Mudanças econômicas e sociais no Brasil, 1980-2000_A transformação imcompleta revisitada

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    MUDANAS ECONMICAS E SOCIAIS NO BRASIL, 1980-2000:A TRANSFORMAO INCOMPLETA REVISITADA.

    Herbert S. KleinColumbia University

    Francisco Vidal LunaUniversidade de So Paulo

    KLEIN, Herbert S. & LUNA, Francisco Vidal. Mudanas econmicas e sociais no Brasil,1980-2000: A transformao Incompleta revisitada; In: Reflexes en torno a 500 aos deHistria de Brasil. Gonzles, Elda; Moreno, Alfredo & Sevilha, Rosario, org. Madrid,Editorial Atriel, 2001.

    Nos ltimos quarenta anos ocorreram transformaes profundas na sociedadebrasileira; tradicionalmente agrcola e rural, tornou-se uma moderna sociedade industrial,altamente urbanizada, ocupando a posio de oitava economia do mundo (World Bank,2000). Este processo atingiu todas as regies e segmentos da sociedade e a despeito dos

    inegveis avanos no sentido de consolidar uma sociedade mais justa e democrtica, foiincapaz de reverter a grande desigualdade que marca historicamente o pas. Segundo umlevantamento recente do Banco Mundial, nenhum pas desenvolvido ou emdesenvolvimento compara-se ao Brasil em termos de desigualdade na distribuio darenda. Em 1996 o ndice de Gini resultava 0,60, valor suplantado apenas por trs outrospases Suazilndia, Repblica Centro-Africana e Serra Leoa. Ademais, poucos pases,ricos ou pobres, apresentam indicadores to perversos como o Brasil quanto proporoda riqueza controlada pelos dois extremos da pirmide social: os 10% mais pobrespossuem menos de 1% da riqueza nacional, enquanto os 20% mais ricos detm 64%desses recursos. Nmeros comparveis apenas a alguns pases pobres africanos (WordBank, 2000).

    Em 1980, um dos responsveis por este trabalho fez parte de um grupo depesquisadores interessados no estudo das transformaes ocorridas na sociedadebrasileira entre 1940 e os primeiros anos da dcada de oitenta. Apesar das expressivasmudanas ocorridas naquele perodo, identificavam-se graves disparidades sociais,justificando a identificao do processo como transio incompleta" (Bacha & Klein,1986). Neste trabalho retomaremos o tema, analisando os impactos sociais causadospelo desempenho da economia brasileira nos ltimos vinte anos; perodo marcado porbaixas e irregulares taxas de crescimento, muito abaixo das observadas nos primeirosoitenta anos do sculo XX. Interessa-nos particularmente a questo distributiva, tanto doponto de vista regional, como entre os segmentos mais ricos e mais pobres da populao.

    Pretendemos verificar se persistem razes para caracterizar o pas como uma "Belndia",que refletia a existncia de uma profunda dualidade, coexistindo regies com padressociais totalmente distintos; o Sudeste assemelhava-se a Blgica; o Nordeste igualava-sea ndia. As ltimas duas dcadas, apesar de classificadas como perdidas pelo baixo

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    crescimento do produto, representaram um perodo de profundas mudanas no pas. Aeconomia modernizou-se e os principais indicadores sociais evoluram positivamente,praticamente obtendo-se a universalizao da educao primria. Mas uma dvidapersiste. Teria o processo provocado mudanas significativas nos injustos e incompatveispadres distributivos que marcam a sociedade brasileira? Essa a questo a serrespondida.

    Como outros pases da Amrica Latina, a economia brasileira expandiu-se

    rapidamente nos primeiros anos da dcada de setenta (vide Grfico 1). Aproveitando-seda forte expanso da economia mundial, da abundncia de recursos e das baixas taxasde juros, muitos pases do chamado terceiro mundo atravessaram um perodo deeuforia, crescendo aceleradamente, mas acumulando desequilbrios nas suas contasexternas. O financiamento desses desequilbrios ampliava a dvida externa e adependncia futura em relao ao mercado financeiro internacional. As duas crises dopetrleo (1973 e 1979), as presses inflacionrias da decorrentes e os fortes aumentosnas taxas de juros nos Estados Unidos para combater os efeitos da crise, modificaram ocenrio. Os pases mais ricos passaram a praticar polticas recessivas, reduzindodrasticamente o crescimento mundial e a oferta de recursos para os pases emdesenvolvimento, atingidos pela crise em situao extremamente vulnervel, pois

    dependiam das suas exportaes e dos recursos financeiros internacionais para financiarseus programas de investimentos. E os pases mais pobres, alm de sofrerem pela quedanas exportaes, tiveram seu acesso ao mercado financeiro internacional limitado.Retraram-se as fontes internacionais de financiamento, impossibilitando a obteno denovos recursos ou o refinanciamento da dvida existente. A maioria passou a enfrentarsrios problemas internos, como inflao e recesso, bem como dificuldades para honrarseus compromissos com o servio da dvida externa.

