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1 MUSEU DO AMANHÃ: UM LUGAR PARA O JORNALISTA EM MEIO À POPULARIZAÇÃO DA CIÊNCIA Thaís Cerqueira Francisco 1 RESUMO O presente artigo aborda o papel do jornalista na popularização da ciência com um estudo de caso do Museu do Amanhã. O objetivo é investigar o porquê da presença de jornalistas na área de criação de conteúdo, com o intuito de entender como se dá essa prática jornalística longe do exercício “tradicional” da profissão e qual o diferencial que essa formação traz ao Museu. Mostrar um pequeno histórico dos museus de ciência para entendermos em que cenário se dá a implantação do Museu do Amanhã. A metodologia inclui entrevistas com os jornalistas que fazem parte do Museu e revisão bibliográfica. A relevância do tema e da abordagem é justificada pela bibliografia ainda escassa do assunto já que a presença do jornalista no museu com a função de curadoria e criador de conteúdo parece ser algo que ainda se inicia em termos de atuação profissional. Palavras-chave: Divulgação científica; Popularização da ciência; Jornalismo científico; Museu de Ciência. 1 Graduada em Comunicação Social com ênfase em Jornalismo pela Universidade Federal Fluminense UFF. E-mail: [email protected]

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MUSEU DO AMANHÃ: UM LUGAR PARA O JORNALISTA EM MEIO À

POPULARIZAÇÃO DA CIÊNCIA

Thaís Cerqueira Francisco1

RESUMO

O presente artigo aborda o papel do jornalista na popularização da ciência com um estudo

de caso do Museu do Amanhã. O objetivo é investigar o porquê da presença de jornalistas

na área de criação de conteúdo, com o intuito de entender como se dá essa prática

jornalística longe do exercício “tradicional” da profissão e qual o diferencial que essa

formação traz ao Museu. Mostrar um pequeno histórico dos museus de ciência para

entendermos em que cenário se dá a implantação do Museu do Amanhã. A metodologia

inclui entrevistas com os jornalistas que fazem parte do Museu e revisão bibliográfica. A

relevância do tema e da abordagem é justificada pela bibliografia ainda escassa do assunto

já que a presença do jornalista no museu com a função de curadoria e criador de conteúdo

parece ser algo que ainda se inicia em termos de atuação profissional.

Palavras-chave: Divulgação científica; Popularização da ciência; Jornalismo científico;

Museu de Ciência.

1 Graduada em Comunicação Social com ênfase em Jornalismo pela Universidade

Federal Fluminense – UFF. E-mail: [email protected]

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INTRODUÇÃO

Uma das maiores motivações para a produção deste artigo foi o meu estágio na

área de Conteúdo do Museu do Amanhã, iniciado em janeiro de 2016, ou seja, logo após

a abertura do Museu. Ali, entre outras atividades, pude participar da criação de exposições

temporárias físicas e virtuais, atualização da exposição principal, criação de matérias para

o site, incluindo uma série para aprofundar as temáticas abordadas na exposição, além de

colaborar na produção das palestras, seminários e exibições de filmes. Assim, este estágio

me permitiu conhecer um pouco mais dos trabalhos específicos da área de Conteúdo que

ainda em 2016 acabou reunida com o “Observatório do Amanhã” passando a ser

denominada “Gerência de Exposições e Observatório do Amanhã”, da qual fiz parte por

um ano e que será o estudo de caso desse trabalho.

Este artigo visa contribuir para o entendimento de como se dá e qual é a

importância do jornalista na criação de conteúdos para um museu. Minha ideia de

pesquisa foi sustentada também porque percebi que além da minha curiosidade, outras

pessoas com quem eu conversava sobre meu estágio não sabiam e queriam entender

porque jornalistas estavam trabalhando na curadoria de exposições e não museólogos, por

exemplo. Outro fator que foi relevante para minha escolha foi encontrar grande número

de referência bibliográfica sobre jornalismo científico, mas pouco material que se

referisse ao jornalista como divulgador da ciência dentro de um museu, talvez até por se

tratar de um formato novo ainda não muito discutido.

Assim, acredito que o tema dessa pesquisa é relevante, pois trata entre outras

questões da renovação do papel do jornalista em outras áreas, para além da “clássica”. E,

se levarmos em consideração que o formato de museus interativos baseados em

informação está em uma crescente, estudar que caminhos temos a trilhar é necessário para

realizarmos esse percurso com maior consciência e efetividade.

1. DESAFIOS DA POPULARIZAÇÃO DA CIÊNCIA NO BRASIL

Para entender o conceito de divulgação científica, é necessário diferenciá-la de

outros termos que tendem a aparecer no mesmo universo de significados, mas que, na

verdade, representam e se destinam a públicos distintos. Difusão científica, jornalismo

científico, divulgação científica, popularização da ciência, comunicação científica,

alfabetização científica são expressões relacionadas à questão do acesso ao conhecimento

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científico, fio condutor que liga todos os termos à palavra ciência e que muitas vezes são

usadas sem grande rigor conceitual.

