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• MOVIMENTOS SOCIAIS:

QUESTÕES TEÓRICAS E CONCEITUAIS

- • •• ' •

ildo Viana (org.)

MOVIMENTOS SOCIAIS: QUESTÕES TEÓRICAS E CO~CEJT

nderson Nowogrodzki Gabrielle Andrade

Jean Isídio Juliana Furtado

Leon Costa ildo Viana

Rejane Medeiro

b) Nildo \ iana

úcleo de Estudos e Pesquisa em l\1oyimentos Sociais niversidadc Fcdcrnl de Goiás, Campus 11, FCS -

C~i,a Postal l .l l CFP ~.l.001-9-o.

Conselho Fditorial, Dr. Clcito Pereira UFG. Dr. Edmilson \,forque~'UEG. Dr. José Saruuna da Silva1UEG. Dr. Lucas M.,i~,IFG. Dr. Nildo \'fonall FG. Drn. Vcralúeln Plnhcrro/Uí-G.

\ 1,\, \, Nildo (org.). ,1ovimcnt0" Sodais: Questões Teóricas e Conceituais/Nildo Viana. Goiânia: Edições

Redelp, 2016. 11<6p.

ISBN: g-)Q6587481

1. \lovimentos Sociais. 2. Teoria dos \,fovimemos Sociais. 3. Conceito de Movimentos iars . .l, \fovimentos Populares. 5. ~1ovimcntos Sociais Urbanos. 6. Movimento

egro. 7. MST. li. Manifestações. 9. Protestos.

coo 300 Índice,. para catálogo si~tcmático:

l. Sociolozra. 2. Sociologia dos Movimentos Sociais. 3. Sociologia Política.

Sumário

APRESENTAÇÃO:QUESTÕES TEÓRICAS E CONCEITUAIS SOBRE OS MOVIMENTOS SOCIAIS 7 Nildo Viana

MOVIMENTOS SOCIAIS, PROTESTO E MA VIFESTAÇÕE. PÚBLICAS 17 Leon Costa

PRÁXIS POLÍTICA E MOVIMENTOS SOCIAIS: 47 Rejane Medeiros

OS MOVIMENTOS SOCIAIS POPULARES. 7 J Nildo Viana

OS MOVIMENTOS SOCIAIS URBANOS 105 Jean lsidio

A EMERGÊNCIA DO NEO-ATEÍSMO COMO MOrJ.\JE.VTO SOCIAL: UMA ABORDAGEM SOCIOLÓGICA 125 Anderson Nowogrodzki

MST E MOVIMENTOS SOCIAIS: DISCUSSÃO TEÓRICO- CONCEJTUAL.. 153 Juliana Furtado

TRAJETÓRIA DO MOVIMENTO NEGRO BRASILEIRO ..... 167 Gabriel/e Andrad.

Teóricas

J EN, Karl. 'reses Revista Hm:ri.rnw jan./jun., 2014.

bre os movimentos sociais. Autogestão. n. 1. ano 1,

KORSCTI, Karl. Marxistno e Filosofia. Porto: Edições frontarnento. 1966.

t\4A RX, Karl. A Ideologia alemã. São Paulo: Expressão Popular, 2009.

'CHERER-\\ ,'\RREN, llse. Movimentos soctais: um ensaio de interpretação sociológica. Florianópolis: :ditara UFSC. 1987.

Vt\ZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da práxis. São Paulo: Expressão Popular, 2007.

VIA '\JA, l\. ildo. Os Movimentos sociais. Florianópolis: Bookess, 2015.

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OS MOVIMENTOS SOCIAIS POPULARES

, vildo Viana

O termo "movimentos sociais" é utílízado frequentemente para abordar distintos fenômenos. Entre o autores e pesquisadores que abordam esse tema não há consenso conceituai. Os meio, de comunicação. por sua vez, denominam como movimentos sociais O'l mai variados fenômenos, desde manifestações até sindicatos. O nosso tema aqui será os movimentos sociais populares, ou seja, um setor dos movimentos sociais e não ele em sua totalidade. Por isso o esclarecimento conceitua] se faz necessário. O nosso objetivo é, além do e~clarecimento conceituai e explicitação do que compreendemos por movimentos sociais populares. analisar a composição e dinâmica desses movimentos.

O Conceito de Movimentos Populares

Por questão de espaço. seremos brev es n esclarecimento conceituai. Os mov imcntos sociais são mobilizações de grupos sociais e não de classes sociais, apesar da relação existente, tal como apresentaremos adiante. Um movimento social é um mo, imento de um grupo social (JENSEN, 2016). Os movimentos saciai

possuem como base um grupo s"1cial que compartilha uma determinada situação social que gera insatisfação e, derivado disso, um senso de pcrtcncimento ao mesmo e determinados objetivos, que constituem reivindicações, projetos. de. (VIAI\A, 2016a). Esse conceito se distingue de diversos outros, que não poderemos analisar e mostrar tanto as diferenças como a razão para a divergência 1, ma. é suficiente explicitá-lo para podermos definir o conceito de mo, imentos sociais populare ...

O termo movi mentol> sociais populares ( ou implesrnerue mo, irnentos populares) é utilizado com frequência, mas sem maior esclarecimento conceituai. Há casos em que eles são confundidos com os movimentos ociais urbanos (\'IAJ\A, 2015a). Um dos poucos autores que buscaram definir movimentos populares foi Camacho 1987). Este autor busca diferenciar movimentos sociais e

mo, imentos populares. mas, no fundo, acaba colocando os movimentos populares como uma manifestação dos mo, imentos sociais, o que é contraditório. Segundo Camacho i 19X7. p. 218). "os movimentos sociais têm duas grandes manifestações: por um lado, aqueles que expressam os interesses dos grupos hegernônicos, e, por outro lado, os que expressam os interesses dos grupos populares. Os mo, irnentos sociais do segundo tipo são os que conhecemos como movimentos populares". F.xcetuando a confusão conceituai, essa concepção é próxima a que defendemos e esclareceremos a seguir.

1 ' ma breve critica a diversos conceitos de movimentos sociais pode ser vista cm Viana (2016a).

