Mostra Sérgio Bianchi de Cinema (2006)

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Realização do Grupo Cine de Novo PONTA GROSSA - BRASIL R$ 1,00 R$ 1,00 PROGRAMAÇÃO COMPLETA DA MOSTRA SINOPSES ENTREVISTA INÉDITA COM O DIRETOR SÉRGIO BIANCHI A MOSTRA E O CONTEXTO DE CINEMA EM PONTA GROSSA Artigos: LUCIDEZ E REVOLTA - O CINEMA DE SÉRGIO BIANCHI Antonio João Teixeira COITADOS SOMOS TODOS NÓS Ramayana Lira de Sousa TERRA DE SAMBA E PANDEIRO Irinêo Netto ARTE E COLUNA SOCIAL Miguel Sanches Neto Material divulgado por Ben-Hur Demeneck (@demeneck)

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(...) A Mostra Sérgio Bianchi de Cinema agrega sessões de cinema, exposição de cartazes e oficina de direção conduzida pelo homenageado. Em três dias são apresentados sete títulos cobrindo um período de 1979 a 2004, nos formatos curta, média e longa-metragem. Na exposição de cartazes, estão presentes duas raridades, “A Causa Secreta” e “Maldita Coincidência”, e os recentes “Cronicamente Inviável” e “Quanto vale ou é por quilo?”. LUCIDEZ E REVOLTA - O CINEMA DE SÉRGIO BIANCHI por Antonio João Teixeira. COITADOS SOMOS TODOS NÓS por Ramayana Lira de Sousa. TERRA DE SAMBA E PANDEIRO por Irinêo Netto. O HOMEM QUE NÃO PINTOU O SEU QUINTAL por Helcio Kovaleski. ARTE E COLUNA SOCIAL por Miguel Sanches Neto. PROGRAMAÇÃO COMPLETA DA MOSTRA. SINOPSES. ENTREVISTA INÉDITA COM O DIRETOR SÉRGIO BIANCHI. A MOSTRA E O CONTEXTO DE CINEMA EM PONTA GROSSA-PR. Coordenação:Ben-Hur Demeneck (MTb 5664/PR) e Antonio João Teixeira. Diagramação:Luciano Schimitz. Mostra Sérgio Bianchi de Cinema. 24/11/2006.

Transcript of Mostra Sérgio Bianchi de Cinema (2006)

Page 1: Mostra Sérgio Bianchi de Cinema (2006)

ARTE E COLUNA SOCIALUma das marcas da província é a oficialização da cultura, movimento que tende a entronar apenas os

produtos que podem dar identidade positiva à região. Esta é uma tendência universal, mas que se manifesta com mais força nos lugares em que existe um aparelho tradicional de consagração do artista.

Como a grande arte é sempre um ato de revolta, uma consciência exacerbada da limitação das experiências humanas, ela não se desenvolve em um meio conservador que está sem-pre em busca de confirmações de imagens longamente cultivadas. Assim, dá-se, em tais circunstâncias, a valorização de uma arte provinciana, que não tem as inquietações e o poder crítico necessários para ultrapassar o estágio colegial de criação.

Longe de querer ser o “sorriso da sociedade”, a arte necessária se faz incômoda porque nos coloca frente a nossas imagens mais deformadas, impróprias para a con-versa amável no chá das cinco.

Com uma tradição convencional, vivendo presa a seu mundo, aos sobrenomes autóctones, Ponta Grossa mantém um mecanismo perverso de consagração. O que se entende por arte, e o que se cultua com adjetivos sibilantes, é aquilo que devolve à cidade uma versão idealizada de si mesma. Produz-se para referendar, para destacar o que todos já conhecem.

Não existe crítica de arte na cidade, apenas um colunismo social que dá visibilidade a artistas mais por suas relações de parentesco (filho, neto, sobrinho, genro, mãe de beltrano) do que pelo valor do trabalho. A grande arte não cabe em tais regras, antes se opõe a essa lógica de divul-gação. Ao produzir seu trabalho, o artista está marcando uma distância entre ele e o sistema, expressando insatisfações, neuroses, dramas, indignações – material com o qual não podem ser feitas as edulcoradas notas de promoção, acompanhadas da indefectível foto em trajes sociais.

Dessa forma, a noção que se passa do que seja arte acaba equivocada, consagrando aquilo cujo valor

é mínimo ou nenhum e desprezando o autêntico. Oficializa-se a mediocridade sorridente quase como um antídoto contra as verdades impopulares. Resultado: o que se vende como arte é apenas uma fachada para esconder a verdadeira arte.

Um exemplo contundente. Cultua-se a poeta melosa dos poentes da minha terra, uma romântica extemporânea, e se faz um completo silêncio em torno da maior vocação poética da cidade, in-

felizmente freada por uma timidez que talvez tenha suas origens na censura dos bem-postos socialmente. Refiro-me ao maior poeta do modernismo paranaense, um verdadeiro icono-clasta, Brasil Pinheiro Machado (1907-1997), que publicou poemas na Revista de Antro-pofagia, dirigida por Oswald de Andrade, e deixou um caderno antológico – Quatro poemas – editado em 1928 pelo Diário dos Campos. Brasil Pinheiro Machado foi um Drummond em Ponta Grossa, um poeta que se comoveu com o lado risível da forma-ção étnica da cidade, produzindo poemas que colocavam no centro da urbe o imigrante pobre e simplório. Isso explica o silêncio que se fez em torno desse homem que chegou

a ocupar o lugar de Interventor do Estado na era Vargas. Existe e sempre existiu uma cultura à margem dessa manifestação oficialesca, que

busca fora os espaços de consagração ou que permanece latente, e desconhecida, aqui. O grande desafio que a cidade vive hoje é dar visibilidade a esses produtores, cultivando aborda-

gens críticas e insubmissas, que priorizem o artístico, independentemente de coloração social do produtor – de ele ser filho de fulana ou um órfão carente. Urge fruir a arte pelo seu valor em si, evitando

entendê-la como passatempo de madame ou como instrumento de regeneração social.

Miguel Sanches Neto é escritor, autor, entre outros, dos romances Chove sobre minha infância e Um amor anarquista.

O DESAFIO DE PONTA GROSSA NA CULTURA

“URGE FRUIR A ARTE PELO SEU

VALOR EM SI, EVITANDO ENTENDÊ-LA COMO PASSATEMPO DE

MADAME OU COMO INSTRUMENTO DE REGENERAÇÃO

SOCIAL”

Fotografia do cartaz de “Quanto vale ou é por quilo?” (Sérgio Bianchi, 2004).

Realização do

Grupo Cine de Novo

PONTA GROSSA - BRASIL

R$ 1,00R$ 1,00

PROGRAMAÇÃO COMPLETA DA MOSTRA SINOPSESENTREVISTA INÉDITA COM O DIRETOR SÉRGIO BIANCHIA MOSTRA E O CONTEXTO DE CINEMA EM PONTA GROSSA

Artigos:LUCIDEZ E REVOLTA -

O CINEMA DE SÉRGIO BIANCHI Antonio João Teixeira

COITADOS SOMOS TODOS NÓS Ramayana Lira de Sousa

TERRA DE SAMBA E PANDEIROIrinêo Netto

ARTE E COLUNA SOCIALMiguel Sanches Neto

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Page 2: Mostra Sérgio Bianchi de Cinema (2006)

EDITORIAL

Três dias do final de novembro de 2006 poderão ser lembra-dos por Ponta Grossa como data em que o cinema brasileiro rece-beu um de seus embaixadores, Sérgio Bianchi. Em nossa história, mostra de cinema é um gênero cultural incomum, e, nesse caso, ganha relevo porque prioriza um cinema de idéias. Ou seja, além de ser uma ação de estímulo ao cinema, não é qualquer filmografia que se apresenta.

Os filmes de Bianchi são considerados por muitos críticos como iconoclastas, questionadores, contestadores, contundentes, marcantes, no entanto pouco vistos pelo público paranaense. É rela-tivamente pequeno o número de cidades com salas de cinema e a regra é valorização de filmes com grande apelo comercial, quase a totalidade produzida nos Estados Unidos.

Ponta Grossa já teve um maior número de salas de cinema, in-dependentes entre si, não ao modelo multiplex vinculado a block-busters. A exibição dos filmes era mais diversificada quanto à nacio-nalidade e à temática. Filmes premiados em mostras estrangeiras e nacionais eram colocados em cartaz com distinção na programa-ção. Filmes que hoje em dia seriam considerados cult ou de arte e, conseqüentemente, apresentados em salas especiais, eram parte da rotina. Títulos poloneses, tchecos, japoneses, russos, mexicanos, espanhóis, portugueses, alemães, franceses, britânicos etc concor-riam com as mega-produções norte-americanas. O Cine-Teatro Ópera, que hoje sedia a Mostra, integrava um eixo com os cinemas Renascença (posteriormente Inajá), Império, e, a partir de 64, o Cine Pax. É possível que essa agitação cultural possa ter contribuído para a formação do futuro cineasta Sérgio Bianchi, então residente na cidade.

Até os anos 90 a opção em cinema em Ponta Grossa se man-tinha diversificada. A partir daí, com o fechamento de salas e uma concentração em produções de grande bilheteria, o cenário mudou. Houve um período em que a cidade ficou sem nenhum local de exibição. Apesar de um breve retorno do Inajá e a abertura de cen-

O HOMEM QUE NÃO PINTOU O SEU QUINTAL

Foi o escritor russo León Tólstoi que cunhou a célebre frase “pinte o seu quin-tal e ele será universal”, que em linhas gerais quer dizer o seguinte: fale sobre a sua aldeia, comunidade, cidade, região, e estará falando sobre o que acontece em qualquer lugar do mundo. Um exemplo de “pintor de quintal” na literatura, provavelmente dos maiores, é o irlandês James Joyce. Rigorosamente todas as suas obras (“Retrato do artista quando jovem”, “Giacomo Joyce”, “Ulisses” e “Finnegans Wake”, por exemplo) são como que um reflexo de sua própria vida e do que acon-teceu ao seu redor. E são todas obras-primas. Um exemplo no cinema: o espanhol Pedro Almodóvar, que também fala de sua “aldeia” em seus filmes.

Bem, o cineasta Sérgio Bianchi não pintou o seu quintal - no caso, Ponta Gros-sa. Mas não é por isso que suas obras não são, no mínimo, geniais. Contundente, contestador, denunciador de uma certa hipocrisia que habita as profundezas do agir humano, questionador das veleidades que tanto encantam o grosso da classe média brasileira, Bianchi produziu - e produz - uma obra única, talvez, no mundo. Mas, interessante: ao não pintar o quintal ponta-grossense, Sérgio Bianchi acaba, indiretamente, falando dele.

***Seja muito bem-vindo, Sérgio, a sua aldeia.

Que tal torná-la tema de um de seus próximos projetos?

Helcio Kovaleski

EXPEDIENTEMostra Sérgio Bianchi de Cinema – 24 a 26 de Novembro de 2006Ponta Grossa – PR – Realização do grupo Cine de Novo Jornal vendido a R$ 1,00 – distribuição concentrada na Mostra – Tiragem de 1.000 exemplares – Impressão Grafinorte – Edição única, dedicada ao cinema lúcido de Sérgio Bianchi

A Mostra é um evento patrocinado pela Secretaria Municipal de Cultura, Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Culturais da UEPG e Femsa Cervejas. Apoio Cultural do Departamento de Línguas Estrangeiras Modernas da UEPG, A4 Comunicação e e Arco da Velha Discos e Livros.

Expediente Coordenação: Ben-Hur Demeneck (MTb 5664/PR) e Antonio João TeixeiraDiagramação: Luciano SchimitzColaboradores: Antonio João Teixeira, Helcio Kovaleski, Irinêo Netto, Miguel Sanches Neto e Ramayana Lira de Sousa.

Grupo Cine de Novo: Antonio João Teixeira (professor do Departamento de Línguas Estrangei-ras Modernas da UEPG); Cíntia Xavier da Silva Pinto (professora do Departamento de Comunicação da UEPG); Helcio Kovaleski (roteirista de cinema e diretor de vídeo); André Rosas (mestrando em Educação pela UEPG) e Ben-Hur Demeneck (jornalista, co-editor do jornal Grimpa).

tros comerciais com cinema, filmes reconhecidamente importantes não chegaram ao público local. Hoje, não é diferente, com as cinco salas comerciais e uma programação esporádica no Ópera, ainda estamos privados de trabalhos de nomes como Luiz Fernando Carv-alho, Beto Brant, Domingos de Oliveira, Eduardo Coutinho, David Lynch, Denys Arcand, Michael Haneke e Wong Kar-Wai.

FOSSO SOCIALA realidade em Ponta Grossa não é diferente com relação à

miséria e à opulência brasileiras retratadas nos filmes de Bianchi, por ser uma das cidades com maior proporção de favelas do Sul do país e, mesmo assim, com a imprensa e a televisão viciados no colunismo social.

Esse fosso sócio-econômico é discutido nos filmes de Bianchi, que demonstram uma preocupação em dar voz aos excluídos e à hi-pocrisia dos incluídos. Por isso é simbólico que as sessões da Mostra sejam feitas na sala B do Ópera, a chamada de “Sala dos Operários”. A palavra “operário” tem uma presença marcante no imaginário ponta-grossense, o que se confirma em nome de rua (como no acesso do bairro de Olarias) ou no time de futebol local (Operário Ferroviário Futebol Clube), por exemplo.

CAOS BRASILEIROA Mostra Sérgio Bianchi de Cinema agrega sessões de cinema,

exposição de cartazes e oficina de direção conduzida pelo home-nageado. Em três dias, são apresentados 7 títulos, cobrindo um período de 1979 a 2004, nos formatos curta, média e longa-me-tragem. Na exposição de cartazes, estão presentes duas raridades, “A Causa Secreta” e “Maldita Coincidência”, e os recentes “Cronica-mente Inviável” e “Quanto vale ou é por quilo?”.

Concentrados nessa mostra, os filmes devem adquirir intensi-dade e peso, e devem nos forçar a refletir sobre nossa situação di-ante do caos social brasileiro do qual fazemos parte e sobre o papel que podemos exercer na sociedade brasileira contemporânea.

CRONICAMENTE INVIÁVEL

“Brasil, meu Brasil brasileiro/ Meu mulato inzoneiro/ Vou cantar-te nos meus versos/ Brasil, samba que dá/

Bamboleio que faz gingar/ O Brasil do meu amor/ Terra de Nosso Senhor”

Trecho de “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso

TERRA DE SAMBA E PANDEIRO

Sergio Bianchi é o mais próximo que o cinema brasileiro jamais chegou de ter um Lars von Trier.

Afirmações como essa são repletas de armadilhas. Afinal, toda mãe ensina, não se deve comparar. Cada um é cada um.

Mas a idéia é atraente demais para se resistir a ela.Na verdade, a intenção não é comparar os homens e sim as

obras. Bianchi é ponta-grossense. Von Trier, dinamarquês. Água e vinho, certo? Talvez.

Tome Cronicamente Inviável (2000). Vencedor do 3.º Prê-mio HBO Brasil de Cinema, o filme escarafuncha alguns dos maiores absurdos da sociedade brasileira: miséria, fome, assis-tencialismo, desemprego e a lista é grande. São problemas ob-scenos que parecem insolúveis, cíclicos e tão presos à imagem do país que chamar de “problema” é um eufemismo. É como se a identidade brasileira – ou o que a maioria acha que é a identi-dade brasileira, ao som de axés, sambas e forrós – não existisse sem os pobres, os miseráveis e os desempregados. Eles fazem parte da mobília.

A narrativa é fragmentada e acompanha as peripécias de meia dúzia de personagens. O vínculo entre eles é o restaurante do empresário Luís (Cecil Thiré), figura que busca favores sex-uais de seus funcionários – entre eles, Adam (Dan Stulbach), depois dispensado pelo patrão. Amanda (Dira Paes) é a gerente do lugar e aparece envolvida em negócios ardilosos, como trá-fico de bebês e de órgãos.

CRONICAMENTE INVIÁVEL ADVERTE:

SER UM PAÍS DESORGANIZADO DÁ TANTO OU MAIS TRABALHO

QUE SER UM PAÍS SÉRIO

CRONICAMENTE INVIÁVEL ADVERTE:

A DESTRUIÇÃO DE DIGNIDADE PODE VIRAR CARACTERÍSTICA CULTURAL

Alfredo (Umberto Magnani) é um escritor que viaja pelo Brasil colecionando impressões em um gravador, complementa sua renda trabalhando como laranja – ou “entregador” – a ser-viço de Amanda e narra parte da ação do filme.

Entre os clientes do restaurante, está o casal Maria Alice (Betty Gofman) e Carlos (Daniel Dantas). Eles têm dinheiro su-ficiente para chorar as saudades da Europa e experimentar a cul-pa burguesa que os leva a doar brinquedos novos para crianças de rua. Estas, ao contrário de festejarem os presentes, preferem se esmurrar tentando tomar os ganhos umas das outras. Tudo isso diante da madame que parece fascinada demais com sua própria bondade para perceber o inferno que acabou de criar. É uma cena cínica e emblemática (entre muitas).

Dogville, de Lars von Trier, começou uma trilogia que pretende dissecar a América no que ela tem de mais sórdido e repreensível. O diretor fala da relação dos EUA com imigran-tes, cita a máfia, aborda a escravatura (em Manderlay) e prepara Washington para concluir a tríade que chama de Terra das Opor-tunidades. Von Trier pode espernear, mas um fato permanece intacto: a América é a única superpotência mundial – um país muito mais do que apenas viável.

E o Brasil?Ah, o Brasil é uma criança mulata e subnutrida, atropelada

por uma senhora velha de carro importado. Bianchi acode a criança jogando salmoura nas feridas. É desagradável, mas ne-cessário.

Irinêo Netto, 28, é jornalista, mestre em estudos literários pela Universidade Federal do Paraná e repórter da Gazeta do Povo.

LUCIDEZ E REVOLTA O CINEMA DE SÉRGIO BIANCHI

A iniciativa de se fazer uma mostra de grande parte da obra cinematográfica de Sérgio Bianchi nasceu da constatação de que essa obra é praticamente desconhecida dos ponta-grossenses. Nenhum de seus filmes foi exibido comercialmente na cidade, o que é inexplicável, considerando-se a relevância da obra desse cineasta de renome internacional.

