Mundo - ano 22 - 6

12
O sistema internacional de Estados atravessa uma longa, complexa transição. De um lado, a ordem global se torna cada vez mais pluripolar, à me- dida que vai se desvanecendo o interva- lo de hegemonia absoluta dos Estados Unidos. De outro, a emergência da China altera o equilíbrio tradicional dos pratos da balança de poder entre Ocidente e Oriente. Não é uma transição suave ou gra- dual, mas uma mutação pontuada por eventos cataclísmicos. Na sensível região do Oriente Médio, desaba uma ordem estatal ancorada nos acordos entre as potências europeias firmados na hora do encerramento da Primeira Guerra Mun- dial. E, no lugar de uma nova ordem, des- cortina-se um cenário de caos. No vácuo de poder gerado pela retirada americana do Iraque, o Iraque e a Síria entram em colapso, em meio a rivalidades entre as potências regionais e aos perigosos mo- vimentos do chamado Isis. A ordem europeia, erguida passo a passo no pós-guerra, enfrenta ameaças diferentes, porém assustadoras. A euforia que se seguiu ao encerramento da Guerra Fria foi substituída por uma crise econômica crônica da União Europeia, que já se transformou em crise de legitimidade política. Ao mesmo tempo, o conflito na Ucrânia destruiu as esperanças de coope- ração entre a Europa e uma Rússia que almeja recuperar seu estatuto de grande potência. Aos olhos do mundo, esboça-se uma nova confrontação, talvez uma “segunda Guerra Fria”. Veja as matérias das págs. 6 a 9 A EUROPA DAS TRIBOS N a Escócia, a secessão perdeu, mas o referendo provocou impactos de longo prazo. Os unionistas triunfaram às custas dos anéis, pela promessa de última hora de conceder ampla autonomia ao Parlamento es- cocês. Agora, deflagra-se um processo incerto de descentralização do Estado britânico, com a concessão de autonomias para a Irlanda do Norte, o País de Gales e, sobretudo, a Inglaterra. Os nacionalistas catalães não foram derrotados pelo resultado do referendo escocês. A Espanha é um Estado unitário, e Madri rejeita a realização de um refe- rendo independentista na Catalunha. Os catalães respondem exigindo o mesmo direito de decidir que tiveram os escoceses. Um impasse desenha-se no ar. A ironia é que a existência da União Europeia, um projeto de unidade su- pranacional, funciona como estímulo para os “nacionalismos regionais”. A razão é simples: o mercado unificado europeu e as estruturas geopolíticas do bloco viabilizam a existência de pequenos Estados no mundo da globalização. Pág. 10 Desafio digital ANO 22 Nº 6 OUTUBRO/2014 TIRAGEM: 20 000 EXEMPLARES A ORDEM MUNDIAL EM DESCONSTRUÇÃO © Miniyo73/Flickr/Creative Commons © Sergei Supinsky/AFP Manifestações em Kiev (Ucrânia) ressuscitam o fantasma de um confronto militar entre Estados Unidos e Rússia: um grave sintoma do caos global E mais... Editorial – Ao longo de uma década de crescimento eco- nômico, o Estado brasileiro estimulou o consumo de bens privados sem gerar bens pú- blicos adequados a um país de renda média. Pág. 3 A crise de abastecimento de água em São Paulo foi agra- vada pela longa estiagem, mas suas raízes se encontram na esfera da política. Pág. 3 O Meio e o Homem – As mudanças climáticas globais tendem a provocar alterações nos padrões de chuvas que re- gulam os biomas brasileiros. Pág. 4 No Brasil, país de dimensões continentais com intensa dinâ- mica de povoamento, existem motivos geopolíticos e econô- micos para a revisão do desenho das Unidades da Federação. Pág. 5 Na etapa final das negocia- ções com as Farc, o governo colombiano escolhe ousar, envolvendo o comando mi- litar no processo político de pacificação. Pág. 11 Diário de Viagem – A Polinésia é o triângulo imenso com vér- tices na Ilha de Páscoa, Nova Zelândia e Havaí: o espaço ge- ográfico da civilização maori. Pág. 12 Facebook e Revista Pangea Facebook: Siga-nos em nossa página no Facebook (www.facebook.com. br/JornalMundo). Lá você encontrará textos, infográficos, sugestões de livros, filmes e indicações de sites que fazem toda a diferença do mundo. Revista Pangea: Acessando nosso site (www.clubemundo.com.br) e cadastran- do-se, você poderá receber quinzenal- mente, por e-mail, textos especialmente selecionados pelos editores de Mundo. Acesse e cadastre-se, é gratuito.

description

Boletim Mundo - Geografia e Política Internacional

Transcript of Mundo - ano 22 - 6

Page 1: Mundo - ano 22 - 6

O sistema internacional de Estados atravessa uma longa, complexa

transição. De um lado, a ordem global se torna cada vez mais pluripolar, à me-dida que vai se desvanecendo o interva-lo de hegemonia absoluta dos Estados Unidos. De outro, a emergência da China altera o equilíbrio tradicional dos pratos da balança de poder entre Ocidente e Oriente.

Não é uma transição suave ou gra-dual, mas uma mutação pontuada por eventos cataclísmicos. Na sensível região do Oriente Médio, desaba uma ordem estatal ancorada nos acordos entre as potências europeias firmados na hora do encerramento da Primeira Guerra Mun-dial. E, no lugar de uma nova ordem, des-cortina-se um cenário de caos. No vácuo de poder gerado pela retirada americana do Iraque, o Iraque e a Síria entram em colapso, em meio a rivalidades entre as potências regionais e aos perigosos mo-vimentos do chamado Isis.

A ordem europeia, erguida passo a passo no pós-guerra, enfrenta ameaças diferentes, porém assustadoras. A euforia que se seguiu ao encerramento da Guerra Fria foi substituída por uma crise econômica crônica da União Europeia, que já se transformou em crise de legitimidade política. Ao mesmo tempo, o conflito na Ucrânia destruiu as esperanças de coope-ração entre a Europa e uma Rússia que almeja recuperar seu estatuto de grande potência. Aos olhos do mundo, esboça-se uma nova confrontação, talvez uma “segunda Guerra Fria”.

Veja as matérias das págs. 6 a 9

A EuropA dAs tribos

Na Escócia, a secessão perdeu, mas o referendo provocou impactos de longo prazo. Os unionistas triunfaram às custas dos anéis, pela

promessa de última hora de conceder ampla autonomia ao Parlamento es-cocês. Agora, deflagra-se um processo incerto de descentralização do Estado britânico, com a concessão de autonomias para a Irlanda do Norte, o País de Gales e, sobretudo, a Inglaterra.

Os nacionalistas catalães não foram derrotados pelo resultado do referendo escocês. A Espanha é um Estado unitário, e Madri rejeita a realização de um refe-rendo independentista na Catalunha. Os catalães respondem exigindo o mesmo direito de decidir que tiveram os escoceses. Um impasse desenha-se no ar.

A ironia é que a existência da União Europeia, um projeto de unidade su-pranacional, funciona como estímulo para os “nacionalismos regionais”. A razão é simples: o mercado unificado europeu e as estruturas geopolíticas do bloco viabilizam a existência de pequenos Estados no mundo da globalização.

Pág. 10

Desafio digital

■ ANO 22 ■ Nº 6 ■ OUTUBRO/2014 ■

tiragem: 20 000 exemplares

A ordEm mundiAl Em dEsconstrução

© M

iniy

o73

/Flic

kr/C

reat

ive

Co

mm

on

Ser

gei

Su

pin

sky/

AFP

Manifestações em Kiev (Ucrânia) ressuscitam o fantasma de um confronto militar entre Estados Unidos e Rússia: um grave sintoma do caos global

E mais...● Editorial – Ao longo de uma

década de crescimento eco-nômico, o Estado brasileiro estimulou o consumo de bens privados sem gerar bens pú-blicos adequados a um país de renda média.

Pág. 3

● A crise de abastecimento de água em São Paulo foi agra-vada pela longa estiagem, mas suas raízes se encontram na esfera da política.

Pág. 3

● O Meio e o Homem – As mudanças climáticas globais tendem a provocar alterações nos padrões de chuvas que re-gulam os biomas brasileiros.

Pág. 4

● No Brasil, país de dimensões continentais com intensa dinâ-mica de povoamento, existem motivos geopolíticos e econô-micos para a revisão do desenho das Unidades da Federação.

Pág. 5

● Na etapa final das negocia-ções com as Farc, o governo colombiano escolhe ousar, envolvendo o comando mi-litar no processo político de pacificação.

Pág. 11

● Diário de Viagem – A Polinésia é o triângulo imenso com vér-tices na Ilha de Páscoa, Nova Zelândia e Havaí: o espaço ge-ográfico da civilização maori.

Pág. 12

Facebook e Revista Pangea

● Facebook: Siga-nos em nossa página no Facebook (www.facebook.com.br/JornalMundo). Lá você encontrará textos, infográficos, sugestões de livros, filmes e indicações de sites que fazem toda a diferença do mundo.

● Revista Pangea: Acessando nosso site (www.clubemundo.com.br) e cadastran-do-se, você poderá receber quinzenal-mente, por e-mail, textos especialmente selecionados pelos editores de Mundo. Acesse e cadastre-se, é gratuito.

Page 2: Mundo - ano 22 - 6

22014 OUTUBROMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO

19º ConCurso naCional de redação Mundo e H&C – 2014Índice Geral de Mundo – 2014

Você encontra aqui o índice de tudo o que foi publicado no boletim Mundo – Geografia e Política Internacional

em 2014. Na primeira parte do índice, os assuntos são listados segundo o número da edição em que aparecem. Na segunda, o índice é organizado por região geopolítica ou tema. Os números em negrito (fora dos parênteses) indicam o número da edição do boletim; dentro dos parênteses, indicam as páginas.

● Número 1 – março de 2014A China na ordem mundialChina versus Estados Unidos: geopolítica oceânicaO Japão diante da ascensão chinesaUcrânia, entre a Rússia e a EuropaNo Chile, Bachelet encara a herança de PinochetA sombra de Stalin, meio século depoisA imprensa brasileira e a ditadura militarEditorial: Os 50 anos do golpe de 1964Diário de Viagem: Bessarábia

O Meio e o Homem: O Mar Negro e o Cáucaso

● Número 2 – abril de 2014Projeto da Grande Rússia explode na UcrâniaA Europa Central, de Berlim a KievHá 40 anos, Portugal perdia a ÁfricaAmérica Latina marginaliza a OEAMaduro e a crise do chavismoHá duas décadas, o genocídio de RuandaA segunda morte da CEIEditorial: Lei “antiterror” e liberdade de expressão Diário de Viagem: Um mundo judaico sem judeus

O Meio e o Homem: Geração eólica no Brasil

● Número 3 – maio de 2014Revolução energética nos Estados UnidosRússia-Europa, a ponte dos gasodutosChina encara o desafio energéticoO futuro da energia nuclearPlano Real, história e ideologiaA Copa do Mundo no BrasilBrasil, a ditadura militar e a democraciaEditorial: A Copa e o direito ao protestoDiário de Viagem: Moscou e Rússia

O Meio e o Homem: A seca, a água e a luz

● Número 4 – agosto de 2014O califado da jihadSunitas versus xiitas: guerra de religião?A miragem do CurdistãoA Primeira Guerra Mundial no cinemaO triunfo eleitoral dos “eurocéticos”La Roja e a unidade da EspanhaA Amazônia no espelho do IDHMO voto pela paz na ColômbiaEditorial: Racismo e xenofobia na EuropaDiário de Viagem: Nepal

