MUDANÇA NO USO DA TERRA NA IMPLANTAÇÃO DE … · 2016-10-19 · rurais teve início em 80, como...
Transcript of MUDANÇA NO USO DA TERRA NA IMPLANTAÇÃO DE … · 2016-10-19 · rurais teve início em 80, como...
Eixo temático do trabalho: nº 1. Técnica e Métodos de Cartografia, Geoprocessamento e
Sensoriamento Remoto, Aplicadas ao Planejamento e Gestão Ambientais.
MUDANÇA NO USO DA TERRA NA IMPLANTAÇÃO DE ASSENTAMENTOS RURAIS: O
CASO DO ASSENTAMENTO OLGA BENÁRIO
Fernanda Ayaviri Matuk, (Universidade Federal de Viçosa –UFV), [email protected]; Helder
Ribeiro Freitas, (UFV), [email protected]; Elpídio Inácio Fernandes Filho (UFV), [email protected].
Resumo: A apropriação do espaço para o estabelecimento de assentamentos de Reforma Agrária
ocorre mediante medidas de planejamento territorial e produtivo e resulta em mudanças no uso da terra
das áreas apropriadas. Conseqüentemente, ocorrem transformações na paisagem local e regional, cuja
compreensão faz-se importante para o entendimento da maneira como os assentamentos têm afetado o
espaço em que se inserem. O objetivo deste trabalho foi identificar as mudanças ocorridas em relação
ao uso da terra no assentamento Olga Benário, localizado em Visconde do Rio Branco – MG, criado
em 2005, com capacidade de 30 famílias. Para tanto, utilizou-se duas imagens de satélite IKONOS II,
caracterizando dois períodos distintos na ocupação da referida área e trabalho de campo. Constatou-se
o avanço de áreas destinadas ao cultivo de lavouras e de mata, anteriormente ocupadas por pastagem e
capoeira; que o uso atual tem influência do uso anterior e que há uma tendência ao aumento da
diversificação do uso da terra com áreas destinadas à categoria de lavoura. Assim, mesmo havendo
apenas uma ocupação inicial dos lotes pelas famílias, a dinâmica de uso da terra tem assumido
características da agricultura familiar.
Abstract: The appropriation of space for the Land Reform settlements’s establishment occurs through
a territorial planning and results in changes in the use of the appropriate areas. Consequently, there are
changes wich occur in local and regional landscape where the settlement is located, whose
comprehension is important to the understanding of how the settlements have affected the area in
which they operate. The aim of this work was to identify changes in the use of land in the settlement
Olga Benário, located in the Viscount of Rio Branco - MG, created in 2005, with capacity of 30
families, Thus, two IKONOS II satellite images were used, featuring two distinct periods in the
occupation of the area and also field work. It was found the advance of sites for the cultivation of crops
and Forest fragments, previously occupied by pasture and poultry. It was concluded that the prior use
has influence on the current use of land and that there is a tendency to increase the diversification of
land use with planting areas. Thus, even with only an initial occupation of the lots by the families, the
dynamics of land use has taken characteristics of family farming.
Introdução
A Reforma Agrária no Brasil decorre do tratamento dado á Questão Agrária pelo país, com um
histórico de expropriação e exploração da terra por monocultura extensiva (MORAES, 1997). A
estrutura fundiária agrária decorrente deste modelo agrário promoveu, a partir da década de 60,
movimentos de luta pela terra que passaram a ocorrer no campo, pressionando as entidades políticas a
iniciarem a tomada de medidas voltadas para a redistribuição de terra. A criação de assentamentos
rurais teve início em 80, como resposta à pressão destes movimentos, e foi legalmente possibilitada
pela promulgação do Estatuto da Terra (BERGAMASSO, 1997). O estatuto da terra corresponde á Lei
4.504, de 30 de novembro de 1964, em que são previstas a constituição de projetos de colonização para
inserir regiões pouco habitadas e dinâmicas economicamente, bem como a criação de assentamentos
de Reforma Agrária para equalizar a distribuição de terras e assegurar o cumprimento da função social
da terra, combatendo o latifúndio e promovendo o desenvolvimento de relações capitalistas no espaço
agrário. Contudo, medidas como o planejamento participativo do uso e ocupação, visando a
participação dos assentados rurais na decisão do planejamento territorial e produtivo das terras
conquistadas, bem como o cumprimento da legislação ambiental são recentes (FREITAS, 2004).