Sérgio Bianchi já foi chamado por Joshua Katzman, ar-ticulista do jornal alternativo Chicago Reader, de “incendiária figura sócio-política brasileira” . Esse título se justifica pelo caráter iconoclasta da obra cinematográfica de Bianchi. Nela, tudo é problematizado, tudo é discutido, e as mazelas da socie-dade brasileira são cruamente expostas num estilo que fica na fronteira entre o documentário e o filme ficcional. No média-metragem Mato Eles?, por exemplo, filme realizado em 1982, discute-se a situação dos índios – caigangues, guaranis e xetás - que vivem em uma reserva no Paraná. A Fundação Nacional do Índio instalou um pequeno negócio na reserva, que destruiu grande parte da floresta de araucárias; parte da reserva foi ven-dida à madeireira Slaviero e os índios foram removidos dessa parte . O filme, que intercala entrevistas reais e fictícias, se co-loca do lado do índio despossuído e se encerra com uma suave voz e, off sarcasticamente sugerindo ao espectador que ele com-pre terra onde vivem os índios, pois a reserva não tem dono. Mas a própria feitura do filme é questionada com a sugestão de que se faça um documentário sobre os índios, pois esse é um tópico que interessa a todos e pode-se ganhar muito dinheiro com isso.

O sarcasmo e outros recursos de distanciamento propostos por Bianchi ajudam a definir seu estilo e a situá-lo dentro da produção brasileira contemporânea. A trajetória cinematográ-

CRONICAMENTE INVIÁVEL ADVERTE:

PESSOAS QUE ANALISAM A REALIDADE ADOECEM MAIS

DE DEPRESSÃO E RAIVA

CRONICAMENTE INVIÁVEL ADVERTE:

PISAR EM MENDIGOS CAÍDOS PELAS RUAS NÃO FAZ A MENOR DIFERENÇA

fica de Bianchi vem dos anos 70 – Omnibus, um dos sucessos da categoria curta do Festival Internacional de Cannes, é de 1972. Em 1977, Bianchi produz A Segunda Besta que, num registro surreal, mostra um homem que vomita uma grande quantidade de coelhos, trancado dentro de sua casa. Em 1982 foi lançado Mato Eles?, já comentado acima e, em 1983, A Divina Previdên-cia, em que um sujeito, por falta de carteira de identidade, tem que enfrentar um cipoal burocrático na tentativa de se inter-nar em um hospital. O cinema de Bianchi, pós-Cinema Novo, é descendente de experiências cinematográficas dos anos 60. Bianchi, nas palavras de João Luiz Vieira, pertence a uma gera-ção intermediária entre os realizadores pós-Cinema Novo, mais próximos do chamado “cinema marginal”, geração que surge na passagem entre as décadas de 60 e 70 . Os filmes de Bianchi, que como os do Cinema Novo também discutem aspectos sociais da realidade brasileira, principalmente aqueles de grupos margin-alizados por questões étnicas, de orientação sexual ou posição social, incluem um elemento que me parece em geral ausente naquela sisuda produção: a ironia, o humor, o sarcasmo. Esse elemento, como visto acima com relação ao filme Mato Eles?, está sempre presente no cinema sem concessões que Bianchi faz.

É o sarcasmo que realça o horror presente na cena final de Cronicamente Inviável, que muitos vêem como otimista e um indício de redenção. Nela uma mendiga põe seu filho para dormir numa rua de São Paulo, lendo para ele – “Deus é meu pastor, nada me faltará”. Depois diz a ele que não lhe faltará paz, nem o amor de sua mãe, nem pão, nem refeições regulares. E conclui dizendo que ele será um grande homem. Não vejo nesta cena a possibilidade de renascimento, mas sim uma ironia que mexe com a atitude conformista do espectador.

Em Mato Eles?, cenas mostram índios sobrevivendo da venda de cestas para turistas ao som da abertura de O Guarani, de Car-los Gomes. Composta no século XIX, a ópera mostra uma visão idealizada e europeizada das populações nativas brasileiras. O tom irônico aí me parece bastante claro.

Há ainda a cena, em Cronicamente Inviável, em que uma senhora de classe média alta, cheia de culpa, leva brinquedos para crianças de rua, o que origina uma briga entre as crianças que disputam os brinquedos. Ela então diz: “O Estado tem que fazer o seu papel, tem de dar crack para as crianças de rua. Já que elas vão morrer de frio, umidade, coceira, que seja com felicidade, entorpecidas”.

E assim se faz o cinema de Sérgio Bianchi. Cortante, raivoso, inquieto. Crítico da ideologia da felicidade compulsória, da ideo-logia do trabalho que brutaliza o indivíduo e da equivocada ideo-logia da caridade, seu cinema sem concessões e com um certo grau de experimentalismo, se destaca dentro da produção cine-matográfica brasileira contemporânea. Seu cinema trata basica-mente da indigna situação da exploração do mais fraco pelo mais forte. Alguns dizem que esse cinema só aponta as mazelas, que é um cinema desesperado, sem solução. Não acho que essa seja a função do artista – apresentar soluções. Sua função é instigar, provocar, discutir, expor, tudo da maneira mais clara e honesta possível. Isso o cinema de Sérgio Bianchi faz. De uma maneira extremamente lúcida.

Antonio João Teixeira é professor do Departamento de Línguas Estrangeiras Modernas da UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa). Há três anos realiza programa de formação de público de

cinema com exibição e debate de filmes de arte.

ARTIGO

COITADOS SOMOS TODOS NÓSA violência dos filmes os Bianchi busca problematizar um consenso em relação a certas

“verdades universais”, fora do paternalismo e do sentimento de culpa

Em tempos anódinos como os nossos, é trabalho árduo identificar as vozes que podem incomodar, pela sua estridência, ouvidos desacostumados ao dissenso. Sérgio Bianchi, cineasta paranaense radicado em São Paulo, é um desses pensadores dissonantes, cujas obras são acompanhadas, com freqüência, de adjetivos como provocadoras e polêmicas .

Homem de diversos ofícios (basta lembrar suas intervenções no teatro e na ópera), Bianchi se apresenta como polemista caro e raro no cenário cultural brasileiro contemporâneo. Suas intervenções mais relevantes, no entanto, são (como não poderia deixar de ser) os seus filmes, comumente organizados como colagem de fragmentos esclarecedores dos descalabros e absurdos da sociedade brasileira.

Esse cinema de urgência, de pegada forte, é um cinema violento. Uma violência, contudo, que não neces-sita das imagens de sangue e golpes para agredir. É violento, aqui, o cinema que transgride a moral instituída e o conformismo vigente. Violência que tenta desamarrar o/a espectador/a de sua existência sem dor. É violento o cinema de Bianchi contra aquele homem descrito por Nietzsche:

“Este homem que, por falta de inimigos e resistências exteriores, cerrado numa opressiva estreiteza e regularidade de costumes, impacientemente lacerou, perseguiu, corroeu, espicaçou, maltratou a si mesmo, esse animal que querem ‘amansar’, que se fere nas barras da própria jaula, este ser carente, consumido pela nostalgia do ermo, que a si mesmo teve de converter em aventura, câmara de tortura, insegura e perigosa mata - esse tolo, esse prisioneiro presa da ânsia e do desespero tornou-se o inventor da ‘má consciência’”

É contra essa contenção da agressividade que parecem funcionar os filmes de Bianchi, em especial Cronica-mente Inviável e Quanto Vale ou é Por Quilo?. Esses filmes problematizam o consenso em relação a certas “verdades universais”, desfiando o/a espectador/a a transvalorar tais verdades, a buscar uma posição fora do pater-nalismo e do sentimento de culpa. Essa má consciência, como violência interiorizada e entrelaçada à noção moral de culpa, toma a conhecida forma de negação, nojo e vergonha da vida, do corpo, da sexualidade e dos instintos, questões que amiúde são tramadas na obra de Bianchi.

Eis a relevância desses filmes em um contexto cultural onde pobreza e ética são vistas de forma superfi-cial, onde os filmes do já desgastado binômio sertão/favela produzem as imagens dos “coitados” para os “ilu-minados” da classe média da platéia (exemplos não faltam: Cidade de Deus, Central do Brasil, Caminho das Nuvens, a refilmagem de O Cangaceiro e por aí vai). Aqui intervém Bianchi: coitados somos todos nós, presos em nossas gaiolas de ferro, agarrados às perspectivas politicamente “corretas” e socialmente palatáveis. E parecemos gostar disso. Caso contrário não seria necessário o cinema devastador desse paranaense que gosta de acertar estômagos de incautos/as espectadores/as.

Ramayana Lira de Sousa é doutoranda da UFSC em Literatura e Cinema

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EDITORIAL

Três dias do final de novembro de 2006 poderão ser lembra-dos por Ponta Grossa como data em que o cinema brasileiro rece-beu um de seus embaixadores, Sérgio Bianchi. Em nossa história, mostra de cinema é um gênero cultural incomum, e, nesse caso, ganha relevo porque prioriza um cinema de idéias. Ou seja, além de ser uma ação de estímulo ao cinema, não é qualquer filmografia que se apresenta.

Os filmes de Bianchi são considerados por muitos críticos como iconoclastas, questionadores, contestadores, contundentes, marcantes, no entanto pouco vistos pelo público paranaense. É rela-tivamente pequeno o número de cidades com salas de cinema e a regra é valorização de filmes com grande apelo comercial, quase a totalidade produzida nos Estados Unidos.

Ponta Grossa já teve um maior número de salas de cinema, in-dependentes entre si, não ao modelo multiplex vinculado a block-busters. A exibição dos filmes era mais diversificada quanto à nacio-nalidade e à temática. Filmes premiados em mostras estrangeiras e nacionais eram colocados em cartaz com distinção na programa-ção. Filmes que hoje em dia seriam considerados cult ou de arte e, conseqüentemente, apresentados em salas especiais, eram parte da rotina. Títulos poloneses, tchecos, japoneses, russos, mexicanos, espanhóis, portugueses, alemães, franceses, britânicos etc concor-riam com as mega-produções norte-americanas. O Cine-Teatro Ópera, que hoje sedia a Mostra, integrava um eixo com os cinemas Renascença (posteriormente Inajá), Império, e, a partir de 64, o Cine Pax. É possível que essa agitação cultural possa ter contribuído para a formação do futuro cineasta Sérgio Bianchi, então residente na cidade.

Até os anos 90 a opção em cinema em Ponta Grossa se man-tinha diversificada. A partir daí, com o fechamento de salas e uma concentração em produções de grande bilheteria, o cenário mudou. Houve um período em que a cidade ficou sem nenhum local de exibição. Apesar de um breve retorno do Inajá e a abertura de cen-

O HOMEM QUE NÃO PINTOU O SEU QUINTAL

Foi o escritor russo León Tólstoi que cunhou a célebre frase “pinte o seu quin-tal e ele será universal”, que em linhas gerais quer dizer o seguinte: fale sobre a sua aldeia, comunidade, cidade, região, e estará falando sobre o que acontece em qualquer lugar do mundo. Um exemplo de “pintor de quintal” na literatura, provavelmente dos maiores, é o irlandês James Joyce. Rigorosamente todas as suas obras (“Retrato do artista quando jovem”, “Giacomo Joyce”, “Ulisses” e “Finnegans Wake”, por exemplo) são como que um reflexo de sua própria vida e do que acon-teceu ao seu redor. E são todas obras-primas. Um exemplo no cinema: o espanhol Pedro Almodóvar, que também fala de sua “aldeia” em seus filmes.

Bem, o cineasta Sérgio Bianchi não pintou o seu quintal - no caso, Ponta Gros-sa. Mas não é por isso que suas obras não são, no mínimo, geniais. Contundente, contestador, denunciador de uma certa hipocrisia que habita as profundezas do agir humano, questionador das veleidades que tanto encantam o grosso da classe média brasileira, Bianchi produziu - e produz - uma obra única, talvez, no mundo. Mas, interessante: ao não pintar o quintal ponta-grossense, Sérgio Bianchi acaba, indiretamente, falando dele.

***Seja muito bem-vindo, Sérgio, a sua aldeia.

Que tal torná-la tema de um de seus próximos projetos?

Helcio Kovaleski

EXPEDIENTEMostra Sérgio Bianchi de Cinema – 24 a 26 de Novembro de 2006Ponta Grossa – PR – Realização do grupo Cine de Novo Jornal vendido a R$ 1,00 – distribuição concentrada na Mostra – Tiragem de 1.000 exemplares – Impressão Grafinorte – Edição única, dedicada ao cinema lúcido de Sérgio Bianchi

A Mostra é um evento patrocinado pela Secretaria Municipal de Cultura, Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Culturais da UEPG e Femsa Cervejas. Apoio Cultural do Departamento de Línguas Estrangeiras Modernas da UEPG, A4 Comunicação e e Arco da Velha Discos e Livros.

Expediente Coordenação: Ben-Hur Demeneck (MTb 5664/PR) e Antonio João TeixeiraDiagramação: Luciano SchimitzColaboradores: Antonio João Teixeira, Helcio Kovaleski, Irinêo Netto, Miguel Sanches Neto e Ramayana Lira de Sousa.

Grupo Cine de Novo: Antonio João Teixeira (professor do Departamento de Línguas Estrangei-ras Modernas da UEPG); Cíntia Xavier da Silva Pinto (professora do Departamento de Comunicação da UEPG); Helcio Kovaleski (roteirista de cinema e diretor de vídeo); André Rosas (mestrando em Educação pela UEPG) e Ben-Hur Demeneck (jornalista, co-editor do jornal Grimpa).

tros comerciais com cinema, filmes reconhecidamente importantes não chegaram ao público local. Hoje, não é diferente, com as cinco salas comerciais e uma programação esporádica no Ópera, ainda estamos privados de trabalhos de nomes como Luiz Fernando Carv-alho, Beto Brant, Domingos de Oliveira, Eduardo Coutinho, David Lynch, Denys Arcand, Michael Haneke e Wong Kar-Wai.

FOSSO SOCIALA realidade em Ponta Grossa não é diferente com relação à

miséria e à opulência brasileiras retratadas nos filmes de Bianchi, por ser uma das cidades com maior proporção de favelas do Sul do país e, mesmo assim, com a imprensa e a televisão viciados no colunismo social.

Esse fosso sócio-econômico é discutido nos filmes de Bianchi, que demonstram uma preocupação em dar voz aos excluídos e à hi-pocrisia dos incluídos. Por isso é simbólico que as sessões da Mostra sejam feitas na sala B do Ópera, a chamada de “Sala dos Operários”. A palavra “operário” tem uma presença marcante no imaginário ponta-grossense, o que se confirma em nome de rua (como no acesso do bairro de Olarias) ou no time de futebol local (Operário Ferroviário Futebol Clube), por exemplo.

CAOS BRASILEIROA Mostra Sérgio Bianchi de Cinema agrega sessões de cinema,

exposição de cartazes e oficina de direção conduzida pelo home-nageado. Em três dias, são apresentados 7 títulos, cobrindo um período de 1979 a 2004, nos formatos curta, média e longa-me-tragem. Na exposição de cartazes, estão presentes duas raridades, “A Causa Secreta” e “Maldita Coincidência”, e os recentes “Cronica-mente Inviável” e “Quanto vale ou é por quilo?”.

Concentrados nessa mostra, os filmes devem adquirir intensi-dade e peso, e devem nos forçar a refletir sobre nossa situação di-ante do caos social brasileiro do qual fazemos parte e sobre o papel que podemos exercer na sociedade brasileira contemporânea.

CRONICAMENTE INVIÁVEL

“Brasil, meu Brasil brasileiro/ Meu mulato inzoneiro/ Vou cantar-te nos meus versos/ Brasil, samba que dá/

Bamboleio que faz gingar/ O Brasil do meu amor/ Terra de Nosso Senhor”

Trecho de “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso

TERRA DE SAMBA E PANDEIRO

Sergio Bianchi é o mais próximo que o cinema brasileiro jamais chegou de ter um Lars von Trier.

Afirmações como essa são repletas de armadilhas. Afinal, toda mãe ensina, não se deve comparar. Cada um é cada um.

Mas a idéia é atraente demais para se resistir a ela.Na verdade, a intenção não é comparar os homens e sim as

obras. Bianchi é ponta-grossense. Von Trier, dinamarquês. Água e vinho, certo? Talvez.

Tome Cronicamente Inviável (2000). Vencedor do 3.º Prê-mio HBO Brasil de Cinema, o filme escarafuncha alguns dos maiores absurdos da sociedade brasileira: miséria, fome, assis-tencialismo, desemprego e a lista é grande. São problemas ob-scenos que parecem insolúveis, cíclicos e tão presos à imagem do país que chamar de “problema” é um eufemismo. É como se a identidade brasileira – ou o que a maioria acha que é a identi-dade brasileira, ao som de axés, sambas e forrós – não existisse sem os pobres, os miseráveis e os desempregados. Eles fazem parte da mobília.

A narrativa é fragmentada e acompanha as peripécias de meia dúzia de personagens. O vínculo entre eles é o restaurante do empresário Luís (Cecil Thiré), figura que busca favores sex-uais de seus funcionários – entre eles, Adam (Dan Stulbach), depois dispensado pelo patrão. Amanda (Dira Paes) é a gerente do lugar e aparece envolvida em negócios ardilosos, como trá-fico de bebês e de órgãos.

CRONICAMENTE INVIÁVEL ADVERTE:

SER UM PAÍS DESORGANIZADO DÁ TANTO OU MAIS TRABALHO

QUE SER UM PAÍS SÉRIO

CRONICAMENTE INVIÁVEL ADVERTE:

A DESTRUIÇÃO DE DIGNIDADE PODE VIRAR CARACTERÍSTICA CULTURAL

Alfredo (Umberto Magnani) é um escritor que viaja pelo Brasil colecionando impressões em um gravador, complementa sua renda trabalhando como laranja – ou “entregador” – a ser-viço de Amanda e narra parte da ação do filme.

Entre os clientes do restaurante, está o casal Maria Alice (Betty Gofman) e Carlos (Daniel Dantas). Eles têm dinheiro su-ficiente para chorar as saudades da Europa e experimentar a cul-pa burguesa que os leva a doar brinquedos novos para crianças de rua. Estas, ao contrário de festejarem os presentes, preferem se esmurrar tentando tomar os ganhos umas das outras. Tudo isso diante da madame que parece fascinada demais com sua própria bondade para perceber o inferno que acabou de criar. É uma cena cínica e emblemática (entre muitas).

Dogville, de Lars von Trier, começou uma trilogia que pretende dissecar a América no que ela tem de mais sórdido e repreensível. O diretor fala da relação dos EUA com imigran-tes, cita a máfia, aborda a escravatura (em Manderlay) e prepara Washington para concluir a tríade que chama de Terra das Opor-tunidades. Von Trier pode espernear, mas um fato permanece intacto: a América é a única superpotência mundial – um país muito mais do que apenas viável.

E o Brasil?Ah, o Brasil é uma criança mulata e subnutrida, atropelada

por uma senhora velha de carro importado. Bianchi acode a criança jogando salmoura nas feridas. É desagradável, mas ne-cessário.

