Mulheres ciganas no sertão paraibano e a vivência no...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS GRAUDAÇÃO EM ENFERMAGEM SUDERLAN SABINO LEANDRO Mulheres ciganas no sertão paraibano e a vivência no processo de gestação, parto e nascimento. JOÃO PESSOA PB 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

PROGRAMA DE PÓS GRAUDAÇÃO EM ENFERMAGEM

SUDERLAN SABINO LEANDRO

Mulheres ciganas no sertão paraibano e a

vivência no processo de gestação, parto e

nascimento.

JOÃO PESSOA – PB

2008

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SUDERLAN SABINO LEANDRO

Mulheres ciganas no sertão paraibano e a

vivência no processo de gestação, parto e

nascimento.

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa

de Pós Graduação em Enfermagem, inserido na

área de concentração Enfermagem na Atenção à

Saúde e na linha de pesquisa Políticas e Práticas

em Saúde e em Enfermagem da Universidade

Federal da Paraíba, como exigência para

obtenção do título de mestre.

ORIENTADORA: Profª. Drª. Maria Djair Dias

JOÃO PESSOA – PB

2008

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L437m Leandro, Suderlan Sabino

Mulheres ciganas no sertão paraibano e a vivência no processo de gestação, parto e nascimento / Suderlan Sabino Leandro. - - João Pessoa: UFPB, 2008.

135 f. : il.

Orientadora: Maria Djair Dias.

Dissertação (Mestrado)– UFPB, CCS, Programa de Pós Graduação

em Enfermagem.

1. Cuidados de enfermagem - Mulher. 2. Grupo étnico – Ciganos.

(PB). 3. Cultura – povo cigano.

UFPB/BC CDU: 616-083-055.2(043)

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SUDERLAN SABINO LEANDRO

Mulheres ciganas no sertão paraibano e a

vivência no processo de gestação, parto e

nascimento.

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa

de Pós Graduação em Enfermagem, inserido na

área de concentração Enfermagem na Atenção à

Saúde e na linha de pesquisa Políticas e Práticas

de Saúde e Enfermagem da Universidade Federal

da Paraíba, como exigência para obtenção do

título de mestre.

Aprovado em ______ / ______ / 2008.

Banca Examinadora

____________________________________________

Prof. Drª. Maria Djair Dias

(Orientadora)

____________________________________________

Profª Drª. Maria Patrícia Lopes Goldfarb

(Membro Externo - UFPB)

____________________________________________

Profª Drª Lenilde Duarte de Sá

(Membro do PPGENF)

___________________________________________

Profª Drª Maria de Oliveira Filha

(Membro do PPGENF)

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Dedico

Aos meus pais, North e Terezinha, minha fonte

de inspiração, por todo amor e carinho

incondicional.

Aos meus irmãos, Vanilda, Sudeny, Kalielandia,

Lestiandro e Ana Maria, por estarem sempre dispostos a

ajudar, com toda força e incentivo da maneira peculiar

de cada um.

Aos meus sobrinhos, Luynajara, Ludmilla, Luana, Sidney,

Victor, Samuel, Saulo, Fabrício , João Felipe e em Especial

aos meus sobrinhos/ afilhados Pedro Lucas e Fillipe César,

vocês são uma jóia rara em meu caminho

e que a cada dia me trazem muita felicidade.

Ao meu amigo-irmão Dr. David Jones (In Memóriam) por

Toda confiança, apoio e respeito , e que mesmo distante ,

sempre estará presente em meu coração.

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Agradecimentos

A Deus por toda sabedoria, bondade e amor, sempre iluminando meus caminhos.

A minha orientadora, Prof. Drª. Maria Djair Dias, por todo carinho, dedicação e incentivo no

processo de construção deste trabalho.

Aos ciganos Calons de Sousa, por toda receptividade calorosa durante as visitas a comunidade.

As colaboradoras desse estudo, as mulheres ciganas (Calins), que se disponibilizaram em

participar da pesquisa.

A professora Drª. Lenilde Sá pelo incentivo e por acreditar no meu potencial.

A professora Drª. Patrícia Goldfarb por toda contribuição nesse estudo.

Aos professores e funcionários do PPGENF por toda colaboração e disposição em ajudar.

.

Ao meu grande amigo Marcelo, por toda força e companheirismo quando mais precisei.

A minha sobrinha Ludmila na ajuda para transcrever as entrevistas.

A minha tia Tica e Eliane por toda colaboração no encontro final com as colaboradoras.

A minha amiga Débora, bibliotecária da UFPB, pelas correções da regras da ABNT.

A minha amiga Vaneide Rejane por sempre está disposta a colaborar.

As companheiras de luta do Sindicato dos Enfermeiros do Estado da Paraíba (SINDEP), Fabíola,

Eva, Emilia, Sônia e Iara por todo acolhimento e empenho para construção de uma nova

realidade.

As colegas de Mestrado Dayse, Cleane, Márcia, Lucineide, Karintea, Krístea, Bernadete, Rita,

Zeleide e Kátia por todo apoio e incentivo.

Aos Enfermeiros e demais colegas do SAMU 192 JP por toda compreensão, amizade e força nos

momentos de difíceis ;

As coordenações dos cursos de graduação em Enfermagem e em Medicina da Faculdade Ciências

Médicas, e as coordenações dos curso Técnico de Enfermagem e graduação em Enfermagem da

Faculdade Nova Esperança por todo apoio e empenho sempre que necessários.

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“As criaturas que habitam esta terra em que vivemos, sejam elas seres humanos

ou animais, estão aqui para contribuir, cada uma com sua maneira peculiar,

para a beleza e prosperidade do mundo.”

(Dalai – Lama)

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RESUMO

O povo cigano apresenta uma trajetória marcada por sofrimento, perseguição e preconceito. No

entanto, força e determinação têm permitido a essa população, ao longo do tempo, resistir e

preservar sua cultura, atravessando terras, mares e guerras. Os diversos grupos de ciganos

espalhados pelo mundo podem ser identificados por características próprias, como língua, regras,

comportamento, costumes, hábitos, vestimentas, crenças e visão de mundo. Na Paraíba, assim

como em outros estados da região Nordeste, grupos de ciganos de etnia Calon podem ser

encontrados espalhados por algumas cidades do sertão paraibano, em regime de sedentarização

ou seminomadismo, sendo que o maior número de famílias ciganas sedentarizadas encontra-se no

cidade de Sousa, local desta pesquisa. Trata-se de um estudo com o objetivo de conhecer as

experiências de práticas de cuidado vivenciadas pelas mulheres ciganas durante o processo de

gestação, parto e nascimento. Para isso foi utilizado o método de história oral temática, fazendo

uso, para a produção do material empírico, da técnica de entrevista, realizada no município de

Sousa, Paraíba, no período de março a julho de 2008. As entrevistas foram realizadas com oito

colaboradoras que vivenciaram o processo de gestação, parto e nascimento antes da

sedentarização do grupo, no ano de 1982. A análise e discussão do material produzido se deu

com base no Tom Vital das narrativas e pelo eixo temático e seus sub-eixos, com base na

literatura pertinente à temática em estudo. A análise do material empírico revelou a possibilidade

de resgatar essas práticas de cuidado, e também demonstrou que para o desenvolvimento dessas

práticas diferentes rituais se mostram necessários. Essa cultura se mantém no tempo através da

oralidade, passando o conhecimento de geração em geração, numa perspectiva de conhecer o

ritmo e a experiência de cada mulher e sua ligação com Deus e a natureza. O saber empírico

trazido por essas mulheres nos mostra como esse processo era conduzido no tempo do

nomadismo, quando não existia acesso aos serviços de saúde, reconhecimento ou mesmo direito a

cidadania. Essas práticas surgem, geralmente, envolvidas pelo manto do misticismo, pelo

significativo poder da fé, da oração e da crença nas divindades, a quem recorrem para a

preparação do enfrentamento dos riscos durante o processo de gestação, parto e nascimento.

Palavras-chave: cuidado de saúde - grupo étnico - cultura

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ABSTRACT

Gypsy people have a history marked by suffering, persecution and prejudice. However, strength

and determination have allowed this population to resist and preserve their culture throughout

time, getting over lands, seas and wars. The various groups of gypsy people around the world can

be identified by peculiar characteristics like language, rules, behavior, customs, habits, clothes,

beliefs and culture. In Paraiba, as well as in other states of the Northeast, ethnic groups of Calon

gypsies can be found scattered in some inland towns, living a life of sedentism or seminomadism.

The largest number of such families can be found in the city of Sousa, site of this research, which

aims to deep in what is known from the experiences and practices of care experienced by gypsy

women during pregnancy and birth. The thematic oral history method was used, and interviews

were held for the production of empirical material, in the city of Sousa, from March to July 2008.

The interviews were conducted with eight women who had already experienced the process of

pregnancy and childbirth before the sedentarization of the group, which happened around 1982.

The analysis and discussion of the material were based on the narratives’ “Vital Tune” and its

thematic axes and sub-axes, based on literature relevant to the subject under investigation. The

empirical analysis of the material opened the possibility to rescue these practices, and also

demonstrated that different rituals become necessary in order to develop such practices. This

culture is maintained over time through an oral tradition, passing the knowledge from generation

to generation, in order to meet the pace and experience of each woman and their connection with

God and nature. The empirical knowledge brought by these women showed us how this process

was conducted in the days of nomadism, when there was no access to health services, no

recognition or even the right to citizenship. Such practices are usually under the mantle of

mysticism, the significant power of faith, prayer and belief in God, to whom they search when

help is needed for the preparation of confronting the risks during pregnancy and childbirth.

Key words: health care - ethnic groups - culture

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Fig.1 – Bandeira Internacional do povo cigano...................................................................... 17

Fig.2 – Folder do dia Nacional do povo cigano..................................................................... 18

Fig.3 – Selo comemorativo do dia Nacional do povo cigano ................................................ 19

Fig.4 – Cigana cozinhando num foguinho fora de casa 2005................................................ 22

Fig.5 – Cigana cozinhando num foguinho fora de casa 2008................................................ 22

Fig.6 - Grupo de ciganas jovens prontas para apresentação de dança cigana...................... 24

Fig.7 – Calin dando banho numa criança.............................................................................. 30

Fig.8 - Modelos de Breve..................................................................................................... 105

Fig. 9 – Cigana usando o breve de N.S. Mont Serratt............................................................ 105

Fig. 10- Cangalha................................................................................................................... 114

Fig.11 – Mulheres ciganas no sertão paraibano..................................................................... 123

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................................. 12

1.1 Aproximação com o objeto de estudo: Fontes de inquietações........................................ 13

2 REVISÃO DA LITERATURA......................................................................................... 20

2.1 A história do povo cigano: trajetória e rumo para o interior da Paraíba.......................... 21

2.2 A Cultura Cigana em Sousa: Valores e Tradições........................................................... 30

2.3 As práticas de cuidado durante a gestação, parto e nascimento....................................... 38

3 TRILHANDO O CAMINHO TEÓRICO METODOLÓGICO.................................... 43

3.1 História Oral Temática: o paradigma metodológico........................................................ 44

3.2 Contexto do estudo e a inserção no campo....................................................................... 45

3.3 A produção do material empírico..................................................................................... 49

3.4 Análise do material empírico ........................................................................................... 51

3.5 Aspectos éticos da pesquisa.............................................................................................. 51

3.6 Entrelaçando histórias....................................................................................................... 52

4 DESVELANDO A CULTURA DO CUIDADO DAS CIGANAS................................. 54

5 RESGATANDO AS PRÁTICAS DE CUIDADO........................................................... 91

5.1 O ritual do cuidado durante a gestação........................................................................ 92

5.2 O ritual do cuidado durante parto e nascimento............................................................. 102

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................ 120

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 124

GLOSSÁRIO ....................................................................................................................... 132

APÊNDICES......................................................................................................................... 135

Apêndice A............................................................................................................................. 136

Apêndice B............................................................................................................................. 137

Apêndice C............................................................................................................................. 138

ANEXOS................................................................................................................................ 139

Declaração do Centro Calon de Desenvolvimento Integral................................................... 140

Certidão do Comitê de Ética................................................................................................... 141

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1 Introdução

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1.1 Aproximação com o objeto do estudo: fontes de inquietações.

No meu tempo de criança aprendi que não deveríamos nos aproximar dos ciganos, pois

eram sujos e perigosos. Lembro muito bem que aos sábados minha mãe nos levava para fazer a

feira no mercado central de Sousa, na Paraíba, e que lá encontrávamos ciganos espalhados pelo

centro da cidade, sentados no chão com suas crianças, abordando as pessoas para ler a mão ou

mesmo pedir esmolas.

A presença de ciganos na cidade de Sousa sempre despertou a curiosidade de todos: o

comportamento, as vestimentas, a língua, sua cultura repleta de características típicas que se

mostravam tão diferentes da nossa, tipicamente urbana. O fato de sermos instruídos a evitar

contato com esse povo somente aumentava o desejo de uma aproximação.

A aproximação teve início com o término da minha graduação em Enfermagem, quando

retornei a Sousa, minha cidade natal, e lá recebi o convite para trabalhar na Equipe de Saúde da

Família na comunidade cigana. Após refletir, decidi aceitar o desafio, pela proposta de atuar em

uma comunidade diferente, até mesmo porque existiam mais duas outras propostas de trabalho no

município na mesma época. A busca por algo diferente e os desafios a serem enfrentados fazem

parte da minha vida.

Algo me chamou atenção enquanto tecia comentários com algumas pessoas de que iria

trabalhar com os ciganos: eu percebia de imediato o preconceito arraigado nas pessoas da cidade.

Segundo Goldfarb (2004), o cigano na cidade de Sousa é visto como ladrão, preguiçoso, esperto,

estrangeiro, nômade, etc. Essa imagem me deixava muito inquieto, e isso só aumentava a minha

curiosidade e o meu desejo de me aproximar desse povo, pois eu tinha certeza de que seria

diferente, e realmente foi.

Os primeiros contatos que tive com membros da comunidade foram na Secretaria

Municipal de Saúde, com um advogado cigano e dois de seus filhos, que iriam trabalhar conosco

na equipe, um como digitador e outro como Agente Comunitário de Saúde (ACS). Nessa reunião

eles me repassaram informações úteis no entrosamento com a comunidade, bem como a melhor

maneira de inserir a equipe. Essas informações foram importantíssimas, e a partir daí pude

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observar um pouco do cenário que iria encontrar, e assim ficar tranqüilo a respeito do estigma

que a sociedade nos passa acerca do cigano.

A oportunidade de trabalhar no município de Sousa como enfermeiro da Estratégia Saúde

da Família (ESF), que possuía as comunidades ciganas como parte da sua área de abrangência foi

a possibilidade para que tivesse um contato mais próximo com essa população. Experiência que

foi sem dúvida ímpar e consideravelmente rica, uma oportunidade que me proporcionou uma

troca de saberes e de conhecimento sobre o modo de vida cigano. Com isso foi despertada em

mim uma nova percepção a respeito dessa gente, o que me levou a desejar essa aproximação na

tentativa de compreender os estigmas e os preconceitos que os envolvem, além de reconhecer

isso como uma oportunidade de construir vínculos com essas pessoas.

A construção de vínculos com os ciganos era possível durante as consultas e visitas

domiciliares do PSF, oportunidades que eu aproveitava para aprender algumas palavras do kalé,

na intenção de mostrar o meu interesse pela cultura deles, o que só foi possível após ganhar a

confiança e o respeito do grupo, e todas as vezes eu era advertido a não transmitir esse

conhecimento a outras pessoas. Esse rigor em não revelar o dialeto kalé a estranhos tem

contribuído para a preservação da cultura dos grupos ciganos.

Durante esse tempo alguns aspectos da minha vivência na ESF me inquietaram: a situação

de pobreza das famílias da área de abrangência, inclusive das famílias ciganas, as condições de

higiene e de saneamento básico, a dificuldade de acesso a serviços simples, a falta de adesão dos

ciganos aos programas de saúde, isso sem falar no desprezo da sociedade e das autoridades em

relação à comunidade cigana. Na verdade, as demandas de saúde apareciam de maneiras

distintas, e eu me sentia impotente diante de tal desafio.

A minha participação no Curso de Especialização em Saúde da Família da Universidade

Federal da Paraíba (UFPB), em 2005-2006, foi uma oportunidade de buscar um caminho que me

ajudasse a contribuir com a saúde da comunidade cigana. Durante o curso tivemos a oportunidade

de, junto com a equipe do ESF, refletirmos acerca de vários aspectos da nossa prática cotidiana,

determinando o que mais nos incomodava e o que nos afastava de uma ação inclusiva, que

reconhecesse e respeitasse o sistema cultural de cada um, ou seja, suas crenças, seus valores, suas

práticas.

No processo de construção de mudança de práticas profissionais realizei como monografia

do curso de especialização um estudo intitulado “Saúde e Doença em comunidades ciganas:

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Análise de significados e interface com o Programa Saúde da Família”. Os resultados dessa

investigação revelaram que a concepção de saúde para os ciganos da cidade de Sousa envolve

diversos fatores: desde a infra-estrutura e as condições socioeconômicas precárias nas quais eles

sobrevivem até o bem-estar de que alguns podem usufruir, de acordo com sua realização pessoal.

Além disso, foi possível também analisar as dificuldades que os profissionais da ESF

identificaram como entraves no desenvolvimento de um processo de cuidado integral.

Na perspectiva de desvelar o mundo cigano no aspecto relacionado à saúde tenho a

sensação de estar diante de um novelo de lã com várias pontas a serem puxadas, vários caminhos

a serem percorridos. Ao refletir sobre os fatores que influenciam esse tema surgiu em mim a

necessidade de investigar outros significados. Para isso iniciei um exercício de reflexão da minha

experiência como enfermeiro na execução das práticas de cuidado com o povo cigano. Lembrei-

me da resistência das ciganas em participar do acompanhamento nas consultas pré- natal na

unidade de saúde, por exemplo. Sobre essa situação, as “calin dipê”, ou seja, as ciganas grávidas,

que não participam do acompanhamento mensal do pré-natal ou sequer realizam os exames de

rotina prescritos, alegam que suas mães e avós não necessitavam de acompanhamento e suas

crianças mesmo assim nasciam sadias, e afirmam que no passado, durante as viagens, se uma

cigana parisse e não encontrasse água para higienização própria e da criança, o grupo prosseguia

a viagem até encontrar água, e isso não trazia dano algum à mãe ou ao filho (LEANDRO, 2006

a). Existiam ainda outras inquietações quanto à saúde das mulheres, como, por exemplo, a

questão dos riscos de contaminação, da mortalidade materna, dos óbitos de nascidos vivos, o

aleitamento materno, o período do resguardo e os cuidados com o recém nascido.

Assim, a partir desse exercício de memória, decidi investigar como as mulheres ciganas

realizam a prática de cuidados durante a vivência do processo de gestação, parto e nascimento.

Ainda que o povo cigano seja minoria quase sempre esquecida no tocante a políticas públicas,

sem articulação das ações de saúde específicas para atender suas necessidades, eles são seres

humanos e merecem ser vistos como tal, sem estigmas ou preconceitos. Faz-se necessário então

conhecer e resgatar as práticas de cuidado e seus sistemas culturais, para dar visibilidade e

promover um encontro de saberes entre o mundo cultural dos ciganos e o conhecimento científico

dos profissionais de saúde.

No Brasil, uma das características dos ciganos é um estilo de vida nômade, o que permitiu

eles se espalharem por todo o território nacional. Porém, atualmente muitos grupos de ciganos

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abandonam o nomadismo e se estabelecem em várias cidades do país. Segundo Goldfarb (2003),

as informações ou dados sobre os ciganos existentes no Brasil ou sobre sua exata distribuição

geográfica são escassas, em virtude da pouca atenção dada aos trabalhos desenvolvidos no país

acerca desses grupos. No entanto, é sabido que os grupos calons encontram-se particularmente no

Nordeste e que os grupos roms se situam sobretudo nas regiões Sul e Sudeste.

O Brasil tem avançado muito nos últimos tempos em relação ao reconhecimento das

minorias étnicas existente no país, e o atual governo tem tido uma preocupação crescente frente à

realidade social de um Brasil multiétnico. Através da Secretaria Especial de Políticas de

Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR, diversos movimentos vêm sendo desencadeados na

perspectiva de atender as demandas dessas minorias, inclusive dos ciganos, com a construção de

políticas públicas na tentativa de atender as necessidades dos grupos excluídos, para assim buscar

a consolidação das Políticas de Promoção da Igualdade Racial no pais.

Vale salientar, no entanto, que o preconceito e a discriminação com o povo cigano

continuam vivos dentro da sociedade brasileira. Nesse meio, a mulher cigana sofre de maneira

ainda mais intensa, e por duas razões: primeiro por pertencer à etnia cigana, segundo pela própria

questão do sexo feminino. Esse desinteresse em defesa da mulher cigana é facilmente visível no

cenário brasileiro, onde não é possível identificar nenhum grupo de apoio e/ou organização

feminista que defenda os direitos da mulher cigana.

Em 1979, a Assembléia Geral da ONU adotou um documento da Convention on the

Elimination of All Forms of Discrimination against Women (CEDAW), ou Convenção para

Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres; nesse documento foi

definido o conceito de discriminação contra a mulher e apresentada uma agenda de atividades

nacionais com o propósito de acabar com esse tipo de discriminação. O Brasil é um dos 176

países a fazer parte da CEDAW, se comprometendo a desenvolver uma série de medidas para

erradicar todas as formas de discriminação contra a mulher no território nacional.

O número exato de ciganos existentes no Brasil não é conhecido. O Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não inclui os ciganos no seu censo demográfico, e

por isso temos somente dados isolados de pesquisas locais. Na Paraíba existem oito municípios

com comunidades ciganas instaladas no regime sedentário ou de seminomadismo: Sousa,

Marizopólis, Bonito de Santa Fé, Monte Horebe, Patos, Mamanguape, Bayeux e Alagoa Grande.

O seminomadismo ocorre quando parte do grupo realiza viagens, que podem incluir as famílias

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completas ou, como ocorre na grande maioria dos casos, somente os homens, que viajam na

busca de recursos para sobrevivência do grupo enquanto as mulheres ficam no rancho cuidando

das crianças.

Na cidade de Sousa PB existem três comunidades ciganas, e aproximadamente 150

famílias vivem nesses ranchos, totalizando em média 600 pessoas. Os calons (homem cigano)

representam 48% do grupo e as calins (mulher cigana) representam 52%. A faixa etária

predominante é a de adultos jovens entre 20 - 39 anos, que compõem 32% da população. Os

chaburrons (crianças ciganas) menores de 05 anos representam 14,6% da população cigana,

demonstrando o crescimento desse grupo; a população de idosos compreende 7,5%, e as

mulheres em idade fértil de 15 – 49 anos formam um percentual de 26,3% (LEANDRO, 2006 b).

Não é somente no Brasil que existe essa deficiência de dados demográficos a respeito de

ciganos. Segundo Fernandes (2001), em Portugal também não se conseguiu levantar e reunir

informações reais que respondam essa questão. Esse fato se deve em muito à prática do

nomadismo, já que poucos são os grupos que se encontram na situação de sedentarização ou

semi-sedentarização.

Na cultura cigana os papéis desempenhados pelo homem e pela mulher são predefinidos,

sendo a mulher a responsável por cuidar da família. Gasparet (1999, p. 34) pontua ainda que “A

mulher cigana tem grande autonomia moral, tem muita sabedoria e esperteza. Possui grande

responsabilidade econômica. Além de comida, roupa, higiene, saúde, beleza e ordem, canaliza

energias e forças no grupo familiar”. A mulher cigana possui também a responsabilidade de

manter as tradições, criar os filhos pequenos e educar as filhas até o casamento (FERNANDES,

2001). No contexto das comunidades ciganas de Sousa, a mulher cigana, ou a calin, pouco mostra

interesse pelas questões relacionadas à higiene.

O homem, chefe de uma das famílias, deve agir sempre em nome da mesma, defendendo

a sua honra, seu prestígio e sua força. Sua principal tarefa é manter os relacionamentos sociais

com os amigos, cuidar do equilíbrio das dinâmicas internas, e cabe a ele também o cuidado em

manter as promessas e o respeito aos rituais (GASPARET, 1999).

Na literatura internacional encontramos poucos trabalhos publicados referente à questão

da saúde do ciganos. Um deles é assinado por Martin Mckeen (1997), e crítica a falta de interesse

por parte dos pesquisadores e políticos quanto às necessidades sanitárias da população cigana, já

que não se trata de uma minoria insignificante, quando representam 5% da população da

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Bulgária, Hungria, Romênia e Eslováquia, por exemplo. O mesmo autor ainda ilustra que

identificou dois estudos realizados na Espanha, o primeiro mostra que a prevalência de anticorpos

da Hepatite A em crianças ciganas é nove vezes maior do que nas crianças não ciganas, e o

segundo estudo está relacionado à alta incidência de pequenas malformações na população

infantil desses grupos (MCKEEN, 1997).

Identificamos ainda outros trabalhos, no entanto também permanecem isolados no cenário

internacional. A exemplo, temos um estudo de investigação epidemiológica realizado na

República Eslovaca que aborda o estado de saúde, nutrição, o estilo de vida e os parâmetros

bioquímicos e imunológicos de ciganos. O resultado evidencia que o estado de saúde deles é

essencialmente pior do que o estado de saúde da população média da República Eslovaca, e a

maioria dos documentos publicados demonstra preocupação com o aumento da prevalência de

infecções e de doenças sexualmente transmissíveis (GINTER, 2001).

Envolvendo a prática de cuidados destacamos um estudo realizado em Portugal, intitulado

“O doente de etnia cigana”, assinado por João José Santos Fernandes (2001). O autor realizou

seu estudo baseando-se no acolhimento oferecido pelos enfermeiros hospitalares aos ciganos, o

que evidenciou que os ciganos representam um grupo considerável de clientes nas instituições

hospitalares, e que é notável a falta de informação na formação dos enfermeiros sobre a cultura

cigana.

Para conhecer os signos e significados atribuídos pelas mulheres ciganas à gestação, parto

e nascimento, é preciso resgatar as experiências dessa vivência antes do processo de

sedentarização, já que possivelmente as práticas adotadas atualmente são reflexo da história e da

cultura dos mais velhos. Para isso levantamos os seguintes questionamentos: quais as práticas de

cuidado utilizadas pelas mulheres ciganas durante o processo de gestação, parto e nascimento

antes da sedentarização? Qual é o saber produzido pela cultura cigana em relação a esse processo

que deve ser preservado?

Baseando-se nas considerações do seminomadismo e do cuidado com o próximo,

encontramos na figura da mulher cigana uma peça chave para iniciar o processo de escrita da

história desse povo, a partir do modo como elas cuidam das outras pessoas. Os ciganos são um

povo de tradição milenar, e tem a sua história repassada através da oralidade, sendo importante o

registro dessa cultura como forma de preservação. Considerando a importância do resgate dessa

cultura, Gasparet (1999, p. 07) afirma que “os ciganos têm sido durante séculos uma cultura

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ágrafa, sem escrita, sem literatura própria. Tudo neles tem sido oral. Portanto, uma cultura

exclusivamente oral no mundo moderno, tecnológico, está sujeita a perder sua identidade

histórica.”

Assim, o desenvolvimento deste estudo se reveste de uma importância ainda maior, pois

conhecer as práticas de cuidado desenvolvidas pelas mulheres ciganas oferece uma contribuição

significativa no processo de resgatar essa cultura de cuidado com a saúde. E para que esse saber

seja valorizado é necessário conhecer, respeitando o saber empírico trazido pelas mulheres

ciganas. Nesse sentido, Boff (1999, p. 136) afirma que,

O saber popular contido nas tradições dos velhos, nas lendas e nas estórias dos

índios, caboclos, negros, mestiços, imigrantes, dos primeiros que aí viveram,

confrontado é complementado com o saber crítico científico. Esses saberes

revelam dimensões da realidade local e são portadores de verdade e de sentido

profundo a ser decifrado e a ser incorporado por todos.

Para buscar responder a essas inquietações, traçamos o seguinte objetivo:

Conhecer as experiências de práticas de cuidado realizado por mulheres ciganas durante o

processo de gestação, parto e nascimento;

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2 Revisão da Literatura

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O presente estudo teve como objeto de pesquisa a vivência da gestação, do parto e do

nascimento por mulheres ciganas, seus significados, seus valores e as práticas de cuidado por elas

adotadas. Tais práticas se encontram expressas nas falas dessas mulheres, que pertencem a um

grupo étnico possuidor de características próprias, como língua, regras, comportamento,

costumes, hábitos, vestimentas, crenças e visão de mundo. Para entender as práticas de cuidados

adotadas pelas ciganas é necessário tentar compreender o comportamento desse povo como um

todo. Nesse sentido, é importante buscar também os conhecimentos da ciência que estuda o ser

humano, a antropologia.

2.1 A história do povo cigano: trajetória e rumo ao interior da Paraíba

De acordo com Helman (2003), a antropologia tem o objetivo de estudar de forma

holística a humanidade, suas origens, desenvolvimento, organização política e social, religiões,

línguas, arte e artefatos. Por isso, tem sido considerada a mais científica das humanidades e a

mais humana das ciências. Para Minayo (2007, p. 190)

A antropologia marcou seu lugar como disciplina no concerto das

ciências, empreendendo investigações para evidenciar os modos como

sociedades, populações e grupos específicos produzem, reproduzem e

simbolizam suas instituições e estruturas, relações, sistemas

classificatórios, técnicas, manifestações estéticas, memória e experiências

acumuladas.

Minayo também reforça que a grande contribuição da antropologia é sua tradição de

promover a compreensão da cultura, e que a antropologia se distingue por exercitar uma prática

compreensiva das realidades sociais e também uma prática epistemológica sobre a cientificidade

de suas próprias descobertas. Existe no ser humano um potencial universal em que, a partir da sua

vivência, em acontecimentos e relações, ele tem condições de pensar, classificar e simbolizar

(MINAYO, 2007).

Muitos fatores da vida das pessoas são influenciados pela sua formação cultural, não

sendo diferente com o aspecto da saúde e da assistência, que também sofrem tais implicações,

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advindas de suas crenças, comportamentos, percepções, emoções, linguagem, religião, rituais,

estrutura familiar, dieta, modo de vestir, imagem corporal, conceitos de tempo e de espaço e

atitudes frente à doença, à dor e outras forma de infortúnio (HELMAN, 2003).

Segundo DaMatta (1989), tanto na antropologia social como na sociologia, a cultura é

usada como um mapa, um receituário, um código através do qual as pessoas de um dado grupo

pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si mesmo.

Rotineiramente, utilizamos em nosso vocabulário o termo cultura e atribuímos a ele

significados distintos. Ao buscarmos o significado da palavra “cultura” no dicionário de Língua

Portuguesa observa-se uma grande variedade de significados, inclusive nos aspectos relacionados

ao ser humano, portanto, seu sentido irá depender do contexto que ela será usada.

Muitas vezes cultura é equivalente a volume de leitura, controle de informações, títulos

universitários, chegando até mesmo a ser confundida com inteligência, como se a habilidade para

realizar certas operações mentais e lógicas fosse algo a ser medido ou arbitrado somente pelo

número de livros que alguém lê, as línguas que fala ou os quadros e pintores que pode de

memória enumerar (DAMATTA, 1989).

Podemos perceber opiniões divergentes quanto à gênese e ao significado de cultura, para

esse estudo será adotado o conceito de Geertz (1989), que entende cultura como sendo de caráter

essencialmente semiótico, uma ciência interpretativa e à procura de significado, e não um campo

experimental em busca somente de leis; assim como Max Weber acreditava que o ser humano é

um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, sendo a cultura essas teias e a

sua análise.

Quando falamos de cultura estamos falando do ser humano e suas relações com seu

grupo, e para tanto não podemos separar os conceitos de cultura e sociedade, uma aproximação

de extrema importância. A respeito disso, Giddens (2006, p. 38) afirma que “Nenhuma cultura

poderia existir sem sociedades. Mas, igualmente, nenhuma sociedade poderia existir sem cultura.

Sem cultura, não seriamos sequer „humano‟, no sentido em que comumente entendemos esse

termo”.

Culturas são caracteristicamente dinâmicas, que sofrem influências e mudanças no

decorrer do tempo, seja por efeito de outras culturas como até mesmo ações internas. Segundo

Giddens (2006, p. 38), “A cultura de uma sociedade compreende tanto aspectos intangíveis - as

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crenças, as idéias e os valores que formam o conteúdo da cultura – como também aspectos

tangíveis – os objetos, os símbolos ou a tecnologia que representam esse conteúdo”.

Nesse processo, existem dois tipos de mudança cultural: a interna, resultante da dinâmica

do próprio sistema cultural, podendo ser lenta e quase impercebível a um observador que não

tenha o suporte de bons dados diacrônicos, sendo alterada em decorrência de um evento histórico;

a segunda mudança é resultado do contato de um sistema cultural com outro, por ser mais rápida

e brusca, este pode ser o tipo mais atuante na maior parte das sociedades humanas e o mais

estudado (LARAIA, 1997).

Segundo Ruth Benedict apud Laraia (1997), a cultura é como uma lente através do qual o

ser humano enxerga o mundo; assim, pessoas de culturas distintas usam diferentes lentes, e

conseqüentemente tem visões diferentes. Isso influencia nas diferentes crenças culturais, nas

práticas e no comportamento humano (GIDDENS, 2006).

Dentro de todas as culturas existem os seus valores, como idéias definindo o que é

importante, válido e desejável, a fim de dar sentido e fornecer direção aos seres humanos na

interação com o mundo social. As normas são consideradas como as regras de comportamento,

que refletem ou incorporam os valores de uma cultura. No entanto, dentro de uma mesma

sociedade ou comunidade, os valores podem ser contraditórios, o que leva a conflitos de valores

culturais (GIDDENS, 2006).

