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MR 08 – Partidos e Organizações de Esquerda na Bahia Coordenador: Muniz Gonçalves Ferreira UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ I ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA/ANPUH – BAHIA “HISTÓRIA, CIDADES E SERTÕES” 17 A 20 DE JULHO DE 2002 ILHÉUS – BAHIA Mesa-Redonda: Partidos e Organizações de Esquerda na Bahia Título: Do Partido à Guerrilha: a produção teórico-política de Carlos Marighella no período 1965-1967. Nome: Muniz Gonçalves Ferreira. Palavras-chave: PCB; Guerrilha, Carlos Marighella. Titulação: Doutor. Endereço: Rua Alagoinhas, nº 380, Edf. Coelho de Araújo, apto. 002, Parque Cruz Aguiar-Rio Vermelho, Salvador-BA. CEP: 41940-620 Fone: (71) 335 1215/99852253. E-mail: [email protected] Filiação Institucional: Universidade Federal da Bahia. O trabalho examinará o desenvolvimento das formulações teórico-politicas do revolucionário baiano Carlos Marighella no período 1965-1967. O ponto de partida do desenvolvimento de tais elaborações é a crítica dirigida à orientação política colocada em prática pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) nos meses que sucederam ao putsch militar de 1964. Tal interpelação política, exposta de forma minuciosa no livro Por que resisti a prisão (1965), evoluiria posteriormente para a contestação dos próprios fundamentos da estratégia política dos comunistas, em particular, sua admissão da possibilidade de um desenvolvimento pacífico da revolução brasileira. Em textos posteriores como A crise brasileira (1966), Carta à executiva (1966), Ecletismo e marxismo (1967) completa-se o processo de ruptura política de Marighella com o partido comunista e a sua adesão plena ao projeto da guerra de guerrilhas latino-americana, documentado também em suas “cartas de Havana” dirigidas ao Comitê Central do PCB (17/08/67) e a Fidel Castro (18/08/67). O objetivo da investigação é captar o efeito das redefinições teórico-políticas mencionadas na produção do discurso revolucionário de Carlos Marighella, atentando para a permanência ou ruptura neste discurso dos temas derivados da cultura política pecebista, tais como a definição do caráter da revolução brasileira, o problema das alianças, a questão da democracia e o papel das classes sociais no processo

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MR 08 – Partidos e Organizações de Esquerda na BahiaCoordenador: Muniz Gonçalves Ferreira

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZI ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA/ANPUH – BAHIA

“HISTÓRIA, CIDADES E SERTÕES”17 A 20 DE JULHO DE 2002

ILHÉUS – BAHIA

Mesa-Redonda: Partidos e Organizações de Esquerda na Bahia

Título: Do Partido à Guerrilha: a produção teórico-política de Carlos Marighella no período1965-1967.Nome: Muniz Gonçalves Ferreira.Palavras-chave: PCB; Guerrilha, Carlos Marighella.Titulação: Doutor.Endereço: Rua Alagoinhas, nº 380, Edf. Coelho de Araújo, apto. 002, Parque Cruz Aguiar-RioVermelho, Salvador-BA. CEP: 41940-620Fone: (71) 335 1215/99852253.E-mail: [email protected]ção Institucional: Universidade Federal da Bahia.

O trabalho examinará o desenvolvimento das formulações teórico-politicas do

revolucionário baiano Carlos Marighella no período 1965-1967. O ponto de partida do

desenvolvimento de tais elaborações é a crítica dirigida à orientação política colocada em

prática pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) nos meses que sucederam ao putsch militar de

1964. Tal interpelação política, exposta de forma minuciosa no livro Por que resisti a prisão

(1965), evoluiria posteriormente para a contestação dos próprios fundamentos da estratégia

política dos comunistas, em particular, sua admissão da possibilidade de um desenvolvimento

pacífico da revolução brasileira. Em textos posteriores como A crise brasileira (1966), Carta à

executiva (1966), Ecletismo e marxismo (1967) completa-se o processo de ruptura política de

Marighella com o partido comunista e a sua adesão plena ao projeto da guerra de guerrilhas

latino-americana, documentado também em suas “cartas de Havana” dirigidas ao Comitê

Central do PCB (17/08/67) e a Fidel Castro (18/08/67). O objetivo da investigação é captar o

efeito das redefinições teórico-políticas mencionadas na produção do discurso revolucionário

de Carlos Marighella, atentando para a permanência ou ruptura neste discurso dos temas

derivados da cultura política pecebista, tais como a definição do caráter da revolução brasileira,

o problema das alianças, a questão da democracia e o papel das classes sociais no processo

revolucionário, concluindo com a avaliação acerca da vigência de graus maiores ou menores de

objetividade na análise da realidade brasileira e das perspectivas da revolução nestes textos de

ruptura.

O golpe militar ocorrido em 1964 pegou de surpresa o conjunto das forças políticas democráticas e

progressistas da sociedade brasileira. Apesar de previsível - à luz do acirramento das contradições político-

sociais e da inquietação reinante junto aos círculos mais conservadores da cúpula militar no momento

imediatamente anterior -, o evento surpreendeu por sua intempestividade e, mais ainda, pela tranqüilidade

com que foi concebido e desfechado. Facilitado pela desorientação e conseqüente paralisia das forças de

sustentação do governo Goulart e dos movimentos populares, o movimento pode triunfar e estabelecer-se

placidamente no poder, sem ter de enfrentar qualquer resistência significativa tanto na sociedade política

quanto na sociedade civil. Um dos resultados diretos de tal acontecimento foi à deflagração de uma crise no

interior da mais antiga e influente organização política da esquerda brasileira de então: o Partido Comunista

Brasileiro (PCB).

Atingidos pela voragem repressiva que se abateu sobre as forças mais visíveis e ativas do bloco

político que lutava pelas reformas de base, dirigentes e militantes do partidão viram passar 12 meses até que

estivessem reunidas as condições de segurança e organização necessárias à reunião do Comitê Central que

elaborou a primeira Resolução Política de avaliação das causas e das implicações do golpe militar de abril.

Tal avaliação adotou um forte tom autocrítico. Foram denunciadas as “ilusões de classe” alimentadas pelo

partido quanto à possibilidade de realização de seus objetivos, sem a resistência dos círculos reacionários das

classes dirigentes brasileiras. Foi estigmatizado o “reboquismo” dos comunistas face aos setores da burguesia

nacional que conduziam o processo político. Reprovou-se, sobretudo, a “falsa confiança” depositada no

chamado dispositivo militar de sustentação ao governo Goulart1. Porém, não apenas os “desvios de direita” na

implementação da política do partido (e não obviamente a essência desta política) foram submetidos a uma

apreciação crítica, manifestações de estreiteza e subjetivismo político também foram apontadas como co-

responsáveis pelo despreparo do PCB para o enfrentamento do golpe: “Nossa atividade em relação ao

governo de Goulart era orientada, na prática, como se sua política fosse inteiramente negativa. (...) Nossa

oposição ao governo adquiria o sentido de luta contra um governo entreguista, com o objetivo principal de

desmascará-lo perante as massas.”2 Para além das críticas a tais manifestações de “esquerdismo” realizava-se

também, de forma bastante significativa, uma tentativa de ajuste de contas com o menosprezo pela

democracia subjacente a certas ações dos comunistas brasileiros: “Deixamos de lado o fato de que o próprio

avanço do processo democrático ameaçava os privilégios dos monopólios estrangeiros, dos latifundiários e da

grande burguesia entreguista, que ainda possuíam fortes posições”3 Tal ensaio de reconhecimento da