O Meio e o Homem: Nas terras do Boko Haram

● Número 5 – setembro de 2014Israel/Palestina: a terceira guerra de GazaO dilema demográfico de IsraelNa África, a persistência da homofobiaO projeto do Canal da NicaráguaChina versus Índia no Oceano ÍndicoA herança de Vargas, 60 anos depoisEbola e globalizaçãoA redação do EnemEditorial: As celebrações da morteDiário de Viagem: Israel/PalestinaO Meio e o Homem: Centro-Oeste brasileiro

● O Mapa de Mundo

Globalização – 3:(9) 5:(12) Geopolítica – 3:(4) 6:(6) EUA e Canadá – 3:(6) 6:(7) Europa Ocidental – 2:(3) 3:(7) 4:(3-4) 6:(8-10) CEI e Europa Oriental – 1:(3-5-10-11) 2:(6-7-8-9-10) 3:(8-12) Oriente e Pacífico – 1:(6-7-8-9) 3:(8) 6:(12) Ásia Meridional – 4:(12) 5:(5) Oriente Médio – 4:(6-7-8-9) 5:(3-6-7-8-9) 6:(9) América Latina – 1:(4) 2:(4-5) 3:(10) 4:(11) 5:(4) 6:(11) África Subsaariana – 2:(11) 4:(5) 5:(3) Brasil – 1:(3-12) 2:(3-12) 3:(2-3-11) 4:(10) 5:(10-11) 6:(3-4-5) Ciência e Cultura – 3:(5) 4:(2) 5:(2)

Conheça os vencedores Nome do aluno Colégio Município Professor(a)

■ 1º Marina Paolillo Educativa - Inst. Ed. e Cultura São Carlos (SP) Bianca C. C. Ribeiro ■ 2º Caroline M. Aben-Athar Fernandes Sistema de Ensino Equipe Belém (PA) Marcelo Lopes ■ 3º Maria Eduarda Caramez Vieira Col. S. Agostinho “N. Leblon” Rio de Janeiro (RJ) Liliane Machado ■ 4º Marjorie Fernanda Muniz Col. Agostiniano São José São Paulo (SP) Jaqueline Monteiro ■ 5º Heitor Costa Colégio Dinâmico Goiânia (GO) Márcia M. Magalhães Borges ■ 6º Letícia Mendes Barbosa Centro Ed. Frei Seráfico São João Del Rei (MG) Roginei Paiva ■ 7º Amanda Nascimento Miranda Educativa - Inst. Ed. e Cultura São Carlos (SP) Bianca C. C. Ribeiro ■ 8º Karina Avelar de Almeida Fundação CAVE - Granbery Juiz de Fora (MG) Waldyr Imbroisi Rocha ■ 9º Maria Eduarda Delmas Campos Col. S. Agostinho “N. Leblon” Rio de Janeiro (RJ) Liliane Machado ■ 10º Marina Bignardi Cervantes Col. Cidade de Itu “Anglo” Itu (SP) Pedro da Cunha Neto

PANGEA – Edição e Comercialização de Material Didático LTDA.

Redação: Demétrio Magnoli, José Arbex Jr., Nelson Bacic Olic (Cartografia).Jornalista responsável: José Arbex Jr. (MTb 14.779)Revisão: Jaqueline RezendePesquisa iconográfica: Thaisi LimaProjeto e editoração eletrônica: Wladimir SeniseEndereço: Rua Dr. Dalmo de Godói, 57, São Paulo – SPCEP 05592-010. Tel/fax: (011) 3726.4069 / 2506.4332E-mail: [email protected] – www.facebook.com/JornalMundo

E X P E D I E N T E

imAgEns EspEculArEs pArAdoxAisMarina Paolillo

Muito além da já consagrada faceta do esporte do “pão e circo”, como manobra política alienante,

os jogos esportivos demonstram-se fenômenos sociais complexos, frequentemente paradoxais, reflexo do con-texto histórico no qual estão inseridos.

Tais competições podem ser a materialização dos valores ideológicos vigentes, cuja concretização, segundo o teórico crítico alemão T. Adorno, é ambígua, uma vez que preza valores muitas vezes antagônicos. Como no caso da rivalidade, hierar-quia e meritocracia, paralelamente ao fairplay, à ambição, ao respeito às regras e à ação coletiva. Além disso, mercantilizou-se o esporte e reifica-se o atleta à condição de homem-máquina, o que demonstra suas contradições ideológicas.

O esporte, entretanto, não só se mostra nos micro-vetores de poder, no âmbito da moralidade individual, como também na macrosfera, simbolizando o Estado-nação. Esporadicamente, os eventos esportivos instigam um valor de suma importância para a conservação da estrutura do país, o nacionalismo. E ainda, em certas ocasiões, essa paixão, amor irracional à pátria, pode servir como legitimador de governos ditatoriais, como nos Jogos Olímpicos de 1936, na Alemanha hitlerista, uma vez que esse evento foi utilizado para forjar a superioridade da raça ariana e como propaganda governamental. Esse último uso também ocorreu na Copa do Mundo de Futebol de 1970, no México – quem vitoriosamente levantou a taça ao final do campeonato não foi a seleção brasileira, mas sim o governo, pelas mãos de Médici.

Ou ainda, os campeonatos podem simbolizar a luta pela hegemonia ideológica internacional, através do em-bate esportivo, como visto em dois momentos durante a Guerra Fria: com os Jogos Olímpicos de 1980, na União Soviética, boicotada mediante a não participação estaduni-dense e de seus aliados, e, em seguida, em 1984, nos EUA, que ostentou a corrida tecnológica durante o evento.

Embora os eventos esportivos possam demonstrar a competição internacional, eles também podem simbolizar, com disputas regulares, a união de países pelos blocos econômicos e relações políticas, como a UEFA Champions League simboliza o bloco da União Europeia e a Copa Libertadores da América, a Aladi (Associação Latino-Ame-ricana de Integração, a qual visa à união socioeconômica do Caribe e da América do Sul).

A prática esportiva, muito além de servir como ins-trumento de consolidação de ideologias, Estados e eco-

nAcionAlismo à cApElA, ou vErdE, AmArElo, Azul E... dEu brAnco no timE?

Flora Bender Garcia

O título confirmou a primeira colocação de Mari-na: “Imagens especulares paradoxais”. Poderia,

à primeira vista, ser interpretado como um óbvio “Não confie nos espelhos, que eles enganam”. É, porém, mais do que uma prosaica tradução. Sua explicação é retomada na conclusão: “Como quaisquer produtos culturais, são imagens especulares, que aproximam o poder institucional do cotidiano dos indivíduos.”

(Leia a íntegra do comentário crítico emwww.clubemundo.com.br)

nomias, ela também é instrumento de mudança. É o que exemplifica o líder da oposição ao sistema segregacionista sul-africano, Nelson Mandela, ao valer-se da Copa do Mundo de Rugby de 1995 para a pacificação e a reunião de negros e brancos.

Assim como na África do Sul pós-apartheid, o esporte foi utilizado por uma parcela da população no Brasil como instigador de mudanças, já que metonimizaram suas insatisfações populares e crise de representatividade política na Copa de Futebol de 2014 em manifestações desde junho de 2013 até durante o evento.

Logo, os esportes demonstram tamanha relevância nas sociedades, desde a Antiguidade, que influenciam os indivíduos muito mais do que em momentos catárticos. Como quaisquer produtos culturais, são imagens especula-res, que aproximam o poder institucional do cotidiano dos indivíduos. E assim, por ser fruto social, pode ser utilizado tanto para o subjulgamento quanto à emancipação.

Em seu 19º ano, a Comissão Julgadora recebeu 165 trabalhos, em sua imensa maioria escolhidos em concursos internos nas escolas. Isso significa que o universo geral de alunos participantes foi muito maior e ajuda a explicar o ótimo nível dos trabalhos. A seguir, publicamos a relação dos dez primeiros colocados e o texto vencedor, comentado pela professora Flora Christina Bender Garcia. Aos alunos participantes, professores e escolas, nossos parabéns!

Page 3: Mundo - ano 22 - 6

MUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO � OUTUBRO 2014

Eclodiu, Em mEados dE sEtEmbro, uma po-lêmica rElacionada aos rEsultados da pEsquisa nacional por amostra dE domicílios (pnad) sobrE a curva da dEsigualdadE dE rEnda no país. a primEira vErsão da pEsquisa, divulgada pElo instituto brasilEiro dE gEografia E Estatística (ibgE), constatava a Estagnação na trajEtória dE rEdução da dEsigualdadE. mEnos dE dois dias dEpois, quando o tEma já ganhara Espaço na cam-panha ElEitoral, uma rápida rEvisão originou uma sEgunda vErsão, quE constatava a continuidadE da rEdução da dEsigualdadE, mas Em ritmo muito lEnto. formou-sE logo um pEquEno Escândalo: tEria o ibgE cEdido a prEssõEs políticas (no caso, obviamEntE, do govErno) E maquiado a pnad?

provavElmEntE tudo não passou dE um crasso

Erro técnico – E, dE um modo ou dE outro, a pnad rEvElou a intErrupção dos significativos ganhos dE rEnda rEal da parcEla mais pobrE da população. o fEnômEno, bastantE prEvisívEl, rEflEtE a quasE Estagnação Econômica ao longo do govErno dilma roussEff. contudo, a polêmica gErada pElo Episódio dEsvia o foco daquilo quE rEalmEntE importa.

os ganhos dE rEnda dos mais pobrEs jamais sE-guirão uma trajEtória constantE, pois os ciclos Econômicos não podEm sEr suprimidos. o vErdadEiro Escândalo sE Encontra Em outro lugar: ao longo dE uma década dE crEscimEnto da rEnda, o consumo dE bEns privados sE Expandiu acElEradamEntE, mas o Estado não gErou bEns públicos apropriados a um país dE rEnda média. ou, trocando Em miúdos: os pobrEs compraram cElularEs, tElEvisorEs dE tEla

plana E divErsos ElEtrodomésticos, mas conti-nuaram sEm acEsso à Educação dE qualidadE, a um sistEma dE saúdE digno, à sEgurança pública E a transportEs EficiEntEs. Eis aí, numa síntEsE, o tEma quE não podE sEr iluminado por pEsquisas sobrE a dEsigualdadE dE rEnda.

“Escolas E hospitais padrão fifa” – a palavra dE ordEm quE surgiu nas jornadas dE junho, Em 2013, não Era indício da “confusão” do movimEnto, como diagnosticaram tantos ciEntistas políticos, nEm da “ingratidão” popular, como sugEriu o mi-nistro gilbErto carvalho. os manifEstantEs, pElo contrário, ExprEssavam uma justa indignação con-tra um modElo Econômico quE, pErsistEntEmEntE, nEga o acEsso aos dirEitos univErsais. pão, circo E cElularEs? não é assim quE sE faz um país.

E D I T O R I A L

bEns públicos E bEns privAdos

A atual crise hídrica revela, entre outras coisas, o fato de o Brasil ainda estar

longe de pensar, refletir e, sobretudo, gerir a água de modo competente e responsável, mesmo em comparação aos vizinhos lati-no-americanos. Pude constatá-lo durante um seminário científico realizado em Lima (Peru), em agosto, que teve como tema os cinco anos de vigência da lei peruana de águas e contou com pesquisadores e ges-tores de direitos de diversos setores sociais e de vários países.

Até hoje, por exemplo, nenhuma revisão, análise, avaliação ou atualização foi feita da Lei de Recursos Hídricos brasileira, aprovada em 1997. Mantemos um modelo de gestão que trocou um código que priorizava a água como um bem vital ao ser humano por uma lei que trata a água apenas por seu viés econômico, como bem de consumo. Um dos efeitos recentes desta visão unidimensional é a crise hídrica verificada na Região Metropo-litana de São Paulo (RMSP).