Para Wilson da Costa Bueno, difusão científica é “todo e qualquer processo ou

recurso utilizado para a veiculação de informações científicas e tecnológicas” (BUENO

apud PORTO, 2009, p.106). Ou seja, a difusão científica pode ser orientada tanto para

especialistas, quanto para o público em geral, é uma atividade bastante abrangente. Já a

comunicação científica, ainda segundo Bueno, visa à disseminação de informações

especializadas dentro da comunidade científica, com o intuito de tornar conhecidos os

avanços obtidos em áreas específicas ou à elaboração de novas teorias ou refinamento das

existentes. Em outras palavras, a comunicação científica é voltada para especialistas que,

por meio do debate da comunidade científica, buscam legitimar suas pesquisas. É um

processo de produção e transferência de informação científica entre pares, ou seja, entre

os próprios cientistas.

A alfabetização científica se define como o nível mínimo de compreensão em

ciência e tecnologia que as pessoas devem ter para operar a nível básico como cidadãos

e consumidores na sociedade tecnológica (MILLER apud SABBATINI, 2004, p. 2), ou

seja, ter assim, a capacidade de ler, compreender e expressar opinião sobre assuntos de

caráter científico. Isso revela que esse conceito é remetido para o espaço da escola, isto

é, para os domínios do ensino formal, diferentemente dos outros termos.

A divulgação científica, muitas vezes chamada também de popularização da

ciência, é o conceito mais amplamente utilizado no Brasil. Para Bueno, ela pode ser

definida como “o uso de processos e recursos técnicos para a comunicação da informação

científica e tecnológica ao público em geral” (1984, p.18), assim a divulgação supõe a

“tradução” da linguagem especializada para uma mais leiga, buscando democratizar o

acesso ao conhecimento científico. O termo tradução, utilizado por muitos autores, requer

ressalvas, pois como afirma a divulgadora científica Mora, a divulgação da ciência quer

tornar acessível um conhecimento superespecializado, mas, não se trata de uma tradução,

no sentido de verter uma língua para outra, e sim, de criar uma ponte entre o mundo da

ciência e os outros mundos (GERMANO E KULESZA apud SÁNSHEZ MORA, 2003

p.7). O objetivo é conseguir que pessoas leigas possam compreender, ainda que

minimamente, assuntos sobre temas científicos que podem impactar suas vidas. A

divulgação científica é um campo amplo que visa abranger um maior número de pessoas

utilizando o discurso científico por meio dos livros didáticos, revistas especializadas,

documentários, jornalismo científico, museus de ciência, entre outros meios.

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Como já citado, as expressões popularização e divulgação da ciência são muitas

vezes utilizadas sem grande rigor conceitual, até mesmo durante este artigo, mas como

existem vozes dissonantes consideramos relevante definirmos os termos. Para muitos

autores a popularização da ciência é um processo de transposição das ideias contidas em

textos científicos para os meios de comunicação populares.

A vida da sociedade contemporânea está cada vez mais dependente da ciência e

da tecnologia, as pessoas estão mais interligadas, seja pela evolução dos meios de

transportes ou pela rapidez dos meios de comunicação. Nesse contexto, a população ter

acesso aos conhecimentos científicos, suas técnicas e saberes, significa a oportunidade de

poder opinar e discutir de forma mais profunda sobre as políticas públicas para a difusão

da ciência e tecnologia. Esta questão, para muitos autores, é fundamentada pela ideia de

que a população não pode viver como mero coadjuvante dos processos de

desenvolvimento científico.

Segundo estes autores, é preciso desconstruir a ideia de que a ciência é algo

intangível para todos que não estão diretamente ligados a ela. Alguns especialistas

enfatizam o valor da cultura científica para o desenvolvimento social dos cidadãos,

porque os capacitam a entender a base científica da sociedade moderna para

desempenharem um papel ativo nos debates sociais; já outros a percebem como um pré-

requisito para o desenvolvimento econômico e a inovação. Enfim, embora essa questão

não seja nova, ela se torna cada vez mais urgente devido ao avanço científico e

tecnológico do século XXI.

Segundo dados da pesquisa de “Percepção pública da ciência, tecnologia e

inovação no Brasil 2”, realizada em 2015 pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos

(CGEE) e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), os brasileiros

apresentam atitudes positivas em relação à ciência e tecnologia (C&T) e manifestam ter

grande interesse por esses temas. De acordo com o estudo, 61% dos entrevistados

demonstraram interesse ou muito interesse por C&T e o tema é o quinto que mais atrai a

atenção da população. Embora haja o interesse, o acesso à informação é baixo, indica a

pesquisa, a maioria dos entrevistados declarou informar-se nunca ou quase nunca sobre

esse tema em meios de comunicação, como jornais, revistas, livros, rádio e conversas

com amigos, além de não frequentarem espaços científicos e culturais, como museus,

zoológicos, jardins botânicos e bibliotecas. Quando se trata de centros e museus de

2 Disponível em: <http://percepcaocti.cgee.org.br/>. Acesso em 04 de dezembro de 2016.

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ciência, 92% afirmam que não visitaram sequer uma instituição do tipo nos 12 meses

anteriores à pesquisa. As justificativas mais recorrentes entre os consultados são a

inexistência desses espaços na região em que vivem e a falta de tempo.

