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MOSAICO DE INTERCULTURALIDADE: ASPECTOS SOBRE O DIREITO INDÍGENA SANDRA MARIA SILVA DE LIMA Dissertação apresentada à Universidade do Estado de Mato Grosso, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais para a obtenção do título de mestre. CÁCERES MATO GROSSO, BRASIL 2009

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MOSAICO DE INTERCULTURALIDADE: ASPECTOS SOBRE O DIREITO INDÍGENA

SANDRA MARIA SILVA DE LIMA

Dissertação apresentada à Universidade do Estado de Mato Grosso, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais para a obtenção do título de mestre.

CÁCERES MATO GROSSO, BRASIL

2009

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SANDRA MARIA SILVA DE LIMA MOSAICO DE INTERCULTURALIDADE: ASPECTOS SOBRE O

DIREITO INDÍGENA

Dissertação apresentada à Universidade do Estado de Mato Grosso, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais para a obtenção do título de mestre.

Orientador: Prof. Dr. Elias Renato da Silva Januári o

CÁCERES MATO GROSSO, BRASIL

2009

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SANDRA MARIA SILVA DE LIMA MOSAICO DE INTERCULTURALIDADE: ASPECTOS SOBRE O

DIREITO INDÍGENA

Essa dissertação foi julgada e aprovada como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Ciências Ambientais.

Cáceres, 06 de Março de 2009.

Banca examinadora

Prof. Dr. Germano Guarim Neto Universidade Federal de Mato Grosso-UFMT

Prof. Dr. Waldir José Gaspar Universidade Federal de São Carlos-UFSCar

Prof. Dr. Elias Renato da Silva Januário Universidade do Estado de Mato Grosso-UNEMAT

(Orientador)

CÁCERES MATO GROSSO, BRASIL

2009

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DEDICATÓRIA

Ser índio é poder fazer parte de uma grande diferença que existe

neste país, pela nossa forma de viver procurando sempre preservar o que faz parte de nosso dia-a-dia.

É ter uma língua ou dialeto exclusivo, é ter um ritual, uma dança, um canto que nos faz ser reconhecido como tais.

Ser índio é ter um instinto nativo, respeitando a natureza e fazendo parte dela.

Ser índio é não se envergonhar de nossos traços, vestindo-nos com o que os nossos ancestrais nos ensinaram, e agir como os

nossos pais nos educaram. Ser índio é poder ser reconhecido não pelo cabelo, pelo rosto ou

dialeto, mas sim pelo que corre nas veias de nosso corpo. É! Ser índio é ter uma cultura que nós conhecemos e que

preservamos desde o passado até agora. (Eziel Borobó Rondon – Terena- Turma 2008/01)

Aos professores indígenas em formação. Aos colaboradores do PROESI.

Por materializar sonhos e vivenciar diversidades num encontro intercultural!

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AGRADECIMENTOS

Ao Criador por mostrar horizontes e perdoar minhas fraquezas.

Aos meus pais, Silvestre e Maria Benedita pelo amor incondicional.

Às minhas filhas, Alessandra e Amanda, representações eterna do amor.

Aos meus irmãos, sobrinhos e cunhados pelo apoio.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Ciências

Ambientais pelos valores transmitidos.

Aos colegas do mestrado pela confiança nos sincretismos

gastronômicos no “Canto de Conversações”.

À Ediléia pela demonstração de carinho e amizade.

Aos amigos especiais Reginaldo Vieira e Danielle Tavares pela atenção.

Aos amigos Eliane, Valtair, Miriã, Jordano, Juliano e Kelma.

Ao Professor Germano Guarim Neto pelos indicadores para exercitar a

educação ambiental.

Ao Professor Waldir José Gaspar pela harmonia de cores e inspirações.

À Universidade do Estado de Mato Grosso pela minha formação.

Ao Programa de Educação Superior Indígena Intercultural (PROESI) por

me acolher, financiar e proporcionar este encontro intercultural.

Aos estudantes universitários indígenas, colaboradores e parceiros da

Faculdade Indígena Intercultural, pois sem vocês este mosaico não se

materializaria.

Por fim, um agradecimento especial ao Professor Elias Januário que ao

longo de sua jornada vai definindo nobres valores em sua biografia. Em sua

tese de doutorado, “Caminhos da Fronteira” foi o Homem, o Professor e o

Elias. Neste “Mosaico” mais do que o Orientador se revelou um Amigo e seus

ensinamentos já estão tatuados no coração. Obrigada, sempre!

