Movimentos, estagnações, tensões e transformações na ... · desenvolvimento de um pensamento...
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ANAIS DO VI SIPEM
RESUMO
ABSTRACT
15 a 19 de novembro de 2015 Pirenópolis - Goiás - Brasil
Palavras-chave:
Keywords
Movimentos, estagnações, tensões e transformações na aprendizagem da matemática on-line
Movements, stagnation, tensions and changes in
learning math on-line
1Daise Lago Pereira Souto, 2Marcelo de Carvalho Borba
1Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT – Brasil [email protected] 2Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP – Brasil [email protected]
Teoria da atividade; Seres-humanos-com-mídias; Educação a distância on-line; Ensino de Ciências e Matemática.
O objetivo desta comunicação é buscar compreensões acerca do processo de aprendizagem da matemática on-line dentro de um coletivo de atores humanos e não humanos. Para este fim, analisamos os movimentos, estagnações, tensões e transformações que podem ocorrer quando professores se reúnem em um ambiente virtual de aprendizagem para fazer matemática com um software dinâmico. Os dados analisados foram produzidos durante o desenvolvimento de um curso de extensão universitária ofertado por uma universidade pública brasileira e desenvolvido totalmente on-line. Os participantes são professores de matemática do Brasil e do exterior. A análise dos dados segue uma abordagem qualitativa apoiada na noção de miniciclones de transformações expansivas. Esta noção, assim como o construto seres-humanos-com-mídias tem raízes na teoria da atividade. A análise dos dados indicou que as mídias envolvidas influenciaram no processo de aprendizagem à medida que foram fonte de tensões provocadoras de comportamentos distintos (estagnação/movimento) entre os atores humanos. Disso resultaram transformações qualitativas na aprendizagem da matemática dos professores. Verificou-se ainda, que uma das tensões provocadas por essas mídias alavancou outra tensão que é estrutural e tem se desenvolvido historicamente, trata-se da forma encapsulada como temos ensinado e aprendido a matemática.
The goal of this paper is to understand the process of learning in online mathematics within a collective of humans and non-human actors. To this end, we will analyze the moves, stagnations, tensions and transformations that may happen when teachers meet in a virtual learning environment to do mathematics using dynamic mathematics software. The analyzed data was produced while the development of an extension course offered by a Brazilian public university totally online. The participants are mathematics teacher from Brazil and abroad. The data analysis is developed in a qualitative manner backed by the notion of mini-cyclones of expansive transformations. This notion, as well as the construct humans-with-media, has its roots in activity theory. Data analysis suggested that the used media influenced the learning process, sence they were source of tensions that provoked different behaviors (stagnation/movement) among the human actors. This tension resulted in qualitative transformations in mathematics learning of teachers. It was also verified, that one of the tensions provoked by these media started another tension, which is structural, and it has been developed historically: the encapsulated form that we have taught and learnt.
Activity Theory; Humans-with-media; Distance Education On-line; Science and Math Education.
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Na Educação Matemática as perspectivas teóricas adotadas para buscar explicações sobre
os aspectos que envolvem a aprendizagem em ambientes on-line são múltiplas e, em geral,
dependem da visão epistemológica de cada pesquisador.
Nós construímos com a teoria da atividade - T.A. - (ENGESTRÖM, 1987) e o construto
seres-humanos-com-mídias - S-H-C-M - (BORBA, 1999) uma forma de analisar a aprendizagem
nesses ambientes considerando que ela é fruto de uma produção coletiva conforme temos
defendido (SOUTO, 2013, 2014; SOUTO; BORBA, 2013, 2015 manuscrito).
O início dessa construção se apoiou na análise de dados empíricos (SOUTO; BORBA,
2012), em que identificamos a possibilidade de algumas transformações na aprendizagem
serem impulsionadas por tensões geradas com base nos feedbacks das mídias que
influenciaram o raciocínio matemático e as ações dos aprendizes. Seguindo, então, nessa
mesma linha em Souto e Araújo (2013) realizamos o exercício de analisar o S-H-C-M como um
sistema de atividade. Nele, identificamos as seguintes tensões: qual é o papel das mídias no
constructo teórico seres-humanos-com-mídias analisado como um sistema de atividade?