De acordo com a pesquisa, talvez seja possível afirmar que a população tem seu

interesse aumentado pelos acontecimentos científicos quando eles apresentam buscas a

soluções de problemas que os atingem diretamente, como pesquisas sobre doenças,

visando curas, ou quando respondem a grandes perguntas do universo.

De todo modo, mesmo diante do aumento de interesse da população por assuntos

do campo científico, alguns cientistas não acreditam na possibilidade da popularização

do saber científico. Eles não creem na viabilidade de se reduzir a termos simples os

resultados complexos de pesquisas científicas, já que, para essa compreensão, seria

necessário, na maioria dos casos, um alto grau de erudição, longa preparação acadêmica

e especialização no assunto.

Outra posição é a dos cientistas que temem por uma popularização que gere mais

problemas do que leve conhecimento à população em geral. Esse pensamento se

enfraqueceu muito com o passar dos anos, assim como o citado anteriormente, mas ainda

existe o receio pela dita “meia ciência ou pseudociência”. Por outro lado, outros cientistas

acreditam que inconvenientes e mal-entendidos são passíveis de acontecer, mas não é por

isso que a importância da popularização deve ser colocada em dúvida, pelo contrário, pois

apesar da vulgarização científica não ser tarefa fácil, a avaliação é de que ela é totalmente

necessária. Afinal, para estes autores, o contato com novas experiências pode suscitar

vocações nas crianças, além de ser muito positiva também para o campo científico que

ganha mais apoio e investimento em sua área.

Entretanto, se tantos concordam com a necessidade de divulgação científica, a

quem cabe este papel? A partir dos anos 1900, os meios de comunicação ampliaram sua

inserção na sociedade, em função de uma diversificação tecnológica sem precedentes na

história humana, fazendo surgir o fenômeno de comunicação de massa. Seguindo essa

expansão, os conhecimentos científicos foram ampliando seu alcance, sob a forma

também de notícias e matérias jornalísticas. Assim, a difusão de conhecimento científico

e tecnológico foi se caracterizando como um fenômeno comunicacional de massa,

introduzindo a figura de um mediador, entre o cientista e o público leigo (GRANATO E

RANGEL, 2009, p.335).

Um dos caminhos possíveis para a socialização dos conhecimentos científicos é

utilizar a capacidade difusora do jornalismo. Nem sempre o cientista vai conseguir fazer

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um texto compreensível ao grande público. Como nas demais áreas de especialização

(política, cultura, economia, esportes, entre outras) o profissional de jornalismo tende a

ser o mais adequado para essa tarefa de buscar, checar e transmitir para o grande público

os acontecimentos. A divulgação científica e o jornalismo científico têm conceitos

distintos, além de serem feitos por personagens diferentes. O primeiro grupo é formado

por cientistas e pesquisadores acadêmicos que têm como meta propagar a informação

científica, mas sem ter necessariamente a formação em comunicação social. Ao contrário

do jornalismo científico que necessita de uma formação acadêmica na área jornalística

(ALVARES, 2008, p. 71).

O jornalismo científico é tido como um dos elementos para a divulgação da ciência

e tecnologia. Ele se constitui em um caso particular de divulgação científica e refere-se a

processos, estratégias, técnicas e mecanismos para veiculação de fatos do campo da

ciência e tecnologia, desempenhando funções econômicas, político-ideológicas e

socioculturais importante, e viabiliza-se, na prática, através de um conjunto diversificado

de gêneros jornalísticos (BUENO, 2009, p.215 e 216 apud PORTO, 1984, p.11).

A linguagem especializada e rigorosa do discurso científico é, sem dúvidas, para

poucos. Já, se transferida para o discurso jornalístico, ela se amplia, pois mesmo primando

pela exatidão dos fatos o jornalista pode ter maior liberdade nos seus esquemas narrativos

para tratar de assuntos “áridos” de forma criativa e atraente. Como afirma Chaparro a

ciência precisa do jornalismo tanto quanto o jornalismo precisa da ciência, ou seja, as

duas áreas se complementam. De um lado o jornalismo tem a função de captar as

indagações do mundo e observar os acontecimentos para oferecer à sociedade, respostas

que muitas vezes só encontrará no saber científico. Já a ciência perde sentido se não puder

socializar o conhecimento que produz, devendo, por isso, em favor da sociedade,

aproveitar-se da capacidade difusora do jornalismo e da eficácia asseverativa da

linguagem jornalística (CHAPARRO, 2003, p.1).

2. DE D. JOÃO VI AO MUSEU DO AMANHÃ

2.1. Breve histórico dos Museus e Centros de Ciência no Brasil

A origem dos museus está diretamente ligada à mitologia grega, associada ao

templo das Musas, filhas de Zeus e Mnemosyne, deusa da memória, que

etimologicamente origina os vocábulos gregos mouseion e, tardiamente, em latim,

museum. Era um templo destinado aos eruditos em Atenas, com o intuito de cultivar

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poesia, música, estudos filosóficos e apreciar exposições artísticas, ambiente para criar

pensamentos e descansar o corpo em meditações (CASTRO, 2007, p.15).