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ÍNDICE

Lista de abreviaturas, siglas e símbolos..............................................................7

Listas de figuras...................................................................................................8

Resumo................................................................................................................9

Abstract..............................................................................................................10

Introdução..........................................................................................................12

Referencial teórico .............................................................................................19

1.1 Mosaico: indicador de sustentabilidade ...................................................19

1.2 Socioambientalismo e pluralismo jurídico ................................................21

1.3 Princípios da interdisciplinaridade e da interculturalidade .......................24

1.4 Educação escolar indígena.....................................................................26

1.5 Formação de professores indígenas........................................................28

Material e métodos ............................................................................................33

2.1 A narrativa na construção do mosaico.....................................................33

2.2 Abordagem qualitativa, etnográfica e colaborativa ..................................36

2.3 Caracterização do lócus estudado...........................................................37

2.4 Revelando os colaboradores da pesquisa ...............................................39

Resultados e discussão.....................................................................................42

3.1 PROESI: do embrião à Faculdade Indígena Intercultural ........................42

3.1.1 Contextualizando a gestação do 3º Grau Indígena...........................43

3.1.2 Materialização do 3º Grau Indígena ..................................................69

3.1.3 PROESI: ampliando horizontes.........................................................76

3.2 Eventos e narrativas interculturais ...........................................................84

3.3 Aspectos sobre o direito indígena............................................................91

3.3.1 Construindo diálogos com a antropologia .........................................92

3.3.2 Direito ocidental, indigenista e indígena............................................95

3.3.3 Revelando códigos de valores das etnias .......................................108

Considerações finais........................................................................................113

Referências......................................................................................................117

Anexos .............................................................................................................121

Apêndices ........................................................................................................147

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LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS

CAIMT- Coordenadoria de Assuntos Indígenas de Mato Grosso CDC- Código de Defesa do Consumidor CEFAPRO- Centro de Formação de Professores CEE-MT- Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso CEI-MT- Conselho Estadual de Educação Indígena CF- Constituição Federal CIMI - Conselho Indigenista Missionário COIAB - Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira CONEPE - Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão CONSUNI- Conselho Universitário COVEST- Comissão do Vestibular ECA- Estatuto da Criança e Adolescente FEMA- Fundação Estadual de Meio Ambiente FUNAI- Fundação Nacional do Índio FUNASA- Fundação Nacional de Saúde GTME- Grupo de Trabalho Missionário Evangélico IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e estatística ISA- Instituto Socioambiental MAIWU- Instituto Indígena Maiwu de Estudos e Pesquisa do Estado de Mato Grosso NAI- Núcleo de Assuntos Indígenas OIT- Organização Internacional do Trabalho OPAN - ONG Operação Amazônia Nativa OPRIMT- Organização de Professores Indígenas do Estado de Mato Grosso PROESI- Programa de Educação Superior Indígena Intercultural PROLIND - Programa de Apoio à Implantação e Desenvolvimento de Cursos de Licenciatura para Formação de Professores Indígenas SEDUC- Secretaria de Estado de Educação STF- Superior Tribunal Federal STJ- Superior Tribunal de Justiça UFSC- Universidade Federal de Santa Catarina UnB- Universidade de Brasília UNDIME - União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação UNESCO - Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância UNISANTOS- Universidade Católica de Santos USP – Universidade de São Paulo

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LISTAS DE FIGURAS

PáginaFigura 1: Acervo Joana Saira-PROESI(A) ................................................ 04Figura 2: Acervo Joana Saira-PROESI (B) ............................................... 11Figura 3: Mosaico Intercultural Itinerante .................................................. 18Figura 4: (A) Mapa Barra do Bugres/(B)vista aérea da cidade/(C)fachada UNEMAT/(D) Escola Agrícola ................................................................... 38Figura 5: Estudantes indígenas da turma 2008/1-PROESI ....................... 39Figura 6: Acervo Joana Saira-PROESI(C) ................................................ 41Figura 7: Primeira rodada de reuniões da Comissão Interinstitucional ..... 47Figura 8: Reunião da Comissão do Terceiro Grau Indígena ..................... 52Figura 9: Entrega do Projeto do 3º Grau Indígena ao Governador Dantede Oliveira ................................................................................................. 55Figura 10: Vestibular indígena para 1ª Turma em 30/03/2001 .................. 67Figura 11: Aula inaugural do 3º Grau Indígena ......................................... 70Figura 12: Turma Especialização do 3º Grau Indígena-2004 ................... 71Figura 13: I Conferência Internacional - Barra do Bugres, setembro de 2004 ........................................................................................................... 73Figura 14: Formatura da 1ª Turma em 06/06/2006 no Hotel Fazenda Mato Grosso em Cuiabá-MT ..................................................................... 75Figura 15: Lançamento Museu Rondon – UFMT- 30/07/2008 .................. 80Figura 16: Assinatura convênios SEDUC e UNEMAT-14/02/2008 ........... 82Figura 17: Desenhos da capa CDROM - atividade da disciplina .............. 102Figura 18: Acervo Joana Saira-PROESI (D) ............................................. 112Figura 19: Visita aldeia Formoso – Tangará da Serra-MT ........................ 158