A herança cultural de determinada cultura é a responsável pela sua maneira de ver o

mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes comportamentos sociais e até

mesmo as posturas corporais (LARAIA, 1997).

Nesse contexto tem início a prática do preconceito, pois cada ser humano tem uma visão

de mundo particular, que o leva a comparar diferentes culturas. Esse estranhamento diante dos

costumes de outros povos, a avaliação de formas de vida distintas a partir dos elementos da nossa

própria cultura, é uma característica comum a todas as sociedades humanas (SILVA e

GRUPIONI, 1995).

Essa prática é conhecida como etnocentrismo, que de acordo com Laraia (1997), é um

fenômeno universal em que o homem vê o mundo somente através de sua própria cultura e

assim considera o seu modo de vida como o mais correto e o mais natural.

Silva e Grupioni (1995, p. 431) reafirmam que

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O etnocentrismo consiste, pois em julgar como “certo” ou “errado”,

“feio” ou “bonito”, “normal” ou “anormal” os comportamentos e as

formas de ver o mundo dos outros povos a partir dos próprios padrões

culturais. O etnocentrismo pode consistir numa desqualificação de

práticas alienígenas, mas também na própria negação da humanidade do

outro.

O etnocentrismo em de certa forma, uma postura egoísta, por adotar a atitude de não

aceitar o outro como ser humano único, com seus próprios valores e padrões, reagindo aos outros

de maneira pessoal e egoísta (POTTER & PERRY, 1998).

É importante destacarmos a ligação existente entre cultura e saúde, e as interferências

dessa ligação na vida das pessoas. Na verdade, temos que considerar que o comportamento do

homem sofre transformações de acordo com as mudanças ocorridas na visão de mundo dentro de

cada cultura. Segundo Campos (2003), a concepção que o ser humano tem acerca da saúde é

influenciada pela cultura. Na verdade, é um pedaço da cultura que nos últimos tempos tem sido

influenciado pelo discurso médico que define as condições para a sobrevivência do sujeito, sem

valorizar a questão do atendimento aos aspectos do desejo.

Nesse sentido, a questão da sobrevivência do sujeito é assegurada por organizações

concretas criadas em quase todas as sociedades para vigiar a saúde individual e coletiva;que

mesmo a cultura sendo representada por valores e traços abstratos, a preservação e a reprodução

cultural depende dessas organizações (CAMPOS, 2003).

Esse mesmo autor ainda afirma que dentro dessa perspectiva considera-se o Efeito

Paidéia, onde o termo “Paidéia” está baseado na noção grega da formação do ser humano.

Assim, o sujeito pode interferir sobre o estruturado tanto na criação de valores como na

reconstrução dos aparelhos sociais. A realização dessa interferência dentro da saúde está inserida

no contexto da reorientação das práticas de saúde, voltando-se para ampliação da capacidade de

análise e de co-gestão dos sujeitos.

Essa interação do sujeito com a cultura ocorre de diversas maneiras, por meio da política,

da gestão de organizações e de práticas diversas, as amorosas, do mundo do trabalho,

pedagógicas, terapêuticas, etc. (CAMPOS, 2003).

Por meio da história podemos observar que desde o aparecimento do ser humano na terra

até os dias atuais existe um considerável número de sociedades distintas, conseqüentemente uma

diversidade de crenças e práticas culturais que são repassadas de geração em geração. Dentro

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desse universo de culturas distintas encontramos os ciganos, grupos minoritários que vivem

espalhados pelo mundo interagindo com outras culturas.

A presença dos ciganos em pleno século XXI tem mostrado a capacidade dessa minoria 1

de manter viva a sua cultura, resistindo a toda tentativa de extermínio pela cultura majoritária.

Segundo Fernandes (2001), os ciganos tentam preservar os seus valores e costumes e são

considerados por alguns autores como um povo sem pátria e uma cultura sem terra.

Os grupos de ciganos espalhados pelo mundo são identificados por características

próprias, como a língua, o modo de vestir e o comportamento. Muitas dessas tradições se

particularizam nos subgrupos, mostrando que a cultura é dinâmica e sofre influências de outras

culturas. Seria arriscado falar em um cigano como uma única cultura; de acordo com Goldfarb

(2003), a partir do ponto de vista cultural os ciganos são grupos específicos que se consideram e

são considerados como diferentes, e por várias razões vivem dispersos pelo mundo inteiro,

legando e enriquecendo sua cultura.

Na história da humanidade, o povo cigano apresenta uma trajetória marcada pelo

sofrimento, perseguição e preconceitos. A força e a determinação têm permitido a esse povo, ao

longo do tempo, resistência e preservação de sua cultura, que tem permanecido viva,

atravessando terras, mares e guerras.

Quando ouvimos falar de ciganos, lembramos imediatamente de um povo nômade, que

vive em bandos, sem higiene, que rouba e trapaceia, e exibe um misticismo forte dentro de sua

convivência. Essa concepção está presente na convivência social, bem como na escrita e na

literatura brasileira, conforme consta nos dicionários de língua portuguesa. De acordo com

Ferreira (1975, p. 325), o termo cigano é originário do termo athígganos, do grego bizantino,

significando

Indivíduo de um povo nômade, provavelmente originário da Índia e emigrado

em grande parte para a Europa Central, de onde se disseminou, povo esse que

1- As minorias étnicas são grupos que apresentam fatores distinguíveis em termos de experiências

históricas compartilhadas e sua adesão a certas tradições e significantes traços culturais, que são

diferentes dos apresentados pela maioria da população (MAIA, 2008).

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tem um código ético próprio e se dedica à música, vive de artesanato, de ler a

sorte, barganhar cavalos, etc.

Segundo esta mesma referência, os ciganos “designam-se a si próprios Rom, quando

originários dos Bálcãs, e manuche, quando da Europa Central”. Ainda no Brasil, são designados

por sinônimos como boêmio, gitano e calon. Particularmente, o cigano é tratado por judeu, em

Minas Gerais e por quico, em São Paulo; recebem designações em sentido figurado, tais como:

indivíduo boêmio, erradio, de vida incerta, negociante esperto, vivo; vendedor ambulante;

carneiro que serve de guia ao rebanho, esperto, vivo (FERREIRA, 1975).

Os termos gypsy, gitan, gitano, atsinganos, athinganos, tsigane, zíngaro, zigeuner e

cigano são denominações que derivam das palavras egípcio ou egitano. Contudo, esses termos

derivam, via de regra, um do outro. Gitano, por exemplo, uma palavra espanhola, e gypsy,

palavra de origem inglesa, derivam do termo cigano, sendo que os próprios ciganos se

autodenominam por meio desses termos (GOLDFARB, 2003).

Na verdade, não se têm dados da pré-história dos ciganos, mas vários estudos indicam

essa origem na Índia. Hipóteses são formuladas por pesquisas na área lingüística, indicando uma

proximidade da língua cigana com o sânscrito e a algumas línguas vivas como caxemiri, o hindi,

o guzerate, o marati ou o nepalês. Outro fator que também comprova essas hipóteses é

relacionado à prática das ciências ocultas, dentre elas a arte da adivinhação e a quiromancia, que

se aproximam de certas castas de feiticeiros da Índia (GASPARET, 1999).

Cerca de mil anos atrás, os ciganos saíram do norte oriental da Índia e iniciaram uma

lenta migração em direção ao ocidente. Grupos menores se estabeleceram na região dos Bálcãs

(Mckenn, 1997). Esses grupos passaram pela Pérsia e pela Turquia, mas nada se sabe sobre esses

primeiros imigrantes. Existem também registros da sua presença na Grécia, no século XIII, e em

meados do século XV eles migraram para a Europa Central, dizendo serem originários do

“Pequeno Egito”, uma região da Grécia, confundida pelos europeus com o Egito, na África

(MOONEN, 2000).

Na trajetória histórica dos ciganos no Brasil, sabe-se que os mesmos foram expulsos

de Portugal, sendo conduzidos para as colônias por perseguição do rei D. João V, no período do

seu reinado, entre 1706 a 1750. Porém, não se sabe o número exato de ciganos que vieram para o

Brasil (TEIXEIRA, 2000). Em Portugal, essa postura do rei D. João V foi na verdade a última

chance para resolver o problema dos ciganos em Portugal. Séculos antes, em 1538, os

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procuradores haviam pedido ao rei D. João III que os ciganos fossem proibidos de entrar em

Portugal, alegando que eles poderiam provocar muitos furtos, além de não trazer benefícios ao

reino (FERNANDES, 2001).

No Brasil, Teixeira (2000) afirma que até o final do século XVIII existiam somente

ciganos Calons, originários da Península Ibérica. No entanto, é sabido que os ciganos Rom

chegaram ao país por volta da primeira metade do século XIX, alguns sós e outros trazendo

consigo suas famílias.

Uma figura ilustre merece destaque em nosso país: o descendente de cigano e ex-

presidente da República, Juscelino Kubitschek. Segundo Teixeira (2000), Juscelino Kubitschek

era filho de Júlia Kubitschek e bisneto de Jan Nepomuscky Kubitschek, o primeiro cigano Rom a

vir sozinho para o Brasil, por volta de 1830-1835, onde se casou com uma brasileira. Porém, ao

que parece, os seus descendentes não foram criados na tradição da cultura cigana.

Uma das distinções usadas na Europa para diferenciar os grupos ciganos diz respeito

à língua: os Rom falam o romani, os Sinto falam o sinto, e os Calons falam o kaló ou calé. Outras

diferenciações entre os ciganos, particularmente entre os Roms e Calons, estão relacionadas ao

aspecto físico, à economia, à língua e aos costumes (GOLDFARB, 2003).

De acordo com China apud Moraes Filho (1981, p. 26), “o nome calon é tirado de um dos

nomes genéricos da nação dos ciganos, isto é, de KALO, no plural KALA, que verdadeiramente

quer dizer negro, os negros”. Para os ciganólogos, outra característica que reforça a prova da

origem industânica dos ciganos é o termo utilizado para as mulheres ciganas, Calin, também

chamadas de Cali em Portugal, Espanha e Romaria. Cali quer dizer “negra” em sânscrito, e é

também é o nome de uma das deusas mais populares do hinduísmo (MORAES FILHO, 1981).

Durante o Congresso Mundial Cigano, ocorrido em 08 de abril de 1971, em Londres, no

Reino Unido, organizado pela International Gypsy Committee Organized, foi escolhido o

símbolo, ou seja, a bandeira cigana, que representasse todos os ciganos espalhados pelo mundo.

A bandeira cigana (Fig. 1) é dividida horizontalmente em duas partes, sendo a parte de baixo de

cor verde e a parte de cima de cor azul; no centro se encontra uma roda vermelha.

De acordo com Pires Filho (2005), as cores da bandeira têm um significado: o verde

representa a mãe natureza, a terra, a gratidão, o respeito por tudo que a terra oferece e a

preservação da mesma, o azul representa a espiritualidade, a paz e a liberdade, e a roda vermelha

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no centro representa a vida, o caminho que já foi percorrido e o que ainda há por vir, a

transformação e o movimento.

Figura 1 - Bandeira internacional do povo cigano.

Fonte: www.google.com.br (2007)

No Brasil, os assim chamados ciganos vivem espalhados pelo país em comunidades de

origens incertas, com línguas e costumes distintos dentre os muitos grupos em que se dividem

(TEIXEIRA, 2000).

O início do reconhecimento desse povo no Brasil se deu em 25 de maio de 2006 quando o

presidente, através de um decreto, agraciou os ciganos brasileiros com a institucionalização de

uma data comemorativa, por meio da oficialização da data 24 de maio, em que já é comemorado

o dia da padroeira dos ciganos, Santa Sara Cali. O Dia Nacional do Cigano foi comemorado pela

primeira vez em 2007 (Fig. 2), com a realização de uma belíssima festa no Salão Negro do

Palácio da Justiça, em Brasília, que contou com a presença de vários grupos de ciganos

brasileiros vindos de Goiás, Paraná, Minas Gerais e outros.

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Figura 2 - Folder do Dia Nacional do Cigano.

Dentro da programação ocorreu o lançamento do edital do Prêmio Cultura Cigana, pelo

Ministério da Cultura (MC), como também o lançamento do relatório do Grupo de Trabalho de

Promoção das Culturas Ciganas, também pelo Ministério da Cultura, o anúncio dos Projetos

Especiais de Qualificação, pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

(SEPPIR) e pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a assinatura do Protocolo de

Cooperação técnica, pela SERPPIR, pelo Ministério da Saúde (MS), Ministério da Cultura e

Ministério da Educação (ME), o anúncio da Cartilha de Direitos das Etnias Ciganas, pela SEPPIR

e Secretaria Especial dos Direitos Humanos, e o lançamento do carimbo e do selo ciganos (Fig.

3), pela SEPPIR e Empresa de Correios e Telégrafos.

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Figura 3 - Selo comemorativo do Dia Nacional Cigano.

Essa tentativa por meio das autoridades de oportunizar um diálogo com as minorias

demonstra um avanço na luta contra o preconceito, já que por muito tempo a perseguição tem

sido um fator constante na vida dos ciganos no Brasil e em outros países.

Na Paraíba, assim como em outros estados da região Nordeste, encontram-se grupos de

ciganos de etnia calon em regime de sedentarização ou seminomadismo espalhados por algumas

cidades do interior como Sousa, Marizopólis, Bonito de Santa Fé, Monte Horebe e Patos,

Mamanguape, Alagoa Grande e Bayeux, sendo que o maior número de famílias ciganas

sedentarizadas é encontrado no município de Sousa.

Em algumas cidades, os grupos de ciganos foram praticamente obrigados a mudar de

estilo de vida, deixando de viver no nomadismo e passando a um processo de sedentarização.

Esse processo pode ter sido desencadeado por vários motivos, incluindo as mudanças da

globalização, a questão dos direitos humanos, e até mesmo a falta de mercado para as trocas de

animais. A sedentarização é uma proposta desviante e imposta no modo de vida dos ciganos,

reelaborando a identidade cigana (GASPARET, 1999).

2.2 A cultura cigana em Sousa: valores e tradições.

Desde 1982 a cidade de Sousa, no alto sertão da Paraíba, tem sido o cenário escolhido por

grupos de ciganos Calon para fixarem suas residências, preferencialmente na periferia da cidade.

Na verdade, os ciganos, por serem nômades, desconhecem suas verdadeiras origens, mas segundo

Goldfarb (2003), a partir dos sobrenomes dos ciganos residentes nos estados da Paraíba e Rio

Grande do Norte, como Costa ou Torquato, foram realizadas pesquisas e genealogias por

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cientista sociais, que identificaram semelhanças com os sobrenomes de ciganos portugueses; isso

comprova a teoria de que os ciganos teriam migrado de Portugal para o Brasil no século XVI.

A fixação dos ciganos em Sousa ocorreu em virtude do interesse de líderes políticos

locais, que permitiu a fixação dos ciganos nos arredores da cidade em troca de votos. No ano de

1982 ocorreu a eleição para o Governo do Estado, disputada por Antonio Marques da Silva Mariz

(ex-prefeito de Sousa) e Wilson Braga. Antonio Mariz, no intuito de aumentar o número de

eleitores na cidade de Sousa, e enquanto liderança permitiu que os ciganos fixassem na cidade.

Ainda tendo sido derrotado, sua proteção ao povo cigano continuou durante todos os mandatos

exercidos por ele, de deputado federal, senador e governador, e mesmo após sua morte ainda é

visto pelos ciganos com grande gratidão e respeito.

A sedentarização na cidade de Sousa é de grande objetividade, pois a cidade ocupa uma

posição geográfica estratégica, ficando próxima dos limites da Paraíba com os estados de

Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte, propiciando o seminomadismo, onde famílias inteiras

ou parte delas transitam entre os estados.

Sobre esse pensamento, Goldfarb (2004b, p. 80) afirma que

A sedentarização e a criação de uma “comunidade cigana” em Sousa basearam-

se numa articulação de alianças e relações assistencialistas entre líderes ciganos

e políticos locais, desenvolvendo formas de fixação e estratégias de poder. Tais

estratégias apoiavam-se na concessão parcial de um terreno para sedentarização

dos grupos, em trocas de votos e apoio político durante as campanhas eleitorais.

Segundo Moonen (1994), os acampamentos ciganos em Sousa são conhecidos como

“ranchos”, sendo o rancho A chefiado por JVA, o vizinho, rancho B, chefiado por VVN, e o

terceiro chefiado por PM. De acordo com Goldfarb (2006), o grupo chefiado por PM foi o

primeiro a se estabelecer na cidade, no ano de 1982, ocorrendo posteriormente a fixação de

moradia pelos os dois outros grupos, em 1986. Um dado interessante na história desses ciganos é

que poucos deles possuem documento comprobatório da propriedade de seus imóveis,

construídos em terrenos doados por políticos.

Tanto as casas como o conjunto delas são definidos pelos ciganos como “rancho”, que

eles delimitam como o seu espaço. Para DaMatta (1997, p. 32-33),

O espaço é demarcado quando alguém estabelece fronteiras, separando um

pedaço de chão do outro. Mas nada pode ser tão simples assim, porque é preciso

explicar de que modo as separações são feitas e como são legitimadas e aceitas

pela comunidade da propriedade privada e sua origens, tópico que faria deleite

dos evolucionistas antigos e contemporâneos, mas posso dizer que tanto o tempo

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(ou a temporalidade) quanto o espaço são invenções sociais. Não existe uma

medida orgânica, natural ou fisiológica de uma categoria de pensamento e ação

tão complexa quanto o espaço, do mesmo modo que não há um órgão para medir

o tempo.

Para complementar esse pensamento do espaço e do tempo delimitados pelos ciganos,

Goldfarb (2004) afirma que o fato dos ciganos atribuírem o nome de ranchos para suas casas é

uma forma de re-atualizar o nomadismo, permitindo às pessoas um vínculo com um tempo que

extrapola o espaço da morada.

O povo cigano carrega características próprias do nomadismo, regras e tradições que

ainda são conservadas, mesmo com o processo de sedentarização tendo sido iniciado em Sousa

na década de 80. De acordo com Goldfarb (2003), cotidianamente é possível perceber a

reprodução de um traço cultural distintivo, o nomadismo, em práticas como a forma de dormir,

fabricar os alimentos, de repousar.

É interessante ressaltar que algumas famílias de ciganos em Sousa ainda cozinham na

frente de suas casas, mesmo tendo para isso um espaço reservado dentro da casa; essa é uma das

práticas restantes do nomadismo, e que se reproduz no cotidiano sem que eles nem mesmo

saibam os motivos da realização de tais práticas. Segundo Fernandes (2001), na história dos

ciganos houve um tempo em que eram obrigados a preparar a comida à vista de toda gente, para

provar que não estavam cozinhando crianças.

Figura 4 - Cigana cozinhando num fogo fora de casa (2005).

Fonte: Pesquisador (2005)

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Figura 5- Cigana cozinhando num foguinho fora de casa (2008).

Fonte: Pesquisador (2008)

A situação das famílias ciganas de Sousa em termos socioeconômicos é bastante precária;

elas vivem como favelados, à margem da sociedade local, com condições de saneamento básico

insalubres ou quase inexistentes. Essa realidade de pobreza não é só uma situação dos ciganos

sousenses, ela é praticamente igual à situação vivida por grupos de ciganos de outras regiões do

Brasil e até em outros países. De acordo com Ginter (2001), da população total eslovaca, a

mortalidade dos ciganos é provavelmente três vezes mais elevada. Isso ocorre em decorrência do

estado de saúde desses grupos, relacionado à sua situação econômica, ao baixo nível educacional

e ao estilo de vida incorreto da minoria cigana.

Na grande maioria, a renda familiar é oriunda da aposentadoria dos mais velhos ou dos

benefícios sociais do Governo Federal. Parte da renda também vem da prática da mendicância, da

quiromancia, da cartomancia realizada pelas mulheres nas ruas da cidade ou das viagens

realizadas pelos homens até municípios vizinhos a fim de negociar pequenos objetos

(LEANDRO, 2008).

A prática da quiromancia e da cartomancia realizada pelas mulheres ciganas é mais uma

confirmação da origem hinduísta do povo cigano. Gasparet (1999, p. 18) afirma que

Não só a língua como o conhecimento das coisas mágicas, ou seja, a arte

da adivinhação, destacando-se “buenadicha” (termo que se aplica à

prática da quiromancia, ou leitura da mão, significando sorte ou sina). Em

suma, o domínio no conhecimento das ciências ocultas atenta a possível

origem hindu, pois todos os elementos que compõem o misticismo cigano

se aproximam da prática de certas castas de feiticeiros da Índia.

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A cartomancia é a pratica da adivinhação do presente, passado e futuro através das cartas

do baralho cigano. De acordo com Da Matta (2008), o povo cigano desvendou os símbolos que

antigos sacerdotes egípcios conservaram através da gravação em pedras, madeiras ou papiros e

que os ciganos adaptaram e incorporaram às suas tradições, mistérios e magias, adaptando as

cartas do tarô, simplificando sua interpretação.

Com a população de Sousa os ciganos Calon se comunicam em português, mas ainda

utilizam o dialeto próprio do grupo, o kalé. Eles não permitem que os jurons, ou seja, os não

ciganos, aprendam o dialeto, e muitas vezes até negam ainda saber “cortar língua”.

Na verdade essa proibição de ensinar a língua a pessoas estranhas do grupo é uma forma

de defesa; além de resquícios do medo de serem reconhecidos como ciganos nos tempos de

perseguição. Como ressalta Moraes Filho (1981), em 1718, por decreto de 11 de abril, umas das

estratégias de extinguir os ciganos no Brasil era proibir que os ciganos usassem sua língua e gíria,

como também ensiná-las aos seus filhos.

O uso da língua cigana, o kalé, garante a continuidade da identidade cultural dos ciganos,

pois legitima as suas origens, além de significar o enraizamento e aperfeiçoar a sensação de

pertencimento ao grupo, e pode ser visto também como um componente importante na

coletivização e no reconhecimento da ciganicidade (GOLDFARB, 2004).

Assim como a língua, a dança cigana também é uma forma de expressão cultural que

ainda é praticada pelos mais jovens, como uma forma de demonstrar essa preservação da cultura.

Os ciganos adoram dançar; o gosto pela dança já nasce no momento em que abrem os olhos, para

enfrentar a vida dura. Quando dançam, o fazem com a alma, o coração e os movimentos naturais

do corpo, sem nenhuma coreografia pré-concebida. Não existem ciganos profissionalizados

através da dança, mas sim aqueles que fazem apresentações apenas para divulgar esse lado tão

belo e cheio de magia dessa tradição que a todos fascina (DANÇA, 2008).

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Figura 6 - Grupo de ciganas jovens prontas para apresentação de dança cigana.

Fonte: Pesquisador (2008)

As ciganas dançam vestidas com roupas características, feitas com tecidos de cores vivas

e chamativas, geralmente utilizadas no cotidiano pelas mais velhas, sendo usadas pelas mais

jovens durante as apresentações e festividades. Paiva (2008), afirma que alguns autores

descrevem essas roupas de acordo com a geografia onde vive o povo cigano; no geral são

constituídas de estampas alegres, saias amplas, lenços coloridos e corpetes de veludo.

A descrição utilizada por este autor para as ciganas da Bahia apresenta algumas

semelhanças às roupas utilizadas pelas ciganas do sertão paraibano:

A cigana da Bahia e de outras plagas pode assim ser caracterizada: Usa saias

longas, rodadas, geralmente estampadas; coletes bordados, com miçangas e

lantejoulas coloridas; panos de fita de cores vivas, com quatro ou cinco ordens

de folhos (tiras de fazenda pregueada ou franzida); a partir da cintura, o corpete

é justo e afogado, a manga curta, franzida ou lisa; superpõe até sete saias o que

lhe realça as ancas ou quadris, até parecem exagerados; sob a primeira saia traz

um bolso kissi, que funciona como verdadeira caixa forte, pois lá põem moedas

de ouro, dinheiro, jóias, talismãs; pende-lhe de uma fita, em regra de seda em

torno do pescoço, uma cruz de ouro ou imitativa deste metal; da cintura desce-

lhe uma avental de chita com grandes enfeites e fitas; às costas lança pequeno

xale de cor variada, com larga franja; das orelhas pendem-lhe brincos de ouro ou

ouropel; a cabeça da casada é coberta com lenço de seda de cores vivas; usa

sapato, bota branca ou preta, mas também anda descalça; gosta de usar flores:

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jasmim, cravo, rosa, nos cabelos ou sobre as orelhas o que lhe dá um encanto

especial. Os colares de pérolas, pulseiras, talismãs e brincos são muito

apelativos; a jovem deve usar lenço de pescoço (echarpe, xale), para esconder

sua formosura; saias sempre, sempre longas, Calças compridas são proibidas

(atualmente desrespeitam esta norma); com freqüência, moedas de pouco valor

colocadas simetricamente formam um círculo, um coração ou uma tiara; os

cabelos longos, desnastrados ou em trança, também são enfeitados com fitas e

moedas; as jóias em geral são de fantasia, sobretudo em brincos pulseiras e

argolas; as blusas são decotadas, mostrando o colo sem malícia, o decote grande

é arrematado com babados e rendas, com mangas recortadas em godê ou

esvoaçantes. Os dentes são às vezes marchetados ou folheados a ouro, formando

estrela, quadrado, flor-de-lis etc. Seja de maneira mais recatada ou

extremamente enfeitada, a cigana chama a atenção dos passantes. (PAIVA, 2008

p. 01-02).

Além das expressões culturais, como dança, língua e vestimentas, os ciganos também

tentam afirmar a sua identidade através das lembranças do nomadismo e pela história de suas

origens. Segundo Goldfarb (2007), para muitos dos ciganos mais velhos de Sousa a relação do

nomadismo com o sagrado teve origem no tempo vivido por personagens bíblicos como Abrão,

Sara, Isaac, Moisés, Jesus, os Reis Magos e etc., sendo os ciganos descendentes desses

personagens, e vivendo por vontade divina no mundo, peregrinando e pregando o evangelho. A fé

que eles possuem em Deus os tornou “mensageiros de Jesus”, associando a fé à etnicidade; falam

de ter fé e viver a fé; não de igrejas, mas da vida de peregrino e nômade, como Jesus viveu.

Muitos ciganos têm nomes de personagens de vida religiosa, dentre esses os mais comuns

são o de Frei Damião de Bozzano e de Padre Cícero Romão Batista, uma forma de identificação

com a vida de peregrino escolhida por ambos, venerados por muitos nordestinos.

Padre Cícero é visto por muitos nordestinos e sertanejos católicos como um milagreiro;

escolhido como intercessor do povo junto a Deus, ele é o responsável por muitos milagres de

causas impossíveis, e no universo popular o beato já foi canonizado, ainda que sem a legitimação

do Vaticano (PEREIRA et al, 2007).

Assim, não podemos afirmar que a religião cigana seja a católica, pois identificamos

algumas famílias adotando outros tipos de crenças, como Testemunhas de Jeová, por exemplo.

Quanto ao catolicismo, os ciganos possuem devoção aos Santos da Igreja Católica e utilizam

certos rituais, como as orações e os sacramentos do batismo e casamento. Sobre esse pensamento,

Vasconcelos (2006) traz o conceito de religiosidade, em que algumas pessoas não se ligam a uma

comunidade religiosa em particular, como caminho importante de sua ligação com o divino; na

verdade, essas pessoas não possuem uma religião, elas se orientam de acordo com formas de

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vivência religiosa que diversas tradições criam, organizam e administram, incorporando

elementos rituais e doutrinários de diferentes crenças, em arranjos bastante pessoais.

Os ciganos de Sousa são possuidores de tradições e valores próprios, e buscam preservá-

los. Num movimento de reelaboração de sua cultura, mantém sua identidade. Assim, é pertinente

considerar que as ações desempenhadas pelos participantes do grupo estejam dentro desse

universo, ou seja, que as práticas de cuidado à saúde estão se particularizando dentro da cultura

cigana, em um ritmo próprio por eles realizado.

2.3 As práticas de cuidado durante a gestação, parto e nascimento

Durante este capítulo, abordaremos o cuidado, que tanto tem sido estudado nos últimos

tempos pelos enfermeiros como um ato intrínseco à profissão, podendo também ser utilizado por

outros profissionais da saúde na tentativa de definir suas ações. Essa dimensão do cuidado

enquanto ferramenta de trabalho é fruto do paradigma cartesiano ainda em vigor, que separa

corpo e mente.

Nesse sentido o cuidado é caracterizado sendo como um instrumental relacionado ao

saber fazer de uma profissão, ou seja, ao desenvolvimento da técnica com conhecimento,

qualidade e competência (SILVA, 1998).

Para Merhy (2000), os profissionais da saúde podem oferecer cuidados por meio de três

tipos de tecnologias: as tecnologias duras, representadas pelos materiais e equipamentos de

atuação, como o estetoscópio e o esfigmomanômetro; as tecnologias leves-duras, representadas

pelo conhecimento acumulado, ou seja, o saber estruturado adquirido na formação profissional; e

por último, as tecnologias leves, representadas pelo encontro do cuidador e do ser cuidado,

através da construção de vínculos e acolhimentos.

Os profissionais da saúde, ao assumirem o compromisso com o cuidado, podem

facilmente adquirir as duas primeiras tecnologias; as tecnologias leves, no entanto, por mais

simples que pareçam ser, são justamente as mais difíceis de serem adquiridas, ainda que não

representem algo impossível de se obter. O pensamento fragmentador ao qual esses profissionais

tem sido submetidos ao longo dos últimos anos vem desacostumando-os a lidar com as relações

sócio-culturais.

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Para Boff (1999), o cuidado possui uma dimensão ontológica, tem a ver com a essência,

com a identidade profunda, com a natureza de um ser; segundo Heidegger, a constituição

ontológica é aquilo que entra na definição essencial do ser humano e estrutura sua prática. Assim,

o cuidado é o fundamento, a base de qualquer interpretação do ser humano.

De acordo com Collière (2003 p.01), “Cuidar... esta arte que precede todas as outras,

sem a qual não seria possível existir, está na origem de todos os conhecimentos e na matriz de

todas as culturas”

A cultura exerce um papel fundamental nas relações entre seres humanos, diferenciando

um grupo do outro, e o cuidado, por fazer parte do ser humano, é também uma forma de cultura.

Nesse sentido, Helman (2003, p.13) diz que:

A formação cultural influencia muitos aspectos da vida das pessoas, inclusive

suas crenças, comportamentos, percepções, emoções, linguagem, religião,

rituais, estrutura familiar, dieta, modo de vestir, imagem corporal, conceitos de

tempo e de espaço e atitudes frente à doença, à dor e a outras formas de

infortúnio.

O traço da cultura é o que recobre os seres humanos de interesse e desejos, e isso é o que

separa a sociedade humana dos animais. Um exemplo esclarecedor é o ato de matar a sede em

busca da sobrevivência, ou seja, uma imposição meramente biológica, que os seres humanos

realizam de modo requintado, produzindo copos, taças, utilizando líquidos doces, gelados,

saborosos, misturados ao álcool (CAMPOS, 2003).

A cultura na qual um indivíduo nasce ou vive nunca é a única influência sobre as suas

crenças e comportamentos relacionados à saúde. Existem outros fatores que contribuem nesse

aspecto, individuais, educacionais, socioeconômicos e ambientais (HELMAN, 2003). Mesmo a

cultura não sendo a única influencia sobre a saúde humana, ela se sobrepõe aos demais fatores, e

em decorrência dessa influência a relacionamos também à prática de cuidados.

Se a cultura está intimamente ligada a um sistema de crenças e ao simbolismo dos seres

humanos, automaticamente tudo que for relacionado ao ser humano também sofrerá influencia da

cultura. Sendo assim, o cuidado presente no ser humano também sofrerá influência da cultura.

A realização de práticas de cuidado é uma característica própria do ser humano. Para

Boff (1999), o cuidado deve ser entendido como um ato, uma atitude que abrange o momento de

atenção, de zelo e desvelo. Em uma perspectiva mais ampla, o cuidado representa uma atitude de

ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro.

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Segundo as autoras Dias e Gualda (2003, p. 226), “O cuidado é um fenômeno universal e

seu desenvolvimento singulariza-se em cada cultura. O processo de cuidar envolve uma ação

interativa e é imprescindível aos seres humanos.”

A prática do cuidado pode ser considerada como uma ação empírica, desenvolvida por

todos os seres vivos, por uma questão de sobrevivência, e apesar de tanto os animais quanto os

seres humanos possuírem essa característica de querer proteger o outro, somente no ser humano

ela é totalmente dependente e realizada com requinte.

Os animais que estão mais abaixo na escala evolutiva são capazes de se defender

logo depois de terem nascidos, com pouco ou nenhuma ajuda dos adultos. Os

animais mais acima na escala, contudo, têm que aprender formas apropriadas de

comportamento – os jovens são, com freqüência, completamente indefesos no

nascimento e têm que ser cuidados pelos mais velhos. As crianças humanas são

as mais indefesas de todas; uma criança humana não pode sobreviver sem ajuda

pelo menos durante os primeiros quatro ou cinco anos de vida (GIDDENS, 2006

p. 42).

O instinto materno tem guiado essa relação de dependência do ser humano frente à

proteção, estando presente desde o nascimento até o momento que o ser humano adquira as

condições necessárias para assumir sua responsabilidade com auto-proteção. Historicamente,

percebemos que essa prática não é uma responsabilidade exclusiva da mãe, mas que também

pode ser exercida pelo pai, está diretamente relacionada com a formação cultural de cada um,

contribuindo para a manutenção da espécie.

Collière (2003) afirma que desde o início da história da humanidade, ou seja, na

origem de todas as culturas, o cuidar no sentido de tomar conta da vida é um esforço comum a

homens e mulheres para garantir a sobrevivência. Diante dessa necessidade de tomar conta da

vida, fazendo o indispensável para que ela continue, é que nasceram e se desenvolveram todas as

maneiras de fazer, gerando crenças e modos de organização social.