Irinêo Netto, 28, é jornalista, mestre em estudos literários pela Universidade Federal do Paraná e repórter da Gazeta do Povo.

LUCIDEZ E REVOLTA O CINEMA DE SÉRGIO BIANCHI

A iniciativa de se fazer uma mostra de grande parte da obra cinematográfica de Sérgio Bianchi nasceu da constatação de que essa obra é praticamente desconhecida dos ponta-grossenses. Nenhum de seus filmes foi exibido comercialmente na cidade, o que é inexplicável, considerando-se a relevância da obra desse cineasta de renome internacional.

Sérgio Bianchi já foi chamado por Joshua Katzman, ar-ticulista do jornal alternativo Chicago Reader, de “incendiária figura sócio-política brasileira” . Esse título se justifica pelo caráter iconoclasta da obra cinematográfica de Bianchi. Nela, tudo é problematizado, tudo é discutido, e as mazelas da socie-dade brasileira são cruamente expostas num estilo que fica na fronteira entre o documentário e o filme ficcional. No média-metragem Mato Eles?, por exemplo, filme realizado em 1982, discute-se a situação dos índios – caigangues, guaranis e xetás - que vivem em uma reserva no Paraná. A Fundação Nacional do Índio instalou um pequeno negócio na reserva, que destruiu grande parte da floresta de araucárias; parte da reserva foi ven-dida à madeireira Slaviero e os índios foram removidos dessa parte . O filme, que intercala entrevistas reais e fictícias, se co-loca do lado do índio despossuído e se encerra com uma suave voz e, off sarcasticamente sugerindo ao espectador que ele com-pre terra onde vivem os índios, pois a reserva não tem dono. Mas a própria feitura do filme é questionada com a sugestão de que se faça um documentário sobre os índios, pois esse é um tópico que interessa a todos e pode-se ganhar muito dinheiro com isso.

O sarcasmo e outros recursos de distanciamento propostos por Bianchi ajudam a definir seu estilo e a situá-lo dentro da produção brasileira contemporânea. A trajetória cinematográ-

CRONICAMENTE INVIÁVEL ADVERTE:

PESSOAS QUE ANALISAM A REALIDADE ADOECEM MAIS

DE DEPRESSÃO E RAIVA

CRONICAMENTE INVIÁVEL ADVERTE:

PISAR EM MENDIGOS CAÍDOS PELAS RUAS NÃO FAZ A MENOR DIFERENÇA

fica de Bianchi vem dos anos 70 – Omnibus, um dos sucessos da categoria curta do Festival Internacional de Cannes, é de 1972. Em 1977, Bianchi produz A Segunda Besta que, num registro surreal, mostra um homem que vomita uma grande quantidade de coelhos, trancado dentro de sua casa. Em 1982 foi lançado Mato Eles?, já comentado acima e, em 1983, A Divina Previdên-cia, em que um sujeito, por falta de carteira de identidade, tem que enfrentar um cipoal burocrático na tentativa de se inter-nar em um hospital. O cinema de Bianchi, pós-Cinema Novo, é descendente de experiências cinematográficas dos anos 60. Bianchi, nas palavras de João Luiz Vieira, pertence a uma gera-ção intermediária entre os realizadores pós-Cinema Novo, mais próximos do chamado “cinema marginal”, geração que surge na passagem entre as décadas de 60 e 70 . Os filmes de Bianchi, que como os do Cinema Novo também discutem aspectos sociais da realidade brasileira, principalmente aqueles de grupos margin-alizados por questões étnicas, de orientação sexual ou posição social, incluem um elemento que me parece em geral ausente naquela sisuda produção: a ironia, o humor, o sarcasmo. Esse elemento, como visto acima com relação ao filme Mato Eles?, está sempre presente no cinema sem concessões que Bianchi faz.

É o sarcasmo que realça o horror presente na cena final de Cronicamente Inviável, que muitos vêem como otimista e um indício de redenção. Nela uma mendiga põe seu filho para dormir numa rua de São Paulo, lendo para ele – “Deus é meu pastor, nada me faltará”. Depois diz a ele que não lhe faltará paz, nem o amor de sua mãe, nem pão, nem refeições regulares. E conclui dizendo que ele será um grande homem. Não vejo nesta cena a possibilidade de renascimento, mas sim uma ironia que mexe com a atitude conformista do espectador.

Em Mato Eles?, cenas mostram índios sobrevivendo da venda de cestas para turistas ao som da abertura de O Guarani, de Car-los Gomes. Composta no século XIX, a ópera mostra uma visão idealizada e europeizada das populações nativas brasileiras. O tom irônico aí me parece bastante claro.

Há ainda a cena, em Cronicamente Inviável, em que uma senhora de classe média alta, cheia de culpa, leva brinquedos para crianças de rua, o que origina uma briga entre as crianças que disputam os brinquedos. Ela então diz: “O Estado tem que fazer o seu papel, tem de dar crack para as crianças de rua. Já que elas vão morrer de frio, umidade, coceira, que seja com felicidade, entorpecidas”.

E assim se faz o cinema de Sérgio Bianchi. Cortante, raivoso, inquieto. Crítico da ideologia da felicidade compulsória, da ideo-logia do trabalho que brutaliza o indivíduo e da equivocada ideo-logia da caridade, seu cinema sem concessões e com um certo grau de experimentalismo, se destaca dentro da produção cine-matográfica brasileira contemporânea. Seu cinema trata basica-mente da indigna situação da exploração do mais fraco pelo mais forte. Alguns dizem que esse cinema só aponta as mazelas, que é um cinema desesperado, sem solução. Não acho que essa seja a função do artista – apresentar soluções. Sua função é instigar, provocar, discutir, expor, tudo da maneira mais clara e honesta possível. Isso o cinema de Sérgio Bianchi faz. De uma maneira extremamente lúcida.

Antonio João Teixeira é professor do Departamento de Línguas Estrangeiras Modernas da UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa). Há três anos realiza programa de formação de público de

cinema com exibição e debate de filmes de arte.

ARTIGO

COITADOS SOMOS TODOS NÓSA violência dos filmes os Bianchi busca problematizar um consenso em relação a certas

“verdades universais”, fora do paternalismo e do sentimento de culpa

Em tempos anódinos como os nossos, é trabalho árduo identificar as vozes que podem incomodar, pela sua estridência, ouvidos desacostumados ao dissenso. Sérgio Bianchi, cineasta paranaense radicado em São Paulo, é um desses pensadores dissonantes, cujas obras são acompanhadas, com freqüência, de adjetivos como provocadoras e polêmicas .

Homem de diversos ofícios (basta lembrar suas intervenções no teatro e na ópera), Bianchi se apresenta como polemista caro e raro no cenário cultural brasileiro contemporâneo. Suas intervenções mais relevantes, no entanto, são (como não poderia deixar de ser) os seus filmes, comumente organizados como colagem de fragmentos esclarecedores dos descalabros e absurdos da sociedade brasileira.

Esse cinema de urgência, de pegada forte, é um cinema violento. Uma violência, contudo, que não neces-sita das imagens de sangue e golpes para agredir. É violento, aqui, o cinema que transgride a moral instituída e o conformismo vigente. Violência que tenta desamarrar o/a espectador/a de sua existência sem dor. É violento o cinema de Bianchi contra aquele homem descrito por Nietzsche:

“Este homem que, por falta de inimigos e resistências exteriores, cerrado numa opressiva estreiteza e regularidade de costumes, impacientemente lacerou, perseguiu, corroeu, espicaçou, maltratou a si mesmo, esse animal que querem ‘amansar’, que se fere nas barras da própria jaula, este ser carente, consumido pela nostalgia do ermo, que a si mesmo teve de converter em aventura, câmara de tortura, insegura e perigosa mata - esse tolo, esse prisioneiro presa da ânsia e do desespero tornou-se o inventor da ‘má consciência’”

É contra essa contenção da agressividade que parecem funcionar os filmes de Bianchi, em especial Cronica-mente Inviável e Quanto Vale ou é Por Quilo?. Esses filmes problematizam o consenso em relação a certas “verdades universais”, desfiando o/a espectador/a a transvalorar tais verdades, a buscar uma posição fora do pater-nalismo e do sentimento de culpa. Essa má consciência, como violência interiorizada e entrelaçada à noção moral de culpa, toma a conhecida forma de negação, nojo e vergonha da vida, do corpo, da sexualidade e dos instintos, questões que amiúde são tramadas na obra de Bianchi.

Eis a relevância desses filmes em um contexto cultural onde pobreza e ética são vistas de forma superfi-cial, onde os filmes do já desgastado binômio sertão/favela produzem as imagens dos “coitados” para os “ilu-minados” da classe média da platéia (exemplos não faltam: Cidade de Deus, Central do Brasil, Caminho das Nuvens, a refilmagem de O Cangaceiro e por aí vai). Aqui intervém Bianchi: coitados somos todos nós, presos em nossas gaiolas de ferro, agarrados às perspectivas politicamente “corretas” e socialmente palatáveis. E parecemos gostar disso. Caso contrário não seria necessário o cinema devastador desse paranaense que gosta de acertar estômagos de incautos/as espectadores/as.

Ramayana Lira de Sousa é doutoranda da UFSC em Literatura e Cinema

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Page 4: Mostra Sérgio Bianchi de Cinema (2006)

Divina Previdência

1983, 9 min, video, cor.Junto com “Mato eles?” é o único filme cujo desenvolvi-

mento pode ser posto em relação direta com algumas zonas do precedente Cinema Novo, particularmente com os finais de ‘Vidas Secas”de Pereira dos Santos, e “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber Rocha. O índio lá, o sem cober-tura social aqui, possuem ainda a capacidade de interpelar os espectadores de uma maneira categórica. São também, suas películas mais brechtianas; particularmente esta, muito em sintonia com algumas das obras breves do dramaturgo alemão. Posteriormente, (e isso é uma diferença, não necessariamente uma melhora), o cinema da Bianchi se faz mais escuro e víti-mas não apenas sofrem a opressão do estado como também a reproduzem. (MP)

Produção de Ciça Rodrigues de Moraes; Elenco: Fil-ipe Tenreiro, Maria Alice Vergueiro, Paulo Herculano, Eliana Rocha; Edição: Augusto Seva; Fotografia: José Roberto Eliezer; Som: Marion Van de Vem

Prêmios:Melhor diretor no 12º Festival de Gramado, 1984; Men-

ção especial pela montagem na 13ª Jornada Brasileira de Cur-ta-metragens, Bahia, Brasil, 1984.

Causa Secreta

1994, 35mm, 93 min, cor- Neste típico drama

brasileiro os membros de um grupo de teatro têm de experi-mentar o lado mais negro da vida urbana, antes de entrarem em cena. Eles fazem isto medi-ante a insistência do seu diretor, que inclusive, os obriga a visi-tar uma clínica de doentes com Sida. Os atores reagem a isso de diferentes formas: desde a empatia à raiva.

- Grupo teatral que monta peça faz, como laboratório, pesquisa sobre a miséria no país. Nas filas do INPS, hospitais públicos e nas próprias ruas, eles encontram um sentimento cada vez mais indiferente à dor e à humilhação dos marginal-izados. Baseado livremente em conto de Machado de Assis.

Produção: Agravo Produções Cinematográficas; Argu-mento: Sérgio Bianchi, Kate Lyra e Isa Kopelman; Fotogra-fa: Dudu Poiano; Montagem: Valéria Mauro; Som: Walter Rogério; Atores: Ester Góes, Renato Borghi, Cláudia Mello, Rodrigo Santiago

SESSÕES DE FILMES Cine-teatro Ópera, sala B

Vendas dos ingressos na bilheteria antes de cada sessão ou, antecipadamente, na loja de discos Arco da Velha (R. Paula Xavier, 1415 – tel. 3028-8317), entre as 9h e as 19h.Censura: 16 anos em todas as sessões.Ingressos a R$ 3,00 por sessão – preço único

24 NOV (sexta-feira)

Sessão # 01 19h* - “Quanto vale ou é por quilo?” (2004)

25 NOV (sábado)

Sessão # 02 10h - “Mato eles?” (1982) e “Maldita coincidência” (1979)

Sessão # 03 20h* - “Cronicamente Inviável” (2000)

26 NOV (domingo)

Sessão # 04 10h - “Romance” (1988) e “Divina Previdência” (1983)

Sessão # 0519h* - “A Causa Secreta” (1994)

* as sessões noturnas são seguidas de debate com o diretor

OFICINACentro de Cultura

Oficina de direção conduzida por Sérgio Bianchi. Carga horária de 8 horas. Tardes de sábado e domingo (dias 25 e 26), das 14h às 18h, no Centro de Cultura.

EXPOSIÇÃO DE CARTAZES Hall do Cine-Ópera

O hall de entrada do Cine-Teatro Ópera expõe quatro cartazes origi-nais dos filmes de Bianchi. Há dois dos longas mais recentes, “Quanto vale ou é por quilo?” (2004) e “Cronicamente Inviável” (2000), e os raros “A Causa Secreta” e “Maldita Coincidência”. Este está impresso em papel de textura áspera; e o cartaz de “A Causa...” é brilhante, com fundo metálico; na estampa, a imagem de uma criança mostrando a língua.

FILMOGRAFIA SELECIONADA

Para a Mostra completar a filmografia de Bianchi faltou exibir: 1) Omni-bus, 1972, ficção, 35 mm, 10 min; 2) A segunda besta, 1977, 35 mm, ficção, 15 min; Entojo, 1985, 35 mm, 103 mm. Este, um documentário filmado no litoral paranaense.

SINOPSESO conteúdo das sinopses não é de nossa autoria, duas delas foram retiradas do site da 3º Mostra Internacional de Cinema

Independente de Mar del Plata (MP), 6º Festival Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira e de sites especializados em cinema.

Quanto vale ou é por quilo?

2004, 35mm, 110 min, cor.Sérgio Bianchi não é um

cineasta que se conforme a tintas médias; de fato, pinta sem reparos e terá, portanto, quem considere exagerados (ou pouco elegantes) seus traços. Sua paródia dos re-gistros audiovisuais e as condutas sociais mantidas na caridade soa, digamos, forte; talvez porque ninguém se encarregue desses as-

suntos. Em “Quanto vale ou é por quilo?” se cruzam histórias demarcadas ao fim do século XVIII com outras situadas no Bra-sil contemporâneo; a trama inclui, em outros assuntos, caça de escravos, doações de computadores e seqüestros. O que inte-ressa a Bianchi, basicamente, é a rota do dinheiro e das rela-ções sociais que se constroem ao redor dela. Não é ruim que alguém nos recorde que num mundo governado pela lógica da ganância, também a caridade é uma mercadoria. Brecht sabia algo disso. (MP)

Elenco: Silvio Guindane, Cláudia Mello, Herson Capri, Caco Ciocler, Lázaro Ramos, Leona Cavalli, Odelair Ro-drigues, Ariclê Peres, Zezé Motta, Antônio Abujamra, Ênio Gonçalves; Produção: Patrick Leblanc e Luís Alberto Pereira; Roteiro: Sergio Bianchi, Newton Cannito, Eduardo Benaim (baseados no conto “Pai Contra Mãe”, de Machado de Assis); Fotografía: Marcelo Copanni; Som: Ricardo Reis; Música: Mário Manga; Locuções: Milton Gonçalves, Valéria Grillo, Jorge Helal.

Mato Eles? 1982, 16 mm, 34 min, corTrata-se de um documen-

tário curta-metragem experi-mental, no qual o diretor tenta mostrar a vida dos índios. Tenta, porque em determinado mo-mento Bianchi pergunta para si

mesmo (em voz alta, para o espectador ouvir) o que afinal está fazendo com este filme sobre os índios: ‘’Mato eles?’’, responde ele mesmo com outra pergunta.

- “Sérgio Bianchi discute, agride, desmonta, questiona o próprio método de trabalho. Entra na imagem. Tumultua a conversa. Pergunta para si mesmo (em voz alta, para o espec-tador ouvir) o que afinal está fazendo com este filme sobre os índios: ‘Mato eles?’” – José Carlos Avellar, Jornal do Brasil

Fotografia: Pedro Farkas; Montagem: Eduardo Albu-querque e Sérgio Bianchi; Som: Marian Van de Vem. Com: Lota Moncada, Carlos Kraideiros, Simone Spoladore, Denise Del Vecchio, Caio Blat.

Maldita Coincidência

1979, 35mm, 82 min, cor “Uma meditação desencan-

tada em tono de uma utopia que se foi, não deu certo. O filme é uma antiutopia: não deu certo, mas do sonho sobraram vestígios maravilhosos, pedaços, fragmen-tos. O filme é de uma tristeza e de uma solidão cruel diante do que não se realizou, e ao mesmo tempo se maravilha diante dos escombros da utopia que por vezes atingem uma beleza des-lumbrante”

Jean-Claude Bernardet, Filme CulturaProdução: Jefferson de Albuquerque Jr., André Rosa,

Ivan de Sá Pereira, André Klotzel e Micky Neo; Edição: José Carvalho Mota Fotografia: Pedro Farkas; Som: Wagner A Tava-res, Wanderley Klein e David Pennington; Música: Roberto Barros. Atores: Rodrigo Santiago, Sérgio Mamberti, Maria Alice Vergueiro, Luís Roberto Galizia, Patrício Bisso, Paulo Márcio Galvão, Walter Breda, Mercedes Dias, Sérgio Bianchi

Cronicamente Inviável

2000, 35mm, 101 min, corUma narrativa das histórias

de vida de seis personagens, mostrando a dificuldade de sobre-vivência mental e física no meio do caos da sociedade brasileira, que atinge todos independente-mente da situação social ou da postura assumida. Estas situações têm como fio condutor um res-taurante num bairro rico de São Paulo, que é de propriedade de Luis (Cecil Thiré). Ele é um homem de meia idade, refina-do, acostumado com as boas maneiras, mas ao mesmo tempo irônico e pungente. Alfredo (Umberto Magnani) é um escritor que está realizando um estranho passeio pelo país, buscando compreender, a partir de uma visão ácida da realidade, os pro-blemas de dominação e opressão social. Adam (Dan Stulbach), recém chegado do Paraná, é o mais novo garçom do restau-rante de Luis, e se destaca dos demais empregados por sua de-scendência européia, tanto por seu aspecto físico, quanto por sua boa instrução e insubordinação. Maria Alice (Betty Gofman) é uma carioca classe média-alta que está sempre preocupada em manter o mínimo de humanidade na relação com as pes-soas de classe mais baixa. É casada com Carlos (Daniel Dantas), um homem com uma visão pragmática da vida, que acredita na racionalidade como forma de tirar proveito da bagunça típica do Brasil. Amanda (Dira Paes), gerente do restaurante de Luis, é uma pessoa cativante, com um passado incerto, encoberto pelas várias histórias que costuma contar para os amigos e os refinados clientes do restaurante.