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RESUMO

LIMA, Sandra Maria Silva de: Mosaico de interculturalidade: aspectos sobre o Direito Indígena . Cáceres: UNEMAT, 2009.161p. (Dissertação – Mestrado em Ciências Ambientais).1

O Programa de Educação Superior Indígena Intercultural-PROESI com sede em Barra do Bugres-MT completou onze anos em 2008. Desde a formulação do projeto busca materializar a inclusão social e atender as diretrizes educacionais e constitucionais de educação diferenciada para as etnias indígenas de Mato Grosso. As reivindicações de professores indígenas por uma formação continuada, as discussões na Conferência Ameríndia e as negociações com instituições parceiras fomentaram a aprovação do projeto que em 2001 teve seu inicio. Pioneira na América Latina e referência no contexto nacional e internacional em sua primeira turma formou 186 estudantes universitários de vários lugares do Brasil. Transformado em 2007 em Programa e em Faculdade Indígena Intercultural em 2008. Enfatizando o socioambientalismo, o multiculturalismo e o interculturalismo, propõe a interação entre a cultura indígena e não indígena e a formação em serviço, com currículo específico que valoriza a cultura, o conhecimento e as necessidades das etnias envolvidas. Registra todas as atividades desenvolvidas, possui um rico acervo etnográfico e uma série de publicações que valorizam as produções dos estudantes e professores. Neste contexto procuramos resgatar essa história em pesquisa documental com ênfase nas Atas do projeto, nas narrativas de vivências de professores, colaboradores, egressos e estudantes que representam a diversidade de sujeitos que imprimem a abordagem de novas metodologias pedagógicas e a implementação de um processo complexo de formação da sociedade brasileira com suas experiências, dificuldades, facilidades e desafios na arte da docência, da aprendizagem e do compromisso de formação e multiplicação do conhecimento nas escolas indígenas construindo o mosaico de conhecimentos. Para vivenciar uma atividade intercultural considerando os princípios da pesquisa ação colaborativa foi ministrada para os alunos da 3ª turma a disciplina Direito e Legislação, que teve como objetivo principal a construção de conceitos do “Direito Indígena” a partir da abordagem do Direito “Ocidental” e do “Indigenista”. Dentre as temáticas destacou-se a abordagem do processo legislativo e as leis com temas enfocados a partir da necessidade dos estudantes; a diferenciação entre “ter direitos” e “exercitar direitos”, bem como a escrita do Código de Direitos e Valores dessas comunidades. A tolerância, o respeito à diversidade e a interação entre índios e não índios inseridos nestes discursos são peças fundamentais para compreender este mosaico de interculturalidade. Palavras-chave: Educação Ambiental, Direitos Indígenas, PROESI, mosaico.

1 Orientador: JANUÁRIO, Elias Renato da Silva, UNEMAT.

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ABSTRACT

LIMA, Sandra Maria Silva of: Mosaic of interculturality: aspects of the Indigene Law . Cáceres: UNEMAT, 2009.161p. (Dissertation - Master in Environmental Sciences).2