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Movimento oncci tua is e T córicas

Os movimento, populares são movimentos ociais, mas a recíproca não é verdadeira. Os movimento sociais incluem os movimentos populares, mas também incluem diversos outros que não é possível incluir nesse conjunto. Os movimentos populares são mobilizações de grupos sociais como os demais movimentos sociais. A diferença está na sua composição social, o que gera diferenças nos objetivos, no tipo de situação e insatisfação relacionadas com sua existência. O elemento-chave para compreender o que diferencia os movimentos populares dos demais movimentos sociais é. portanto. sua composição social.

A composição social dos movimentos populares é marcada pelo predomínio (na maioria dos casos chega a ser exclusivamente) das classes sociais despriv ilegiadas nos grupos sociais que realizam a mobilização. As classe desprivilegiadas são as que estão destituídas de qualquer privilégio e geralmente sofrem processos de dominação. exploração, subordinação e marginalização. Esse é o caso do proletariado, campesina to, lurnpempro letariado serviçariado '. Os grupos sociais de base desses

2 Entenda-se por serviçariado (ou subaltcrnidadc) J classe subalterna, ou seja, aqueles que Marx denominou "classe dos serviçais" (MARX, 1988). O tcnno em Mar, é mais restrito, já que de cita mordomos e outros trabalhadores domésticos. ( onsidcramos que estes são apenas uma fração da classe subalterna e que esta engloba outras frações e incluem todos os funcionários subalternos do aparato estatal e instituições (e .• ratais ()U privadas), corno trabalhadores de limpeza, e todos que exercem os chamad "serviços" (como bancários, c1,mcn.:iúrios). entre outros. subalternos (ou "serv içais") são aqueles que são trabalhador assalariados improdutivos que não exercem

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Movimentos Sociais: Qucsrõcr

movimcnt insatisfação, poi os objetivos.

s mo, imcntos sociais em geral são perpassados por inúmeras diferenças, presentes em suas tendências e ramificações (\'1Al\ .\. 2016a). As tendências. entendida aqui como orientações políticas. são determinadas pela composição social do grupo social de base e pela hegemonia no seu interior. Podemos dizer que, nesse eruido. ex istem três variedades de mo, imentos sociais: conservadores, progressistas (ou reformistas) e revolucionários (\'IAl\A. 2016a). Os movimentos sociais possuem grupos de base que podem ser monoclassistas ou policlassistas. embora o segundo caso seja predominante.', Os grupos sociais de base dos movimentos sociais conservadores são geralmente monoclassistas ou policlassistas, mas, nesse caso. envolvendo apenas ou prioritariamente a, classes privilegiadas", Os grupos

possuem outras razões para ituacão social é distinta. bem como

demais. mas, ao contrário, são controlados por outros (capitalistas, burocratas, empregadores).

3 Ü\ grupos de base monoclassistas são aqueles compostos por apenas uma classe social, como, por exemplo, o movimento piquctciro na Argentina. cujo grupo de base é o lumpemprolctariado (BRAGA, 2013a), embora o rnonoclassicrno seja mais comum em ramificações dos movimento, sociais. Os grupos de base policlassistas são aqueles que possuem indivíduos de diversas classes, sendo o caso da maioria dos movimentos sociais. Uma análise mais ampla da composição social dos movimentos sociais pode ser vista em Viana (2016a).

~ As classes sociais privilegiadas incluem a classe dominante (a burguesia, cm suas diversa, frações), a burocracia, a intelectualidade e. dependendo do lugar e época, latifundiários, entre outras. O

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Movimentos Sociais: Qpestões Conceituais e Tcõríca

.. ociais de base dos movimentos sociais progressistas são políclassistas, com uma grande presença da burocracia e da intelectualidade5. Os grupos sociais de base dos movimentos sociais revolucionários podem ser monoclassistas ou policlassistas, sendo que no primeiro caso seriam componentes das classes desprivilegiadas e no segundo teria também a presença de jovens de diversas classes, intelectuais, etc.

A composição social é um elemento importante para mostrar as possibilidades e tendências no seu interior. No entanto, o que define qual é sua posição política é a hegemonia no seu interior. Os movimentos sociais conservadores possuem uma hegemonia burguesa no seu interior, bem como no caso da maioria dos movimentos sociais progressistas. Em algumas ramificações destes últimos, há uma hegemonia burocrática ou proletária (revolucionária). No caso dos movimentos sociat revolucionários, que são praticamente inexistentes nos momentos de estabilidade social e política, a hegemonia revolucionária emerge com a radicalização das luta

movimento racista é o exemplo mais cristalino de-sa variedade de movimentos sociais.

5 Ssse é o caso do movimento feminino e negro, entre outros. Eles são policlassistas por que os seus grupos sociais de base aglutinam indivíduos de todas as classes sociais. Claro que isso difere em cada caso cspccí fico. No caso do movimento feminino participam mulheres de todas as classes e no movimento negro, devido às condições sociais e históricas dos mesmos nu Brasil, também, mas com maior peso param, oriundos da" classes ckspri\ilcgíadus.

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ciruais e Teóricas

.••• ~ 1a1s ou épocas de revolução proletária (VIANA. _QJ 6a)6.

.. mo, imentos populares são uma parte dos movimentos sociais progressistas. É a parle que, como já olocamos, os seus grupos de base são compostos pela

classes dcspriv ilegiadas. No entanto. a hegemonia no seu interior pode ser burguesa, burocrática ou proletária. Isso depende de múltiplas determinações. Os grupos sociais de base tendem. por sua situação de classe, a gerar uma hegemonia semiproletária" ou, em casos mais raros e momentos de radicalização das lutas de classes, proletária. \ hegemonia na sociedade como um todo é burguesa por isso tende a influenciar os movimentos populares no entido da hegemonia burguesa ou, secundariamente, burocrática. Assim. há uma contradição entre os interesses de e lasse e tudo que é derivado da situação de classe (desprivilegiada) e a hegemonia na sociedade civil, além do aparato estatal, meios oligopolistas de comunicação, nece .• sidades imediatas, etc. É por isso que há uma forte contradição no interior dos movimentos populares no plano da consciência e da hegemonia. Tal contradição se manifesta sob várias formas, entre os quais através da ubrnissão a valores atrelados ao consumismo convivendo

com a incapacidade de consumo, o que provoca uma

6 Alguns autores, mesmo que superficialmente, também observaram a existência de tais tendências nos movimentos sociais (cf. GUNDER ~RA'lK e 1-l ENTF5. 1989).