Mídias como artefatos (segundo a Teoria da Atividade) se transformam nesse sistema?
Uma reflexão sobre a primeira dessas tensões foi realizada por Souto (2013), em que
novamente nos apoiamos nesses dois fundamentos teóricos para especificar, com dados
empíricos, um pouco mais o debate em torno do papel das mídias em sistemas de atividade S-
H-C-M. Nos resultados verificamos alguns modos como uma mídia pode movimentar-se em
um sistema de atividade e desempenhar mais de um papel ou função.
Discutimos a segunda tensão em Souto (2014) e Souto e Borba (2015-manuscrito), ao
analisarmos como o desempenho de distintos papéis pelas mídias pode transformá-la e ao
mesmo tempo transformar o próprio sistema de atividade do qual ela faz parte.
Em Souto (2014) também avaliamos em maior profundidade como esses referenciais se
harmonizam e se potencializam apesar de se relacionarem dialeticamente. Isso nos possibilitou
uma apresentação mais refinada da perspectiva teórico-metodológica iniciada por Souto
(2013), Souto e Borba (2013), a qual nos referimos anteriormente como: uma forma de
analisar a aprendizagem nesses ambientes sem deixar de considerar que ela é fruto de uma
produção coletiva.
Para este artigo empregamos essa perspectiva teórico-metodológica com o objetivo de
buscar compreensões acerca do processo de aprendizagem da matemática on-line dentro de
Introdução
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um coletivo de atores humanos e não humanos. Para este fim, analisaremos os movimentos,
estagnações, tensões e transformações que podem ocorrer quando professores se reúnem em
um ambiente virtual de aprendizagem para fazer matemática com um software dinâmico.
O subtítulo desta seção faz referência aos aportes teóricos que sustentam este estudo. O
pensar-com-mídias se relaciona à ideia central do construto proposto por Borba (1993, 1999),
sintetizado por Borba e Villarreal (2005) e aprimorado ao longo de 22 anos pelas pesquisas
desenvolvidas no seio do Grupo de Pesquisa em Informática outras Mídias e Educação
Matemática - GPIMEM, o qual se denomina seres-humanos-com-mídias. Outros grupos e
pesquisadores não membros do grupo acima citado também tiveram sua contribuição nesse
desenvolvimento (e.g. JACINTO; CARRERA, 2013, 2015, 2015a; SANDE, 2011; VILLA-OCHOA,
2011) Os sistemas de atividade referem-se às contribuições de Engeström (1987) para o
desenvolvimento de uma das vertentes da teoria da atividade que toma como unidade de
análise uma “célula” coletiva.
Empregar conjuntamente a noção de seres-humanos-com-mídias em conjunto com a
noção de miniciclones propiciou uma sinergia que nos permitiu entender a noção de sistema
de atividade de Engenström de uma maneira que, cremos, não se encontra na literatura. Ela
permite ver aprendizagem, destacando o papel dos atores não humanos, que não mais ficam
isolados em um dado vértice dos triângulos do sistema que inclui além do objeto, comunidade,
regras, sujeitos, objeto, divisão do trabalho e artefatos também a proposta pedagógica.
O construto seres-humanos-com-mídias ao mesmo tempo em que realça a participação
de atores não humanos nesse processo evidencia que é difícil ter uma visão sistêmica quando
se propõe separá-los de atores humanos. Nesta perspectiva, o pensar-com-mídias é a metáfora
que usamos para destacar a unidade básica de conhecimento que se constitui com base no
desenvolvimento de um pensamento que é coletivo dos “seres humanos” com tecnologias.
Pois, de acordo com Lévy (1993), elas têm, ao longo da história, condicionado a produção de
distintos tipos de conhecimento. Desse modo, o papel das mídias (ou tecnologias) ultrapassa a
ideia de veículo “através do qual” se produz matemática. Isso porque ao interagir com uma
dada mídia o ser humano reorganiza o seu pensamento (TIKHOMIROV, 1981), em outras
palavras, as mídias influenciam o pensamento de acordo com as possibilidades e restrições que
oferecem.