Os museus de ciência contemporâneos surgiram no cenário de ascensão da

burguesia, com a prática do colecionismo e a organização dos “gabinetes de curiosidade”

iniciada nos séculos XV e XVI. As grandes navegações propiciaram a coleta de objetos

oriundos de continentes desconhecidos. Os Gabinetes de Curiosidade foram os primeiros

ambientes especialmente criados para receber coleções, extremamente diversas, fruto da

curiosidade sobre o mundo, muito comum para o homem renascentista.

O patrocínio da nobreza e dos ricos burgueses foi um grande estímulo

para a propagação do colecionismo pela Europa: peças exóticas

(espécimes da fauna e da flora) e obras de arte da Antiguidade (e mesmo

as modernas) vieram a compor aqueles que ficariam conhecidos como

Wunderkammer, ou Gabinetes de Curiosidade, existentes desde o início

do século XVI na Itália. (SOUZA, 2009, p.3)

A transformação dos Gabinetes de Curiosidades em museus de história natural

ocorreu gradualmente entre os séculos XVI e XIX, em função da geração de um

“público”, ainda que bem restrito e especializado, interessado em ver as coleções, agora

organizadas a partir da investigação científica. Os museus científicos brasileiros foram

criados no século XIX e consolidaram-se como tal entre os anos de 1870 e 1930, ciclo

denominado “A era dos museus no Brasil” (LOUREIRO, 2003, p.89). O Museu Nacional

é considerado o primeiro museu de ciências do Brasil, criado por D. João VI em junho de

1818, com o nome de Museu Real. Foi criado com o objetivo de ser um depositório de

riquezas do Brasil, com coleções e curiosidades antropológicas, biológicas e minerais.

O acesso às coleções era aberto ao público, porém num país escravocrata seu

público era restrito aos letrados. Segundo Lília Moritz Schwarcz (1989, p.71), o Museu

Nacional desempenhou papel relevante no desenvolvimento das ciências naturais, além

de implantar uma sistematização museológica vinculada à pesquisa, divulgação e

disseminação científica.

No final do século XIX o Brasil tinha aproximadamente dez museus. Além do

Museu Nacional, os outros dois grandes museus brasileiros eram o Museu Emílio Goeldi

(1866), localizado em Belém, no Pará, e o Museu Paulista, conhecido anteriormente como

Museu do Ipiranga (1894), em São Paulo, ambos dedicados às ciências. E com exceção

do Museu Naval e Oceanográfico (1868) e do Museu da Academia Nacional de Medicina

(1898), todos os outros “tinham relação com as práticas classificatórias dos elementos

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encontrados na natureza” (SANTOS, 2004, p.55). Em outras palavras, eram museus de

história natural.

Com a criação dos institutos de ciência aplicada, como o Instituto Agronômico de

Campinas e o de Manguinhos, a partir da década de XX, os museus de ciência acabaram

perdendo força. A explicação disso se dá na falta de interesse na produção científica dos

museus que não era de aplicação imediata. Assim, eles foram sendo desvalorizados e

perdendo seus recursos. Em função disto, só em 1957 surge um novo museu de ciência

expressivo, o Museu do Instituto Butantan, em São Paulo. Tratava-se de um museu de

história natural voltado à exibição de ofídios, aranhas e escorpiões, que focava em

assuntos de saúde pública abrangendo, principalmente, doenças causadas por animais.

Sua criação trouxe uma inovação importante, que o distinguia da maior parte dos museus

nacionais: a preocupação com a comunicação para os visitantes.

Essa postura do Museu do Instituto Butantan influenciou os museus que já

existiam, como o Museu Paraense Emílio Goeldi, que criou em 1985 sua Divisão de

Divulgação Científica. E, no mesmo ano, o Observatório Nacional, que criou o Museu

de Astronomia e Ciências Afins (MAST), no Rio de Janeiro. Iniciativas que existem até

os dias de hoje. Nesse mesmo período surgiram os primeiros museus de ciência e

tecnologia com caráter dinâmico - enfatizando o papel ativo do indivíduo na construção

do seu próprio saber - com o intuito de abranger um público mais amplo. No Rio de

Janeiro, além do MAST foi criado o Espaço Ciência Viva e, em São Paulo, o Centro de

Divulgação Científica e Cultural (CDCC) da Universidade de São Paulo, a Estação

Ciência e o Museu Dinâmico de Ciências de Campinas da Universidade de Campinas

(Unicamp) e Prefeitura de Campinas; na Bahia, foi inaugurado o Museu de Ciência e

Tecnologia da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Essas iniciativas, algumas do

governo, outras independentes, resultaram de um processo longo que teve início na

década de 1960 fora do país, apontando para uma mudança no papel social dos museus

no mundo todo.

Nessa mesma época, surge nos Estados Unidos, os Science Centers, espaços

voltados a instigar o visitante a entrar em contato com as ciências e tecnologia de forma

inovadora, do tipo “faça você mesmo”. A proposta foi integrar ciência, tecnologia e arte,

utilizando amplamente as técnicas interativas de caráter experimental. A partir disso, os

museus de ciência foram eleitos como fontes importantes de aprendizagem fora do âmbito

escolar, visando acabar com o analfabetismo científico. Para a sociedade, tanto os centros

de ciências, como os programas de televisão e as matérias jornalísticas, passam a

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representar “um caminho para melhorar seu entendimento sobre o universo científico,

reforçando a ligação entre informação, entretenimento e aprendizagem” (VALENTE,

CAZELLI, ALVES, 2005, p.190).

