniz 2013

Coordenação geralDavid Santos

Coordenação de produçãoFátima Roque

Comissão Executiva das Comemorações do Centenário do Nascimento do Padre Dr. Vasco MonizArnaldo Cunha da SilvaCarlos Almeida e CruzDavid Fernandes SilvaFrancisco Payne PereiraGraça Costa FernandesJoão Pereira da Conceição José dos Santos CorreiaJosé CostaJunta de Freguesia de Vila Franca de Xira Maria Goreti MarquesReinaldo Ribeiro Ferreira

Organização e coordenação editorialDavid Santos Fátima Pires Idalina Mesquita João Alves Ramalho

Investigação e organização documentalJosé Costa

TextosJosé Costa Maria da Luz Rosinha

Design e PaginaçãoCarla Félix

Digitalização e tratamento de imagensCarla Félix Helder Dias João Alves Ramalho

Revisão David Santos Fátima Pires Fátima Faria Roque Idalina Mesquita João Alves Ramalho

Impressão Tipografia Municipal

Tiragem500 exemplares

Museu Municipal ► Rua Serpa Pinto, 65 ► 2600-263 Vila Franca de XiraTel. 263 280 350 ► www.cm-vfxira.pt ► www.museumunicipalvfxira.ptCoordenadas: 38º 57’ 11,64” N 8º 59’ 18,10” WHorário: Terça-feira a domingo – 9h30/12h30 | 14h00/17h30. Encerra à segunda-feira e feriados

Organização

Câmara Municipal de Vila Franca de Xira

Apoios

Ateneu Artístico Vilafranquense

Bombeiros Voluntários de Vila Franca de Xira

Cáritas de Vila Franca de Xira

CBEI - Centro de Bem Estar Infantil de Vila Franca de Xira

Clube Amadores de Pesca de Vila Franca de Xira

Clube de Campismo As Sentinelas de Vila Franca de Xira

Cooperativa Alves Redol

Escola Dr.Vasco Moniz ( Agrupamento de Escolas Alves Redol de Vila Franca de Xira)

Junta de Freguesia de Vila Franca de Xira

Paróquia de S.Mateus de Vila Franca de Xira

Paróquia de S.Vicente Mártir de Vila Franca de Xira

União Desportiva Vilafranquense

Comissão Executiva das Comemorações do Centenário do Nascimento do Padre Dr. Vasco Moniz