7 Scrniprolctário. aqui, significa que cai no processo de amálgama cultural que mescla influências de ideologias, doutrinas e representações cotidianas burguesas com proletárias (VIANA, 2016a).

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Movimentos Sociais: Qpcsrõcs Conceituais e Teóricas

contradição valorativa ou, então, a percepção do caráter conservador da política institucional ao lado da dificuldade de romper totalmente com ela.

Esses aspectos (grupos sociais de base e consciência contraditória) devem ter motivado a utilização do termo "movimentos sociais populares" ou apenas "movimentos populares". A base social desse movimentos populares são trabalhadores manuais. moradores de periferia, desempregados, desabrigados, etc. É isso que explica suas reivindicações (educação, ..• aúde, estrutura urbana, moradia, terra, etc.), ou seja, bens materiais e coletivos. Desta forma, podemos definir o movimentos populares como movimentos sociais cuja base social é de grupos compostos majoritariamente ou totalmente pelas classes desprivilegiadas. Entre suas características, podemos destacar a consciência contraditória, uma hegemonia mais frágil no seu interior, reivindicações voltadas para bens matenais e/ou coletivos''. A sua dinâmica interna é mais diretament afetada pela luta de classes, pelo regime de acumulação. pelas políticas estatais. Esses aspectos precisam ser mai desenvolvidos e é o que faremos a partir de agora.

A Dinâmica dos Movimentos Populare

8 A consciôncia contraditória é uma ideia desenvolvida por Reich ( 1976) e Gramsci ( 1987). Pia é uma forma de consciência que se reproduz no interior do proletariado (\, l,\N \ . .:!OOXa) e das demais classes desprivilcgiadas. L:ssa cun:.cknda contraditória e a íormaçã intelectual menos sólida, com prcdominio das rcprescntaçôe cotidianas, toma a hegemonia no seu interior mais fiaca e pa,;._i\ct de alterações com maior facilidade do que cm outros casus.

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Ylovimcntos ncciruais e Teóricas

Os movimentos populares realizam sua. reivindicações e ações geralmente direcionadas ao aparato estatal e isso muita" vez provoca confronto com ele. Não será posslvel discutir aqui a relação dos mov imento ociais em geral com o Estado" e por isso nos limitaremos ao caso dos movimentos sociais populares. Entre o diversos modos de conexão entre aparato estatal e movimentos sociais, temos aquelas que são mais comun. no caso dos movimentos populares. O modo de conexão estatal com os movimentos sociais, ou seja, quando o aparato estatal toma a iniciativa, é através da cooptação. burocratização, repressão ou omissão (VJANA, 2016a). lo caso dos movimentos populares a repressão seletiva é a forma mais comum. Essa ocorre especialmente quando ramificações dos movimentos populares realizam manifestações, ocupações. etc. A repressão é legitimada geralmente por discursos jurídicos, como reintegração de posse. não autorização do governo, supostas agressões a policiais, etc. ,\ cooptação é em grau menor (sendo que sua incidência é maior nos demais movimentos sociais), bem como a burocratização'". A omissão geralmente ocorre quando os movimentos sociais não interferem

" Sobre isso. cf. Viana, 2016a. Os estudos da chamada Teoria da obilização Política (ALONSO, 2009; GOIIN, 2002) aborda essa

relação, mas sob forma distinta da que realizamos aqui. 10 !\ burocratização incentivada pelo aparato estatal ocorre cm menor grau, mas pode assumir diversas formas e intensidades em casos concretos específicos. h~se é o caso da burocratização das associações de moradores de favelas no Rio de Janeiro (DINIZ, 1983).

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Movimentos Sociais: oru ciruai e Teóricas

diretamente nos interesses do í:.stado ou do capital, especialmente atividades culturais.

Por outro lado, os movimentos sociais também tomam iniciativa em relação ao aparato estatal. Os movimentos sociais progressistas assumem, hegemonicamente, uma orientação estatista, tornando o aparato estatal o centro de suas reivindicações ou principal regularizador das mesmas. Algumas de suas ramificaçõe· acabam girando ao seu redor e vivendo em função do Estado. No entanto, algumas ramificações do: movimentos sociais (setores, tendências. organizações) apresentam uma orientação civilista, ou seja, o seu foco não é o aparato estatal e sim a sociedade civil. Não há, no entanto, homogeneidade na orientação civilista. que pode ser extemalista, independente ou antiestatista11

.

A orientação civilista é defendida por setores e tendências dos movimentos sociais que não se vinculam ao aparato estatal, sendo que alguns são antiestatistas. A orientação civilista pode assumir três formas distintas: a extemalista, a independente e a antiestatista. A propensão externalista é marcada por caracterizar um certo

11 Esses modos de conexão entre Estado e mo, irnentos ,;,1dai~ não poderiam ser abordados aqui de forma aprofundada e por isso remetemos a análise mais completa e profunda realizada cm out obra (VIANA, 2016a) Da mesma forma, a questão da orientação dos movimentos sociais cm relação ao aparato estatal é bastante complexa (VIANA. 2016a) e no âmbito mais geral nào poderem abordar aqui. Resta apenas recordar que a terminologia "oricntaçãr estatista" e "orientação civilista" tem como fonte de inspiração a abordagem de um autor que usou os termo-, "deriva estatista" •· "deriva civilista" (C' ARRION, 1985).