Atualmente, todo assentamento rural, ao ser criado, envolve um plano de uso e ocupação, que é
realizado dentro do Plano de Desenvolvimento dos Assentamentos (PDA). Este documento engloba
ações como: levantamento de dados sobre o meio físico, estratificação de ambientes da área,
diagnóstico social, relativo às habilidades das famílias para a produção, à sua sociabilidade e planos
para o futuro, planejamento de produção e da vida os assentados. A associação destes dados resulta no
planejamento territorial do assentamento, ou seja, define como será a organização espacial da área
(VILELA, 2002).
Há uma variedade muito grande de assentamentos rurais: formados por pessoas que moram na
região onde são implantados, ou por pessoas que vieram do meio urbano; mais isolados, próximos de
assentamentos vizinhos; voltados para a subsistência, integrados ao mercado local como fornecedores
de produtos a serem beneficiados industrialmente, entre outros casos que poderiam ser mencionados.
Em todos os casos o que se de identifica de comum é uma transformação da paisagem local, e mesmo
regional, devido aos diferentes usos que são implementados durante a ocupação e acomodação das
famílias assentadas, bem como através de sua inserção no mercado e na economia locais (MELO,
2001).
Muitos estudos têm sido desenvolvidos para analisar as transformações ocasionadas pelos
assentamentos rurais nas regiões em que estão inseridos utilizando como ferramenta de apoio o
Geoprocessamento. A análise, por meio de uma abordagem Geográfica, destas transformações pode
ser feita através na observação das mudanças ocorridas na paisagem da área ocupada pelos
assentamentos.
Santos (2002, p. 103) conceitua paisagem como “... conjunto de formas que (...) exprimem as
heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza”. A paisagem
deve ser compreendida como um conjunto de elementos da natureza, que inclui desde fauna, flora e
rochas até o homem e as edificações que ele constrói. Ou seja, a paisagem envolve uma dimensão
natural, de elementos como vegetação, solos, rio, etc., e uma dimensão cultural, produto da
organização da sociedade e de sua forma de se interagir com a natureza.
As representações ou formas espaciais contidas uma paisagem indicam a existência de um
conteúdo social que traduz as práticas sociais, o trabalho humano; sua compreensão requer a análise e
o conhecimento de que atores sociais estão agindo ou tiveram influência sobre a paisagem observada,
bem como dentro de que organização espacial se insere a mesma. Ou seja, é necessário conhecer a
história da paisagem, assim como as características da sociedade que a ocupa ou tem influência sobre
ela na atualidade (CORRÊA, 2003). Portanto o arranjo espacial está ligado também às características
do grupo que ocupa a área. Assim a cultura que as famílias trazem consigo influencia o espaço e o
espaço, com suas características físicas, como tipo de solo e de relevo, condiciona a maneira como se
dá sua ocupação. Se os assentados forem de origem rural, por exemplo, trarão seus costumes em
relação ao plantio. Se tiverem origem urbana terão de construir meios para sua subsistência, aprender a
trabalhar com a terra.