Produção: Agravo Produções Cinematográficas; Produção Executiva: Sérgio Bianchi, Gustavo Steinberg e Alvarina Souza e Silva; Argumento: Sérgio Bianchi e Gustavo Steinberg; Fotografia: Marcelo Coutinho e Antônio Penido; Montagem: Paulo Sacramento; Som: Heron Allencar; Di-reção de arte: Pablo Vilar; Beatriz Bianco; Jean-Luis Leblanc Direção de produção: Carmen Schenini; Rossine A. Frei-tas; Edição de som: Miriam Biderman; Assistante de di-reção: Paola Barreto

Romance

1988, 35mm, 103 min, corA morte inesperada de António César, um intelectual

de esquerda, que escrevia um livro onde denunciava um escândalo internacional em que estavam metidas autori-dades políticas, repercute-se sobre três pessoas diferentes. A história multiplica-se seguindo os passos interligados dos três personagens: Regina, jornalista, parte à procura de informa-ções que desvendem o escândalo. Fernanda, companheira e vítima do discurso de António César sobre a liberdade do comportamento, tenta viver o seu discurso, mas perde-se e vê-se mergulhada na angústia. André, homossexual e amigo do morto, paga, também ele, o seu tributo à ideologia da libertação sexual.

Produção: Embrafilme/S.B. Produções Cinematográ-ficas; Argumento: Fernando Coni Campos, Mário Car-neiro, Caio Fernando Abreu, Cristina Santeiro, Cláudia Maradei, Suzana Semedo; Fotografia: Marcelo Coutinho; Montagem: Marília Alvim

Som: Tide Borges, Iraci de Jesus; Música: Grupo Chance; Atores: Rodrigo Santiago, Imara Reis, Isa Kopel-man, Hugo Della Santa, Cristina Mutarelli, Sérgio Mam-berti, Beatriz Segall, Maria Alice Vergueiro, Elke Maravilha, Ruth Escobar

Prêmios: melhor direção, melhor atriz (Imara Reis) e melhor atriz coadjuvante (Isa Kopelman) no 21º Festival de Cinema de Brasilia, 1988; eleita como um dos dez melhores filmes do ano pela Associação de Críticos do Rio de Janeiro e pela crítica especializada do diário “O Estado de São Paulo”, 1988; Troféu Gralha Azul como melhor filme segundo a Fe-deração Paranaense de Cine-clubes.

Entrevista inédita feita pela equipe do jornal da mostra.

As perguntas foram encaminhadas por e-mail

Muitas críticos acreditam que, em última análise, Cronicamente Inviável diz que não há saída, que nada funciona nas instituições e que, conse-qüentemente, não há nada a fazer. Você concorda com isso? Que não há nada a fazer, não concordo.

Qual o sentido de se colocar num filme que tem o formato de um docu-mentário, como Mato Eles?, entrevistas encenadas, com personalidades inventadas? Para fechar o teorema que o filme necessitava; teorema este necessário pela minha observação da reserva indígena e pela razão que o material coletado nas filmagens não completavam a “missão” do que eu queria dizer. Ou que seja, destruir o esquema realidade-ficção – que na época era imperativo.

Pensa que os artífices da expressão brasileira conseguem se livrar da auto-censura, seja pelo constrangimento econômico, ideológico ou qualquer outro?

Nunca se consegue se livrar completamente. Muito mais agora em que tudo se resume em grupos corporativos. O constrangimento econômico, com ob-sessão e persistência, até se supera.O ideológico – o de não se filiar completamente a grupos, a falência de sua própria formação (projetos civilizatórios, de crenças, de futuros, etc)em um universo populista de culto à barbarie e pós-cínico – é compli-cado.

Seus filmes são célebres por não fazerem qualquer tipo de concessão ao público - eles não pretendem adular o espectador com belas imagens ou apelo ao ilusionismo do cinema clássico. No entanto, em Quanto Vale você emprega atores que se tornaram muito populares em novelas da Rede Globo (Herson Capri e Caco Ciocler, por exemplo). Isso significa algum tipo de concessão ao gosto do público ou há razões de outra or-dem para tal escolha?

Acho que não faço uma redenção final “à la Hollywood”. No meu próximo filme (pretendo rodar agora em abril), “Território Livre” ou “Os incomodados que se retirem”, farei todas as concessões possíveis. Vamos ver o que vai dar.

Zuenir Ventura ao se aprofundar no mundo de Vigário Geral para ana-lisar a chacina que chocou o mundo, cunhou o termo “Cidade Partida”. Significava a cisão clara do asfalto com a periferia, cada qual com suas regras e seus diferentes valores para a vida humana. Sua obra sempre mostrou de alguma forma as muralhas sociais e a desfaçatez de quem as levanta. O voto hoje é universal. E a cidadania, no seu entender, hoje é universal, censitária ou o quê?

Separação legitimada nos últimos anos, agora pelos poderes políticos. Tipo “o andar de cima” e o “andar de baixo” . Novos mercados e novas ações. Tudo pela paz social e que nada mude na sua essência. Escravos felizes e mobilizados per-manentemente. Vamos ver o que vai dar...

ENTREVISTA

Divina Previdência

1983, 9 min, video, cor.Junto com “Mato eles?” é o único filme cujo desenvolvi-

mento pode ser posto em relação direta com algumas zonas do precedente Cinema Novo, particularmente com os finais de ‘Vidas Secas”de Pereira dos Santos, e “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber Rocha. O índio lá, o sem cober-tura social aqui, possuem ainda a capacidade de interpelar os espectadores de uma maneira categórica. São também, suas películas mais brechtianas; particularmente esta, muito em sintonia com algumas das obras breves do dramaturgo alemão. Posteriormente, (e isso é uma diferença, não necessariamente uma melhora), o cinema da Bianchi se faz mais escuro e víti-mas não apenas sofrem a opressão do estado como também a reproduzem. (MP)

Produção de Ciça Rodrigues de Moraes; Elenco: Fil-ipe Tenreiro, Maria Alice Vergueiro, Paulo Herculano, Eliana Rocha; Edição: Augusto Seva; Fotografia: José Roberto Eliezer; Som: Marion Van de Vem

Prêmios:Melhor diretor no 12º Festival de Gramado, 1984; Men-

ção especial pela montagem na 13ª Jornada Brasileira de Cur-ta-metragens, Bahia, Brasil, 1984.

Causa Secreta

1994, 35mm, 93 min, cor- Neste típico drama

brasileiro os membros de um grupo de teatro têm de experi-mentar o lado mais negro da vida urbana, antes de entrarem em cena. Eles fazem isto medi-ante a insistência do seu diretor, que inclusive, os obriga a visi-tar uma clínica de doentes com Sida. Os atores reagem a isso de diferentes formas: desde a empatia à raiva.

- Grupo teatral que monta peça faz, como laboratório, pesquisa sobre a miséria no país. Nas filas do INPS, hospitais públicos e nas próprias ruas, eles encontram um sentimento cada vez mais indiferente à dor e à humilhação dos marginal-izados. Baseado livremente em conto de Machado de Assis.

Produção: Agravo Produções Cinematográficas; Argu-mento: Sérgio Bianchi, Kate Lyra e Isa Kopelman; Fotogra-fa: Dudu Poiano; Montagem: Valéria Mauro; Som: Walter Rogério; Atores: Ester Góes, Renato Borghi, Cláudia Mello, Rodrigo Santiago

SESSÕES DE FILMES Cine-teatro Ópera, sala B

Vendas dos ingressos na bilheteria antes de cada sessão ou, antecipadamente, na loja de discos Arco da Velha (R. Paula Xavier, 1415 – tel. 3028-8317), entre as 9h e as 19h.Censura: 16 anos em todas as sessões.Ingressos a R$ 3,00 por sessão – preço único

24 NOV (sexta-feira)

Sessão # 01 19h* - “Quanto vale ou é por quilo?” (2004)

25 NOV (sábado)

Sessão # 02 10h - “Mato eles?” (1982) e “Maldita coincidência” (1979)

Sessão # 03 20h* - “Cronicamente Inviável” (2000)

26 NOV (domingo)

Sessão # 04 10h - “Romance” (1988) e “Divina Previdência” (1983)

Sessão # 0519h* - “A Causa Secreta” (1994)

* as sessões noturnas são seguidas de debate com o diretor

OFICINACentro de Cultura

Oficina de direção conduzida por Sérgio Bianchi. Carga horária de 8 horas. Tardes de sábado e domingo (dias 25 e 26), das 14h às 18h, no Centro de Cultura.

EXPOSIÇÃO DE CARTAZES Hall do Cine-Ópera

O hall de entrada do Cine-Teatro Ópera expõe quatro cartazes origi-nais dos filmes de Bianchi. Há dois dos longas mais recentes, “Quanto vale ou é por quilo?” (2004) e “Cronicamente Inviável” (2000), e os raros “A Causa Secreta” e “Maldita Coincidência”. Este está impresso em papel de textura áspera; e o cartaz de “A Causa...” é brilhante, com fundo metálico; na estampa, a imagem de uma criança mostrando a língua.

FILMOGRAFIA SELECIONADA

Para a Mostra completar a filmografia de Bianchi faltou exibir: 1) Omni-bus, 1972, ficção, 35 mm, 10 min; 2) A segunda besta, 1977, 35 mm, ficção, 15 min; Entojo, 1985, 35 mm, 103 mm. Este, um documentário filmado no litoral paranaense.

SINOPSESO conteúdo das sinopses não é de nossa autoria, duas delas foram retiradas do site da 3º Mostra Internacional de Cinema

Independente de Mar del Plata (MP), 6º Festival Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira e de sites especializados em cinema.

Quanto vale ou é por quilo?

2004, 35mm, 110 min, cor.Sérgio Bianchi não é um

cineasta que se conforme a tintas médias; de fato, pinta sem reparos e terá, portanto, quem considere exagerados (ou pouco elegantes) seus traços. Sua paródia dos re-gistros audiovisuais e as condutas sociais mantidas na caridade soa, digamos, forte; talvez porque ninguém se encarregue desses as-

suntos. Em “Quanto vale ou é por quilo?” se cruzam histórias demarcadas ao fim do século XVIII com outras situadas no Bra-sil contemporâneo; a trama inclui, em outros assuntos, caça de escravos, doações de computadores e seqüestros. O que inte-ressa a Bianchi, basicamente, é a rota do dinheiro e das rela-ções sociais que se constroem ao redor dela. Não é ruim que alguém nos recorde que num mundo governado pela lógica da ganância, também a caridade é uma mercadoria. Brecht sabia algo disso. (MP)

Elenco: Silvio Guindane, Cláudia Mello, Herson Capri, Caco Ciocler, Lázaro Ramos, Leona Cavalli, Odelair Ro-drigues, Ariclê Peres, Zezé Motta, Antônio Abujamra, Ênio Gonçalves; Produção: Patrick Leblanc e Luís Alberto Pereira; Roteiro: Sergio Bianchi, Newton Cannito, Eduardo Benaim (baseados no conto “Pai Contra Mãe”, de Machado de Assis); Fotografía: Marcelo Copanni; Som: Ricardo Reis; Música: Mário Manga; Locuções: Milton Gonçalves, Valéria Grillo, Jorge Helal.

Mato Eles? 1982, 16 mm, 34 min, corTrata-se de um documen-

tário curta-metragem experi-mental, no qual o diretor tenta mostrar a vida dos índios. Tenta, porque em determinado mo-mento Bianchi pergunta para si

mesmo (em voz alta, para o espectador ouvir) o que afinal está fazendo com este filme sobre os índios: ‘’Mato eles?’’, responde ele mesmo com outra pergunta.

- “Sérgio Bianchi discute, agride, desmonta, questiona o próprio método de trabalho. Entra na imagem. Tumultua a conversa. Pergunta para si mesmo (em voz alta, para o espec-tador ouvir) o que afinal está fazendo com este filme sobre os índios: ‘Mato eles?’” – José Carlos Avellar, Jornal do Brasil

Fotografia: Pedro Farkas; Montagem: Eduardo Albu-querque e Sérgio Bianchi; Som: Marian Van de Vem. Com: Lota Moncada, Carlos Kraideiros, Simone Spoladore, Denise Del Vecchio, Caio Blat.

Maldita Coincidência

1979, 35mm, 82 min, cor “Uma meditação desencan-

tada em tono de uma utopia que se foi, não deu certo. O filme é uma antiutopia: não deu certo, mas do sonho sobraram vestígios maravilhosos, pedaços, fragmen-tos. O filme é de uma tristeza e de uma solidão cruel diante do que não se realizou, e ao mesmo tempo se maravilha diante dos escombros da utopia que por vezes atingem uma beleza des-lumbrante”

Jean-Claude Bernardet, Filme CulturaProdução: Jefferson de Albuquerque Jr., André Rosa,

Ivan de Sá Pereira, André Klotzel e Micky Neo; Edição: José Carvalho Mota Fotografia: Pedro Farkas; Som: Wagner A Tava-res, Wanderley Klein e David Pennington; Música: Roberto Barros. Atores: Rodrigo Santiago, Sérgio Mamberti, Maria Alice Vergueiro, Luís Roberto Galizia, Patrício Bisso, Paulo Márcio Galvão, Walter Breda, Mercedes Dias, Sérgio Bianchi

Cronicamente Inviável

2000, 35mm, 101 min, corUma narrativa das histórias

de vida de seis personagens, mostrando a dificuldade de sobre-vivência mental e física no meio do caos da sociedade brasileira, que atinge todos independente-mente da situação social ou da postura assumida. Estas situações têm como fio condutor um res-taurante num bairro rico de São Paulo, que é de propriedade de Luis (Cecil Thiré). Ele é um homem de meia idade, refina-do, acostumado com as boas maneiras, mas ao mesmo tempo irônico e pungente. Alfredo (Umberto Magnani) é um escritor que está realizando um estranho passeio pelo país, buscando compreender, a partir de uma visão ácida da realidade, os pro-blemas de dominação e opressão social. Adam (Dan Stulbach), recém chegado do Paraná, é o mais novo garçom do restau-rante de Luis, e se destaca dos demais empregados por sua de-scendência européia, tanto por seu aspecto físico, quanto por sua boa instrução e insubordinação. Maria Alice (Betty Gofman) é uma carioca classe média-alta que está sempre preocupada em manter o mínimo de humanidade na relação com as pes-soas de classe mais baixa. É casada com Carlos (Daniel Dantas), um homem com uma visão pragmática da vida, que acredita na racionalidade como forma de tirar proveito da bagunça típica do Brasil. Amanda (Dira Paes), gerente do restaurante de Luis, é uma pessoa cativante, com um passado incerto, encoberto pelas várias histórias que costuma contar para os amigos e os refinados clientes do restaurante.

Produção: Agravo Produções Cinematográficas; Produção Executiva: Sérgio Bianchi, Gustavo Steinberg e Alvarina Souza e Silva; Argumento: Sérgio Bianchi e Gustavo Steinberg; Fotografia: Marcelo Coutinho e Antônio Penido; Montagem: Paulo Sacramento; Som: Heron Allencar; Di-reção de arte: Pablo Vilar; Beatriz Bianco; Jean-Luis Leblanc Direção de produção: Carmen Schenini; Rossine A. Frei-tas; Edição de som: Miriam Biderman; Assistante de di-reção: Paola Barreto

Romance

1988, 35mm, 103 min, corA morte inesperada de António César, um intelectual

de esquerda, que escrevia um livro onde denunciava um escândalo internacional em que estavam metidas autori-dades políticas, repercute-se sobre três pessoas diferentes. A história multiplica-se seguindo os passos interligados dos três personagens: Regina, jornalista, parte à procura de informa-ções que desvendem o escândalo. Fernanda, companheira e vítima do discurso de António César sobre a liberdade do comportamento, tenta viver o seu discurso, mas perde-se e vê-se mergulhada na angústia. André, homossexual e amigo do morto, paga, também ele, o seu tributo à ideologia da libertação sexual.

Produção: Embrafilme/S.B. Produções Cinematográ-ficas; Argumento: Fernando Coni Campos, Mário Car-neiro, Caio Fernando Abreu, Cristina Santeiro, Cláudia Maradei, Suzana Semedo; Fotografia: Marcelo Coutinho; Montagem: Marília Alvim

Som: Tide Borges, Iraci de Jesus; Música: Grupo Chance; Atores: Rodrigo Santiago, Imara Reis, Isa Kopel-man, Hugo Della Santa, Cristina Mutarelli, Sérgio Mam-berti, Beatriz Segall, Maria Alice Vergueiro, Elke Maravilha, Ruth Escobar

Prêmios: melhor direção, melhor atriz (Imara Reis) e melhor atriz coadjuvante (Isa Kopelman) no 21º Festival de Cinema de Brasilia, 1988; eleita como um dos dez melhores filmes do ano pela Associação de Críticos do Rio de Janeiro e pela crítica especializada do diário “O Estado de São Paulo”, 1988; Troféu Gralha Azul como melhor filme segundo a Fe-deração Paranaense de Cine-clubes.

Entrevista inédita feita pela equipe do jornal da mostra.

As perguntas foram encaminhadas por e-mail

Muitas críticos acreditam que, em última análise, Cronicamente Inviável diz que não há saída, que nada funciona nas instituições e que, conse-qüentemente, não há nada a fazer. Você concorda com isso? Que não há nada a fazer, não concordo.

Qual o sentido de se colocar num filme que tem o formato de um docu-mentário, como Mato Eles?, entrevistas encenadas, com personalidades inventadas? Para fechar o teorema que o filme necessitava; teorema este necessário pela minha observação da reserva indígena e pela razão que o material coletado nas filmagens não completavam a “missão” do que eu queria dizer. Ou que seja, destruir o esquema realidade-ficção – que na época era imperativo.

Pensa que os artífices da expressão brasileira conseguem se livrar da auto-censura, seja pelo constrangimento econômico, ideológico ou qualquer outro?

Nunca se consegue se livrar completamente. Muito mais agora em que tudo se resume em grupos corporativos. O constrangimento econômico, com ob-sessão e persistência, até se supera.O ideológico – o de não se filiar completamente a grupos, a falência de sua própria formação (projetos civilizatórios, de crenças, de futuros, etc)em um universo populista de culto à barbarie e pós-cínico – é compli-cado.

Seus filmes são célebres por não fazerem qualquer tipo de concessão ao público - eles não pretendem adular o espectador com belas imagens ou apelo ao ilusionismo do cinema clássico. No entanto, em Quanto Vale você emprega atores que se tornaram muito populares em novelas da Rede Globo (Herson Capri e Caco Ciocler, por exemplo). Isso significa algum tipo de concessão ao gosto do público ou há razões de outra or-dem para tal escolha?