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x lovirncntos

distanciamento cm relação ao aparato estatal, ficando nas margens e sem grandes contatos. A propensão independente é aquela cujo contato e acesso ao estado não ria vínculos e a ramificação do movimento social se mantém numa posição independente. A propensão ant icstat ista é defcnd ida por certas tendências revolucionárias, que pregam a abolição do aparato estatal.

composição social dos movimentos populare gera uma diferenciação com os demais movimentos sociais progressistas, gerando não somente reivindicações distintas, mas também um modo de conexão diferenciado mm o t-stado. Os mo, irncntos populares tendem a ter uma orientação externalista. Isso decorre. principalmente, da base social de tais movimentos, pois estão concretamente mais distantes do aparato estatal". Os usuários do transporte coletivo, por exemplo, possuem dificuldades de acesso ao aparato estatal. No entanto, os movimentos populares não são homogêneos. São compostos por distintos movimentos sociais. As classes desprivilegiadas que estão em sua base possuem demandas e prioridades diferentes, pois, além da diferença de classes, elas dependem de suas condições de vida, que inclui local de moradia, renda, cultura. etc. Isso ocorre no interior de uma

12 Fsse distanciamento é espacial (os movimentos populares existem, geralmente. nas zonas rurais, pcri ferias, etc., enquanto que o aparato estatal geralmente está aquartelado nos centros urbanos. que são também centros administrativos), cultural (o aparato estatal dificulta a comunicação com os movimentos populares devido ao seu discurso jurídico, burocrático, além do pertencimento de classe da maioria dos seus componentes com poder de decisão), social (os interesses distintos), ele.

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Movimentos Sociais: Questões C11nccitt1ai) e Teóricas

mesma classe social, como no caso do proletariado, poi alguns setores deste moram em regiões urbanizadas e sem problemas mais graves no que se refere à moradia, enquanto que indivíduos de outros setores podem viver em lugares perigosos e condições precárias. As reivindicações envolvem questões de educação, saúde, segurança, moradia, etc. Um setor dos movimentos populares, os movimentos sociais urbanos, atuam sobre questõe. urbanas como moradia, transporte, estrutura urbana. etc. Os movimentos sociais rurais atuam principalmente sobre questões ambientais ou contra políticas estatais ou desenvolvimento capitalista que atinge setores da população rural.

Existe também outro tipo de rei, indicação que entra em oposição direta ao aparato estatal ou contra setores do capital ou das classes privilegiadas. Se uma ocupação urbana significa confronto com os proprietários, o mediador é o aparato estatal. Existem casos em que a mobilização é contra ações estatais ou capitalistas. É quando algum projeto urbanístico ou mesmo alteração no espaço urbano, seja realizado pelo Lstado ou pela iniciativa privada, atinge setores da população (BORJ ,, 1975). Esse processo ocorre não apenas no caso do. movimentos sociais urbanos, mas também no caso do movimentos sociais rurais. As mobilizações contra as barragens demonstram isso (GR7YB0WSK1, 1990). Assim, dependendo do caso, o aparato estatal é o alvo direto ou indireto da mobilização dos moviment populares. Quando se trata de luta por bens coletivos, aparato estatal é o alvo direto e quando s~ trata de luta por bens materiais, ele é o alvo indireto, aquele que deveria ser

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Movimentos Sociais: Questões Conceituais e Teórica

"mediador" da contenda, o que ele faz, mas sempre a crviço do capital.

dinâmica dos movimentos populares depende do desenvolx imento capitalista, expresso através da .. uccssão de regimes de acumulação 13. ou seja, das lutas de classes ordinárias. bem como das extraordinárias, que é momento de ascensão da luta operária. Esse processo envo lve a questão da hegemonia burguesa e como ela é renovada e alterada de acordo com a luta de classes. A dinâmica dos mov imentos populares, que envolve sua relação com e aparato estatal, hegemonia, grau de radicalização. etc .• depende da dinâmica geral da luta de classes. especialmente do regime de acumulação. Outro elemento a se destacar aqui é o ciclo dos regimes de

1·1 Pur regime de acumulação se entende uma forma cristalizada da luta de classes manifesta numa determinada forma assumida pelo processo de valorização (organização do trabalho, como taylorismo, fordi-rno, toyotismo). pelo aparato estatal (integracionista, neoliberal. etc.). exploração internacional (do colonialismo até o hipcrimperialismn contemporâneo). Esse conceito de regime de acumulação (VIANA, 2015b; VIANA, 2009) aponta para uma explicação do desenvolvimento capitalista pela sucessão desses regimes. <endo que, historicamente, após a acumulação primitiva de capital. tivemos os regimes de acumulação extensivo, intensivo, conjugado e atualmente o integral. caracterizado pela hegemonia do toyotismo. neoliberalismo e hiperimperialismo. Outros autores trabalham com o termo "regime de acumulação", mas com definições e concepções distintas (HARVE'Y, 1992; UPIETZ, 1988; BENAKUUCHE, 1980), sendo que um dos principais defeitos é o caráter economicista da maioria deles. A compreensão dos movimentos populares na atualidade remete para uma compreensão mais profunda do atual regime de acumulação, o integral (VIANA, 2009; VIANA, 2015b, BRAGA, 2013b; OR!O, 2014).

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Movimentos Sociais: Qpcstõcs Conceituais e Teóricas

acumulação, que geram momentos de ascensão, estabilidade e crise (VIANA, 2015c), o que atinge diretamente os movimentos sociais, especialmente os movimentos populares.

Assim, a relação entre aparato estatal e movimentos populares é marcada pelo conflito, ·mais ou menos intenso, mesmo em períodos de relativa estabilidade". Contudo, em momentos de ofensiva capitalista (formação de um novo regime de acumulação, quando este exige aumento da exploração) ou de desestabilização e crise do regime de acumulação ( que pode passar por diversas fases e avanços e recuos) a tendência é de acirramento dos conflitos. O aparato estatal depende da renda estatal para atender as reivindicações dos movimentos populares, bem como enfrenta a oposição no interior do bloco dominante15. A exigência de ben coletivos (serviços, educação, saúde. etc.) pode atingir apenas o aparato estatal, mas o seu atendimento depende da renda estatal.