Assim, as práticas dos cuidados foram desenvolvidas dentro do contexto da

sobrevivência, e não como hoje, em torno da doença. Esse pensamento é uma conseqüência do

paradigma da ciência em vigor, limitando o cuidado ao processo de cura baseado na utilização de

intervenções. É importante ressaltar que tal pensamento deve ser desconstruído, pois para que a

cura das doenças ocorra necessariamente há de existir o cuidado, no entanto, caso a cura não

ocorra, isso não que dizer que o cuidado não foi utilizado. Como afirma Leininger (2002), não

existe cura sem cuidado, embora possa ocorrer cuidado sem cura.

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Dentro do contexto da cultura cigana Calon de Sousa, podemos observar que o

cuidado, no sentido de “tomar conta”, é exercido diretamente pelas mulheres, estando

relacionado a os afazeres domésticos, à preparação dos alimentos e a criação dos filhos. Mesmo

não sendo comum observar o “tomar conta” referente à limpeza e à higiene, trago isso em relação

à questão do banho, não sendo comum o banho diário ou muito menos duas ou três vezes por dia,

costume relacionado aos hábitos ciganos. Ao buscar entender essa relação, nos deparamos com a

história de perseguição e do nomadismo ciganos, quando eles por muitas vezes não tinham a

oportunidade ou o acesso a rios ou riachos que servissem para o asseio corporal.

Na figura 7 podemos visualizar o banho de uma criança sendo realizado pela sua mãe,

o que pode representar uma mudança nos costumes, já que mesmo morando em casas sem água

encanada, existem focos de água disponíveis nas proximidades.

Cabe aos homens as questões externas, como conseguir os meios para trazer o

sustento da família, seja através da mendicância ou das trocas de pequenos objetos, ou também o

aspecto da proteção, nunca se envolvendo nas atividades domesticas, consideradas exclusivas à

mulher.

Fig.7 - Calin banhando uma criança.

Fonte: Pesquisador (2005)

Mas a prática de cuidado não se resume somente ao cuidado materno, que se estende

por toda a vida; o cuidado está presente também nas relações entre os seres humanos, ou seja, o

cuidado faz parte do comportamento do homem. Nesse sentido, Garcia (1996) apud Garcia e

Nóbrega (2002, p. 231) afirma que:

Cuidar é um verbo cuja ação se exprime, entre outros modos possíveis, na

transitividade relacional que ocorre entre, no mínimo, duas pessoas presentes na

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situação e no ambiente de cuidado: uma pessoa que assume o papel de cuidador,

e outra pessoa que assume o papel de ser cuidado.

Nessa relação de cuidado, Campos (2003) determina dois aspectos que condicionam o

modo de vida dos seres humanos: a cultura e as concepções sobre saúde e doença. Por serem

atributos humanos, ou seja, referentes a pessoas, estão ambos sujeitos à variação social e

histórica, sendo possível que os sujeitos ampliem a capacidade de compreender a si mesmo e ao

seu contexto e, em decorrência, ampliem sua capacidade de interferir sobre o mundo e de atuar

como produtores de cultura.

Historicamente, na maioria das culturas, o cuidado durante trabalho de parto sempre foi

realizado por mulheres, e essa assistência tanto podia ser por parte parentes ou amigas como por

parteiras, que tinham conhecimento adquirido por meio da própria experiência de gravidez e

parto (HELMAN, 2003).

As práticas médicas, com a racionalização científica e a introjeção do parto para um

ambiente hospitalar, têm excluído do cuidado empírico o simbolismo relacionado à função

sagrada desse momento para as mulheres, sendo visto pelos médicos apenas como superstição

(COLLIÈRE, 2003).

Segundo Waldow (2001, p.22-23), “ao pensar o cuidado humano como uma forma de

estar, de ser e de se relacionar, as mulheres, inquestionalvemente, podem ser consideradas

cuidadoras por excelência”.

Com todo aparato tecnológico dos nossos dias atuais, é possível observarmos uma busca

do parto sem dor, sem risco e sem medo, que encontra na cesárea a melhor forma de dar a luz.

Retirando da mulher a capacidade de ser sujeito ativo do processo, ela assume o papel de mera

paciente, se afastando cada vez mais da concepção de nascimento como processo fisiológico e

sociocultural (DIAS 2002).

Segundo Collière (2003), o fundamento cultural do cuidado de todas as sociedades gira

em torno das duas grandes passagens da vida: o nascimento e a morte; a vida de cada indivíduo

desenrola-se numa sucessão de passagens, desde o seu nascimento até o óbito.

Em grupos culturais distintos, antropólogos tem observado grandes diferenças nas

percepções acerca da concepção, da gravidez e do nascimento. Hahn e Muecke chamam de

“cultura de nascimento” esse sistema de crenças herdado (HELMAN 2003).

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O nascimento é o momento de inserção no espaço, ou seja, a inserção da vida de todo o

ser humano no tempo da história familiar e social do grupo ao qual ele pertença, impregnado pela

cultura das maneiras de fazer. Os cuidados mais fundamentais tiveram inicio a partir da procura

de maneiras de fazer para manter e acompanhar a vida da mãe que dá a luz e a vida da criança

que entra no mundo (COLLIÈRE, 2003).

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3 Trilhando o Caminho Teórico- Metodológico

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3.1 História Oral Temática: o paradigma metodológico.

A construção deste estudo teve como fio condutor a História Oral Temática, que busca

respaldo nos ensinamentos de Bom Meihy (2005), que caracteriza a História Oral Temática como

um gênero da História Oral, visando a abordagem objetiva de um tema.

Esse estudo busca conhecer e resgatar a cultura da mulher cigana no contexto das práticas

de cuidado durante o processo da gestação, parto e nascimento antes da sedentarização. E por se

tratar da escolha de um assunto específico e previamente estabelecido para realização do estudo,

o entrevistado fica comprometido a esclarecer ou opinar sobre algum evento defendido. Dessa

forma, é necessário recortar o tema de maneira bem formulada e explicita, já que essa modalidade

tem uma objetividade direta (BOM MEIHY, 2005).

Antes da realização do estudo é importante definir a colônia e a rede que serão utilizadas

no desenvolvimento da pesquisa. Segundo Bom Meihy (2005), os pontos básicos do conceito de

colônia são a classe social, o gênero e a etnia, e nesse sentido a definição do conceito de colônia

demonstra uma relação exclusiva com o fundamento da identidade cultural do grupo, composto

por elementos amplos que marcam a identidade geral dos segmentos disposto à análise. Sendo

assim a colônia é o grupo amplo e a rede é a menor parte passível de caber nos limites da

pesquisa.

Nesse estudo a colônia compreende todas as mulheres ciganas da cidade de Sousa, com

idade mínima de 40 anos e que tiveram a experiência de práticas de cuidado na gestação antes do

processo de sedentarização, iniciado em 1982. Já a rede foi formada por oito mulheres da colônia

que aceitaram a participar do estudo. Elas serão identificadas durante o estudo com seu nome

próprio ou de registro, pois quiseram ser reconhecidas.

Bom Meihy (2005) define entrevista ponto zero como sendo aquela entrevista em que o

depoente conheça a história do grupo e faz a entrevista central. Após identificar a entrevista que

será o ponto zero, é necessário tomar ciência do que existe escrito sobre o caso e então fazer uma

ou mais entrevistas em profundidade com essa pessoa.

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3.2 Contexto do estudo e a inserção no campo.

O cenário escolhido para a realização deste estudo foi a cidade de Sousa, conhecida como

cidade sorriso, localizada no sertão do estado da Paraíba, e que alcançou sua emancipação

política através da lei nº 28 de 10 de Julho de 1854.

O nome da cidade é uma homenagem ao seu benfeitor e primeiro administrador do

patrimônio, Bento Freire de Sousa, residente à Fazenda Jardim e que, por várias vezes, viajou a

cavalo até a Bahia em prol de conseguir de D. Inácia de Araújo Pereira a doação da sesmaria das

terras do Jardim Rio do Peixe. É merecido destacar o empenho de Bento Freire, que tomou a

iniciativa de organizar um núcleo de povoação e, entre 1730 e 1732, ergueu a primeira igreja da

cidade, ainda hoje existente, sob a invocação de Nossa Senhora do Rosário, constituindo o

patrimônio da Paróquia Nossa Senhora dos Remédios. Somente em 1741 foi concedida a licença

para a sagração e provisão da Igreja.

A cidade de Sousa está a aproximadamente 430 km de distância da capital João

Pessoa, e a principal via de acesso à capital é a BR 230. Localizada no extremo oeste do estado

da Paraíba, limita-se a sul com Nazarezinho e São José da Lagoa Tapada, a oeste com

Marizopólis e São João do Rio Peixe, a norte com Vieiropólis, Lastro, Santa Cruz e a leste com

São Francisco e Aparecida. A sede municipal apresenta uma altitude de 223m e coordenadas

geográficas de 38º 13’ 51’’ de longitude oeste e 06º 45’ 39’’ de latitude sul.

O município de Sousa está inserido na unidade geoambiental da Depressão Sertaneja, que

representa a paisagem típica do semi-árido nordestino, caracterizada por uma superfície de

pediplanação bastante monótona, relevo predominantemente suave-ondulado, cortado por vales

estreitos, com vertentes dissecadas. Elevações residuais, cristas e/ou outeiros pontuam a linha do

horizonte. Esses relevos isolados testemunham os ciclos intensos de erosão que atingiram grande

parte do sertão nordestino. A vegetação é basicamente composta por Caatinga Hiperxerófila com

trechos de Floresta Caducifólia (MASCARENHAS, 2005) .

O clima é do tipo Tropical Semi-Árido, com chuvas de verão. O período chuvoso se inicia

em novembro, com término em abril, e a precipitação média anual é de 431,8mm. Com respeito

aos solos, nos Patamares Compridos e Baixas Vertentes do relevo suave ondulado ocorrem os

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Planossolos, mal drenados, de fertilidade natural média e problemas de sais; Topos e Altas

Vertentes, os solos Brunos não Cálcicos, rasos e de fertilidade natural alta; Topos e Altas

Vertentes do relevo ondulado ocorrem os Podzólicos, drenados e de fertilidade natural média e as

elevações residuais com os solos Litólicos, rasos, pedregosos e de fertilidade natural média.

(MASCARENHAS, 2005).

De acordo com os dados do IBGE o município ocupa uma área de área de 842 km² e conta

com uma população de 63.783 habitantes. Quanto aos dados da educação no município, em 2007

foram efetuadas 11.434 matrículas nos 83 estabelecimentos de Ensino Fundamental e 3.668 nos

08 estabelecimentos de Ensino Médio. De acordo com Mascarenhas (2005) o número de

alfabetizados com idade igual ou superior a 10 anos é de 38.194, o que corresponde a uma taxa

de alfabetização de 74,2%.

A rede de serviços de saúde é composta majoritariamente por estabelecimentos

financiados pelo SUS, ou seja, dos 64 estabelecimentos, 50 são do SUS, e dos 227 leitos

hospitalares disponíveis, 144 são cobertos pelo SUS. De acordo com os dados do DataSUS,

Sousa possui 32 Unidades de Saúde, 01 Central de Regulação, 08 ambulatórios ou clínicas

especializadas, 24 consultórios isolados e 04 hospitais especializados.

As principais atividades de ordem econômica do município são a agropecuária, a indústria

e o comércio. A produção agrícola municipal em 2007 foi em torno de 15.000 t. de banana, 2.250

t. de milho em grão, 980 t. de algodão herbáceo em caroço, 816 t. de feijão em grão, 705 t. de

arroz em casca, 480 t. de cana de açúcar, 480 t. de tomate, 340 t. de goiaba e 56 t. de manga. O

número de empresas cadastradas e atuantes com CNPJ é de 940.

De acordo com Mascarenhas (2005 p. 03) “A cidade conta com cerca de 15.365

domicílios particulares, sendo que destes, 12.171 possuem esgotamento sanitário, 12.199 são

atendidas pelo sistema estadual de abastecimento de água e um total de 10.392 participam da

coleta de lixo”

Em Sousa encontra-se uma concentração considerável de ciganos calon, que fixaram

residência na periferia da cidade, a partir de 1982, e estão divididos em três “ranchos”, dos quais

dois são vizinhos, e estão localizados entre a Escola Agrotécnica Federal e a pista de pouso do

aeroporto. O terceiro rancho está um pouco mais afastado, a 1 km de distância dos dois primeiros,

por trás do Parque de Exposições.

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“Ranchos dos ciganos” é como são conhecidas as comunidades do povo calon, que nos

dias atuais já residem em casas construídas de alvenaria, adquiridas através de projetos

governamentais. Poucas são as casas de taipa; as condições de saneamento básico são precárias,

os banheiros para tomar banho são improvisados com pedaços de lona ou palhas de coqueiro,

formando uma pequena barraca, e as necessidades fisiológicas são realizadas ao ar livre. A coleta

de lixo não existe, e 100% das casas possuem energia elétrica.

Este trabalho foi desenvolvido em três comunidades ciganas calon, localizadas no

município de Sousa, sertão do estado da Paraíba. Minha inserção no campo da pesquisa somente

foi possível em virtude da minha vivência com as referidas comunidades.

Para a realização desse estudo tive que retornar às visitas à comunidade e reencontrar os

velhos conhecidos. No dia 13 de maio de 2007, Dia das Mães, ao chegar na comunidade, me

deparei com dois dos chefes, Sr. Vicente e Sr. Eládio, e Ronaldo e outros ciganos conversando

embaixo da sombra de uma árvore no espaço que divide as comunidades A e B.

Conversamos sobre como estavam as coisas por lá e eles logo me contaram que a

SERPPIR Municipal havia realizado uma reunião com as lideranças das três comunidades para a

formação do Centro Calon de Desenvolvimento Integral, mas que ainda assim eles não davam

credibilidade à proposta e demonstravam insatisfação, por acharem que primeiro deveriam ser

resolvidos os problemas de saneamento básico e infra estrutura da comunidade.

Ao mencionar o meu interesse em voltar a participar do contexto do povo cigano em

Sousa, falei do meu curso de mestrado e que, para a construção da minha dissertação, eu

precisaria saber como as mulheres ciganas vivenciavam o momento da gestação e do parto.

Imediatamente um deles me respondeu que poderia dar essas informações, e assim eu esclareci

que precisava ouvir das próprias mulheres, sobre as suas próprias experiências. Diante dessa

situação, isso me pareceu mais uma questão de gênero, reproduzindo o papel do homem em lidar

com as questões que envolvam pessoas de fora.

Terminada a conversa, pedi que eles me indicassem qual das ciganas mais velhas poderia

conversar comigo sobre esse assunto. Sr. Vicente se pronunciou, pedindo que eu fosse até a sua

casa, pois sua esposa, D. Rita, poderia me passar essas informações. Ao chegar na casa do chefe,

me deparei com D. Rita e sua nora, Sueli, uma jurinha casada com Leonardo, preparando o

almoço num foguinho feito no chão do terraço da casa.

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D. Rita quis saber por onde eu tinha andado esse tempo e por que os tinha abandonado.

Eu falei que tinha voltado a morar em João Pessoa e expliquei sobre o meu curso de mestrado, e

cuidei logo de anunciar a minha intenção de conhecer a vivência da mulheres ciganas no período

da gravidez, do parto e do nascimento. Ela ficou bastante animada com a realização desse

trabalho e foi logo indicando as mulheres que eu poderia procurar, mas logo adiantou que no

grupo não existiam mais parteiras, todas já haviam morrido. Perguntei como se fala na língua

cigana o termo parteira, e ela me respondeu “Aruim que estulêla o chavon”, e citou como

exemplo o nome das finadas Cícera, Dona Moça e Cândida.

Sr Vicente me pediu também que eu escrevesse a história dele, e eu disse que nesse

momento não poderia atendê-lo, mas que tentaria encontrar alguém que pudesse realizar esse

trabalho. O filho do casal, Leonardo, quis saber se eu iria fazer um censo, pois ele participou da

pesquisa de Frans Moonen e estava disposto a contribuir com a minha atividade. Novamente

expliquei o tipo do meu estudo, mas disse que se precisasse eu solicitaria o apoio dele. Despedi-

me de todos e afirmei que em breve voltaria para iniciar minha pesquisa.

No mês seguinte, período de festa junina, voltei a Sousa e fui à comunidade do chefe

Pedro Maia. Era noite de São João (23.06.2007), várias fogueiras estavam espalhadas pela

comunidade e um arraial havia sido montado para apresentação da quadrilha e das danças

ciganas. Após as apresentações permaneci na festa e procurei conversar com algumas das

mulheres, no intuito de localizar as possíveis colaboradoras para o meu estudo.

Dois dias depois, por volta das 10h, fui para a mesma comunidade para falar com o

presidente do Centro Calon, o Sr. Francisco Soares Figueiredo, conhecido por “Coronel”, filho

do chefe Pedro Maia. Coronel me mostrou a ata de fundação do Centro, que estava registrada em

cartório, tendo como presidente o próprio Coronel, e como membros da diretoria Eládio, Dão,

Reis e Ronaldo. Expliquei-lhe o meu objetivo em estar junto do povo cigano e sobre a realização

da minha pesquisa; ele ficou bastante entusiasmado e fez questão de me levar pessoalmente na

casa da parteira da comunidade, D. Maria Lima, a Jôre.

Chegamos na casa de Jôre por volta das 11h, ela estava no alpendre da casa fazendo o

almoço num fogão a lenha, com a ajuda da neta que ela cria. Durante a nossa conversa ela já foi

relembrando as suas experiências como parteira, e de um parto que se mostrou complicado, mas

disse que as tradições do povo cigano mudaram depois que eles pararam de andar pelo mundo.

Ela ainda estava consternada com a morte do marido alguns meses atrás, o poeta Boalô, que não

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era cigano, e que se juntou ao bando no tempo da sua juventude, pois era muito danado. Eles se

conheceram e se casaram no Ceará, segundo a própria Jôre ele era muito inteligente, e dois livros

foram publicados com as suas poesias, as demais estão guardadas com sua filha. Pactuei com ela

que voltaria para realizarmos a gravação dessas experiências que ela tinha me adiantado.

Jôre afirmou que poderia procurar a cigana esposa de Eládio para ela também pudesse

participar do estudo, mas ao chegar à casa dela, quando falei da indicação por parte de Jôre, a

cigana me tratou com bastante raiva, disse que não sabia de nada dessas histórias e tratou Jôre por

mentirosa. Depois dessa situação busquei identificar outras possíveis colaboradoras, e percebi

que muitas se recusavam a participar por medo dos problemas que essas entrevistas poderiam

trazer, principalmente com a polícia. Esse medo é um reflexo da perseguição sofrida pelo povo

cigano durante muitos anos. Outra cigana me pediu desculpas, disse que mesmo gostando muito

de mim não poderia colaborar com meus estudos, pois tinha aprendido com sua mãe que não

deveria ensinar suas tradições a pessoas de fora.

Depois desses episódios fui até a casa de D. Rita, que tinha se disponibilizado a colaborar.

D. Rita me indicou Mãe Dona, que me indicou sua irmã, Anita. Dona Rita também apontou como

colaboradoras a sua filha Lilá, a sua nora Andorinha, Terezinha, e Lilá por sua vez me indicou

Dolores, e assim se formou a rede de mulheres ciganas no intuito de resgatar a história do

cuidado vivenciado durante o processo de gestação, parto e nascimento.

3.3 A produção do material empírico

De acordo com Bom Meihy (2005) a produção do material empírico na História Oral é

composta por três etapas: a pré-entrevista, a entrevista e a pós-entrevista.

A pré-entrevista é definida como o momento da preparação do encontro para a realização

da gravação, e nesse momento foram dadas todas as informações sobre os objetivos do estudo e

suas etapas.

A entrevista é o momento da gravação conduzida pelas questões de corte, por se tratar de

uma História Oral Temática com tema específico. Essas etapas ocorreram no período entre março

e julho de 2008. Nesse estudo as questões de corte obedeceram à linha temática das práticas de

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cuidado realizadas pelas mulheres ciganas durante a maternidade. A entrevista se desenvolveu

por meio da seguinte pergunta de corte:

Como foi a experiência da senhora durante a sua gestação, parto e nascimento?

A pós-entrevista ocorreu após o momento da entrevista ou das entrevistas. Em seguida o

material empírico foi submetido às fases de transcrição, textualização, transcriação e conferência.

Na etapa da transcrição foi realizada a parte escrita da entrevista, a partir da escuta das

gravações em que foram descritos todos os detalhes; as perguntas e as respostas foram transcritas

com as palavras da forma como são pronunciadas, inclusive com os erros, e as repetições de

palavras foram mantidas em número suficiente para que o leitor sinta o tipo de narrativa ou

sotaque, além dos detalhes sonoros. Essa etapa é destinada a dar visibilidade ao caso tematizado

ou à história narrada.

A segunda etapa foi a textualização, onde foram eliminados os ruídos sonoros e

trabalhou-se o texto de forma a deixá-lo claro e liso, ou seja, suprimindo as perguntas de corte e

deixando-as se fundir com as respostas. Foi durante essa fase que teve início a identificação do

Tom Vital, definido como a frase que serviu tanto de epígrafe na leitura da entrevista como

também para orientar a percepção do leitor.

A etapa da transcriação garante a elaboração do texto final, utilizando de maior rigor na

escrita, com correções gramaticais e frases completas, sem no entanto deixar perder a identidade.

Essa etapa compreende a versão pronta do texto, recriado em sua plenitude, e é quando o autor

pode interferir de acordo com os acertos combinados com o colaborador, para legitimar o

momento da conferência.

A conferência é o momento em que pode acontecer alguma negociação com a

colaboradora para validar o documento final trabalhado e assim permitir a sua divulgação. Nesse

estudo não houve nenhuma negociação, sendo permitida a utilização de todo o material.

Todos os materiais produzidos pelas entrevistas foram gravados através de um aparelho

MP4, em seguida gravados em CDs e armazenados pelo pesquisador.

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3.4 Análise do material empírico

O momento de análise do material empírico teve início após a etapa de textualização, com

a identificação do Tom Vital do texto por meio de leituras repetidas do material, grifando as

palavras-chave que estabeleceram as idéias centrais e compuseram o eixo temático dos discursos

das colaboradoras deste estudo: o grande eixo reflete o resgate das práticas de cuidados e a

importância do respeito ao ritmo da experiência de cada mulher durante o processo que envolve a

gestação, parto e nascimento.

A escolha desse eixo temático foi valorizada na tentativa de compreender a experiência

vivenciada por essas mulheres ciganas.

A discussão do material produzido foi orientada pelo Tom Vital das narrativas e pelo eixo

temático e seus dois sub-eixos, com base na literatura pertinente à temática.

3.5 Aspectos éticos da pesquisa

Antes de iniciar a gravação da entrevista foi disponibilizado para ser assinado pelas

depoentes as depoentes o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme mostra o

apêndice B. Vale ressaltar que foram respeitados todos os aspectos éticos baseados na Resolução

196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que trata da pesquisa envolvendo seres humanos,

garantindo o anonimato e a livre e escolha em participar do estudo, bem como o direito de

desistir a qualquer momento, sem qualquer tipo de prejuízo, sendo garantido ainda que a

publicação do material coletado só ocorrerá mediante a conferência e a autorização da

colaboradora, após a assinatura da Carta de Cessão (apêndice C).

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3.6 Entrelaçando histórias

Dentro das etapas para a construção do material empírico foi realizado um encontro com

as colaboradoras do estudo para que fossem feitos alguns aprofundamentos e ajustes das

entrevistas, além disso, o momento possibilitou uma confraternização entre o grupo e o

pesquisador, e a oportunidade de formalizar os meus agradecimentos pela colaboração de cada

uma delas.

O encontro foi realizado na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Celso Mariz,

conhecida como Polivalente I, localizada ao lado das comunidades ciganas A e B, e a cerca de

um quilômetro de distância da comunidade C.

No horário marcado as ciganas chegaram vestidas a caráter, mas infelizmente não foi

possível contarmos com a presença de todas as colaboradoras, somente cinco delas puderam

participar, e uma que chegou no final do encontro. Foi tomado o cuidado de, na manhã do

encontro, passar pela casa de cada uma das colaboradoras para convidá-las. Andorinha veio

sozinha e foi a primeira a chegar, em seguida Xandú, acompanhada de seu esposo, Sr. Vicente e

de sua filha Mimosa. Mãe Dona veio acompanhada de sua filha Lady Laura, Lilá e Dolores

vieram no carro que havia sido enviado para buscá-las, já que moram na comunidade mais

afastada. As duas colaboradoras que não puderam participar relataram que passaram por

problemas: Terezinha informou que precisou ir ao centro da cidade resolver problemas urgentes e

Jôre que estava passando por problemas pessoais; somente no final do encontro Anita apareceu e

explicou que estava doente e por causa disso não pode participar.

Para a organização do encontro contei com o apoio de várias parcerias, dentre elas a

direção da escola, que liberou a sala dos professores para a realização, por ser uma sala ampla,

bem iluminada e ventilada. Contei também com o apoio de pessoas da minha família, meus pais,

minha tia e sobrinhos, que tiveram então a oportunidade de conhecer e entender o meu

entrosamento com o povo cigano.

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Colocamos um tapete no chão da sala, onde nos sentamos ao redor; forramos uma

pequena mesa com um pano branco, onde coloquei as cartas do baralho cigano espalhadas em

forma de leque; preparei então mais duas mesas, uma para colocar as toalhas de banho que

entreguei de lembrança a cada uma, e outra mesa para um lanche, com cachorro quente, biscoitos,

bolos e refrigerantes para o encerramento do encontro.

Assim que Andorinha chegou aproveitei para fazermos a conferência do material, antes da

chegada das demais. Quando as ciganas chegaram interrompi a conferência para iniciarmos o

encontro, e perguntei a Andorinha se ela queria agendar um outro horário para concluirmos a

conferência ou mesmo se poderíamos concluir na presença das outras. Ela concordou e

convidamos as demais ciganas para se sentarem ao redor do tapete; assim iniciamos nosso

encontro, com a leitura completa da entrevista de Andorinha.

Enquanto eu fazia a leitura do material todas as outras prestavam atenção e balançavam a

cabeça, confirmando a repetição das histórias. Ao término da leitura perguntei se alguma delas

teria alguma informação a ser acrescentada; Dolores pediu para falar e agradeceu em nome de

todas pelo meu interesse em conhecer e escrever sobre a vida cigana, já que eles sempre foram

muito discriminados e desvalorizados, disse inclusive que ficou muito emocionada e até chorou

quando escutou sua história sendo lida. As demais ciganas complementaram os agradecimentos,

confirmando as palavras de Dolores.

Para o segundo momento do encontro, utilizando as cartas do baralho cigano perguntei se

elas preferiam puxar uma carta na sorte ou escolher uma carta para que fosse colocada na

apresentação das suas histórias no trabalho. A segunda opção foi a escolhida e cada uma escolheu

uma carta, dizendo o porquê da carta escolhida.

Após essa etapa agradeci a disponibilidade e a boa vontade delas em colaborar com meu

estudo, e pedi que elas pegassem aleatoriamente um dos presentes que estavam dispostos sobre a

mesa. Em seguida nos levantamos e nos dirigimos à mesa do lanche para confraternizar com o

grupo.

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5 Desvelando a cultura do cuidado das ciganas CCCcCCjjcaacalinsLiteratura

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Neste capítulo será feita a apresentação das colaboradoras e de suas histórias no tempo do

nomadismo, dentro do qual elas narraram as experiências vividas nos seus processos de gestação,

parto e nascimento, seguida da análise - síntese e interpretação de suas falas.

Após a realização das etapas de transcrição, textualização, transcriação e conferência, os

relatos das colaboradoras foram estudados, a fim de buscar uma compreensão da teia de

significados das suas narrativas. Para conduzir essa compreensão um Tom Vital foi escolhido em

cada narrativa.

Dolores

Fonte: Matta (2008)

Maria da Conceição, conhecida por Dolores, nasceu na cidade de Aparecida, Paraíba. Mãe

de três filhos, é viúva, tem 76 anos e nunca sofreu um aborto. Escolheu a carta da Dama porque a

faz lembrar Nossa Senhora, de quem ela é muito devota. Segundo Da Matta (2008), no baralho

cigano essa carta tem um significado relacionado à mulher sobre a qual se deseja saber algo, seja

esposa, filha, irmã ou amiga.

Mulher sábia,

corajosa,

trabalhadora

e dedicada aos filhos.

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Somente da segunda vez em que voltei à comunidade pude marcar um encontro com

Dolores, para o dia seguinte. Conforme combinamos, por volta das 13h fui à comunidade, onde

pude encontrar Dolores jogando baralho com outras ciganas, todas sentadas no chão embaixo de

uma árvore. Para minha surpresa, logo que me viu ela levantou-se, deixou as cartas e veio ao meu

encontro. Perguntei se ela não gostaria que eu voltasse em outro momento, mas ela disse que não,

afinal, já tinha um compromisso comigo. Caminhamos até sua casa e lá sentamos-nos à mesa de

jantar. Logo sua neta de 10 anos se aproximou e juntou-se a nós.

“Durante a gravidez... nós montava nos animais e andava pelo mundo... A vida era

chegar, pegar peso, botar lenha, botar água, lavar roupa, fazer tudo...”

“Na minha mente, eu acho que cigano começou no Egito e foi se espalhando, aí ficou

cigano. Tinha canto que nós passava um mês, passava dois... e quando nós achava bom, passava

até três mês arranchado. Era assim...Cigano tava aqui hoje, amanhã já tava em Pombal ...

carregava daqui, tirava de uma vez e só botava o chão, lá em Pombal... As vezes cigano ia de pé,

até cigana grávida, no mês de descansar, ia andando de pé também, no meio do sol quente ...

tinha cigano que levava chuva nas estradas, ficava tudo molhado como um pinto e passava a noite

todinha com aqueles panos molhado... era sofrimento o nosso! Tinha vez que nós andávamos até

a noite, quando chegava o lugar nós forrava o chão com pedaços de lonas ou panos, se deitava e

dormia no chão quente. Chega gelava por um lado e esquentava por outro. Mas de qualquer

forma eu achava melhor do que hoje. Eu achava bom, era divertido... você hoje tava aqui,

amanhã tava acolá... depois tava acolá, conhecia outros cantos. Agora tinha cidade que nós

gostava e tinha outras que nós num gostava.

E desde... de... de... 1981 nós paremos de andar... Primeiro nós moramos em Pau dos

Ferros... Aí de Pau dos Ferros nós viemos morar no Lastro e do Lastro viemos morar aqui em

Sousa e num saímos mais pra andar pelo mundo.

Quando nós andava pelo mundo é como eu tô dizendo! Era assim... Agente não

arranchava dentro da cidade, era fora da cidade... Nós tinha pouca amizade com o povo... Mas se

você, um rapaz, um juron, chegasse aqui na minha casa... e minha neta que é filha dele [aponta

para o filho] tava aqui, o pai dela já apontava uma língua pra ela sair, pra não lhe prestar atenção.

Era assim: − Escoda chaburrinha!

Ela já se levantava e tirava o beco. Mesmo se ela gostasse de olhar pra você, não olhava...

era! Moça de cigano não namorava com particular não! Hoje! a moça dos ciganos namora tudo

com os jurons. Já tem muitas ciganas casada no meio do povo pela rua. Era mais fácil um cigano

namorar, roubar e casar com as jurinhas, como sucedeu muito, do que as moças namorar com

jurons, cigana mulher era difícil! As moças não saiam pra pedir, só as mais velhas... Moça de

cigano num andava nem em rua, num sabia nem o que era uma rua. Quando ela queria uma roupa

ou uma coisa, dizia assim: − pai eu quero isso! O pai ou a mãe pegava no dinheiro e ia pra rua,

comprava e dava...

Hoje você vê as moças de cigano nas festas, andando mostrando o joelho. Mas de

primeiro as ciganas era tudo bem vestidas, com aqueles vestidos de crepe, de seda, bem

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compridos, com manga, gola e babados. Do mesmo jeito era mulher grávida... Hoje elas

deixaram de andar assim.

O nosso dia-a-dia, mesmo quando tava grávida, era botar um saco nas costas e ganhar as

casas pedindo e lendo mão... Saía, arranjava uma mulher pra rezar nela, e às vezes ela dizia: −

meu marido bebe, eu quero uma oração para ele deixar de beber... Aí agente escrevia e dava pra

ela a oração de São Marcos, que é pra amansar as pessoas e pra ela vencer nas coisas, aí ela

pegava, dava uma galinha, dava feijão. Era assim a oração de São Marcos:

“São Marcos que te marque. Jesus Cristo que te abrande. As três pessoas santa da

Santíssima Trindade. Consagra minha sorte, com dois eu vejo, com três eu ato o coração dos

meus inimigos. Eu tento e abro pela lua poente e o sol nascente e o menino Jesus, que nossa mãe

contribuiu no seu sagrado ventre. Assim como ela botou o pé na boca da serpente, que foi unido e

foi grande, será grande e unido o coração dos meus inimigos, que eu nem me veja, nem me

persiga nem dormindo, nem vedando, nem ao pingo do meio-dia, Jesus comigo, Jesus comigo.”

Essa oração é muito forte... Você amansa burro brabo!

Eu só sei lê mão... Esse negócio de botar carta eu num sei. Logo eu num entendo... Porque

só bota carta melhor aquelas pessoas que sabe ler, porque pela lida da carta bota... eu não sei ler,

nem o nome sei assinar. Mas a minha filha, a Linda Jóia, tu conhece, Suderlan! Ela sabe botar

carta... Eu só tenho ela de filha mulher!