1 Ver Resolução Política do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro, in Edgar Carone, O P.C.B.– 1964 a 1982. São Paulo, DIFEL, 1982, p. 24.2 Idem, p. 25.3 Idem, pp 25-26.

centralidade da questão democrática para a realização das tarefas de caráter nacional e social se completava

em uma extensa e contundente invectiva contra as sobrevivências golpistas e vanguardistas na práxis política

da militância comunista:

“Na raiz de nossos erros está uma falsa concepção, de fundo pequeno-burguês e golpista, da

revolução brasileira, a qual se tem manifestado de maneira predominante nos momentos decisivos de nossa

atividade revolucionária, independentemente da linha política, acertada ou não, que tenhamos adotado

(grifo meu, M.F.). É uma concepção que admite a revolução não como um fenômeno de massas, mas como

resultado da ação de cúpulas ou, no melhor dos casos, do Partido. Ela imprime à nossa atividade um sentido

imediatista, de pressa pequeno-burguesa, desviando-nos da perspectiva de uma luta persistente e continuada

pelos nossos objetivos táticos e estratégicos, através do processo de acumulação de forças e da conquista da

hegemonia pelo proletariado.”4

É contra tal avaliação da atividade do partido e das forças progressistas no momento que antecedeu o

golpe militar que Carlos Marighella toma posição em seu livro Por que resisti à prisão de 1965.

Nas três décadas de sua militância política que antecederam ao golpe militar de 1964, Marighella

mostrara-se um disciplinado e devotado militante e dirigente político do partido dos comunistas brasileiros.

Devoção e disciplina que podem ser deduzidos da observação de sua trajetória como reorganizador do PCB

em São Paulo, na seqüência do desmantelamento das estruturas do partido pela repressão estado-novista e

pela dissidência encabeçada por Hermínio Sacchetta.5 Iguais demonstrações de fidelidade e comprometimento

para com a linha política e a organização de seu partido seriam concedidas por Marighella nas décadas

subseqüentes, seja quando do exercício de seu mandato parlamentar nos anos de 1946-1948, ou no retorno à

vida e a militância clandestina Brasil afora, ou, principalmente, no posicionamento em face de outro

movimento dissidente conhecido pelo PC na virada dos anos 60, exatamente o que deu origem ao PC do B.

Tendo representado oficialmente o Partido Comunista em uma viagem à China no ano de 1953 e apreciado a

via revolucionária chinesa, Marighella ainda foi capaz de conceder, poucos anos antes do golpe de 64, mais

um exemplo de sua valorização da unidade orgânica dos comunistas, recusando-se a se incorporar àquela

4 Idem, ibidem, p. 26. O que pretendo destacar com a passagem grifada é o caráter defensivo da formulação damaioria do Comitê Central do PCB neste momento. A par com o equilíbrio e a sobriedade de sua apreciaçãodas causas do golpe, manifesta-se a tentação de resguardar a integridade da linha política, estando ela“acertada ou não” , dos “desvios” “imediatistas”, “golpistas” e vanguardistas verificados nos momentos desua implementação.5 A dissidência comunista liderada pelo jornalista Hermínio Saccheta foi deflagrada no final do ano de 1937 econsumada, com a defecção de Sacchetta e seu grupo das fileiras do partido, em meados de 1938. Suamotivação visível foi a oposição dos dissidentes à política eleitoral adotada pelo Comitê Central do PCB emrelação às eleições presidenciais previstas para janeiro de 1938, frustradas em razão do golpe de 10 denovembro de 1937. Sobre o episódio pode ser consultada a obra de Emiliano José: Carlos Marighella, oinimigo número um da ditadura militar, São Paulo, Sol e Chuva, 1997, bem como a introdução escrita porJacob Gorender à coletânea de artigos de Hermínio Saccheta: O caldeirão das bruxas e outros ensaios, SãoPaulo, Perseu Abramo, 1996. Um relato literário, bastante controvertido, acerca do episódio pode serencontrado na obra de Jorge Amado, Os subterrâneos da liberdade.

cisão caracterizada por uma forte simpatia pelas orientações da liderança chinesa. Por tais razões, as

motivações determinantes de sua ruptura com a orientação política defendida pela maioria do Comitê Central

do PCB e sua transformação em um dos mais importantes lideres das várias dissidências sofridas por aquele

partido na segunda metade dos anos 60 constituem um importante tema de investigação. Sem pretender

esgotar, ou mesmo abordar exaustivamente tal problema, farei menção às interpretações de alguns autores que

se ocuparam da questão.

Coube a Jacob Gorender caracterizar pioneiramente a dissidência de Marighella como um

movimento processual. Segundo o autor do Combate nas trevas, o descolamento de Marighella frente à

política do Partido Comunista Brasileiro ocorreu como resultado de sua sistemática desilusão para com as

propostas de enfrentamento da realidade gerada pelo golpe, por parte da corrente hegemônica na direção do

Partido. Tal processualidade manifestar-se-ia, segundo Gorender, na própria redação de sua primeira grande

obra de polêmica com a maioria do Comitê Central, o livro Por que resisti à prisão de 1965, livro este

determinante para o recrudescimento de sua postura crítica à posição majoritária na reunião do Comitê

Central que aprovou a Resolução Política de maio de 1965:

“O volume tem 141 páginas divididas em dezoito capítulos, dos quais os dois últimos exibem

flagrante discrepância em relação aos anteriores. Parece correto presumir que os dezesseis primeiros capítulos

foram redigidos antes da reunião de maio do Comitê Central, ao passo que os dois últimos registram reflexões

suscitadas pela reunião.”6

De acordo com esta análise, as interpelações de Marighella, na maior parte da obra, ainda se

circunscreviam aos espaços e à dinâmica interna da discussão no seio do CC, exibindo cautela nas

elaborações críticas e até referências protocolares à figura do então secretário-geral. Porém, em suas últimas

partes, o escrito do revolucionário baiano radicaliza sua contestação à orientação política vigente no partido e

antecipa alguns elementos de sua nova perspectiva enquanto defensor da imprescindibilidade do caminho

armado da revolução brasileira:

“Após o relato pessoal, segue-se à denúncia de crimes e arbitrariedades cometidos pelos novos donos

do poder. Em toda esta parte, observa-se a moderação nas proposições críticas à direção do PCB e ainda

aparecem os habituais elogios à figura de Prestes.

Já os dois últimos capítulos se desfazem do tom cauteloso e as proposições críticas se aguçam. O

texto põe em descrédito a possibilidade do caminho pacífico e condena as ilusões no potencial revolucionário

da burguesia nacional. O autor salienta o erro da subestimação do aliado camponês, destaca a lição de Cuba e

afirma que a luta revolucionária no Brasil poderá levar ao aparecimento de guerrilhas.”

6 Cf. Jacob Gorender, Combate nas trevas – A Esquerda Brasileira: Das ilusões Perdidas à LutaArmada, Rio de Janeiro, Ática, 1990, p. 94.