Em termos técnicos, a renda estatal é repassada para pagar suas diversas despesas e o aparato estatal usa o cálculo mercantil para buscar o equilíbrio orçamentário entre renda estatal e despesas estatais, bem como e, itar a dívida pública (VIANA, 2016b). O aparato estatal,

14 "A auto-organização dos pobres nas cidades ~ um assunu extremamente conflitivo e se direciona principalmente ao Estad como adversário direto no âmbito da reprodução" (GROH\1 \NN, 1996, p. 18). Entenda-se por "bloco dominante" a, forcus urg:mindas e

conscientes (partidos, associações, ideologias, doutrinas. ctc.) que expressam os interesses de classe da burguesia(\ l \ '-.J A. :!O 15d).

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Iovimentos

especialmente a burocracia governamental, define qual sua prioridade e determina, de acordo com uma determinada correlação de forças no bloco dominante e a dinâmica da acumulação capitalista, a modalidade da política estatal de assistência social adequada ao momento. Em épocas de ascensão da acumulação capitalista (que corresponde ao período de consolidação e estabilidade de um regime d acumulação). a arrecadação de impostos é maior e a. demandas sociais menores (os níveis de emprego e renda aumentam, o que, por sua vez. gera menos demandas para o aparato estatal) e isso atinge a oferta de bens coletivos no sentido positivo. Nesse momento. o conflito é menor, mas não deixa de existir. pois depende de múltiplas determinações, entre as quais as condições do país em questão. a situação anterior de infraestrutura urbana, a modalidade de política estatal adotada no regime de acumulação. etc.

Há uma tendência geral determinada pela modalidade de política estatal adotada em determinado regime de acumulação (liberal, integracionista ou do ''bem estar social". neoliberal etc.) e sua concretização depende de outras determinações, com especial destaque para a correlação de forças na sociedade e no bloco dominante. O aparato estatal, para atender a demanda por bens coletivos (tanto sua existência ou oferecimento pelo Estado ou sua quantidade e qualidade), precisa investir parte da renda estatal e isso, mesmo em época de estabilidade e ascensão da acumulação de capital, é palco de lutas e de enorme complexidade (inclusive considerando não apenas o governo federal, mas os locais). O bloco dominante tem um papel fundamental, especialmente sua ala governista,

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Movimentos Sociais: Qpcstõcs Conceituais e Teóricas

na definição dos gastos estatais. Isso, no entanto, é realizado no interior de uma modalidade de política estatal pré-determinada e coerente com o regime de acumulação, bem como com os interesses da classe capitalista e de suas frações e setores que pressionam em beneficio próprio.

Por isso, qualquer tentativa da burocracia governamental em aumentar o montante da renda estatal para atender a demanda de bens coletivos, tende a entrar em confronto com os interesses do capital, que se manifesta via bloco dominante". Isso ocorre em momentos de estabilidade. Esse processo ganha novos contornos em épocas de desestabilização ou crise do regime de acumulação. O descenso relativo da acumulação de capital gera menos recursos para o aparato estatal e mais demandas ( e por vários setores, inclusive do capital, visando maior apoio para sua sobre" ivência ou manutenção de um certo padrão de acumulação) e isso atinge negativamente a oferta de bens coletivos. Nesse contexto, os movimentos populares tendem a entrar em confronto mais constante e radical com o aparato estatal.

16 Isso significa associações patronais, meios oligopolistas de comunicação, forças parlamentares. coalizão de partidos politicos, etc. Ou seja, o bloco dominante pressiona não apenas dirctament (parlamento, pressão direta, etc.) para ganhar a partida, como busca criar correntes de opinião a seu favor, através dos intelectuais, meios oligopolistas de comunicação, partidos políticos, etc.. forçando a burocracia governamental, nas raras vezes que tenta atender algumas das demandas que exigiria mais do que o permitido pela modalidade de política estatal vigente, a voltar ao parâmetro determinado, jogando parte da população contra tais investimentos,

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lovimcnros Sociais: Questões Conceituais e Teórica ..

Esse processo também interfere na hegemonia burguesa no conjunto da sociedade civil e também no interior dos movimentos populares. A hegemonia burguesa manifesta uma materialização da mentalidade burguesa'". mas sob forma especifica. visando às necessidades atuais do regime de acumulação e da acumulação de capital e as tarefas políticas para garantir .. ua realização. F por isso que a cada regime de acumulação ocorre uma renovação hegemônica, urna complexa rede de mudanças, que são paradigmáticas, linguísticas, ideológicas, etc. e esse processo cria as bases

17 mentalidade é constituída pelos valores fundamentais, ntimentos mai-, profundos e concepções mais arraigadas (VIANA,

200Rb) e é uma da, principais forças mobilizadoras individuais e coletiv as. Na -ociedade capitalista, a mentalidade dominante é a burguesa, sendo produzida e reproduzida não apenas pela burguesia, mas pela maioria da população. Nas classes desprivilegiadas isso ocorre com maior contradição. A hegemonia burguesa é uma manifestação concreta devsa mentalidade, instituindo paradigmas, cânones estéticos. ideologias, adequadas ao momento histórico, especialmente às necessidades da acumulação de capital e tarefas políticas (manifestas numa forma estatal e modalidade de políticas estatais) para sua estabilidade. Um elemento importante nesse processo é a constituição de um paradigma, que se toma a matriz da produção de ideologias que passam a ter uma grande variedade no Ínlerior de um conjunto de preceitos, inclusive gerando o que Morin denominou "cegueiras paradigmáticas". "O paradigma efetua a seleção e a determinação da conceptualização e das operações lógicas. Designa as categorias fundamentais da inteligibilidade e opera o controle de seu emprego. Assim, os indivíduos conhecem, pensam e agem segundo paradigmas inscritos culturalmente neles" (MORIN, 2001, p. 25). Aliáv, o próprio Morin não escapa do paradigma dominante e a afirmação acima é um raro clarão no meio da escuridão de sua ideologia.