A escassez de água em São Paulo não é fruto da estiagem do verão de 2013-2014, nem se constitui num evento “novo” ou inesperado. A cidade de São Paulo é pobre em termos de disponibilidade hídrica e sempre conviveu – pelo menos ao longo dos últimos 120 anos – com o difícil equi-líbrio entre seu vertiginoso e desordenado crescimento urbano e a disponibilidade de água para sua população. Por esta razão, a RMSP tem dragado também os manan-ciais das bacias hidrográficas vizinhas.

Pelo menos desde 2004 os gestores da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) já sabiam que a vazão média dos mananciais que abastecem o Sistema Cantareira apresen-tava diminuição crescente. O Atlas Brasil – Abastecimento Urbano de Água, da Agência Nacional de Águas (ANA), em 2010, apontava que 55% dos municípios brasileiros teriam abastecimento defici-tário de água até 2015, dos quais 84% necessitariam de investimentos para a adequação de seus sistemas produtores e 16% apresentariam deficit decorrente dos mananciais utilizados.

Mas a Sabesp optou por um modelo gerencial empresarial, incluindo a abertura de seu capital a investidores privados, com

suas ações negociadas na Bolsa de Valores. O novo modelo foi uma adaptação à lógica desestatizante que varreu o país na década de 1990, ditada por fortes e pesados in-teresses internacionais – e que foi acom-panhada de várias alterações legislativas, como, por exemplo, a já mencionada Lei de Recursos Hídricos. Em nome de um suposto salto de qualidade no sentido de aumentar a eficiência corporativa gerencial, com a promessa de melhoria dos serviços, as empresas públicas de saneamento e de água do país – assim como as de telefonia, eletricidade, rodovias, dentre outras – fo-ram abertas aos investidores privados do mercado de capitais.

Significativamente, nos últimos dez anos, as ações da Sabesp tiveram uma

valorização de 601% e o valor de merca-do da companhia triplicou no período, passando de R$ 6 bilhões para R$ 17,1 bilhões. Apesar disso, a companhia investiu menos de 37% do que havia previsto para a realização de obras no pe-ríodo de 2008 a 2013. Como resultado, não foram criados novos reservatórios, alguns pontos da rede da Sabesp na capital datam ainda da década de 1930, os índices de perda física de água trata-da, por vazamentos e má conservação da rede instalada, são inaceitavelmente altos (mais de 30%, segundo a própria Sabesp). Sem planejamento e crescimen-to sustentável de rede, o resultado é o desabastecimento e a crise.

A meta da Sabesp é atingir 100% de cobertura de água tratada, bem como de coleta e tratamento de esgoto. O número de novas ligações e de expansão das redes da Sabesp tem crescido significativamen-te, estando a companhia muito próxima de atingir sua meta em relação à água. O problema é que a expansão da rede de usuários não foi acompanhada de medidas responsáveis e necessárias para o atendi-mento da demanda.

Neste cenário, a Copa do Mundo ainda trouxe à cidade de São Paulo, em menos de um mês, cerca de 400 mil novos consumidores. A falta de chuva tem muito pouca responsabilidade na atual crise. Ela somente pode, no máximo, ter agravado uma situação que já existia.

Estiagem associada a políticas públicas equivocadas secou grandes represas como a do Jaguari (situada no Vale do Paraíba)

© L

uiz

Au

gu

sto

Dai

do

ne/

Pref

eitu

ra d

e Va

rgem

/Fo

tos

blic

as

são pEdro não tEm culpAJoão Amorim

Especial para Mundo

João Amorim é doutor em Direito Internacional e professor da Universidade

Federal de São Paulo (Unifesp)

Page 4: Mundo - ano 22 - 6

42014 OUTUBROMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO

elas se reduziriam entre um mínimo de 5% (durante o verão do Panta-nal) e um assus-tador máximo de 20% (durante os invernos do Cer-rado e da Caa-tinga) [veja os gráficos]. Já nos biomas Pampa e Mata Atlântica, levando em conta apenas as porções sul e sudeste des-te último, prevê-

se um aumento das chuvas entre 5% (inverno) e 10% (verão).

Deve-se levar em conta que as princi-pais simulações de referência são de caráter global, com pequena definição de detalhes. Ademais, mesmo para as simulações glo-bais, ainda existem as imperfeições dos mo-delos teóricos utilizados e das informações que alimentam os pesquisadores. Um fator político e social impossível de mensurar é a reação dos governos e da sociedade ao desa-fio de controlar o aquecimento global.

É mais fácil modelar áreas extensas que áreas pequenas. Por isso, persistem dúvidas sobre as manifestações locais das mudan-ças nos padrões das chuvas. Os modelos teóricos utilizam diferentes variáveis em seus cálculos, tentando cobrir uma ampla gama de tendências possíveis. O consenso básico assegura que devem ocorrer mu-danças importantes, com impactos muito negativos em larga escala, se o aquecimento global superar a marca de 2 ºC. Imagine o efeito disso sobre o bioma Cerrado, onde se produz a parcela mais importante do agronegócio do Brasil.

Provavelmente, já experimentamos lo-calmente alguns efeitos do fenômeno global. Não é difícil prever que um regime de chuvas ainda mais conturbado, com excesso de água em algumas regiões e escassez em outras, trará importante impacto para o abastecimento de água da população e a produção de alimentos e energia. Crises de água, energia e alimentos têm o potencial de desencadear uma série de efeitos indiretos sobre a segurança e a saúde públicas, comprometendo as perspectivas de crescimento futuro.

O Painel Internacional de Mudanças Climáticas (IPCC) divulgou em

abril um novo relatório, cuja ênfase se situa nos impactos e vulnerabilidades provoca-dos pelas alterações do clima nas diversas regiões do mundo. Tomando como objeto de análise a América Latina, o relatório mostra como o aquecimento global afeta diferentes regiões desta parte do continente americano. Para suas conclusões, o IPCC elaborou uma divisão geográfica própria, identificando sete subáreas: América Cen-tral e Costa Noroeste, Amazônia, Andes Tropicais, Andes Centrais, Patagônia, Nor-deste do Brasil e Sudeste Sul-Americano.

Todas as sete áreas devem enfrentar os efeitos de aumento nas temperaturas. O cenário das precipitações é mais complexo, envolvendo redução das chuvas no Nordeste do Brasil, aumento no Sudeste Sul-Americano e al-terações sazonais na Amazônia. Além disso, o IPCC alerta que a cobertura vegetal original deverá diminuir de forma significativa em praticamente todas as regiões, ao mesmo tempo que haverá expressi-vo incremento das terras cultivadas [veja o mapa 1].

Uma visão mais aprofundada dos impactos do aquecimento global num país de dimensões continentais como o Brasil exige uma identifi-cação mais detalhada dos biomas que recobrem seu território. São sobre esses seis biomas – Amazônia, Cerrado, Caatinga, Pantanal, Mata Atlântica e Pampa – que cerca de 350 cientistas do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) têm se debruçado para avaliar os impactos ambientais, sociais e econômicos do aqueci-mento global no país [veja o mapa 2].

Algumas conclusões prévias são con-sensuais. Vários estudos internacionais e nacionais registraram um aumento de 0,7 ºC, nos últimos 50 anos, das temperaturas médias no país. Também registraram que o Brasil vem ampliando suas emissões de ga-ses de efeito estufa – o que deve continuar a ocorrer nos próximos anos. A destruição das florestas, especialmente a Amazônica, representou o principal fator do aumento das emissões de gases de efeito estufa no passado recente. Atualmente, quase 20%

do bioma amazônico já foi destruído e cerca de metade da área remanescente está sob algum tipo de pressão antrópica.

As ocorrências de eventos climáti-cos extremos, como secas recorrentes e prolongadas no bioma Nordeste, chuvas de intensidade inusitada e de resultados catastróficos para populações em áreas de risco na região Sudeste, bem como a cheia devastadora no Rio Madeira, em Rondônia, neste ano, e a maior estiagem em mais de 80 anos na Grande São Paulo, parecem constituir peças de um mesmo mosaico. Para muito especialistas, há fortes indícios de que essas ocorrências se

Nelson Bacic OlicDa Equipe de Mundo

o AquEcimEnto globAl E os biomAs brAsilEiros

Mapa 2Mapa 1

relacionam às mudanças climáticas globais.

Segundo o PBMC, a mudança de maior impac-to associada ao aumento das temperaturas será a alteração nos padrões de chuvas. Nas regiões Sul e Sudeste, que sofrem com enchentes e deslizamentos, especialmente no verão, as chuvas tenderão a ser ainda mais fortes e frequentes. Já no bioma Caatinga, a tendência é oposta. A região mais castigada pela seca enfrentará expressiva redução da quantidade de chuvas, e as secas, já tão comuns, tornar-se-ão ainda

mais frequentes.As previsões tomam como referência o

horizonte de 2040. Obviamente, elas car-regam um significativo grau de incerteza, que aumenta na razão direta do aumento do horizonte temporal e na razão inversa da área de abrangência do estudo. Os modelos utilizados apontam aumento generalizado nas temperaturas, tanto no verão como no inverno. O maior aumento previsto acon-teceria no bioma Amazônia (1,5 ºC), du-rante o inverno, e o menor incremento de temperatura (0,5 ºC) ocorreria nos verões da Caatinga, Mata Atlântica e Pampa.

Quanto ao regime das precipitações,

América Latina: divisão proposta pelo IPCC

FONTE: Folha de S.Paulo, 2 de abril de 2014, p. C9

NORDESTEDO

BRASIL

AMAZÔNIA

OCEANOATLÂNTICO

OCEANOPACÍFICO

ANDESTROPICAIS

ANDESCENTRAIS

PATAGÔNIA

SUDESTESUL-AMERICANO

AMÉRICACENTRAL E

COSTA NOROESTE

Os biomas brasileiros

FONTE: IBGE

BIOMA PANTANAL

BIOMA AMAZÔNIA

BIOMA CAATINGA

BIOMA CERRADO

BIOMA MATA ATLÂNTICA

BIOMA PAMPA

OCEANOATLÂNTICO

OCEANOPACÍFICO

FONTE: Folha de S.Paulo

Previsões de longo termo emquatro biomas brasileiros

CH

UV

AS

INVERNOVERÃO

TE

MP

ER

AT

UR

A

até2040

AMAZÔNIA

até2070

até2100

até2040

até2070

até2100

+1ºC

+3ºC

+5ºC

+1,5ºC

+3,5ºC

+6ºC

-10% -10%-25%

-40% -30%-45%

0

0

INVERNOVERÃO

até2040

até2070

até2100

até2040

até2070

até2100

+3,5ºC+1,5ºC

+0,5ºC +1ºC

+2,5ºC+4,5ºC

-10%-25%

-40%-20%

-35%-50%

CAATINGA

CH

UV

AS

TE

MP

ER

AT

UR

A

0

0

até2040

até2070

até2100

até2040

até2070

até2100

+1ºC+2,5ºC

+3,5ºC

+1ºC

+3ºC+4,5ºC

INVERNOVERÃO

-5%-10%

-20%-15%

-25%-35%

até2040

até2070

até2100

até2040

até2070

até2100

+1ºC +1ºC

+3ºC +3,5ºC+5ºC +5,5ºC

-10%-20%

-35%-20%

-35%-45%

INVERNOVERÃO

PANTANAL CERRADO

Page 5: Mundo - ano 22 - 6

MUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO � OUTUBRO 2014

rEpEnsAndo o mApA fEdErAl do pAís

BRAsiL

Quando se observa um planisfério político, um elemento que se destaca é o número de Estados

– quase 200 – reconhecidos assim pela comunidade internacional. Mas, na imensa maioria das vezes, esses planisférios não identificam as divisões políticas internas desses países. As unidades em que se dividem os territó-rios nacionais recebem variadas denominações – estados, províncias, cantões, municipalidades etc. O padrão de divisões político-administrativas internas resulta da com-binação da evolução histórica de cada país e dos embates entre forças ligadas ao fortalecimento de um poder mais centralizador e aquelas que lutam por maior autonomia política das unidades regionais.