Emiliano José, até aqui o único biógrafo efetivo de Carlos Marighella, se baseia no depoimento

prestado por Ana Montenegro, veterana militante comunista e amiga pessoal de Marighella, para explicar sua

ruptura com as orientações do partido e sua adesão ao projeto guerrilheiro. Tendo se empenhado quase

solitariamente na tentativa de animar uma resistência armada ao golpe contra João Goulart ainda em abril de

64, através da arregimentação de militares legalistas, Marighella jamais se conformaria com a “passividade”

manifestada pela direção diante daquele acontecimento, provocado, concluiria ele, pela confiança exagerada

do partido na possibilidade de um desfecho pacífico da revolução brasileira. Ademais, ter de contemplar mais

uma vez, aos 52 anos de idade e após 30 de militância, uma nova involução radical da política brasileira o

teria motivado a investir na forma de resistência mais contundente e, segundo seus adeptos, capaz de produzir

resultados eficientes e imediatos em prol da luta revolucionária brasileira: a resistência armada.

Geraldo Rodrigues dos Santos, ex-operário do porto de Santos, parlamentar e dirigente do Partido

Comunista, buscou, nos traços da personalidade de Marighella, a explicação de sua discordância com o PCB e

seu ingresso na luta armada. Descrevendo-o como profundamente humano, apaixonado e impulsivo, afirma

que Marighella não teria vislumbrado outro meio de responder à violência reacionária dos militares golpistas

senão através da própria violência revolucionária. Nas palavras de Rodrigues dos Santos: “Recordo-me que

Marighella, logo após o golpe e antes da realização do VI Congresso, dissera-me que para fazer a política

convencional, marcar ‘pontos’, distribuir material e reunir-se às escondidas, preferia ‘vender gravatas’”. E

mais adiante: Não fosse o seu temperamento impetuoso e o amor devotado ao povo trabalhador mais humilde,

talvez ele permanecesse por mais algum tempo conosco, ainda que divergindo como de costume.”·

Já Marco Antonio Tavares Coelho, ex-dirigente e parlamentar do PCB, opositor direto de Marighella

nos debates travados no seio da direção paulistana do partido nos anos 66-67, avaliou de forma menos

condescendente a atuação do dissidente comunista baiano naquele período. Sem deixar de reconhecer, ainda

que sumariamente, os méritos pessoais e políticos de Carlos Marighella, enfatizou um certo déficit de

equilíbrio nas escolhas políticas realizadas nos últimos anos de vida deste e, particularmente, seu

deslumbramento, em face das alternativas foquistas, em conseqüência de sua passionalidade e impulsividade.

Porém, mais do que tudo chama a atenção a importância atribuída pelo memorialista às influências

internacionais (no caso cubanas), para a adesão de Marighella e outros militantes de esquerda ao projeto da

guerra de guerrilhas em nosso país.

“Mas sua visão (de Marighella, M.F.) da luta dos comunistas sempre foi marcada pela paixão

evolucionária, pelo impulso combativo que não era contrabalançado pela análise fria da realidade no conjunto

da vida brasileira. Assim, ficou deslumbrado pela proposta do desencadeamento de ações radicais e violentas

promovidas por um pequeno grupo de pessoas de vanguarda, estratégia defendida por Guevara e outros

revolucionários latino-americanos. Por isso rompeu com o PCB e junto com um expressivo grupo de

militantes organizou a Ação Libertadora Nacional, levantando a bandeira da luta armada contra o regime

militar em nosso país. A ALN acabou dizimada pela brutal repressão da ditadura.”7

Florestan Fernandes, em um texto pouco conhecido, também apresenta a sua interpretação dos

motivos que determinaram o rompimento de Carlos Marighella com o Partido Comunista e seu ingresso na

luta armada. Segundo o sociólogo paulista, a opção do revolucionário baiano seria uma decorrência lógica da

adoção por este, em sua análise do significado do golpe de 64, de dois elementos conceituais novos e

fundamentais: o conceito de democracia racionada: “Esse conceito[...] equivale àquilo que os cientistas

sociais denominam democracia restrita, uma democracia que nominalmente defende a todos, mas, na verdade,

é monopolizada pelos poderosos”8 e o conceito de fascismo militar (“[...] ele preferiu caracterizar como

fascismo porque aquele regime nada tinha de democrático e se impunha levar seu desmascaramento até um

ponto extremo. Ele acreditava na conceituação forte como ponto de partida da luta beligerante.”9). As

implicações parecem claras. Admitir a existência de duas alternativas clássicas de exercício de poder pelas

classes dirigentes brasileiras, sendo elas uma democracia racionada ou um fascismo militar, induzia aqueles

interessados em uma opção original a escolher a via da ruptura revolucionária com tal tradição através da luta

insurrecional. Pode-se considerar que tal enfoque era tão radical quanto escatológico, uma vez que o objetivo

de superação da democracia racionada das classes dirigentes tendia a excluir da luta amplos contingentes de

representantes políticos das mesmas e até segmentos das massas influenciadas e submetidas à sua direção

política. Por outro lado, identificar o fascismo militar como o núcleo essencial do regime significava tender a

considera-lo monoliticamente, excluindo de antemão a possibilidade de explorar suas divisões internas e

fraturas e atrair para a oposição setores descontentes originários de seu próprio meio.

Talvez a análise mais aguda e melhor embasada historicamente tenha sido a empreendida por João

Quartim de Moraes nas páginas da obra coletiva História do Marxismo no Brasil. Para Quartim de Moraes,

a emergência das formulações de Marighella e das demais proposições dos expoentes da esquerda armada

brasileira no período 1965-1967, representa uma inflexão na trajetória teórico-política da esquerda brasileira.

Para ele, a evolução histórica da esquerda brasileira teria sido marcada até então pelos esforços de assimilação

do marxismo e do leninismo, dos métodos de organização e trabalho político de extração bolchevique e pelos

esforços de interpretar adequadamente, em sua dimensão sócio-econômica, a realidade brasileira. O advento

das obras de Marighella Por que resisti à prisão e A crise brasileira representou, para este autor, o

desenvolvimento de uma “(...) nova forma de consciência revolucionária dos marxistas brasileiros: o primado

da razão prático-estratégica sobre a razão teórico-econômica”.10

7 Marco Antonio Tavares Coelho, Herança de um sonho – as memórias de um comunista, Rio de Janeiro,Editora Record, 2000, pp 318-319.8 Cf. Florestan Fernandes, “O pensamento político de Carlos Marighella: A última fase”, in Cristiane Nova eJorge Nóvoa, Carlos Marighella – O homem por trás do mito. São Paulo, Editora Unesp, 1999, p. 207.9 Idem, p. 208.10 João Quartim de Moraes (org.) História do Marxismo no Brasil – vol. II (cap. “A evolução daconsciência política dos marxistas brasileiros”, Campinas, editora da Unicamp, 1995, p.84).

Uma comparação entre a Resolução Política do Comitê Central do PCB e Porque resisti à prisão

de Marighella exibe uma convergência estrutural. Tratam-se de textos radicados da mesma cultura política,

neles são empreendidas análises das causas da derrota de 64 essencialmente compatíveis. Entre eles observa-

se, contudo, duas distinções fundamentais. A primeira diz respeito ao tom geral imperante e à ênfase na

determinação dos erros cometidos pelo partido às vésperas da deflagração do golpe. A segunda se refere à

natureza e aos propósitos de cada um dos textos. Enquanto a Resolução Política consiste em um texto de

orientação político-partidária dirigido prioritariamente à militância comunista e a personalidades e grupos

sociais influenciados pelo PCB, o texto de Marighella possui um caráter predominantemente crítico-analítico

e de proposição de alternativas para o enfrentamento com o governo surgido do putsch de 1o de abril.