Acho que não faço uma redenção final “à la Hollywood”. No meu próximo filme (pretendo rodar agora em abril), “Território Livre” ou “Os incomodados que se retirem”, farei todas as concessões possíveis. Vamos ver o que vai dar.

Zuenir Ventura ao se aprofundar no mundo de Vigário Geral para ana-lisar a chacina que chocou o mundo, cunhou o termo “Cidade Partida”. Significava a cisão clara do asfalto com a periferia, cada qual com suas regras e seus diferentes valores para a vida humana. Sua obra sempre mostrou de alguma forma as muralhas sociais e a desfaçatez de quem as levanta. O voto hoje é universal. E a cidadania, no seu entender, hoje é universal, censitária ou o quê?

Separação legitimada nos últimos anos, agora pelos poderes políticos. Tipo “o andar de cima” e o “andar de baixo” . Novos mercados e novas ações. Tudo pela paz social e que nada mude na sua essência. Escravos felizes e mobilizados per-manentemente. Vamos ver o que vai dar...

ENTREVISTA

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Page 5: Mostra Sérgio Bianchi de Cinema (2006)

Divina Previdência

1983, 9 min, video, cor.Junto com “Mato eles?” é o único filme cujo desenvolvi-

mento pode ser posto em relação direta com algumas zonas do precedente Cinema Novo, particularmente com os finais de ‘Vidas Secas”de Pereira dos Santos, e “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber Rocha. O índio lá, o sem cober-tura social aqui, possuem ainda a capacidade de interpelar os espectadores de uma maneira categórica. São também, suas películas mais brechtianas; particularmente esta, muito em sintonia com algumas das obras breves do dramaturgo alemão. Posteriormente, (e isso é uma diferença, não necessariamente uma melhora), o cinema da Bianchi se faz mais escuro e víti-mas não apenas sofrem a opressão do estado como também a reproduzem. (MP)

Produção de Ciça Rodrigues de Moraes; Elenco: Fil-ipe Tenreiro, Maria Alice Vergueiro, Paulo Herculano, Eliana Rocha; Edição: Augusto Seva; Fotografia: José Roberto Eliezer; Som: Marion Van de Vem

Prêmios:Melhor diretor no 12º Festival de Gramado, 1984; Men-

ção especial pela montagem na 13ª Jornada Brasileira de Cur-ta-metragens, Bahia, Brasil, 1984.

Causa Secreta

1994, 35mm, 93 min, cor- Neste típico drama

brasileiro os membros de um grupo de teatro têm de experi-mentar o lado mais negro da vida urbana, antes de entrarem em cena. Eles fazem isto medi-ante a insistência do seu diretor, que inclusive, os obriga a visi-tar uma clínica de doentes com Sida. Os atores reagem a isso de diferentes formas: desde a empatia à raiva.

- Grupo teatral que monta peça faz, como laboratório, pesquisa sobre a miséria no país. Nas filas do INPS, hospitais públicos e nas próprias ruas, eles encontram um sentimento cada vez mais indiferente à dor e à humilhação dos marginal-izados. Baseado livremente em conto de Machado de Assis.

Produção: Agravo Produções Cinematográficas; Argu-mento: Sérgio Bianchi, Kate Lyra e Isa Kopelman; Fotogra-fa: Dudu Poiano; Montagem: Valéria Mauro; Som: Walter Rogério; Atores: Ester Góes, Renato Borghi, Cláudia Mello, Rodrigo Santiago

SESSÕES DE FILMES Cine-teatro Ópera, sala B

Vendas dos ingressos na bilheteria antes de cada sessão ou, antecipadamente, na loja de discos Arco da Velha (R. Paula Xavier, 1415 – tel. 3028-8317), entre as 9h e as 19h.Censura: 16 anos em todas as sessões.Ingressos a R$ 3,00 por sessão – preço único

24 NOV (sexta-feira)

Sessão # 01 19h* - “Quanto vale ou é por quilo?” (2004)

25 NOV (sábado)

Sessão # 02 10h - “Mato eles?” (1982) e “Maldita coincidência” (1979)

Sessão # 03 20h* - “Cronicamente Inviável” (2000)

26 NOV (domingo)

Sessão # 04 10h - “Romance” (1988) e “Divina Previdência” (1983)

Sessão # 0519h* - “A Causa Secreta” (1994)

* as sessões noturnas são seguidas de debate com o diretor

OFICINACentro de Cultura

Oficina de direção conduzida por Sérgio Bianchi. Carga horária de 8 horas. Tardes de sábado e domingo (dias 25 e 26), das 14h às 18h, no Centro de Cultura.

EXPOSIÇÃO DE CARTAZES Hall do Cine-Ópera

O hall de entrada do Cine-Teatro Ópera expõe quatro cartazes origi-nais dos filmes de Bianchi. Há dois dos longas mais recentes, “Quanto vale ou é por quilo?” (2004) e “Cronicamente Inviável” (2000), e os raros “A Causa Secreta” e “Maldita Coincidência”. Este está impresso em papel de textura áspera; e o cartaz de “A Causa...” é brilhante, com fundo metálico; na estampa, a imagem de uma criança mostrando a língua.

FILMOGRAFIA SELECIONADA

Para a Mostra completar a filmografia de Bianchi faltou exibir: 1) Omni-bus, 1972, ficção, 35 mm, 10 min; 2) A segunda besta, 1977, 35 mm, ficção, 15 min; Entojo, 1985, 35 mm, 103 mm. Este, um documentário filmado no litoral paranaense.

SINOPSESO conteúdo das sinopses não é de nossa autoria, duas delas foram retiradas do site da 3º Mostra Internacional de Cinema

Independente de Mar del Plata (MP), 6º Festival Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira e de sites especializados em cinema.

Quanto vale ou é por quilo?

2004, 35mm, 110 min, cor.Sérgio Bianchi não é um

cineasta que se conforme a tintas médias; de fato, pinta sem reparos e terá, portanto, quem considere exagerados (ou pouco elegantes) seus traços. Sua paródia dos re-gistros audiovisuais e as condutas sociais mantidas na caridade soa, digamos, forte; talvez porque ninguém se encarregue desses as-

suntos. Em “Quanto vale ou é por quilo?” se cruzam histórias demarcadas ao fim do século XVIII com outras situadas no Bra-sil contemporâneo; a trama inclui, em outros assuntos, caça de escravos, doações de computadores e seqüestros. O que inte-ressa a Bianchi, basicamente, é a rota do dinheiro e das rela-ções sociais que se constroem ao redor dela. Não é ruim que alguém nos recorde que num mundo governado pela lógica da ganância, também a caridade é uma mercadoria. Brecht sabia algo disso. (MP)

Elenco: Silvio Guindane, Cláudia Mello, Herson Capri, Caco Ciocler, Lázaro Ramos, Leona Cavalli, Odelair Ro-drigues, Ariclê Peres, Zezé Motta, Antônio Abujamra, Ênio Gonçalves; Produção: Patrick Leblanc e Luís Alberto Pereira; Roteiro: Sergio Bianchi, Newton Cannito, Eduardo Benaim (baseados no conto “Pai Contra Mãe”, de Machado de Assis); Fotografía: Marcelo Copanni; Som: Ricardo Reis; Música: Mário Manga; Locuções: Milton Gonçalves, Valéria Grillo, Jorge Helal.

Mato Eles? 1982, 16 mm, 34 min, corTrata-se de um documen-

tário curta-metragem experi-mental, no qual o diretor tenta mostrar a vida dos índios. Tenta, porque em determinado mo-mento Bianchi pergunta para si

mesmo (em voz alta, para o espectador ouvir) o que afinal está fazendo com este filme sobre os índios: ‘’Mato eles?’’, responde ele mesmo com outra pergunta.

- “Sérgio Bianchi discute, agride, desmonta, questiona o próprio método de trabalho. Entra na imagem. Tumultua a conversa. Pergunta para si mesmo (em voz alta, para o espec-tador ouvir) o que afinal está fazendo com este filme sobre os índios: ‘Mato eles?’” – José Carlos Avellar, Jornal do Brasil

Fotografia: Pedro Farkas; Montagem: Eduardo Albu-querque e Sérgio Bianchi; Som: Marian Van de Vem. Com: Lota Moncada, Carlos Kraideiros, Simone Spoladore, Denise Del Vecchio, Caio Blat.

Maldita Coincidência

1979, 35mm, 82 min, cor “Uma meditação desencan-

tada em tono de uma utopia que se foi, não deu certo. O filme é uma antiutopia: não deu certo, mas do sonho sobraram vestígios maravilhosos, pedaços, fragmen-tos. O filme é de uma tristeza e de uma solidão cruel diante do que não se realizou, e ao mesmo tempo se maravilha diante dos escombros da utopia que por vezes atingem uma beleza des-lumbrante”

Jean-Claude Bernardet, Filme CulturaProdução: Jefferson de Albuquerque Jr., André Rosa,

Ivan de Sá Pereira, André Klotzel e Micky Neo; Edição: José Carvalho Mota Fotografia: Pedro Farkas; Som: Wagner A Tava-res, Wanderley Klein e David Pennington; Música: Roberto Barros. Atores: Rodrigo Santiago, Sérgio Mamberti, Maria Alice Vergueiro, Luís Roberto Galizia, Patrício Bisso, Paulo Márcio Galvão, Walter Breda, Mercedes Dias, Sérgio Bianchi

Cronicamente Inviável

2000, 35mm, 101 min, corUma narrativa das histórias

de vida de seis personagens, mostrando a dificuldade de sobre-vivência mental e física no meio do caos da sociedade brasileira, que atinge todos independente-mente da situação social ou da postura assumida. Estas situações têm como fio condutor um res-taurante num bairro rico de São Paulo, que é de propriedade de Luis (Cecil Thiré). Ele é um homem de meia idade, refina-do, acostumado com as boas maneiras, mas ao mesmo tempo irônico e pungente. Alfredo (Umberto Magnani) é um escritor que está realizando um estranho passeio pelo país, buscando compreender, a partir de uma visão ácida da realidade, os pro-blemas de dominação e opressão social. Adam (Dan Stulbach), recém chegado do Paraná, é o mais novo garçom do restau-rante de Luis, e se destaca dos demais empregados por sua de-scendência européia, tanto por seu aspecto físico, quanto por sua boa instrução e insubordinação. Maria Alice (Betty Gofman) é uma carioca classe média-alta que está sempre preocupada em manter o mínimo de humanidade na relação com as pes-soas de classe mais baixa. É casada com Carlos (Daniel Dantas), um homem com uma visão pragmática da vida, que acredita na racionalidade como forma de tirar proveito da bagunça típica do Brasil. Amanda (Dira Paes), gerente do restaurante de Luis, é uma pessoa cativante, com um passado incerto, encoberto pelas várias histórias que costuma contar para os amigos e os refinados clientes do restaurante.

Produção: Agravo Produções Cinematográficas; Produção Executiva: Sérgio Bianchi, Gustavo Steinberg e Alvarina Souza e Silva; Argumento: Sérgio Bianchi e Gustavo Steinberg; Fotografia: Marcelo Coutinho e Antônio Penido; Montagem: Paulo Sacramento; Som: Heron Allencar; Di-reção de arte: Pablo Vilar; Beatriz Bianco; Jean-Luis Leblanc Direção de produção: Carmen Schenini; Rossine A. Frei-tas; Edição de som: Miriam Biderman; Assistante de di-reção: Paola Barreto

Romance

1988, 35mm, 103 min, corA morte inesperada de António César, um intelectual

de esquerda, que escrevia um livro onde denunciava um escândalo internacional em que estavam metidas autori-dades políticas, repercute-se sobre três pessoas diferentes. A história multiplica-se seguindo os passos interligados dos três personagens: Regina, jornalista, parte à procura de informa-ções que desvendem o escândalo. Fernanda, companheira e vítima do discurso de António César sobre a liberdade do comportamento, tenta viver o seu discurso, mas perde-se e vê-se mergulhada na angústia. André, homossexual e amigo do morto, paga, também ele, o seu tributo à ideologia da libertação sexual.

Produção: Embrafilme/S.B. Produções Cinematográ-ficas; Argumento: Fernando Coni Campos, Mário Car-neiro, Caio Fernando Abreu, Cristina Santeiro, Cláudia Maradei, Suzana Semedo; Fotografia: Marcelo Coutinho; Montagem: Marília Alvim

Som: Tide Borges, Iraci de Jesus; Música: Grupo Chance; Atores: Rodrigo Santiago, Imara Reis, Isa Kopel-man, Hugo Della Santa, Cristina Mutarelli, Sérgio Mam-berti, Beatriz Segall, Maria Alice Vergueiro, Elke Maravilha, Ruth Escobar

Prêmios: melhor direção, melhor atriz (Imara Reis) e melhor atriz coadjuvante (Isa Kopelman) no 21º Festival de Cinema de Brasilia, 1988; eleita como um dos dez melhores filmes do ano pela Associação de Críticos do Rio de Janeiro e pela crítica especializada do diário “O Estado de São Paulo”, 1988; Troféu Gralha Azul como melhor filme segundo a Fe-deração Paranaense de Cine-clubes.

Entrevista inédita feita pela equipe do jornal da mostra.

As perguntas foram encaminhadas por e-mail

Muitas críticos acreditam que, em última análise, Cronicamente Inviável diz que não há saída, que nada funciona nas instituições e que, conse-qüentemente, não há nada a fazer. Você concorda com isso? Que não há nada a fazer, não concordo.

Qual o sentido de se colocar num filme que tem o formato de um docu-mentário, como Mato Eles?, entrevistas encenadas, com personalidades inventadas? Para fechar o teorema que o filme necessitava; teorema este necessário pela minha observação da reserva indígena e pela razão que o material coletado nas filmagens não completavam a “missão” do que eu queria dizer. Ou que seja, destruir o esquema realidade-ficção – que na época era imperativo.

Pensa que os artífices da expressão brasileira conseguem se livrar da auto-censura, seja pelo constrangimento econômico, ideológico ou qualquer outro?

Nunca se consegue se livrar completamente. Muito mais agora em que tudo se resume em grupos corporativos. O constrangimento econômico, com ob-sessão e persistência, até se supera.O ideológico – o de não se filiar completamente a grupos, a falência de sua própria formação (projetos civilizatórios, de crenças, de futuros, etc)em um universo populista de culto à barbarie e pós-cínico – é compli-cado.

Seus filmes são célebres por não fazerem qualquer tipo de concessão ao público - eles não pretendem adular o espectador com belas imagens ou apelo ao ilusionismo do cinema clássico. No entanto, em Quanto Vale você emprega atores que se tornaram muito populares em novelas da Rede Globo (Herson Capri e Caco Ciocler, por exemplo). Isso significa algum tipo de concessão ao gosto do público ou há razões de outra or-dem para tal escolha?

Acho que não faço uma redenção final “à la Hollywood”. No meu próximo filme (pretendo rodar agora em abril), “Território Livre” ou “Os incomodados que se retirem”, farei todas as concessões possíveis. Vamos ver o que vai dar.

Zuenir Ventura ao se aprofundar no mundo de Vigário Geral para ana-lisar a chacina que chocou o mundo, cunhou o termo “Cidade Partida”. Significava a cisão clara do asfalto com a periferia, cada qual com suas regras e seus diferentes valores para a vida humana. Sua obra sempre mostrou de alguma forma as muralhas sociais e a desfaçatez de quem as levanta. O voto hoje é universal. E a cidadania, no seu entender, hoje é universal, censitária ou o quê?

Separação legitimada nos últimos anos, agora pelos poderes políticos. Tipo “o andar de cima” e o “andar de baixo” . Novos mercados e novas ações. Tudo pela paz social e que nada mude na sua essência. Escravos felizes e mobilizados per-manentemente. Vamos ver o que vai dar...

ENTREVISTA

Divina Previdência

1983, 9 min, video, cor.Junto com “Mato eles?” é o único filme cujo desenvolvi-

mento pode ser posto em relação direta com algumas zonas do precedente Cinema Novo, particularmente com os finais de ‘Vidas Secas”de Pereira dos Santos, e “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber Rocha. O índio lá, o sem cober-tura social aqui, possuem ainda a capacidade de interpelar os espectadores de uma maneira categórica. São também, suas películas mais brechtianas; particularmente esta, muito em sintonia com algumas das obras breves do dramaturgo alemão. Posteriormente, (e isso é uma diferença, não necessariamente uma melhora), o cinema da Bianchi se faz mais escuro e víti-mas não apenas sofrem a opressão do estado como também a reproduzem. (MP)

Produção de Ciça Rodrigues de Moraes; Elenco: Fil-ipe Tenreiro, Maria Alice Vergueiro, Paulo Herculano, Eliana Rocha; Edição: Augusto Seva; Fotografia: José Roberto Eliezer; Som: Marion Van de Vem

Prêmios:Melhor diretor no 12º Festival de Gramado, 1984; Men-

ção especial pela montagem na 13ª Jornada Brasileira de Cur-ta-metragens, Bahia, Brasil, 1984.

Causa Secreta

1994, 35mm, 93 min, cor- Neste típico drama

brasileiro os membros de um grupo de teatro têm de experi-mentar o lado mais negro da vida urbana, antes de entrarem em cena. Eles fazem isto medi-ante a insistência do seu diretor, que inclusive, os obriga a visi-tar uma clínica de doentes com Sida. Os atores reagem a isso de diferentes formas: desde a empatia à raiva.

- Grupo teatral que monta peça faz, como laboratório, pesquisa sobre a miséria no país. Nas filas do INPS, hospitais públicos e nas próprias ruas, eles encontram um sentimento cada vez mais indiferente à dor e à humilhação dos marginal-izados. Baseado livremente em conto de Machado de Assis.

Produção: Agravo Produções Cinematográficas; Argu-mento: Sérgio Bianchi, Kate Lyra e Isa Kopelman; Fotogra-fa: Dudu Poiano; Montagem: Valéria Mauro; Som: Walter Rogério; Atores: Ester Góes, Renato Borghi, Cláudia Mello, Rodrigo Santiago

SESSÕES DE FILMES Cine-teatro Ópera, sala B

Vendas dos ingressos na bilheteria antes de cada sessão ou, antecipadamente, na loja de discos Arco da Velha (R. Paula Xavier, 1415 – tel. 3028-8317), entre as 9h e as 19h.Censura: 16 anos em todas as sessões.Ingressos a R$ 3,00 por sessão – preço único

24 NOV (sexta-feira)

Sessão # 01 19h* - “Quanto vale ou é por quilo?” (2004)

25 NOV (sábado)

Sessão # 02 10h - “Mato eles?” (1982) e “Maldita coincidência” (1979)

Sessão # 03 20h* - “Cronicamente Inviável” (2000)

26 NOV (domingo)

Sessão # 04 10h - “Romance” (1988) e “Divina Previdência” (1983)

Sessão # 0519h* - “A Causa Secreta” (1994)

* as sessões noturnas são seguidas de debate com o diretor

OFICINACentro de Cultura

Oficina de direção conduzida por Sérgio Bianchi. Carga horária de 8 horas. Tardes de sábado e domingo (dias 25 e 26), das 14h às 18h, no Centro de Cultura.