Os homens viviam trocando, tudo que tivesse ele trocava, era animal, bicho... Era assim,

o cigano homem pegava aqueles burro, ia lá pra uma propriedade fora, trocar, lá trocava, ou

apanhava um carneiro, um porco, quando chegava matava e era uma festa pra cigano... Ou

também ele pegava o dinheiro de uma troca, comprava e a gente comia. Se não tivesse, passava o

dia de fome. No dia que saía e arrumava, botava fogo e comia o que tivesse, era o feijão, a

farinha seca, comia, o pão de milho comia qualquer um.

Era assim... Tinha noite, quando nós tava arranchado, que como num tinha luz, cada um

arrumava feixe de lenha, fazia aqueles fogo bem alto e grande...Os homem pegava o violão, e nós

virava a noite até de manhãzinha com aquele fogo bem alto e cantando, tocando violão, e

dançando...

Nós fazia samba na nossa turma mesmo. Os homens inventavam uma moda velha e

cantavam, aí ficava. Tinha um bocado de música da época. Ficava naquela roda deles cantando...

Passava a noite todinha só cantando, tomando café... Bebida não! Cigano num bebia. Hoje é que

cigano tá bebendo... E quando tinha dinheiro comprava pão, queijo, bolacha.

Tempo de Natal era uma alegria pra ciganos... As festas mais importante e melhor pra

cigano era do Natal e a do Ano... São João e São Pedro também fazia, mas era menos...Era

assim... Cigano ajuntava seu dinheirinho o ano todinho pra ter o que gastar no Natal... Era uma

alegria demais, às vezes ficava um rancho perto do outro, aí ficavam daqui pra lá, tudo

passeando... Dançando, comendo, bebendo. Hoje num tem mais Natal pra cigano... Natal de

cigano é rua. No batizado das crianças eles gostavam de fazer festa, no casamento também

comemoravam com dança de cigano.

Eu sou positiva, achava melhor quando eu vivia andando pelo mundo... É... Porque no

tempo que eu andava pelo mundo a cavalo eu num sentia nada, num sentia doença, num sentia

uma dor na unha. Eu passava fome, mas era uma fome que a gente passava tranquilo, que num

sentia nada. Era sadia... A gente tendo saúde tem tudo, né? Eu mesmo vim sentir hipertensão

depois que eu tô morando, quando eu vivia andando, não! Hoje vivo a favor dos remédios, vivo

tomando remédio direto. Nós se curava era com chá. Se nós tivesse uma gripe, nós fazia o chá da

flor do mameleiro madura, aquelas que fica amarela, fazia, adoçava, bebia e ficava boa. Se

sentisse uma dor nós bebia chá de alfazema, de macela, era assim... Era difícil cigano adoecer...

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Era muito difícil morrer um cigano! Mas quando morria um cigano era assim: depois que

sepultasse ele aqui, os outros ciganos não vinham mais nesse lugar. Hoje! Tem cigano que já tem

até catacumba familiar, morre nos hospital... Cigano nenhum sabia o que era morrer em

hospital... Cigano não sabia nem o que era hospital.

Quando era de primeiro, e a cigana ficava viúva, ela num casava mais não! Podia ser bem

novinha... Eu conheci uma cigana que com sete dias de casada, o marido dela foi fazer troca

numa propriedade, aí quando ele foi abrir a porteira a pistola dele caiu, disparou e pegou um tiro

em cima do peito dele e ele morreu. Essa cigana morreu coberta de preto, veinha, veinha, caduca,

e nunca mais casou... Hoje! se quiser casar, casa.

A vida nossa hoje é boa... Eu num vou dizer que num é, mas eu achava melhor antes, eu

sinto saudade de quando nós andava pelo mundo... Eu agradeço a Deus por ter tido meus três

filhos e nunca tive aborto e nem hemorragia. Uma vez eu fui fazer uma ultra-som aqui e a

doutora admirou-se da minha idade e eu nunca ter tido um aborto, nem hemorragia... Graças a

Deus eu tô nessa idade e nunca fui operada... Das minhas gravidez eu lembro muito... Quando eu

tava grávida eu ficava ansiosa, pra me ver logo livre daquele bucho... Eu fazia promessa pra

descansar logo e pedia a Deus todo dia que deixasse logo eu sofrer, pra descansar e ficar livre...

Engravidei do meu primeiro menino, o Cícero, que mora em Marizopólis, eu tava com 17 anos.

Eu sofria, tinha entojo, me dava agonia. Depois tive a Linda Jóia, a minha menina mulher, eu não

sofri nadinha, agora o derradeiro, o Manoel Messias, desse eu sofri mais do que dos outros...

Desse meu derradeiro eu passei os nove mês sem puder comer, nem água eu bebia. Eu chorava

pra beber água, não podia beber, se bebesse botava pra fora. As vez pegava um pote e ia buscar

água... Caía com aquele pote com agonia, sofri mais pra ter ele do que dos outros todinho! Eu

botei o nome dele de Manoel Messias, o de Jesus... Porque eu me peguei com o divino Manoel

Messias, pra ele me dar um bom parto e não deixar eu sofrer...Mas eu sofri dele. Mesmo assim eu

botei o nome dele Manoel Messias.

Quando eu saí grávida da minha filha, com um mês eu conheci que ela era mulher, eu

identificava dentro de mim, eu me encostava numa coisa eu sentia aquilo puxando, um latejo no

pé da minha barriga... Existe muita diferença do menino homem e da menina mulher, pois o

menino só ia se mexer com cinco mês e a mulher se mexia mais cedo, com uns quatro mês ela já

tava pulando. Era diferente também o criado na barriga. O menino homem se criava mais aqui do

meu lado direito e mais em cima... E a menina mulher era mais aqui debaixo, e nunca sobe. Dos

meus meninos homem eu não sentia que eu tava grávida, só ia sentir que era bucho de cinco mês

pra lá... eu identificava que era menino homem pelo entojo, mas não sentia nada. E pra melhorar

o enjôo não tinha nenhum remédio, era só chupar limão ou descascava uma manga verde e comia

pra passar... Desejo eu nunca tive! Eu botava uma manga... Dormia com a manga assim ó!

[debaixo do braço e próximo a cabeça] E jogava ela no mato, sentindo aquele cheiro não sentia

desejo não!

Eu tinha relação sexual com meu marido, mas até poucos meses, de três meses pra lá eu já

evitava...

Quando estava grávida nós num tinha cuidado de nada. Nosso cuidado era montar nos

animais e andar pelo mundo, era assim... Chegar, pegar peso, botar lenha, botar água, lavar roupa,

fazer tudo. Nós num tinha resguardo de nada. Agora, depois que nós viemos morar é que cigano

pegou resguardo. Cigana não fazia exames! Depois que nós demos de morar foi que cigana veio

fazer exame, fazer operação, que nós num fazia não! Nós nunca fizemos exame grávida, nunca

fizemos exame de útero, nós num sabia o que era um exame de útero, um exame de prevenção, o

que era ferida em útero. Se nós morresse disso não sabia do que era, porque nós não tinha contato

com médico.. Eu num tô dizendo a você... Nós num ocupava ninguém não! Era nós mesmo...

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Antes de nascer a gente não sabia se o menino era homem ou era mulher, nós só

suspeitava pela diferença do criado da criança... Era... Pra ter certeza mesmo, só quando nascia...

Mas hoje, com quatro mês, cinco, já tá sabendo o que é que é... As ciganas quando tão grávida é

tudo no pré-natal, é no exame, é batendo ultra-som... Cigana não morria de parto... Nem também

eu não alcancei nunca mais cigana morrendo de parto não, nem nós morando, Graças a Deus não!

Hoje cigana vai pro um hospital, descansa, na mesma hora sai pro banheiro, toma banho, muda

de roupa e vem embora! É assim...

Tinha cigana que no mês de descansar passava uma noite dançando... Eu num tô dizendo

que cigana quando tava grávida num sentia nada! Hoje é que qualquer coisinha bota pra morrer!

Tinha cigano, às vezes, quando era o primeiro filho e a mulher tava sofrendo, que ele ajuntava

dinheiro e dizia: - Vou comprar uma galinha pra “fulana”. Porque era assim, quando ela

terminava de descansar a primeira comida era galinha... Aí aquelas outras matavam a galinha,

preparava, e ela comia com farinha e arroz...

Eu nunca senti nada grávida, num sentia dor, nunca quebrei veia de perna, e é porque

montava, pulava dos animais no chão grávida... No mês de descansar, pegava peso, botava feixe

de lenha e nunca quebrei veia, nunca inchei perna. Acho que era de tanto nós andar e num

inchava as perna... Nem latejava. O máximo que eu sentia grávida era entojo, dava aquela

cuspideira, pois se eu comesse uma coisa sem a natureza aceitar, eu botava fora... Mesmo

buchuda eu fumava, não sentia nada não... Eu era fã de beber café e fumar. Agora quando já tava

pertinho do mês de descansar dava mijadeira, que quase toda mulher quando tá grávida e que

chega o mês de descansar ela dá a mijadeira... Né?

Tinha delas que dizia: eu só vou descansar na lua cheia que é no claro, num carecia nem

lamparina, nem nada pra cortar o umbigo da criança... E sempre dava certo... Tinha delas que... às

vezes ficava assim... Era de noite, ficava assim reservada mais aquela lua tão clara...

Nós num tinha condição de fazer nada... Era assim... Quando nascia o menino, nós pegava

aqueles pedacinhos de lençol e enrolava naquela criança... Num tinha esse negócio de comprar

fralda, coero, camisinha feita... Quando pegava no dinheiro comprava aquele pedacinho de pano,

e nós mesmo fazia na mão camisinha, e aquelas toquinhas pra usar nas crianças.

Eu nunca descansei na estrada. A minha sempre tava arranchada. Mas já teve família

minha, minha tia, ela descansou no meio duma estrada e cortou o umbigo do menino. Era tempo

de inverno tava as lagoas cheia d’água, ela foi pra uma lagoa, tomou muito banho, lavou o

menino, enrolou, quando acabou pegou o menino, montou no animal e foi embora.

Quando a mulher ia parir ela rezava uma oração pra Nossa Senhora, e tinha delas que não

sabiam e aquela que tava com ela orava na barriga dela assim: “Quando minha Maria Santíssima

pelo mundo andou com o seu bendito filho, ela encontrou na cruz de madeira e pegou, seu

bendito sangue vos limpou. Limpai, Senhora, meu parto, que não me dê hemorragia, nem dor,

nem nada.” Depois rezava um Pai Nosso e uma Ave Maria... Num instante ela descansava.

A minha avó tinha uma oração, que ainda hoje existe essa oração. E se a mulher tivesse

com ela no pescoço num morria de parto não... Ninguém nunca viu essa oração, ela é guardada

dentro dum negocinho assim, um capulário de couro. Ninguém nunca abriu pra ver essa oração,

senão perde a força... Também não pode tirar dela pra ninguém, se você tiver ela e der a outra

pessoa, perde a força pra você. Depois que minha avó morreu, passou sem abrir e ficou com a

nora dela, a Mãe Dona, mulher do meu tio Luiz... A minha avó era muito sabida, o nome dela era

Mãe Tereza... Eu era muito apegada a minha avó e ela me ensinava muita coisa... Num tô

dizendo, se você fosse pra um canto e ela dissesse: Suderlan, meu filho, num vá pra ali não, que

não dá certo pra você. Você num fosse não! Por que se você fosse, você se arrependia... Ela tava

sabendo que tinha alguma coisa ruim contra você! Ela era sabida...

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Eu sabia que tava na hora de parir por causa das dores que vinha... A dor era grande, ela

começa de trás pra frente e quando ela passa pra frente, aí é que começa mesmo o sofrimento pra

mulher descansar... É assim ôi! [mostra a o trajeto da região lombar até a região pélvica].

A menina mulher quando é pra nascer mesmo, ela ajuda a mãe, porque a vontade dela é

sair, a gente sente que a vontade dela é sair. O menino homem é mais difícil, aquela dor mais

demorada... Dá uma dor aqui, aí passa aquela dor... Aí vai dar outra lá na frente... E da menina

mulher é em seguida, é aquela dor em seguida... Que a gente num instante descansa.

Agora nós sofria muito, Suderlan. Quando nós ia ter um filho, porque nós num tinha cama

pra se deitar, nós descansava dentro dos matos... Tá vendo, era assim: nós chegava, se amparava

num canto, cercava como uma barraca. Aí ficava uma ruma de cigana ali conversando, tudinho

arrodeava assim, e a mulher ficava ali dentro, a outra fazendo um cafezinho. Ela também tomava

aquela coisinha de café... Agora nós não comia sofrendo não! Nós botava uma cangalha ali para

uma ficar segura com a gente e descansava. Era assim, num sabia o que era operação!

Quando a criança tá croando a cabeça já é pra nascer. Quando vinha aquela outra já tava

esperando, com aquela loninha assim nas mão, e ficava aparando. Dalí cortava o umbigo com

uma tesoura... Eu já cortei até de faca o umbigo de menino, você crê? Num tinha tesoura! Eu

cortei com uma faquinha assim, niquelada, e num instante sarou o umbigo dessa menina, nem

inflamou, nem nada! Quando acabava de ter eu mesmo media o umbigo do menino e cortava, se

fosse homem media quatro dedos do umbigo, amarrava com cordão fino de rede e cortava. Se

fosse mulher eu media três dedos, amarrava e cortava. Porque é assim, no menino homem o

umbigo é sempre maior. Eu já era acostumada a vê cortar, e eu fiquei medindo e fazendo...

Nós curava o umbigo com o barro de parede... Você crê? Quando caia o umbigo, nós

dava banho na criança, aí nós tirava o barro da parede nas casas, pisava num paninho bem

limpinho, quando acabava, batia assim e caía aquele pozinho, aí era só melando na água, com três

dias tava sarado... Me disseram que é bom mostrar o umbigo dos meninos quando ele tá rapaz...

Do meu primeiro menino eu guardei o umbigo dele dentro de uma latinha e ficou bem

murchinho. Quando ele ficou rapaz eu mostrei a ele, e depois enterrei no mato.

As ciganas comia rapadura e fubá pra criar muito leite... Eu nunca comi nada. Toda vida

eu tive muito leite... Esse aí, o Messias, mamou seis anos e seis meses. Ele deixou por ele mesmo.

Quando foi uma noite eu disse: chegue meu filho, venha mamar pra você dormir... Ele disse: -

Não, mãe! Eu num quero mais não...

Tinha delas que quando descansava já vinha com o resto, com tudo... Mas tinha outras

que demorava... E ficava com o resto dentro, né? E não queria sair. Aí eu sabia como era que

tirava. Eu fazia massagem e deslocava assim, botava uma mão nela aqui, nessa parte aqui no

estômago, aqui... Assim, ó! Empurrava assim, quando eu vinha pro lado de cá... Aqui... Eu fazia

assim, botava a mão aqui nela, encarcava, ela deslocava. Depois que saia o resto... Aí pronto!

Cavava um buraco e enterrava. Nós só tinha medo do resto, porque é difícil, né? Quando uma

mulher fica ocupada sem se despachar pra passar doença nela, é num instante... É num instante!

Porque quando nós terminava, a gente tinha um jeitinho pra mãe do corpo, o útero, voltar

pro mesmo lugar... Nós deixava ela deitada, pegava o dedo polegar e ficava só rodando assim no

umbigo, assim... Ela voltava pro mesmo lugar.

Quando tinha filho, e que eu chegava, acaba de ter, num tinha resguardo, eu ia pro rio

tomar banho, lavar roupa, fazer comer, montava a cavalo, era assim... E num tinha resguardo de

nada. Comia carne de porco, feijão com toicinho, chupava manga, fazia tudo...

Eu vi foi o parto desse Delmiro... Ele nasceu foi pelos pés... Nasceu nas minhas mãos e da

minha avó. A mãe dele tava sofrendo e a minha avó chegou e rezou na barriga dela, quando

minha avó olhou, ele vinha pelos pés... E é perigoso uma mulher ter um filho pelos pés.

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A minha avó disse: Não tenha medo, compadre!

Rezou a oração, correu e botou a oração no pescoço dela, e quando botou, com um pedaço

foi, foi...

− Faça força, comadre!

Quando ele botou as pontas dos dedos minha avó pegou nas pontas dos dedos e segurou,

pra ele não abrir os braços, que se ele abre os braços dentro dela, matava!

Quando deu uma dor minha avó disse: − Faça força!

E disse pra mim: − Sustente ela! Sustente ela! Sustente ela!

Eu digo: − Tá sustentada!

Quando a dor veio grande mesmo, minha avó pegou e ele passou isso aqui...os ombros,

minha avó puxou e disse: agora ele vem!

Eu nunca tomei remédio pra evitar família, mesmo eu tendo contato com meu marido, não

engravidava... Quando eu parava de dar de mamar, eu saia grávida. Essas mulher que tem os

filhos assim, um em cima do outro, é por que elas num amamenta... É difícil uma mulher dando

de mamar sair grávida. Meus meninos mamavam muito, eles iam comer, comer, mesmo era de

ano pra lá, era só mamando... O mais velho mamou três anos e sete meses, a Linda Jóia mamou

cinco anos, e esse, o Messias, mamou seis anos e seis meses.”

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Jôre

Fonte: Matta (2008)

Jôre, batizada com o nome de Maria Lima, tem 76 anos e nasceu na cidade de Itapipoca,

Ceará. Teve nove filhos e dois abortos. Escolheu a carta do Cavalheiro, pois lembra Deus,

representando sua fé. Segundo Da Matta (2008), no baralho cigano essa carta tem um significado

relacionado ao homem sobre o qual se deseja saber algo, seja marido, filho, irmão, amigo.

Jôre é a anfitriã do rancho de cima, e sua casa é algo como uma parada obrigatória; além

de ser a primeira casa da comunidade, quem entra pelo caminho do parque de exposições sente-se

acolhido por ela. Nosso encontro foi marcado para as 06h30min, na sua casa, enquanto ela fazia

o fogo para preparar o café que já era esperado pelas netas. Esse horário foi escolhido por Jôre

porque dessa forma a comunidade estaria mais tranquila. Durante a noite anterior havia chovido

muito em Sousa, deixando o trajeto até a comunidade repleto de lama, o que dificulta o acesso.

Cheguei à casa na hora combinada e sentei-me numa cadeira de balanço, sentindo o cheiro de

café feito no fogão a lenha se misturar ao da terra molhada. Jôre sentou-se num banquinho de

madeira embaixo de uma pequena árvore na lateral de sua casa, acendeu um cigarro de fumo e

começamos nossa conversa.

Viúva do poeta Boalô,

gosta de conversar e fazer amizades.

Mulher valente e decidida.

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“Quando eu saia grávida não ligava pra aquilo... Quando era para descansar, num instante

eu tinha... Nunca fui perigosa em parto, não!”

“Meu nome de batismo é Maria Lima, agora não me chamo assim. Me chamo Jôre. A

minha idade é 76 anos... Cheguei aqui em Sousa em 1982... Essas terras aqui são do governo e

pra lá é de Dr. Gilberto, mas eu não quis morar na terra dele, não. Pra falar a verdade é uma vida

muito sofrida, de cigano... Cigano, quando andava pelo mundo, era um povo que parecia que não

vivia. Era assim: chegava aqui, arranchava numa casa, assim... Nós fazíamos umas moitinhas e

passava as barracas... Arranchava todinho e quando era de noite os homens armavam as redes

para eles dormirem, as mulheres dormia no chão em cima das lonas e os meninos pequenos se

deitavam naquele chão quente como fogo... Era uma vida muito sofrida. Não sabia o que era uma

festa... Num sabia o que era beber... Eles gostavam de cantar e tocar violão... Quem gostava era

os ciganos mais velhos, só viviam cantando... Mas cantar nos arranchos não essa rapaziada...

Hoje! Eles têm raiva disso... Hoje é um povo tudo civilizado... Mas cigano era discriminado.

Agora não! Depois que pegaram essa proteção, de 1982 pra cá, e tá morando aqui, cigano tá

fazendo festa, aniversário, comemora tudo... Nós não sabia o que era sábado nem domingo,

entende? Cigano era que nem bicho bruto, não sabia o que era nem sexta, nem sábado e nem

domingo, nenhum... O que disser tá mentindo.

Sabe quando cigano tinha saúde? Era quando andava pelo mundo! Depois que veio morar

pega essa doença, outra, e outra... Tudo é queixa de quem mora! Se se queixa de certas doença é

porque mora, né? Cigano podia ter toda doença, doença nós todos tem, né? Mas durante o

período do gravidez nunca adoecia... Adoecia se descansasse hoje e não tomasse banho amanhã,

eu mesmo tomava até no mesmo dia... Era tudo assim.

Eu tinha numa base de uns 18 anos quando tive meu primeiro filho... Tive nove filhos e

dois abortos... Quando eu ficava grávida eu conhecia logo, descobria pelas regras que num vinha,

né? Entojo eu nunca tive... Mas é diferente... Pra mim dava sono, enjôo eu não tinha. Era assim:

eu menstruava no dia 10, e se no dia 10 num viesse a regra eu contava como bucho... Já contava

como primeiro mês... Eu não contava mês não, aquilo era uma coisa esquecida... Quando chegava

a hora e adoecia, dava a luz e pronto. Mulher cigana quando saia grávida era como um bicho

bruto, entende? Sabe o que é um bicho bruto? Pois é a mulher... Como um bicho fêmea: uma

besta, uma porca, uma cabra, era assim... Parecia que nem tava grávida, só lembrava de gravidez

quando chegava a hora pra descansar.

A mulher quando estava grávida era alegre e satisfeita com aquela criança... Zelava pela

criança... Se fosse homem ou fosse mulher, ela zelava... O marido das ciganas, o meu e de todas...

Quando elas saia grávida nem ligava, porque ela ficava grávida e quando tinha filho ficavam aí

brincando, cantando... Num dizia nada, quem lutava era nós. Agora hoje em dia quando sai

grávida, quando é dois mês, três, corre pro hospital, fazendo pré-natal, ajeitando... Porque elas tão

acompanhando a moda dos brasileiros.

No meu tempo, pré- natal? Não sabia o que era isso não... Cigano era quase que um selva

do mato, não sabia de nada... Era uma coisa quando a mulher saia grávida... Num tinha contato

com o marido, não! Num tinha nada!

Toda mulher... Saiu grávida tem que urinar demais e ficar com cuspideira... É porque

muitas têm entojo, né? Num liga aquilo, e come aquela comida que ela entojar... E outra, coitada,

entoja tudo... A cigana comia tudo, a mesma comida de hoje... Tudo que aparecesse ela comia,

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era feijão, era arroz, era fruta, tudo que tivesse pra comer ela comia... Bom, se ela tivesse enjôo

àquela comida que ela comia, ela não comia, ia caçar outra.

Tem muita mulher que fica choca na gravidez... Adoece de qualquer coisa, fica

encharcarda, só quer viver deitada... Esmorece! Sentindo dor.

As roupas das mulheres ciganas eram comprida, e largas... Era o mesmo jeito de hoje que

sai grávida... Era limpa, era pobre, mas andava limpa... Num tinha esse negócio, não.

Conhece demais se é menino ou se é menina, pois tem diferença... Assim: o menino

homem pra ele se remexer dentro da mãe são quatro meses... sem tirar e sem botar, e a menina

fêmea com três mês você já sente, já se bole dentro da mãe... A mulher é mais ativa... Mas se

conhece... A mulher grávida de filho homem é diferente, e tem de filha mulher que é diferente

também. Mas não tem hora pra criança se mexer. Como eu estou lhe explicando... Não é ninguém

de fora que conhece se é homem ou mulher, é a própria mãe que conhece. Ela sabe pelo criado da

criança dentro da gente... Porque é diferente o criado do menino para o da menina: o menino

homem é criado quase debaixo da costela da gente, e a menina mulher é atravessada no pé da

barriga.

Nós andávamos tudo naquele comboio, o grupo todo organizado, as mulheres tudo

montada naquelas cargas! Pois mulher buchuda não andava de pé não! [tosse] Mas pegava peso,

pegava tudo... E quando passava dois, três dias num canto... E diziam assim: Vamos sair amanhã?

Sai...

Mas se aquela mulher amanhecia doente, aí dizia: num pode porque a mulher de fulano

está doente pra ter filho, aí esperava...

Quando a mulher adoecia pra ter filho sentia dor... A dor da mulher de filho homem é nos

quartos, depois quando que ela passa pra frente o menino nasce. E da mulher é como uma dor de

barriga, que nem tá com dor de barriga!... Tem muita diferença do menino pra a menina, tem

muita! Só não conhece quem não quer...

Quando acabava de descansar, no outro dia, saltava em cima e tava de viagem. E se

adoecia na estrada, era só puxar o burro assim pro acero do mato e se retirava pra dentro dos

matos... Fechava de panos assim, pra defender as moças... Pra as moças não vê descansar, e nem

os homens, né? Num instante dava a luz, parece que Deus protegia. Quando acabava de

descansar, e tinha a criança, passava um pedacinho sentada, até enquanto esfriava o suor. Aí

tomava banho, brincava, prosava, labutava... Eu assisti muitas mulheres e peguei muito menino

assim... Descansava e dormia no meio dos terreiros, no chão quente, num apanhava doença

nenhuma. Porque mulher é meia choca, né? Num tendo higiene, apanha qualquer doença, né?

Mas era um povo protegido por Deus... Hoje não... Hoje não!

Durante a gravidez nós não tínhamos oração, que às vezes era difícil uma mulher ter

dificuldade para dar a luz, era difícil... Cigana era... Era num instante! Mas para isso a gente tinha

oração e fazia promessa também! E só existia uma oração no mundo, só existia uma... Eu não sei

dizer ela como era, não, eu esqueci a oração... Ela era de uma cigana velha, antiga, que morreu de

mordida de cachorro doido. Ela era minha comadre, madrinha desse Cúla... Ela tinha a oração de

Cosme e Damião... Eu não sei quem tá com essa oração... Parece que tá com seu Luis, o filho

dela... Era um couraça de couro num cordão... Às vezes ela tava dormindo e eu ia acordar quando

a mulher adoecia... Aí esperava, se tivesse sofrendo muito, botava no pescoço da mulher e era

dois minutos para descansar.

Minhas gravidez era ligeiro... Quando eu saia grávida não ligava pra aquilo, quando era

para descansar num instante eu tinha... Nunca fui perigosa em parto, não! E quando acabava de

ter, vinha para casa e tomava banho. Nunca ninguém lavou meus panos... Quando eu terminava

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de descansar ia pro rio e lavava meus panos... Tomava banho e vinha... Quando chegava era a

mesma mulher. Mas nesse tempo agente não tinha casa, né?

Essa minha menina que mora lá embaixo, Veinha, a mulher de Mirabor, eu tive ela em

1970, em Paulista... Era um inverno, os rios tudo cheio! Num tinha ninguém... Descansei dela de

noite, debaixo dum pé d’água... Mas dentro de uma casa, de uma casinha mesmo assim. Quando

foi de manhãzinha, viemos para as barracas... Quando nós chegamos eu peguei, passei uma

redinha dentro da barraca, dei banho na menina, botei na rede e deixei com minha filha mais

velha, a Dunga, mãe da Bibia, que era moça, reparando ela. Aí fui pro rio, peguei os panos, lavei

os panos tudim... Quando acabei de lavar pendurei assim numas pedras e fui tomar banho... E

tinha umas raízes, umas galhas... O rio muito cheio, eu me pegava nas galhas... Toda vida gostei

de nadar, sempre fui afoita a água.

Quando o povo da rua descobriram que tinha descansado, vieram me visitar... Eles ficava

tudo nas moitas junto com nós... Todo dia à tarde as moças da rua vinham, todo mundo era

apegado comigo... Eles perguntaram: - Cadê Dona Maria?

A menina respondeu: - Tá no rio tomando banho...

Aí foi homem, mulher e menino pra beira do rio, e eu dentro d’água... De lá eu gritei:

− Ei! Pra lá! Deixa ao menos eu sair...

Saí pra fora, entrouxei os panos, acabei e vim com eles... Eles ficaram mesmo assim...

Tudo admirado.

Resguardo de cigano era quando tava dentro... Uma queda se levasse... Mas descansou!

Na hora que ela descansava! Comia tudo! Comia tudo carregado.

Aqui tem uma cigana que é mãe daquele Frei Fernando... Aquele que falou com você...

Ela descansou daquele Tita dentro de uma casa, de noite! O marido dela caçava... Ele trouxe um

peba que num tinha muita idade...

Aí ele disse: − Faça esse peba...

Quando foi de manhãzinha, ela chegou e tirou um prato bem feito do peba e entrou pra

dentro... E quando deu fé ela tinha comido o prato de peba e num sentiu nada. Nããã! Quem era

que ia imaginar que ela ia comer aquele peba... Toda vida ela foi fanática a caça.

Tinha muitas mulheres que passavam dois anos sem ter filhos! Mas tinha muitas que

passavam nem de dois em dois anos, passava três... Quando paria dois, três filhos já ia tomar

remédio... Bebia chá!

Já eu atrapalhava... Teve filho que eu passei dois anos... Essa menina caçula aí, eu tive ela

em 1970, e vim ter outro filho em 1975, que é o pai dessa menina, que mataram... Eu embaraçava

mesmo, não era todo ano não!

E eu não fazia nada para custar os filhos... Eu esperava a regra no dia 10 e num vinha a

menstruação no dia 10... Faltava um dia, já sabia que tava buchuda... Não tinha conversa. Agente

fazia chá e tomava... Quando e quando tava grávida mesmo... Aí pronto! Deixava de lado. Mas só

bebia no decorrer do mês que sai grávida... No decorrer do mês a gente bebia tanta coisa... Bebia

remédio para botar no mato, bebia chá do mato e tudo quanto ensinavam... Toda raiz do mato que

ensinavam elas bebia... A gente bebia chá de quebra pedra, e até colorau a gente botava de molho

e bebia... Mas eu nunca botei filho no mato.

Fazer garrafada nunca vi, eu só fazia chá! Eu e todas... A gente tudo fazia chá de quebra

pedra... Botava pra cozinhar no fogo, quando cozinha bem, abafava e quando esfriava a gente

bebia... Nada doce! Elas bebia escondido dos maridos, os maridos não queriam que elas botassem

no mato... Mas elas mandava buscar, fazia aquele chá e bebiam em jejum, antes do café... Mas

nunca botou filho no mato por isso não. Bebia também o chá de Laça-vaqueiro, que é raiz de um

pau que tem no mato, tem um chocalhinho. Também comprava raiz na rua... Elas só não faziam

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era beber comprimido, nem falava com farmacêutico, e nem com doutor, pra passar remédio para

botar filho no mato.

O aborto dá de um desejo que a mulher tem, ou de uma queda! Eu mesmo botei um no

mato com oito mês, de uma queda que eu levei... Eu tava com sete mês, e a gente tava debaixo de

um juazeiro arranchado... Nós vivia brincando no rancho, pois não tinha o que fazer... Aí a gente

tava no rancho tudo brincando no terreiro, e as meninas tava comendo banana e mamão, que foi

quando eu escorreguei e cai pro lado, não senti nada... Dor nenhuma! E foi, foi, foi, quando

completou oito mês, comecei sentir uma dor que respondia primeiro aqui do lado... Tá vendo?

Como eu era nova, e foi o primeiro, eu num sabia de nada, sai e num dei nem fé...

Quando foi de meia-noite em diante, contei às mulheres mais velhas... Pronto! Essa dita

cigana veia que tinha a oração, uma mulher de uns 80 anos...

Ela disse: − Você vai abortar! Você teve alguma queda? Algum desejo?

Eu disse: − Desejo não! Queda eu tive... Mas tá com mais de um mês...

Ela respondeu: - Então, você vai abortar.

Nasceu todo normal e era todo perfeitinho, era grande... E num precisou de doutor nem

de nada, mas já nasceu morto... O bichinho já veio com duas costelinha quebrada e a cabeça

lascada... Também! Passou um mês morto dentro de mim.

Do desejo é o seguinte... A mulher tá grávida passa por minha casa, a panela tá no fogo,

só basta sentir o cheiro e deseja comer logo na sua casa... Mas ela num diz, a gente num adivinha,

né? Porque... se a mulher grávida disser a gente obrigava ela comer com medo de botar no mato...

Era assim... Aquilo não é ela que tá desejando, é o menino.

Aí fica com aquilo no mental, na cabeça... Não me diz, aí fica... Fica com sentido naquela

comida, com sentido, com sentido... Quando é no outro dia a mulher já começa se torcendo...

Quando bota no mato, nasce aquele menino ou aquela menina com a boca aberta... O desejo é

esse, tem muitas que botou no mato por causa de desejo.

O outro aborto que eu tive foi com três mês, foi por causa de um pedaço de peixe... A

mulher pelejou pra eu comer...

Eu disse: − Quero não!

A mulher dizia: − Mulher, faça isso não!

Eu respondia: − Quero nada, quero nada...

Fui embora. Quando foi com cinco dias botei no mato, a criança não tava gerada direito,

mas sabia que era mulher.

Quando eu tive uns seis filhos eu via as comidas... Desejava e escondia o desejo, que era

pra botar no mato. Deus que me perdoe! Pelo amor de Deus! Nove filhos já é demais...

Nunca cigana foi operada, nunca cigana foi num hospital pra dizer assim... Nunca fez um

exame, exame de nada! Cigana nunca fez. Nem eu e nenhuma tomava nada, e não fazia

exame.Teve uma cigana que fez exame, é uma que mora pra acolá... Ela quase que morre...

Cigana num morria de parto não! E nem sentia hemorragia... E hoje, né? As mulheres fazem

exame de útero, faz qualquer coisa... Mas é escuro pra cigano, cigano veio conhecer o que era

hospital pra fazer um exame, pra se receitar, pra descansar em hospital, foi de 82 pra cá... Nunca

morreu uma cigana de parto.

Hospital pra cigano nesse tempo era mesmo que essa federal que anda pegando o povo...

Tinha medo do hospital que se pelava... Cigano num ia em hospital de jeito nenhum, se atrevia a

morrer do que ir pro hospital, tinha medo!