    O Brasil acompanhou os demais pases em desenvolvimento na fase de expanso.Mas ao contrrio da maioria dos outros pases, que adotaram polticas recessivas aps ochoque do petrleo, quando caracterizou-se uma profunda crise internacional, o governo

    brasileiro optou por intensificar o processo de substituio de importaes, atravs de umambicioso programa de investimentos, denominado II Plano Nacional de Desenvolvimento(II PND). Procurava complementar o processo de industrializao, estimulando aproduo interna de segmentos ainda dependentes de importaes, como mquinas,equipamentos e insumos bsicos, e visava eliminar gargalos existentes na infra-estruturaeconmica, principalmente nas reas de energia e transportes; sua execuo permitiriaao pas retomar a trajetria histrica de crescimento. Embora parcialmente implementado,o plano modernizou e ampliou o nvel de integrao do parque industrial, que se tornouum dos mais complexos entre os pases em desenvolvimento. Mas o programarepresentou um grande esforo de investimentos, aumentando a dependncia das fontesexternas de recursos para financiar os desequilbrios na balana comercial e honrar oservio da dvida, encarecida pela elevao das taxas de juros. Ademais, a elevao dopreo do petrleo atingiu duramente o pas, ainda muito dependente da importaodesse produto. A inflao, que se mantinha ao redor de 25% ao ano nos primeiros anosda dcada de setenta, atingiu 85% em 1980. Apesar da turbulncia internacional dos anossetenta, a economia brasileira cresceu em mdia 8,6% na dcada. Este impressionantedesempenho permitiu o aumento da renda per capita de 500 dolares para mais de 2000dolares.

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    A crise mundial provocada pela crise do petrleo estendeu-se pelos primeiros anosda dcada de oitenta e teve impacto dramtico em todos os pases em desenvolvimento,particularmente aps a crise mexicana de 1982. Estes pases passaram a enfrentardificuldades crescentes para honrar seus compromissos no mercado internacional emuitos suspenderam seus pagamentos e renegociaram a dvida externa. Foi a chamadaCrise da Dvida, que atingiu todos os pases credores ou devedores, ricos ou pobres. Aorecorrer ao Fundo Monetrio Internacional para solucionar seus problemas, os pasesdevedores comprometeram-se a seguir as orientaes daquele organismo: implantarpolticas recessivas para combate o processo inflacionrio, equilibrar as contas pblicas egerar saldos positivos no comrcio internacional, para que pudessem retomar opagamento dos compromissos externos. Os pases em desenvolvimento passaram deimportadores a exportadores de capital, comprometendo qualquer poltica interna decrescimento.

    Com a crise mexicana o Brasil viu-se obrigado a seguir o mesmo caminho,

    adotando medidas recessivas, com controle monetrio, elevao dos juros internos, cortenos gastos pblicos e reduo do salrio real (o chamado arrocho salarial). Esse conjuntode medidas, como desejado, provocou uma profunda recesso, com queda de 4,3% noPIB. Com resultado da recesso, que retraiu a demanda interna, e pelo aumento dacapacidade produtiva decorrente do II PND, foi possvel obter expressivos saldospositivos na balana comercial a partir de 1983. Mas a poltica recessiva no conteve ainflao, que atingiu 180% em 1984, nem equilibrou as contas pblicas, apesar dos cortesnos gastos correntes e nos investimentos. O servio da dvida pblica, onerado pelasaltas taxas de juros, impostas pelo governo para conter a inflao e atrair capital externo,ampliava o gasto pblico e tornava ineficazes as medidas tradicionais de controleoramentrio. Os juros pagos sobre a dvida pblica tornaram-se o mais importante

    componente entre os gastos governamentais. Esta era a situao da economia ao iniciar-se o ano de 1985, quando ocorreu a democratizao do pas, aps mais de vinte anos deregime militar. O pas encontrava-se endividado, com inflao crescente e forte recesso.

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    15Variao PIB

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    Relao PIB mdia mvel de 3

    Grfico 1: Varia o do PIB do Brasil 1948-1995 ePIB de Sudeste e Nordeste em anos

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    E as presses polticas e sociais eram enormes, tornando impossvel a continuidade daspolticas recessivas, particularmente o arrocho salarial.