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para a constituição de uma nova hegemonia que se espalha pela sociedade, através de instituições de ensino. intelectuais, meios oligopolistas de comunicação, o que é reproduzido por diversos outros meios (internet, estudantes, ativistas, etc.) (VlANA, 2015e)18•

Esse é um processo de inculcação da nova hegemonia que vai se espalhando pela sociedade e. como não poderia deixar de ser, acaba atingindo os movimentos populares. Contudo, nesse campo há uma maior dificuldade nesse processo de inculcação. Essa dificuldade no processo de inculcação ocorre por dois motivo básicos. O primeiro é pelo menor acesso às ideologia doutrinas por parte dos grupos sociais de base de tais movimentos, devido sua situação de classe, sendo que aparecem sob a forma mais simplificada quando repassada pelos meios de comunicação e escolas em seu grau mai

18 Por questão. de espaço não podcn .. 'mos desenvolver esse processo aqui mais detalhadamente, tanto cm seus a ... pcctos mais gerais como suas manifestações concretas. Apena" destacamo ... dois exemplos. Apó-, a Segunda Guerra Mundial houve uma renovação hegemónica que constituiu um novo paradigma, que denominamos r~pwdutivi,;ta e foi expresso num conjunto de ideologias, entre as quais o estruturalismo, funcionalismo. teoria dos sistemas, keyncsianismo, etc. Essa nova hegemonia durou até a crise do final dos anos 1960 e a partir de 1969 começou a emergir uma contrarrevolução cultural preventiva (visando combater o pensamento rcvolucionári emergente no maio de 1968) que gera no, o paradigma. que sé posteriormente, com o novo regime de acumulação, ll integral. consegue se tornar hegemónico, o subjetivismo. \s ideologia neoliberais, pós-cstruturalistas, multiçulturalismo. entre outras, acabam se desenvolvendo, multiplicando. bem corno se tornand hegemônicas.

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segundo é por entrar, muitas vezes, em com as experiências, necessidades e saberes

anteriores existentes no interior das classe despriv ilegiadas, As condições de vida desfavorávei dessas classes e a tradição e rigidez de sua forma de

das representações cotidianas , 2015t), marca a existência de

urna maior oposição ao processo de renovação hegernônica. •\ força da renov ação hegemônica é, portanto, menor nas classes desprivilegiadas e quando ela ocorre é através de um amálgama, que expressa uma mistura incoerente de diversos elementos, tanto os que expressam a "º"ª hegemonia. quanto outras ideias e concepções existentes anteriormente. Um senso crítico espontâneo derivado da contradição entre interesses de classes (inclusive os imediatos) e ideias dominantes é um obstáculo para que esse processo de inculcação seja aceito em contradições.

Por outro lado. essa dificuldade é reforçada, embora em pequeno grau, pela ação do bloco revolucionário. Este atua precariamente no interior da sociedade civil e junto às classes desprivilegiadas, embora não deixe de fazê-lo, inclusive muitas vezes indiretamente, através de ideias, teorias e utopias que reforçam a contradição e recusa das concepções hegemônicas em certos setores dos movimentos populares. Em certos momentos. o vínculo entre bloco revolucionário e classes

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desprivilegiadas se torna mais forte, especialmente em épocas de ascensão das lutas proletárias, crises, etc."

Essa dinâmica dos movimentos populares é a mais comum nas épocas de estabilidade de um regime de acumulação, ou seja, em períodos de ascensão da acumulação de capital. Em épocas de desccnso, a situação se altera. O processo de desestabilização de um regime de acumulação não atinge apenas a classe capitalista, como alguns supõem, mas principalmente as classes desprivilegiadas, a começar pelo proletariado. Isso ocorre pelo motivo de que o descenso relativo da acumulação de capital promove a necessidade de aumento de exploração, ou seja, de extração de mais-valor. Além disso, o aparato estatal deve repassar uma maior fatia da renda estatal para o grande capital e em detrimento do atendimento da necessidade de bens coletivos pelas classes desprivilegiadas. Nesse processo, geralmente ocorrem crises financeiras, crises de legitimidade do aparato estatal, entre outros processos derivados ou simultâneo (aumento do desemprego, inflação, deterioração dos bcn coletivos, etc.).

Esse processo gera lutas espontâneas cada vez mais frequentes e intensas. principalmente se ocorrer seu prolongamento e aprofundamento. Os movimento populares tendem a ter mais adesões, as rei" indicações tendem a se fortalecer, as ideias revolucionárias ganham

19 Ü bl . , ~ , . d s ocos sociais são as rormas conscientes e organiza as que expressam os interesses das classes sociais (VIANA. 2015<1). l lma análise mais profünda dos blocos sociais pode ser vista em Viana (2015d) e sobre sua relação com os mo, imcntos sociais cm Viana (2016a).

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lovimcnros Sociais: Q1l·~tõc~ Conceituais e Teóricas

mais espaço, etc, Nesse momento. em que as lutas de classes cotidianas, ordinárias, vão sendo substituídas por lutas evtraordinárias, lutas autônomas e em certos casos nutugcstionárias". O bloco revolucionário se fortalece nesse contexto, as correntes marginais de opinião passam a ri, ai izar com as correntes vigentes e predominantes, as ramificações rev olucionárias dos demais movimentos sociais aumentam sua força e presença. a luta operária a, ança no sentido de um amplo movimento grevista, formação de conselhos e outras formas de auto­ organização. Essa possibilidade histórica já se efetivou em diversos momentos históricos. em diversos países, tal como no caso das revo luções pro letárias inacabadas na Rússia ( 1917), Alemanha ( 1918-192 l ). Espanha (1934- 1939 ), etc. Isso também ocorreu em outros lugares e épocas, com menor força e radicalidade, mas que ameaçaram desembocar em processos semelhantes.

o entanto, os movimentos populares, que se distinguem do movimento operário e outros movimentos de classes, são uma forma de luta cotidiana que surge historicamente após a Segunda Guerra Mundial. É no regime de acumulação conjugado que surgem os movimentos populares. Eles incluem os chamados "movimentos sociais urbanos" (LOJKINE, 1981; CASTELLS, 1988; BORJA, 1975; SANTOS, 2008) que vão ganhar destaque nessa época e se manter até a atualidade, ao lado de "movimentos sociais rurais".

20 \obre a passagem de lutas e .• pontâncas para autônomas e autogcstionárias, cf. Jcnscn (2016) e Viana (2008).