As formas espaciais podem se manter as mesmas e, no entanto, abrigarem novas funções;
entretanto a tendência é de que uma mudança na organização espacial atue modificando o todo de
configuração territorial local. A paisagem é um fragmento do que seria a configuração territorial, ou
seja, do arranjo da totalidade espacial, é um conjunto de elementos naturais e artificiais que
caracterizam uma porção do espaço (SANTOS, 2002). Ao se apropriarem das terras conquistadas, os
assentados rurais podem iniciadas novas culturas ou dar continuidade ao cultivo das culturas
anteriormente praticadas na área, mas sob outra forma de organização espacial. De qualquer maneira,
ocorre uma transformação na paisagem. Também o mercado local e sua demanda no momento da
ocupação do assentamento influenciam as atividades produtivas a serem desenvolvidas e,
conseqüentemente, atua sobre o modelado da paisagem. Em contrapartida, podem ocorrer a
dinamização da economia local, impulsionando novas atividades urbanas voltadas para o
abastecimento do assentamento, assim, a paisagem local, fora do assentamento também pode ser
modificada (MELO, 2001).
Como a compreensão da paisagem pode ser apreendida por meio da análise visual é possível fazer
um trabalho de análise das modificações engendradas na paisagem de assentamentos rurais através do
Sistema de Informações geográficas (SIG), que quantifica, espacializa e gera informações relativas aos
dados espaciais de uma área de estudo através das ferramentas de Geoprocessamento com que trabalha
(CALIJURI e RÖHM, 1995). O SIG pode ser utilizado para a elaboração de mapas temáticos, com
base na análise e interpretação de imagens de satélite e fotos aéreas que cobrem a área de estudo, ou do
mapeamento através do trabalho de campo. Também podem ser integradas nos mapas informações
relativas aos componentes ambientais e sociais do assentamento, ou seja, que abarcam a paisagem
como um todo (VILELA, 2002).
Este trabalho objetivou analisar, dentre as diversas transformações ocasionadas na paisagem da
área que ocupam os assentamentos, as mudanças ocorridas no uso da terra do assentamento Olga
Benário, através da utilização de imagens de satélite IKONOS II da área, imageadas antes e depois da
criação do assentamento. Apesar de a criação do assentamento ser recente, a análise, em bases
cartográficas, das transformações ocorridas no uso da terra se mostra relevante para que se visualizem
algumas das mudanças e impactos ocasionados pela implantação de assentamentos rurais no ambiente
em que se inserem.
Metodologia
A área de estudo localiza-se no município de Visconde do Rio Branco (figura1), entre as
coordenadas geográficas 21° 0´37´´ S e 42° 50´26´´, na região da Zona da Mata de Minas Gerais. Foi
criado no ano de 2005 com capacidade para 30 famílias sob uma área de 760 ha.
A fazenda, inicialmente, voltou-se para a produção de monocultura de cana-de-açúcar,
participando de uma rede de fazendas voltadas para o abastecimento das usinas açucareiras da região.
Após mais de 50 anos sob este uso, a área passou, em 1996, a ser utilizada para a criação extensiva de
gado de leite, intensificando a degradação dos solos e mananciais de água. Desde então havia 12
famílias trabalhando na fazenda e vivendo também de culturas de subsistência na área. Em 2003 a
fazenda foi desapropriada, mediante oferta do INCRA. Dois anos depois a área foi liberada para a
ocupação.
O assentamento foi ocupado em junho de 2005, sendo a primeira área de ocupação do
Movimento-Sem-Terra (MST) na região da Zona da Mata do estado. A região não sofreu um processo
intenso de expropriação, como ocorrido em outras regiões do estado, uma vez que o próprio relevo de
Mar de Morros (Ab’ Saber, 1970) não favorece a constituição de grandes propriedades rurais. Como
não há tradições de movimentos de luta pela terra na região; embora haja muitas pessoas que não
possuem propriedade rural e passem sua vida trabalhando e sonhando com esta conquista, as famílias
assentadas vieram de outras áreas, como: região metropolitana de Belo Horizonte, Norte de Minas,
Mato Groso e Bahia. Contudo, os trabalhadores da fazenda, que ainda se encontravam na área no
momento da ocupação foram convidados a permanecer na área e serem também assentados. Hoje, 6
destas famílias de antigos trabalhadores são assentados.