    Por muitos anos discutia-se a respeito das caractersticas da inflao brasileira eformas de combate-la. No incio dos anos oitenta o debate centrava-se na ineficincia daspolticas recessivas de combate inflao, apontando-se a inrcia inflacionria como suaprincipal causa. Aps um ano de mandato e face impotncia dos instrumentos

    tradicionais para controlar a inflao, que atingia 13% ao ms, o Governo Sarney decidiuimplantar um plano heterodoxo de estabilizao, no recessivo, com mudana do regimemonetrio, congelamento de preos e desindexao da economia como forma de eliminara inrcia inflacionria. O chamado Plano Cruzado foi um sucesso inicial, principalmentepelo controle de preos e pelos efeitos distributivos. A queda abrupta da inflao, quecorroa a renda da populao e as regras de converso de moeda, que propiciaram umaumento real dos salrios, provocaram rpido e at certo ponto inesperado aumento nademanda interna. Cresceram a produo e o emprego, mas tambm ampliaram-se asimportaes. A demanda interna superava a capacidade de oferta de bens, provocandofalta generalizada de produtos, presses inflacionrias e novamente aumento de preos.Por outro lado, a necessidade de recursos para atender aos compromissos com a dvida

    externa e as novas presses sobre a balana comercial geradas pela retomada docrescimento deterioraram as contas externas. No incio de 1987, frente as dificuldadesexternas e como o mercado financeiro internacional estava fechado para os pases daAmrica Latina, o Brasil viu-se obrigado a suspender os pagamentos dos seuscompromissos externos e renegociar sua dvida.

    O final do governo Sarney foram anos de marcante crise econmica, comacelerao da inflao e deteriorao das contas internacionais. Apesar disso, duranteseu mandato ocorreram as menores taxas de desemprego dos ltimos vinte anos e o PIBcresceu em mdia 4,4% ao ano, nvel muito superior ao observado na fase de estagnaoda primeira metade da dcada. Embora seja dito que os anos oitenta representaram uma

    dcada perdida em termos de crescimento, obtiveram-se importantes conquistas polticase sociais, houve melhoria em vrios indicadores sociais e consolidou-se o processodemocrtico, materializado na Constituio de 1988.

    A primeira metade da dcada de noventa caracterizou-se por uma profunda criseinterna e abandono do modelo tradicional de desenvolvimento brasileiro. O GovernoCollor inaugurou uma fase neoliberal como orientao de poltica econmica. Apesar dodiscurso moralista e pregando a modernidade, seu governo foi marcado pela corrupo epela implementao de um plano de estabilizao irracional e autoritrio, com o confiscode ativos financeiros e uma profunda recesso (queda de 4,2% do PIB em 1990). Ainflao, temporariamente contida, retornou e atingiu nveis muito elevados (mais de 20%ao ms, no final de 1990). . Como orientao de poltica econmica, sem preparaoprvia ou discusso interna, tomaram-se medidas de abertura da economia, com reduogeneralizada das tarifas alfandegrias e eliminao dos tradicionais controles dasimportaes. Desprotegeu-se bruscamente a produo interna, no preparada para acompetio internacional. Ampliou-se o desemprego, caiu o salrio real, retraram-se osinvestimentos e abriu-se uma forte crise poltica, resolvida democraticamente peloimpeachment do presidente

    A economia brasileira atingira um dos mais elevados nveis de integrao industriale interveno estatal entre as economias emergentes, que inclua proteo tarifria e

    atuao direta na produo atravs, das empresas estatais. A economia era fechada, combaixo coeficiente de importaes e a tecnologia predominante adaptava-se a esse padrode crescimento. A complexidade e o sucesso desse processo de interveno estatal,criado a partir da dcada de quarenta, gerava foras contrrias ao abandono do modelo e

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    sua substituio por um programa neoliberal, com privatizaes, fim dos monopliospblicos, reduo da interveno pblica na economia e abertura generalizada domercado. Para justificar a implantao desse modelo de crescimento apontava-se oexemplo dos chamados tigres asiticos. Mas o exemplo e comparao no era vlido.Quando aqueles pases ingressaram no processo de globalizao, partiam de estruturasindustriais menos complexas, contando com forte apoio estatal, concentraoempresarial, com tecnologias modernas e plenamente integradas competiointernacional. Ademais, os processos recentes de crescimento apresentava facetas pouco

    liberais. Os grandes grupos eram fortemente apoiados pelo Estado, que no participavada produo, mas coordenava o processo.

    Apesar das resistncias naturais, a globalizao teve continuidade no Brasil aps oimpeachment do Presidente Collor. Mas era tambm necessrio combater a inflao. Emoutubro de 1992, ao assumir o Presidente Itamar Franco, a variao dos preos atingia amarca de 25% ao ms. Em 1993 o atual presidente Fernando Henrique Cardoso foiindicado Ministro da Fazenda e logo implantou um programa de estabilizao, o quartodesde o Plano Cruzado ocorrido em 1986. Este novo plano, denominado Plano Real, foium sucesso no controle inflacionrio. Aproveitando um cenrio favorvel no mercadointernacional e levando em conta a experincia dos programas anteriores, o Plano Real

    inovou no processo de converso monetria. Ao invs de promover a desindexaodiretamente, como nos planos anteriores, o Plano Real efetuou inicialmente a indexaogeral, dando uma base comum aos reajustes de preos e contendo a acelerao dainflao. Na etapa seguinte, com todos os reajustes de preos alinhados, efetuou-se adesindexao e a inflao seguiu uma trajetria decrescente, mesmo sem controle depreos. A abertura ampla da economia e a valorizao da moeda nacional, que serviucomo ancora do programa, foram fundamentais no sucesso inicial do plano. Apesar deuma desvalorizao de mais de 50% na moeda nacional em 1999, manteve-se aestabilidade de preos, terminando-se o ano 2000 com uma taxa anual de apenas 5%.Resultado no obtido em mais de quarenta anos.