O pensar-com-mídias em sistemas de atividade
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Desse modo, o processo de reorganização do pensamento está imbricado ao conceito de
moldagem recíproca, o qual discute a forma como simultaneamente os seres humanos
“moldam” as mídias e também são “moldados” por elas. Essas ideias têm suas raízes no
pensamento Vygotskyano de mediação, que por sua vez também serve de base para o
desenvolvimento da teoria da atividade1.
A teoria da atividade possui diferentes vertentes ou ramificações levando alguns autores
a compará-la a um polvo e seus vários tentáculos. Neste estudo nos pautamos na vertente (ou
tentáculo) desenvolvida por Engeström (1987) que propõe uma organização sistêmica (figura
1) para descrever a atividade humana.
Um sistema de atividade integra sujeitos (todos que têm agency), objeto (espaço
problema), artefatos (instrumentos e signos), regras (normas reguladoras), comunidade (todos
que compartilham o mesmo objeto) e divisão do trabalho (organização de tarefas) (figura 1).
Esses seis elementos se relacionam dialeticamente formando uma unidade mínima de análise
que se organiza em torno de uma macroestrutura com motivos, objetivos e condições de
operacionalização. O desenvolvimento de um sistema pode decorrer de anseios do coletivo por
determinados resultados. Em vista disso, pode haver uma demanda de múltiplas ações que se
operacionalizam de formas distintas dependendo dos recursos disponíveis.
Esse diagrama (fig. 1), proposto por Engeström (1987), que é composto de triângulos,
indica as raízes dessa teoria, qual seja: os princípios da escola histórico-cultural da psicologia
soviética. Isso porque na gênese dessa representação está implícito o conceito vygostyskyano
de mediação. Tomamos como exemplo um dos triângulos, o superior constituído por sujeitos-
1Para maiores detalhes sobre as relações harmônicas existentes entre as articulações teóricas aqui desenvolvidas e a forma como eles se potencializam, consultar Souto (2013); Souto e Araújo (2013) e Souto (2014).
Artefatos
Sujeitos
Regras Comunidade
Divisão do
Trabalho
Objeto Produto
Figura 1: Representação do sistema de atividade humana - (SOUTO-2014)
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artefatos-objetos. Nele, os artefatos são mediadores das relações entre os sujeitos e objeto da
atividade.
Engeström também explica que um sistema, por ser uma unidade coletiva, é permeado
por diferentes traços culturais e, portanto, por diferentes pontos de vista. Assim, é de se
esperar a falta de concordância em determinados posicionamentos, principalmente em relação
às regras, às formas de divisão do trabalho, ao uso de um determinado instrumento, à forma
de operacionalização de uma ação, etc. Dependendo do modo como essas divergências são
tratadas pelo coletivo, elas podem se tornar fonte de tensões (ou contradições internas), as
quais se desdobram em pelo menos duas possibilidades: como caminhos para mudanças ou
como campo fértil para conflitos.
As mudanças, em geral, estão relacionadas às transformações expansivas (ou
aprendizagem expansiva) que aqui devem ser entendidas como: movimentações em um
sistema de atividade que almejam solucionar ou construir entendimentos sobre um dado
problema ou conteúdo matemático de uma forma crítica que até então não havia sido
imaginada dentro do próprio sistema (Souto, 2014).
Para se compreender os comportamentos em um sistema de atividade em sua totalidade
é necessário realizar uma análise do ponto de vista de seu desenvolvimento histórico.
Engeström (1987) argumenta que a constituição, desenvolvimento e transformação de um
sistema de atividade são irregulares e, por isso, ele deve ser visto à luz de sua história.
Como mencionamos anteriormente, da (re)união entre teoria da atividade e o construto
seres-humanos-com-mídias propusemos (SOUTO, 2013, 2014, no prelo; SOUTO; BORBA,
2013, manuscrito 2015) uma perspectiva teórico-metodológica para pesquisas em Educação
Matemática, a qual é apresentada na próxima seção porque ela detalha metodologicamente o
modo como os dados produzidos foram analisados.
Cremos que em pesquisas qualitativas que envolvem o desenvolvimento de propostas
pedagógicas deve haver uma harmonia entre os aspectos metodológicos da pesquisa com os
aspectos metodológicos da proposta pedagógica, a fundamentação teórica e a visão
epistemológica dos pesquisadores. A respeito deste último componente, assumimos que o
Aspectos metodológicos, pedagógicos, teóricos e epistemológicos: em busca de uma harmonia.