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Movimentos Sociais: Qpcstõcs Conceituais e Teóricas

As chamadas lutas urbanas são um dos principai. aspectos das lutas populares. Uma de suas principai reivindicações gira cm torno da reprodução da força de trabalho (CASTELLS, 1988; C ASTELLS, 1989) ou a luta de classes e sua relação com as políticas estatais (LOJKINE, 1981). Na verdade, todos estes processos envolvem a luta de classes, tanto a luta por condições adequadas para reprodução da força de trabalho (transporte, educação, saúde), ou seja, por bens coletivos, quanto à exigência endereçada ao aparato estatal no sentido de sua função de regularizá-las. Os limites acima colocados se reproduzem no caso mais específico do movimentos sociais urbanos (parte dos movimento populares).

Os movimentos populares possuem dificuldade de organização, luta, etc., por causa de suas condiçõe precárias de vida, bem como suas condições financeiras. culturais, etc. lsso, no entanto. não impede a existência da luta, que avança e recua, dependendo de outras determinações. Um dos elementos mais interessantes nesse processo é que a forma organizacional do movimentos populares muitas vezes revela um preces de auto-organização, ou seja, a constituição d organizações autárquicas ", e de defesa da autonomia. mesmo cm períodos de estabilidade.

A auto-organização i11d11i toda, as açôt•~ 11111 tanto informais, especialmente as que apresentam

'1 As organizações autárquicas são fonnJ!> de auto-organização qu distinguem das organizações burocráticas, caracterizada, pela relações entre dirigentes e dirigidos(\ 1 \ \1 \, 10 l (11;).

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1ovimmtos Sociais: Qpcsrõcs Conceituais e Teóricas

relvindicaçôcs diretamente ao Estado. Os grupos auto­ organizados surgem como reação às medidas estafai que ameaçam o existência da população. ou como resposta ci ,wglig,~ncia dos deveres estatais em especial no campo da politica social 011 de planificação da infraestrutura (GROHMA VV, 1996. p. 21).

Isso é ainda mais intenso em momentos de avanço das lutas operárias. No caso brasileiro, por exemplo. isso é perceptível no processo de auto­ organização que se manifestou através do que alguns denominaram "novos movimentos de bairro", as comissões de luta por saúde. bem como outras iniciativas e lutas, no final dos anos 1970 (SADER, 1995). Esse processo ocorreu justamente na época de ascensão da luta operária com as greves e ações do período, especialmente a greve de maio de 1978, que geraram os conselhos de fábrica, entre outras formas de auto-organização (MARONI. 1982). Esse processo teve mumeras manifestações e sua característica principal era a auto­ organização:

Os indicadores da novidade que os movimentos dos moradores de periferia pareciam revela eram dados por práticas reivindicatórias que escapavam dos esquemas tradicionais do cliente/ismo político: por práticas associativas em que pareciam ausentes a ação diretiva e hegemónica de grupos organizados de esquerda; por formas de organização articuladas a partir de interesse» imediatos referentes às condições de vida e moradia e desvinculadas de instituições do Estado e partidos oficiais (TELLES, 1987, p. 56).

Esse processo ocorreu nos anos 1970 no Brasil. esse período, o regime de acumulação existente no

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Brasil era o conjugado-subordinado (VIANA, 2016d). Os países capitalistas subordinados são caracterizados por uma acumulação subordinada e pela reprodução, sob forma de reprodução da subordinação, do regime de acumulação dos países capitalistas imperialistas. Esse processo revela uma superexploração da força de trabalho no capitalismo subordinado, que necessita garantir não somente a continuidade do processo de acumulação em termos nacionais, como também garantir a transferência de mais-valor para o bloco imperialista. O regime de acumulação conjugado-subordinado no Brasil teve sua formação em torno dos anos 1950 e já na segunda metade da década de 1960 teve as primeiras rachaduras do seu edifício (VIANA, 2016d). Esse processo culminou com a instauração do regime militar como forma para garantir o aumento da exploração e retomada da ascensão da acumulação de capital.

É neste contexto que emergem as determinaçõ desse processo de intensificação das lutas populares. Por um lado, uma deterioração das condições de , ida das classes desprivilegiadas, por outro, um estado ditatorial que não realizava políticas estatais que minimizassem o problemas. Isso tendia a fortalecer a reação das da· ... , ... desprivilegiadas e os movimentos populares avançam justamente nesse contexto. Outra determinação que contribuiu com esse processo foi o próprio regime militar e sua falta de legitimidade. Ourante a ditadura militar haviam apenas dois partidos e ambos com presença das classes privilegiadas no seu interior. A d is puta e leitora] era entre a ARENA (Aliança Renovadora Nacional), a ituação, e o MOH (Movimento Democrático Brasileiro),

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Iovimentc

a oposição consentida. As lutas espontâneas. nesse contexto, se tornam lutas autônomas e geralmente desligadas dos dois partidos legalizados.

Movimentos Populares e Autogestão

Esse caso concreto apenas demonstra o que ocorre em diversos contextos e momentos históricos. As lutas espontâneas, cotidianas, passam para lutas autônomas e cria a possibilidade de sua evolução para lutas autogestionárias. Ou seja. o processo de luta proletária, que é reproduzido pelos movimentos populares, culmina com a autogestão das lutas (TRAGTENBERG, 1989; \ 1 A '1 A, 2008c) e, em alguns casos. a defesa explícita do projeto autogestionário.

O projeto autogestionário é o que foi constituído na história do mov imento operário e teve como primeira formulação teórica a obra de Marx, que denomina a nova ociedade como "livre associação dos produtores", "autogoverno dos produtores" ou, simplesmente, comunismo (MARX, 1986~ MARX, 1988; VIANA, 2015g). O projeto autogestionário emerge, geralmente, em momentos revolucionários. Trata-se da ideia de revolução, transformação simultaneamente total, constituindo uma nova sociedade, e radical alterando radicalmente as bases e raízes da sociedade anterior. Isso significa que o projeto autogestionário, o projeto revolucionário de nossa época, é simultaneamente totalizante e marcado pela ruptura histórica: 'Totalidade e historicidade específica estão íntimamente ligadas ao projeto revolucionário e permitem assim atribuir à revolução uma fisionomia individual na

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Movimentos Sociais: Qpcstõcs Conceituais e Teórica

espessa massa dos processos coletivos de transformações sociais e mentais" (DECOUFLÉ, 1970, p. 35).