Já sob a influência do Science Centers, na década de 1990 novos museus foram

criados no Brasil, dentre eles o Museu de Ciência e Tecnologia (da Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC RGS); o Espaço Ciência, em Recife,

Pernambuco; o Espaço Museu da Vida, da Casa de Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo

Cruz, no Rio de Janeiro; e o Espaço Museu do Universo, da Fundação Planetário, na

mesma cidade.

De acordo, com o Cadastro Nacional de Museus, realizado em dezembro de 2015

pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), o Brasil possui 3557 museus. Consideram-

se museus toda e qualquer instituição que se enquadre no inciso IX, do capítulo I, do

Decreto Nº 8.124, de 17 de outubro de 2013.

Cabe ressaltar que foram consideradas nessa contagem as instituições que estão

fechadas para reformas ou que ainda estão em fase de implantação. Analisando ainda esse

cadastro, podemos chegar a algumas conclusões. Uma delas é a perceptível disparidade

na distribuição dos museus pelo território brasileiro. As regiões Sul e Sudeste concentram

mais de 65% dos museus do país3. Considerando os estados, as diferenças são ainda maiores,

enquanto São Paulo possui 638 museus, Roraima tem apenas cinco (PORTAL DO

INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS).

Já quanto ao número de museus de ciência no país, a situação fica ainda mais

crítica. O Brasil tem 268 espaços de divulgação científica, segundo o guia de Centros

e Museus de Ciência no Brasil (2015), elaborado pela Associação Brasileira de

Centros e Museus de Ciência (ABCMC). Foram mapeados os diversos tipos de espaços

voltados à popularização da ciência espalhados pelo país. Além dos centros e museus de

ciência, são considerados zoológicos, jardins botânicos, parques e jardins zoobotânicos,

aquários, planetários e observatórios. Segundo o levantamento, o número de instituições

de divulgação científica aumentou em comparação ao último levantamento feito em 2009,

mas ainda é um aumento pequeno se comparado ao tamanho e necessidade do país.

2.2. Museu do Amanhã e sua estrutura de funcionamento

3 Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2015/07/regioes-sul-e-sudeste-concentram-quase-

70-dos-museus-do-pais.html>. Acesso em: 30 de setembro de 2016.

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A Operação Urbana Porto Maravilha, maior parceria público-privada (PPP) do

país, é um projeto de revitalização da região portuária, criada por iniciativa da prefeitura

do Rio de Janeiro, em 2009, com apoio dos Governos Estadual e Federal. Um dos

principais símbolos de renovação da região foi a reinauguração da Praça Mauá. Antes

escondida sob as sombras da Perimetral, a praça se reinventou e se tornou um importante

polo de cultura e lazer4. Del Rio fala exatamente desse momento de exaltação da região

portuária do Rio.

Dentre as áreas centrais de interesse para revitalização, as antigas áreas

portuárias - berço e lugar central de suas metrópoles durante séculos -

voltam a assumir um papel estratégico, assim como acontece no caso

do Rio de Janeiro (DEL RIO, 2001, online).

Segundo o site do Porto Maravilha5 o objetivo do projeto é a recuperação da

infraestrutura urbana, dos transportes, do meio ambiente e dos patrimônios históricos e

culturais da região. Desde seu início foram realizadas diversas obras na região como a

criação do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), nova Orla Conde, Via Binário do Porto,

Túnel Rio 450, Via Expressa, Túnel Prefeito Marcello Alencar, mas a intervenção mais

marcante do projeto foi, sem dúvidas, a demolição do Elevado da Perimetral. A

concessionária Porto Novo, formada pelas empreiteiras OAS, Odebrecht e a Carioca

Engenharia, foi a responsável pela execução das obras e prestação dos serviços da

operação.

Uma das áreas que o projeto investe é na valorização do patrimônio histórico da

região e no fomento à atividade cultural. A região portuária do Rio de Janeiro é

considerada um patrimônio histórico da cidade, por possuir uma singularidade cultural

muito grande devida a sua herança africana. Na verdade, uma região de patrimônio

cultural pode ser utilizada como cenário para o fomento de atividades que possibilitem

alguma forma de resgate ou crítica de fatos históricos, mas que ao mesmo tempo se

tornam legitimadoras de rentabilidade.

Nesse sentido, no discurso do poder público, a “autenticidade” do

patrimônio lhe atribui centralidade na lógica do mercado e do turismo

cultural, passando a desempenhar um papel fundamental no

desenvolvimento e diferenciação da área. Pode-se arriscar também a

hipótese de que tais discursos refletem pouca preocupação com o

cotidiano dos moradores e a provável ressonância desse patrimônio

sobre a população. (PIO, 2013, p. 18)

4 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/09/1678428-marco-da-historia-do-rio-

praca-maua-sera-reaberta-apos-obras.shtml>. Acesso em 04 de novembro de 2016. 5 Disponível em: <http://www.portomaravilha.com.br/>. Acesso em 13 de novembro de 2016.