Enquanto na Resolução, como já foi indicado, há uma apreciação critica e autocrítica do comportamento do

partido (mas não de sua direção, que aparentemente, para os redatores do texto, sempre esteve correta!) no

contexto que antecedeu ao golpe, sendo criticados tanto os “desvios” de direita quanto os de esquerda, o livro

de Marighella centraliza sua crítica nos “desvios” de direita na implementação da política do Partido. Por

outro lado, os primeiros elementos programáticos a sofrerem a interpelação crítica de Marighella são aqueles

referentes à tática.

Mas o diferencial qualitativo sobre a apreciação crítica da atuação dos comunistas nestes dois

documentos diz respeito à responsabilidade atribuída pelo revolucionário baiano à direção do PCB.

Subjacente a praticamente todo o livro, tal repertório crítico emerge maciçamente na última seção do livro,

intitulada “A nova geração e a liderança marxista”. Em pouco mais de sete páginas, Marighella ensaiava uma

análise histórica da atuação dos comunistas brasileiros a partir de 1935. Narrando e, sob certo aspecto,

reivindicando o histórico de lutas dos comunistas na sociedade brasileira, inicia sua crítica à “liderança

marxista” (ou seja, à direção do PCB), tomando como leitmotiv a alegada apreciação errônea desta sobre o

papel político desempenhado pelas forças armadas na história do Brasil. Arrolando momentos de retrocesso

autoritário na história do Brasil republicano que contaram com a participação direta ou indireta das forças

armadas, Marighella chega a duas conclusões:

“Primeiro: as forças militares, em seu conjunto, são um instrumento do aparelho de Estado para a

repressão permanente da expansão das massas em busca da democracia”.

“Segundo: é impossível obter a vitória sem organizar independentemente a força do movimento de

massas, por meios ideológicos e materiais, e com o emprego de táticas apropriadas – condições indispensáveis

à superação do poder repressivo das forças militares.”11

Assim sendo, teria a direção do PCB incorrido em um erro crasso ao depositar confiança num caráter

supostamente democrático e patriótico do conjunto das forças armadas (Marighella não negava que alguns de

seus integrantes o fossem, mas jamais a instituição!) e desta forma se desarmado “ideológica” e

“materialmente” para a resistência a um novo golpe militar. Ocorre que, para Marighella, esta manifestação

de “ilusão de classe” derivaria por sua vez de outro “desvio” táctico de maior alcance: a crença na

possibilidade da realização das reformas de base através, apenas, da pressão de massas sobre o Parlamento

(segundo Marighella, “refratário a qualquer mudança de estrutura na base econômica do país”). Tal

encaminhamento da luta, na opinião do dissidente baiano, colocava o movimento pelas reformas “sob a

hegemonia da burguesia nacional”, o que explicava sua derrota praticamente sem resistência:

“A nenhuma resistência organizada ao golpe de 1o de abril, exceto a greve geral, foi o resultado mais

sensível do erro tático de confiar na capacidade de direção da burguesia, sem o apelo à organização das

massas e à ação e vigilância ‘independentes’.”12

Ocorre que a burguesia nacional, definida pelo PCB como integrante do bloco nacional e

democrático ao lado do operariado e do campesinato em sua luta comum contra o latifúndio e o imperialismo,

caracterizar-se-ia histórica e socialmente pelas tendências à conciliação com as forças reacionárias.

Inversamente, sua vacilação e estreiteza de classe em face das “massas populares” (o campesinato e a classe

operária) faria dela um aliado titubeante e temerário, o mais incapacitado possível para a liderança da

revolução nacional e democrática, objetivo estratégico defendido então pelo PCB e aceito, a princípio sem

maiores reparos por Carlos Marighella: Ora, quando Marighella denuncia as vacilações e as tendências à

conciliação da “burguesia nacional” tem como alvo de sua crítica o governo de João Goulart e as forças que o

apoiavam. Esta postura de radicalidade “esquerdista” na perspectiva da maioria do Comitê Central do PCB, já

se manifestara no interior do partido antes do golpe e é objeto de censura, como foi visto, na Resolução

Política de maio de 65. Mais ainda, esta postura que expressa uma tomada de posição profundamente crítica

face ao governo de Jango - caracterizado como limitadamente progressista e propenso a compromissos com o

imperialismo e o latifúndio, em paralelo, é claro, a uma certa valorização de suas tendências reformistas -

aparece em todos os documentos políticos produzidos pelo PCB durante a vigência do referido governo!13

Não há, portanto, nas elaborações alternativas de Marighella, qualquer distinção de substância em face das

definições táticas adotadas pelo partido. O que há sim é uma diferenciação de ênfase, manifesta na crítica à

“burguesia nacional” e na apologia da aliança operário-camponesa, supostamente negligenciada pela

“liderança marxista”, bem como o trabalho junto à pequena-burguesia:

“A insuficiência da penetração no campo, alie-se o desprezo pelo trabalho entre a pequena-burguesia,

resultado da incompreensão do papel das chamadas camadas médias na revolução. As classes médias

11 Carlos Marighella, Por que resisti à prisão. São Paulo, Brasiliense, Salvador, EDUFBA, OLODUM, 1995,p. 146.12 Idem, p. 148.13 Ver a esse respeito: “Resolução política dos comunistas (dezembro de 1962)”,”os comunistas e a situaçãonacional (12.07.63)”, “Por um novo governo capaz de adotar soluções imediatas em favor do povo (outubrode 1963” e “Por um governo que faça as reformas de base (06.03.1964)”. CF. Edgard Carone, O P.C.B. –1943 a 1964. São Paulo, DIFEL, 1982, pp 250-271.

tornaram-se o alvo que a reação procura mobilizar contra o proletariado, assustando-se com a propagação da

tese falsa de que o marxismo é contra todo e qualquer direito de propriedade.”14

Carente de quaisquer divergências mais substanciais, o escrito de Marighella representa muito mais a

prédica de implementação mais contundentes das diretrizes políticas mais radicais e confrontacionistas

inscritas no próprio programa dos comunistas brasileiros, entre as quais encontra-se a própria luta armada.

Como escrevia o futuro dissidente Jacob Gorender, em artigo dedicado à divulgação das resoluções do V

Congresso do PCB:

“Enquanto existir a possibilidade do caminho pacífico, os comunistas tudo farão no que deles

dependa, para transformar esta possibilidade em realidade. Ao mesmo tempo, os comunistas não deixam de se

manter alertas para o fato de que os inimigos internos e externos da revolução resistirão, por todos os meios

ao seu alcance, à perda de suas posições. Em desespero de causa, tais inimigos podem vir a recorrer à

violência mais extrema e criar uma situação em que a revolução não teria outra possibilidade de vencer senão

através do caminho da luta armada. Os sofrimentos que recaírem sobre as massas, em tal caso, serão de inteira

responsabilidade dos inimigos do povo brasileiro.”15

Emblematicamente redigida por um posterior expoente da chamada Corrente Revolucionária e alto

dirigente do PCBR, a passagem evidencia o que já fora sugerido anteriormente: que muito longe de procurar

refundar a política dos comunistas brasileiros, Marighella e outros dissidentes de esquerda do PCB pós-64,

pretendiam muito mais implementar a própria política do partido naquilo que ela possuía de mais radical.

14 Idem, p. 149.15 Jacob Gorender, “o V Congresso dos Comunistas Brasileiros”, in Edgar Carone, O P.C.B. – 1943-1964, op.Cit; p. 234.