E a vida é essa que eu estou lhe contando, pelo menos era, hoje não! É tudo bem de vida

aí... Mas pra trás era como eu estou lhe dizendo. É diferente do povo de vocês... Das mulheres de

vocês, pra nós. Porque esses são um povo que é dentro de casa... Tem toda cautela, com medo de

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uma doença, com medo de morrer... E cigano num tem, cigano descansa em cima de uma cobra

se for possível... Num tem medo não! Nem guarda resguardo... Nem guarda resguardo os nove

mês, e nem guarda depois que descansa... Depois que descansa, aí é que num guarda. Os noves

mês a mulher sofre, a mulher sofre carregando no ventre um menino nove mês... Não é tão bom!

Quando tem... Sente um alívio.”

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Lilá

Fonte: Matta (2008)

Filha do chefe Vicente, mas moradora do rancho do chefe Pedro Maia, Otacília Pereira de

Figueiredo nasceu em Pombal, Paraíba, e é conhecida por Lilá. Tem 58 anos, teve nove filhos e

dois abortos. Escolheu a carta do Cavaleiro, por relembrar do tempo em que andava a cavalo.

Segundo Da Matta (2008), no baralho cigano essa carta possui um significado relacionado a boas

notícias, novas idéias e pensamentos que movimentarão a vida, mensagens a caminho êxito,

solução para problemas.

Nosso encontro aconteceu na sua casa, debaixo do terraço, rodeada dos filhos e netos, que

se distanciaram um pouco para que pudéssemos realizar a entrevista. Lilá se acomodou numa

cadeira de balanço e eu em uma cadeira de madeira.

“Nós pra trás... Só tinha família dentro dos matos...”

“Quando me casei eu tinha 16 anos e meu marido tinha 20 anos. Meu pai num gostava,

minha mãe não gostava... Minha mãe não queria que eu casasse com ele não... Por uma parte ele

é cigano e por outra não é. Meu esposo é irmão de Coronel, conhece? Eu casei na marra, eu disse

que ia fugir com ele, aí tinha meu avô, o cigano veio Eufrade, que era irmão do avô dele, chamou

meu pai e o irmão dele e aí fizeram meu casamento.

Mulher de olhar sereno,

transmite paz quando fala

e demonstra muito amor pela família.

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Toda vida eu gostei de usar brinco, toda vida eu fui fã de brinco... Usava batom... Pulseira

nunca gostei, não! Só gostava de volta de conta. Que cigana de pra trás batia um mundo todo por

uma volta de contas. Cigana era louca por colar, onde tivesse cigana comprava um colar, podia

ser o preço que fosse ela pegava e butava no pescoço... Usava óleo de coco no cabelo, que a

cigana mais velha fazia aquelas banha e colocava perfume, era uma coisa mais cheirosa do

mundo pra usar. De pra trás a cigana num tinha essa coisas de hoje, shampoo, não. É diferente

pra trás.

Toda vida cigana gostou de roupa comprida e larga... Usavam uns vestidão bem

compridos e rodados e as cores que as ciganas gostava era encarnada, era verde, era amarela, era

azul.... Cigana num mostrava suas carne a ninguém não! Hoje é que cigana tá na moda dos

particular... De pra trás cigana num vestia roupa que num fosse bem comprida e sem manga não.

Quando era tempo de São João as ciganas fazia aquelas roupas de laquê, a coisa mais

linda do mundo! Bem compridas, bem papagaiadas, toda cheia de laço... Aí vestia e ia dançar.

Fazia aquela fogueira bem alta, aí nós ia brincar, passava a noite todinha dançando se fosse

possível... Nós dançava todas as danças... Era macha, era bolero, era valsa, tudo que botasse pra

as ciganas dançar, elas dançavam... Era muitos ciganos que tocavam, quer dizer quase todo

cigano tocava violão, era o cigano chamado Mirabor, o cigano Dantinha... Meu marido também

tocava.

Eu nunca li mão... Eu nunca aprendi... Não dei para ler mão não! Lê a mão é um negócio

de berço. Né todo mundo que sabe ler a mão, não, tem as pessoas que sabe... Já vem de berço

aquele lido de mão das pessoas... Eu pedia muito, o que eu fazia num nego não.

Era assim: nós chegava aqui e se arranchava... Chegava, ficava debaixo dos paus, fazia os

fogos, fazia os comer, fazia as camas debaixo dos paus. As camas que eu digo ao Senhor eram

assim, que nós possuía pedaço de lona, chegava nos cantos, forrava com os encerados no chão.

Botava aqueles travesseiros e deitava... As camas de cigano era essa, era as camas nossa, não era

cama assim como nós hoje tem não!

Também tinha redes... Dormia nós todinho, família assim: marido e os filhos dormia tudo

junto, num tinha esse negocio de... Se tivesse chovendo e quisesse botar uma criança, duas, mais

você, às vezes botava e num tinha esse negócio de... Dormia tudo bem dizer junto e num tinha

esse negócio não.

Fazia barraca de lona... Quando era no inverno nós fazia barraca assim: desse pau para

outro nós armava a barraca, botava uma corda, aí a gente arrumava umas varas e fazia umas

forquias, e amarrava de corda. A gente amarrava as varas assim... Quando acabar batia uns torno

no chão, botava a corda e armava a barraca... Aí fazia umas valas assim para as bandas das

empanadas ficar erguida, de lona boa. Também fazia aquela levada por baixo, assim esses rego,

assim, num sabe? Fazia umas puxadas de rego, para a água não entrar para dentro... Aí não

molhava debaixo e tampava as bocas das barracas... Aí se deitava... Num tinha chuva.

Nós num tinha canto certo não, aonde nós chegava passava um dia, hoje aqui, passava três

acolá... O canto mais sossegado que nós passava quatro ou cinco dias arranchado era em Sousa,

porque toda vida nós fomos fã de Sousa. Nós não saia daqui, nós andava por todo Brasil, se fosse

possível, mas Sousa nós não desprezava. Nós gostava do pessoal de Sousa, o pessoal daqui foram

nosso pai... Era do tempo dos mais velhos, era Luiz de Oliveira, o Maximino, o pai do Maximino,

era Dr. Augusto, era o veio Idelfonso... Eram essas pessoas assim, tudo dando cobertura a nós...

O nosso protetor era ele... Era tudo acolhedor de nós... Nós só vivia em Sousa... Nós tamos com

mais de vinte anos aqui.

Eu tive nove filhos e dois abortos... Deixa eu ver... Eu tive quatro filhos sem precisar de

assistente... Eu lembro que o primeiro foi quando eu tinha dezoito anos. O mais velho é esse ai

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ô... O nome dele é Guilhermano, eu tive em Umari... no Ceará. Aí tive a Tânia, em Lagoa de

Cruz no Pernambuco, tive o Mundico, em Bonito de Santa Fé... ai no Bonito de Santa Fé. Vicente

foi em Pau dos Ferros... E a Bebé foi aqui em Sousa... E a minha menina mais velha a Jôre foi no

Olho d’água, perto de Piancó... Ali.

Era assim... Eu passava um ano sem ter família, meu menino quando completava um ano

eu tinha outro filho. Nunca tomava remédio para não sair grávida... Nunca eu evitava... Se eu

pudesse evitar, eu evitava sem tomar remédio... Eu tenho vergonha de dizer... Quem evitava era

meu esposo, quem evitava eram os homens, né a gente, não... Ele jogava fora quando chegava a

hora de... Aí ele jogava fora, sabe como é? Eu mesmo num passava um ano pra eu num ter um

filho, não! Todo ano era um filho... Desse jeito... Só do meu menino mais velho para o outro, foi

quatro anos... Passei quatro anos para ter essa daí... Meu marido era danado, nesse ponto meu

marido era danado... Não podia desprezar o marido, só quando estava menstruada ou quando tava

grávida.

Tive esses meninos todinho normal, sabe? Sem carecer assistente pra mim... Tive o

primeiro, tive essa mais velha aí, depois tive outra, depois tive o Mundico, pra depois ter o

aborto, ai nasceu essa daí, a Bebé. Depois tive outro aborto... Agora, o resto dos meninos já tive

aqui quando nós cheguemos foi tudo nos hospital... Tive outra que Dr. Pedro é que fez meu parto.

Nós tinha família assim... Nós saía grave! Tinha como umas pessoas que num tinha

ninguém, num chegava assistente não! Nós tinha aí...

Na frente de homem a gente não tinha... Tinha e num sentia dor, num sentia nada.

Acabava de ter aquelas crianças, aí vinha pro o rancho e saia assim pra fora... E fazia aquela

limpeza na gente... Tomava banho e vinha pro rancho. Num sentia uma dor! Cigana num sentia

dor de cólica... Essa dor de cólica que essas mulheres de hoje... Nada! Nós não sentia nada, eu

mesma num sentia nada, ficava e parecia que num tinha família.

Agora quando foi pra eu ter essas crianças de hospital, eu me senti muito mal lá. Nos

hospital eu tive uma com Dr. Pedro... Eu fazia pré-natal com Dr. Pedro, que era o meu

acompanhante. Aí fui, tive essa menina... E dessa menina tive outra, que quase morro... A minha

derradeira filha que tive, eu fui operada... Mas essa tive com Dr. Chico de Clota... Ele que me

operou, eu só fui operada dessa! Eu quase que vou... Quase por uma coisinha... Foi o que passou

comigo.

Gravidez era assim... Eu via minha menstruação... Assim: quando eu via dois mês e já no

outro mês da frente não via mais a regra. Pronto... já era bucho mesmo... Já era gravidez. Quando

eu sentia que eu tava grávida, eu sentia entojo... Entojo me acabava... nem água eu não tomava.

Quando eu tava grávida tinha uma cuspideira maior do mundo, num sei... Eu acho que o

meu era por causa do entojo, e a mijadeira era no meio da gravidez, até quando tinha aquela

criança... Nunca procuremos médico não... Nunca! Nós num se lembrava disso não... Dançava,

brincava, pegava peso... Num tinha nada... Nós fazia tudo!

Logo quando eu saí grávida do meu primeiro menino, e já tava com uns três mês de

grávida, eu sabia se era homem ou mulher. Por causa de uma experiência que minha tia

Karolinda ensinou...

Ela me perguntou: − Minha sobrinha, você já achou essa criança?

Eu digo: − Não, minha tia...

Então, ela falou: − Pois você repare... Deite de papo pra riba e repare... Ôi, se for no pé da

barriga, minha sobrinha, é fêmea... E se que for de banda assim, atravessado... É homem.

Aí eu me deitei e vi na barriga o menino homem atravessado assim... Dos lados da

barriga, pegando o umbigo... Eu tive essa experiência e eu fiquei com essa experiência. Porque a

criança mulher eu via aqui... Mesmo aqui no pé da barriga.

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Menino macho eu sentia se mexer de banda, só se mexia com seis mês... E menina fêmea

eu sentia ela se bulir com três meses, no pé de barriga... Era bem embaixo aqui... Eu me sentava

assim, de coca, eu não agüentava que ela se mexia demais, e o menino macho não! Os meninos

machos dava aquele pulo dentro de mim... E ela não! A menina fêmea era nas carreira... Era...

Era danada, viu? [Risos]

Nas viaje eu grávida num tinha nada... Montava nos animais e saia pegada com dois, três

filhos... Eu mesmo andava com dois, três meninos no colo, botava um de um lado e outro do

outro.

Se nós fosse viajando e num tivesse hospital... Pra cigana num tinha hospital, né? Se num

tivesse assistente os ciganos botava no chão e pedia os rancho aqueles proprietários... Os

proprietários dava, aí nós descansava, descansava... Ficava boa.

Quando dava aquela dor, a gente conhecia... Mulher conhece! Eu tenho vergonha de dizer.

Era aquela dor pegando no pé da barriga da gente... Pegando as cadeiras da gente... Ai

dava aquela dor na mulher, e tinha diferença, as dor... Porque a dor do menino macho você pode

fazer tudo dentro de casa, você pode fazer o que quiser, e da fêmea não! É na carreira... Aquela

dor avexada. Às vezes, enquanto a menina fêmea num nasce, ela não sossega dentro da mãe, não!

Só tá satisfeita quando bota pra fora.

Eu tinha essa experiência comigo, não sei se toda mulher é assim! Eu tinha essa

experiência... Quando eu tava grávida de uma menina fêmea era. As minhas meninas mulher

todinho foi assim. Quando eu adoecia era vamos, vamos que num segurava, agora filho macho eu

fazia todo serviço, todo... Eu botava água, botava lenha, eu fazia o comer, eu lavava pano, fazia

tudo, tudo duma casa eu fazia. Quer dizer nesse tempo num era casa, era rancho! Nós chamava

rancho. Eu num precisava de assistente, não! Fazia aquele esforço e num instante descansava.

Quando já vinha chegar eu já tinha nascido à criança, já tava toda completa, já. Não carecia mais

negócio de assistente pra mim, não! Nós era muito sadia, de pra trás... Mas hoje a gente não tem

um dedo de saúde. Hoje cigana não faz mais isso, cigana for fazer isso, faz é morrer! Cigana hoje

saí grávida, é fazendo o pré-natal, e nós não fazia isso, nós num sabia nem o que era isso! E nem

esse negócio de ter família em hospital, não! Nós só tinha dentro dos matos... A nossa vivência

era mais dentro dos matos, nós tinha os meninos ficava direitinha e num sentia nada... Nada,

nada.

Ah! Mas tinha uma oração, a oração da minha avó... Que também ajudava muito a nós... É

uma oração que a minha mãe tem pra as mulheres descansar ligeiro. Ela tem lá! E eu num sei

como é o nome não. Botava em riba da gente... A mulher quando tava sofrendo vexava aquela

dor, aí com dois minutos a mulher descansava aquele menino e num sentia nada. Só aquela dor de

ter a família mesmo, mas na mesma hora passava... Quando a gente tinha a família, aí já ficava

livre. Chamava as mais velhas que ajudava a gente, pra acompanhar.

Aí tem uma cigana veia que chama Dolores, que ela foi quem fez bem dizer meus

partos... Ela era quem cortava o umbigo dos meus meninos... Teve quatro filhos meus que foi ela

quem cortou o umbigo... Com tesoura, nós tinha tesoura nesse tempo... Ela media quatro dedos

assim do umbigo e cortava, aí amarrava assim um cordãozinho... Ela era muito inteligente. Essa

Dolores era muito inteligente! É...

A gente tinha filho de cócoras, nós botava uma cangalha no chão, forrava a cangalha, aí

ficava aquela que tava descansando aqui, como de bem... Eu estou sentada numa cangalha, né?

Aí sentava assim de cócoras... Ô... Ficava a cangalha de banda assim, e era o nosso apoio... Nós

ficava assim... Na cangalha, vendo! Aí pegava outra aqui debaixo dos braços, a mulher, assim, e

duas pegada com agente, lá nas mãos assim, no braço, e outra ficava lá no outro... Aí a mulher

fazia força e tinha a criança.

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A outra que já ia cortar o umbigo do menino já ficava ali, pra aparar a criança... Forrava

aquele chão, aparava a criança e aí cortava o umbigo. Quando acabava, dava banho na criança, e

ficava sadio, sadio... Nunca teve nada! Nem infecção no umbigo cigana nunca pegou.

Sabe o que nós fazia? Botava o barro de parede... Era o que nós botávamos... Pisava

aquele barro de parede que agente pedia nas casas... Pegava e pisava num pano... Quando

acabasse peneirava assim, e botava no umbigo da criança... Sarava que ficava uma beleza! Não

carecia esse negócio de mercúrio, de mertiolato, nem nada! Que hoje você faz um parto assim

nos hospital é obrigado ter todo cuidado no umbigo da criança, né? E de pra trás num tinha isso.

Depois disso desce a porqueira, num sabe? Aquela porqueira vem é muito! É assim, o

sangue talhado, essa história de, de, de. Negócio de, de, do parto, desce o parto, desce tudo... A

gente fica limpa. Depois as ciganas enterrava o parto... Num deixava assim. Eu mesmo num

passava muito tempo sangrando, eu passava uns cinco ou seis dias sangrando... Aí depois desse

cinco ou seis dias eu ficava boa... Ficava boa completa mesmo... Ficava trabalhando em casa.

Viajava! Viajava e num tinha problema nenhum.

Eu tive aborto, e passei mal dos abortos... Eu tive no pronto socorro... Esses abortos era

no tempo do ponto socorro ali, ali no pronto socorro... Mas desses abortos também, eu quase que

morro!

Os abortos, eu num sei por que foi não! Num sei se é porque eu tava muito fraca... É que

nesse tempo cigano passava mal.

Uma eu tava com quatro mês, outra tava com três mês. Acho que era por que eu vivia

fraca, dava de mamar. Eu saia grávida de um menino, já dando de mamar o outro. Eu num

deixava de amamentar meus meninos, não! Eu era assim! As ciganas muitas vez me reclamava:

- Mulher num dê tanto de mamar...

Eu dizia: − Tem nada não!

A gente passava muito mal pelo mundo! Num sabia o que era sustança de hoje, não! Mas

eu tava fraca, por isso eu tive os abortos.

Eu amamentava meus meninos tudim... Eu dava muito leite de peito, nunca tirei

amamento dos meus meninos, só quando eles abandonava mesmo. Eu tive esses nove filhos, o

senhor pode acreditar que eu nunca tirei amamento de meninos meus, era amamentando direto!

Eu num tinha esse negócio que quando eu tava grávida tirava amamentação dos meus meninos,

não! Não gostava de fazer meus meninos chorar... Eu sou muito fã dos meus meninos... Muito

mesmo! Eu sou louca pelos meus meninos... Nunca fiz certas coisa com meus meninos, bater,

judiar.

Eu sou esquecida! História das minhas crianças de pra trás... Só que nós era pobre...

Agora o que eu podia fazer pelos meus menino, eu fazia... Eu tinha cuidado nos meus meninos...

Os meus meninos eram uns meninos pobres, mas tinha todo cuidado.

Toda vida meu marido me ajudou com os meninos no rancho. Se um menino meu

adoecia, eu passava a noite todinha só com cuidado neles, eu num dormia de noite não. As

doenças dos meus meninos era de gripe, de febre.... Eu usava aquele remedinho, meu

Deus!...Como é o nome? Um xaropezinho que nós gostava... Fenergan... Era aquela injeção de

penicilina... Era o remédio dos meus meninos. Remédio de mato, a hortelã! Eu fazia aqueles

melzinho de hortelã, dava a meus meninos pra beber, era com que os meninos passava a gripe. Eu

num levava eles pro médicos, eu não confiava em remédio de médico... Hoje que tem essas

histórias de médico, você compra uma farmácia de remédio e não dá jeito... Uma gripe, uma

febre... E de pra trás uma criança ficava boa era com um Melhoral infantil... E com esse remédio

de mato mesmo, com a hortelã... Uma disenteria do menino a gente dava uma erva-cidreira e os

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meninos ficavam bom! Era assim... Ah! Nós também dava aquele remédio para disenteria,

Mestraform.

Naquele tempo ninguém tomava experiência de nada, não! Hoje que a gente estamos

tomando experiência da vida da gente. Mas de pra trás não tomada conta da vida da gente, não!

Era uma vida aí jogada. Se deitava nesse sol quente ai... Às vezes nós passava a noite levando

chuva... Aí fazia fogo, o fogo aceso esquentava... Fazia aquele café, tomava... Chovendo e num

tinha nada... Uma dor de cabeça nós nunca sentimos... Nós nunca sentia! Num sentia esses

negócios de trombose, que hoje é o que dá muito... Negócio de câncer... Nós nunca sentia essas

doenças, não! Nós viemos sentir doença de uns tempo desse pra cá. Depois que nós damos assim

de morar, mas quando nós andava assim no mundo! Era sadia, era de tudo.

Hoje é que a gente tá com medo dessas doenças de câncer, doença de mama, negócio de

peito, de tudo, de períneo. Nós tem medo de tudo, eu mesmo tenho!

Aí pronto, deixei de ter família. Agora eu já sou uma mulher de 58 anos... Vivo muito

doente também... Tenho pressão alta, tenho colesterol alto, tudo eu sinto na minha vida. Eu não

quero mais falar não! Tá bom agora? Tá bom que eu tô meio esquecida das coisas.”

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Xandú

Fonte: Matta (2008)

Rita Pereira nasceu num local chamado Poço Monte, próximo a cidade do Uiraúna,

Paraíba, e é conhecida por Xandú. Casada com chefe Vicente, tem 76 anos, quinze filhos e nunca

sofreu um aborto. Escolheu a carta do Coração por ela ter ela mesma um coração limpo e puro.

Segundo Da Matta (2008), no baralho cigano essa carta tem um significado de felicidade, amor e

sorte; ajuda importante, harmonia e felicidade a dois.

A entrevista com Xandú foi realizada na sua residência, onde se encontravam também seu

esposo, o chefe Vicente e sua nora Suely. Ela estava de cócoras no chão, preparando um chá de

capim santo com erva-cidreira, num foguinho feito debaixo do terraço da casa. Xandú botou um

copo de chá para mim e outro para ela, e enquanto bebíamos eu preparava o gravador para

iniciarmos a nossa entrevista.

“Nunca conheci uma cigana passando dois, três dias sofrendo para descansar (...) Ela

acabava de descansar, trocava de roupa, montava e ia embora.”

“Home! Nós estamos com uns vinte anos ou mais que nós mora aqui. Meus meninos

nasceu quase tudo por aqui, do Rio Grande, da Paraíba. A Lilá nasceu em Pombal, Imaculada

Mulher de fé,

serena,

rainha dos ciganos.

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nasceu no Piancó, o Leo e o Toinho nasceu aqui em Sousa. A Santinha nasceu em Tenente

Ananias e Mirabor é do Rio Grande. Só tem mais distante o Jesus, que nasceu no Cariri do Ceará,

no Crato. E a Mimosa, que é de Itapipoca, no Ceará. Eles estão tudo vivo, graças a Deus!

Eu tinha quatorze anos quando fiquei grávida pela primeira vez. Eu gostava de dançar

muito, mas quando tava grávida não dançava porque era muito pesada. Pra trás no tempo as

roupas eram compridas, largas e bem feitas. Nós não gostava de roupa curta não! Só roupa

comprida... Hoje em dia é que as ciganas tão andando nua por ai... Muitas... Mas pra trás não!

Nós sabia quando tava grávida... Uma porque no nosso tempo nunca faltou a regra, aí

quando faltava nós já sabia que era o gravidez, e a mãe sente logo, conhece logo a causa do viver

da criança. O criado do menino homem vou lhe dizer, é na barriga mesmo, e uma menina mulher

é mais criada no pé da barriga da mãe, e o menino homem não é. Nós sabia que era homem ou

mulher porque com três mês de grávida, sendo menina mulher, ela já se remexia, se bulia, e o

menino homem só dava saber com seis mês, com cinco. Tinha deles com cinco dava saber. Nós

não sentia dor, não sentia nada, graças a Deus, não! Nós não sentia nada, por causa das nossas

orações que nós possuía!

Nunca conheci uma cigana passando dois, três dias sofrendo para descansar. Nós ia de

comboio. Aí a cigana adoecia no meio do caminho, ficava duas ou três mais aquela, ela acabava

de descansar, trocava de roupa, montava, e ia embora. Nós tinha criança e nunca precisamos de

maternidade, nem carecia doutor fazer nosso parto não... Graças a Deus!

Nós possuía uma oração muito boa, a Oração de Nossa Senhora do Bom Parto. (...) Nossa

Senhora do Monte Serrado, aqui, ó [mostra a oração no pescoço]. Eu ainda tenho uma aqui no

meu pescoço, que tanto servia para nós, como para qualquer outra mulher que nós botava... Eu

nunca decorei, mas botava no pescoço do lado direito, pronto! Não passava dois, três dias

sofrendo. Mas era por causa da força da nossa oração.

Era pra qualquer uma, num tem essa de servir só para cigana, não! Servia para toda

mulher que nós botasse no pescoço. Pode ser do primeiro, pode ser do segundo. Tem isso não!

Assim ela tivesse fé.

Nós chegamos foi num lugar... Uma mulher, a fia do dono da casa, tá com mais de cinco

dias que ela descansou e ainda não tinha ficado boa... Aí nós botemos o comboio no chão,

pedimos para não fazer zoada... Eu entrei pra dentro com a oração, botei no pescoço dela, com

poucos minutos ela acabou de ficar boa. Cadê que o pai dela queria mais entregar, nem queria

mais que nós saísse.

Eu digo: − O quê? Não!

A gente ficou lá... Nós era um pessoal muito sabido... Muito sabido demais e feliz!

Eu nunca adoeci pra descansar andando a cavalo não! Os meus parto foi tudo a gente

arranchado... Graças a Deus! Foi tudo direitinho, nunca sentia nada... Num custei a descansar...

Nós descansava num instante. Olha, nós descansava sentada, às vezes em cima das pedras... A

cigana véia cortava o umbigo da criança com uma faca, com uma tesoura, com o que achasse...

Fazia o resto do parto, nos dava banho, ficava boa, nos ajeitava pra nós montar e ir embora!

Nós descansava aqui nesse terreiro ali... Quando acabar, tinha uma lagoa d’água pra ali,

pegando fogo! Aí deixava a criança, enrolava direitinho, ia para lagoa, tomava banho, trocava de

roupa, pronto! Aí vinha trabalhar e fazer o que fosse preciso. Cigana nunca morreu de parto...

Num sentia nada, num sentia dor de mulher... Não sabe nem o que é isso... Graças a Deus, não!

Num sentia nada... Num tinha desmantelo de sangue, que tem mulher que dá hemorragia, num é?

Mas nunca tivemos não, Graças a Deus! Num sei nem como é essas dor! Graças a Deus! Nunca

tive.

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Não tomava nada, nada, nada... Tomava café, fumava (...) Nós comia tudo, num tinha isso

não! Era o que viesse... Nós comia peba, comia curimatã, comia peru, guiné, cascavel... Tô

dizendo! [risos] Podia botar tudo, tem esse negócio não! E pra ter mais leite nós comia anrom,

mais pecom e guim.

Nós num tinha resguardo, não! O resguardo era só enquanto acabava de descansar a

criança, quando criança nascesse, pronto! Não tinha mais resguardo, não. Uma particular

descansa, tampa os ouvidos, se deita numa cama, amarra a cabeça, não ouve zoada. Nós num

temos isso não! Nós descansava, dormia nos terreiros quente pegando fogo.

Eu tinha uma prima minha que ela descansou no meio dum caminho... E veio de pés com

a criança no braço puxando o burro que ela vinha montada. O pessoal do lugar quando viram

tudo se admiraram...

− Virgem Maria!

A cigana dizia: − Se acostume minha senhora, não tem nada, não!

Vieram tudo ver a criança, e ela... Parece que ela nunca tinha tido filho, na mesma hora

foi fazer comer, foi fazer café... Num sentiu nadinha, num sentiu nada, não! Nós era um pessoal

muito sadio.

No nascer tem muitas diferenças do menino homem para menina mulher... As dor são

diferentes, dores de mulher descansar é dor nas cadeiras, na barriga... A dor da menina fêmea é

mais a vagar, e a dor do menino homem é mais forçosa.

Eu tenho muitas saudades de quando andava pelo mundo... Era muito bom! Eu me

lembro muito... A vida cigana era muito boa, era uma vida sadia. Nós ganhava a vida lendo

mão... Lendo mão, sabe? Eu não sei lê mão, mas as outras lia... Eu só deitava carta, eu digo o

passado, o futuro e o presente... Eu também pedia nas casas, arrumando o que comer... Tomava

galinha, tomava feijão, arroz, café e açúcar... Pronto! Ali era uma festa... A vida de cigano era

essa, só pegava algum dinheiro quando trocava um animal... Era assim nossa vida.

Assim nós vivemos até agora e ainda vamos viver mais pra adiante... Mas depois que

deram pra morar, mais da metade dos ciganos, meu filho... Parece que perderam a fé de Deus...

Eu num perco não, eu só perco a fé de Deus quando eu morrer, (...) não posso perder a fé de

Deus, a minha fé é em Deus, é em Jesus.”

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Mãe Dona

Fonte: Matta (2008)

Maria Concebida da Conceição, 70 anos, conhecida por Mãe Dona, nasceu em Poço

Dantas, Paraíba, é casada, tem quinze filhos e já sofreu dois abortos. Escolheu a carta da Casa,

por lembrar-se do tempo em que pararam de andar e começaram a morar em casas. Segundo Da

Matta (2008), essa carta tem um significado de sucesso, estabilidade, equilíbrio, proteção, nova

fase no lar; é uma carta que irradia grande energia, uma das cartas que fazem combinações

favoráveis de tranqüilidade.

Enquanto eu gravava a entrevista com Xandú, Mãe Dona chegou para tomar chá e

permaneceu ao nosso lado. Concluída a gravação com Xandú, conversei com Mãe Dona, a fim de

marcamos também com ela uma entrevista. Ela concordou e disse que poderia inclusive ser

naquela hora mesmo, já que ia viajar e não poderia contribuir depois. Conversamos no terraço da

casa de Xandú, na beira do foguinho a lenha, com Mãe Dona sentada de cócoras.

“Nós tinha menino debaixo dos pau! Era ligeirinho, graças a Deus!”

Mulher ligeira,

decidida

e objetiva.

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“Tá com mais de 20 anos que nós vive aqui em Sousa. (...) Tá com muitos tempos! Só o

meu derradeiro filho, o Chatô, que eu tive em hospital, porque a cigana veia não tava mais nós,

viu? E não tinha outra que agisse. Aí eu tive que ir pra maternidade de Cajazeiras, mas o resto foi

tudo debaixo dos pés de pau!

Eu nunca bebi chá pra evitar, não! Meu chá era café... Eu tinha um filho, aí quando o

outro menino tava com dois anos, saia grávida de novo. Era de dois em dois anos, mas não era eu

quem empatava não! É que Deus queria assim.

Eu quando tava grávida dançava muito. (...) Era umas festas bonitas! Cada cigano com

violão, com cavaquinho, pandeiro, cantando, tocando e nós dançando.

Quando tava grávida de pouquinho eu sentia enjôo. Sabia mesmo que tava grávida, e

num ia a médico não!...

Eu tinha uns 18 anos quando tava grávida da minha primeira filha, a Maria Rosa, e dela

eu não tive enjôo. Aí quando sai grávida do meu filho homem mais velho, o Francisco Perílio, eu

soube que era homem porque era diferente... Da menina mulher eu não tive enjôo, e do menino

eu tive.

Era diferente também o criado do menino homem. Ele foi criado aqui na boca do meu

estômago, e das meninas mulher é criado assim, ô... Aqui nessas partes assim! [mostra a região

pélvica] Só sabia quando esse bucho crescia, aí elas ficava mais normal... Mas não ficava como

de menino homem, não... Do menino homem era só aqui nesse local, na boca do estômago!

Nós andava pelo mundo, e quando era pra descansar nós chegava aqui e se arranchava

nesse pau ali, ô... Nós sabia, por causa das dores! Ah! Era uma dor muito grande! Pegava logo

assim nas cadeiras e nas pernas quando era homem, e quando era mulher era só no pé da barriga!

A nossa assistente era a cigana véia China, mãe de Jesus e do compadre Antonio

Benedito. Ela tinha uma oração muito boa. (...) Agora a oração eu não sei como é! Era a oração

do Monte Serrado, que botava no pescoço, e se fosse pra descansar, as dor vexava, e se num fosse

as dor passava.

Nosso rancho era aqui, aí as ciganas saia assim para fora. Elas ia, cercavam assim de

pano, fazia uma cobertura de lençol, de lona, pra ninguém não ver. Aí entrava a cigana véia que

era assistente, mais duas ou três ciganas e lá dentro descansava.

Eu num instante descansava! Era assim sentada, assim de cócoras, como eu tô!

A cigana botava uma cangalha e forrava com um pano, aí ela sentava em cima da

cangalha e eu me sentava de cócoras com ela me pegando assim por detrás... Pronto! Eu tinha

filho num instante. Quando era homem nasce emborcado! E quando era mulher, vinha de papo

pra cima. A assistente cortava o umbigo da criança, dava banho, trocava de roupa, ajeitava a

mulher, depois que tinha menino, saia o resto e aí acabava o resguardo... Aí enterrava o resto nas

porteiras dos currais, longe dos ranchos. Era assim, pronto! Era isso, o resguardo tava acabado!

Aí ia pra beira do fogo, fazia café, comida e tudo... Depois que tinha o menino, todo comer eu

comia. Passava uns tempos comia galinha, comia o feijão, comia o arroz, comia rapadura...

Comia o que me desse! Só não comia preá, essas coisas que é carregado! Mas outra coisa, nós

botava pra dentro! Comia tudo! O que pegasse com a mão comia... Era!

Vou contar a história que houve acolá... Olha! Eu tive um menino, que nós andemos oito

léguas montada a cavalo, sofrendo pra descansar. Cheguemos adiante e tinha um cunhado meu cá

na frente. (...) Aí meu esposo disse pra minha irmã: − Você ajeite um cantinho aí, que Maria vem

sofrendo pra descansar. Quando eu cheguei, botei o burro no meio do terreiro duma casa assim...

E que eu desmontei do burro, pulei no chão, aí o menino já vinha nascendo. Aí eu me sentei com

um vestido comprido, me sentei assim de cócoras como eu tô aqui... O menino foi e nasceu.

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Nós não tinha os meninos em maternidade, não... Nós tinha menino debaixo dos pau! Não

sofria pra dizer assim, vai sofrer dois três dias, não! Era ligeirinho, graças a Deus!

Eu me lembro dos abortos que tive! Nesse tempo nós tava lá em Pau dos Ferros, no Rio

Grande do Norte... Eu tava com quatro mês, e nós tava bem na areia do rio arranchado. Aí eu tive

um medo muito grande! Quando foi de noite peguei sentir dor. A cigana véia, que era assistente

nossa, disse: − Mulher, tu vai abortar, não tem jeito não!