O Brasil só adotou o modelo federalista após a Pro-clamação da República, quando se suprimiu o Estado imperial, que era centralista e unitário. Nesse processo, as províncias se tornaram estados e ganharam autonomia política: seus governadores passaram a ser escolhidos por eleições, criaram-se Assembleias Legislativas e elaboraram-se constituições estaduais.

O federalismo brasileiro experimentou importantes transformações ao longo do tempo. Durante o período do Estado Novo (1937-1945), a autonomia dos estados prati-camente desapareceu. Todavia, com a volta da democracia, em 1946, os direitos dos estados foram restabelecidos. Em seguida, houve um novo período de centralização política, durante os governos militares (1964-1984). Com o retor-no da democracia, foi elaborada uma nova Constituição, em 1988, que tentou reequilibrar o pacto federativo.

A Constituição de 1988 definiu uma divisão políti-co-administrativa composta de 27 Unidades Federativas, sendo 26 estados e um Distrito Federal, onde se situa Brasília. Confirmou também que cada uma das unidades, à exceção do Distrito Federal, abrigaria um número variável de entidades administrativas menores, os municípios. A última modificação no mapa das Unidades Federativas ocorreu em 1988, com a criação do estado de Tocantins, desmembrado de Goiás. Já o número de municípios cres-ceu expressivamente: hoje, são mais de 5,5 mil.

O mapa federal não está cravado em pedra. Revisões periódicas da divisão político-administrativa são im-portantes especialmente em países como o Brasil, que apresentam vasta extensão territorial, densidades demo-gráficas relativamente baixas e expressivas áreas em intenso processo de ocupação humana e valorização econômica, casos de estados das regiões Centro-Oeste e Norte. Por outro lado, sempre que surgem propostas de alterações no mapa da federação, eclodem acirradas polêmicas, como se evidenciou na tentativa recente de criação dos estados de Tapajós e Carajás, que seriam desmembrados do Pará.

Numerosas propostas de redivisão da federação fo-ram elaboradas por parlamentares – que, como regra, inspiraram-se em motivações políticas circunstanciais. Em direção contrária, o livro Novos Estados e a Divisão Territorial do Brasil: uma visão geográfica (Oficina de Textos, 2011), do geógrafo José Donizete Cazzolato,

Num ousado exercício teórico, geógrafo sugere mudanças radicais na divisão político-administrativa e regional do Brasil. Com escassa chance de prosperar, suas ideias lançam luz sobre as disparidades demográficas e territoriais da federação

Grosso, Bahia, Pernambuco, Piauí, Goiás, Minas Gerais e São Paulo. Além disso, Roraima e Amapá voltariam à condição de territórios, sob controle direto do governo federal [veja o mapa 1].

Paralelamente, surgiria uma nova divisão macrorre-gional do país. No lugar de cinco, seriam seis as grandes regiões, com a criação da região Noroeste, englobando Amazonas, Rondônia, Acre, Roraima e o novo estado

de Solimões (capital Tabatinga), des-membrado do território amazonense. A nova região Norte compreenderia Pará, Amapá, Tocantins, Maranhão, mais os novos estados de Tapajós (capital Santa-rém) e Carajás (capital Marabá). Note: o livro foi publicado antes do resultado do plebiscito, realizado em 2011, no qual a maioria da população paraense votou contra a divisão do estado.

A macrorregião Nordeste seria com-posta pelos atuais estados da região, com exceção da porção centro-oriental da Bahia, que passaria a integrar a nova macrorregião Centro-Leste. Mas o Nordeste sofreria importantes rearranjos, com a criação dos novos estados de Barreiras (capital Bar-reiras) e São Francisco (capital Petrolina), desmembrados, respectivamente, da Bahia e de Pernambuco [veja o mapa 2].

A região Centro-Oeste passaria a ter dois novos estados. Um deles, Mato Grosso do Norte (capital Sinop), surgiria do desmembramento da porção seten-trional do atual estado de Mato Grosso. O outro, Planalto Central (capital Brasí-lia), resultaria da incorporação de muni-cípios pertencentes a Goiás, Minas Gerais e áreas periféricas do Distrito Federal. Redesenhado, o Distrito Federal ficaria restrito ao núcleo central de Brasília.

Finalmente, a macrorregião Sul en-volveria os três atuais estados da região, que não sofreriam alterações territoriais. Contudo, englobaria São Paulo e um novo estado, Interior Paulista, cuja capi-tal ficaria em Campinas.

As propostas de Cazzolato tentam su-avizar as disparidades territoriais e demo-gráficas hoje existentes. Ele argumenta que “estruturas territoriais com pequenas dife-renças entre grandes e pequenas facilitam condições para uma efetiva autonomia”. O exercício tem interesse teórico, mas chances quase nulas de prosperar como empreendimento político.

Mapa 2

Mapa 1

Brasil: proposta de uma nova divisãopolítico-administrativa

FONTE: Adaptado de CAZZOLATO, José D. Novos Estadose a Divisão Territorial do Brasil: uma nova visão geográfica.São Paulo: Oficina de Textos. 2011

OCEANOATLÂNTICO

OCEANOPACÍFICO

0 200400 600 km

RSSC

PR

MS

SP

IPRJ

ESMG

MTGO

TM

PCDF MC

BA

MN TOBS

SFSE

ALPE

PBRNCE

PI

MAPA

AP

TACA

RO

RR

SO AM

AC

Estados que perderiamterritórios

Estados cujos territóriosnão seriam alterados

Estados que receberiamalguns municípios

Estados que passariam àcondição de territórios federais

Novos estados

Brasil: proposta de uma nova divisãomacrorregional

OCEANOATLÂNTICO

OCEANOPACÍFICO

0 200400 600 km

RSSC

PR

MS

SPIP

RJ

ESMG

MTGO

TM

PCDF MC

BA

MN TOBS

SFSE

ALPE

PBRNCE

PI

MAPA

AP

TACA

RO

RR

SO AM

AC

Nordeste

Noroeste

Centro-Leste

Norte

Sul

Centro-OesteFONTE: Adaptado de CAZZOLATO, José D. Novos Estadose a Divisão Territorial do Brasil: uma nova visão geográfica.São Paulo: Oficina de Textos. 2011

discute os limites internos a partir de sólida análise geo-política e geoeconômica. Cazzolato defende a tese de que é necessária uma nova divisão territorial, amparada em critérios rigorosos, e desenvolve uma proposta ousada e, inevitavelmente, polêmica.

O geógrafo sugere aumentar o número de Unidades da Federação de 27 para 37. A proposta prevê o desmem-bramento de áreas dos estados do Amazonas, Pará, Mato

Page 6: Mundo - ano 22 - 6

62014 OUTUBROMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO

o fim do “fim dA históriA”

sugere um meio termo entre o “interven-cionismo sempre” e o “isolacionismo”, reconhece que “a busca por esse equilíbrio entre os polos de excesso de confiança e introspecção é interminável”, mas alerta: “O que não se permite é a retirada.”

“Ordem mundial” – não por acaso, Kissinger escolheu um título que ataca de frente a questão. Estamos, agora, a anos-luz do prognóstico proferido em tom triunfal, em 1992, pelo intelectual americano Fran-cis Fukuyama, no livro O Fim da História e o Último Homem. Fukuyama avaliava que a história atingiu o ocaso em 9 de novembro de 1989, quando a queda do Muro de Berlim anunciou o fim do “bloco socialista” soviético. O capitalismo liberal, que havia triunfado sobre os escombros do socialismo, provou-se o melhor sistema – ou, pelo menos, o menos pior – encon-trado pelo ser humano como modo de organizar a sociedade.

À época, a referência ao “fim da histó-ria” provocou mal-entendidos. Trata-se de conceito ancorado no sistema interpretativo proposto, no início do século XIX, por Georg Hegel. Para o filósofo prussiano, a história da humanidade constitui um pro-cesso complexo, muitas vezes contraditório,

as hordas mongóis dE gEngis Khan, os “tártaros”, foram assim nomEadas por cristãos quE acrEditavam quE aquElEs cavalEiros conquistadorEs provinham do mundo in-fErior, tartarus, para anunciar o iminEntE fim dos tEmpos. piErrE bEzuKhov, o pErsonagEm dE Guerra e Paz, dE tolstói, dEspEndEu muito Esforço associando valorEs numé-ricos ao nomE dE napolEão a fim dE vErificar sE o corso tinha o “númEro da bEsta” (666). hitlEr também tEvE sua oportunidadE como candidato a anticristo. todos ElEs

provaram-sE falsos – E o fim nunca vEio. muitos Exprimiram dúvidas sobrE a mais rEcEntE tEsE do “fim da história” – E mEsmo fuKuyama dEvanEou sobrE a hipótEsE dE quE, após um ponto dE inflExão, a história acharia um novo atalho. nisso ElE podE tEr razão. porquE, dE fato, é possívEl – E mais apropriado – EnxErgar os EvEntos mundiais dE uma

pErspEctiva quE intErprEta os “fins” como não tão dEfinitivos.

[john arquilla, “thE (b)End of history”, ForeiGn Policy, 27 dE dEzEmbro dE 2011]

Em última análise, a liderança global nos obriga a ver o mundo como ele

é, com todos os seus perigos e incertezas. Mas a liderança americana também nos obriga a ver o mundo como ele deve ser – um lugar onde as aspirações do indivíduo são importantes; onde as esperanças, e não apenas o medo, inspiram nossas ações; onde as verdades escritas nos documentos que fundaram nosso país podem dirigir as correntes da história na direção da justiça”, declarou o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em 28 de maio, em discur-so a uma turma de graduados da Academia Militar de West Point. Após reafirmar que a retirada de tropas americanas do Afega-nistão será completada em 2016, Obama fez um declaração endereçada aos que pedem maior intervenção bélica americana nos conflitos regionais: “Não é por termos o melhor martelo que devemos tratar todos os problemas como se fossem pregos.”

Não se trata de um discurso qualquer. Ao contrário, representa uma espécie de manifesto de governo. Foi pronunciado em West Point, um dos mais importantes centros formadores de oficiais e formuladores de estratégia das Forças Armadas dos Estados Unidos. E sua referência é uma conjuntura de caos mundial. O Oriente experimenta tensões crescentes entre a China e os países vizinhos, especialmente o Japão, que adota retórica cada vez mais belicista. Na Europa, a crise geopolítica aguda na Ucrânia se com-bina com uma persistente crise econômica e política da União Europeia [veja a matéria da pág. 8]. No Oriente Médio, desabam os pilares de toda a configuração geopolítica regional [veja a matéria da pág. 9].

Os críticos de Obama reagiram ao discurso com fúria e indignação. Para o jornalista neoconservador Charles Krau-thammer, o discurso de Obama foi “sem sentido algum”, além de ter colocado os Estados Unidos numa posição insustentá-vel de “debilidade política”, perigosa para o equilíbrio mundial. Segundo Krautham-mer, Obama adota uma postura “isolacio-nista”, renunciando ao papel de liderança que deveria ser assumido por Washington. A abdicação, diz o acusador, só serviria para encorajar ações agressivas de potên-cias regionais, como Rússia, China e Irã, e provocar o declínio estratégico dos Estados Unidos [veja a matéria da pág. 7].