    O Plano Real aprofundava o modelo liberal iniciado no Governo Collor. Combatia-se a inflao pela ampla abertura da economia e valorizao do Real, desprotegendo aproduo nacional frente concorrncia internacional. O Plano tambm procuravaaprofundar o ajuste fiscal e efetuar as chamadas Reformas do Estado, incluindo adesregulamentao da economia, a privatizao das empresas produtivas estatais,mudanas nas relaes de trabalho e novas regras para a seguridade social.Desprotegida, a produo nacional foi obrigada a modernizar-se para sobreviver concorrncia internacional. Os resultados foram imediatos: uma parte da economiaefetivamente se modernizou, mas outra parcela do setor produtivo simplesmentedesapareceu frente concorrncia, principalmente pela manuteno da moeda nacionalartificialmente valorizada; ocorreu um processo de desnacionalizao das empresasnacionais, reduo do emprego industrial, maior dependncia externa por insumos,componentes, bens de capital e tecnologia; o pas estagnou em termos de crescimento eaumentou o desemprego. Os defensores do plano chamavam o processo de destruiocriadora; mas haviam crticas profundas ao programa, particularmente pela valorizaoda moeda nacional (Sayad, 2000, Batista, Jr., 2000, Tavares, 1999). O plano, ao utilizar ocmbio fixo como ancora, dificultava as exportao e estimulava as importaes, criandocrescentes saldos negativos na balana comercial e desequilbrios crescentes nas contasexternas. Para atrair recursos internacionais, necessrios para financiar essesdesequilbrios e tambm para evitar a recuperao da economia, que exerceria pressoadicional sobre a balana comercial, o governo manteve por vrios anos juros reais muito

    altos. Os desequilbrios externos aumentavam a dvida externa; a elevao dos jurosinternos ampliava a dvida interna. Estagnou o nvel de atividade, aumentou odesemprego e a ampliou-se a crise social.

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    A eventual viabilidade desse processo exigia longo perodo de maturao edependia de uma conjuntura externa favorvel, com recursos financeiros abundantes ebaixas taxas de juros. A crise asitica (1997) e a crise na Rssia (1998), mostraram osriscos dessa poltica. Como reao crise asitica o governo aprofundou o programa,tentando agilizar as reformas, melhorar as contas pblicas e aumentando ainda mais osjuros internos, para atrair capital especulativo e proteger as reservas cambiais. Os jurosatingiram mais de 30% ao ano em termos reais. Mas a crise na Rssia mostrou ainviabilidade de continuar com esse programa. Ocorreu fuga de capitais, com explosiva

    perda de reservas, e somente o rpido socorro do FMI e uma desvalorizao de 50%evitaram uma crise de maior magnitude. Abandonou-se a ancora cambial, base essencialdo modelo e seu elemento mais questionvel. Os crticos do programa sugeriam que serianecessria uma desvalorizao planejada; temiam que uma corrida contra as reservas,em momento de crise, pudesse ocasionar uma desvalorizao forada, provocada pelomercado. As conseqncias seriam imprevisveis e poderiam colocar em risco a solvnciaexterna do pas. Ocorreu exatamente o que tanto se temia. A desvalorizao foi causadapelo mercado, em meio a uma crise externa e com expressiva perda de reservas. Amagnitude do problema brasileiro e seus riscos para os demais pases emergentesexplicam o rpido e eficaz socorro do FMI.

    A desvalorizao ocorrida em janeiro de 1999 foi crucial para a recuperao daeconomia e permitiu a retomada do crescimento, aps anos de estagnao. A aberturaprovocou uma modernizao da produo interna, mas sua capacidade competitivadependia da desvalorizao da moeda nacional. E a recuperao do poder competitivopermitiu a reduo gradual das taxas internas de juros. Com cmbio adequado e quedanas taxas de juros a economia voltou a crescer, aumentaram os investimentos e abalana comercial tendeu ao equilbrio. As novas perspectivas de crescimento, aestabilidade de preos e a situao das contas pblicas, criaram um cenrio favorvel aosinvestimentos estrangeiros no pas. Capital atrado para novos investimentos produtivosou para a compra de ativos existentes, tanto na privatizao como na aquisio deempresas privadas nacionais. Em todos os segmentos produtivos ampliou-se

    significativamente a participao do capital estrangeiro. E reduziu-se o poder deinterveno governamental na economia.