Figura1: Localização do assentamento Olga Benário.
O trabalho se desenvolveu através do acompanhamento do Plano de Desenvolvimento de
Assentamentos (PDA), realizado no assentamento Olga Benário, realizado anteriormente como parte
de um projeto de iniciação científica intitulado “Uso de Sistemas de Informações Geográficas no
Planejamento Territorial Participativo de Assentamentos Rurais: produção e interpretação participativa
de mapas temáticos”. Este projeto, por sua vez, esteve atrelado a outros projetos de pós-graduação da
UFV: “Planejamento Territorial e Aspectos Sócio-ambientais: um modelo teórico e operacional de
referência para o parcelamento de terras em assentamentos”; “Percepção Ambiental e construção do
conhecimento de solos em assentamento de reforma agrária”. “Planejamento Territorial, Percepção
Ambiental e “Construção do Conhecimento Agroecológico em Assentamentos de Reforma Agrária”.
Este último, apoiado pela FAPEMIG, foi responsável pelo financiamento das imagens que
viabilizaram o desenvolvimento deste trabalho. Os dados anteriormente obtidos foram reinterpretados
sob a temática deste trabalho, bem como complementados por novo trabalho de campo.
Para a análise das transformações ocorridas no uso da terra do assentamento foram feitos dois
mapeamentos, em escala de 1:21.000, datando de dois recortes espaciais. Um deles relativo ao uso
referente ao ano de 2003 (Figuras 2) e outro ao uso do ano de 2008 (Figura3). A análise dos dados
observados foi feita com base na interpretação imagens de satélite IKONOS II, auxiliada por visitas a
campo e coleta de pontos georreferenciados para a checagem das informações obtidas e geradas.
Figura 2: Imagem IKONOS II da área referente ao uso de 2003.
Foram realizadas entrevistas com assentados e técnicos do assentamento para o conhecimento da
dinâmica da organização espacial atual, envolvendo questões sobre o uso e sua relação com as
características sociais e físicas do assentamento. Também foram entrevistados assentados que já
viviam anteriormente na fazenda como empregados, sobre o uso que ocorreu na antiga fazenda Santa
Helena, assim como algumas famílias que chegaram com a criação do assentamento.
Figura 3: Imagem IKONOS II da área referente ao uso de 2008.
Utilizou-se para a elaboração dos mapas o software ArcGis 9, curvas de nível e hidrografia do
IBGE, limite do assentamento produzido pelo INCRA e parcelamento do assentamento Olga Benário
adquirido com o técnico de PDA. Estipularam-se quatro classes principais de uso: Mata, Capoeira,
Pasto e Plantio. Após a digitalização em tela das classes, sob a imagem, e checagem dos dados, as
áreas correspondentes foram quantificadas e as áreas de uso referente a 2003 foram cruzadas com as de
2008, através da ferramenta Tabulate Areas. Mapas de solos e de Modelo Digital de Elevação da área,
anteriormente elaborados, foram também consultados para que se obtivesse a visualização das áreas
observadas em campo e associação de sua espacialização com as classes de uso.
Resultados e discussão
Anteriormente à implantação do assentamento, quando a fazenda era uma usina de cana-de-
açúcar, havia 18 famílias de funcionários ocupando a área. O desmatamento durante o período de
funcionamento da usina descobriu quase todos os topos de morro. De 1996 a 2003 a pastagem
extensiva para gado leiteiro foi o uso que predominou, além do plantio de milho, para ração. Havia 12
famílias trabalhando na fazenda. Segundo as entrevistas, as famílias desenvolviam cultivo extra para
seu próprio abastecimento, mas em pequena quantidade.
Nesta época o uso do solo baseava-se na utilização intensiva de insumos agrícolas, para as
culturas desenvolvidas pelos proprietários da fazenda, tanto antes de 1996 quanto depois. Não havia
controle da compactação do solo provocada pelo pastejo, voltado para a conservação do solo ou
alguma outra medida como a implantação de pasto rotativo.