Uma crítica semelhante, em tom di-ferente, emana do ex-secretário de Estado Henry Kissinger, que foi um dos mais im-portantes formuladores da política externa americana. Seu novo livro, World Order,

mediante o qual os seres humanos consti-tuem formas cada vez mais aperfeiçoadas de se organizar em sociedade. Hegel dividia a história em quatro grandes etapas: a fase inicial ou “asiática”, quando se constituíram os primeiros impérios; a “grega”, que corres-pondeu à elaboração dos primeiros grandes sistemas filosóficos (com Sócrates, Platão e Aristóteles), políticos e jurídicos (com a instituição da República e o estabelecimento da Ágora como espaço público de debates); a “romana”, com a criação do código que regulamenta a propriedade e institui a figura jurídica do indivíduo; e, finalmente, a cristã ocidental, com o Estado-nação burguês e a universalização das leis por meio do contrato social.

Os atributos do Deus cristão – onis-ciente, onipotente e onipresente – seriam, para Hegel, a encarnação do Espírito Abso-luto que existia antes do início da história e figuraria, ao mesmo tempo, como ponto de encontro da humanidade no seu final, por meio de suas realizações civilizatórias. Nesse esquema, em síntese, a história teve seu início no Oriente e encontrou seu desfecho glorioso no Ocidente (a África, nesse esquema, não faz parte da história). Caberia à humanidade apenas universalizar

o modo de organização liberal burguês adotado pela Europa Ocidental.

A Revolução Russa de 1917 parecia ter colocado uma nova alternativa, não prevista por Hegel: a instituição de uma sociedade igualitarista e coletivista, que questionava os fundamentos burgueses liberais e prometia superá-los, por meio da implantação de um sistema social que eliminaria as desigualdades econômicas inevitáveis no modelo liberal. Para Fukuya-ma, o fracasso do socialismo teria apenas comprovado, uma vez mais e definitiva-mente, as teses de Hegel.

Do ponto de vista do debate ideológico, a última década do século XX e a primeira do novo século foram dominadas pela moldura do “fim da história”. O triunfo do liberalismo aparecia como um resultado ine-xorável da marcha da história, num quadro global “naturalmente” liderado pelos Esta-dos Unidos, a superpotência vitoriosa da Guerra Fria. Com grande desenvoltura, Wa-shington assumiu iniciativas unilaterais no cenário mundial, sem sequer se importunar

ORDEM MuNDiAL

Soldado dos Estados Unidos vigia mercado público no Iraque, durante operação de retirada de tropas, em 2007

© S

gt.

Tim

oth

y K

ing

sto

n/U

.S. A

rmy

POLOS DE PODER MUNDIAL

OCEANOATLÂNTICO

Hiperpotência Grandes potências Potências regionais Potências sub-regionais

ESTADOSUNIDOS

UNIÃOEUROPEIA

RÚSSIA

CHINATURQUIA

IRÃJAPÃO

COREIADO SUL

ÍNDIA

PAQUISTÃO

ISRAEL

EGITO ARÁBIASAUDITA

ÁFRICADO SUL

AUSTRÁLIA

BRASIL

MÉXICO

OCEANOPACÍFICO OCEANO

ÍNDICO

OCEANOPACÍFICO

Page 7: Mundo - ano 22 - 6

MUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO � OUTUBRO 2014

o fim do “fim dA históriA”as hordas mongóis dE gEngis Khan, os “tártaros”, foram assim nomEadas por cristãos quE acrEditavam quE aquElEs cavalEiros conquistadorEs provinham do mundo in-

fErior, tartarus, para anunciar o iminEntE fim dos tEmpos. piErrE bEzuKhov, o pErsonagEm dE Guerra e Paz, dE tolstói, dEspEndEu muito Esforço associando valorEs numé-ricos ao nomE dE napolEão a fim dE vErificar sE o corso tinha o “númEro da bEsta” (666). hitlEr também tEvE sua oportunidadE como candidato a anticristo. todos ElEs

provaram-sE falsos – E o fim nunca vEio. muitos Exprimiram dúvidas sobrE a mais rEcEntE tEsE do “fim da história” – E mEsmo fuKuyama dEvanEou sobrE a hipótEsE dE quE, após um ponto dE inflExão, a história acharia um novo atalho. nisso ElE podE tEr razão. porquE, dE fato, é possívEl – E mais apropriado – EnxErgar os EvEntos mundiais dE uma

pErspEctiva quE intErprEta os “fins” como não tão dEfinitivos.

[john arquilla, “thE (b)End of history”, ForeiGn Policy, 27 dE dEzEmbro dE 2011]

dEclínio AmEricAno?O Produto Interno Bruno (PIB) dos Estados Unidos representava mais de 25% do PIB global em 1985, quando o PIB

chinês representava apenas cerca de 3% do produto global. Hoje, três décadas depois, segundo o mesmo critério da paridade do poder de compra, o PIB chinês atinge 17% do PIB global, enquanto o americano retrocedeu, em termos relativos, para 18%. As trajetórias conferem força à narrativa do declínio americano, que deve ser encarada com cautela.

O século XX foi o “século americano” não só devido ao impulso extraordinário da indústria dos Estados Unidos mas também em função dos efeitos geopolíticos e econômicos das duas grandes guerras mundiais. Os conflitos gerais devastaram a Europa e o Japão, poupando a superpotência americana. Por isso, os termos de comparação, sempre referenciados no século passado, produzem uma exagerada impressão declinista.

A ordem mundial, contudo, experimentou fortes transformações desde o encerramento da Guerra Fria, um quarto de século atrás. A expansão econômica da Ásia – especialmente da China e, em escala menor, da Índia – alterou os pratos da balança de poder, transferindo riquezas para o Oriente. A Europa Ocidental perdeu posições, enquanto outras potências emergentes subiam degraus estratégicos. O sistema internacional de Estados torna-se mais pluripolar – e mais instável.

Os Estados Unidos seguem ocupando a posição de hiperpotência, pois detêm capacidades financeiras, tecnológicas e militares inigualáveis – e controlam o dólar, que continua a funcionar como “moeda do mundo”. Entretanto, a União Europeia, a China, o Japão e a Rússia são grandes centros de poder em escala global, enquanto Índia e Brasil operam como significativas potências regionais. Além disso, uma série de outras nações – como o México, a África do Sul, a Austrália, a Turquia, Israel, o Irã, a Arábia Saudita, o Egito, o Paquistão e a Coreia do Sul desempenham funções de potências sub-regionais [veja o mapa].

O reconhecimento da crescente pluripolaridade de poder mundial não deve ser confundido com o discurso “declinista”. A profecia do declínio dos Estados Unidos é uma narrativa cíclica, que descreve trajetórias balísticas. No ciclo mais recente, o lançamento do projétil do declinismo coincidiu com o colapso financeiro de 2008, um evento que lhe conferiu alta velocidade inicial e extraordinário alcance. Contudo, o projétil atingiu o apogeu anos atrás e já ingressou na etapa descendente de sua trajetória.

As fontes do “declinismo” se encontram na própria tradição política americana, que gera versões libe-rais e conservadoras dessa profecia. Desde o sobressalto causado pelo lançamento do Sputnik soviético, em meio à Guerra Fria, em 1957, emergiram cinco narrativas declinistas sucessivas em número igual de décadas. Do “Vietnã” ao “Afeganistão e Iraque”, da “estagnação econômica” à “crise financeira global”, a música da ruína dos Estados Unidos reproduz melodias conhecidas, ainda que sedutoras.

O “declinismo” propagado nos próprios Estados Unidos é uma fábula e, como tal, “não trata de verdades, mas de consequências”, como assinalou o cientista político Josef Joffe. A narrativa da ruína americana é, portanto, impermeável ao teste da validação empírica, o que explica sua inesgotável capacidade de renascer ciclicamente, com a mesma força persuasiva de sempre. Os “declinistas” operam na arena política: tocam uma música destinada a configurar crenças e mudar atitudes políticas. A finalidade utilitária do discurso é perturbar os espíritos para vender uma ideia de redenção – e, assim, derrotar a profecia insuportável. Um exemplo: o vaticínio de Samuel Huntington sobre os efeitos corrosivos da imigração hispânica na coesão da sociedade americana funciona como artefato “sociológico” destinado a fornecer argumentos eleitorais para a ala direita, nativista, do Partido Republicano.

Fora dos Estados Unidos, a narrativa “declinista” é um componente crucial nos mais diversos discursos antiamericanos. Meio século atrás, o egípcio Sayyid Qutb formulou a doutrina da jihad contemporânea sob o impacto de uma viagem aos Estados Unidos, na qual concluiu que o Ocidente perdera a vitalidade moral, condenando-se a um declínio irreversível. A França de Vichy era “declinista” tanto quanto é, hoje, a Frente Nacional de Marine Le Pen. Entre as elites francesas, conservadoras ou social-democratas, o prognóstico da decadência americana é algo próximo a um consenso nacional, com raízes psicológicas fincadas na percepção do declínio francês.

Uma década atrás, a direção do Partido Comunista Chinês promoveu um seminário fechado sobre a história da ascen-são e do declínio das grandes potências, extraindo a reconfortante conclusão de que a “Pax Americana” cederá lugar a uma “Pax Chinesa”. A esquerda latino-americana, influenciada pelo pensamento nacionalista e atraída por caudilhos, sempre foi esperançosamente “declinista”. A “revolução bolivariana”, na Venezuela de Hugo Chávez, reativou a profecia da decadência americana, que encontra alguns ecos em correntes do Partido dos Trabalhadores (PT) e do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) no Brasil. Em todos esses casos, e em muitos outros, o “declínio dos Estados Unidos” não é a conclusão de uma análise geopolítica, mas a auréola que enfeita uma esperança política.

Com ou sem “declínio”, os Estados Unidos enfrentam desafios históricos ligados à crise da ordem mundial. Na Ásia, engajam-se na tentativa de criar contrapesos ao crescimento do poder chinês. Na Europa, ao lado dos aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), encaram o teste imposto pela Rússia na Ucrânia. No Oriente Médio, particularmente no Iraque e na Síria, estão às voltas com uma inesperada segunda “guerra ao terror”.

com o mero gesto protocolar de consultar “aliados”, como nos ataques ao Afeganistão (em 2001) e ao Iraque (em 2003).

Mas, “como um raio no céu azul”, o alarme da crise financeira mundial, acio-nado em 2008, combinou-se com grandes eventos geopolíticos que escaparam ao controle da superpotência (incluindo a Primavera Árabe, o fortalecimento e multi-plicação de organizações fundamentalistas islâmicas e as crescentes tensões com a Rússia de Vladimir Putin), para não falar da crise ambiental e de valores éticos e humanos. Faz sentido, portanto, Obama referir-se ao “mundo como ele é, com todos os seus perigos e incertezas”.

O cenário global está mais para o que diziam os “novos filósofos” franceses, com um pouco de cinismo e bom humor, já no final dos anos 1970: “Deus está morto, Marx está morto e eu mesmo não estou me sentindo muito bem.” Não há mais lugar para triunfalismo. Ao que parece, a história não tem fim.

POLOS DE PODER MUNDIAL

OCEANOATLÂNTICO

Hiperpotência Grandes potências Potências regionais Potências sub-regionais

ESTADOSUNIDOS

UNIÃOEUROPEIA

RÚSSIA

CHINATURQUIA

IRÃJAPÃO

COREIADO SUL

ÍNDIA

PAQUISTÃO

ISRAEL

EGITO ARÁBIASAUDITA

ÁFRICADO SUL

AUSTRÁLIA

BRASIL

MÉXICO

OCEANOPACÍFICO OCEANO

ÍNDICO

OCEANOPACÍFICO

ORDEM MuNDiAL

Page 8: Mundo - ano 22 - 6

�2014 OUTUBROMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO

e reduzindo estruturalmente os gastos públicos.Daí, o segundo “espectro”. A estratégia de Merkel

alimenta o “euroceticismo”, que brota do solo da estag-nação econômica e do desemprego. Nas eleições para o Parlamento Europeu, marcadas por recordes históricos de abstenção, partidos antieuropeus de direita – nacionalistas, nativistas, xenófobos e anti-islâmicos – obtiveram triunfos absolutos ou relativos.