    As conseqncias sociais das medidas adotadas nos anos noventa foramcontraditrias. A implantao do Plano Real e a estabilidade de preos aumentaram opoder de compra da maioria da populao. Cresceu a demanda por alimentos e por bensde consumo populares, refletindo uma melhoria nas condies de vida da camada maispobre da populao (Lavinas:1998). Mas o emprego, que havia crescido inicialmente,estabilizou-se ou mesmo reduziu-se; aumentou o desemprego e o mercado informal detrabalho, provocando a perda de importncia do emprego de melhor qualidade, em termosde produtividade e remunerao.

    A partir destas consideraes a respeito da ltima dcada, faamos umaretrospectiva geral a respeito dos resultados econmicos e sociais obtidos nos ltimosvinte anos. Em comparao com a tendncia histrica, o crescimento foi modesto eirregular. Em dez anos, entre 1970 e 1979 o PIB expandiu-se mais de 100%. Em 20 anos,entre 1981 e 2000 aumentou apenas 50%, enquanto a populao cresceu 42%. Mas opas mudou profundamente neste ltimo perodo. Ocorreu a democratizao, ampliou-sea participao efetiva da sociedade civil, houve uma profunda mudana na estrutura daeconomia. Abandonou-se o modelo tradicional de desenvolvimento, modernizou-se oparque industrial e a produo nacional foi exposta concorrncia internacional. A

    maioria das empresas pblicas foi privatizada e alguns setores, como energia ecomunicaes, as maiores compradoras foram as multinacionais. Ademais, importantesgrupos privados nacionais no sobreviveram ao processo de concorrncia internacional eglobalizao da produo, junto com a valorizao artificial do moeda nacional (veja

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    Grfico 2). A produo concentrou-se, houve ampla desnacionalizao no controle dosetor produtivo e profunda modernizao dos grupos nacionais sobreviventes. O papel dogoverno na produo foi ocupado em grande parte por corporaes multinacionais.

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    Salario Real Desemprego

    GRFICO 2: SALRIO REAL MDIO E TAXA DE DESEMPREGO NA CIDADE DE SO PAULOPOR MES E ANO, 1985-2000

    (mdia de 1985=100)

    Assim como na indstria, a agricultura tambm passou por uma verdadeirarevoluo nos ltimos vinte anos. Modernizou-se, capitalizou-se, aumentousignificativamente sua produtividade e reduziu seu grau de dependncia dos subsdiospblicos (Dias & Amaral, in Baumann 1999). Ao mesmo tempo expandia-se a fronteira

    agrcola, particularmente pela incorporao da regio Centro-Oeste. O desenvolvimentode tecnologia apropriada permitiu a ocupao econmica do cerrado, cujos solos exigemcuidados especiais para preservao da sua fertilidade. O rpido crescimento daagricultura comercial no Centro-Oeste provocou um amplo movimento migratria,proveniente das reas de agricultura tradicional. Graas a expanso da agricultura, criou-se no centro do pas uma rea dinmica e moderna, atraindo investimentos emagroindstria e infra-estrutura.

    Do ponto de vista social, embora seja cedo para avaliar os efeitos do processorecente de globalizao e abertura da economia, pode-se afirmar que at o momento onovo modelo de crescimento resultou em perda de postos de trabalho para os

    trabalhadores brasileiros. So transformaes complexas, cujas conseqncias somentepodero ser avaliadas a mdio e longo prazo. Em recente artigo estimou-se que cerca demeio milho de empregos foram destrudos com a privatizao de 490 empresas pblicas,representando cerca de 44% dos empregos anteriormente existentes (12/15/00 Folha deSo Paulo 15 dezembro 2000, p.B11). No setor privado perdeu-se outro nmeroexpressivo de empregos pela modernizao dos processos produtivos ou fechamento deempresas. Outro artigo mostrou a queda persistente na participao do empregoindustrial no emprego total, de 19,2% (1980) para 11,5% (1999). Este ltimo percentualassemelha-se ao peso do emprego industrial nos anos cinqenta. O mesmo artigo apontaa destruio de dois milhes de empregos formais na dcada de noventa (Pochmann,2000). . Estes so os principais fatores a explicar o aumento recente nos indicadores de

    desemprego. Em um pas com seguridade social ineficiente, esse processo aumentou osetor informal e provocou o crescimento dos empregos de baixa produtividade e poucaremunerao.

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    O entendimento do desempenho da economia mostra-se fundamental para explicarporque a distribuio de renda no Brasil, inegavelmente a pior da Amrica Latina e umadas mais desiguais entre as sociedades industriais modernas, pouco mudou nos ltimosvinte anos. Isso fica evidente quando se verifica que 1% da populao ainda controla umaparcela maior da renda do que a metade mais pobre da populao (veja Grfico 3). E ospobres representam cerca de um tero da populao, com pequenas mudanas nosltimos vinte anos (Rocha, 2000, p.6). O resultado do ndice de Gini para a distribuio derenda no Brasil mostra o valor 0,60; o dobro do verificado nos pases mais ricos. As

    mudanas no padro distributivo foram pequenas, tanto por segmento social como porregio.