EXPOSIÇÃO DE CARTAZES Hall do Cine-Ópera

O hall de entrada do Cine-Teatro Ópera expõe quatro cartazes origi-nais dos filmes de Bianchi. Há dois dos longas mais recentes, “Quanto vale ou é por quilo?” (2004) e “Cronicamente Inviável” (2000), e os raros “A Causa Secreta” e “Maldita Coincidência”. Este está impresso em papel de textura áspera; e o cartaz de “A Causa...” é brilhante, com fundo metálico; na estampa, a imagem de uma criança mostrando a língua.

FILMOGRAFIA SELECIONADA

Para a Mostra completar a filmografia de Bianchi faltou exibir: 1) Omni-bus, 1972, ficção, 35 mm, 10 min; 2) A segunda besta, 1977, 35 mm, ficção, 15 min; Entojo, 1985, 35 mm, 103 mm. Este, um documentário filmado no litoral paranaense.

SINOPSESO conteúdo das sinopses não é de nossa autoria, duas delas foram retiradas do site da 3º Mostra Internacional de Cinema

Independente de Mar del Plata (MP), 6º Festival Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira e de sites especializados em cinema.

Quanto vale ou é por quilo?

2004, 35mm, 110 min, cor.Sérgio Bianchi não é um

cineasta que se conforme a tintas médias; de fato, pinta sem reparos e terá, portanto, quem considere exagerados (ou pouco elegantes) seus traços. Sua paródia dos re-gistros audiovisuais e as condutas sociais mantidas na caridade soa, digamos, forte; talvez porque ninguém se encarregue desses as-

suntos. Em “Quanto vale ou é por quilo?” se cruzam histórias demarcadas ao fim do século XVIII com outras situadas no Bra-sil contemporâneo; a trama inclui, em outros assuntos, caça de escravos, doações de computadores e seqüestros. O que inte-ressa a Bianchi, basicamente, é a rota do dinheiro e das rela-ções sociais que se constroem ao redor dela. Não é ruim que alguém nos recorde que num mundo governado pela lógica da ganância, também a caridade é uma mercadoria. Brecht sabia algo disso. (MP)

Elenco: Silvio Guindane, Cláudia Mello, Herson Capri, Caco Ciocler, Lázaro Ramos, Leona Cavalli, Odelair Ro-drigues, Ariclê Peres, Zezé Motta, Antônio Abujamra, Ênio Gonçalves; Produção: Patrick Leblanc e Luís Alberto Pereira; Roteiro: Sergio Bianchi, Newton Cannito, Eduardo Benaim (baseados no conto “Pai Contra Mãe”, de Machado de Assis); Fotografía: Marcelo Copanni; Som: Ricardo Reis; Música: Mário Manga; Locuções: Milton Gonçalves, Valéria Grillo, Jorge Helal.

Mato Eles? 1982, 16 mm, 34 min, corTrata-se de um documen-

tário curta-metragem experi-mental, no qual o diretor tenta mostrar a vida dos índios. Tenta, porque em determinado mo-mento Bianchi pergunta para si

mesmo (em voz alta, para o espectador ouvir) o que afinal está fazendo com este filme sobre os índios: ‘’Mato eles?’’, responde ele mesmo com outra pergunta.

- “Sérgio Bianchi discute, agride, desmonta, questiona o próprio método de trabalho. Entra na imagem. Tumultua a conversa. Pergunta para si mesmo (em voz alta, para o espec-tador ouvir) o que afinal está fazendo com este filme sobre os índios: ‘Mato eles?’” – José Carlos Avellar, Jornal do Brasil

Fotografia: Pedro Farkas; Montagem: Eduardo Albu-querque e Sérgio Bianchi; Som: Marian Van de Vem. Com: Lota Moncada, Carlos Kraideiros, Simone Spoladore, Denise Del Vecchio, Caio Blat.

Maldita Coincidência

1979, 35mm, 82 min, cor “Uma meditação desencan-

tada em tono de uma utopia que se foi, não deu certo. O filme é uma antiutopia: não deu certo, mas do sonho sobraram vestígios maravilhosos, pedaços, fragmen-tos. O filme é de uma tristeza e de uma solidão cruel diante do que não se realizou, e ao mesmo tempo se maravilha diante dos escombros da utopia que por vezes atingem uma beleza des-lumbrante”

Jean-Claude Bernardet, Filme CulturaProdução: Jefferson de Albuquerque Jr., André Rosa,

Ivan de Sá Pereira, André Klotzel e Micky Neo; Edição: José Carvalho Mota Fotografia: Pedro Farkas; Som: Wagner A Tava-res, Wanderley Klein e David Pennington; Música: Roberto Barros. Atores: Rodrigo Santiago, Sérgio Mamberti, Maria Alice Vergueiro, Luís Roberto Galizia, Patrício Bisso, Paulo Márcio Galvão, Walter Breda, Mercedes Dias, Sérgio Bianchi

Cronicamente Inviável

2000, 35mm, 101 min, corUma narrativa das histórias

de vida de seis personagens, mostrando a dificuldade de sobre-vivência mental e física no meio do caos da sociedade brasileira, que atinge todos independente-mente da situação social ou da postura assumida. Estas situações têm como fio condutor um res-taurante num bairro rico de São Paulo, que é de propriedade de Luis (Cecil Thiré). Ele é um homem de meia idade, refina-do, acostumado com as boas maneiras, mas ao mesmo tempo irônico e pungente. Alfredo (Umberto Magnani) é um escritor que está realizando um estranho passeio pelo país, buscando compreender, a partir de uma visão ácida da realidade, os pro-blemas de dominação e opressão social. Adam (Dan Stulbach), recém chegado do Paraná, é o mais novo garçom do restau-rante de Luis, e se destaca dos demais empregados por sua de-scendência européia, tanto por seu aspecto físico, quanto por sua boa instrução e insubordinação. Maria Alice (Betty Gofman) é uma carioca classe média-alta que está sempre preocupada em manter o mínimo de humanidade na relação com as pes-soas de classe mais baixa. É casada com Carlos (Daniel Dantas), um homem com uma visão pragmática da vida, que acredita na racionalidade como forma de tirar proveito da bagunça típica do Brasil. Amanda (Dira Paes), gerente do restaurante de Luis, é uma pessoa cativante, com um passado incerto, encoberto pelas várias histórias que costuma contar para os amigos e os refinados clientes do restaurante.

Produção: Agravo Produções Cinematográficas; Produção Executiva: Sérgio Bianchi, Gustavo Steinberg e Alvarina Souza e Silva; Argumento: Sérgio Bianchi e Gustavo Steinberg; Fotografia: Marcelo Coutinho e Antônio Penido; Montagem: Paulo Sacramento; Som: Heron Allencar; Di-reção de arte: Pablo Vilar; Beatriz Bianco; Jean-Luis Leblanc Direção de produção: Carmen Schenini; Rossine A. Frei-tas; Edição de som: Miriam Biderman; Assistante de di-reção: Paola Barreto

Romance

1988, 35mm, 103 min, corA morte inesperada de António César, um intelectual

de esquerda, que escrevia um livro onde denunciava um escândalo internacional em que estavam metidas autori-dades políticas, repercute-se sobre três pessoas diferentes. A história multiplica-se seguindo os passos interligados dos três personagens: Regina, jornalista, parte à procura de informa-ções que desvendem o escândalo. Fernanda, companheira e vítima do discurso de António César sobre a liberdade do comportamento, tenta viver o seu discurso, mas perde-se e vê-se mergulhada na angústia. André, homossexual e amigo do morto, paga, também ele, o seu tributo à ideologia da libertação sexual.

Produção: Embrafilme/S.B. Produções Cinematográ-ficas; Argumento: Fernando Coni Campos, Mário Car-neiro, Caio Fernando Abreu, Cristina Santeiro, Cláudia Maradei, Suzana Semedo; Fotografia: Marcelo Coutinho; Montagem: Marília Alvim

Som: Tide Borges, Iraci de Jesus; Música: Grupo Chance; Atores: Rodrigo Santiago, Imara Reis, Isa Kopel-man, Hugo Della Santa, Cristina Mutarelli, Sérgio Mam-berti, Beatriz Segall, Maria Alice Vergueiro, Elke Maravilha, Ruth Escobar

Prêmios: melhor direção, melhor atriz (Imara Reis) e melhor atriz coadjuvante (Isa Kopelman) no 21º Festival de Cinema de Brasilia, 1988; eleita como um dos dez melhores filmes do ano pela Associação de Críticos do Rio de Janeiro e pela crítica especializada do diário “O Estado de São Paulo”, 1988; Troféu Gralha Azul como melhor filme segundo a Fe-deração Paranaense de Cine-clubes.

Entrevista inédita feita pela equipe do jornal da mostra.

As perguntas foram encaminhadas por e-mail

Muitas críticos acreditam que, em última análise, Cronicamente Inviável diz que não há saída, que nada funciona nas instituições e que, conse-qüentemente, não há nada a fazer. Você concorda com isso? Que não há nada a fazer, não concordo.

Qual o sentido de se colocar num filme que tem o formato de um docu-mentário, como Mato Eles?, entrevistas encenadas, com personalidades inventadas? Para fechar o teorema que o filme necessitava; teorema este necessário pela minha observação da reserva indígena e pela razão que o material coletado nas filmagens não completavam a “missão” do que eu queria dizer. Ou que seja, destruir o esquema realidade-ficção – que na época era imperativo.

Pensa que os artífices da expressão brasileira conseguem se livrar da auto-censura, seja pelo constrangimento econômico, ideológico ou qualquer outro?

Nunca se consegue se livrar completamente. Muito mais agora em que tudo se resume em grupos corporativos. O constrangimento econômico, com ob-sessão e persistência, até se supera.O ideológico – o de não se filiar completamente a grupos, a falência de sua própria formação (projetos civilizatórios, de crenças, de futuros, etc)em um universo populista de culto à barbarie e pós-cínico – é compli-cado.

Seus filmes são célebres por não fazerem qualquer tipo de concessão ao público - eles não pretendem adular o espectador com belas imagens ou apelo ao ilusionismo do cinema clássico. No entanto, em Quanto Vale você emprega atores que se tornaram muito populares em novelas da Rede Globo (Herson Capri e Caco Ciocler, por exemplo). Isso significa algum tipo de concessão ao gosto do público ou há razões de outra or-dem para tal escolha?

Acho que não faço uma redenção final “à la Hollywood”. No meu próximo filme (pretendo rodar agora em abril), “Território Livre” ou “Os incomodados que se retirem”, farei todas as concessões possíveis. Vamos ver o que vai dar.

Zuenir Ventura ao se aprofundar no mundo de Vigário Geral para ana-lisar a chacina que chocou o mundo, cunhou o termo “Cidade Partida”. Significava a cisão clara do asfalto com a periferia, cada qual com suas regras e seus diferentes valores para a vida humana. Sua obra sempre mostrou de alguma forma as muralhas sociais e a desfaçatez de quem as levanta. O voto hoje é universal. E a cidadania, no seu entender, hoje é universal, censitária ou o quê?

Separação legitimada nos últimos anos, agora pelos poderes políticos. Tipo “o andar de cima” e o “andar de baixo” . Novos mercados e novas ações. Tudo pela paz social e que nada mude na sua essência. Escravos felizes e mobilizados per-manentemente. Vamos ver o que vai dar...

ENTREVISTA

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Page 6: Mostra Sérgio Bianchi de Cinema (2006)

EDITORIAL

Três dias do final de novembro de 2006 poderão ser lembra-dos por Ponta Grossa como data em que o cinema brasileiro rece-beu um de seus embaixadores, Sérgio Bianchi. Em nossa história, mostra de cinema é um gênero cultural incomum, e, nesse caso, ganha relevo porque prioriza um cinema de idéias. Ou seja, além de ser uma ação de estímulo ao cinema, não é qualquer filmografia que se apresenta.

Os filmes de Bianchi são considerados por muitos críticos como iconoclastas, questionadores, contestadores, contundentes, marcantes, no entanto pouco vistos pelo público paranaense. É rela-tivamente pequeno o número de cidades com salas de cinema e a regra é valorização de filmes com grande apelo comercial, quase a totalidade produzida nos Estados Unidos.

Ponta Grossa já teve um maior número de salas de cinema, in-dependentes entre si, não ao modelo multiplex vinculado a block-busters. A exibição dos filmes era mais diversificada quanto à nacio-nalidade e à temática. Filmes premiados em mostras estrangeiras e nacionais eram colocados em cartaz com distinção na programa-ção. Filmes que hoje em dia seriam considerados cult ou de arte e, conseqüentemente, apresentados em salas especiais, eram parte da rotina. Títulos poloneses, tchecos, japoneses, russos, mexicanos, espanhóis, portugueses, alemães, franceses, britânicos etc concor-riam com as mega-produções norte-americanas. O Cine-Teatro Ópera, que hoje sedia a Mostra, integrava um eixo com os cinemas Renascença (posteriormente Inajá), Império, e, a partir de 64, o Cine Pax. É possível que essa agitação cultural possa ter contribuído para a formação do futuro cineasta Sérgio Bianchi, então residente na cidade.

Até os anos 90 a opção em cinema em Ponta Grossa se man-tinha diversificada. A partir daí, com o fechamento de salas e uma concentração em produções de grande bilheteria, o cenário mudou. Houve um período em que a cidade ficou sem nenhum local de exibição. Apesar de um breve retorno do Inajá e a abertura de cen-

O HOMEM QUE NÃO PINTOU O SEU QUINTAL

Foi o escritor russo León Tólstoi que cunhou a célebre frase “pinte o seu quin-tal e ele será universal”, que em linhas gerais quer dizer o seguinte: fale sobre a sua aldeia, comunidade, cidade, região, e estará falando sobre o que acontece em qualquer lugar do mundo. Um exemplo de “pintor de quintal” na literatura, provavelmente dos maiores, é o irlandês James Joyce. Rigorosamente todas as suas obras (“Retrato do artista quando jovem”, “Giacomo Joyce”, “Ulisses” e “Finnegans Wake”, por exemplo) são como que um reflexo de sua própria vida e do que acon-teceu ao seu redor. E são todas obras-primas. Um exemplo no cinema: o espanhol Pedro Almodóvar, que também fala de sua “aldeia” em seus filmes.

Bem, o cineasta Sérgio Bianchi não pintou o seu quintal - no caso, Ponta Gros-sa. Mas não é por isso que suas obras não são, no mínimo, geniais. Contundente, contestador, denunciador de uma certa hipocrisia que habita as profundezas do agir humano, questionador das veleidades que tanto encantam o grosso da classe média brasileira, Bianchi produziu - e produz - uma obra única, talvez, no mundo. Mas, interessante: ao não pintar o quintal ponta-grossense, Sérgio Bianchi acaba, indiretamente, falando dele.

***Seja muito bem-vindo, Sérgio, a sua aldeia.

Que tal torná-la tema de um de seus próximos projetos?

Helcio Kovaleski

EXPEDIENTEMostra Sérgio Bianchi de Cinema – 24 a 26 de Novembro de 2006Ponta Grossa – PR – Realização do grupo Cine de Novo Jornal vendido a R$ 1,00 – distribuição concentrada na Mostra – Tiragem de 1.000 exemplares – Impressão Grafinorte – Edição única, dedicada ao cinema lúcido de Sérgio Bianchi

A Mostra é um evento patrocinado pela Secretaria Municipal de Cultura, Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Culturais da UEPG e Femsa Cervejas. Apoio Cultural do Departamento de Línguas Estrangeiras Modernas da UEPG, A4 Comunicação e e Arco da Velha Discos e Livros.

Expediente Coordenação: Ben-Hur Demeneck (MTb 5664/PR) e Antonio João TeixeiraDiagramação: Luciano SchimitzColaboradores: Antonio João Teixeira, Helcio Kovaleski, Irinêo Netto, Miguel Sanches Neto e Ramayana Lira de Sousa.

Grupo Cine de Novo: Antonio João Teixeira (professor do Departamento de Línguas Estrangei-ras Modernas da UEPG); Cíntia Xavier da Silva Pinto (professora do Departamento de Comunicação da UEPG); Helcio Kovaleski (roteirista de cinema e diretor de vídeo); André Rosas (mestrando em Educação pela UEPG) e Ben-Hur Demeneck (jornalista, co-editor do jornal Grimpa).

tros comerciais com cinema, filmes reconhecidamente importantes não chegaram ao público local. Hoje, não é diferente, com as cinco salas comerciais e uma programação esporádica no Ópera, ainda estamos privados de trabalhos de nomes como Luiz Fernando Carv-alho, Beto Brant, Domingos de Oliveira, Eduardo Coutinho, David Lynch, Denys Arcand, Michael Haneke e Wong Kar-Wai.

FOSSO SOCIALA realidade em Ponta Grossa não é diferente com relação à

miséria e à opulência brasileiras retratadas nos filmes de Bianchi, por ser uma das cidades com maior proporção de favelas do Sul do país e, mesmo assim, com a imprensa e a televisão viciados no colunismo social.

Esse fosso sócio-econômico é discutido nos filmes de Bianchi, que demonstram uma preocupação em dar voz aos excluídos e à hi-pocrisia dos incluídos. Por isso é simbólico que as sessões da Mostra sejam feitas na sala B do Ópera, a chamada de “Sala dos Operários”. A palavra “operário” tem uma presença marcante no imaginário ponta-grossense, o que se confirma em nome de rua (como no acesso do bairro de Olarias) ou no time de futebol local (Operário Ferroviário Futebol Clube), por exemplo.

CAOS BRASILEIROA Mostra Sérgio Bianchi de Cinema agrega sessões de cinema,

exposição de cartazes e oficina de direção conduzida pelo home-nageado. Em três dias, são apresentados 7 títulos, cobrindo um período de 1979 a 2004, nos formatos curta, média e longa-me-tragem. Na exposição de cartazes, estão presentes duas raridades, “A Causa Secreta” e “Maldita Coincidência”, e os recentes “Cronica-mente Inviável” e “Quanto vale ou é por quilo?”.

Concentrados nessa mostra, os filmes devem adquirir intensi-dade e peso, e devem nos forçar a refletir sobre nossa situação di-ante do caos social brasileiro do qual fazemos parte e sobre o papel que podemos exercer na sociedade brasileira contemporânea.