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processo de produção de conhecimento é permeado por interações coletivas, em que as
mídias se entrelaçam aos seres humanos formando uma unidade.
No que diz respeito aos aspectos metodológicos da proposta pedagógica, consideramos
importante destacar que o curso foi desenvolvido em duas etapas. Na primeira delas, todos os
vinte professores participantes (do Brasil e do exterior) se encontravam no ambiente virtual
TIDIA-AE2 para discutir textos sobre educação matemática. Para esta comunicação,
analisaremos um recorte dos dados produzidos na segunda etapa em que se desenvolveram os
estudos de cunho matemático baseados na abordagem experimental-com-tecnologias
proposta por Borba e Villarreal (2005). Nela, um dado problema deve propiciar estímulos para
a geração de conjecturas e a realização de procedimentos de tentativa e erro até que seja
possível a construção de argumentos e justificativas que expliquem a solução encontrada.
Desse modo, acreditamos que alcançamos uma harmonia com os fundamentos teóricos,
nossa visão de conhecimento e a abordagem qualitativa. Isso porque o construto seres-
humanos-com-mídias preceitua que os feedbacks dados pelas mídias podem gerar debates,
discussões, questionamentos, ideias e diferentes possibilidades para a solução do problema em
questão. Por outro lado, Engeström, propositor da vertente da teoria da atividade que
fundamenta este estudo, defende que os aprendizes devam ter a oportunidade de analisar,
questionar, contradizer, debater, elaborar e implementar caminhos alternativos para solucionar
problemas.
A dinâmica desta segunda etapa da proposta pedagógica foi a seguinte: os professores
foram organizados em pequenos grupos3 (quatro componentes) para discutir as construções
da parábola, elipse e hipérbole com o software GeoGebra e solucionar problemas que embora
tivessem uma resposta única, eram abertos, investigativos e possibilitavam aos professores a
busca por diferentes caminhos que pudessem levar a solução sem que fossem necessárias a
memorização ou a utilização de estratégias rigorosamente elaboradas.
Mas, como a metodologia da pesquisa se harmoniza com esses aspectos acima
apresentados? Primeiramente consideramos oportuno destacar que em pesquisas científicas
não há um caminho único a ser seguido, mesmo se tratando de uma abordagem que não
tenha preocupação com nenhum tipo de representatividade numérica como esta. No entanto,
em busca da harmonia defendida por nós, optamos em adotar, para a análise dos dados, os
miniciclones de transformações expansivas propostos por Souto (2013, 2014, no prelo) e
2Disponível em: www.tidia-ae.rc.unesp/gpimem. 3O critério para a organização dos grupos foi a localização geográfica; procuramos agrupar participantes de diferentes regiões, com o intuito de privilegiar as interações on-line.
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discutidos em Souto e Borba (2013). Essa ferramenta de análise foi construída com base na
junção dos fundamentos do construto seres-humanos-com-mídias, dos princípios da vertente
da teoria da atividade proposta por Engeström que incluem uma releitura da zona de
desenvolvimento proximal de Vygotsky.
Os miniciclones4 favorecem a compreensão da aprendizagem em ambientes on-line. Eles
geralmente iniciam quando os aprendizes, mesmo sem ter consciência, se mobilizam em busca
do rompimento de um padrão dominante de produção matemática. Em outras palavras,
podemos dizer que eles estavam em uma situação estável, a qual pode ser descrita por um
comportamento linear propício para a reprodução do conhecimento da forma como aprendeu
(reprodução da cultura) e, em um dado momento surge um desejo ou necessidade que
impulsiona a busca pelo “novo”. Isso pode ser verificado nas dúvidas, questionamentos,
críticas, autocríticas que originam tensões no sistema, as quais podem ser consideradas como
possibilidades expansivas. A inserção de um elemento novo, como, por exemplo, uma mídia,
pode desencadear esse início.