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Com o início das obras na região foi redescoberto grande parte da formação de

nosso país. Ali se encontram o Cemitério dos Pretos Novos, local onde foram descobertos

milhares de restos mortais dos africanos que foram ali enterrados; o Largo do Depósito,

lugar onde se comercializavam os escravos, entre outros pontos históricos. O estímulo a

esse resgate histórico foi incentivado pela Lei Complementar 101/2009 - que instituiu o

Porto Maravilha - e que determina a aplicação de pelo menos 3% dos recursos

arrecadados com Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs) na

recuperação e valorização desse patrimônio e no fomento à atividade cultural6.

Desde o início de suas obras o projeto recebeu duras críticas. Dentre outros

motivos, por trazer um modelo que suscita um processo de “gentrificação”, ou seja, a

supervalorização de uma determinada região e a consequente subida do custo de vida,

forçando moradores tradicionais a saírem - seja por remoção direta ou por especulação

imobiliária. Muitos moradores da região temiam por isso, apesar de reconhecerem os

avanços que a região iria receber.

Esse fenômeno social de “gentrificação” é definido como uma forma de

apropriação de determinadas áreas urbanas por “camadas afluentes e do

capital privado, que o “requalificam” concertadamante com outros

atores, inclusive o poder público, criando uma situação de exclusão e

especulação, convertendo espaços privilegiados remanescentes e

degradados, em espaços de consumo de uma classe social ascendente.

(CARLOS apud GODET, 1999)

Entre as principais iniciativas do Porto Maravilha está a instalação de

equipamentos culturais como o Museu do Amanhã e o Museu de Arte do Rio. Como

destaca Del Rio (2001) uma das estratégias utilizadas é o uso de um gancho inicial, um

catalisador da revitalização que tenha forte apelo, contribuindo ativa e intensamente na

construção da nova imagem e de uma nova experiência para o público.

Os museus entram como esses catalisadores para o fomento dessa nova “cara” da

região. O Museu do Amanhã é um museu de ciências com linguagem interativa7,

inaugurado em dezembro de 2015 na zona portuária e gerido Instituto de

Desenvolvimento de Gestão (IDG). A princípio, ele se localizaria nos armazéns cinco e

seis e no prédio da Polinter, mas foi realocado no Píer Mauá. Esse deslocamento na

6 Disponível em: <http://www.portomaravilhario.com.br/porto_cultural>. Acesso em 18 de outubro de

2016. 7 A definição de interatividade não é unânime. Ela pode ser definida como o conteúdo com a possibilidade

de participação de seu receptor. No site Wikipédia, uma das concepções utilizadas é a de Jensen, que define

interatividade como “uma medida do potencial de habilidade de uma mídia permitir que o usuário exerça

influência sobre o conteúdo ou a forma da comunicação mediada”. Disponível em:

<https://pt.wikipedia.org/wiki/Interatividade>. Acesso em 20 de novembro de 2016.

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instalação demonstra que o Museu adquire visibilidade e centralidade no processo de

revitalização da área, “reproduzindo um dos princípios comuns a diversos projetos de

revitalização de zonas portuárias: o uso de grandes projetos arquitetônicos monumentais

como dinamizadores de desenvolvimento urbano” (PIO, 2013, p. 16).

O museu se propõe a oferecer ao visitante um ambiente de ideias, explorações e

perguntas sobre o presente e os diferentes caminhos para o futuro. Além disso, se propõe

a promover a inovação e a divulgar os avanços da ciência, colocando-se como uma

ferramenta de informação e educação. A narrativa da exposição principal, que é

majoritariamente digital e interativa, foca em ideias, ao invés de objetos. Suas temáticas

abordam como o ser humano pode moldar os próximos 50 anos. Para isso, apresenta as

mais recentes análises científicas como maneira de antever as mudanças nas décadas que

estão por vir.

3. A EXPANSÃO DE UMA PROFISSÃO: UM LUGAR PARA O JORNALISTA

NO MUSEU DO AMANHÃ

Os desafios na popularização da ciência, a importância da divulgação científica e

o breve histórico de museus e centros de ciência são pertinentes para entendermos o papel

do jornalista nessa nova dinâmica que se apresenta no Museu do Amanhã. Mas para

ampliar a discussão teórica e trazer a visão dos membros da equipe da Gerência de

Exposições e Observatório do Amanhã, foram feitas entrevistas com os membros da

equipe que são jornalistas: o gerente Leonardo Menezes, o editor Emanuel Alencar, o

redator Eduardo Carvalho e a pesquisadora Meghie Rodrigues.

Entre os entrevistados é unânime a ideia da importância da divulgação científica,

principalmente para ajudar as pessoas em sua vida cotidiana. Leonardo Menezes acredita

que a divulgação científica deixa a sociedade com mais “pé no chão” porque ela consegue

trazer uma percepção de mundo mais tangível tanto em relação aos problemas que

enfrentamos, como também com relação às soluções. Ele acredita que a divulgação

científica é relevante, pois diferentemente da divulgação feita por um grupo de mídia que

também retrata a realidade, os cientistas, claro que com suas exceções, buscam testar suas

próprias ideias, com diferentes abordagens, já que um dos princípios da ciência é testar

aquilo que acredita para ver se é real ou pelo menos corresponde à realidade.