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    1% Mais 50% Mais

    Grfico 3: Percentagem da Renda controlada por Faixas de Renda

    O diferencial entre as reas mais ricas e mais pobres permaneceu praticamenteinalterado desde os primeiros anos da dcada de setenta. Naquele perodo houve umdesempenho favorvel, pois a renda per capita do Nordeste que era ao redor de 25% darenda per capita do Sudeste elevou-se para algo em torno de 33% (Oliveira e Silva &Medina, 1999). Infelizmente, nota-se desde 1995 um leve movimento no sentido contrrio,ampliando ainda mais a enorme diferena existente entre as duas regies (veja Grfico1). A comparao entre os perfis distributivos dentro das vrias regies representa outro

    aspecto a demonstrar a gravidade da questo distributiva no pas. As regiesmetropolitanas mais pobres apresentam padro distributivo pior do que as regiesmetropolitanas mais ricas, como pode ser visto na curva de Lorentz, relativa a distribuiode riqueza no ano de 1996, o que agrava ainda mais a situao da camada mais pobre dapopulao (veja Grfico 4).

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    Rio de

    So Curitiba

    Grfico 4: Distribuio de renda em vrias regies metropolitanas

    A rigidez na estrutura social ainda mais evidente na questo da propriedade daterra. Entre 1960 e 1985 as pequenas propriedades (unidades com menos de 10hectares) aumentaram seu peso no nmero de propriedades existentes, passando de45% para 53%. Entretanto sua participao na posse de terra cresceu apenas de 2% para3%. Ou seja, o conjunto dos pequenos proprietrios de terra, que representam mais dametade dos proprietrios, possui apenas 3% da terra disponvel do pas. Tambm noocorreu mudana no excepcional peso dos grandes proprietrios rurais; os proprietrioscom mais de 10.000 hectares, que so menos de 1% dos donos de terra, controlam cerca

    de 15% da rea total. Tambm no houve alterao significativa no peso dos proprietriosrurais com unidades entre 1.000 e 10.000 hectares (veja Tabela 1). Assim, como no casoda riqueza em geral, a estrutura de propriedade da terra permaneceusurpreendentemente inalterada, apesar das grandes transformaes ocorridas naagricultura nos ltimos quarenta anos.

    TAMANHO DASPROPRIEDADES (ha) 1960 1975 1980 1985 1960 1975 1980 1985Menos de 10 44,9% 52,1% 50,4% 53,0% 2,4% 2,7% 2,5% 2,7%10 a menos de 100 44,7% 38,0% 39,2% 37,2% 19,0% 18,6% 17,7% 18,5%100 a menos de 1000 9,4% 9,0% 9,5% 8,9% 34,4% 35,8% 34,7% 35,0%1000 a menos de 10000 0,9% 0,8% 0,9% 0,8% 28,6% 27,8% 28,6% 28,8%10000 e mais 0,1% 0,1% 0,1% 15,6% 15,1% 16,5% 15,0%Total 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100%Fonte: Wood & Carvalho (1994/IPEA), table 9.1 p.230

    ESTABELECIMENTOS REA

    TABELA 1Distribuio Percentual das Propriedades Rurais por Tamanho e

    Nmero de Estabelecimentos

    N MERO DE

    No longo prazo o padro distributivo pode ser explicado por inmeros fatores,

    como a estrutura fundiria, acesso e qualidade da educao, sistema tributrio,organizao da estrutura produtiva, etc. Mas no curto prazo a inflao exerceusignificativa influncia na distribuio de renda. Grande parte da populao mais pobrerecebe sua renda, salrios ou penses, por sistemas contratuais, em regimes mensais,

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    com reajustes peridicos regulados por normas legais. Com a acelerao da inflao,mantida a periodicidade dos reajustes, ocorria perda na renda real dessas pessoas.Embora a acelerao da inflao representasse perda de salrio real dos trabalhadores, ogoverno evitava aprovar mudanas na periodicidade dos reajustes, pois a recomposiodo salrio real poderia provocar nova acelerao na inflao. Era a forma de conter aespiral inflacionria, com efeito perverso sobre a parcela da populao que vivia desalrios e de penses. Somente atravs de fortes presses polticas e sociais eram feitasmudanas na periodicidade dos reajustes. Ocorria normalmente quando a queda do

    salrio real provocara reduo na demanda por bens de consumo, com retrao naatividade econmica e no emprego. Dessa forma a massa salarial era afetadasimultaneamente pela queda do salrio real e do emprego. Nos vrios programas deestabilizao a inflao era bruscamente contida, os salrios convertidos para uma novamoeda, preservando-se o valor real naquele momento, e eliminando-se as antigas formasde reajustes. Quando os preos voltavam a subir, ocorria nova perda salarial, e j noexistiam os procedimentos anteriores de reajuste dos salrios pela inflao passada.Novas presses eram feitas e nova regras surgiam. O processo relatado relaciona-seprincipalmente com a acelerao da inflao e no com seu valor absoluto. Uma inflaoelevada, mas estvel, criaria formas de reajustes que preservassem os rendimentos reais,mantidas as mesmas condies no mercado de trabalho (veja Grfico 5).