Eu fui mais ela assim... E abortei a criança.

Depois ela me trouxe pra cá pro rancho... Chegou, pegou a criança, ajeitou lá mais meu

esposo e enterrou. Quando foi bem cedinho tomei banho, troquei de roupa. Acabou-se o

resguardo!

O que é que você quer saber mais? Vou contar dela... Tá bom? Pode contar? Dela ali, ó,

de Xandú... Ela teve um cigano, o Mirabor! Você conhece Mirabor? Nós tava assim bem pertinho

do rio arranchado, ela sofrendo! Aí ela foi pro rio tomar um banho pra trocar de roupa, pra não

descansar do menino com a roupa suja, meio suja...

Quando ela chegou que se ensaboou e que saiu pra fora, teve o menino no berço das

águas... Nós puxemos ela com o menino assim, nas mãos assim... Ela na frente caminhando...

Era... Ela teve o filho ensaboada! Quando acabou de ter, voltou pra trás, tomou banho, trocou de

roupa e nós fomos pro rancho... Eu fiquei com Mirabor pegado assim nas mãos... Eu e minha

irmã Anita.

Era a mulher quem cuidava... Ela quem dava banho, curava o umbigo, trocava as fraldas,

fazia comida pra ela comer, e tudo. Curando o umbigo com barro de parede... Pisava o barro, bem

pisadinho, tirava aquela massinha... Aí botava um leitinho de peito na criança, ai num instante

sarava e pronto... Agora vou ali! [risos]”

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Andorinha

Fonte: Matta (2008)

Maria Deliciosa de Oliveira nasceu na cidade de Floresta, Pernambuco. Conhecida por

Andorinha, tem 43 anos, e há 28 não anda pelo mundo. Teve somente dois filhos no tempo do

nomadismo, e os outros quatro foram depois da fixação do grupo em Sousa. Relata nunca ter

sofrido um aborto. O encontro com Andorinha foi realizado no terraço de sua casa. Ela escolheu

a carta da Árvore, por lembrar-se de quando andava pelo mundo e tinha os filhos debaixo dos

paus. Segundo Da Matta (2008), no baralho cigano essa carta tem um significado relacionado à

saúde, à vida e ao amor, à proteção, solidez e estabilidade.

“Quando tava grávida fazia de tudo sem ajuda de ninguém, pegava peso, botava água,

botava lenha, dormia no chão e não sentia nada, nadinha.”

“Nesse tempo, cigano num sabia o que era esse negócio de festa de aniversário... Cigano

tá tendo essas oportunidade agora. Cigano só fazia sabe o quê? Casar na igreja e batizar o

menino... Só! Cigano não sabia nem ir tirar registro no cartório, até hoje tem cigano velho que

não tem registro e nenhum outro documento...

Mulher de olhar desconfiado

e sorriso prateado .

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Quando eu vou deitar a noite, eu rezo as orações que tem aí guardada pra Nossa Senhora

do Guadalupe e pra meu Padim Cícero, mas não sei decorado, só tem escrito nos papeizinhos, aí

rezo também o Pai nosso, e também faço promessa.

Quando eu andava pelo mundo eu sabia que tava grávida por causa da menstruação, pois

quando faltava a menstruação a gente já sabia que era gravidez. Nunca procurei um médico

quando tava grávida, pois eu era sadia, nunca tive problema de saúde, com gravidez, não! Era

uma pedra. Eu não sentia tontura, mijadeira, cuspideira, eu era sadia. Não usava chá, nem nada...

Agora tinha delas que enjoavam muito, né? Eu! Comia tudo, nunca enjoei muito... Só enjoei uma

vez, ovo e feijão.

Quando eu tava grávida fazia de tudo sem ajuda de ninguém, pegava peso, botava água,

botava lenha, dormia no chão e não sentia nada, nadinha. Eu tinha contato com meu marido

normal, normal...

Eu sentia que era menino homem, porque o criado é debaixo da costela, e da menina

mulher é na barriga mesmo... Já a menina mulher começa a se mexer na hora que ela começa a se

gerar, e o menino homem só vai se mexer de 90 dias pra frente.

Nós nunca tivemos perigo no parto, cigana tinha filho dentro dos matos, que nem cabra,

vaca, e não tinha perigo no parto não! A minha sogra Dona Rita, a Xandú, ela tem uma oração

que é herança de família e foi da sogra dela, que quando a mulher tá sofrendo pra descansar,

colocando ela no pescoço não tem perigo no parto.

Às vezes a gente chamava uma a parteira, mulher de fora, que não era cigana... Mas se

não tivesse parteira, as ciganas mesmo fazia. Fazia assim no mato, um barraquinho, uma

sombrinha, e dava a luz.

O meu filho, o mais velho, quando nasceu eu tinha 14 anos, eu tive no meio do caminho,

ali no caminho do Lastro pra Boa Esperança, sabe onde é? A gente ia de viajem da Boa

Esperança pro Lastro... Era meu primeiro e não tinha experiência, era uma besta... Aí eu comecei

a sofrer e a cigana disse que era pra dar a luz, pra ter filho.

Aí me levaram, fizeram um negócio lá, uns panos. As ciganas mesmo que pegava e não

tinha perigo de nada. Elas faziam massagem na minha barriga, uma segurava em mim assim

pelos braços, outra mulher ficava na cangalha sentada e me segurava no colo, as outras ficavam

na frente da gente e a parteira pra segurar a criança... Num instante nascia.

O primeiro filho a mulher não tem experiência de nada, mas depois já sabia que ia parir

por causa das dores, era umas dores fortes, agonizante, que a gente não suporta, só suporta

porque é o jeito... As dores de menino homem é aqui atrás nos quartos, ela dá e pára, depois vai

dá outra com uns 10, 20 minutos... Já a dor da menina mulher não! É aqui na frente, na barriga

mesmo, e é direto, uma em cima da outra.

A outra filha que eu tive nesse tempo foi em Pau dos Ferros, foi a menina, a Quitéria, a

mulher de Cosme ali, tu conhece? Já essa daí, a Rosana, nasceu aqui no pronto socorro...

Quando nós andava e depois que o menino saia, pegava, botava o umbigo em cima de

uma pedra e dava assim com a outra, cortava o umbigo com a pedra... Aí amarrava, depois a

gente ficava colocando cuspe de fumo no umbigo até murchar, murchava e caia... Quando caia a

gente pegava barro de parede pisava, serenava, botava leite do peito no barro, fazia uma papinha

e botava no umbigo, e sarava... Depois a gente pegava o umbigo murchinho, botava numa

coisinha, num frasquinho, ou amarrava num paninho e guardava um bocado de tempo.

Na mesma hora que a gente acabava de dar a luz, terminava de desocupar, se levantava,

tomava banho e ia pro rancho. Casa? Não! Pro rancho, e já ia trabalhar, ia pra beira do fogo fazer

comida... E se quisesse carregar e sair, botava o menino nos braços, montava nos animais, e na

mesma hora saia e ia embora.

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As ciganas cavava um buraco no chão, em qualquer canto, e enterrava o resto do parto.

Enquanto eu tivesse dando de mamar eu não saia grávida. Nunca fiz nada, nadinha, só

dava de mamar, e era dois anos de um pro outro... Aí é o que tenho pra dizer da vida de cigana”

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Anita

Fonte: Matta (2008)

Nascida no Ceará, Anita Torquato da Silva tem 82 anos e não possui nenhum apelido, fato

pouco comum entre os ciganos. Teve doze filhos e dois abortos. Fui levado até Anita por sua

irmã, Mãe Dona. Era um final de tarde, e a encontramos acendendo o foguinho na porta de sua

casa. Perguntei quando poderia voltar para gravar a entrevista, e ela respondeu que poderia ser

naquele instante, ali mesmo. Ficamos na frente da sua casa, próximo ao foguinho. Ela colocou

uma cadeira para mim e ficou de cócoras ao meu lado. Mãe Dona e vários outros ciganos, ciganas

e crianças aproximaram-se da gente. Sob o olhar atento da platéia, Anita narrou sua história com

alegria e entusiasmo.

Ela escolheu a carta da Cegonha, por lembrar-se da paz. Segundo Da Matta (2008), no

baralho cigano essa carta tem um significado de novidades, proteção, imprevistos, trocas,

mudanças, fertilidade, promoções e recompensa.

Mulher decidida,

esperta e

astuta.

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“Era uma gravidez livre, sadia... Pra descansar me entregava a Deus e a Nossa Senhora,

com a fé que eu tenho em Jesus, com cinco minutos tava desocupada...”

“Quando eu saia grávida, não sentia negócio de entojo, disso e daquilo, nem certas coisas

não! Doença eu nunca senti. Dor nas pernas, mijadeira, não! Era uma gravidez livre, bem sadia...

Eu era limpa! Num tô dizendo!

Quando era pra dormir eu fazia minha cama e me deitava normal! Dormia normalzinha...

Não sentia abuso, nem nada! Eu tinha contato com meu marido, tudo normal! No dia-a-dia do

rancho eu fazia toda coisa, fazia comer, fazia café, batia pano, engomava, costurava, fazia tudo...

Nunca senti nada não! Fazia tudo... Eu nunca dancei não, num vou mentir! Eu grávida andava

montava num burro “brabo” [risos], e não tinha nada.

A alimentação da calin dipê era arroz, era carne, era feijão, era o que eu visse, eu comia, e

nunca sentia nada não! Até pato eu comi de resguardo, nunca senti nem dor de cabeça! Pra lhe

contar melhor.

Quando eu tava grávida eu saia pra pedir, saía e rodava o mudo inteiro! Eu não sei lê mão

e nem botar carta, não! Eu só fazia pedir e rezar... Eu pegava uma besta e dizia:

− Eu vou fazer ele casar com você!

Dava a oração escrita no papel ou eu rezava a oração do corpo de Deus com um ramo no

corpo dela... E ela acreditava.

A oração do corpo de Deus é assim: “Deus quer, Deus pode, Deus alcança tudo o que

quer, e eu alcanço a minha saúde por Jesus de Nazaré...” Eu sou pegada é com Jesus, não é com o

Cão, nem o Satanás!

Quando acabava elas me davam comer: feijão, arroz, café, açúcar, o que eu pedisse elas

me davam... “Canga” de galinha!... Era isso [risos], ou 10, 15 contos... Pronto! [risos], não posso

[risos] não me lembro mais não! Já sou muito velha, com 82 anos.

Eu sabia que tava grávida porque não regulava os meus tempo... Eu tenho saber! Eu não

sou doida! Eu sabia que era homem, porque eu enjoava uma comida e daquela comida eu num

comia, e das mulher eu num sentia nada... Era limpa, só sentia dos homem.

Os meus filhos homem só se mexia com seis meses e as mulher com quatro... Eu ficava de

papo pra riba e pegava ela no pé da minha barriga, compreende? E os meu filho macho era como

um calanguinho, era do lado direito, meus filho homem só era criado do lado direito.

Eu não tomava chá, nem pra evitar menino, nem pra nada! Ave Maria! Frei Damião

reclamava, ele dizia pra ninguém beber remédio pra abortar criança não! Sou doida não!

Os abortos aconteceu eu estava um com dois meses e o outro com três, foi por causa de

um desejo, de um comer que eu não comi! Era carne de bode, eu num como! Os ciganos queria

que eu comesse, peguei num comi, só pra botar no mato, pra derrotar... Botei no mato! Mas não

comi!

Pelas minhas experiências de dois em dois anos eu tinha um menino, era! Quando passava

dois anos eu já tava grávida de novo, era as minhas experiências... Era minha experiência!

Lembro que eu tive o primeiro filho, foi em Lavras da Mangabeira... É João, aquele que tá

ali [aponta], o Eládio... Os outros, eu tive um na Jurema, perto do Baixio. O marido dessa cigana,

e o outro eu tive, [pensativa] onde foi que Claudinho nasceu? [pausa] Ah! O outro eu tive num

sítio que se chamava Logradouro.

Nunca fui pra hospital pra descansar, nem nunca precisei de assistente, quer dizer, não

tinha parteira. Era as ciganas mesmo que fazia... “Ás tá!”, sabe como é que sabia que era ia parir?

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É que vexava as dores, aí eu me entregava a Deus e a Nossa Senhora, chamava a Beata, ela

chamava umas mulher casada e vinha. Aí nós ia assim, pra um canto, escondido, para os homem

e nem as moças não vê descansar.

Pra descansar tinha a oração de Nossa Senhora do Monte Serrado! Era essa... Eu pegava

no rosário e dizia: “Com Deus me deito, com Deus me levanto, com a companhia de Deus eu tô

segura” Era o que eu dizia...

Chegava eu caía doente, e quando era com 5 minuto estava desocupada. Também só

sentia mesmo a dor de ter! Com a fé que eu tenho em Jesus... Eu vou fazer a posição que a

mulher faz pra ter dor e poder o menino nascer, era assim sentada como eu tô, de cócoras. Aí

depois que desocupa, fazia uma caminha e me deitava ali, ficava aquele minutinho, me levantava,

saia e ia embora, pra beira do fogo no sol quente. Às vezes com os pé no chão. Me botava de

cócoras assim, sentava de todo jeito e ia fazer comer para eu comer e fazer café pra eu beber...

Nunca senti nada não. Nem essas dor que a mulher tem! Num vou mentir. Eu sou de Deus, não

sou do Cão não! Só quero tudo com Deus...

De manhã eu já ia pro rio, tomava banho, lavava roupa... E aí ficava como quem nunca

tinha tido um filho, fazia tudo! Nunca senti uma dor de cabeça... Porque a fé eu tinha era em

Deus! Não era ninguém da terra não!

Pra mim nunca houve isso de ter meninos quando tava andando de comboio... Agora teve

outras ciganas que ia montada nos animais, sentia doente, pulava do cavalo pro chão, ia pra

dentro dos matos com os panos e com cinco minutos elas descansava, perante a Deus! Quando

acabava, já tinha uma cigana com aquela tesoura pronta, elas pegava um cordãozinho, amarrava

assim o umbigo e cortava com a tesoura... Se fosse homem amarrava assim três dedos e pra

mulher era dois, ficava bem direitinho. E se criava no meio do sol, no campo. Acabava, dava

banho na hora que nascia, vestia uma roupinha, enrolava num pano... O resto elas enterrava nos

matos, fora do rancho... Montava no animal e as outras botava o menino na perna dela e ia

embora, nem se lembrava que tinha tido o menino! Não tinha dor de cabeça, num tinha nada...

Era sadia como uma pedra... Isso porque era no tempo da mocidade... Hoje! Se for fazer isso

morre!

E pra curar o umbigo era assim, antes de cair eu botava cuspe de fumo e quando caia eu

botava barro de parede... Esses barro de parede... Puxava o barro, quando acabasse peneirava e

botava leite de peito, botava uma coisinha do barro e botava uma tacazinha... Pronto! Com três

dias estava sarado... O que eu me lembrar eu digo, viu!

Eu só me lembro disso... Não tenho mais lembrança não... Minha cabeça não dá pra eu

lembrar nada, sou muito velha, tenho 82 anos, 82 anos não é como 51 anos e nem 40 não!

Tenho saudade desse tempo... Quem é que não tem saudade da sua mocidade? Eu tenho...

Só não tem lembrança da mocidade quem tem outra reminiscência... A reminiscência de saber

que o que passou do novo não é como a do velho, da minha idade não! Não vou mentir, não

posso dizer o que eu não lembro, só posso falar para o senhor a verdade.”

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Terezinha

Fonte: Matta (2008)

Alda Nogueira Marques, a Terezinha, mora na comunidade do chefe Vicente, e há mais de

20 anos parou de vagar pelo mundo. Teve cinco filhos e nunca sofreu um aborto. Terezinha

escolheu a carta do Barco, por lembrá-la de suas viagens. Segundo Da Matta (2008), no baralho

cigano essa carta tem o significado de mudanças significativas, bons negócios, processo de

desenvolvimento, relacionamentos comerciais e ganhos financeiros vindos de locais distantes ou

viagens longas. Nosso encontro foi realizado na porta da sua casa, onde ficamos sentados.

“Eu grávida fazia tudo, andava pelas casas pedindo, (...) e quando chegava ia buscar

água, buscar lenha, fazia comer, fazia o café...”

“Nossa vida pra trás, quando andava pelo mundo, era melhor.Nós era umas pessoas sadia

e felizes. Hoje nós não somos mais, hoje todo mundo é doente... Não tem mais um cigano pra

você dizer que tem saúde... Nós dormia no chão quente e no sereno, levava chuva, levava sol... E

era sadio... Tinha muita saúde... Hoje em dia não tem mais isso!

Nós chegava assim num terreiro, montava os ranchos... Pra dormir nós armava um lençol,

aí se deitava... Às vezes, passava uns lençol e você deitava o menino pequeno por um lado,

Mulher séria,

Atenciosa

e gentil.

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quando você virava para o outro, um lado tava frio e o outro quente, do sereno e da quentura do

chão! E a mulher grávida também, e nunca adoeceram... Graças a Deus!

Minha vida quando eu tava grávida era muito boa... O ruim era porque eu entojava muito,

aí eu passava os nove mês todo sofrendo com entojo, com cuspideira e vomitando... Quando

enjoava eu comia uma fruta azeda, ou manga verde... Comida de panela era difícil eu comer, era

raro! Eu num podia comer nada. Só feijão puro com sal! Aí depois de nove mês era que eu ia

melhorar, minha vida era assim...

Desse meu derradeiro menino, o Maninho, eu quase morro! Nesse tempo nós tava no

Uiraúna... Aí eu vim pra aqui, pra Sousa, aí Dr. Augusto passou um remédio e disse:

− Num acaba não! Mas para...

Eu fiquei tomando, tomando... Do Maninho foi o que eu menos enjoei, por causa do

remédio! Mas dos outros eu tive entojo durante os nove mês... Eu procurava médico, eles dava

remédio, mas não servia...

Isso foi o que eu achei de ruim na gravidez. Mas por outro lado achei muito bom... Dou

graças a Deus de ter tido os meu cinco filhos. E não tive nenhum aborto.

Eu nunca tive desejo não... Negócio de desejo é mentira! Às vezes quando agente ia pedir

e que tava grávida ou tinha uma grávida no grupo, uma coisa assim, a gente dizia:

− Home, me dê! A mulher tá grávida, tá desejando!

Às vezes o povo com medo dava...

Eu fumava, e era muito, ainda hoje eu fumo! E bebo muito café... Minha comida é mais

café e fumo! É a minha comida...

Ah! Eu sabia que tava grávida, pois quando faltava minha menstruação eu já sabia que era

gravidez... Só que eu era custosa de um filho pra outro, eu passava 4 anos e 9 mês... Eu não fazia

nada pra demorar vir os meninos! E eu tinha contato com meu marido normal... E não

engravidava. É por que Deus queria mesmo... Nunca evitei... Nem nunca botei no mato, nem

nunca tomei remédio... Graças a Deus eu num tive esse pecado!

Meu dia-a-dia era bom... Eu Andava a cavalo, com o bizaco no jumento... A gente não

temos veia quebrada... Você já viu cigana com veia quebrada? A cigana que tiver veia quebrada,

ela não é cigana... Pode procurar que ela é de outra parte... Não é cigana legítima não.

Eu grávida fazia tudo, andava pelas casas pedindo, às vezes com outra criança mais

pequena no braço... E quando chegava ia buscar água, buscar lenha, fazia comer, fazia o café...

Era assim, eu fazia tudo quando tava grávida... Era quando eu era sadia!

Eu não sei lê mão... Fazia só pedir... Eu dizia:

− Me dê uma ajuda pra eu dar de comer aos meus filhos que tá com fome!

Eu sabia que era homem ou mulher... Porque menino homem se virava de cinco mês pra

lá, e a menina mulher, não, com três mês você já sabe que é mulher... E também porque o entojo

do menino homem é diferente do entojo da menina mulher.

Eu conhecia também pelo criado. A menina mulher é uma bolinha e o menino homem é

como que é um nervinho... Ele salta na barriga, você pega por um lado, ele corre pro outro, pega

do outro, ele corre pro outro... É assim o menino homem.

A calin dipê comia tudo. Nós só não comia o que não gostava de comer, que era cumatã e

peba, é porque nós não gosta mesmo! Mas outra comida, comia tudo...

Nós tomava muito chá, de capim santo, da flor do Mussambê... A gente tomava pra gripe,

para febre, para inflamação... Nós tomava pra tudo! Tinha também o fedegoso, um matinho,

chamado de crista de galo, que é pra limpar.

A minha primeira filha foi a Lilia, eu tive em Piancó... O outro, depois da mais velha, eu

tive em Alexandria... Que foi o Maninho... Depois eu tive a Lusimar, no Lastro, aqui perto de

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Sousa... Depois eu tive o Netinho em Pau dos Ferros, no Rio Grande... E por último tive a Edite,

aqui na Várzea das Almas, que é a mais nova, tem 20 anos.

Da primeira criança eu tive muito medo, da Lilia, eu quase morro... Porque nesse tempo

eu não sabia ainda como era, eu só tinha 18 anos quando tive ela... Nós estávamos arranchado

perto de Itaporanga, numa cidadezinha que tem, chamada Boqueirão... Aí minha mãe me tirou

numa ambulância de Boqueirão para Conceição de Piancó... Lá o médico quis me operar e a

minha mãe não deixou. Minha mãe tinha levado a oração da minha avó e botou no meu pescoço,

quando a oração tocou no meu pescoço eu tive a menina. Aí nós viemos embora! Pronto! Essa

oração de Nossa Senhora do Bom Parto é a mãe dos nossos cigano quase todos... Se tiver uma ou

duas que a oração não seja a mãe... É raro! Ela é a mãe de todos os nossos ciganos! Essa oração

era da minha avó que já morreu. O nome dela era Benigna Rosa Alves, mas chamava de Mãe

Tereza... Ainda tem essa oração! Eu não sei se a oração tá na mão da Mãe Dona ou se tá na mão

de tia Xandú!

Na hora que tava sofrendo pra descansar botava a oração no pescoço e com cinco, seis

dores nós tinha aquela criança. Quando terminava de ter a criança, nós tirava a oração e ficava

pegada na mão. Que se não tirasse a oração ficava ocupada por muito tempo, e a oração era só

pra desocupar a mulher.

Quando a gente tava perto de descansar a gente sentia muita dor... Sentia aquela coisa

ruim na gente... Pra você ter um filho é uma coisa mais ruim do mundo, olhe! É a dor da morte!

Tanto faz a dor da morte como ter um filho normal! É a mesma coisa.

É aquela dor matando, matando mesmo! Dor grande! Da menina mulher eu sentia no pé

da barriga e do menino homem era nas cadeiras, nos quartos atrás.

Aí chamava as mais velhas. Elas já sabia e levava pra um canto... E ia duas, três ciganas e

aquela mais velha... Uma mulher sentava na cangalha e botava a que tava sofrendo assim no

joelho, a parteira ficava de frente, de cócoras pra pegar o menino ou a menina, e as outras duas

ficava na frente para segurar a mulher. E quando a gente tinha aquela menina, aquele menino, ali

mesmo, elas marcavam três dedos e cortavam o umbigo. Depois que desocupava elas pegava o

resto que ficou ali, cavava um buraco no chão e enterrava! Trazia a mulher e a criança para o

rancho, pronto! Ali ia tomar banho, dava banho na criança, ia comer, ia pedir. [pausa] Era assim a

nossa vida!

Todos os meus partos eu estava arranchada... Nunca tive filho caminhando não, agora,

minha tia e minha irmã tiveram... A minha irmã, mãe do Frei Fernando, foi assim... Nós íamos de

comboio, ela começou a sofrer, as cigana pegaram e botaram ela pra dentro de um curral de boi,

aqui perto de Jatobá de Piranhas... Ela descansou, quando terminou de descansar, as cigana

tiraram ela, enrolaram a menina nos panos, ela montou no burro e nós saímos.

Nós tinha o filho hoje, na mesma hora ia caminhar... Ia pedir... É assim: nós não temos

resguardo. O resguardo é durante o mês, mas só nos homem mesmo... Pra não ter relação sexual

com os homem depois que tinha a criança. Quando completava um mês era que a gente tinha

relação com os homem... Toda cigana era assim.

Eu dei de mamar aos meus filhos até grande, até quatro anos! Só criava nos peito, só ia

dar de comer quando tava com dois anos, dois anos e meio... E mesmo se tivesse grávida eu dava

de mamar ao outro... Eu dava, era assim!

Ah! As festas dos grupo cigano pra trás era muito feliz, dava gosto de você ver. Era muita

comida e muita alegria. Era o violão e o povo tudo dançando e cantando, homem, menino e

mulher... As cigana com aqueles vestido bem comprido, bem enfeitado, cheio de fita, tudo

perfumado... As camisa dos homens era da mesma cor do vestido da mulher... Em cada rancho

tinha aquela festa... Um ia para rancho do outro e os outro vinham para nosso rancho... Você via

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cigano de um rancho, no rancho do outro... Era muito bonito, tudo alegre, dançando, cantando,

servindo, comendo... Não tinha cachaça, não tinha briga, era só alegria pra nós, só alegria!

Pra trás era muito unida nossa classe cigana... Hoje! Não tem mais a união que tinha no

meio dos ciganos não... Hoje mesmo, não tem mais cigano não! Acabou-se esse negócio de

cigano.

Depois que tá tudo morando não tem mais cigano, acabou a união de cigano... Foi só

morar pra acabar a união do cigano!

Quando nós andava pelo mundo nós era um povo de Deus, tudo protegido por Deus, sim,

que Deus ainda olha por nós... Mas quando nós andava pelo mundo era diferente, nós era tudo

sadio, tudo feliz, tudo unido... Não era assim como nós somos hoje não... Hoje nós não somos

mais cigano não, apenas somos uns peregrinos.

No nosso dia-a-dia não falava a língua cigana... Hoje nem isso tem mais, todo mundo hoje

tá sabendo da nossa origem... A nossa origem é do Egito, era pra ser só nossa, foi dada por Deus

e não era pra ninguém saber. Mas tem muito cigano que já deram nossa origem a todo mundo...

Sem ser cigano!

Quando nós andava pelo mundo nós era feliz e tinha a vida muito boa...

Não tá bom agora...”

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5 Resgatando as práticas de cuidado

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A partir da história oral das ciganas Calins, acerca da vivência no processo de gestação,

parto e nascimento no tempo do nomadismo, buscou-se realizar um diálogo guiado pelo tom vital

de cada narrativa, de maneira articulada com a literatura pertinente.

5.1 O ritual do cuidado durante a gestação.

O momento da gestação na cultura cigana calon acontece em meio um ritual de cuidados

que encerra se com o momento do parto e nascimento. Os cuidados realizados nesse período são

reproduções do cuidado aprendido com suas mães e avós a partir de suas experiências.

Analisando as falas das colaboradoras é possível perceber que a experiência das mulheres

ciganas relacionadas ao cuidado durante a vivência da gestação, parto e nascimento se

desenvolve com base em um saber milenar que se constrói por meio da oralidade de geração a

geração na cultura cigana. De acordo com Collière (2003) o saber empírico nasce das

experiências vividas, que de alguma forma consagram-se, e são transmitidos pela tradição oral a

qual é móvel, dinamicamente flexível e diversificada em função das modificações trazidas pelas

experiências ao longo do tempo. Os seguintes relatos das ciganas confirmam o repasse da

experiências vivenciadas.

“(...)Quando eu saia grávida eu sabia se era homem ou mulher. Por uma

experiência que aprendi com minha tia Karolinda quando saí grávida do meu

primeiro menino” (Lilá)

“(...) só existia uma oração no mundo, ela era de uma cigana velha, antiga ... ela

era minha comadre, madrinha desse Cúla” ( Jôre)

As experiências do ritual de cuidados exercido pelas mulheres na gestação, parto e

nascimento, as maneiras como elas encaravam esses momentos e as práticas realizadas em cada

um desses momentos demonstra certas peculiaridades, diferenciando o jeito de ser do povo

cigano, de outras culturas. As ciganas fazem o comparativo de suas práticas com a de culturas

diferente das deles.

“(...) Uma particular descansa... tampa os ouvidos, se deita numa cama,

amarra a cabeça, não ouve zoada. Nós num temos isso não! Nós

descansava, dormia nos terreiros quente pegando fogo” (Xandú)

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(...) É diferente do povo de vocês... Das mulheres de vocês pra nós. Porque esses

são um povo que é dentro de casa ... Tem toda cautela... com medo de uma

doença, com medo de morrer ... e cigano num tem... Cigano descansa em cima

de uma cobra se for possível... num tem medo não! (Jôre)

As mulheres ciganas identificam-se como pessoas desbravadoras, sem medo do

desconhecido, são livres. Diferentemente das mulheres não ciganas que, na visão delas, são

teimosas.

O período da gestação das ciganas era encarado como um momento natural do ciclo

biológico dos seres vivos, que não afetava os afazeres do cotidiano do nomadismo, como as

viagens a pé ou no lombo dos animais e a montagem dos ranchos. Durante a gravidez ... nós

montava nos animais e andava pelo mundo... A vida era chegar, pegar peso, botar lenha, botar

água, lavar roupa, fazer tudo...(Dolores)

Ainda hoje alguns grupos ciganos vivem nesse estilo de vida nômade num movimento

constante de arrumar os acampamentos, preparar os comboios e andar pelo mundo afora. Mas

historicamente os ciganos foram muitos perseguidos e por muitas vezes eram proibidos de manter

-se fixados em uma localidade, isso determinava que o grupo possuísse somente o que lhe fosse

necessário para o dia- a- dia. Uma vida de correria o que tornou-se um ritmo natural em que

proporcionou uma adaptação por parte das mulheres ciganas no período da gestação, levando-as a

se acostumarem com esse estilo de vida. E nem mesmo os episódios típicos da gestação como

enjôo, náuseas, sialorréia, aumento da freqüência urinária e aumento de peso não impediam o

ritmo próprio da rotina de sua vida. Eram entendidos como parte do processo fisiológico. Para as

autoras Espírito Santo, Santos e Moretto (2005) O organismo materno sofre alterações hormonais

e metabólicas gerando sinais e sintomas gastrointestinais como náuseas, vômitos, alterações do

apetite, aversões e desejos. A associação de situações emocionais potencializam esses sinais e

sintomas acentuando-os ou os estendendo por um longo período causando uma rejeição à

gravidez.

A gestação é um fenômeno fisiológico em que na maioria dos casos sua evolução não

apresenta variações ou anormalidades, mas que podem ocorrer complicações (BRASIL, 2001).

Mesmo a gestação sendo vista como um processo natural, não há isenção de riscos para mãe ou

para o feto, já que em algumas mulheres esses riscos estão muito aumentados (BRASIL, 2000).

Nas falas das colaboradoras podemos perceber como as ciganas encaravam o período da

gestação.

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“Nas viagens, nós montava nos animais e saia pegada com dois, três filhos... Eu

mesmo grávida andava com dois, três meninos no colo, botava um de lado e o

outro do outro... Num tinha nada... Nunca procuremos médico não! Nós se

lembrava disso não!Dançava, brincava... Pegava peso, nós fazia tudo.” (Lilá)

“Mulher cigana quando sai grávida era como um bicho bruto, entende?...parecia

que nem tava grávida, só lembrava de gravidez quando chegava a hora pra

descansar (...) Toda mulher saiu grávida tem que urinar demais e ficar com

cuspideira, è porque muitas tem entojo, né?Num liga aquilo e come aquela

comida que ela entojar. E outra coitada entoja tudo...”(Jôre)

“Eu quando tava grávida de pouquinho sentia enjôo. Sabia mesmo que tava

grávida e num ia a médico não! ( Mãe Dona)

A partir dos depoimentos de algumas mulheres observamos que o enjôo era visto com um

problema causando sofrimento durante o período gestacional. Primeiramente elas utilizavam as

medidas paliativas do saber popular os alimentos de sabor azedo ou cítricos como por exemplo a

manga verde ou limão para diminuição de tais sintomas, embora que algumas tivessem a

oportunidade de acesso a serviços de saúde e utilizarem o uso da medicina para consultas, ou

buscavam atendimento nas farmácias.

“(...) Desse meu derradeiro eu passei os nove mês sem puder comer, nem água

eu bebia. Eu chorava para beber água, não podia beber, se bebesse botava pra

fora. ” (Dolores)

“Quando eu sentia que eu tava grávida, eu sentia entojo... nem água eu

não tomava. Tinha uma cuspideira maior do mundo, num sei... eu acho

que o meu era por causa do entojo, e a mijadeira era no meio da gravidez

até quando tinha aquela criança...Nunca procuremos médico

não...nunca!nós num se lembrava disso não...(Lilá)

“(...)eu entojava muito, passava os nove mês todo sofrendo com entojo,

com cuspideira e vomitando... Quando enjoava eu comia uma fruta azeda,

ou manga verde... comida de panela era difícil eu comer...era raro! eu

num podia comer nada. Só feijão puro com sal! aí depois de nove mês era

que eu ia melhorar...minha vida era assim.” (Terezinha)

“(...) pra melhorar o enjôo não tinha nenhum remédio, era só chupar

limão ou descascava uma manga verde e comia pra passar...” (Dolores)

Durante toda gestação podem ocorrer complicações, tornando uma gestação normal em

gestação de alto risco. Na realidade brasileira as diferenças socioeconômicas e culturais são bem

evidentes, e os fatores que geram riscos podem ser agrupados em quatro grandes grupos:

Características individuais e condições sociodemográficas desfavoráveis; História reprodutiva

anterior; Doença obstétrica na gravidez atual; Intercorrências clínicas (BRASIL, 2001).

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A realidade vivenciada pelos ciganos quando andavam pelos estados nordestinos

partilhavam aspectos semelhantes, e que as ciganas gestantes vivenciavam nessas condições

bastante vulneráveis e susceptíveis a terem complicações, e que enquadra-se nas situações

classificadas pelo Ministério da Saúde, como idade menor que 17 anos e maior que 35 anos;

Ocupação: esforço físico, carga horária, exposição a agentes físicos, químicos e biológicos e

estresse; Situação conjugal insegura; Baixa escolaridade.