Tenta-se conciliar hoje ações voltadas para a conservação do solo com a produção para a
subsistência. Apesar de comercializarem alguns produtos no município de Visconde do Rio Branco e
de algumas famílias possuírem apoio de programas governamentais como Bolsa Família e Bolsa
Escola, a maior parte da renda das famílias provem da terra.
Os assentados hoje têm que produzir ao mesmo tempo em que tentam recuperar os solos
degradados, sendo orientados pelos técnicos do MST e demais agentes que têm intervindo no
assentamento, principalmente os vinculados a projetos de pesquisa e extensão da UFV. Tais
intervenções passam pelo planejamento produtivo da área, que têm como pressuposto o uso sustentável
dos recursos e perspectiva agroecológica de uso da terra.
A predominância de Argissolos Vermelho-Amarelos sob relevo predominantemente forte
ondulado torna a área bastante susceptível à erosão. Em decorrência do uso anterior há áreas bastante
erodidas, com processos de voçorocamento, solos compactados pelo pisoteio do gado e de fertilidade
exaurida. A Figura4 auxilia a visualização da dinâmica de uso da terra na época, com o predomínio de
pastagens, áreas de mata bastante desmatadas e áreas plantio esparsas, concentrando a produção em
pequenos pontos.
Figura 4: Mapa de uso do ano de 2003 do assentamento Olga Benário.
Os resultados mostraram que a paisagem geográfica da área ocupada pelo assentamento se
modificou sensivelmente, ocorrendo um avanço de áreas de mata e de cultivo principalmente sobre
áreas anteriormente utilizadas como capoeira; contudo manteve-se como o uso abrangente o uso
anteriormente predominante; pastagem. Dentre os motivos para a mudança pode-se mencionar a nova
lógica de apropriação do espaço da fazenda, que passou de monocultura extensiva para agricultura
familiar.
Figura5:Mapa de uso do ano de 2008 do assentamento Olga Benário.
É bem perceptível o quanto as áreas ocupadas por plantio se dispersaram mais. A Figura5 indica
a mudança de comportamento e dinâmica das categorias, em relação à figura4. O uso por pastagens
ocupa mais de 60, 5064700 ha; áreas cultivo esparsas concentrando a produção, em 283400 ha; áreas
de mata bastante desmatadas, ocupando 1716700ha, e áreas de capoeira representando 539000 há da
área total do assentamento. As áreas ocupadas por cada classe podem observadas na Tabela1.
Tabela 1. Classes e respectivas áreas de “uso anterior” e “uso atual” das terras do assentamento Olga Benário.
Classes (ha) Pasto Plantio Mata Capoeira Área Total (uso anterior)
Capoeira 218200 2900 193200 124700 539000
Mata 184800 19600 1402200 110100 1716700
Plantio 140700 134200 8300 200 283400
Pasto 4418400 255800 188200 202300 5064700
Área Total (uso atual)
4962100 412500 1791900 437300 7603800
Há assentamentos em que predomina a monocultura, entretanto, os assentamentos de orientação
política do MST, este busca difundir princípios políticos e éticos, como, por exemplo, não praticar a
monocultura, apontados como responsáveis pela concentração fundiária e leva á expropriação. Sob o
novo uso, desenvolveu-se uma produção voltada para a subsistência. Embora o mapa não evidencie, as
entrevistas e visitas a campo confirmaram que as culturas hoje são mais diversificadas e as práticas de
manejo de solo, embora ainda estejam bastante ligadas ao modelo tradicional agrícola, têm sido menos
agressivas, menos insumos químicos e revolvimento. Estes são exemplos de atividades que têm
contribuído para a conservação dos recursos naturais da fazenda. Outro fator é a orientação
agroecológica que tem sido sugerida pelo MST e UFV, em seus projetos de extensão e pesquisa junto
ao assentamento. Foi bastante trabalhada pelos técnicos do PDA e da UFV a importância ecológica do
respeito às áreas de preservação permanente (APP’s), que têm sido respeitadas, bem como a
preservação de mata nativa. Esta orientação tem favorecido o avanço da mata sobre áreas de capoeira.