    19771978

    19791980

    19811982

    19831984

    19851986

    19871988

    19891990

    19911992

    19931994

    19951996

    19971998

    1999

    1

    10

    100

    1000

    10000

    %

    Em Logaritmo

    0.58

    0.59

    0.6

    0.61

    0.62

    0.63

    0.64

    Gini

    GINI Inflao

    Grfico 5 : Valor do ndice de GINI e Taxa de Inflao no Brasil, 1977-1999

    Mas o nvel absoluto de inflao prejudicava a populao de outra maneira,particularmente quando atingia mais de 50% ao ms, ou seja, cerca de 2% ao dia, comofoi o caso brasileiro. Em tais situaes, h necessidade de processos complexos parapreservao do poder de compra da renda ou da riqueza. Requer informaes esofisticados produtos bancrios, usualmente no disponveis para a parcela mais pobreda populao, que normalmente a mais afetada pelo imposto inflacionrio. Nessesregimes inflacionrios, tambm ocorre dramtica reduo do crdito ao consumidor,atingindo novamente a parcela mais pobre da populao. No Brasil, com salrio mnimo

    inferior a 100 dolares, o crdito torna-se um instrumento fundamental para que a parcelamais pobre da populao tenha acesso aos bens de consumo durvel, mesmo os demenor valor. Com inflao elevada, o crdito existente de curto prazo e onerado comtaxas de juros reais extremamente elevadas. Quando a inflao era temporariamente

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    contida, a eliminao do imposto inflacionrio e a ampliao da oferta de crdito aoconsumidor permitia imediata recuperao da demanda interna, particularmente dos bensde consumo popular. Isso explica os surtos de recuperao da atividade econmicadurante as fases iniciais dos sucessivos planos de estabilizao.

    Mas apesar da rigidez na estrutura distributiva ocorreram importantestransformaes sociais no pas. O aumento na expectativa de vida, com melhoria emtodos os indicadores relacionados com a sade, a universalizao da educao primria,

    com declnio na proporo de analfabetos, e a queda da populao rural, mais pobre,foram as mais significativas mudanas ocorridas nos ltimos sessenta anos. Desde osanos quarenta estes indicadores apresentam tendncia favorvel, com uma intensificaorecente neste processo. A expectativa de vida passou de 41 para 62 anos de idade at1990 (veja Tabela 2). Entre 1995-2000, ocorreu novo aumento na expectativa de vida,terminando o sculo com 67,9 anos. (CEPAL 2000, Tabela 8). Tambm declinaram asdiferenas entre regies. Nos anos trinta, a expectativa de vida da populao das regiesmais pobres era somente dois teros da identificada nas regies mais ricas; a diferenareduziu-se e na dcada de setenta a expectativa de vida das regies mais pobres era trsquartos da verificada nas regies ricas.

    1930/40 1940/50 1950/60 1960/70 1970/80 Aumento entre as dcadasREGIO (A) (B) (C) (D) (E) A-B B-C C-D D-E

    Amazonia 39,8 42,7 51,0 54,2 63,1 2,9 8,3 3,2 8,9Nordeste Setentrional 40,0 43,7 47,8 50,4 55,5 3,7 4,1 2,6 5,1NordesteCentral 34,7 34,0 39,4 44,2 49,0 -0,7 5,4 4,8 4,8Nordeste Meridional 38,3 39,2 44,8 49,7 56,5 0,9 5,6 4,9 6,8Minas 43,0 46,1 51,7 55,4 60,2 3,1 5,6 3,7 4,8Rio de Janeiro 44,5 48,7 56,1 57,0 64,1 4,2 7,4 0,9 7,1So Paulo 42,7 49,4 55,1 58,2 63,9 6,7 5,7 3,1 5,7Paran 43,9 45,9 53,4 56,6 63,2 2,0 7,5 3,2 6,6Sul 51,0 55,3 60,4 61,9 67,8 4,3 5,1 1,5 5,9Centro-Oeste 46,9 49,8 54,0 57,5 62,6 2,9 4,2 3,5 5,1Brasil 41,2 43,6 50,0 53,4 61,6 2,4 6,4 3,4 8,2% da pior regio/melhor regio 68% 61% 65% 71% 77%Fonte: Wood & Carvalho, IPEA, 1994, no.27, p. 108 table 4.2

    Tabela 2: Expectativa de Vida ao Nascer, por Regio -1930/80

    O aumento na expectativa de vida ocorreu junto com melhorias nas condies desade da populao. Isso pode ser comprovado pela mortalidade infantil, varivel chaveque mudou dramaticamente nas ltimas cinco dcadas. Ainda em 1980-85 a mortalidadedas crianas com menos de um ano de idade era de 64 por grupo de mil nascimentosvivos. No qinqnio de 1995-2000 este indicador reduziu-se para 42 por mil (CEPAL2000, Tabela 42). Embora esta taxa ainda seja uma das piores da Amrica Latina, odesempenho dos ltimos anos representou um avano na posio relativa do pas nocontexto regional.