Através da falas das ciganas podemos perceber a propensão a tais fatores, por exemplo a

idade na primeira gestação que muitas vezes ocorria a partir dos 14 anos, sendo isso uma das

tradições do povo em que o casamento ocorria muito cedo.

Segundo Fernandes (2001) os ciganos de Portugal, que na grande maioria são gitanos a

moça aos treze anos já está preparada para procriação e o rapaz aos quatorze anos já pode se

transformar num homem. E de acordo a literatura os ciganos de Sousa tem suas origens em

Portugal e Espanha, o que possivelmente trazem na tradições esses mesmos costumes. Como

descrevem as depoentes.

“Quando me casei eu tinha 16 anos e meu marido tinha 20 anos”. (Lilá)

“O meu filho, o mais velho, quando nasceu eu tinha 14 anos, eu tive no meio do

caminho, ali no caminho do Lastro pra Boa Esperança, sabe onde

é?”(Andorinha)

“(...) Eu tinha quatorze anos quando fiquei grávida pela primeira vez.”(Xandú)

O esforço físico desempenhado pelas mulheres cigana para desenvolver as atribuições

diárias no rancho compreendia a preparação dos alimentos e para isso usavam o fogo a lenha e

os cuidados com roupa da família, além da responsabilidade em adquirir recursos financeiros ou

alimentos através da mendicância, cartomancia ou fazendo orações em troca de dinheiro.

Segundo os autoras Espírito Santo e Moretto (2005) durante o primeiro trimestre de

gravidez é aconselhável que as atividades físicas sejam realizada moderadamente da mesma

forma que ocorria antes da gestação, no entanto deve-se evitar as atividades que levam a gestante

à fadiga ou exaustão pois podem comprometer a oxigenação fetal. De acordo com a cultura da

mulher cigana durante o período da gestação todos os afazeres da rotina do grupo eram realizados

mesmo os que exigisse um maior esforço físico.

“ (...) Quando eu tava grávida fazia de tudo sem ajuda de ninguém, pegava peso,

botava água, botava lenha, dormia no chão e não sentia nada, nadinha(...)”

(Andorinha)

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“(...) Eu grávida fazia tudo, todo serviço ... andava pelas casas pedindo e

quando chegava ia buscar água, buscar lenha, fazia comer, fazia o café...

Era assim... As vezes com outra criança mais pequena no braço... Eu fazia

tudo quando tava grávida... era quando eu era sadia!” (Terezinha)

“(...) no dia-a-dia do rancho eu fazia toda coisa...fazia comer, fazia café,

batia pano, engomava, costurava... fazia tudo...nunca senti nada não! fazia

tudo(...) Eu grávida andava montava num burro “brabo”[risos]...e não

tinha nada.” (Anita)

“ O nosso dia a dia, mesmo quando tava grávida, era botar um saco nas

costas e ganhar as casas pedindo e lendo mão...Saía arranjava uma mulher

pra rezar nela e as vezes ela dizia: − meu marido bebe, eu quero uma

oração para ele deixar de beber...agente escrevia e dava pra ela a oração

de São Marcos, que é pra amansar as pessoas e pra ela vencer as coisas, aí

ela pegava, dava uma galinha,dava feijão, era assim...”(Dolores)

Muitas vezes a gestação era motivo de um ganho secundário pois era mais fácil

sensibilizar os jurons já que esse é um momento visto como sagrado. Como Terezinha fala

“(...)as vezes quando agente ia pedir e que tava grávida ou tinha uma grávida no grupo, uma

coisa assim, agente dizia: − Home me dê! A mulher tá grávida, tá desejando! As vezes o povo

com medo dava ...”

“Quando eu tava grávida eu saia pra pedir... saia e rodava o mudo inteiro!

Eu só fazia pedir e rezar... Eu pegava uma besta e dizia: − Eu vou fazer

ele casar com você!Dava a oração escrita no papel ou eu rezava a oração

do Corpo de Deus com um ramo no corpo dela... e ela acreditava (...)

Quando acabava elas me davam comer, feijão, arroz, café, açúcar, o que

eu pedisse elas me davam... [risos] ou 10,15 contos... [risos]”(Anita)

A alimentação da calin dipê, ou seja da cigana grávida, era de acordo com o que fosse

adquirido por meio da mendicância, prática também realizada pelas mulheres grávidas, e não

havia restrições de alimentos por causa da gestação. O uso de fumo e café são costumes comuns

entres os ciganos.

De acordo com o relato das mulheres durante a gestação era mantido o ato sexual com

seus respectivos maridos. Para Espírito Santo, Santos e Morette (2005) a imagem corporal da

mulher, principalmente no terceiro semestre sofre mudanças em virtude do aumento do abdome

relacionado ao crescimento do bebê levando o útero a sair da cavidade pélvica. Essas alterações

podem trazer repercussões na relação do casal em que alguns homens podem reagir sentindo-se

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atraídos ou não por sua companheira a medida que a barriga cresce e para algumas mulheres essa

reação também é perceptível tendendo a achar-se mais bonitas ou não.

Na população em geral existem crendices errôneas em torno da relação sexual durante a

gestação, principalmente durante a primeira gestação. Tanto os homens como mulheres se

preocupam com a realização do ato sexual por medo de trazer danos a saúde do feto, mas esses

mitos devem ser desmitificados pois o feto está muito bem protegido no útero (FLORES e

AMORIM, 2007). Mesmo assim na cultura cigana quando a mulher saia grávida ... Num tinha

contato com o marido, não! Num tinha nada! (Jôre).

O saber empírico representado pela sabedoria do povo cigano em que as mulheres a partir

de suas experiências de gestação anteriores e associadas ao saber das outras mulheres do grupo

que também vivenciaram esse momento, afirmam que sabem distinguir o sexo da criança através

do “criado” na barriga e do início dos movimentos da criança no ventre.

Na literatura não identificamos essa relação do sexo da criança com a posição da criança

na barriga da mãe. De acordo com Espírito Santo e Moretto (2005) a partir do segundo trimestre

da gestação é possível realizar a palpação através das manobras de Leopold - Zweifel para

identificar a situação, ou seja a relação entre o eixo longitudinal do feto e o eixo longitudinal

materno, e apresentação que refere se a que parte do corpo do feto está mais abaixo na pelve

materna.

“(...) O menino homem é criado quase debaixo da costela da gente, e a

menina mulher é atravessada no pé da barriga.”(Jôre)

“(...) com três mês de grávida sendo a menina mulher ela já se remexia,

se bulia, e o menino homem só dava saber com cinco ou seis

mês.”(Xandù)

“(...) eu ficava de papo pra riba e pegava ela no pé da minha

barriga...compreende? e os meu filho macho era como um calanguinho

(...) meus filho homem só era criado do lado direito.”(Anita) “(...)Quando eu sai grávida da minha filha com um mês, eu conheci que ela era

mulher, eu identificava dentro de mim, eu me encostava numa coisa eu sentia

aquilo puxando, um latejo no pé da minha barriga(...) o menino homem se criava

mais aqui do meu lado direito e mais em cima...E a menina mulher era mais aqui

debaixo e nunca sobe.” (Dolores)

“(...) Eu conhecia também pelo criado, a menina mulher é uma bolinha e

o menino homem é como que é um nervinho... ele salta na barriga, você

pega por um lado, ele corre pro outro, pega do outro, ele corre pro outro

(...)” (Terezinha)

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Os movimentos da criança na barriga também são encarados como sinal para identificar o

sexo da criança, e que as ciganas relatam que se a partir do terceiro ou quarto mês de gestação for

percebido movimentos a mesma estava grávida de uma menina e a se esse movimentos fosse

visto depois dos cinco meses a gestação é de um menino. As ciganas afirmam que a menina é

mais esperta e ágil diferente dos meninos.

A partir do segundo trimestre inicia-se uma comunicação entre a mãe e o bebê, pois é o

período em que a mãe percebe a presença de um ser separado dentro de seu corpo através dos

movimentos fetais. Ela também pode interpretar os movimentos fetais personificando o bebê de

carinhoso ou agressivo, angustiado, queixoso ou preguiçoso (ESPIRITO SANTO, SANTOS E

MORETTO, 2005).

Para Espírito Santo e Moretto (2005) o inicio da movimentação fetal ocorre de formas

distintas nas mulheres primíparas geralmente é percebido em torno de 19 a 22 semanas diferente

das multíparas que percebem bem mais cedo em torno de 16 a 18 semanas.

“(...)Os meus filhos homem só se mexia com seis meses e as mulher com

quatro(...)” (Anita)

“(...) o menino só ia se mexer com cinco mês e a mulher se mexia mais

cedo, com uns quatro mês ela já tava pulando.” (Dolores)

“(...) o menino homem pra ele se remexer dentro da mãe são quatro

meses...e a menina fêmea com três mês você já sente... a mulher é mais

ativa (...)” (Jôre)

“(...) Menino macho eu sentia se mexer de banda, só se mexia com seis

mês... ele dava aquele pulo dentro de mim(...) e menina fêmea eu sentia

ela se bulir com três meses no pé da barriga(...) eu não agüentava que ela

se mexia demais(...) era nas carreira, era danada, viu? [Risos] ” (Lilá)

Culturalmente é muito comum escutarmos falar dos desejos da mulher durante a gestação,

e de acordo com a literatura, conforme foi mencionado anteriormente, o desejo está associado às

alterações hormonais e metabólicas e assim como as gestações são diferentes em cada caso, esses

sinais podem está presentes ou não. O desejo é visto pelas ciganas com preocupação, pois esse

seria um motivo que a criança poderá morrer no ventre da mãe em qualquer período da gestação.

Mas algumas ciganas podem não acreditar na existência do desejo pois não devem ter tido

experiência dessa natureza. Nesse sentido, as ciganas fazem afirmações sobre desejo.

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“ (...) O desejo é o seguinte... A mulher tá grávida e passa por minha

casa... a panela tá no fogo... só basta ela sentir o cheiro, e deseja comer

logo na sua casa... Mas ela num diz... a gente num adivinha né? Porque se

a mulher grávida disser, agente obrigava ela comer com medo de botar no

mato... Aquilo não é ela quem tá desejando... é o menino... fica com

aquilo na cabeça... Não me diz e com sentido naquela comida... Quando é

no outro dia a mulher já começa se torcendo... Quando bota no mato...

nasce aquele menino ou aquela menina... com a boca aberta.” (Jôre )

“(...) Os abortos aconteceu eu estava um com dois meses e o outro com

três, foi por causa de um desejo, de um comer que eu não comi! Era carne

de bode, eu num como!Eles queria que eu comece... peguei num comi, só

pra botar no mato, pra derrotar...Botei no mato mas não comi!” (Anita)

“(...) Desejo eu nunca tive! Eu botava uma manga... dormia com a manga

assim ó! E jogava ela no mato sentindo aquele cheiro e não sentia desejo

não!” (Dolores)

Eu nunca tive desejo não... negócio de desejo é mentira!(Terezinha)

Além do desejo outros motivos podiam provocar o aborto espontâneo, por exemplo um

pequeno acidente como uma queda sofrida pela mulher durante a gestação. Segundo Jôre (...) O

aborto dá de um desejo que a mulher tem... ou de uma queda! Eu mesmo botei um no mato com

oito mês... de uma queda que eu levei (...).

Analisando as falas das colaboradoras pode se evidenciar que as práticas de cuidados

realizadas pelas mulheres ciganas no processo gestação surgem, geralmente, envolvidas pelo

manto do misticismo; pelo significativo poder da fé, da oração e da crença nas divindades a quem

recorrem e acreditam na proteção para a preparação do enfrentamento dos riscos do momento do

parto.

Para as mulheres ciganas era durante a gravidez que começava a preparação para o parto

no sentido de buscar o contato com Deus, pois era nesse período que iniciava-se o medo da

morte em decorrência de complicações durante o parto. A mulher começava a buscar uma

proteção sobrenatural, pois um vazio é formado no seu interior causado por uma abertura infinita,

e somente através da re-ligação com Deus é possível preenchê-lo. É o momento para entregar se

nas mão de Deus através de orações e promessas, conforme declara a depoente:

“(...) Eu fazia promessa pra descansar logo e pedia a Deus todo dia que deixasse

logo eu sofrer, pra descansar e ficar livre (...) Eu botei o nome dele de Manoel

Messias, o de Jesus...porque eu me peguei com o divino Manoel Messias pra ele

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me dar um bom parto e não deixar eu sofrer...mas eu sofri dele. Mesmo assim eu

botei o nome dele Manoel Messias(...)” (Dolores )

Na verdade os ciganos vivenciam sua espiritualidade e acreditam que tudo que acontece

na vida deles são desígnios da fé em Deus, e essa fé deve ser mantida por todo o trajeto da vida

sem nunca enfraquecer. Conforme podemos perceber na fala da depoente:

“(...) eu só perco a fé em Deus quando eu morrer (...) não posso perder a

fé em Deus, a minha fé é em Jesus” (Xandú)

A fé pode ser descrita como um sentimento de confiança e credibilidade em alguém ou

alguma coisa e que para os cristãos esse sentimento é acreditar na existência e no poder de Deus

e em Jesus Cristo que é o próprio Deus na forma humana. O poder de Deus não tem limites

podendo ser sentido em tudo e em todos lugares, basta que se acredite e confie na presença de

Deus e permita que esse contato do divino com o terreno aconteça.

Para Vasconcelos (2006) a espiritualidade relaciona se a experiência do ser humano em

conectar-se a uma dimensão que está além das realidades consideradas normais na vida humana

com o poder de transformar sua vida concretamente e para isso é preciso se entregar.

Neste estudo também foi possível observar outro aspecto da religação com o divino, a

partir das histórias de vida trazida pelas ciganas elas remetem ao passado com um sentimento de

saudade, guardando na memória o tempo do nomadismo que mesmo com as limitações impostas

por esse estilo vida como a fome e a falta de estabilidade são melhores das que vivenciam no

tempo de morada. Pois no tempo do nomadismo a fé em Deus era maior.

E segundo Goldfarb (2004) o passado nômade dos ciganos possui um importante valor

simbólico, que se cristalizou na memória, em que eles resgatam os eventos do próprio passado e

assim delimitam e fortalecem sua identidade cultural. Esse sentimento de saudade é reforçado

pelos relatos de lembranças de uma vida saudável que possuíam, quando viviam no nomadismo,

e para alguns ciganos era um tempo abençoado por Deus pois viviam andando pelo mundo como

Jesus viveu.

“Eu tenho muita saudade de quando andava pelo mundo... era muito bom! eu me

lembro muito...A vida de cigana era muito bom, era uma vida sadia... depois que

deram pra morar... a metade e outro tanto dos ciganos meu filho... parece que

perderam a fé de Deus... eu num perco não...só perco a fé de Deus quando eu

morrer... não posso perder a minha fé em Deus, a minha fé é em Deus, é em

Jesus.” (...) (Xandú)

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Nós viemos sentir doença de uns tempo desse pra cá. Depois que nós damos

assim de morar, mas quando nós andava assim no mundo!Era sadia, era de

tudo... (Lilá)

Sabe quando cigano tinha saúde?Era quando andava pelo mundo!Depois que

veio morar pega essa doença, outra, outra. Tudo se queixa é de quem mora!(...) (

Jôre)

“(...)no tempo que eu andava pelo mundo a cavalo eu num sentia nada,

num sentia doença, num sentia uma dor na unha. Eu passava fome, mas

era uma fome que a gente passava tranqüilo que num sentia nada. Era

sadia...A gente tendo saúde, tem tudo, né? Eu mesmo vim sentir

hipertensão depois que eu tô morando, quando eu vivia andando não!

Hoje vivo a favor dos remédios(...)” (Dolores)

È comum observar nas falas das colaboradoras relatos de que no período do nomadismo,

eles não tinham doença em contraposição do período de “tempo de morar”, ou seja, o período de

sedentarismo é que tem deixado os ciganos vulneráveis, pois para eles a proteção divina era mais

forte no de tempo de atrás.

5.2 O ritual do cuidado durante parto e nascimento

As práticas de cuidado desenvolvidas pelas mulheres ciganas durante o processo de parto

e nascimento envolvem muitos rituais, que se expressam culturalmente de geração em geração,

dentro de uma perspectiva de permitir que esse momento ocorra no ritmo normal de cada mulher

cigana, interligando-a com a natureza.

O parto é um momento de transição na vida das pessoas, mudando a rotina de toda a

família, e uma experiência única para cada um. Como envolve os sentimentos e o modo de ser

das pessoas, é um momento cheio de significados, expressos de maneira diferente em cada

cultura.

Para as autoras Espírito Santo, Santos e Moretto (2005), o parto e o nascimento são

momentos únicos na vida da mãe, do pai e da família, que representam o início de uma nova vida

e a continuação da espécie.

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Helman (2003) ressalta que tanto a gravidez quanto o parto tem um significado que vai

além de um evento biológico; essa é uma atitude comum em todas as sociedades humanas e que

influencia diretamente na transição do status de mulher para mãe.

O parto é um evento social, pois além de envolver o casal e as pessoas próximas

diretamente com o ato, também envolve toda a família e o grupo social, como podemos observar

nos ciganos: caso no período de nomadismo alguma mulher estivesse prestes a parir todos

deveriam permanecer acampados, caso estivessem no meio da viagem, paravam para aguardar o

término do parto.

“(...) quando passava dois... três dias num canto... E diziam assim: −

vamos sair amanhã? − Sai... Mas se aquela mulher amanhecia doente... Aí

dizia: num pode porque a mulher de fulano está doente pra ter filho... Aí

esperava...” (Jôre)

As mulheres ciganas vivenciam o parto num ritmo natural, nos seus relatos é possível

perceber a ligação desse povo com a natureza, quando comparam o parto humano com o dos

animais, como afirma Andorinha: “cigana tinha filho dentro dos matos, que nem cabra, vaca, e

não tinha perigo no parto não!” Embora o medo das complicações estivesse presente, a

confiança e a fé depositados no poder das orações minimizavam esse temor.

Segundo Bezerra e Cardoso (2005, p. 04), as índias, ao iniciarem as dores do parto, não

buscavam parteiras nem faziam outras cerimônias, apenas pariam pelos campos, em qualquer

lugar, como os animais.

As mulheres ciganas acreditam no poder da proteção divina no momento do parto, para

tanto elas realizam um ritual de orações, suplicando a Deus um parto sem complicações e

demoras. Essa é uma prática carregada culturalmente pelos ciganos, e mesmo sem a certeza das

origens desse povo é possível perceber a influencia das civilizações antigas nesse e em outros

aspectos da sua cultura. Segundo Santos (2002 p. 43), as antigas civilizações (egípcios, persas,

hindus, hebreus, gregos e romanos) desenvolveram uma prática médica muito vinculada aos

desígnios divinos. Surgiram, assim, cultos aos mais variados deuses, invocados no auxílio do

parto e nos aspectos relacionados à pré e pós-concepção.

Na fala de Dolores podemos perceber essa relação da fé com a vivencia de um parto

seguro e intercorrências, tudo abençoado por Deus:

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“(...) Quando a mulher ia parir ela rezava uma oração pra Nossa Senhora,

e tinha delas que não sabiam e aquela que tava com ela orava na barriga

dela assim: − Quando minha Maria Santíssima pelo mundo andou com o

seu bendito filho ela encontrou na cruz de madeira e pegou seu bendito

sangue vós limpou. Limpai Senhora meu parto que não me dê

hemorragia, nem dor, nem nada.” Depois rezava um Pai Nosso e uma

Ave Maria (...) Num instante ela descansava.”

A presença do medo dos riscos está presente no contexto da cultura cigana e são

enfrentados pelas mulheres com uma ligação significativa da fé e da religiosidade numa

experiência com o sobrenatural. Segundo Dias (2004) no conhecimento popular existem fatos que

geram medos e ansiedades esse é um reflexo de como o parto foi construído historicamente como

uma experiência de sofrimento e dor causando expectativas de condições adversas no

desenvolvimento do parto.

Assim, o povo cigano, desprovido de assistência do sistema oficial de saúde, busca na

religião forças para encarar o medo. De acordo com Vasconcelos (2006), o sobrenatural não está

fora da mente humana, é na verdade a expressão mais forte dela e está sobreposto ao que é

considerado natural na subjetividade, no eu consciente, ou seja, é um mergulho no eu profundo e

a conseqüente experiência de ser tomado por seu dinamismo e sua força. Essa experiência de

entrega é imprevisível e traz grande repercussão na vida concreta de quem se entrega.

De acordo com Boff (1998), o ser humano, para não sentir-se perdido, angustiado ou

desesperado, precisa cultivar a re-ligação com Deus, e assim perceber que tudo que acontece é

dirigido pela mão de Deus e faz sentido, até mesmo quando absurdo.

O ritual para o encontro com Deus, ligando o terreno ao divino durante o parto, era

realizado pelas ciganas de duas maneiras; uma era com a reza de uma oração para Nossa Senhora,

sendo que nem todas as ciganas sabiam rezá-la, geralmente só a parteira, que pronunciava a

oração na barriga da parturiente. Nesse sentido, Dolores afirma:

“Quando a mulher ia parir ela rezava uma oração pra Nossa Senhora, e

tinha delas que não sabiam e aquela que tava com ela orava na barriga

dela assim: “Quando minha Maria Santíssima pelo mundo andou com o

seu bendito filho ela encontrou na cruz de madeira e pegou seu bendito

sangue vós limpou. Limpai Senhora meu parto que não me dê

hemorragia, nem dor, nem nada.” Depois rezava um Pai Nosso e uma

Ave Maria... Num instante ela descansava.”

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A outra forma de re-ligação com Deus era realizada com a utilização de uma oração de

Nossa Senhora do Bom Parto, ou Mont Serrat, colocada no pescoço da parturiente. A partir dos

relatos das ciganas podemos observar como ocorria esse momento de entrega:

“(...) Nós possuía uma oração muito boa, a oração de Nossa Senhora do Bom

Parto... Nossa Senhora do Monte Serrado... eu ainda tenho uma aqui no meu

pescoço, que tanto servia para nós, como para qualquer outra mulher que nós

botava... Eu nunca decorei, mas botava no pescoço do lado direito...pronto! Não

passava dois, três dias sofrendo. (...)” (Xandú)

“(...) Na hora que tava sofrendo pra descansar botava a oração no pescoço

e com cinco, seis dores nós tinha aquela criança (...)” (Terezinha) È a oração do Monte Serrado... Botava no pescoço, se fosse pra descansar, as

dor vexava, e se num fosse as dor passava.” (Mãe Dona)

“(...) tinha a oração da minha avó que também ajudava muito a nós (...) è uma

oração que minha mãe tem. Pra as mulheres descansar ligeiro. (...) Botava em

riba da gente! Aí a mulher quando tava sofrendo vexava aquela dor... Aí com

dois minutos a mulher descansava aquele menino (...)” (Lilá)

Essa oração a que as ciganas se referem é um exemplo de ritual de re-ligação com o

divino, simbolizado por um amuleto, conhecido como “breve” (Fig. 8). Esse amuleto é um objeto

de devoção formado por dois pequenos quadrados de couro, ou de tecido costurado nas laterais,

com orações escritas e preso a um rosário que os devotos trazem ao pescoço.

Figura 8 – Modelos de breve

Fonte: Pesquisador (2008)

Os breves podem ser de variados tipos, cada um com uma oração específica e

determinada finalidade. O breve utilizado pelas mulheres com a oração de Nossa Senhora do

Mont Serrat (Figura 9) está envolvido por uma série de rituais que mantém o poder da força da

oração nele contido.

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Figura 9 – Cigana usando o breve

de N. S. do Mont Serrat

Fonte: Pesquisador (2008)

Dentre os rituais realizados, essa oração é uma herança de família, repassada de uma

mulher para outra e sem a permissão para ser aberta. Elas garantem não conhecer o que está

escrito, e somente a dona da oração e os homens podem tocá-la, caso contrário as forças da

oração são quebradas.

“(...) ninguém nunca viu essa oração, ela é guardada dentro dum

negocinho assim... um capulário de couro. Ninguém nunca abriu pra ver

essa oração, senão perde a força... Também não pode tirar dela pra

ninguém, se você tiver ela e der a outra pessoa perde a força pra você.

Depois que minha avó morreu, passou sem abrir, e ficou com a nora dela,

a Mãe Dona, mulher do meu tio Luiz...” (Dolores)

O poder atribuído à oração para o parto era bem especifico para esse momento; o breve

somente deveria ser colocado no pescoço da parturiente quando a mesma estivesse em trabalho

de parto e deveria ser retirado do pescoço no momento após a saída da criança, devendo

permanecer na mão da mulher. Se a oração fosse deixada no pescoço poderiam ocorrer

hemorragias, ou a placenta demoraria a sair e conseqüentemente não desocuparia a mulher, como

mostra o seguinte relato:

“(...) Quando terminava de ter a criança, nós tirava a oração e ficava

pegada na mão. Que se não tirasse a oração ficava ocupada por muito

tempo, e a oração era só pra desocupar a mulher (...)” (Terezinha)

Segundo as ciganas, o poder dessa oração não é especifico para as mulheres do seu povo,

esse poder poderia ser sentido também por outras mulheres, sendo a fé na oração o que realmente

importa. Como diz Xandú: “era por causa da força de nossas oração... que tanto servia para nós

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como para qualquer uma mulher que nós botasse no pescoço...Tem isso não! Assim ela tivesse

fé.“

As orações, além de outros tipos de rituais, são estratégias variadas criadas pelas diversas

tradições de espiritualidade no intuito de levar a mente a uma conexão com dinâmicas interiores

profundas, através de estados alterados da consciência, chegando a levar a experiências de transe

ou de êxtase espiritual (VASCONCELOS, 2006).

As experiências de partos complicados que as ciganas com fé em Deus e nas orações

conseguem conduzir servem de testemunho para o poder da oração. Segundo Pereira et al (2007),

contar aos outros o que o espírito fez, além de fortalecer sua fé também ajuda as outras pessoas

reforçarem a crença de que Deus cumpre sua palavra.

“(...) Eu vi foi o parto desse Delmiro (...). A mãe dele tava sofrendo e a

minha avó chegou e rezou na barriga dela, quando minha avó olhou, ele

vinha pelos pés (...). A minha avó disse: − não tenha medo compadre! (...)

Rezou a oração, correu e botou a oração no pescoço dela e quando botou,

com um pedaço foi, foi... a criança nasceu (...)” (Dolores)

Na verdade, segundo Odent (2000) apud Dias (2004), o evento do parto e o ato de rezar

são dois tópicos intimamente relacionados; o ato de rezar reduz a atividade neocortical do

cérebro, ajudando a mulher a atingir uma outra realidade fora do tempo e do espaço.

Possivelmente o ato de orar corresponde a uma necessidade biológica do ser humano, assim

como a necessidade de transcendência de cantar ou rir.

No contexto da cultura cigana, o trabalho de parto é visto por como uma forma de

adoecimento e sofrimento, quebrando o equilíbrio, mas é ainda assim um momento essencial na

existência da mulher, pois faz parte da vida e acontece naturalmente. Na verdade, essa visão da

dor no parto não interfere na forma como os ciganos percebem a saúde numa perspectiva integral

e sem a dicotomização entre corpo e mente. Para Leandro (2006), o processo saúde e doença é

visto pelos ciganos como decorrente de vários fatores, como as condições de infra estrutura da

comunidade, os aspectos socioeconômicos e o bem estar com paz e tranqüilidade.

Essa mesma visão do processo saúde e doença dentro de uma perspectiva integral é

também vivenciada por outras culturas. De acordo com os autores Klüppel, Sousa e Figueredo

(2007), na cultura indiana e chinesa, a saúde é decorrente de um estado de equilíbrio entre corpo,

mente e natureza, ou seja, a saúde está inserida num contexto cosmo- sócio- cultural, e a doença

resulta conseqüentemente da quebra desse equilíbrio.

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A partir das falas das colaboradoras, podemos identificar que o sofrimento da dor

vivenciada no momento do parto é insuportável, chegando a ser comparado à dor da morte, como

descrito na fala de Terezinha “(...) pra você ter um filho é uma coisa mais ruim do mundo...olhe! é a

dor da morte! Tanto faz a dor da morte como ter um filho normal! (...)”

Mesmo sendo vista como ruim, as ciganas consideram a dor do parto uma etapa a ser

vivenciada, pois faz parte do ritmo natural da vida das mulheres, e é um momento oportuno para

a conexão com o sobrenatural, no intuito de conseguir aliviar essa passagem dolorosa.

Segundo Remen (2001), os judeus ortodoxos dizem que não podemos fazer promessas

sem o reconhecimento da autoridade de Deus, ou seja, tudo depende da vontade do divino, para

isso, em tudo que se precise fazer a expressão “Se Deus quiser” deve ser dita, como forma de

relembrar a si mesmo e aos que nos rodeiam da natureza das coisas.

Para as autoras Espírito Santo, Santos e Moretto (2005) o medo do parto está diretamente

ligado ao medo de que algo de ruim possa vir a acontecer à criança ou à mãe, sendo a morte o

mais temido, além do temor natural que algumas gestantes têm de ficarem sozinhas nesse

momento, por saber que dar luz é algo que só a mulher pode fazer. Diferente do que ocorre com

as ciganas, pois não demonstram o medo de ficarem sozinhas no momento do parto; na verdade,

o medo é frente às complicações pós-parto. No depoimento de Jôre podemos observar que a fé

em Deus é uma garantia de que tudo vai sair bem:

“(...) Descansava e dormia no meio dos terreiros... no chão quente... Num

apanhava doença nenhuma (...) era um povo protegido por Deus... Hoje

não! (...) É diferente do povo de vocês (...) Porque esses são um povo que

é dentro de casa... Tem toda cautela... com medo de uma doença, com

medo de morrer ... e cigano num tem... Cigano descansa em cima de uma

cobra se for possível... num tem medo não!”

O encontro do ser humano com Deus é um momento de fé, e Boff (2007) reforça que a

isso significa o encontro vivo com Deus, e é nesse encontro com a suprema Alteridade e com

eterno Amor que o ser humano muda o seu estado de consciência, entrando num estado místico

carregado de energia divina, experiência essa que também se expressa culturalmente (BOFF,

1998).

Para Vasconcelos (2006), as considerações sobre os aspectos religiosos dentro da

investigação científica são motivos para que os profissionais, professores e pesquisadores no

setor saúde se envergonhem de trazer para o debate cientifico esses resultados. Mesmo que para

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essas pessoas os saberes e experiências sejam importantes nas suas vidas particulares e nas suas

práticas profissionais, tudo isso é um reflexo do modelo newtoniano – cartesiano.

De acordo com Rodrigues (2007), a progressão da promoção de curas ou a harmonização

de sistemas biológicos, psicológicos ou sociais dentro das comunidades não conseguem ser

explicadas pelas teorias materialistas, e muitas vezes são consideradas folclore sem

respeitabilidade científica. Isso é uma questão de consciência para os que conseguem perceber

esse novo conhecimento, devendo defender essa verdade respaldados pelos instrumentos da

ciência: o raciocínio lógico, crítico, impessoal, atemporal.

Nos Estados Unidos existe o Centro Nacional de Medicina Complementar e Alternativa

(NCCAM), o qual considera que dentre as intervenções terapêuticas mente - e corpo estão

incluídos os aspectos da espiritualidade como práticas ritualísticas, preces e meditação

(KLÜPPEL, SOUSA E FIGUEREDO, 2007).

A psiconeuroimunologia é a ciência responsável por estudar os mecanismos

desencadeados no cérebro por fenômenos emocionais e mentais, tendo repercussões a nível

periférico pelas vias neural, endócrina e imunológica. Esses são fatores que influenciam na saúde

e qualidade de vida do indivíduo (KLÜPPEL, SOUSA E FIGUEREDO, 2007).

Para os ciganos, tudo na vida é providencia divina, existindo uma ligação muito forte

entre o povo e a natureza. Para os estudiosos da Cabala, quando tudo se iniciou, Deus, o criador

de tudo, se dividiu em incontáveis centelhas, as quais se espalharam pelo universo, e como uma

diáspora de bondade existe uma centelha de Deus em cada ser e em cada objeto (REMEN, 2001).

Além de todo esse envolvimento místico durante o parto e o nascimento, esse é um

momento que possui um grande significado para as mulheres ciganas, de forma que elas mantêm

um ritual reservado somente às mulheres. Como Terezinha descreve: “(...) Aí chamava as mais

velhas, elas já sabia e levava pra um canto... e ia duas, três ciganas e aquela mais velha (...). E

caso o grupo estivesse em viagem paravam para esperar o parto acontecer, e as mulheres se

afastavam do grupo para um local reservado”.

O ritual dos cuidados prestados durante o parto é desenvolvido num espaço limitado, de

maneira secreta e misteriosa, construído para esse momento e não sendo permitida a entrada de

homens ou moças. É um momento em que somente as mulheres que já vivenciaram o parto

podem participar, quando geralmente uma cigana mais velha lidera as demais, determinando

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como as ações devem ser conduzidas. Assim, todas as envolvidas cuidam da mulher, oferecendo

apoio e conforto com orações e massagens.

De acordo Bruggeman (2001), o momento de dar a luz é coisa de mulher, levando-a a

desejar a companhia de uma parteira por pelo menos três razões: psicológicas, humanitárias e o

tabu de mostrar a genitália. Além disso, esse é um momento que requer ritos e saberes próprios.