Por outro lado, as próprias mídias que constituem o sistema são protagonistas no
desenvolvimento do miniciclone, elas atuam como agentes mobilizadores e, assim, passam a
desempenhar distintos papéis (se movimentam) contribuindo também para a evolução do
mesmo. Os seres-humanos “pensando com” elas, experimentam, simulam, analisam
conjecturas, ou seja, forma-se uma unidade coletiva em que a relação de trocas recíprocas
entre seus elementos permite que os conceitos matemáticos sejam reorganizados e (re)
construídos.
A busca pela superação das tensões pode gerar diferentes segmentos dentro do próprio
miniciclone, por isso, não é possível prever com certeza o início de um miniciclone e nem a
direção que ele vai tomar ou as tensões e/ou transformações que irão ocorrer. O que se pode
afirmar, é que ele não retorna ao lugar onde já esteve.
Um miniciclone pode ser considerado “finalizado” quando os aprendizes conseguem
elaborar, discutir e justificar uma solução produzida (para um dado problema ou conceito) com
base nas conexões intermídias que não haviam sido pensadas até então por eles, e que, com
isso, resulte em mudanças qualitativas nas formas de expressão do pensamento matemático.
4Quando empregarmos o termo miniciclones, estaremos nos referindo aos miniciclones de transformações expansivas.
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Conforme indicamos anteriormente, para esta discussão analisaremos um recorte dos
dados produzidos no momento em que os professores desenvolveram os estudos de cunho
matemático. O inicio do trabalho, em que o passo-a-passo foi disponibilizado, a maior
dificuldade foi a falta de conhecimento sobre as possibilidades do software, como por
exemplo, o recurso arrastar, a construção de reta, entre outros.
Sílvia - Vamos construir a reta d.
Sandra - Tentei e não consegui, fiquei na dúvida em relação a qual comando usar.
Entretanto, esse tipo de obstáculo foi facilmente superado. Em geral, no segundo
encontro os participantes já não o relatavam mais.
As tensões foram surgindo à medida que as questões usualmente apresentadas nos livros
didáticos começaram a ser solucionadas. Inicialmente os sistemas de atividade formados nos
grupos tenderam a reproduzir o padrão de matemática que era usual para eles, mas aos
poucos houve mudanças. Ou seja, verifica-se o início do miniciclone que sugere um processo
de internalização que é rompido com questionamentos pautados no uso do GeoGebra nas
construções com o passo-a-passo.
Silvia - [No problema] Determine a equação e as coordenadas dos focos de uma elipse de eixo 10 e
distância focal 6.[...]eu cheguei em F1=(-3,0); F2=(3,0), e .
Thaísa - Sim, eu também...comecei achando o "b" pelo teorema de Pitágoras, já que a=5 e c=3.[...] dai já
sai os focos, e a equação é só montar com esses valores.[...] certo...e como verificar no GeoGebra?
Segundo Engeström (1987), a internalização deve ser entendida como um caminho que
leva à reprodução da cultura. No caso do sistema de atividade em pauta, verificamos que o
raciocínio mais algébrico desenvolvido com a mídia lápis-e-papel foi a opção mais natural. O
movimento em direção à externalização (busca pelo novo) pode ser observado quando Thaísa
pergunta: como verificar a questão como software? Entendemos que as construções iniciais
realizadas com o GeoGebra contribuíram para esse questionamento de Thaísa, o qual pode ser
caracterizado como uma tensão local do sistema de atividade. Com isso, verifica-se que o
avanço do miniciclone descreve o desenvolvimento do sistema de atividade. Isso porque ao
mesmo tempo em que há indicativos de movimentos que partem da internalização para a
externalização também há um deslocamento do papel do GeoGebra da condição de artefato,
tal como propõe a teoria da atividade, para a condição de objeto.
Uma tensão pode ocorrer quando a introdução de algo novo no sistema de atividade ir
de encontro a um elemento antigo (DANIELS, 2003). Com base nessa afirmação,
interpretamos que a inserção do GeoGebra nas construções iniciais gerou a seguinte tensão:
E os dados, o que “dizem”?
11625
22
yx
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como encontrar as soluções para os problemas com o software? Em outras palavras, o
GeoGebra tornou-se um espaço-problema dentro do sistema e isso pode qualificá-lo como
objeto.
O questionamento de Thaísa despertou provocações nos demais participantes, pois eles
se sentiram desafiados a superar algo que nem mesmo sabiam muito bem do que se tratava,
ou nas palavras de Engeström (2002), buscavam por algo que não estava "ali".