Título: AÇÃO POLÍTICA DE MILITANTES BAIANOS DO PARTIDO

COMUNISTA DO BRASIL16 - 1965/1971

Autor: Andréa Cristiana Santos

Titulação: Bacharel em Jornalismo pela Universidade Federal da Bahia emestranda em História Social, no programa de Pós-Graduação em História daFaculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFba.E-mail: [email protected]

Os estudos historiográficos a respeito da atuação do Partido Comunista do Brasil (PC

do B) no período da ditadura militar (1964-1985) ainda são recentes no país. Os

acontecimentos envolvendo a guerrilha rural no sul do Pará (1972-1974) e o episódio

conhecido como “Massacre na Lapa”, quando foram mortos os dirigentes Pedro Pomar e

Ângelo Arroyo, em dezembro de 1976, pela repressão militar, têm sido, prioritariamente,

objetos de análises de ex-militantes e suscitado interesse da imprensa, por causa do

envolvimento das Forças Armadas e dos órgãos de repressão nos desaparecimentos e morte

dos militantes.

Permanecem, entretanto, desconhecidos os pressupostos da ação política que

nortearam a atuação da militância na contestação ao regime militar, bem como de um perfil

dos militantes. Também suscitam indagações as bases nas quais foram geridas a militância

partidária, quais segmentos sociais foram atraídos para ação política e como a organização

estava estruturada nas cidades. O fato de o PC do B ter sido a única organização comunista

a planejar a mais bem sucedida experiência de guerrilha rural no país, ainda que aniquilada

e derrotada pelas Forças Armadas, é motivo suficiente para despertar curiosidade sobre o

poder efetivo do partido em aglutinar militantes e de se colocar como ator político na

sociedade, durante regime militar.

Com o objetivo de trazer reflexões ao debate sobre a atuação das organizações de

esquerda, este texto procura compreender a ação política dos militantes do PC do B, que

16 O presente trabalho tem sua origem no projeto experimental “Memórias da Resistência: perfil biográficodos desaparecidos políticos baianos na Guerrilha do Araguaia”, defendido, pela autora, em 14 de fevereiro de2001, na Faculdade de Comunicação, da Universidade Federal da Bahia.

atuaram na Bahia, no período entre 1965-1971, num contexto político de contestação ao

regime militar e de afirmação política da organização na região, entre as demais

organizações de esquerda. A partir de depoimento de militantes e análise de documentos

partidários podemos perceber que a ação dos militantes teve como base uma proposta

política baseada em duas vertentes: a política de massa no segmento estudantil; a segunda,

uma política de revolucionarização visando a luta armada no campo.

Ao destacarmos a ação política de militantes baianos, buscaremos contribuir para

novos conhecimentos sobre o papel dos atores locais dentro das organizações de esquerda

que aderiram à luta armada. Entre os 58 militantes mortos no Araguaia, 10 eram baianos,

oito deles começaram a militância no movimento estudantil. Contudo, ainda são poucos os

trabalhos acadêmicos referentes à participação de militantes baianos no combate efetivo ao

regime militar, não obstante ter sido a Bahia um dos estados pólos geradores de uma

militância ativa e combativa nos grupos de guerrilha armada, urbana e rural.

O PC do B e o caminho da luta armada

Fundado em 1962, o Partido Comunista do Brasil tem sua origem no processo de

cisão no Partido Comunista Brasileiro, na época o maior partido de esquerda no país. As

origens da cisão remontam ao XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética,

realizado em Moscou, em 1956, que colocou novas perspectivas no horizonte da

experiência comunista. O evento foi marcado pelo pronunciamento do líder soviético Nikita

Kruschev, denunciando o “culto à personalidade” os métodos extremos de repressões e as

violações praticadas contra os comunistas por Josef Stálin, quando a revolução já estava

vitoriosa e as relações socialistas consolidadas. Stálin teria revelado intolerância,

brutalidade e abuso de poder para se perpetuar no poder (FALCÃO,1988:449). O

Congresso também reafirmou e consolidou a política de “coexistência pacífica” praticada

pela URSS em relação aos estados do mundo capitalista e abandonou a tese da

inevitabilidade do caminho armado para alcançar a revolução socialista.

O “Relatório Kruschev”, como ficou conhecido as denúncias, causou um forte

impacto nos partidos comunistas em todo o mundo. No PC brasileiro, as novas diretrizes

políticas serão acentuadas na Declaração de Março de 1958, assumindo uma “posição

nacionalista, democrática e, aceitando, oficialmente, a tese do caminho pacífico da

revolução brasileira” (PACHECO,1984:217), contrapondo-se a linha política insurrecional

e isolacionista em relação aos movimentos de massa, adotada no Manifesto de Agosto de

1950.

A tese da transição pacífica para se alcançar o socialismo e a proposta de

transformação do PCB no amplo partido de massa são ratificadas no V Congresso (1960),

exigindo a intensificação dos comunistas no trabalho ideológico voltado para a eliminação

do sectarismo e dogmatismo identificado em representantes do Comitê Central. São

destituídos do CC os antigos dirigentes como Diógenes Arruda Câmara, João Amazonas e

Maurício Grabois, entre outros, por estarem identificados com essa visão dogmática.

As divergências entre o antigo núcleo dirigente a nova política se aprofundam. A

publicação no semanário Novos Rumos do Programa e os Estatutos do Partido Comunista

Brasileiro (até então o partido tinha a nomenclatura de Partido Comunista do Brasil), em 11

de Agosto de 1961, serve como estopim para o antigo núcleo dirigente (Grabois, Amazonas

e Pedro Pomar, entre outros) articular um protesto subscrito por 100 militantes, no qual

afirmava que o partido incorrera em infração de princípios, afastava-se do marxismo,

renegava o partido criado em 1922 e oficializava um novo partido revisionista. Os

dirigentes reúnem-se na Conferência Nacional Extraordinária do Partido Comunista do

Brasil, em fevereiro de 1962, e se proclamam o mesmo partido criado em 1922 e

reorganizado em 1962. Sobre esta estratégia, GORENDER é contundente ao denunciar a

manobra, afirmando que “o PC do B eleva esta duvidosa versão historiográfica a questão de

princípio, pois se trata de afastar toda dúvida acerca de qual é o partido do proletariado

brasileiro. De acordo com o dogma estalinista, o proletariado não pode ter mias de um

autêntico partido revolucionário” (1987:34). A dissidência teve pequena dimensão e não

afetou o PCB, então em vigoroso processo de ascensão política e orgânica.

O PC do B “reorganizado” vai manter a mesma concepção política da revolução

brasileira adotada pelo PCB no IV Congresso (1954), dividida em duas etapas: a revolução

nacional de conteúdo antiimperialista e antifeudal; a segunda etapa, a revolução socialista.

Contudo, os dois partidos divergem quanto ao meio utilizado para fazer a revolução. Aliado

com o Partido Comunista Chinês, o PC do B considera que um novo regime só se efetivaria

por meio da violência revolucionária.

Somente depois de 1964, o PC do B vai incorporar a sua estrutura partidária militantes

de bases comunistas descontentes com a linha política pacífica do PCB, beneficiado, inclusive,

pela defesa da luta armada antes mesmo do golpe dos militares. O ponto chave para o

fortalecimento do partido será a resolução política, União dos Brasileiros para livrar o País da

Crise, da Ditadura e da Ameaça Neocolonialista, aprovada na Sexta Conferência Nacional

realizada em junho de 1966. De modo geral, defende a retomada das lutas de massa, o combate

à ditadura militar e a viabilidade da luta armada.