A autogestão assim, ao contrário do seu uso equivocado e comum inclusive por diversos sociólogos que abordam os movimentos populares22, não está presente nos movimentos populares, a não· ser em momentos revolucionários, quando sua concretização é esboçada e o projeto autogestionário começa a ser defendido por setores cada vez mais amplos da sociedade.

Em épocas de ascensão da luta operária, a ideia de uma sociedade fundada na autogestão social tende a se consolidar, especialmente no caso das revoluçõe proletárias (TRAGTENBERG, 1989; VlANA. 2008c) .Ós

autogestão é uma forma de sociedade marcada pelo fim da exploração e dominação, na qual o trabalho deixa de ser alienado e passa a ser autogerido coletivamente. gerando relações de produção fundadas na associação do conjunto dos produtores que decidem coletiva e livremente o processo de produção e reprodução da sociedade . Assim, a autogestão é um processo no qual um coletivo se autogovema, o que pressupõe decisão coletiva, relacõ

22 Um grande número de sociólogos e outros pesquisadores da áre •. 1 d ciências humanas, usam equivocadamcnte o termo ··autog~tão" confundindo essa seja com "auto-organização" (C,ROll \11 1996). seja com democracia chamada "participativa" ou "direta", Existe uma assimilação ideológica do termo autogcstão ( V l 2014) que consiste em esvaziá-lo do seu caráter revolucionário. É fundamental entender o caráter totalizante da aurogc •• tão e que, portanto, ela não pode existir dentro do capitalismo, a não ser por um breve período de tempo e em confronto direto com a sociedad burguesa.

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fovimcnt·

igualitárias. que se generalizam para o conjunto das relações sociais. tendo sua fonte no modo de produção.

Isso significa que a autogcstào só é possível com a abolição do capital e do Estado e criação de uma cicdade radicalmente diferente, ou seja, num processo

que crivo I\C a totalidade da sociedade. A ideia de que ooperativ as, grupos, fábricas ocupadas. sejam autogeridas

é um equívoco, pois desconsideram que estão envolvidas na divisão social do trabalho do capitalismo. mantém relações de subordinação com o capital. mercado (relações de distribuição capitalistas). Estado capitalista. Nesse sentido, o que a maioria coloca como .. autogestão" quando e trata de anaJi ..• ar os mov imentos populares são outros fenômenos e cooperativ as, auto-organização, etc.).

\ radicalização das lutas de classes é que tomam possível que o projeto autogestionário, que pode ser defendido em determinados lugares e contextos antes disso, ser defendido pelos movimentos populares. No caso da Revolução Húngara de 1956, foi nesse contexto que se criou os conselhos operários. bem como "comitês urbanos, conselhos de bairros e conselhos profissionais". No entanto. nesse momento já não se trata mais de mo, imentos populares e sim de movimento operário, pois a luta localizada se toma geral l,1 transformação social, ganhando um nítido caráter de classe23.

n Tal caráter já existe, mal. no sentido de classe determinada pelo capital t "classe em-si") e não como classe autodeterminada ("para­ si"): segundo teoria do desenvolvimento do movimento operário de Marx ( 1985 ). O\ movimento, populares avançam e podem até defender um projeto autogestionário, mas no processo revolucionário há uma fusão da classe cm sua totalidade e as reivindicações no

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Movimentos Sociais: Qpestõcs Conceituais e Teóricas

Desta forma, o projeto autogestionário raramente existe em momentos de lutas ordinárias, cotidianas. mas em momento de radicalização tendem a aparecer e em momentos revolucionários, nos seus primeiros momentos, a se fortalecer, até que a força do movimento revolucionário crie a fusão que significa a superação d movimentos populares e dos movimentos sociais em geral no processo de constituição da nova sociedade. É ne contexto de radicalização das lutas sociais que emergem formas de auto-organização que reforçam a possibilidade do projeto autogestionário estar presente nos movimentos populares, pelo menos em alguns deles e em certas ramificações. Esse foi o caso, por exemplo. o caso da Comissões de Ocupações de Casas no bojo da Revolução dos Cravos, em Portugal. As lutas dessas comissõe passaram por duas fases. A primeira fase vai de 25 de abril de 1974 até janeiro de 1975. quando começa a sua segunda fase, apontando para o projeto autogestionário:

Se nessa primeira fa: .• e o movimento foi progressivamente assumindo, ainda que d11 forma extremamente pontual, 11111 caráter antipropriedade privada, será sobretudo a partir de janeiro de 19-5 e, muito em especial, no clima político pos-l I de março, que a natureza desse movimento apresentará abertamente características anncopitalista« (FERREIRA, 1975, p. 61).

interior do capitalismo perdem sentido e o que se passa a fazer ' constituir a nova sociedade, cujo objetivo é abolir a situação que foz necessárias reivindicações e paliativos, pois uma solução definitiva sub ..• titui as propostas de pequenas melhorias,

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aráter inacabado da Revolução dos cravo., não permitiu um maior desdobramento dessa experiõncía e do projeto autogestionárío, pelos próprios limites do movimento operário nesse contexto, apesar dos avanços e do início de uma \ ia autcgestionária. O recuo do movimento operário português impediu que o projeto autogestionário se generalizasse e realizasse a fusão de reivindicações parciais com as universais. Esse exemplo apenas mostra as tendências dos movimentos populares, que vão desde as lutas espontâneas passando para as lutas autônomas até chegar, quando isso ocorre, nas luta autogcstionárias.

Considerações Finais

Por fim, essa breve síntese das características e dinâmica dos mo, irnentos populares é apenas uma introdução que aponta para a compreensão de sua especificidade e diferenciação em relação a outros mo, imentos sociais. Vários aspectos necessitam desen\·olvímento e ampliação, o que pretendemos realizar em outra oportunidade. Dentre esses aspectos há a questão da necessidade de uma análise dos diferentes movimentos populares e suas subdiv isões. No entanto, para o propósito que nos colocamos no presente artigo, julgamos que conseguimos realizar uma síntese que fornece algumas indicações úteis para novas pesquisas e aprofundamentos.

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