    Ocorreu tambm expressiva reduo no tamanho das famlias, pelo declniosistemtico na taxa de natalidade. Mas ainda persistem grandes diferenas entresegmentos sociais e regies. Em geral, quanto mais pobre a famlia e mais pobre aregio, maior a taxa de fertilidade. Em 1970 a quarta parte mais pobre da populaoapresentava taxa de fertilidade total de 7,5, reduzida para 6,1 em 1980; no extremooposto, ou seja na quarta parte mais rica da populao, o indicador passou de 3,3 para2,9 (Wood & Carvalho 1994, p.180, Tabela 7.2). Apesar da significativa disparidade ainda

    existente, deve-se realar a queda nos nveis de fertilidade dos dois segmentos e adiminuio da diferena, que tambm ocorreu quando se comparam reas urbanas e asreas rurais.

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    O analfabetismo caiu dramaticamente ao longo deste sculo, passando de 65% dapopulao adulta (15 anos de idade ou mais) em 1900 para 20% em 1991 (veja Tabela 2acima). Para o ano 2000, estima-se nova queda, atingindo 12%, da populao entre 10 e69 anos de idade; e esta tendncia de reduo deve manter-se nos prximos anos(Coelho de Souza, 1999:12, tabela 5). Nota-se tambm progresso no sentido deigualdade entre as vrias regies e entre a populao urbana e rural. Isso resulta davirtual universalizao da educao primria no final da dcada de noventa e dasistemtica expanso da urbanizao, favorecendo o processo educacional. Estima-se

    que a populao urbana tenha atingido 81% da populao total no censo de 2000 (vejaGrfico 6). importante realar os avanos obtidos na mdia de alfabetizao dapopulao urbana, que passou de 3,2 para 5,3 anos, no perodo 1976 a 1996; ademais,os dados de 1996 demonstram que a mdia de escolarizao das mulheres (5,4 anos)ultrapassou a dos homens (5,2 anos) (Ferreira & Paes de Barros 2000, Tabelas 3 e 4).Mas apesar dos inegveis avanos obtidos nos indicadores de educao, segundo asestimativas da CEPAL o Brasil ainda apresenta os piores nveis de analfabetismo daAmrica Latina, com percentual superior ao da Bolvia e o dobro da taxa do Paraguai(CEPAL, 2000, Tabela 33).

    1900 1920 1940 1950 1960 1970 1980 1991 1996 20000

    0.1

    0.2

    0.3

    0.4

    0.5

    0.6

    0.7

    0.8

    0.9

    %

    % alfabetio % Rural

    Grfico 6: POPULAO RURAL E TAXA DE ALFABETIZAO DA POPULAODE QUINZE ANOS E MAIS, BRASIL 1900-2000

    O declnio nos indicadores de analfabetismo deve-se progressiva expanso daeducao primria. Entre 1989 e 1997, consideradas as crianas em idade parafreqentar o primeiro ano primrio, o percentual de crianas matriculadas passou de 80%para 97%. Houve tambm grande incremento na educao secundria; a taxa dematrcula das crianas em idade relevante para o curso secundrio aumentou de 46%para 66% no mesmo perodo (Word Bank, 2000, Tabela 2.10)

    Entretanto, a despeito do declnio na taxa de analfabetismo, aumento daexpectativa de vida, queda da mortalidade infantil e melhoria generalizada em outrosindicadores relacionados com a sade, o Brasil ainda representa uma das naes com ospiores ndices sociais, mesmo na Amrica Latina. A maioria dos indicadoressocioeconmicos mostram o Brasil pertencendo ao grupo dos pases menos

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    desenvolvidos, embora seja a oitava economia mundo (World Bank, 2000, Tabela 1.1).Embora diminua a diferena nos indicadores de sade e educao quando comparadosricos e pobres, as variveis econmicas mostram a persistncia do padro dedesigualdade. Isto se deve a uma srie de fatores arraigados na sociedade brasileira, mastambm ao processo de estagnao da economia nas ltimas duas dcadas. Enquantoas taxas de crescimento do produto permanecerem baixas relativamente ao crescimentoda populao segundo dados preliminares, o crescimento populacional foi de 1,6% aoano na dcada de noventa resultados modestos sero obtidos no padro distributivo,

    tanto entre classes como entre regies. Mas apesar da persistncia do injusto padrodistributivo, ocorreram importantes mudanas sociais nos ltimos vinte anos e atualmentea caracterizao do pas como uma "Belndia" no parece to bvia como antigamente.Mas renda e riqueza ainda representam importantes marcas de distino entre classes eregies.

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