O Ukip britânico, cuja sigla significa “Partido da Independência do Reino Unido”, que prega a ruptura com a União Europeia, ficou à frente dos trabalhistas e dos conservadores, os dois grandes partidos tradicionais. O “euroceticismo” britânico abrange uma larga corrente do Partido Conservador e manifesta-se no compromisso do governo de David Cameron de realizar, nos próximos anos, um plebiscito sobre a permanência na União Euro-peia. Contudo, o fenômeno está longe de se circunscrever à Grã-Bretanha, que nunca se engajou totalmente no projeto europeu.

Na França, a Frente Nacional de Marine Le Pen tam-bém bateu os partidos tradicionais, obtendo quase um quarto do total de votos. O fenômeno se estendeu para o Partido do Povo, da Dinamarca, igualmente vitorioso. Na Itália, o Movimento Cinco Estrelas, um partido

três EspEctros rondAm A EuropA

ORDEM MuNDiAL

No Manifesto Comunista, de 1848, um documento de outra era, Karl Marx anun-

ciou que “o espectro do comunismo” rondava a Europa. Aquele “espectro” desapareceu em 1989 – ou mais de meio século antes, desde que Josef Stalin acomodou a União Soviética no berço do “socialismo num só país”. Hoje, contudo, são três os espectros que rondam a Europa. O primeiro se chama deflação. O segundo, “euroceticismo”. O nome do terceiro, ironicamente, é Rússia.

Deflação é uma doença econômica mais grave até que inflação. Na deflação crônica, os preços reais tendem a cair continuamente, o que gera a expectativa de novas reduções futuras de preços. O jogo das expectativas leva os consumidores a adiar as decisões de compra, contraindo a demanda e provocando a realização da profecia de queda dos preços. O resultado é redução da produção, di-minuição dos salários e aumento do desemprego, com consequências dramáticas para o equilíbrio das contas públicas (pois diminui a arrecadação de impostos) e dos sistemas previdenciários (pois aumentam os dispêndios em seguro-desemprego). A Grande Depressão da década de 1930 derivou da instalação de uma deflação internacional.

O espectro da deflação europeia nasceu da re-ação, comandada pela Alemanha, à crise do euro. Os rígidos e prolongados planos de austeridade impostos aos países endividados – e estendidos à França – refletem-se na curva dos preços. A meta de inflação do Banco Central Europeu (BCE) é de 2% ao ano, mas a inflação média anualizada na zona do euro gira, hoje, em torno de 0,6% [veja o gráfico 1].

Na zona do euro, a tendência deflacionária se manifesta com menos força em países como a Alemanha e a Holanda, que não experimentam planos tão rigorosos de austeridade, mas se difunde pela França, Itália, Espanha. A Grécia continua atolada em profunda depressão. A doença atinge até mesmo a Polônia, estrela brilhante entre as economias do antigo bloco soviético, que não faz parte da zona do euro. A Grã-Bretanha segue trajetória um tanto distinta, pois o Banco da Inglaterra imitou o Federal Reserve (banco central dos Estados Unidos), promovendo uma ousada política de impressão de dinheiro (no jargão eufemístico, quantitative easing).

Em tese, o espectro da deflação poderia ser combatido por uma resoluta política monetária do BCE, no modelo seguido pelos bancos centrais americano e britânico. Contudo, sob o cabresto da Alemanha, o BCE resiste à ideia de imprimir dinheiro. Na elite política alemã, pesa como uma rocha o trauma persistente da hiperinflação que conduziu Adolf Hitler ao poder. Além disso, a chefe de governo Angela Merkel está convencida de que só uma pressão insuportável, mantida a ferro e fogo, é capaz de convencer a França e os países do sul da Europa a refor-marem suas economias, incrementando a produtividade

antieuropeu que rejeita os rótulos de direita e esquerda, alcançou a segunda posição. Entre os “eurocéticos” de esquerda, o principal destaque é o Syriza, da Grécia, que triunfou com mais de 26% dos votos.

O projeto da unidade europeia surgiu no pós-guerra como promessa de paz duradoura. Mais tarde, adquiriu legitimidade prometendo a prosperidade econômica. Durante décadas, o “motor” da Europa foi a aliança entre França e Alemanha, forjada na hora do tratado da Comu-nidade Europeia do Carvão e do Aço (Ceca), em 1951, e reafirmada pelo Tratado de Maastricht, que estabeleceu a união monetária, em 1991. Hoje, o “euroceticismo” se dissemina acusando a “Europa” de promover a estagnação, a redução da renda e o desemprego, como evidenciam sondagens de opi-nião pública [veja o gráfico 2]. Nas manifestações de rua contra os planos de austeridade, apareceram imagens de uma Angela Merkel travestida com o bigode de Hitler. Um surdo ressentimento contra a Alemanha está na base da onda “eurocética” em curso, que ameaça destruir os pilares políticos do projeto supranacional europeu.

A União Soviética desapareceu de cena junto com o “espectro do comunismo”, mas o “espectro” da Grande Rússia atormenta a Europa. A reação de Moscou à revolução ucraniana constitui um desafio à vontade política da União Europeia. Em dezembro passado, líderes europeus reuniram-se com os manifestantes de Kiev prometendo que a Ucrânia teria um lugar no “concerto da Europa”. A

anexação russa da Crimeia e a guerra de baixa intensidade mantida por Vladimir Putin no leste ucraniano ameaçam transformar a Ucrânia num Estado falido – no limite, uma “Síria da Europa”. Na sua trajetória de provocações, Putin gabou-se da capacidade militar russa de tomar Kiev “em duas semanas” e falou em “proteger as minorias russas” em qualquer lugar onde vivam – algo que apavora os Estados Bálticos, a Polônia e a Romênia.

Sob a influência de Merkel, a União Europeia res-pondeu cautelosamente, impondo sanções leves à Rússia, articulando um pacote de ajuda financeira emergencial a Kiev e revendendo gás natural à Ucrânia. Mas a roda do conflito obedece a uma lógica inexorável. Para evitar a desmoralização, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) reafirmou suas garantias aos países-membros do antigo bloco soviético, anunciou a implantação de um centro regional da aliança militar na Polônia e realizou simbólicos exercícios militares com as forças ucranianas. No horizonte, esboça-se uma nova Cortina de Ferro e desenha-se uma “segunda Guerra Fria”, envolvendo a “Europa” e a Rússia. A ordem de paz, estabilidade e prosperidade sonhada na década de 1990 parece coisa de um passado muito distante.

A estagnação econômica insufla o “euroceticismo” na União Europeia, reforçando os partidos antieuropeus de direita e esquerda. Enquanto isso, a crise na Ucrânia desenha os contornos de uma “segunda Guerra Fria”

Gráfico 1

Gráfico 2

FONTE: The Economist, 20 de setembro de 2014

Taxas projetadas de inflação na União Europeia (2014)

Meta do BCE Zona do euro

2,5

2

1,5

1

0,5

0

-0,5

-1

-1,5

%

Alemanha FrançaGrã-Bretanha Itália Espanha Holanda

Polônia Grécia

Falta de confiança na União Europeia

2007 2012

Grã-Bretanha

Alemanha França Itália Espanha Polônia

FONTE: União Europeia, Eurobarômetro

80

70

60

50

40

30

20

10

0

%

Page 9: Mundo - ano 22 - 6

MUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO � OUTUBRO 2014

Está liquidado o Acordo Sykes-Picot”, diz ao cor-respondente da britânica BBC um porta-voz do

grupo fundamentalista muçulmano Isis (sigla, em inglês, de Estado Islâmico do Iraque e da Síria, um dos vários nomes adotados pela organização nos últimos meses), ao derrubar o último pedaço de um muro que marcava a fronteira entre os dois países. Não se trata de mera declaração ufanista. A Síria e o Iraque são, hoje, Estados completamente fragmentados, no contexto de um Oriente Médio atravessado por tensões, revoluções e guerras civis [veja o mapa 1]. Em contrapartida, aumenta a impor-tância das correntes fundamentalistas, como o próprio Isis, movidas pela fé e por uma lógica política própria, que não reconhece a legitimidade das fronteiras baseadas no conceito de Estado-nação. No caso do Isis, o objetivo é restabelecer o califado no Oriente Médio, isto é, criar um único Estado que abrigaria no seu interior toda a comunidade islâmica (a umma).

O Acordo Sykes-Picot foi uma das colunas da ordem mundial construídas sobre os escombros deixados pela Primeira Guerra. Negociado em novembro de 1915 pelo diplomata francês François Georges-Picot e pelo britânico Mark Sykes e assinado em maio de 1916, o acordo foi um ajuste secreto entre os governos da Grã-Bretanha e da França (com a participação posterior da Rússia czarista e da Itália) que definiu o desenho geopolítico do Oriente Médio. A Grã-Bretanha recebeu o controle dos territórios correspondentes, grosso modo, à Jordânia e ao Iraque, bem como uma pequena área em torno de Haifa (situada no atual Estado de Israel). A França ganhou o controle do sudeste da Turquia, da Síria, do Líbano e do norte do Iraque. As duas potências ficaram livres para definir as fronteiras dentro daquelas áreas. A Palestina seria colocada sob administração internacional, aguardando consultas com a Rússia e outras potências.

O acordo refletiu os interesses de Paris e Londres du-rante a guerra mundial, travada entre a Tríplice Entente (formada pela Grã-Bretanha, França e Rússia) e a Tríplice Aliança (Alemanha, Império Áustro-Húngaro e Itália, que mudou de lado em abril de 1915), apoiada pela Turquia, sede do Império Otomano (que controlava o Oriente Médio). Inicialmente, Londres prometeu apoiar a criação de países árabes independentes ao final da guerra, caso os líderes árabes se dispusessem a lutar contra os turcos-otomanos. O compromisso britânico com os árabes foi “costurado”, antes do início da guerra, pelo oficial Thomas Edward Lawrence (o “Lawrence da Arábia”). O Acordo Sykes-Picot foi uma clara traição de Londres, que não apenas recuou de suas promessas de independência como também abriu o caminho para a Declaração de Balfour, de 1917, que comprometeu o Império britânico com a criação de um Lar Nacional Judeu na Palestina, lançando as bases para a criação do Estado de Israel, em 1948.

Uma corrente de historiadores acredita, hoje, que o Acordo Sykes-Picot, junto com a Declaração de Balfour, foi desenhado para atrair o apoio do movimento sionista

que implicou a expulsão de quase 1 milhão de árabes não judeus que viviam na Palestina, acrescentou um elemento explosivo ao complicadíssimo xadrez geopolítico regional.

A proclamação do fim do Acordo Sykes-Picot, portan-to, não deve ser interpretada como um excesso retórico de fanáticos jihadistas. A implosão simultânea da Síria e do Iraque assinala a ruptura da ordem geopolítica numa região que detém as maiores reservas de petróleo e gás do planeta, além de desempenhar papéis políticos e simbó-licos excepcionais na história da formação do chamado mundo ocidental. Não menos importante, o Oriente Médio serve de sede à religião que conta com 1,5 bilhão de adeptos e que cresce com maior rapidez nas áreas mais miseráveis do planeta. Se as demais regiões do mundo vivessem hoje tempos de relativa paz e estabilidade, a desordem no Oriente Médio já seria, por si só, motivo de tensionamento entre as potências, que mantêm inves-timentos e interesses na área. No atual contexto de crise global, saber como será o redesenho do Oriente Médio assume importância crucial.