A proposta em favor da luta armada atrairá segmentos estudantis nos anos seguintes

ao golpe militar. Eles serão identificados como uma parcela pequena de estudantes, porém

ruidosa. A efervescência do movimento estudantil no ano de 1968 será responsável por

colocar os estudantes na cena política contra o regime militar e parte dela encontrará abrigo

nos grupos de luta armada. Na Bahia, o PC do B será formado e organizado por estudantes

universitários, a partir do final do ano de 1965.

Movimento estudantil: a primeira frente de luta

No final do ano de 1965, estudantes da Faculdade de Direito, da Universidade Federal

da Bahia, vão articular a primeira base, do PC do B no estado. A base é formada por

Amálio Couto de Araújo, Vítor Hugo Soares e Rui Medeiros, Demerval Pereira e

Rosalindo Souza (estes dois últimos participaram da Guerrilha do Araguaia), entre outros.

Segundo Amálio Coutro, o PC do B só começará a ter uma estrutura articulada e

organizada a partir do trabalho feito na universidade. O militante começava como um

simpatizante, passava a contribuir com o partido e depois procurava formar uma base na

sua escola, arregimentando outros estudantes.

O grupo formado na Faculdade de Direito vai ser reconhecido pela coesão de

princípios contra os militantes do PCB, francamente numerosos na escola, e na tentativa de

conquistar o Centro Acadêmico Rui Barbosa, um reduto histórico do PCB. O núcleo do PC

do B só vai conseguir ampliar a participação no movimento estudantil após as

manifestações puxadas pelos secundaristas em agosto de 1967 contra o inciso 1 do artigo 9

da Lei Orgânica de Ensino, pela Assembléia Legislativa do Estado, que estabelecia que as

escolas de ensino médio mantidas por fundações poderiam cobrar anuidades. Os cerca de 2

mil manifestantes nas ruas, entre estudantes, professores e populares, entendiam que a lei

representaria o fim do ensino gratuito. Não obstante à pressão popular, a lei é aprovada,

garantindo o direito às fundações de cobrarem anuidades. Os estudantes amargam uma

derrota política, mas saíram fortalecidos por terem demonstrado que podiam aglutinar

universitários e secundaristas pelo direito à educação17.

Embora não estivesse à frente dos protestos de rua de 1967 ( a AP teve maior papel

na condução do movimento), os militantes conseguiram articular e mobilizar bases de

estudantes secundaristas. A decisão de participar do movimento de massa seguia

determinação do Comitê Central. Em março de 1967, os dirigentes Maurício Grabois e

Pedro Pomar realizam uma reunião clandestina em São Paulo para definir a linha política

no meio estudantil. Defendem que os estudantes participem das lutas de massa, conquistem

as entidades representativas e se contraponham ao acordo MEC-USAID, acusado de ser

expressão do imperialismo norte-americano. Amálio Couto e José Almeida Caldas,

estudante de Medicina, retornam a Salvador decididos a organizar o partido em outras

escolas. À época, o PC do B tinha base consolidada na Faculdade de Geologia e na

Residência Universitária Feminina, com as lideranças de Antônio Carlos Monteiro Teixeira

e Dinalva Oliveira (desaparecidos políticos no Araguaia, desde 1972 e 1974

respectivamente).

Em novembro de 1967, militantes do PC do B junto a outros segmentos de massa

estudantil lançam Antônio Carlos Monteiro Teixeira, à presidência da União dos Estudantes

da Bahia (UEB). A eleição é conquistada por Sérgio Dias Passarinho, militante do PCB,

mas a disputa é acirrada e o PC do B tem boa margem de votos. Em 1968, militantes

conquistam a presidência do Centro Acadêmico Rui Barbosa (CARB). Rosalindo Souza,

baiano do interior de Itapetinga, e estudante do curso noturno de Direito, era eleito

presidente da entidade. A vitória do grupo, até então minoritário do PC do B, foi

considerada uma surpresa, um espanto, no reduto histórico dos comunistas do PCB.

A partir da eleição do CARB, os militantes do PC do B serão identificados como

“radicais” e adeptos da linha política maoísta. Nas assembléias estudantis, os militantes vão

defender um maior engajamento na contestação ao regime militar. Em entrevista ao jornal

A tarde, de 12 de junho de 1968, Rosalindo Souza defende que a greve geral na UFBA

17 Devido à pressão popular, o governador Luís Viana Filho, assinou o Decreto 20315, no qual secomprometia a manter a gratuidade do ensino médio, dada a “preferência de matrículas nos colégios oficiais,aos alunos economicamente desfavorecidos” (Jornal da Bahia, 27-28.8.1967).

deveria expandir-se para outros segmentos sociais: “Os estudantes precisam traçar um

programa de passeatas, comícios-relâmpago, trabalho junto a população e a, depender das

condições, nos sindicatos”.

Neste contexto de correlação de forças no movimento estudantil, militantes do PC do

B e da AP ensaiam as primeiras alianças e se afirmam como aliados estratégicos. Em 1968,

as duas organizações lançam Aurélio Miguel (estudante de Direito) à presidência da União

dos Estudantes da Bahia (UEB), mas são derrotadas por Filemon Matos, estudante de

Economia e militante do PCB. Nos anos seguintes a promulgação do AI-5, a aliança se

intensifica com o objetivo de reorganizar as entidades estudantis colocadas na ilegalidade,

embora entre elas houvesse divergências na concepção de qual seria o caminho da

revolução brasileira18.

Ações clandestinas: uma nova práxis na luta de massa

Com o AI-5 em vigor, as entidades estudantis têm cerceado o direito de atuar

legalmente e são colocadas na clandestinidade. Lideranças estudantis do PCB, AP e PC do

B respondem a inquérito policial por envolvimento com o movimento estudantil19 e

universitários têm as matrículas cassadas. O Decreto 477, sancionado em 26 de fevereiro de

1969, considerava infração à ordem e à lei o aluno que “alicie, incite a deflagração de

movimento que tenha a finalidade de paralisação da atividade escolar”. Os estudantes

estavam proibidos de realizar passeatas e de realizar, imprimir e de conduzir material

subversivo de qualquer natureza sob a penalidade de cassação da matrícula por três anos. O

movimento estudantil de massa sofre um abalo e são necessárias novas formas de luta.

18 O militante da Ação Popular, José Sérgio Gabrielli, confirma que havia uma aliança, mas aponta asdivergências: “a AP acreditava que ainda não existia um partido de vanguarda da classe operária. Poderiahaver até a possibilidade de esse partido ser construído a partir da fusão entre as duas organizações. Emcontraposição, o PC do B já se considerava a vanguarda da classe operária”. Uma outra diferença é que a APtinha a concepção de trabalhar com setores médios na cidade e não via o campo como único campo de ação.19 Lideranças como Sérgio Dias Passarinho (presidente da União de Estudantes da Bahia, em 1968), MarivalCaldas (líder secundarista), Rosalindo Souza e Antônio Carlos Monteiro Teixeira, entre outros, sãoprocessados pela Justiça Militar, sob a acusação de participar de manifestações estudantis e incitar à lei e aordem. Na 6a Circunscrição da Auditoria Militar os processos constam com a numeração 28/69 e 36/69.