CRONICAMENTE INVIÁVEL

“Brasil, meu Brasil brasileiro/ Meu mulato inzoneiro/ Vou cantar-te nos meus versos/ Brasil, samba que dá/

Bamboleio que faz gingar/ O Brasil do meu amor/ Terra de Nosso Senhor”

Trecho de “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso

TERRA DE SAMBA E PANDEIRO

Sergio Bianchi é o mais próximo que o cinema brasileiro jamais chegou de ter um Lars von Trier.

Afirmações como essa são repletas de armadilhas. Afinal, toda mãe ensina, não se deve comparar. Cada um é cada um.

Mas a idéia é atraente demais para se resistir a ela.Na verdade, a intenção não é comparar os homens e sim as

obras. Bianchi é ponta-grossense. Von Trier, dinamarquês. Água e vinho, certo? Talvez.

Tome Cronicamente Inviável (2000). Vencedor do 3.º Prê-mio HBO Brasil de Cinema, o filme escarafuncha alguns dos maiores absurdos da sociedade brasileira: miséria, fome, assis-tencialismo, desemprego e a lista é grande. São problemas ob-scenos que parecem insolúveis, cíclicos e tão presos à imagem do país que chamar de “problema” é um eufemismo. É como se a identidade brasileira – ou o que a maioria acha que é a identi-dade brasileira, ao som de axés, sambas e forrós – não existisse sem os pobres, os miseráveis e os desempregados. Eles fazem parte da mobília.

A narrativa é fragmentada e acompanha as peripécias de meia dúzia de personagens. O vínculo entre eles é o restaurante do empresário Luís (Cecil Thiré), figura que busca favores sex-uais de seus funcionários – entre eles, Adam (Dan Stulbach), depois dispensado pelo patrão. Amanda (Dira Paes) é a gerente do lugar e aparece envolvida em negócios ardilosos, como trá-fico de bebês e de órgãos.

CRONICAMENTE INVIÁVEL ADVERTE:

SER UM PAÍS DESORGANIZADO DÁ TANTO OU MAIS TRABALHO

QUE SER UM PAÍS SÉRIO

CRONICAMENTE INVIÁVEL ADVERTE:

A DESTRUIÇÃO DE DIGNIDADE PODE VIRAR CARACTERÍSTICA CULTURAL

Alfredo (Umberto Magnani) é um escritor que viaja pelo Brasil colecionando impressões em um gravador, complementa sua renda trabalhando como laranja – ou “entregador” – a ser-viço de Amanda e narra parte da ação do filme.

Entre os clientes do restaurante, está o casal Maria Alice (Betty Gofman) e Carlos (Daniel Dantas). Eles têm dinheiro su-ficiente para chorar as saudades da Europa e experimentar a cul-pa burguesa que os leva a doar brinquedos novos para crianças de rua. Estas, ao contrário de festejarem os presentes, preferem se esmurrar tentando tomar os ganhos umas das outras. Tudo isso diante da madame que parece fascinada demais com sua própria bondade para perceber o inferno que acabou de criar. É uma cena cínica e emblemática (entre muitas).

Dogville, de Lars von Trier, começou uma trilogia que pretende dissecar a América no que ela tem de mais sórdido e repreensível. O diretor fala da relação dos EUA com imigran-tes, cita a máfia, aborda a escravatura (em Manderlay) e prepara Washington para concluir a tríade que chama de Terra das Opor-tunidades. Von Trier pode espernear, mas um fato permanece intacto: a América é a única superpotência mundial – um país muito mais do que apenas viável.

E o Brasil?Ah, o Brasil é uma criança mulata e subnutrida, atropelada

por uma senhora velha de carro importado. Bianchi acode a criança jogando salmoura nas feridas. É desagradável, mas ne-cessário.

Irinêo Netto, 28, é jornalista, mestre em estudos literários pela Universidade Federal do Paraná e repórter da Gazeta do Povo.

LUCIDEZ E REVOLTA O CINEMA DE SÉRGIO BIANCHI

A iniciativa de se fazer uma mostra de grande parte da obra cinematográfica de Sérgio Bianchi nasceu da constatação de que essa obra é praticamente desconhecida dos ponta-grossenses. Nenhum de seus filmes foi exibido comercialmente na cidade, o que é inexplicável, considerando-se a relevância da obra desse cineasta de renome internacional.

Sérgio Bianchi já foi chamado por Joshua Katzman, ar-ticulista do jornal alternativo Chicago Reader, de “incendiária figura sócio-política brasileira” . Esse título se justifica pelo caráter iconoclasta da obra cinematográfica de Bianchi. Nela, tudo é problematizado, tudo é discutido, e as mazelas da socie-dade brasileira são cruamente expostas num estilo que fica na fronteira entre o documentário e o filme ficcional. No média-metragem Mato Eles?, por exemplo, filme realizado em 1982, discute-se a situação dos índios – caigangues, guaranis e xetás - que vivem em uma reserva no Paraná. A Fundação Nacional do Índio instalou um pequeno negócio na reserva, que destruiu grande parte da floresta de araucárias; parte da reserva foi ven-dida à madeireira Slaviero e os índios foram removidos dessa parte . O filme, que intercala entrevistas reais e fictícias, se co-loca do lado do índio despossuído e se encerra com uma suave voz e, off sarcasticamente sugerindo ao espectador que ele com-pre terra onde vivem os índios, pois a reserva não tem dono. Mas a própria feitura do filme é questionada com a sugestão de que se faça um documentário sobre os índios, pois esse é um tópico que interessa a todos e pode-se ganhar muito dinheiro com isso.

O sarcasmo e outros recursos de distanciamento propostos por Bianchi ajudam a definir seu estilo e a situá-lo dentro da produção brasileira contemporânea. A trajetória cinematográ-

CRONICAMENTE INVIÁVEL ADVERTE:

PESSOAS QUE ANALISAM A REALIDADE ADOECEM MAIS

DE DEPRESSÃO E RAIVA

CRONICAMENTE INVIÁVEL ADVERTE:

PISAR EM MENDIGOS CAÍDOS PELAS RUAS NÃO FAZ A MENOR DIFERENÇA

fica de Bianchi vem dos anos 70 – Omnibus, um dos sucessos da categoria curta do Festival Internacional de Cannes, é de 1972. Em 1977, Bianchi produz A Segunda Besta que, num registro surreal, mostra um homem que vomita uma grande quantidade de coelhos, trancado dentro de sua casa. Em 1982 foi lançado Mato Eles?, já comentado acima e, em 1983, A Divina Previdên-cia, em que um sujeito, por falta de carteira de identidade, tem que enfrentar um cipoal burocrático na tentativa de se inter-nar em um hospital. O cinema de Bianchi, pós-Cinema Novo, é descendente de experiências cinematográficas dos anos 60. Bianchi, nas palavras de João Luiz Vieira, pertence a uma gera-ção intermediária entre os realizadores pós-Cinema Novo, mais próximos do chamado “cinema marginal”, geração que surge na passagem entre as décadas de 60 e 70 . Os filmes de Bianchi, que como os do Cinema Novo também discutem aspectos sociais da realidade brasileira, principalmente aqueles de grupos margin-alizados por questões étnicas, de orientação sexual ou posição social, incluem um elemento que me parece em geral ausente naquela sisuda produção: a ironia, o humor, o sarcasmo. Esse elemento, como visto acima com relação ao filme Mato Eles?, está sempre presente no cinema sem concessões que Bianchi faz.

É o sarcasmo que realça o horror presente na cena final de Cronicamente Inviável, que muitos vêem como otimista e um indício de redenção. Nela uma mendiga põe seu filho para dormir numa rua de São Paulo, lendo para ele – “Deus é meu pastor, nada me faltará”. Depois diz a ele que não lhe faltará paz, nem o amor de sua mãe, nem pão, nem refeições regulares. E conclui dizendo que ele será um grande homem. Não vejo nesta cena a possibilidade de renascimento, mas sim uma ironia que mexe com a atitude conformista do espectador.

Em Mato Eles?, cenas mostram índios sobrevivendo da venda de cestas para turistas ao som da abertura de O Guarani, de Car-los Gomes. Composta no século XIX, a ópera mostra uma visão idealizada e europeizada das populações nativas brasileiras. O tom irônico aí me parece bastante claro.

Há ainda a cena, em Cronicamente Inviável, em que uma senhora de classe média alta, cheia de culpa, leva brinquedos para crianças de rua, o que origina uma briga entre as crianças que disputam os brinquedos. Ela então diz: “O Estado tem que fazer o seu papel, tem de dar crack para as crianças de rua. Já que elas vão morrer de frio, umidade, coceira, que seja com felicidade, entorpecidas”.

E assim se faz o cinema de Sérgio Bianchi. Cortante, raivoso, inquieto. Crítico da ideologia da felicidade compulsória, da ideo-logia do trabalho que brutaliza o indivíduo e da equivocada ideo-logia da caridade, seu cinema sem concessões e com um certo grau de experimentalismo, se destaca dentro da produção cine-matográfica brasileira contemporânea. Seu cinema trata basica-mente da indigna situação da exploração do mais fraco pelo mais forte. Alguns dizem que esse cinema só aponta as mazelas, que é um cinema desesperado, sem solução. Não acho que essa seja a função do artista – apresentar soluções. Sua função é instigar, provocar, discutir, expor, tudo da maneira mais clara e honesta possível. Isso o cinema de Sérgio Bianchi faz. De uma maneira extremamente lúcida.

Antonio João Teixeira é professor do Departamento de Línguas Estrangeiras Modernas da UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa). Há três anos realiza programa de formação de público de

cinema com exibição e debate de filmes de arte.

ARTIGO

COITADOS SOMOS TODOS NÓSA violência dos filmes os Bianchi busca problematizar um consenso em relação a certas

“verdades universais”, fora do paternalismo e do sentimento de culpa

Em tempos anódinos como os nossos, é trabalho árduo identificar as vozes que podem incomodar, pela sua estridência, ouvidos desacostumados ao dissenso. Sérgio Bianchi, cineasta paranaense radicado em São Paulo, é um desses pensadores dissonantes, cujas obras são acompanhadas, com freqüência, de adjetivos como provocadoras e polêmicas .

Homem de diversos ofícios (basta lembrar suas intervenções no teatro e na ópera), Bianchi se apresenta como polemista caro e raro no cenário cultural brasileiro contemporâneo. Suas intervenções mais relevantes, no entanto, são (como não poderia deixar de ser) os seus filmes, comumente organizados como colagem de fragmentos esclarecedores dos descalabros e absurdos da sociedade brasileira.

Esse cinema de urgência, de pegada forte, é um cinema violento. Uma violência, contudo, que não neces-sita das imagens de sangue e golpes para agredir. É violento, aqui, o cinema que transgride a moral instituída e o conformismo vigente. Violência que tenta desamarrar o/a espectador/a de sua existência sem dor. É violento o cinema de Bianchi contra aquele homem descrito por Nietzsche:

“Este homem que, por falta de inimigos e resistências exteriores, cerrado numa opressiva estreiteza e regularidade de costumes, impacientemente lacerou, perseguiu, corroeu, espicaçou, maltratou a si mesmo, esse animal que querem ‘amansar’, que se fere nas barras da própria jaula, este ser carente, consumido pela nostalgia do ermo, que a si mesmo teve de converter em aventura, câmara de tortura, insegura e perigosa mata - esse tolo, esse prisioneiro presa da ânsia e do desespero tornou-se o inventor da ‘má consciência’”

É contra essa contenção da agressividade que parecem funcionar os filmes de Bianchi, em especial Cronica-mente Inviável e Quanto Vale ou é Por Quilo?. Esses filmes problematizam o consenso em relação a certas “verdades universais”, desfiando o/a espectador/a a transvalorar tais verdades, a buscar uma posição fora do pater-nalismo e do sentimento de culpa. Essa má consciência, como violência interiorizada e entrelaçada à noção moral de culpa, toma a conhecida forma de negação, nojo e vergonha da vida, do corpo, da sexualidade e dos instintos, questões que amiúde são tramadas na obra de Bianchi.

Eis a relevância desses filmes em um contexto cultural onde pobreza e ética são vistas de forma superfi-cial, onde os filmes do já desgastado binômio sertão/favela produzem as imagens dos “coitados” para os “ilu-minados” da classe média da platéia (exemplos não faltam: Cidade de Deus, Central do Brasil, Caminho das Nuvens, a refilmagem de O Cangaceiro e por aí vai). Aqui intervém Bianchi: coitados somos todos nós, presos em nossas gaiolas de ferro, agarrados às perspectivas politicamente “corretas” e socialmente palatáveis. E parecemos gostar disso. Caso contrário não seria necessário o cinema devastador desse paranaense que gosta de acertar estômagos de incautos/as espectadores/as.

Ramayana Lira de Sousa é doutoranda da UFSC em Literatura e Cinema

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Page 7: Mostra Sérgio Bianchi de Cinema (2006)

EDITORIAL

Três dias do final de novembro de 2006 poderão ser lembra-dos por Ponta Grossa como data em que o cinema brasileiro rece-beu um de seus embaixadores, Sérgio Bianchi. Em nossa história, mostra de cinema é um gênero cultural incomum, e, nesse caso, ganha relevo porque prioriza um cinema de idéias. Ou seja, além de ser uma ação de estímulo ao cinema, não é qualquer filmografia que se apresenta.

Os filmes de Bianchi são considerados por muitos críticos como iconoclastas, questionadores, contestadores, contundentes, marcantes, no entanto pouco vistos pelo público paranaense. É rela-tivamente pequeno o número de cidades com salas de cinema e a regra é valorização de filmes com grande apelo comercial, quase a totalidade produzida nos Estados Unidos.

Ponta Grossa já teve um maior número de salas de cinema, in-dependentes entre si, não ao modelo multiplex vinculado a block-busters. A exibição dos filmes era mais diversificada quanto à nacio-nalidade e à temática. Filmes premiados em mostras estrangeiras e nacionais eram colocados em cartaz com distinção na programa-ção. Filmes que hoje em dia seriam considerados cult ou de arte e, conseqüentemente, apresentados em salas especiais, eram parte da rotina. Títulos poloneses, tchecos, japoneses, russos, mexicanos, espanhóis, portugueses, alemães, franceses, britânicos etc concor-riam com as mega-produções norte-americanas. O Cine-Teatro Ópera, que hoje sedia a Mostra, integrava um eixo com os cinemas Renascença (posteriormente Inajá), Império, e, a partir de 64, o Cine Pax. É possível que essa agitação cultural possa ter contribuído para a formação do futuro cineasta Sérgio Bianchi, então residente na cidade.

Até os anos 90 a opção em cinema em Ponta Grossa se man-tinha diversificada. A partir daí, com o fechamento de salas e uma concentração em produções de grande bilheteria, o cenário mudou. Houve um período em que a cidade ficou sem nenhum local de exibição. Apesar de um breve retorno do Inajá e a abertura de cen-

O HOMEM QUE NÃO PINTOU O SEU QUINTAL

Foi o escritor russo León Tólstoi que cunhou a célebre frase “pinte o seu quin-tal e ele será universal”, que em linhas gerais quer dizer o seguinte: fale sobre a sua aldeia, comunidade, cidade, região, e estará falando sobre o que acontece em qualquer lugar do mundo. Um exemplo de “pintor de quintal” na literatura, provavelmente dos maiores, é o irlandês James Joyce. Rigorosamente todas as suas obras (“Retrato do artista quando jovem”, “Giacomo Joyce”, “Ulisses” e “Finnegans Wake”, por exemplo) são como que um reflexo de sua própria vida e do que acon-teceu ao seu redor. E são todas obras-primas. Um exemplo no cinema: o espanhol Pedro Almodóvar, que também fala de sua “aldeia” em seus filmes.

Bem, o cineasta Sérgio Bianchi não pintou o seu quintal - no caso, Ponta Gros-sa. Mas não é por isso que suas obras não são, no mínimo, geniais. Contundente, contestador, denunciador de uma certa hipocrisia que habita as profundezas do agir humano, questionador das veleidades que tanto encantam o grosso da classe média brasileira, Bianchi produziu - e produz - uma obra única, talvez, no mundo. Mas, interessante: ao não pintar o quintal ponta-grossense, Sérgio Bianchi acaba, indiretamente, falando dele.

***Seja muito bem-vindo, Sérgio, a sua aldeia.

Que tal torná-la tema de um de seus próximos projetos?

Helcio Kovaleski

EXPEDIENTEMostra Sérgio Bianchi de Cinema – 24 a 26 de Novembro de 2006Ponta Grossa – PR – Realização do grupo Cine de Novo Jornal vendido a R$ 1,00 – distribuição concentrada na Mostra – Tiragem de 1.000 exemplares – Impressão Grafinorte – Edição única, dedicada ao cinema lúcido de Sérgio Bianchi

A Mostra é um evento patrocinado pela Secretaria Municipal de Cultura, Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Culturais da UEPG e Femsa Cervejas. Apoio Cultural do Departamento de Línguas Estrangeiras Modernas da UEPG, A4 Comunicação e e Arco da Velha Discos e Livros.

Expediente Coordenação: Ben-Hur Demeneck (MTb 5664/PR) e Antonio João TeixeiraDiagramação: Luciano SchimitzColaboradores: Antonio João Teixeira, Helcio Kovaleski, Irinêo Netto, Miguel Sanches Neto e Ramayana Lira de Sousa.

Grupo Cine de Novo: Antonio João Teixeira (professor do Departamento de Línguas Estrangei-ras Modernas da UEPG); Cíntia Xavier da Silva Pinto (professora do Departamento de Comunicação da UEPG); Helcio Kovaleski (roteirista de cinema e diretor de vídeo); André Rosas (mestrando em Educação pela UEPG) e Ben-Hur Demeneck (jornalista, co-editor do jornal Grimpa).

tros comerciais com cinema, filmes reconhecidamente importantes não chegaram ao público local. Hoje, não é diferente, com as cinco salas comerciais e uma programação esporádica no Ópera, ainda estamos privados de trabalhos de nomes como Luiz Fernando Carv-alho, Beto Brant, Domingos de Oliveira, Eduardo Coutinho, David Lynch, Denys Arcand, Michael Haneke e Wong Kar-Wai.

FOSSO SOCIALA realidade em Ponta Grossa não é diferente com relação à

miséria e à opulência brasileiras retratadas nos filmes de Bianchi, por ser uma das cidades com maior proporção de favelas do Sul do país e, mesmo assim, com a imprensa e a televisão viciados no colunismo social.