Xiitas, liderados pelo Irã, disputam território e influên-cia política com sunitas, sob influência da Arábia Saudita e da Turquia. A Rússia, que depende de um governo “amigo” na Síria para manter sua base militar no Mediterrâneo (em Tartus), alia-se ao Irã na preservação da ditadura de Bashar al-Assad, contra uma estranha aliança formada por Estados Unidos, Arábia Saudita e Israel. A China, que depende do petróleo iraniano e tem seus próprios interesses na região, mantém uma política discreta de sustentação do governo sírio. Todos os Estados, apesar das várias contradições internas, temem o crescimento do Isis. O Isis, por sua vez, ao atacar os curdos da Síria e do Iraque, provoca o ressurgimento do nacionalismo curdo e abre a hipótese de criação de um Curdistão soberano, ameaçando levar o incêndio à Turquia [veja o mapa 2]. A persistente “questão palestina”, por fim, impede a estabilização do Estado de Israel. Durma com um barulho desse.

internacional, e em particular dos judeus americanos, com a finalidade última de trazer os Estados Unidos para a guerra ao lado da Entente, o que acabou acontecendo, em abril de 1917. Teria servido, também, para comprar o apoio da Itália, que mantinha um conflito com o Império Turco-Otomano desde 1911. Como compensação por ter deixado a Tríplice Aliança, Roma ganharia o controle da Líbia e de algumas ilhas do Mar Egeu. A Rússia czarista “herdaria” a Armênia e partes da Ásia resultantes do des-membramento do Império Turco-Otomano, consagrado pelo Tratado de Sèvres, em 1920.

O Acordo Sykes-Picot só chegou ao conhecimento da opinião pública mundial porque Lenin, líder da Revolução Russa de 1917, denunciou sua existência e renunciou às pretensões czaristas. Apesar do escândalo e dos constrangi-mentos causados pela publicação do acordo, seus principais termos seriam confirmados pela Conferência de San Remo, em abril de 1920, e pelo Conselho da Sociedade das Nações, em julho de 1922, estabelecendo os mandatos britânico e francês no Oriente Médio. Uma das grandes fontes perma-nentes de tensão na região é justamente o fato de que suas fronteiras internas, criadas entre as décadas de 1920 e 1940, refletirem muito mais os interesses franco-britânicos do que a história dos povos locais. A criação de Israel, em 1948,

oriEntE médio AfundA no cAos

ORDEM MuNDiAL

Fragmentação da Síria e do Iraque, combinada com o fortalecimento do fundamentalismo islâmico, golpeia uma coluna vital de sustentação da geopolítica de poder internacional

© R

epro

du

ção

“ Mapa 1

Mapa 2

Bandeira do Isis

O teatro de guerra Iraque/Síria

Bombardeio aéreodos EUA e aliados(agosto e setembro)

Sob controle do IsisOperações do Isis

Área autônoma curdaFONTE: Instituto de Estudos da Guerra; Comando Central dos EUA

TURQUIA

IRÃ

IRAQUEDamasco

Alepo

Homs

Kobane

Erbil

Kirkuk

100 km

Manbij Al-HasakahRaqqa

SÍRIA

Deir al-ZourMayadin

Al-BukamalAmerli

Haditha

Bagdá

Monte Sinjar

Área de Mossul

TURQUIA

IRÃ

IRAQUE

DamascoSÍRIA

Bagdá

AncaraBaku

Yerevan

TabrizVan

MossulErbil

Kirkuk

Bakhtaran

Amã

Nicósia

JORDÂNIA

Diyarbakir

Os curdos no Oriente Médio

Beirute

Tel AvivISRAELLÍBANO

Page 10: Mundo - ano 22 - 6

102014 OUTUBROMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO

O historiador Plutarco conta que, em 279 a.C., depois de vencer os exércitos romanos nas batalhas de He-

racleia e Ásculo, o rei Pirro, de Épiro (Grécia), teria dito a um correligionário que outra vitória como aquela o arrui-naria, pois ele havia perdido uma parte enorme das forças que trouxera consigo. Desde então, a expressão “vitória de Pirro” passou a designar aquelas vitórias cujo preço é tão alto que talvez não valha a pena conquistá-las.

A mais recente manifestação dessa glória duvidosa foi vivida pelo primeiro-ministro britânico, David Cameron, do Partido Conservador, depois que os escoceses decidi-ram, por 55% a 45%, rejeitar a proposta de independência da Grã-Bretanha. O fantasma do nacionalismo continua assombrando vários governos da União Europeia. Em 9 de novembro, os catalães irão às urnas, numa consulta sobre a secessão da Espanha. Mais um sinal para que separatistas de outras plagas – País Basco (Espanha e França), Flandres (Bélgica) e Córsega (França) – recomecem a levantar a cabeça, como o monstro do Lago Ness.

As raízes da insatisfação escocesa com Londres remontam aos anos 1980, quando o governo conservador de Margaret Thatcher fechou várias indústrias pesadas, como mineração, estaleiros, siderurgia e indústria automotiva, em Glasgow e Edimburgo, as maiores cidades da Escócia. “Isso deixou uma grande massa de trabalhadores desempregados. Não é à toa que o Partido Trabalhista tradicionalmente seja visto como representante dessa classe”, diz o empresário escocês William Thomson. Para ele, o ressentimento causado pelo empobreci-mento da Escócia criou condições para que o país pressionasse o governo central, obtendo o seu Parlamento em 1999, o primeiro desde a união com a Inglaterra, em 1707.

Mas a crise econômica de 2008 levou o governo central a priorizar os banqueiros da City, deixando a Escócia nova-mente para trás. A grita por autonomia aumentou, e, em 2012, foi assinado o Acordo de Edimburgo, que permitiu a realização do referendo. Cameron só concordou com a consulta porque tinha certeza de que o “não” à independên-cia seria amplamente majoritário. E era, como mostravam várias pesquisas. Mas, no final da campanha, o “sim” cresceu tanto que quase venceu a disputa – e Alex Salmond, líder do Partido Nacional Escocês (SNP) e ex-primeiro-ministro da Escócia, teve seus cinco minutos de fama.

A ameaça de uma vitória dos independentistas deixou a elite política da Grã-Bretanha em polvorosa. Entre ou-tras coisas, o establishment inglês temia que uma Escócia independente, muito mais europeísta que os britânicos, fortalecesse os “eurocéticos” da Ilha, ameaçando a posição da Grã-Bretanha na União Europeia. Isso sem falar de questões estratégicas, como a permanência na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e o arsenal nuclear da Ilha – os submarinos nucleares britânicos estão na

Escócia. E também sem esquecer os problemas econômi-cos, que não eram poucos, indo desde a moeda, a dívida britânica e o petróleo do Mar do Norte.

Para conter a onda separatista, os principais parti-dos britânicos – Conservador, Trabalhista e Liberal – entregaram os anéis para preservar os dedos. Eles se comprometeram a dar mais poderes à pátria de Sean Connery. O Parlamento regional da Escócia, hoje bas-tante limitado, deverá ganhar autonomia política, fiscal e orçamentária, além de poder gerir serviços públicos, entre eles o Sistema Nacional de Saúde. Já se prevê a extensão dessas concessões ao País de Gales e à Irlanda do Norte, os outros integrantes menores do Estado britânico [veja o mapa 1]. “Não vamos embarcar em uma significativa devolução de poderes para a Escócia sem estender o debate sobre como descentralizá-lo por todo o Reino Unido”, disse Nick Clegg, vice-primeiro-ministro britânico. Cameron venceu, mas o desgaste poderá lhe custar o cargo nas eleições de 2015.

Expulso provisoriamente das highlands escocesas, o fantasma do nacionalismo agora assombra a Catalunha [veja o mapa 2]. Lá, o referendo é uma consulta informal, já que o governo de Madri não o reconhece legalmente. Mas, dependendo do resultado, ela pode provocar uma hecatombe na Espanha, que enfrentou durante décadas o irredentismo dos bascos, muitas vezes sob a forma de ações terroristas perpetradas pelo grupo nacionalista ETA.

O histórico do nacionalismo catalão é mais forte e profundo – e, por isso, potencialmente perigoso – do que o escocês. Na arguta análise do jornalista Kevin McKenna, do The Guardian, “as perfídias de Albion [isto é, a Inglaterra] podem ser muitas, aos olhos dos escoceses, mas nem se comparam ao que os catalães sentem com relação a Madri. Entre as duas guerras mundiais, nas quais soldados ingleses e escoceses mor-reram combatendo lado a lado, houve uma guerra civil na Espanha que conduziu a 40 anos de ditadura de Francisco Franco e à sujeição da Catalunha. A Escócia, ao contrário da Catalunha na era de Franco, jamais esteve sujeita à escravidão cultural.”

À diferença do que aconteceu há duas décadas, na hora da implosão da Iugoslávia, os movimentos independen-tistas da Europa de agora são democráticos e buscam o eventual divórcio por meios pacíficos. De qualquer forma, esses movimentos também são extremamente heterogê-neos. “Há movimentos mais social-democratas, como na Escócia, mais republicanos, como na Catalunha, ou mais de centro-direita, como em Flandres. Cada um tem origens ideológicas diferentes e se relaciona com temas sensíveis, como imigração, de forma diferente”, diz a cientista política escocesa Eve Hepburn. “O SNP, da Escócia, por exemplo, é muito aberto e pró-imigração, como também ocorre na Catalunha e na Sardenha. Já os movimentos do Norte da Itália e de Flandres são mais fechados”, conclui.

As fEndAs AbErtAs dA união EuropEiA

EuROPA OCiDENtAL

Referendo escocês não destruiu a Grã-Bretanha, mas deflagra um movimento de descentralização interna e estimula o nacionalismo catalão

Cláudio CamargoEspecial para Mundo

Cláudio Camargo é jornalista e sociólogo

“A existência de uma nação é um plebiscito diário, como a existência do indivíduo é uma afirmação perpétua da vida.”

(Ernest Renan, O Que é uma Nação?, 1882)

Mapa 2

Mapa 1

FONTE: www.mapsofworld.com

Reino Unido da Grã-Bretanhae Irlanda do Norte

ESCÓCIA

Edimburgo

Londres

INGLATERRA

IRLANDADO NORTE

Belfast

IRLANDA

ILHADE

MANN

ILHADE WIGHT

ILHASSHETLAND

ILHASORKNEY

OCEANOATLÂNTICO

NORTE

MAR CELTA

CANAL DA MANCHA ESTREITO DE DOVER

52º

FRANÇA

56º

0 135 270 km

MARDO

NORTE

Cardiff

PAÍSDE

GALES

A Catalunha e a Espanha

OCEANOATLÂNTICO

PORTUGAL

Á F R I C A

FRANÇA

ESPANHA

MadriBarcelona

ILHAS CANÁRIAS

MAR MEDITERRÂNEO

Page 11: Mundo - ano 22 - 6

MUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO 11 OUTUBRO 2014

pAz à vistA

COLôMBiA

As negociações de paz entre o governo da Colômbia e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia

(Farc), em Havana, alcançaram um novo patamar com o envio a Cuba de oficiais militares de alta patente. “Pela primeira vez na história, pela primeira vez em 50 anos de guerra, inicia-se a discussão sobre o cessar-fogo definitivo, o fim das hostilidades em definitivo, a entrega de armas”, disse um esperançoso presidente colombiano Juan Manuel Santos. Os oficiais foram mandados pelo recém-reeleito presidente, cuja campanha se organizou em torno da bandeira da conclusão do acordo de paz. A comissão militar é liderada pelo chefe do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas, general Javier Flórez.

Santos já sofria pesadas criticas do ex-presidente Álvaro Uribe, centro de gravidade de uma direita que quase venceu as elei-ções acusando-o de ofere-cer concessões excessivas à guerrilha. Agora, os uru-bistas o acusam de violar a Constituição e colocar a segurança do país em perigo ao incorporar os comandan-tes militares às negociações com guerrilheiros. Mas o envio foi mantido, e os generais se constituíram em subcomissão.