A pesquisadora Meghie Rodrigues também acredita que a divulgação de ciência

tem mais a ver com auxiliar as pessoas a entender o método científico - e usá-lo para

pensar racionalmente as decisões que vão tomar no seu cotidiano - do que ajudá-las a

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saber quantas fitas de DNA temos em cada célula, por exemplo. Para ela, ter uma noção

básica de ciência é tão importante quanto ter noções básicas de economia, política e

história, pois tudo isso nos ajuda a tomar decisões bem informadas que nos auxiliam a

fazer frente aos riscos que enfrentamos o tempo todo.

A divulgação científica ficou, por muito tempo, à margem da grande imprensa.

Eduardo Carvalho, redator da equipe, lembra que a divulgação científica só tomou grande

impulso após a publicação do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças

Climáticas (IPCC) de 2007, quando passamos a conhecer com maior ênfase a questão das

mudanças climáticas - mesmo elas sendo debatidas desde a década de 90. A partir de

então, a divulgação de pautas científicas tomou um rumo diferente - tanto que construíram

um museu que aborda essas questões.

Assim, houve uma unanimidade em relação à importância da divulgação científica

na vida das pessoas, pois todos os membros da equipe consideraram a falta de

investimentos de recursos públicos e privados como um dos principais empecilhos para a

popularização da ciência no país.

Um dos maiores desafios da divulgação científica no Brasil, segundo Meghie

Rodrigues, é ser mais inclusiva, menos hermética e acadêmica, e ir de fato onde as pessoas

estão. Não apenas falar a linguagem que a população fala ou escutá-la de volta, mas

pensar em cenários futuros juntos, criar espaços e oportunidades para que as próprias

pessoas pensem em soluções para os problemas que veem ao redor delas. É preciso

assumir que o conhecimento científico é uma forma de empoderamento pessoal e social

que está nas mãos de muito poucas pessoas “é meio clichê, mas não custa lembrar:

conhecimento é poder.

Mesmo a popularização da ciência em nosso país caminhando com dificuldades,

os profissionais da equipe acreditam que o Museu do Amanhã e o trabalho desempenhado

por eles dentro da Gerência colaboram para divulgar a ciência. Leonardo Menezes que

está trabalhando no projeto desde sua concepção, acredita que o museu contribui pela

experiência que as pessoas vivenciam ali com assuntos que não são necessariamente

novos para todos, mas que são apresentados de uma forma diferente. Com isso, ele espera

aguçar a curiosidade dos visitantes por buscar mais informações, contribuir aos poucos

para que essa divulgação científica atraia mais pessoas e que o Museu possa ser um espaço

de debate dos diversos temas abordados.

As pesquisas de público realizados dentro do Museu mostram que 42% dos

visitantes não são frequentadoras de museus: 10% relataram que nunca haviam ido a um

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museu, e outros 32% disseram que a última visita havia sido há mais de um ano8. Outro

dado da pesquisa mostra que o Museu recebeu a nota 8,76 dos entrevistados, numa escala

de zero a dez. Como bem ressalta Eduardo Carvalho, essa informação é extremamente

relevante, ainda mais para um museu de ciência: “Divulgar conteúdo científico de uma

maneira diferente e atraente, como acho que fazemos, cria uma expectativa de abrirmos

mentes da população brasileira para diversas áreas pouco exploradas”.

Em seu primeiro ano de funcionamento o Museu recebeu o Leading Culture

Destinations Awards, prêmio britânico considerado o “Oscar dos Museus” na categoria

“Melhor Novo Museu do Ano”. Ganhou também uma medalha de ouro e duas de bronze

no International Design & Communication Awards (IDCA)9, no Canadá e foi o primeiro

museu do Brasil a receber o selo Ouro da certificação internacional LEED (Leadership in

Energy and Environmental Design). A certificação é resultado da eficiência energética e

de processos empregados na construção. Além disso, recebeu mais de 1,3 milhão de

visitantes, o triplo do que havia sido previsto inicialmente pela Prefeitura e atingiu a

primeira colocação entre os lugares do Brasil mais fotografados no aplicativo Instagram,

em 2016, com base em geotags10.

Diante de tanta visibilidade em tão pouco tempo, o Museu carrega também uma

grande responsabilidade: manter o conteúdo de suas exposições sempre atualizadas e

embasadas em estudos e pesquisas confiáveis. Emanuel Alencar, editor de Conteúdo,

ajuda a garantir a qualidade dos textos das exposições, além de acompanhar de perto,

sugerindo e pensando junto com a equipe, as narrativas para a abordagem de diferentes

temas. Ele ressalta que ser o Museu mais visitado do país traz muita coisa boa, como a

visibilidade internacional, mas também uma enorme responsabilidade. Para o editor, a

curadoria do físico Luiz Alberto Oliveira e o amparo de um Comitê Científico, que reúne

profissionais gabaritados de diversas áreas, é a garantia de que estão alinhados com o

“estado da arte11” em ciência em todo o mundo.