Como pode ser verificado na Tabela2, a área anteriormente ocupada por mata passou de 22,58%,
em 2003, para 23,57%, em 2008. Já a área de capoeira, que era referente a 7,09% da área total do
assentamento, se reduziu para 5,75% em 2003. A pastagem diminuiu de 66,61 para 65,26% e o plantio
aumentou de 3,73% para 5,42%. Á redução das áreas de capoeira se deu em detrimento do aumento
das áreas de mata e de plantio.
Tabela2. Classes e percentual de área para os respectivos “uso anterior” e “uso atual” das terras do assentamento Olga Benário. Classes (%) Pasto Plantio Mata Capoeira
Uso atual 65,26 5,42 23,57 5,75
Uso anterior 66,61 3,73 22,58 7,09
O aumento das áreas ocupadas por plantio foi muito grande, mas devido á diferença da qualidade
das duas imagens, observou-se que a imagem antiga apresenta maior confusão entre as classes pasto
sujo e plantio, por isso a metodologia de classificação pode ter reduzido sua área real para o uso
anterior. A mesma dificuldade de distinção ocorreu em relação ás áreas de mata e de capoeira. Foram
realizadas algumas caminhadas pela fazenda com pessoas que conheciam o uso anterior com o intuito
de verificar a localização das antigas áreas de plantio e capoeira, buscando certificar alguns pontos em
que a classificação visual da imagem apresentou esta dificuldade de distinção entre estas classes e as
classes de mata e pasto.
As áreas de mata não apresentaram redução, atestando que o uso atual tem seguido a orientação
do INCRA e órgãos ambientais responsáveis pelo licenciamento ambiental do assentamento de não
utilizar as APP’s. Como o relevo da área compõem o Domínio de Mares de Morros Florestados
(AB’SABER, 1970) impede a utilização de mecanização, o desmatamento fragmentou a vegetação,
mas não a devastando completamente sob grandes extensões, o que favorece a recuperação da
vegetação da área sob a nova lógica de uso do assentamento. Desde 2005 as pessoas entrevistadas
destacaram ter percebido um sensível aumento das áreas de mata da fazenda.
Os dados das entrevistas realizadas com antigos trabalhadores da assentados e técnicos que vêm
acompanhando o processo de ocupação da fazenda desde 2005 foram coerentes com os resultados
observados, apontando para o aumento das áreas de mata e plantio após a criação do assentamento,
principalmente da área de plantio. Percebe-se no uso atual (Figura5) a distribuição de pequenas áreas
de cultivo, antes concentradas em alguns pontos sob maiores extensões (Figura4).
Desde 2005 os cultivos têm sido: milho, arroz, feijão, abóbora, mandioca, entre outros. De 2006
em diante o plantio se espalhou por outras áreas do assentamento, deixando de se concentrar em uma
área específica em razão de uma maior distribuição das famílias na área. Com a definição do
parcelamento da área no final de 2007, as áreas de cultivo em análise no ano de 2008 se expandiram já
havendo uma nucleação por lotes de exploração familiar ou área de exploração coletiva. Cabe destacar
que, como este processo de exploração do lote ainda é recente e sem nenhum apoio creditício do
INCRA (primeiro cultivo em 2008), o que ainda ocorrerá, deste modo há uma tendência de expansão
das áreas de cultivo nos respectivos lotes e no assentamento como um todo. Assim, atualmente já se
produz para o abastecimento interno e se comercializa na cidade produtos como leite, hortaliças,
feijão, milho, mandioca, quiabo. Algumas famílias têm gado, mas ainda em pequeno número.
As áreas de plantio se localizam principalmente nas áreas de baixada, sobre e Argissolos e
Gleissolos, e, em menor proporção, sobre topos aplainados de Argissolos. A pastagem se concentra em
áreas de Latossolos e Cambissolos.