O presidente argumenta que a presença deles é ne-cessária “por razões práticas”, na qualidade de assessores do governo. Mas também sustenta que sua presença em Cuba “os enobrece e os dignifica”, já que participam de evento que se escreverá com letras maiúsculas na história da Colômbia. Entre os críticos, alinhados com Uribe, estão integrantes do Judiciário, inclusive de alto escalão.

A iniciativa tem implicações interamericanas. Ainda não se dissolveram totalmente as heranças da Guerra Fria em países da América Latina. Seus militares continuam sendo treinados, embora com perfil rebaixado, na Escola das Américas, que se deslocou do Panamá, com a nacio-nalização do canal, para uma base nos Estados Unidos. O ex-ditador chileno Augusto Pinochet foi aluno da institui-ção e uma das figuras mais trágicas que personificaram a Doutrina de Segurança Nacional, reinante décadas atrás, sob auspícios dos Estados Unidos.

Algumas instituições da Guerra Fria continuam em cena. A Junta Interamericana de Defesa foi incorporada à Organização dos Estados Americanos (OEA), em mudan-ça que conservou seus traços originais, e o Tratado Intera-mericano de Assistência Recíproca (Tiar), entre as Forças Armadas do “Hemisfério Americano”, invocado contra

As negociações entre o governo e a guerrilha ingressam na etapa final, em meio a polêmicas sobre a participação dos militares

Em 2008, milhares protestam, em Medellín, contra os métodos violentos adotados pelas Farc

Newton CarlosDa Equipe de Colaboradores

© X

Mas

caro

l/Flic

kr/C

reat

ive

Co

mm

on

s

© B

ori

s H

eger

/Div

ulg

ação

Co

mit

ê In

tern

acio

nal

d

a C

ruz

Verm

elh

a/A

br

“ameaças comunistas”, segue vigente. Até o ousado gesto de Santos, seria impensável militares latino-americanos negociando com guerrilheiros, embora ex-guerrilheiros ocupem as presidências de El Salvador e do Uruguai. Em El Salvador a Organização das Nações Unidas (ONU) negociou um acordo de alto nível, enquanto no Uruguai terminou se impondo uma tradição democrática.

Os militares colombianos enviados à mesa de nego-ciações em Cuba são chefiados pelo segundo general de mais alta patente das Forças Armadas. Além dele, inte-

gram a comitiva coronéis do Exército, um major da Força Aérea, um capitão naval e um coronel de polícia militar. Estudarão, segundo Santos, “alternativas, mecanismos e experiências próprias para esboçar o que poderia ser o passo final na direção da paz num conflito complexo como o nosso”. O general no comando da subcomissão estudou situações pós-conflitos, como a de El Salvador, e tambem coordenou operações militares contra as Farc.

Segundo Santos, ele entende como ninguém a estra-tégia da guerrilha, seus movimentos e fraquezas e fica

bem situado para assessorar negociadores do governo em logística de desmobilização. Uma ex-senadora de prestígio na esquerda colombiana saudou o envio de militares a Cuba, sobretudo pelo fato de estarem sob o comando de um general de conhecido respeito pelos direitos humanos. Uribe, porém, não recua em suas ácidas críticas.

Já o chefe da equipe negociadora do governo colom-biano contra-ataca dizendo que militares participam “por motivos óbvios” e que “o mesmo acontece em qualquer parte do mundo onde se negocia a paz”. O comandante

de igual patente das Farc, segundo regras da guerrilha, declarou que a subcomis-são envolvendo militares “de ambos os lados” é excelente novidade. Governo e guer-rilha sentam “como iguais”, declarou, formulando um conceito que serve como luva para o bombardeio retórico de Uribe.

A agencia EFE, da Espa-nha, informou que militares colombianos já sentaram “cara a cara” com guerrilheiros. Também começou a trabalhar outra subcomissão, encarre-gada de escrever a história do mais longo conflito armado de uma Colômbia que parece saída das páginas ficcionais do romance Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez.

São 12 especialistas recrutados em academias e jornais. Têm prazo de quatro meses para concluir seus trabalhos. Seis dos acadêmicos foram escolhidos em comum acordo pelos dois lados. A maioria de seus membros faz trabalhos em casa. O relator é o embaixador da Colômbia na Ho-landa, autor de livros sobre as Farc. Trabalha junto com um ex-reitor da Universidade Nacional.

O objetivo do grupo é reunir reflexões sobre a “plurali-dade e diversidade” de opiniões da sociedade colombiana sobre o conflito. O procurador-geral, severo crítico do processo de paz, mandou carta a Santos dizendo que “a verdade nunca será resultado de negociações com as Farc”. Santos respondeu pedindo tolerância e “habilidade para esquecer e reconciliar”. A ministra da Justiça, única mu-lher na subcomissão encarregada de escrever a história do conflito, esclarece que não se trata de trabalho igual ao da Comissão da Verdade brasileira. Não se trata, portanto, de levantar responsabilidades. O objetivo final é “propor algo que ajude a entender e compreender o conflito”. De qualquer modo, sempre é prudente desconfiar de narrati-vas históricas produzidas em gabinetes oficiais – mesmo se, no caso, o gabinete é uma mesa onde se negocia a paz.

Page 12: Mundo - ano 22 - 6

122014 OUTUBROMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO

Alguns lugares no mundo são conhe-cidos por uma mescla de mistério e

misticismo. A Ilha de Páscoa – “o lugar mais isolado do mundo” – é um deles. Seus moais, as estátuas de pedra, algumas imensas, já foram parte das especulações sobre “deuses astronautas” porque o desco-nhecimento sobre suas origens, finalidades e sobre o povo que ali as instalou alimen-tam explicações fantásticas. Mesmo sendo historiadora, eu pouco sabia sobre elas até desembarcar na ilha e entrar em contato com as informações ali disponíveis e os descendentes do povo que as erigiu. Para os nativos, Rapa Nui é o nome da ilha, bem como o de sua etnia.

A primeira descoberta surpreendente é que os moais não são tão antigos assim: datam dos séculos XVII e XVIII – ou seja, historicamente falando, são recentes. As estátuas são representações dos ancestrais dos diferentes clãs que povoaram a ilha, não se sabe ao certo a partir de quando, mas algo entre os séculos VIII e XII. Espa-lhados por toda a orla e sempre de costas para o mar, os moais formam conjuntos de alturas variadas: alguns são pouco maiores que pessoas, outros chegam a cinco metros ou mais. Certamente o tamanho refletia o poder de cada clã. Qual era exatamente a função desse culto aos ancestrais, não se sabe, mas o padrão construtivo é sempre o mesmo: há uma plataforma delimitada por pedras, chamada ahu, que constitui um espaço sagrado onde não se pode pisar e sobre a qual são erguidas as estátuas.

A formação geológica da Ilha de Páscoa, assim como das demais ilhas da Polinésia, é um capítulo à parte. Em geral, originaram de vulcões, cujas erupções criaram a base terrestre das ilhas. No caso da Ilha de Pás-coa, foram três vulcões surgidos em épocas distintas. Todos os moais foram esculpidos na vertente de um deles e depois levados, já prontos, para seus sítios. A forma como eram transportados e erguidos, dados seu tamanho e peso, é alvo de polêmicas entre os arqueólogos, mas o processo indica dispêndio de imensos esforços dos clãs para fazê-lo.

O ambiente da ilha não é muito favorável à agricultura, e mesmo o mar, cristalinamente azul, não é especialmente pródigo para a pesca. Tais condições suge-rem a ocorrência de um colapso ecológico da sociedade Rapa Nui a partir do século

pelas estrelas e correntes, pela direção dos ventos, bem como interpretar o voo de aves migratórias, a formação de ondas e a cor das águas e das nuvens, cujos tons refletem a vegetação e a areia. Onde nossos olhos só enxergam água e monotonia, os deles en-xergavam um universo de possibilidades.

Minha viagem prosseguiu em direção à Polinésia Ocidental, e o fio dessa narrativa continuou a se desenrolar. Os polinésios, ou maoris, também povoaram muitas outras ilhas, chegando ao Havaí e à Nova Zelândia. Um triângulo civilizatório, for-mado por dezenas de arquipélagos, cujos

vértices estão separados por 60 graus de latitude e 40 graus de longitude, configuram o “continente” dos maoris [veja o mapa]. Segundo uma narrativa lendária maori, todas as expedições que colonizaram o Pacífico partiram da Ilha de Raiatea, na atual Poliné-sia Francesa. Em Raiatea, “ilha-mãe”, existe um altar com pedras indicando cada

uma das ilhas descobertas e suas respectivas direções. Podemos falar de uma civilização erigida sobre uma teia insular nessa vasta área do Oceano Pacífico, que compreende áreas nos hemisférios boreal e austral.

A identidade maori emerge nos traços físicos de seus habitantes (que lembram os ameríndios, cujas origens também estão na Ásia), na língua, nas histórias ligadas ao mar, no uso de canoas com um braço lateral que lhes confere estabilidade (as wakas) e na presença dos ahus (os altares de pedra que demarcavam o espaço do sagrado). Essa identidade se manifesta, ainda, na arte corporal das tatuagens, tra-zidas para o Ocidente pelos marinheiros que começaram a entrar em contato com os maoris no final do século XVIII, quan-do essas ilhas foram “descobertas” pelos ingleses e franceses.

Em Bora Bora, de onde se enxerga a silhueta de Raiatea, tive a oportunidade de assistir a uma etapa do Heiva, um festival anualmente realizado entre todas as ilhas do triângulo maori para celebrar sua cultu-ra, com jogos, música e dança. Saltando de uma ilha para outra, aprendi que o “lugar mais isolado do mundo” é sempre aquele escondido pelo véu de nossa ignorância.

polinésiA, o continEntE insulAr dos mAoris

Elaine senise BarbosaEspecial para Mundo

XVIII, provavelmente resultado da com-binação entre crescimento populacional e esgotamento dos recursos alimentícios. Sabe-se que, naquele século, ocorreram violentos conflitos clânicos, pois em várias partes os moais foram derrubados (o que podemos ver hoje), além de dezenas de es-tátuas prontas terem sido abandonadas na encosta do vulcão-fábrica, jamais chegando a seu destino.

No pequeno museu local, outra reve-lação: a Ilha de Páscoa foi povoada por navegadores vindos do oeste, ou seja, de ilhas distantes, do outro lado da Polinésia. Os colonizadores chegaram em grandes

canoas (wakas), trazendo suas famílias, sementes e galinhas (onipresentes em to-das as ilhas). Daí, você olha no mapa do Pacífico a localização dessas ilhas e vê que as distâncias percorridas eram imensas, extensas demais para ser obra do acaso. E pensar que a arrogância ocidental de sempre imagina que tudo começou desse lado do mundo...

Uma foto mostrava uma espécie de mapa de navegação feito de varetas cru-zadas, sobre as quais pequenas conchas indicavam a localização das ilhas do Pací-fico e o sentido das correntes marinhas. É uma prova de que eles sabiam se orientar

Monumentos misteriosos e paisagem paradisíaca provocam fascínio na Ilha de

Páscoa, “o lugar mais isolado do mundo”

© F

oto

s: E

lain

e S

enis

e B

arb

osa

O triângulo da Polinésia

MICRONÉSIA

MELANÉSIA

AUSTRÁLIA

2.500 km

HAWAÍ

TONGA

SAMOA

TAITI

NOVAZELÂNDIA

ILHADE PÁSCOA

AMÉRICADO SUL

AMÉRICADO NORTE

180º

OCEANOPACÍFICO

Elaine senise Barbosa é historiadora