Esse fosso sócio-econômico é discutido nos filmes de Bianchi, que demonstram uma preocupação em dar voz aos excluídos e à hi-pocrisia dos incluídos. Por isso é simbólico que as sessões da Mostra sejam feitas na sala B do Ópera, a chamada de “Sala dos Operários”. A palavra “operário” tem uma presença marcante no imaginário ponta-grossense, o que se confirma em nome de rua (como no acesso do bairro de Olarias) ou no time de futebol local (Operário Ferroviário Futebol Clube), por exemplo.

CAOS BRASILEIROA Mostra Sérgio Bianchi de Cinema agrega sessões de cinema,

exposição de cartazes e oficina de direção conduzida pelo home-nageado. Em três dias, são apresentados 7 títulos, cobrindo um período de 1979 a 2004, nos formatos curta, média e longa-me-tragem. Na exposição de cartazes, estão presentes duas raridades, “A Causa Secreta” e “Maldita Coincidência”, e os recentes “Cronica-mente Inviável” e “Quanto vale ou é por quilo?”.

Concentrados nessa mostra, os filmes devem adquirir intensi-dade e peso, e devem nos forçar a refletir sobre nossa situação di-ante do caos social brasileiro do qual fazemos parte e sobre o papel que podemos exercer na sociedade brasileira contemporânea.

CRONICAMENTE INVIÁVEL

“Brasil, meu Brasil brasileiro/ Meu mulato inzoneiro/ Vou cantar-te nos meus versos/ Brasil, samba que dá/

Bamboleio que faz gingar/ O Brasil do meu amor/ Terra de Nosso Senhor”

Trecho de “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso

TERRA DE SAMBA E PANDEIRO

Sergio Bianchi é o mais próximo que o cinema brasileiro jamais chegou de ter um Lars von Trier.

Afirmações como essa são repletas de armadilhas. Afinal, toda mãe ensina, não se deve comparar. Cada um é cada um.

Mas a idéia é atraente demais para se resistir a ela.Na verdade, a intenção não é comparar os homens e sim as

obras. Bianchi é ponta-grossense. Von Trier, dinamarquês. Água e vinho, certo? Talvez.

Tome Cronicamente Inviável (2000). Vencedor do 3.º Prê-mio HBO Brasil de Cinema, o filme escarafuncha alguns dos maiores absurdos da sociedade brasileira: miséria, fome, assis-tencialismo, desemprego e a lista é grande. São problemas ob-scenos que parecem insolúveis, cíclicos e tão presos à imagem do país que chamar de “problema” é um eufemismo. É como se a identidade brasileira – ou o que a maioria acha que é a identi-dade brasileira, ao som de axés, sambas e forrós – não existisse sem os pobres, os miseráveis e os desempregados. Eles fazem parte da mobília.

A narrativa é fragmentada e acompanha as peripécias de meia dúzia de personagens. O vínculo entre eles é o restaurante do empresário Luís (Cecil Thiré), figura que busca favores sex-uais de seus funcionários – entre eles, Adam (Dan Stulbach), depois dispensado pelo patrão. Amanda (Dira Paes) é a gerente do lugar e aparece envolvida em negócios ardilosos, como trá-fico de bebês e de órgãos.

CRONICAMENTE INVIÁVEL ADVERTE:

SER UM PAÍS DESORGANIZADO DÁ TANTO OU MAIS TRABALHO

QUE SER UM PAÍS SÉRIO

CRONICAMENTE INVIÁVEL ADVERTE:

A DESTRUIÇÃO DE DIGNIDADE PODE VIRAR CARACTERÍSTICA CULTURAL

Alfredo (Umberto Magnani) é um escritor que viaja pelo Brasil colecionando impressões em um gravador, complementa sua renda trabalhando como laranja – ou “entregador” – a ser-viço de Amanda e narra parte da ação do filme.

Entre os clientes do restaurante, está o casal Maria Alice (Betty Gofman) e Carlos (Daniel Dantas). Eles têm dinheiro su-ficiente para chorar as saudades da Europa e experimentar a cul-pa burguesa que os leva a doar brinquedos novos para crianças de rua. Estas, ao contrário de festejarem os presentes, preferem se esmurrar tentando tomar os ganhos umas das outras. Tudo isso diante da madame que parece fascinada demais com sua própria bondade para perceber o inferno que acabou de criar. É uma cena cínica e emblemática (entre muitas).

Dogville, de Lars von Trier, começou uma trilogia que pretende dissecar a América no que ela tem de mais sórdido e repreensível. O diretor fala da relação dos EUA com imigran-tes, cita a máfia, aborda a escravatura (em Manderlay) e prepara Washington para concluir a tríade que chama de Terra das Opor-tunidades. Von Trier pode espernear, mas um fato permanece intacto: a América é a única superpotência mundial – um país muito mais do que apenas viável.

E o Brasil?Ah, o Brasil é uma criança mulata e subnutrida, atropelada

por uma senhora velha de carro importado. Bianchi acode a criança jogando salmoura nas feridas. É desagradável, mas ne-cessário.

Irinêo Netto, 28, é jornalista, mestre em estudos literários pela Universidade Federal do Paraná e repórter da Gazeta do Povo.

LUCIDEZ E REVOLTA O CINEMA DE SÉRGIO BIANCHI

A iniciativa de se fazer uma mostra de grande parte da obra cinematográfica de Sérgio Bianchi nasceu da constatação de que essa obra é praticamente desconhecida dos ponta-grossenses. Nenhum de seus filmes foi exibido comercialmente na cidade, o que é inexplicável, considerando-se a relevância da obra desse cineasta de renome internacional.

Sérgio Bianchi já foi chamado por Joshua Katzman, ar-ticulista do jornal alternativo Chicago Reader, de “incendiária figura sócio-política brasileira” . Esse título se justifica pelo caráter iconoclasta da obra cinematográfica de Bianchi. Nela, tudo é problematizado, tudo é discutido, e as mazelas da socie-dade brasileira são cruamente expostas num estilo que fica na fronteira entre o documentário e o filme ficcional. No média-metragem Mato Eles?, por exemplo, filme realizado em 1982, discute-se a situação dos índios – caigangues, guaranis e xetás - que vivem em uma reserva no Paraná. A Fundação Nacional do Índio instalou um pequeno negócio na reserva, que destruiu grande parte da floresta de araucárias; parte da reserva foi ven-dida à madeireira Slaviero e os índios foram removidos dessa parte . O filme, que intercala entrevistas reais e fictícias, se co-loca do lado do índio despossuído e se encerra com uma suave voz e, off sarcasticamente sugerindo ao espectador que ele com-pre terra onde vivem os índios, pois a reserva não tem dono. Mas a própria feitura do filme é questionada com a sugestão de que se faça um documentário sobre os índios, pois esse é um tópico que interessa a todos e pode-se ganhar muito dinheiro com isso.

O sarcasmo e outros recursos de distanciamento propostos por Bianchi ajudam a definir seu estilo e a situá-lo dentro da produção brasileira contemporânea. A trajetória cinematográ-

CRONICAMENTE INVIÁVEL ADVERTE:

PESSOAS QUE ANALISAM A REALIDADE ADOECEM MAIS

DE DEPRESSÃO E RAIVA

CRONICAMENTE INVIÁVEL ADVERTE:

PISAR EM MENDIGOS CAÍDOS PELAS RUAS NÃO FAZ A MENOR DIFERENÇA

fica de Bianchi vem dos anos 70 – Omnibus, um dos sucessos da categoria curta do Festival Internacional de Cannes, é de 1972. Em 1977, Bianchi produz A Segunda Besta que, num registro surreal, mostra um homem que vomita uma grande quantidade de coelhos, trancado dentro de sua casa. Em 1982 foi lançado Mato Eles?, já comentado acima e, em 1983, A Divina Previdên-cia, em que um sujeito, por falta de carteira de identidade, tem que enfrentar um cipoal burocrático na tentativa de se inter-nar em um hospital. O cinema de Bianchi, pós-Cinema Novo, é descendente de experiências cinematográficas dos anos 60. Bianchi, nas palavras de João Luiz Vieira, pertence a uma gera-ção intermediária entre os realizadores pós-Cinema Novo, mais próximos do chamado “cinema marginal”, geração que surge na passagem entre as décadas de 60 e 70 . Os filmes de Bianchi, que como os do Cinema Novo também discutem aspectos sociais da realidade brasileira, principalmente aqueles de grupos margin-alizados por questões étnicas, de orientação sexual ou posição social, incluem um elemento que me parece em geral ausente naquela sisuda produção: a ironia, o humor, o sarcasmo. Esse elemento, como visto acima com relação ao filme Mato Eles?, está sempre presente no cinema sem concessões que Bianchi faz.

É o sarcasmo que realça o horror presente na cena final de Cronicamente Inviável, que muitos vêem como otimista e um indício de redenção. Nela uma mendiga põe seu filho para dormir numa rua de São Paulo, lendo para ele – “Deus é meu pastor, nada me faltará”. Depois diz a ele que não lhe faltará paz, nem o amor de sua mãe, nem pão, nem refeições regulares. E conclui dizendo que ele será um grande homem. Não vejo nesta cena a possibilidade de renascimento, mas sim uma ironia que mexe com a atitude conformista do espectador.

Em Mato Eles?, cenas mostram índios sobrevivendo da venda de cestas para turistas ao som da abertura de O Guarani, de Car-los Gomes. Composta no século XIX, a ópera mostra uma visão idealizada e europeizada das populações nativas brasileiras. O tom irônico aí me parece bastante claro.

Há ainda a cena, em Cronicamente Inviável, em que uma senhora de classe média alta, cheia de culpa, leva brinquedos para crianças de rua, o que origina uma briga entre as crianças que disputam os brinquedos. Ela então diz: “O Estado tem que fazer o seu papel, tem de dar crack para as crianças de rua. Já que elas vão morrer de frio, umidade, coceira, que seja com felicidade, entorpecidas”.

E assim se faz o cinema de Sérgio Bianchi. Cortante, raivoso, inquieto. Crítico da ideologia da felicidade compulsória, da ideo-logia do trabalho que brutaliza o indivíduo e da equivocada ideo-logia da caridade, seu cinema sem concessões e com um certo grau de experimentalismo, se destaca dentro da produção cine-matográfica brasileira contemporânea. Seu cinema trata basica-mente da indigna situação da exploração do mais fraco pelo mais forte. Alguns dizem que esse cinema só aponta as mazelas, que é um cinema desesperado, sem solução. Não acho que essa seja a função do artista – apresentar soluções. Sua função é instigar, provocar, discutir, expor, tudo da maneira mais clara e honesta possível. Isso o cinema de Sérgio Bianchi faz. De uma maneira extremamente lúcida.

Antonio João Teixeira é professor do Departamento de Línguas Estrangeiras Modernas da UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa). Há três anos realiza programa de formação de público de

cinema com exibição e debate de filmes de arte.

ARTIGO

COITADOS SOMOS TODOS NÓSA violência dos filmes os Bianchi busca problematizar um consenso em relação a certas

“verdades universais”, fora do paternalismo e do sentimento de culpa

Em tempos anódinos como os nossos, é trabalho árduo identificar as vozes que podem incomodar, pela sua estridência, ouvidos desacostumados ao dissenso. Sérgio Bianchi, cineasta paranaense radicado em São Paulo, é um desses pensadores dissonantes, cujas obras são acompanhadas, com freqüência, de adjetivos como provocadoras e polêmicas .

Homem de diversos ofícios (basta lembrar suas intervenções no teatro e na ópera), Bianchi se apresenta como polemista caro e raro no cenário cultural brasileiro contemporâneo. Suas intervenções mais relevantes, no entanto, são (como não poderia deixar de ser) os seus filmes, comumente organizados como colagem de fragmentos esclarecedores dos descalabros e absurdos da sociedade brasileira.

Esse cinema de urgência, de pegada forte, é um cinema violento. Uma violência, contudo, que não neces-sita das imagens de sangue e golpes para agredir. É violento, aqui, o cinema que transgride a moral instituída e o conformismo vigente. Violência que tenta desamarrar o/a espectador/a de sua existência sem dor. É violento o cinema de Bianchi contra aquele homem descrito por Nietzsche:

“Este homem que, por falta de inimigos e resistências exteriores, cerrado numa opressiva estreiteza e regularidade de costumes, impacientemente lacerou, perseguiu, corroeu, espicaçou, maltratou a si mesmo, esse animal que querem ‘amansar’, que se fere nas barras da própria jaula, este ser carente, consumido pela nostalgia do ermo, que a si mesmo teve de converter em aventura, câmara de tortura, insegura e perigosa mata - esse tolo, esse prisioneiro presa da ânsia e do desespero tornou-se o inventor da ‘má consciência’”

É contra essa contenção da agressividade que parecem funcionar os filmes de Bianchi, em especial Cronica-mente Inviável e Quanto Vale ou é Por Quilo?. Esses filmes problematizam o consenso em relação a certas “verdades universais”, desfiando o/a espectador/a a transvalorar tais verdades, a buscar uma posição fora do pater-nalismo e do sentimento de culpa. Essa má consciência, como violência interiorizada e entrelaçada à noção moral de culpa, toma a conhecida forma de negação, nojo e vergonha da vida, do corpo, da sexualidade e dos instintos, questões que amiúde são tramadas na obra de Bianchi.

Eis a relevância desses filmes em um contexto cultural onde pobreza e ética são vistas de forma superfi-cial, onde os filmes do já desgastado binômio sertão/favela produzem as imagens dos “coitados” para os “ilu-minados” da classe média da platéia (exemplos não faltam: Cidade de Deus, Central do Brasil, Caminho das Nuvens, a refilmagem de O Cangaceiro e por aí vai). Aqui intervém Bianchi: coitados somos todos nós, presos em nossas gaiolas de ferro, agarrados às perspectivas politicamente “corretas” e socialmente palatáveis. E parecemos gostar disso. Caso contrário não seria necessário o cinema devastador desse paranaense que gosta de acertar estômagos de incautos/as espectadores/as.

Ramayana Lira de Sousa é doutoranda da UFSC em Literatura e Cinema

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Page 8: Mostra Sérgio Bianchi de Cinema (2006)

ARTE E COLUNA SOCIALUma das marcas da província é a oficialização da cultura, movimento que tende a entronar apenas os

produtos que podem dar identidade positiva à região. Esta é uma tendência universal, mas que se manifesta com mais força nos lugares em que existe um aparelho tradicional de consagração do artista.

Como a grande arte é sempre um ato de revolta, uma consciência exacerbada da limitação das experiências humanas, ela não se desenvolve em um meio conservador que está sem-pre em busca de confirmações de imagens longamente cultivadas. Assim, dá-se, em tais circunstâncias, a valorização de uma arte provinciana, que não tem as inquietações e o poder crítico necessários para ultrapassar o estágio colegial de criação.

Longe de querer ser o “sorriso da sociedade”, a arte necessária se faz incômoda porque nos coloca frente a nossas imagens mais deformadas, impróprias para a con-versa amável no chá das cinco.

Com uma tradição convencional, vivendo presa a seu mundo, aos sobrenomes autóctones, Ponta Grossa mantém um mecanismo perverso de consagração. O que se entende por arte, e o que se cultua com adjetivos sibilantes, é aquilo que devolve à cidade uma versão idealizada de si mesma. Produz-se para referendar, para destacar o que todos já conhecem.

Não existe crítica de arte na cidade, apenas um colunismo social que dá visibilidade a artistas mais por suas relações de parentesco (filho, neto, sobrinho, genro, mãe de beltrano) do que pelo valor do trabalho. A grande arte não cabe em tais regras, antes se opõe a essa lógica de divul-gação. Ao produzir seu trabalho, o artista está marcando uma distância entre ele e o sistema, expressando insatisfações, neuroses, dramas, indignações – material com o qual não podem ser feitas as edulcoradas notas de promoção, acompanhadas da indefectível foto em trajes sociais.

Dessa forma, a noção que se passa do que seja arte acaba equivocada, consagrando aquilo cujo valor

é mínimo ou nenhum e desprezando o autêntico. Oficializa-se a mediocridade sorridente quase como um antídoto contra as verdades impopulares. Resultado: o que se vende como arte é apenas uma fachada para esconder a verdadeira arte.

Um exemplo contundente. Cultua-se a poeta melosa dos poentes da minha terra, uma romântica extemporânea, e se faz um completo silêncio em torno da maior vocação poética da cidade, in-

felizmente freada por uma timidez que talvez tenha suas origens na censura dos bem-postos socialmente. Refiro-me ao maior poeta do modernismo paranaense, um verdadeiro icono-clasta, Brasil Pinheiro Machado (1907-1997), que publicou poemas na Revista de Antro-pofagia, dirigida por Oswald de Andrade, e deixou um caderno antológico – Quatro poemas – editado em 1928 pelo Diário dos Campos. Brasil Pinheiro Machado foi um Drummond em Ponta Grossa, um poeta que se comoveu com o lado risível da forma-ção étnica da cidade, produzindo poemas que colocavam no centro da urbe o imigrante pobre e simplório. Isso explica o silêncio que se fez em torno desse homem que chegou

a ocupar o lugar de Interventor do Estado na era Vargas. Existe e sempre existiu uma cultura à margem dessa manifestação oficialesca, que

busca fora os espaços de consagração ou que permanece latente, e desconhecida, aqui. O grande desafio que a cidade vive hoje é dar visibilidade a esses produtores, cultivando aborda-

gens críticas e insubmissas, que priorizem o artístico, independentemente de coloração social do produtor – de ele ser filho de fulana ou um órfão carente. Urge fruir a arte pelo seu valor em si, evitando

entendê-la como passatempo de madame ou como instrumento de regeneração social.

Miguel Sanches Neto é escritor, autor, entre outros, dos romances Chove sobre minha infância e Um amor anarquista.

O DESAFIO DE PONTA GROSSA NA CULTURA

“URGE FRUIR A ARTE PELO SEU

VALOR EM SI, EVITANDO ENTENDÊ-LA COMO PASSATEMPO DE

MADAME OU COMO INSTRUMENTO DE REGENERAÇÃO

SOCIAL”

Fotografia do cartaz de “Quanto vale ou é por quilo?” (Sérgio Bianchi, 2004).

Realização do

Grupo Cine de Novo

PONTA GROSSA - BRASIL

R$ 1,00R$ 1,00

PROGRAMAÇÃO COMPLETA DA MOSTRA SINOPSESENTREVISTA INÉDITA COM O DIRETOR SÉRGIO BIANCHIA MOSTRA E O CONTEXTO DE CINEMA EM PONTA GROSSA

Artigos:LUCIDEZ E REVOLTA -

O CINEMA DE SÉRGIO BIANCHI Antonio João Teixeira

COITADOS SOMOS TODOS NÓS Ramayana Lira de Sousa

TERRA DE SAMBA E PANDEIROIrinêo Netto

ARTE E COLUNA SOCIALMiguel Sanches Neto

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