Militantes serão atraídos pela proposta da luta armada imediata, a guerrilha urbana. O

PC do B, contudo, vai pautar a ação política por duas vertentes, a primeira é a atuação legal

nas representações estudantis junto às representações de sala e à Congregação

Universitária, a fim de reivindicar propostas específicas. A segunda, as atividades

clandestinas de propaganda política, entre elas a panfletagem noturna, comícios-relâmpago

e pichações. O objetivo, imediato, era reorganização das entidades estudantis colocadas na

ilegalidade como Associação dos Estudantes Secundaristas da Bahia (ABES) e União dos

Estudantes da Bahia (UEB). Numa análise mais cuidadosa, percebe-se a necessidade de a

organização formar quadros revolucionários para o projeto da guerrilha rural, presente nos

planos do PC do B desde 1967, quando chegam os primeiros militantes a área onde se

implantaria a guerrilha.

A proposta de desenvolver várias frentes de luta no combate ao regime militar está

presente no documento Responder ao Banditismo da Ditadura Militar com a Intensificação

das Lutas de Massa, de dezembro de 1969:

“Quando a ditadura vai num crescendo de violências e trata de impedir qualquer atividade política de

massa é mister golpear o inimigo em toda a parte, desenvolver o trabalho de massa tanto aberto quanto

clandestino. Todas as lutas grandes ou pequenas contribuem para desgastar a ditadura (...). Impõe-se,

portanto, às forças conscientes estudar as condições concretas de cada lugar e tomar a iniciativa de ações

revolucionárias que tenham sentido para as massas” (PC do B: 1977: 75-76).

A linha política vai ser seguida à risca. Os militantes fazem ações clandestinas nos

bairros, com distribuição de panfletos contra à ditadura militar, e procuram reorganizar as

entidades estudantis. Pode parecer que o PC do B ficou restrito, apenas, a um proselitismo

político, com atividades clandestinas localizadas e sem repercussão na sociedade, enquanto

outras organizações de esquerda partiam para a ação concreta armada, com os assaltos a

bancos e os seqüestros.

Contudo, essa análise não deixa entrever as algumas sutilezas existentes no contexto

histórico da época. Depoimentos de militantes apontam que o fechamento do regime após o

AI-5, as prisões de militantes e a falta generalizada de liberdade política levaram muitos

estudantes a se engajarem nas organizações de esquerda contra o regime militar. O

historiador Manuel Neto, à época estudante secundarista, recorda que a vinculação às

organizações de esquerda foi uma reação natural ao cerceamento de direitos elementares,

como os de liberdade de expressão:

“Grande parte da minha geração vivia o drama da falta de liberdade de expressão e de pensamento.

Isso nos impedia de ter acesso às informações que nos permitissem pensar o país e usufruir de senso crítico

sobre a realidade. Nós sentíamos que para sobreviver a ditadura, enquanto cidadão e pessoa, era necessário

derrubá-la. Não havia canal de conciliação com a ditadura. Se você queria pensar, ter conhecimento, tornar-se

um cidadão, ajudar o país, você tinha que romper com a ditadura” (entrevista concedida em 01/07/2000).

Aliada ao sentimento de repúdio à ditadura militar, havia a concepção de que era

necessário lutar pela transformação da sociedade, por mais justiça social e combater a

pobreza, embora o país estivesse atravessando um período de crescimento econômico. O

ex-militante e representante estudantil no Colégio Central, Gabriel Kraychete, considera

que existia uma “crença na revolução e a juventude acreditava que estava fazendo a sua

parte no processo de transformação mundial”. Faz uma análise crítica de que as ações

clandestinas eram localizadas, pontuais e estavam aquém de questionar o poder político

hegemônico. Reconhece, contudo, os ideais que os animavam: “lutava-se por questões

mínimas e dava-se a vida por elas, as manifestações eram a favor de liberdade e de resgatar

o direito das entidades se reorganizarem” (entrevista concedida em 07/02/2000).

No período de 1969 até 1971, esses estudantes, que iniciaram a militância em

movimentos de contestação cultural e muitos com formação católica, vão ser agregados às

organizações clandestinas como Ação Popular e PC do B para tentar reestruturar a ABES

colocada na ilegalidade. “Quando Uirassu Batista (militante do PC do B e desaparecido

político no Araguaia) entrou em contato comigo, a ABES e a UBES estavam esvaziadas de

representação estudantil, eram quase que extensão da AP e do PC do B. Nós fazíamos um

movimento de massa legal, grupo de estudo, exposições e debates. Essas atividades

acabaram chamando a atenção da ABES”, revela Carlos Eduardo Ferreira de Carvalho, à

época líder estudantil no Colégio Antônio Vieira. Sob a influência de militantes da

Juventude Estudantil Católica, o Vieira conseguiu preservar um movimento cultural

intenso, mesmo com o AI-5. Em 1970, o grupo passa a militar no PC do B.

A ABES vai ser instrumentalizada como entidades revolucionárias, disputadas por

AP e PC do B. Os estudantes fazem pichações, reproduzem documentos partidários e

distribuição de panfletos clandestinos. As duas organizações chegaram a reunir,

aproximadamente, 60 estudantes. Envolvidos em ações clandestinas e em trabalhos

partidários, em agosto de 1971, os estudantes despertam atenção dos órgãos de repressão e

são presos por agentes do Centro de Operações de Defesa Interna (CODI/6).

A maioria dos presos é de estudantes secundaristas e com menos de 18 anos. Vinte

militantes da AP e do PC do B são processados20. As prisões só se tornam públicas em 15

de janeiro de 1972, quando a Secretaria de Segurança Pública, divulga uma nota oficial,

com o título “Subversão no Meio Estudantil -Alerta aos Pais”. Sobre organização e o

trabalho dos estudantes nos principais colégios, a nota afirmava:

“As células se compunham de 3 a 4 estudantes do nível médio que se reuniam nas próprias residências,

a pretexto de estudar em grupo, quanto então eram traçados para subverter a ordem sob o manto protetor dos

seus lares e iludindo seus responsáveis. Os pais, incrédulos de início, chocaram ante os frios depoimentos de

seus filhos, a esta altura contaminados pelos germe do comunismo, veneno inoculado por falsos amigos e

indivíduos mais velhos que, face sua experiência subversiva, conseguiram manter-se fora do alcance da lei,

devido a um falso sentimento de lealdade dos estudantes indiciados aos antigos líderes, que só são conhecidos

através de codinomes e identidades falsas” (Jornal da Bahia, 15 de janeiro de 1972).

Com a desarticulação do Comitê Regional, combalido pelo deslocamento de

lideranças para trabalho político em outras áreas e as prisões ocorridas em 1972, os

militantes mudam a estratégia de ação política. Carlos Eduardo de Carvalho revela que,

com o objetivo de preservar a organização, rompem com a linha de revolucionarização

imediata, centralizem as suas ações no movimento de massa, priorizam o trabalho nos

diretórios acadêmicos e abandonam as ações clandestinas como os comícios-relâmpago.

Um dos resultados da mudança de linha política pode ser percebida nos anos seguintes,

com um enraizamento maior do PC do B em segmentos intelectuais, em movimentos

culturais e na revitalização do movimento estudantil, com abertura de diretórios acadêmicos

e entidades estudantis.

20Entre os processados Demerval Pereira, Uirassu Batista e José Lima Piauhy Dourado, desaparecidospolíticos no Araguaia. Demerval teria tido a casa vigiada pela polícia e conseguiu sair clandestino deSalvador, segundo a família. Uirassu deixou Salvador em fevereiro. Apesar de não haver a data exata sobre a

Das ações clandestinas à luta armada no campo

A maioria dos estudantes, que se empenhou na luta contra a ditadura militar, seja em

atividades de massa legal e nas ações clandestinas (da distribuição do panfleto a decisão de

pegar em armas), assumiu uma identidade de militantes comunistas, crentes de que havia

um processo de transformação revolucionária em curso.