A área ocupada por pastagem continuou sendo predominante, mas apresentou uma redução
(Tabela2), indicando que as áreas de mata e de plantio avançaram principalmente sobre as áreas de
capoeira. Apesar desta grande extensão, como não se pratica monocultura no assentamento, há pouco
gado e as áreas de pastagem estão se regenerando.
Dentre as mudanças referentes á qualidade ambiental do assentamento decorrentes da mudança
no uso da área constatou-se a melhora da qualidade dos solos e a recuperação de algumas áreas
erodidas. A pedologia do assentamento, em que predominam a ocorrência de Argissolos e
Cambissolos, associada à geomorfologia, com alta declividade em grandes faixas de extensão,
favorece processos de voçorocamento, requerendo a cobertura do solo, contenção da erosão e
isolamento do pastoreio em áreas mais facilmente erodíveis.
Após a criação do assentamento observou-se o processo de regeneração inicial em com a
experiência de isolamento de algumas áreas do pastejo do gado em áreas de risco ou em processo
avançado degradação pela erosão. Tem havido um processo de conscientização em torno desta
questão, do problema das voçorocas, entretanto existe um problema que limita as ações neste sentido,
como a falta de renda e apoio para a aquisição da cerca para a proteção destas áreas, a dificuldade de
mobilizar as pessoas, que ainda aguardam a implantação do parcelamento definitivo dos lotes pelo
INCRA para que possam ocupar com segurança seus lotes, para então passarem a poder cuidar de
problemas de menor urgência do que sua própria subsistência. Esta situação tem auxiliado o
desestímulo de algumas pessoas para participarem da atividade em torno da contenção das voçorocas
desenvolvida juntamente com estagiários da UFV.
O assentamento é recente para que se conclua mudanças de forma mais profunda no uso, o
planejamento produtivo realizado ainda á passível de futuras alterações, entretanto, observa-se uma
tendência de melhora da qualidade ambiental do assentamento e aumento dos usos mata, capoeira e
cultivo em detrimento do suo por pasto.
Trazendo a discussão para a análise geográfica paisagem depreende-se que, a paisagem, que tem
sua forma modelada por processos e funções relacionadas ao uso do espaço em que se insere
(SANTOS, 2002), mostrou assumir características relativas à organização espacial do grupo de
assentado. Outras formas de análise das mudanças ocorridas na paisagem não foram aqui tratadas, por
não constituírem o foco do trabalho, mas podem ser mencionadas, mesmo que brevemente. A mudança
no uso alterou a função assumida por formas já anteriormente presentes no assentamento dentro da
nova lógica de ocupação do espaço. Infra-estruturas como benfeitorias, galpões, por exemplo, antes
utilizados para guardarem cana e ração, agora são utilizados para estocar uma diversidade de culturas
que os assentados produzem. A antiga casa do proprietário da fazenda tornou-se sede do assentamento
e escola para os jovens e adultos. Novas dinâmicas de organização das relações de trabalho e de
autogestão dos pequenos agricultores foram criadas dentro do assentamento, acarretando em novos
fluxos dentro do assentamento, de pessoas e produtos
Assim, a alteração da dinâmica da paisagem, devido á mudança no uso e ocupação da área,
ocorreu tanto em seus aspectos naturais, físicos, quanto em relação aos aspectos artificiais da
paisagem, construídos pelo homem.
Conclusão
Constatou-se que predominou anteriormente na paisagem o uso com pastagens, haja vista que a
fazenda se dedicava principalmente à atividade de pecuária leiteira, associado a pequenas áreas com
cultivo de milho. Com a criação do assentamento, a distribuição das famílias em seus lotes e a
definição de seu planejamento socioespacial de uso e ocupação, constatou-se o avanço de áreas
destinadas ao cultivo de lavouras, bem como de matas sobre áreas anteriormente ocupadas por
capoeira e pasto. Prevalece ainda o uso por pasto, entretanto, há uma tendência de aumento da
diversificação do uso da terra com áreas destinadas à categoria de lavoura avançando sobre estas áreas.