8 Pesquisa feita com 839 visitantes entre os dias 16 e 29 de janeiro pela equipe do Museu do Amanhã.

Disponível em: <http://oglobo.globo.com/rio/pesquisa-em-museu-mostra-que-10-do-publico-nunca-tinha-

ido-centro-cultural-19353941>. Acesso em 22 de dezembro de 2016. 9Esta é uma das principais premiações do mundo para museus. Disponível em:

<http://oglobo.globo.com/rio/museu-do-amanha-ganha-premio-internacional-com-santos-dumont-

20484557>. Acesso em 22 de dezembro de 2016. 10 Consiste em informações quanto à localização geográfica. As informações podem ser anexadas a fotos

ou outros serviços. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Geotagging>. Acesso em: 23 de

dezembro de 2016 11 O estado da arte é o nível mais alto de desenvolvimento, seja de um aparelho, de uma técnica ou de uma

área científica, alcançado em um tempo definido. Disponível em:

<https://pt.wikipedia.org/wiki/Estado_da_arte>. Acesso em: 23 de dezembro de 2016.

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E, para encerrar, vale destacar que a equipe considera que, mesmo diante de toda

possibilidade que um museu interativo apresenta, abordando temas complexos, da física,

da matemática, da biologia, das ciências sociais, com uma linguagem totalmente digital

e interativa, ainda existem dificuldades em transformar os “assuntos de ciência”

compreensíveis para o grande público. Pois, sempre será um desafio construir uma

narrativa que convide, a todo o momento o visitante, a interagir e fazer parte da

transformação de mundo que se quer, despertando-o visitante para as possibilidades de

viver os “amanhãs” a partir das escolhas que se faz hoje. De acordo com Emanuel Alencar

não se pode ignorar que, nos dias atuais, em que a velocidade de informação virou um

fetiche, atrair a atenção das pessoas para uma reflexão que dure mais do que alguns

segundos, é algo bastante difícil. Imagine-se, então, se a pessoa considerar o tema

complexo, desinteressante, divorciado se seu dia a dia. “Então essa é uma luta diária de

quem trabalha com divulgação científica deve travar. A informação precisa seduzir, mas

sem perder o rigor técnico, científico”, diz.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste artigo, buscamos mostrar que a popularização da ciência é um

instrumento fundamental para a formação de uma sociedade mais inclusiva e consciente

de seus direitos, além de ser fator essencial também para um desenvolvimento mais

econômico e sustentável. No entanto, ainda é preciso percorrer muitos caminhos para o

país superar, completamente, a triste realidade que é o analfabetismo e conquistar,

também, a alfabetização científica de sua população. Sabe-se que boa parte desse trabalho

realmente deveria se iniciar nas escolas, em um ensino básico de qualidade que

proporcionasse a seus alunos o primeiro contato com o mundo da ciência. Mas, diante de

um cenário difícil de um ensino de ciência nas escolas, muitas vezes marcado por

inúmeras limitações metodológicas e pela precariedade do sistema público de ensino,

outros centros devem desempenhar esse contraponto ao ensino formal de ciências.

Neste sentido, a difusão da cultura científica deve ser parte integrante da

sociedade. E, para tal, existem inúmeras iniciativas que podem ajudar a diminuir essa

distância entre a sociedade e a ciência. Os museus são um desses lugares possíveis. Como

já comentado, os museus e centros de Ciência no Brasil ainda são muito mal distribuídos

e não conseguem atender à necessidade de toda a população. Mas, mesmo que não seja

em número expressivo, os pequenos centros raramente conseguem obter um bom número

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de visitação e acabam dependentes de instituições que os financiem ou de verbas

governamentais, dificultando, ainda mais, o diálogo entre a sociedade e o mundo

científico.

No entanto, o intuito dessa pesquisa não era apenas questionar as dificuldades da

divulgação científica ou ainda o papel dos museus nesse percurso. O propósito era incluir

uma reflexão crítica sobre a presença do jornalista nesse processo. Trabalhamos com o

caso do Museu do Amanhã, pensando na hipótese de uma suposta tendência da presença

de jornalistas como criadores de conteúdo e curadores de futuros museus e centros

científicos.

Na verdade, o que se quer destacar é que as exigências contemporâneas referentes,

sobretudo ao alfabetismo científico demonstram a necessidade de os cidadãos se

relacionarem com temas e conhecimentos científicos. Diante disso, os espaços de

formação não formais, como os museus de ciência, se abrem como uma fundamental

estratégia para chamar a atenção do público para as questões científicas, utilizando

amplamente a interatividade. No atual contexto que vivenciamos, temos que ter uma nova

relação com a ciência, não mais baseada em tradução de termos científicos ou

acontecimentos descontextualizados, mas buscando entender o conhecimento científico e

suas implicações no cotidiano. Muitos estudiosos da área apontam que exposições e

atividades em museus são uma grande fonte de conhecimento fora do ambiente formal

das escolas.

Ao discorrer sobre essa temática foi possível perceber que a manutenção e a

criação de programas que estimulem os espaços de divulgação científica, assim como a

maior compreensão dos jornalistas, da real importância que o jornalismo científico pode

exercer na aprendizagem de ciência e tecnologia para toda a sociedade. Ressalta-se a

certeza que há um grande campo a ser discutido neste tema, que está apenas começando

com a participação ativa de jornalistas em museus de ciência.

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