Consideramos que, neste processo de iminência da revolução, a linha política aberta à

participação da massa tinha a finalidade de recrutar e formar quadros para a proposta

revolucionária de tomada do poder. Avaliamos que, a despeito de não ter sido efetivado,

satisfatoriamente, os planos de luta armada, o endurecimento da ditadura militar com a

proclamação do Ato Institucional no 5 instaurou um Estado autoritário e repressivo. As

sanções impostas às entidades estudantis restringiram os canais legais de reivindicação,

como aponta os militantes. Porém, ao invés de se submeter às restrições impostas pela Lei

de Segurança Nacional que antevia, em qualquer reunião de estudantes, pólos de subversão,

os estudantes resolveram contrapor-se à ordem hegemônica. Utilizando-se de ações

clandestinas, instrumentos de luta encontradas na época, eles procuraram reorganizar as

entidades estudantis, numa tentativa de recuperar a efervescência do movimento de massa

do ano de 1968, quando os estudantes saíram às ruas para tentar ser sujeitos da história e

exercer o direito de lutar pela volta à democracia. No afã de restaurar o movimento de

massa, estudantes passaram a assumir a identidades de militantes comunistas, com uma

missão a cumprir: fazer a revolução.

Com isto julgamos que o papel das organizações de esquerda tenha sido fundamental

na formação e conformação da identidade de militante comunista. Como afirma REIS

FILHO, “o partido, neste caso, assume papel fundamental, ele é forma suprema de

organização, o instrumento privilegiado para a ditadura de classe. Em relação, ao partido o

militante têm uma relação de subserviência e dívida. Ele pertence a um Estado Maior, que

vai transformar o mundo e tem as chaves de sua compreensão (1989:120).

Neste sentido, verificamos que, para o PC do B, o ano de 1971 será decisivo para

efetivar os planos da guerrilha rural no país. Em julho de 70, o Comitê Central assinalava,

no texto Mais audácia na luta contra a ditadura, que a ditadura militar procurava demonstrar

saída de José Lima, de Salvador, o irmão Epaminondas Dourado foi intimado por agentes da Polícia Federal

força e se apresentar como poder inabalável, porém não perduraria por muito tempo. É

válido ler trecho do documento:

“Os militares procuram aparentar força, apresentar seu Poder como inabalável. Mas, na verdade, esse

Poder é um poder precário, fraco e instável. Está corroído por profundas contradições que atingem as próprias

forças armadas, seu principal sustentáculo. O AI-5 e outros dispositivos são aplicados de modo crescente

contra os militares. Ao invés de fortalecer-se, a ditadura isola-se cada vez mais. O descontentamento popular

crescerá inevitavelmente e o movimento revolucionário cobrará novas energias. Entre as próprias forças que

sustentam o regime militar se aguçarão as divergências. Fatalmente, surgirão novas crises políticas. (..) A

situação no Brasil e no mundo se apresenta favorável às forças da revolução e não às da contra-revolução. Os

revolucionários que se atrevem a lutar, e persistem na luta, alcançarão a vitória” (PC do B:1977. 97)”.

A análise do PC do B demonstra uma visão equivocada quanto a fragilidade do

aparelho do Estado. Uma análise a posterior confirmará que o regime militar não media

esforços para utilizar o aparato repressivo e autoritário do Estado para desbaratar e

aniquilar as organizações de esquerda. As organizações de esquerda armada sofriam uma

repressão violenta, com a morte sob tortura de grande parte dos seus militantes. A infra-

estrutura para realizar as ações armadas e manter os seus quadros na clandestinidade por

um período longo, que garantissem a sua segurança, exigia altas somas em dinheiro que as

organizações não dispunham. Imersos no ímpeto das ações armadas, os próprios militantes

acreditavam estarem fazendo o possível para deflagrar a revolução.

Mas, esta é uma análise feita a posteriori. Para o militante comunista, a luta

revolucionária era premente. Ao militante comunista, caberia como membro de uma

organização de vanguarda romper com a passividade, o conformismo, as atitudes

contemplativas e os debates estéreis. O militante deveria preocupar-se permanentemente

com a revolução e atrever-se a lutar.

Com esta missão, militantes com experiência no movimento estudantil baiano serão

deslocados para a região do Araguaia21 e outros vão dedicar-se ao trabalho político em

cidades do interior da Bahia, como Ilhéus, Itabuna e Vitória da Conquista. As motivações

para falar sobre o seu paradeiro (Depoimento à autora em 24/3/2000).21 No ano de 1971, saem de Salvador e os estudantes Vandick Reidner Coqueiro (Economia) DinaelzaSantana Coqueiro (Geografia); Rosalindo Souza, advogado, além dos já citados Uirassu Batista, José LimaPiauhy Dourado e Demerval Pereira.

que levaram jovens militantes a aderirem a luta revolucionária podem ser encontradas na

proposta político-partidária, presente nos documentos do partido, e merecem reflexões mais

aprofundadas, a serem feitas em outra oportunidade.

Sem querer menosprezar essa discussão, gostaríamos, contudo, de fechar,

provisoriamente, este texto, com o depoimento de Luzia Ribeiro, sobrevivente do Araguaia.

Estudante de Ciências Sociais e procurada pela polícia em 1971, ela responde à indagação

sobre a entrega à luta armada e a ida ao Araguaia com a fala abaixo:

“O Carlos Nicolau Danielli22 apresentou para mim três opções: preparação de luta armada; fazer

trabalho clandestino em outra cidade; exilar-se no exterior. Eu iria para o exterior por conta própria, uma vez

que o militante ficava inativo. Ninguém foi forçado a ir para o Araguaia. Todas as pessoas foram por uma

opção de vida. Hoje, você não pode imaginar o que era viver naquele período. Era um tempo sem escuro, sem

luz, onde uma poesia de Castro Alves era tido como panfleto subversivo. Eu era procurada na Bahia, mas não

em outros estados. Não passou pela minha mente ir para outro local. Só passou na minha mente que eu tinha

que continuar a fazer o meu trabalho, que eu acreditava na época, e que a opção de continuidade seria junto

com a organização”(entrevista concedida em 26.11.1999).

22 Dirigente comunista morto sob tortura em 31/12/72 por agentes do DOI-CODI/SP.

Referência Bibliográfica

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FALCÃO, João. O partido comunista que eu conheci. Rio de Janeiro: Civilização

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POMAR, Vladimir. Araguaia: O partido e a guerrilha. São Paulo; Brasil Debates,

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SANTOS, Andréa Cristiana. Memórias da Resistência – perfil biográfico dos

desaparecidos políticos baianos no Araguaia. Projeto Experimental de Conclusão de Curso

de Graduação em Comunicação Social. Universidade Federal da Bahia. 2001.

Entrevistas consultadas

Carlos Eduardo de Carvalho, militante do PC do B (07/7/2000)Gabriel Kraychete Sobrinho, militante do PC do B (07/2/2000)José Sérgio Gabrielli, militante da Ação Popular (15/4/2000)Jorge Almeida, militante da Ação Popular (16/6/2000)Luzia Reis Ribeiro, militante do PC do B, (17/11/99; 26/11/99)Rui Hermann Medeiros, militante do PC do B, (20/4/2000).