Assim, mesmo havendo apenas uma ocupação inicial dos lotes pelas famílias, a dinâmica de uso da
terra na área nos dois momentos analisados é bastante diferente, o que pode ser mais bem detalhado
em estudos futuros. Espera-se que a qualidade ambiental seja recuperada mais intensamente,
evidenciando que a lógica de apropriação do espaço pela agricultura familiar favorece mais a
conservação do solo e demais recursos naturais do que a prática de outras formas de uso, de cunho
capitalista, baseadas na monocultura e no uso intensivo de insumos químicos.
Referências Bibliográficas
AB’SABER, A. N. Províncias geológicas e domínios morfoclimáticos no Brasil. Geomorfologia.
São Paulo. 1970. v. 20, 26p.
BERGAMASSO, S. M. P. P. A realidade dos assentamentos rurais por detrás dos números.
Estudos Avançados. 11 (31), 1997. p. 37-49.
CALIJURI, M. L., RÖHM, S. A. Sistemas de Informações Geográficas. Viçosa, MG: UFV –
Imprensa Universitária, 1995.
COSTA, F. R. da. SILVA, S. M. P. da. Análise de degradação ambiental no assentamento rural de
Santa Helena/PB com o auxílio de técnicas e ferramentas de sensoriamento remoto e
geoprocessamento. IV Encontro Nacional da Anpas. 4,5 e 6 de junho de 2008. Brasília - DF – Brasil
http://www.cpatc.embrapa.br/labgeo/srgsr2/pdfs/poster22.pdf Acesso em 19/03/2009.
CORRÊA, R. L. O espaço urbano. São Paulo: Ática, 2003.
FREITAS, H. R. Distinção de ambientes e parcelamento de assentamentos rurais: uma abordagem metodológica. Viçosa; Universidade Federal de Viçosa, 2004.152p. (Tese de Mestrado em Solos e Nutrição de Plantas). MELO, M. A. de. Elaboração de anteprojeto de parcelamento em área de Reforma Agrária,
utilizando recusos de Geoprocessamento. Belo Horizonte. UFMG – Instituto de Geociências. 2001.
34p (Monografia apresentada ao curso de especialização em Geoprocessamento).
MORAES, A.C.R. Meio Ambiente e Ciências Humanas. SP: Hucitec, 1997.
MOREIRA, R. J. Agricultura familiar: processos sociais e competividade/ Roberto José Moreira –
Rio de Janeiro: Mauad; Seropédica, RJ: UFRJ, Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento,
Agricultura e Sociedade, 1999. 204p.
NOGUEIRA, R. F. A organização sócio-espacial do assentamento Olga Benário. Viçosa;
Universidade Federal de Viçosa, 2007. 63p. (Monografia apresentada ao curso de Geografia).
ROCHA J. G. et al. Sensoriamento remoto e SIG na análise multitemporal do uso e ocupação do
solo no município de Mossoró - RN. Anais - I I Simpósio Regional de Geoprocessamento e
Sensoriamento Remoto Aracaju/SE, 10 a 12 de novembro de 2004.
http://www.sisgeenco.com.br/sistema/encontro_anppas/ivenanppas/ARQUIVOS/GT1-582-330-
20080511114803.pdf acesso em 20/03/2009
SANTOS, M. A Natureza do espaço: Técnica e tempo, razão e emoção/Milton Santos. São Paulo:
editora da Universidade de São Paulo, 2002.
VILELA, M, de F. Interação de técnicas de Geoprocessamento e levantamento participativo de
informações sócio-ambientais: um subsídio para a reforma agrária. Viçosa; Universidade Federal
de Viçosa, 2002. 135p. (Tese de Doutorado em Ciência Florestal).