Thais - Tem muito parâmetro!!! é difícil manter um e alterar os outros...E ai? Alguma ideia?
Geometricamente parece que eu consegui... mas, não consigo aliar estes números com a equação.
Na busca por uma solução com o software surgiu uma nova tensão: como representar
geometricamente com o GeoGebra os resultados obtidos nos cálculos algébricos? Cremos que
essa tensão é decorrente do trabalho que exigiu que o pensamento fosse reorganizado de
modo a relacionar as representações algébricas e geométricas. Essa tensão, embora seja local,
a nosso ver, também é estrutural e tem sido historicamente construída pelo modo como
aprendemos e ensinamos a matemática, ou seja, tratando álgebra e geometria como se
fossem "cápsulas". À medida que o miniciclone avança, essa tensão se fortalece até que a
internet que protagonizava o sistema de atividade na condição de artefato passa a
desempenhar o papel de comunidade.
Bianca- Estou ainda fazendo testes... peguei dois possíveis focos e estou testando as distâncias[...] mas já
deu pra mim...preciso pensar mais..[...] vou buscar algo para ajudar na internet.
De acordo com Engeström (1999), um dos papéis da comunidade é situar o sistema de
atividade dentro do contexto sociocultural daqueles que compartilham o mesmo objeto. Desse
modo, quando Bianca indica que vai buscar "ajuda" na internet interpretamos que ela estava
apontando a necessidade de encontrar outros que compartilhassem, ou pelo menos se
aproximassem do mesmo objeto em um contexto mais amplo.
Quando a internet passa a atuar como comunidade, há uma ampliação da
multivocalidade do sistema, pois ela abarca as vozes de outros que, embora não façam parte
da atividade, compartilham de algum modo o mesmo objeto. Quando produzimos e postamos
algum material, qualquer que seja, na internet e ele passa a ser fonte de consulta estamos
naturalmente transmitindo nossos valores, histórias, convenções, posicionamentos, crenças,
etc.
No caso em análise, os professores estavam inicialmente tentando com o GeoGebra
elaborar soluções baseadas em construções dinâmicas procurando explorar ao máximo as
potencialidades do software e buscando compreensões acerca das relações entre as
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representações algébrica e geométrica, mas quando a internet passou a desempenhar o papel
de comunidade transmitiu ao sistema algumas normas sociais que têm sido convencionadas de
que a matemática é rígida e símbolo de certeza. A partir desse instante, as soluções deixaram
de ser dinâmicas e passaram a ser estáticas, próximas ao modo como se apresentavam nas
páginas consultadas na internet.
No entanto, é importante destacar que em ambos os casos a produção matemática
desses professores resultou em um conhecimento distinto daquele que eles tinham até então,
ou seja, em aprendizagem (ou transformações expansivas). Isso porque eles conseguiram
compreender as relações entre álgebra e geometria no estudo das cônicas.
A análise dos dados com base nos fundamentos teóricos apresentados
anteriormente nos permitiu discutir algumas compreensões acerca do processo de
aprendizagem da matemática on-line dentro de um coletivo de atores humanos (professores) e
não humanos (internet/software matemático). Identificamos alguns dos movimentos,
estagnações, tensões e transformações que contribuíram para tais compreensões.
Verificamos que o comportamento dos professores em geral ocorria com base na
resposta dada pelo software ou na solução encontrada nas páginas da internet. Esse fato
sugere que as tecnologias atuaram como agentes mobilizadores. A participação do software,
em particular, despertou tensões que contribuíram para a aprendizagem dos professores. Ele
contribuiu para que eles saíssem de um processo de reprodução da matemática
(internalização) para a busca do “novo” (externalização).
Por outro lado, a participação dos atores não humanos nem sempre resultou apenas em
movimentos. Quando a internet passou a ser consultada houve uma relativa estagnação. Isso
porque as soluções construídas pelos professores estavam próximas das apresentadas nos sites
consultados. Apesar disso, os professores conseguiram estabelecer as relações entre as
representações algébrica e geométrica presentes nas cônicas de uma forma que não havia sido
pensada por eles até então.
Considerações finais
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