“(...) se retirava pra dentro dos matos... fechava de panos assim, pra

defender as moças... Pra as moças não vê descansar... e nem os homens,

né?...” (Jôre)

“(...) as ciganas saia assim para fora. Elas ia, cercavam assim de

pano,fazia uma cobertura de lençol, de lona, pra ninguém não ver. Aí

entrava a cigana veia que era assistente, e mais duas ou três ciganas... E lá

dentro descansava mais as outras.”( Mãe dona) “(...) Nós chegava, se amparava num canto, cercava como uma barraca. Aí

ficava uma ruma de cigana ali conversando todas arrudiada assim, e a mulher

ficava ali dentro, a outra fazendo um cafezinho, ela também tomava aquela

coisinha de café... Agora nós não comia sofrendo não!” (Dolores)

Como a parteira ocupava um lugar de prestigio social nas comunidades tradicionais, tendo

respaldo nas próprias experiências e a familiaridade com as manobras externas para facilitar o

parto, essa ficou sendo sua atribuição, e seu papel incluía tanto os cuidados físicos como os

psicológicos (BRUGGEMAN, 2001).

Os relatos das mulheres ciganas nos mostram que a necessidade de ter ajuda de algum era

somente até o nascimento e que logo após desse momento a parturiente tinha condições de

realizar as suas atividades com os afazeres domésticos, diferentemente de outras culturas que

ficam em repouso e a parteira ou pessoas da família realizam as atividades de cuidados com a

mulher e com a criança. As atividades de cuidados exercidos pelas parteiras eram preparar

alimentos e bebidas para parturiente, além confortar a mulher com orações para ajudar

(BRUGGEMAN, 2001).

O momento do parto pode ser considerado como especial, pois envolve o saber e a

experiência das mulheres mais velhas para a ajudar na condução do processo, ou a mulher pode

parir sozinha sem fazer nada. Segundo Bezerra e Cardoso (2005, p.03) “O parto entre os povos

primitivos era um acontecimento de pouca relevância, justificando o fato de que, em geral, a

mulher mal interrompia seus afazeres”.

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O parto natural ou normal ocorre por via baixa, ou seja o feto é expulso pela vagina, e

quando o parto ocorre sem qualquer tipo de interferência, desde o inicio até termino é chamado

de espontâneo (WEISSHEIMER, 2005).

Segundo Dias (2002 p. 158) na verdade, o fazer nada, significa fazer o que entendem ser

necessário para o desenvolvimento do processo com o mínimo de interferência, de maneira pouco

intervencionista, respeitando o caráter fisiológico e o próprio ritmo dos acontecimentos.

O trabalho de parto é considerado como o primeiro período clínico do parto caracterizado

pelas contrações uterinas, que de acordo com Carvalho (2002) é a fase mais demorada podendo

durar de menos de 1 hora até mais de 24 horas dependendo de vários fatores como: nas

primíparas demora em torno de 12h e nas multíparas esse tempo é de 7 horas; a freqüência,

intensidade e duração das contrações uterinas; dos diâmetros fetais e pélvicos; da apresentação;

da variedade de posição; do tamanho fetal e da capacidade do colo em dilatação e esvaecer.

As mulheres ciganas identificavam que estavam entrando em trabalho de parto a partir do

aparecimento das dores e que elas descrevem como grandes e insuportáveis. Para elas esse é um

momento de sofrimento visto como uma forma de adoecimento, como nos relatos a seguir:

“(...)era umas dores fortes, agonizante que a gente não suporta, só suporta

porque é o jeito(...)”(Andorinha )

“(...) a dor era grande ... ela começa de trás pra frente e quando ela passa

pra frente, aí é que começa mesmo o sofrimento pra mulher

descansar(...)” (Dolores)

“(...) Tanto faz a dor da morte como ter um filho normal, é a mesma

coisa! ...É aquela dor matando(...)” (Anita)

As ciganas também relatam que baseando-se na localização e intervalos das dores é

possível identificar o sexo da criança, algumas afirmam que quando estavam grávidas de um

menino o início das dores localizavam-se na região das “cadeiras” ou dos “quartos”, ou seja na

região lombar e irradiando para a região do “pé da barriga” que é a região do baixo ventre com

intervalos demorados e com as dores mais fortes, elas também descrevem que quando estavam

grávidas de meninas as dores localizavam-se somente no baixo ventre com intervalos bem curtos

mas com dores mais fracas. Nesse sentido elas dizem:

“(...)As dores de menino homem é aqui atrás nos quartos, ela dá e pára, depois

vai dá outra com uns 10, 20 minutos...Já a dor da menina mulher não! É aqui na

frente, na barriga mesmo, e é direto, uma em cima da outra(...)”(Andorinha)

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“(...) A menina mulher quando é pra nascer mesmo, ela ajuda a mãe,

porque a vontade dela é sair, a gente sente que a vontade dela é sair as dor

é em seguida, e o menino homem é mais difícil, aquela dor mais

demorada ... Dá uma dor aqui, aí passa aquela dor e vai dar outra lá na

frente (...)” (Dolores)

“(...) a dor do menino macho você pode fazer tudo dentro de casa, eu

botava água, botava lenha, eu fazia o comer, eu lavava pano, fazia tudo

(...) e da fêmea não! Quando eu adoecia era vamos, vamos que num

segurava é na carreira... aquela dor avexada (...) enquanto ela não nasce

não sossega dentro da mãe(...) Só está satisfeita quando bota pra fora(...)”

(Lilá)

“(...) A dor da menina fêmea é mais a vagar... e a dor do menino homem

é mais forçosa (...)”(Xandú)

“(...)Era uma dor muito grande! Pegava logo assim nas cadeiras e nas

pernas quando era homem e quando era mulher era só no pé da

barriga!”(Mãe Dona)

“(...) Da menina mulher eu sentia dor no pé da barriga e do menino

homem era nas cadeiras, nos quartos atrás(...)” (Anita)

Em relação a questão da contrações uterinas Rezende e Montenegro (2006) afirma que os

marca-passo direito e esquerdo situados pertos das implantações das tubas são responsáveis por

originar as ondas contráteis que se propagam em direção ao resto do útero predominantemente

descendente, e somente quando se dirige ao fundo , ou seja num pequeno trajeto ela é ascendente,

a onda percorre o útero numa velocidade de 2cm/segundo, e com intensidade maior nas partes

altas do útero e menor na parte inferior.

O segundo período clinico do parto é o de expulsão caracterizado pela a saída da criança e

que segundo Carvalho (2002) inicia - se com a dilatação completa do colo uterino e encerra-se

com a expulsão do feto, e que pode durar de poucos minutos a horas, mas que depende de alguns

fatores.

Quanto a posição para a realização do parto pode ser em duas situações na horizontal ou

na vertical, comumente a mais utilizada é a horizontal já que favorece a visualização do períneo

materno durante o período expulsivo além de facilitar a posição mais cômoda para o profissional

que esteja assistindo o parto. Por outro lado a posição na vertical ocorre favorecimento da

gravidade atuando sobre a descida do feto (WEISSHEIMER, 2005).

Nas civilizações antigas durante o processo de trabalho de parto e parto seguia se vários

rituais em que as gestantes participavam das cerimônias. Na cultura das índias Bororos o ato de

parturição ocorria no chão sentadas em uma esteira, com as pernas estendidas e abertas, e as

outras selvagens espremiam o ventre (BEZERRA & CARDOSO, 2005).

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No contexto das mulheres ciganas principalmente no período do nomadismo por adotarem

a posição de cócoras para realização dos afazeres domésticos elas também utilizavam a mesma

posição para dar a luz, e mesmo sendo uma posição confortável e de costume elas ainda

necessitava da ajuda de outras mulheres para amenizar o cansaço no momento do parto.

Assim, considera-se a posição de cócoras como uma posição vertical. Segundo Armellini

e Riffel (2005 p. 290) “Na posição vertical as contrações uterinas são mais intensas e de maior

duração, resultando num apagamento mais rápido, num trabalho de parto mais curto, numa

descida do feto auxiliada pela ação da gravidade e no aumento do débito cardíaco materno”

Essa questão da posição do parto verticalizado é percebível em outras regiões do mundo, e

também na cultura cigana que possivelmente devem ter carregado nos rituais do parto já que os

mesmos tem suas origens no mundo oriental. Segundo McCormack (1982) apud Helman (2003)

“em várias partes do mundo, America Latina, norte da Tailândia, Índia, Sri Lanka e África

Ocidental, as mulheres ficam de pé, de cócoras ou sentadas apoiadas em algum objeto ou em

alguém durante os últimos estágios do trabalho de parto”

Para que a mulher conseguisse ficar na posição vertical, ou seja de cócoras durante o

momento do parto, e para auxiliar na expulsão da criança as demais mulheres envolvidas

colocavam uma cangalha forrada com panos e deixando- a lateralizada. Uma das mulheres que

estava auxiliando no parto sentava-se na cangalha e em seguida a gestante apoiava se nos joelhos

dessa mulher. Enquanto isso duas outras mulheres davam mais conforto segurando a mulher

pelos braços uma em cada lado e a parteira ficava posicionada sentada de cócoras esperando o

momento da saída da criança com um pedaço de tecido ou lona para aparar a criança.

“(...) A cigana botava uma cangalha e forrava com um pano ... aí ela

sentava em cima da cangalha e eu me sentava de cócoras com ela me

pegando assim por detrás (...)” (Mãe dona)

“(...) As ciganas mesmo que pegava e não tinha perigo de nada (...) uma

segurava em mim assim pelos braços... Outra mulher, ficava na cangalha

sentada e me segurava no colo, as outras ficavam na frente da gente e a

parteira pra segurar a criança... num instante nascia.” (Andorinha)

“(...)uma mulher sentava na cangalha e botava a que tava sofrendo assim

no joelho, a parteira ficava de frente de cócoras pra pegar o menino ou a

menina, e as outras duas ficava na frente para segurar a mulher(...)”

(Terezinha)

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A cangalha (fig. 10) é um utensílio bastante utilizado no interior do nordeste, feito com

pedaços de madeiras cortadas em formato de “Y” invertidos interligados pelas laterais por um

pedaço de madeira em cada lado ou com pedaços de borracha, essa estrutura servia de assento

para as pessoas montarem nos animais, e ainda servia de suporte para prender os caçuás que

ficavam presos por cintos de couro, os caçuás são feitos de folha de palha de carnaubeira

formando um espécie de balaio para carregar bagagens ou alimentos. Atualmente é difícil

encontrarmos as cangalhas em atividade, elas praticamente foram aposentadas com advento dos

meios de transportes motorizados.

Figura 10- Cangalha

Fonte Google 2008

O terceiro período do parto é o de dequitação ou expulsão da placenta, que segundo

Carvalho (2002) define como o período iniciado com a expulsão do feto até a dequitação da

placenta e que dura em torno de 5 a 30 minutos.

Para Rezende e Montenegro (2006) esse período é conhecido como secundamento

também chamado de decedura e delivramento podendo ser dividido em três tempos

fundamentais, os quais são caracterizados pelo deslocamento, descida ou expulsão da placenta e

de suas páreas para fora das vias genitais.

Esse momento é conhecido como a espera pelo resto do parto, e que a mulher precisa

desocupar para ficar boa completamente, é um momento que desperta medo, pois é nesse

momento que a mulher pode apresentar complicações como hemorragia. Segundo Dias (2002

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p.143) “a placenta constitui motivo de preocupação, pois dependendo do desenrolar das fases

desse período do parto pode ocasionar complicações como dor, retenção, hemorragia intensa e até

morte da mulher.”

Na verdade a primeira hora após a saída da placenta, conhecido como período de

Greenberg, é que pode apresentar as complicações com grandes hemorragias (GOLDMAN,

2002).

Os momentos que sucedem a saída do bebê compreendem os períodos de saída da

placenta e a retorno do útero ao seu estado de normalidade são considerados como cruciais e

despertam medo pois podem ocorrer complicações. O momento da saída do resto do parto, como

as ciganas colocam, deve ocorrer naturalmente, no entanto caso demore a sair elas faziam

massagens comprimindo na altura do fundo do útero para ajudar na descida da placenta. Dolores

uma das ciganas mais experientes em acompanhar partos afirma:

“(...) eu sabia como era que tirava, eu fazia massagem e deslocava assim, botava

uma mão nela aqui , nessa parte aqui no estômago...Empurrava assim, quando

eu vinha pro lado de cá...eu fazia assim, botava a mão aqui nela encarcava, ela

deslocava. Depois que saia o resto (...)” (Dolores)

Após esse momento da saída dos restos placentários iniciava se o período de retorno do

útero e que caso não ocorresse naturalmente a parteira realizava algumas manobras que pudesse

agilizar esse retorno. Esse ritual de cuidados envolviam a massagem com o dedo polegar na

altura do umbigo como Dolores descreve: nós deixava ela deitada, pegava o dedo polegar e

ficava só rodando assim no umbigo, assim... ela voltava pro mesmo lugar.

Segundo Rezende e Montenegro (2006 p. 2000) nesse momento logo após a saída da

placenta ocorre o mecanismo de retração uterina e de formação normal de coágulos na superfície

interna da matriz, que ficou aberta e sangrante após a expulsão da placenta. E que é descrito por

Lilá assim, depois disso desce a porqueira, num sabe?Aquela porqueira vem é muito!... É assim

o sangue talhado (... ) desce o parto, desce tudo e agente fica limpa.

Os cuidados com o resto do parto envolve um ritual pois deveria ser feito um buraco para

enterrá-lo, algumas ciganas relatam que esse buraco poderia ser feito na porta de um curral ou

qualquer outro local.

“(...) Depois que desocupava elas pegava o resto que ficou ali, cavava um buraco

no chão e enterrava!” (Terezinha)

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“(...)enterrava o resto nas porteiras dos currais, longe dos ranchos(...)” (Mãe

Dona)

No contexto da cultura cigana a realização das práticas de cuidados pela parteira no

processo de nascimento era somente aparar a criança e cortar o cordão umbilical que se fosse

homem media quatro dedos do umbigo, amarrava com cordão fino de rede e cortava. Se fosse

mulher eu media três dedos amarrava e cortava (...)no menino homem o umbigo é sempre

maior. Eu já era acostumada a vê cortar, e eu fiquei medindo e fazendo (Dolores).

O ritual de cuidados com a criança logo ao nascer era de responsabilidade da própria

mãe.Como diz Mãe Dona: era a mulher quem cuidava... Ela quem dava banho, curava o umbigo,

trocava as fraldas... Fazia comida pra ela comer... e tudo.

E quanto a prática de cuidados realizados pelas ciganas referente ao coto umbilical era

realizado em dois momentos. Pra curar o umbigo era assim... antes de cair eu botava cuspe de

fumo(Anita) e depois que caia o umbigo sabe o que nós fazia? ... pisava num pano aquele barro

de parede que agente pedia nas casas...peneirava assim e botava no umbigo da criança...

Sarava que ficava uma beleza! Não carecia esse negócio de mercúrio, de mertiolato, nem nada!

Que hoje (...) É obrigado ter todo cuidado no umbigo da criança, né?(Lilá). Reforçando a

realização dessa prática Mãe Dona diz que pisava o barro, bem pisadinho, tirava aquela

massinha e botava um leitinho de peito ... num instante sarava.

A utilização desses dois elementos, o barro e o leite, como cicatrizante são também

utilizados por outros grupos de ciganos, os Roms, que vivem na França. Conhecidos como a terra

da raposa e a flor do leite a associação desses dois elementos formam um antibiótico natural.

Segundo Derlon (1979) a argila é um anti-séptico cicatrizante utilizado instintivamente por

animais selvagens quando estão feridos, e que o cigano descobre a jazida de argila ao seguir o

rastro desse animal ferido. Ao descobrir a mina da raposa o cigano recolhe, põe para secar,

pulveriza e embala a argila num pedaço de tecido de linho ou algodão.

A flor do leite na verdade é o queijo fresco, que após ser retirado da forma, enxugado e é

deixa secando por sete dias. Em seguida deverá ser colocado dentro de uma gaiola de vime,

recoberta de palha ou de folhas mortas e enterrada no solo próximo a margem de um rio, sendo

necessário de dez a treze dias para que brote a flor do leite ( DERLON, 1979).

A mulher depois da vivência no processo de parto e nascimento deixa de ser chamada de

parturiente e passa a ser chamada de puérpera, pois a mesma entra no resguardo que

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popularmente é o termo usado para descrever o período que sucede o parto e o nascimento com

as manifestações que ocorrem no corpo da mulher para voltar ao normal de antes da gestação.

Para Rezende e Montenegro (2006) o período após o parto em que ocorrem no organismo

materno todas as manifestações involutivas e de recuperação da genitália materna, é conhecido

como puerpério, sobreparto ou pós-parto e esse período é variável e são proporcionais ao vulto

das transformações ocorridas no período da gestação. Para Carvalho (2002) o termo puerpério

origina-se do latim puer = criança e parere = parir.

As ciganas não costumam ter descanso e repouso no resguardo, logo após o nascimento as

ciganas relatam que descansam um pouquinho para esfriar o suor e inicia os trabalhos da vida

diária. Diferentemente de como é visto pelo saber científico que nas 24- 48horas do pós parto é o

período de dependência da puérpera em que a mesma está se recuperando a fadiga do parto

(ESPIRITO SANTO, SANTOS e MORETTO,2005). Através das falas das ciganas podemos

observar como essa experiências ocorriam:

“ (...) Quando acabava de descansar, e tinha a criança... Passava um pedacinho

sentada... Até enquanto esfriava o suor. Aí tomava banho... Brincava, prosava,

labutava...” (Jôre)

“(...)Quando tinha filho, e que eu chegava acaba de ter num tinha

resguardo, eu ia pro rio tomar banho, lavar roupa, fazer comer, montava a

cavalo, era assim...” (Dolores) “(...) Trazia a mulher e a criança para o rancho, pronto! Ali ia tomar banho, dava

banho na criança, ia comer, ia pedir(...)” (Terezinha)

No período do resguardo algumas regras devem ser cumpridas principalmente quanto a

questão da alimentação da mulher que envolve alguns tabus. Segundo Helman (2003) na maioria

das culturas as mulheres obedecem a determinados tabus relacionados à dieta. Para as ciganas

nesse momento não existe restrições alimentares mas geralmente era preferível que a primeira

alimentação da mulher quando ela terminava de descansar a primeira comida era galinha...Aí

aquelas outras matavam a galinha, preparava ,e ela comia com farinha e arroz (Dolores).

Para Motta – Maués (1998) em seu estudo realizado com as mulheres de Itapuá - PA os

alimentos permitidos para serem ingeridos no período pós parto são a base de galinha, farinha de

mandioca, arroz, macarrão, pão, bolachas e café, os demais tipos de alimentos são proibidos pois

caso não se cumpra as prescrições do resguardo as mulheres ficam estragadas.

Na cultura cigana esse tabu quanto a proibição de ingerir certos alimentos e

principalmente os falados carregados é quase inexistente. Como Dolores diz: num tinha

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resguardo de nada. Comia carne de porco, feijão com toicinho, chupava manga, fazia tudo...

(Dolores). Essa experiência é passada por Jôre que diz:

“(...) Aqui tem uma cigana (...) Ela descansou (...) De noite! O marido dela

caçava e trouxe um peba que num tinha muita idade (...) Quando foi de

manhãzinha, ela chegou e tirou um prato bem feito do peba e entrou pra dentro...

e quando deu fé ela tinha comido o prato de peba... e num sentiu nada(...) (Jôre)

O resguardo para as ciganas era relacionado somente a questão da abstinência sexual após

o nascimento da criança. Segundo Helman (2003) essa questão da proibição das relações sexuais

entre marido e mulher no pós parto podendo durar vários meses em alguns casos é comum em

muitas culturas. E na cultura cigana esse período é de um mês como Terezinha afirma (...) nós

não temos resguardo, o resguardo é durante o mês (...) Pra não ter relação sexual com os

homem(...) Quando completava um mês era que a gente tinha relação com os homem(...)

A amamentação era vista pelas ciganas como uma forma de garantir que a mulher não

engravidaria enquanto amamentasse. Para Abrão e Pinelli (2002) dentre as vantagens que a

amamentação oferece a mulher, inclui se a volta do útero mais rápido ao tamanho normal,

previne complicações hemorrágicas após o parto, retardo do início dos ciclos menstruais e

espaçamento das gestações.

Essa experiência pode ser visualizada no relato trazido por Dolores quando afirma que

mesmo eu tendo contato com meu marido não engravidava... quando eu parava de dar de

mamar, eu saia grávida. Essas mulher que tem os filhos assim ...um em cima do outro, é por que

elas num amamenta ... é difícil uma mulher dando de mamar sair grávida.

Para as ciganas além da amamentação o coito interrompido é uma outra forma de prevenir

uma nova gravidez, é como Lilá diz eu passava um ano sem ter família... meu menino quando

completava um ano eu tinha outro filho(...) Quem evitava era meu esposo... Ele jogava fora

quando chegava a hora de... sabe como é?

Essas práticas de anticoncepção não são muito confiáveis pois envolvem alguns fatores, e

as mulheres podem não ter êxito e engravidam antes do tempo previsto. Para as mulheres ciganas

caso engravidassem elas utilizavam o saber empírico através da ingestão de chás de ervas

abortivas. Segundo o relato de Jôre:

“(...) No decorrer do mês, agente bebia tanta coisa... Bebia remédio para

botar no mato... e tudo quanto ensinavam... Agente bebia chá de quebra

pedra... até colorau agente botava de molho e bebia (...) Bebia também o

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chá de Laça vaqueiro... que é raiz de um pau que tem no mato...tem um

chocalhinho. Também comprava raiz na rua ...”

Para as ciganas a prática abortiva é vista como um ato errôneo, proibido e pecaminoso e

segundo Jôre elas bebia escondido dos maridos... os maridos não queriam que elas botassem no

mato... Mas ela mandava buscar, fazia aquele chá .... e bebiam em jejum... antes do café. E que

Anita reforça dizendo: Ave Maria! Frei Damião reclamava... ele dizia pra ninguém beber

remédio pra abortar criança não! Sou doida não!

Pelas experiências dessas colaboradoras pode-se perceber que o momento do parto e

nascimento ocorrem num ritmo próprio, e a realização desses rituais de cuidados são

desenvolvidos por elas mesmas efetuando-se numa perspectiva humanizada de ser e de cuidar.

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6 Considerações Finais

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Diante das mudanças ocorridas na atualidade, principalmente na ciência, que passa por

transformações significativas na desconstrução de um paradigma dicotomizado, em busca da

construção de um pensamento holístico, a Enfermagem, ciência do cuidar, tem sido uma das

profissões que mais contribui para esse novo tempo.

Terminado esse estudo, é possível revelar algumas contribuições responsáveis por

potencializar esse modo de ver o ser humano numa visão integral. A partir da experiência de

aprendizado com pessoas simples, com a história de vida de mulheres ciganas como Dolores,

Jôre, Lilá, Xandú, Mãe dona, Anita, Andorinha e Terezinha, foi possível ver o mundo com outros

olhos.

Interessante destacar o fato de que algumas das culturas que são vistas como inferiores,

principalmente pelos ditos donos do saber, são justamente as que nos tem dado lições de vida,

mostrando que tudo está intimamente ligado. O ser humano é um animal biopsicossocial cultural

e espiritual, que está amarrado a uma teia de significados construída por ele mesmo, e suas

experiências são o produto desse significado (GEERTZ, 1998).

Na cultura cigana o significado dado pelas mulheres à vivência da gestação, do parto e do

nascimento vai além da experiência de fazer parte de um processo natural; para elas, esse é

processo envolvido pela confiança na sua capacidade de enfrentamento e em Deus, pois com fé

nada de ruim poderá acontecer.

O ritual de cuidados realizados pelas ciganas durante o processo de gestação, parto e

nascimento é repassado pela cultura de geração em geração por meio da oralidade, e o saber

empírico trazido por essas mulheres nos mostra como era conduzido esse processo no tempo das

viagens do nomadismo, um período que durou anos, sem acesso a serviços de saúde, sem

reconhecimento e sem direito a cidadania.

Esse ritmo próprio do povo cigano é respaldado nas experiências dos mais velhos, nas

quais os mais jovens acreditam, perpetuando-as como tradições do grupo. Diante das

transformações do mundo esse ritmo sofre adaptações, mas continua a ser próprio deles. A partir

do momento em que pessoas estranhas ao grupo, com outros saberes, tendem a intervir no

processo, conflitos e desencontros são gerados; assim, para transitar nesse mundo das relações,

faz-se necessário reconhecer o contexto a fim de respeitar as diferenças.

Nesse sentido, é importante olhar a realidade buscando construir um cuidado que possa

ser inclusivo, respeitando as diferenças e as especificidades culturais de um povo. Faz-se

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necessário considerar que as práticas realizadas pelas ciganas durante o processo de gestação,

parto e nascimento são repassadas pelas mais velhas e influenciam nas práticas adotadas hoje

pelas ciganas mais jovens. Segundo Leandro (2006b), as ciganas resistem a participar das

consultas do pré-natal, na Unidade Saúde da Família, e defendem suas avós e mães, que não

necessitavam disso para que suas crianças nascessem sadias.

Para tanto, é importante destacar que os profissionais da área de saúde precisam

mergulhar nesse contexto, ou seja, conhecer o outro e seu universo, para garantir um cuidado

integral. Barreto (2005) afirma que a construção de uma sociedade mais fraterna e mais justa, na

qual nossos problemas sociais serão resolvidos, somente poderá ser alcançada quando a cultura

for principalmente entendida como um valor, um recurso que precisa ser reconhecido, valorizado,

mobilizado e articulado de modo a integrar outros conhecimentos.

A realização desse estudo oferece contribuições significativas aos profissionais da saúde,

principalmente no que diz respeito a uma visão renovada e ampliada do processo de cuidar na

perspectiva da atenção à saúde da mulher, despertando para um olhar que inclua e respeite o

diferente, ou seja, a cultura de um povo. Como profissionais de Enfermagem, nossas ações

precisam ser desenvolvidas tendo como perspectiva um ser humano integral, inserido em uma

cultura própria; assim teremos a oportunidade de construir coletivamente um cuidado inclusivo e

integral, certamente contribuindo para uma humanidade ética, respeitosa e solidaria.

A aproximação com as comunidades ciganas da cidade de Sousa me proporcionou o

despertar de um olhar antropológico, permitindo perceber esse universo e compreender as

atitudes adotadas pelos ciganos, o que facilitou o entendimento do contexto em que ocorre o

desenvolvimento das práticas de cuidados de saúde na cultura cigana. Segundo Canesqui (1998,

p. 17), “Diante do pluralismo etiológico e terapêutico, Laplantine propôs uma Antropologia da

morbidez e da saúde, capaz de analisar as formas elementares da doença e da cura, numa

perspectiva metacultural e comparativa”.

Enfim, para respeitar e incluir o ritmo próprio vivenciado pelas mulheres ciganas durante

o processo de gestação, parto e nascimento é preciso conhecer e compreender os diferentes

elementos que fazem parte desse universo cultural.

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Figura 11 Mulheres ciganas do sertão paraibano

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Referências

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SILVA, Alcione. Leite da. Cuidado com o momento de encontro e troca. In: CONGRESSO

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SILVA, Aracy Lopes; GRUPIONI, Luís Donizete Benzi. A temática indígena na escola: Novos

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TEIXEIRA, Rodrigo Corrêa. História dos ciganos no Brasil. Recife: Núcleo de Estudos

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VASCONCELOS, Eymard Mourão (Org). A Espiritualidade no trabalho em saúde. São Paulo:

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WALDOW, Vera Regina. Cuidado Humano: o resgate necessário. 3. ed. Porto Alegre: Sagra

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Glossário

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Arranchado – Acampado.

Arrodeava- em volta

Acero- próximo, beira da pista

Avexada - apressada

Carecia- necessita

Bucho- barriga

Buchuda- grávida

Bizaco- saco de tecido utilizado para guardar roupas e objetos.

Calanguinho: réptil de pequeno porte

Cangalha- utensílio utilizado para colocar no lombo dos animais

Choca- doente

Comida carregada: comida de difícil digestão

Criado na barriga: localização da criança no ventre da mãe

Croando- coroando,

Debaixo dos paus: Embaixo das arvores

De pra trás- tempo passado, época do nomadismo

Derradeiro: último

Descansar- parir

Desmantelo de sangue: Hemorragia

Engomava: passar a roupa

Entojo- enjôo

Embaraçava-atrapalhava

Entrochei- colocar as roupas dentro de um lençol amarrado nas pontas

Esmorece-

Encharcada- doente

Empatava- proibia

Forquias- pau ou tronco bifurcado

Juazeiro- arvore do juá

Latejo- pulsando

Moitinhas- grupo espesso de plantas

Moda velha- canção antiga

Na marra: a força

Particular- pessoa não cigana

Por mode- por causa

Papagaiada- colorida, extravagante

Pé de pau: árvore

Pelejou- Implorou, insistiu

Peba- animal da família do Tatu

Pingo do meio dia- ao meio dia em ponto, sol quente.

Pra riba- para cima

Remédio do mato: chás

Reparando- observando

Resto do parto: placenta

Ruma de mulheres – varias mulheres

Sabida- inteligente, sábia

Se bole - movimento

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Tacazinha: pouca quantidade

Terreiro: espaço vazio a redor da barraca ou da casa.

Tirava o beco- saia, retirar se do local

Volta de contas: colar

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Apêndices

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Apêndice A UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM

Titulo da pesquisa: Mulheres ciganas e a vivencia da maternidade.

Mestrando: Suderlan Sabino Leandro

Orientadora: Profª Drª Maria Djair Dias

FICHA TECNICA

Nome: Idade

Apelido:

Estado civil:

Naturalidade:

Quantos filhos teve?

Teve algum aborto?

Questão de coorte:

Como foi a experiência da senhora de gestação, parto e nascimento?

Questões Norteadoras

Como era o seu dia-a-dia?

Tinha relações sexuais com o marido?

Utilizava algum chá, garrafada, meisim?

Como era o momento do parto?

Quais eram os cuidados com a criança?

E o resguardo?

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Apêndice B UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Esta pesquisa intitulada MULHERES CIGANAS E A VIVÊNCIA DA MATERNIDADE, que

será desenvolvida pelo pesquisador Suderlan Sabino Leandro, aluno do Programa de Pós-

Graduação em Enfermagem, curso de Mestrado pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB),

sob a orientação da Profª. Drª. Maria Djair Dias.

O objetivo deste estudo é: Conhecer as experiências de práticas de cuidado realizado por

mulheres ciganas durante a gravidez, parto e nascimento; e Identificar as práticas mais

comuns utilizadas pelas mulheres ciganas no cuidado durante o período da maternidade;

Os resultados do estudo poderão contribuir significativamente para o resgate da cultura do

cuidado a saúde desenvolvido pelas mulheres ciganas. Pois para que esse saber seja valorizado é

necessário conhecer e respeitar o saber empírico trazido pelas mulheres ciganas.

Solicito a sua contribuição para participar de uma entrevista individual, utilizando o

sistema de gravação (MP4 - gravador), para obter informações necessárias para elaboração do

estudo, como também permissão para ser fotografada durante os encontros. Não haverá nenhum

risco previsível para o entrevistada.

Vale ressaltar que, a participante será garantida: acesso as informações e esclarecimentos

sobre qualquer dúvida relacionada à pesquisa, bem como, a liberdade de retirar o consentimento a

qualquer momento do estudo e deixar de participar da pesquisa sem que isto ocasione nenhum

prejuízo e a segurança de não ser identificado e o caráter confidencial da informação, caso assim

seja o seu desejo.

Porém, além do seu consentimento, solicito sua autorização para apresentação dos

resultados obtidos neste estudo, assim como as imagens fotografadas, em eventos científicos e

publicações em revista ou outros veículos de comunicação.

O pesquisador agradece a colaboração e a confiança depositada. E estará a sua disposição

para qualquer esclarecimento que considere necessário em qualquer etapa da pesquisa.

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Diante do exposto, declaro que fui devidamente esclarecido (a) e dou o meu

consentimento para participar da pesquisa e para publicação dos seus resultados.

Sousa PB, _______/_______/_________.

________________________________________

Assinatura do Participante da Pesquisa

__________________________________________

Assinatura do Pesquisador Responsável

No caso de dúvidas ou maiores esclarecimentos entrar em contato com:

- Coordenação do Programa do Mestrado em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba /

João Pessoa (UFPB). Centro de Ciências da Saúde. Campos Universitários I. CEP: 58059-900;

telefone (83) 3216-7109. E-mail: [email protected]

- Contatos:

Profa. Drª. Maria Djair Dias

E-mail: [email protected]

Pesquisador responsável: Mestrando Suderlan Sabino Leandro.

E-mail: [email protected] Tel: (83) 8833 4929

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Apêndice C

CARTA DE CESSÃO

Sousa PB, ________ de ____________________de___________.

Colaborador (a): ________________________________________

Eu, ___________________________________________________, estado civil

______________________, documento de identidade nº. ___________________, declaro para os

devidos fins que cedo os direitos de minha entrevista, transcrita, textualizada, transcriada e

autorizada para leitura na data _____/_____/ 2008, assim como o nome escolhido por mim

_______________ para o pesquisador Suderlan Sabino Leandro, podendo ser usada

integralmente ou em partes, sem restrições de prazos e citações, desde a presente data, em favor

da realização da sua dissertação de mestrado, denominada: MULHERES CIGANAS E A

VIVÊNCIA DA MATERNIDADE.

Do mesmo modo, autorizo a sua audição e o uso das citações a terceiros, ficando

vinculado o controle ao referido pesquisador.

Declaro ainda estar ciente do objetivo da pesquisa que Conhecer as experiências de práticas

de cuidado realizado por mulheres ciganas durante a gravidez, parto e nascimento; Identificar as

práticas mais comuns utilizadas pelas mulheres ciganas no cuidado durante o período da

maternidade;

Abdicando direitos meus e de meus descendentes, subscrevo a presente.

______________________________________________

Assinatura da Colaboradora da Pesquisa

_________________________________________

Assinatura do Pesquisador Responsável

Suderlan Sabino Leandro

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