The Program of Higher Education Indigene Intercultural-PROESI based in Barra do Bugres-MT completed eleven years in 2008. Since the formulation of the project must materialize the social inclusion and aswer the guidelines constitutional and educational of the differentiated education for the indigenous peoples of Mato Grosso. The claims of indigenes teachers for a continuing education, the Conference Ameríndia discussions and negotiations with partner institutions encouraged the approval of the project that had beginning in 2001. Pioneer in Latin America and the reference in national and international context in its first class graduated 186 students from some places in Brazil. Transformed in 2007 into Program and Intercultural Indigene University in 2008. Emphasizing the social, multiculturalism and interculturalism, suggests the interaction between indigenous and non indigenous culture and in-service training, with specific curriculum that values the culture, knowledge and needs of ethnic groups involved. Logs all activities, has a rich ethnographic collection and a series of publications that promote the production of students and teachers. In this context seek rescue in history with an emphasis on documentary research Minutes of the project, in the narratives of experiences of teachers, staff, graduates and students who represent the diversity of subjects that print the approach of new methodologies and implementation of a complex process of training of Brazilian society with their experiences, difficulties, advantages and challenges in the art of teaching, learning and the commitment to increase the knowledge and training in schools by building the mosaic of indigenous knowledge. To experience an intercultural activity considering the principles of collaborative action research was conducted for students from 3rd class discipline law and legislation, which had as main objective the construction of concepts of "indigenes rights" from the approach of the law "Western" and the "Indigenous". Among the issues highlighted is the approach of the legislative process and the laws with themes focused on the needs of students, the distinction between "have rights" and "exercise rights" as well as writing the code of rights and values of these communities. Tolerance, respect for diversity and the interaction between Indigenes and non Indigenes entered these discourses are key components to understand the mosaic of interculturality. Key Words: Environmental Education, Indigenes Rights, PROESI, mosaic.

2 Major Professor: Elias Renato da Silva Januário, UNEMAT.

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Quando a Terra e as leis da natureza cósmica e terr ena foram criadas, os

anciães da sabedoria fizeram uma roda e as narraram diante de uma

fogueira, de modo que todo fogo gravou na memória t odas as leis e o

calor da sabedoria dos anciães. Por isso, quando um a fogueira se

acender e um círculo de pessoas se unir em torno do fogo, as leis serão

aquecidas novamente no coração humano.

“Os sinais do espírito”

Jecupê (1998)

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INTRODUÇÃO

“Nossos velhos não são eternos, mas são fontes de sabedoria”. Com

poucas palavras Dona Maria Helena, nossa guia na visita à aldeia Formoso da

etnia Paresi em 03 de agosto de 2008, resumiu de forma singular como se

perpetua o ensinar das tradições indígenas: escutando, relatando e, sobretudo

respeitando a sabedoria dos anciãos.

Neste movimento a vida é percebida como um grande mosaico, um

quadro colorido onde as cores se completam. Nem sempre são nítidas, muitas

vezes foscas, sem brilho, mas identificam como é este caminhar, este

aprendizado. Para quem se afasta um pouco e observa de longe, pode apreciar

a beleza das figuras formadas ou ainda as expressões disformes.

Mosaico tem origem na palavra grega mosaicon e significa paciência

(porque requer atenção) e foi considerada desde a antiguidade uma arte digna

das deusas, por ser um trabalho de rara beleza, feito de materiais que duram

séculos e, por isso, tem um sentido de eternidade. O mosaico é uma obra de

arte que apresenta uma sucessão contínua entre o dividir e o unir, pois pelos

olhos percebemos os fragmentos que vão compor o detalhe, mas é com a alma

que compreendemos a composição e a harmonia do todo.

A base deste mosaico tem cores rejuntadas em uma narrativa com a

experiência de atividade docente, além da revelação da história de um

programa educativo. A relação entre pesquisador, informantes e colaboradores

resultou num exercício de reconhecimento de alteridades, no compartilhamento

de diferenças e no construir conhecimentos para materializar o mosaico.

Assim, a escrita desta dissertação primou pela forma pessoal, numa

perspectiva dialógica, ao narrar a própria experiência e a dos colaboradores

reproduzindo fielmente as sensações vivenciadas ao longo de seu

desenvolvimento em consonância com as diretrizes da Antropologia e do

trabalho etnográfico.

Inspiro-me em Nunes (1990) ao descrever as sensações do narrador-

pesquisador revestidas com paixão, entrega, envolvimento e vigilância para

“através da continuidade e da ruptura com formas de dizer já estabelecidas”

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criar uma narrativa em que vai esboçando seu próprio contorno, buscando o

que se perdeu do lado oposto das certezas para oferecer a alguém.

A paciência necessária de um mosaicista que prepondera na hora de

colar as peças, talvez não esteja explicitamente revelada neste trabalho, mas o

entusiasmo e as impressões ao me deparar com um mundo diferente, de

culturas vivenciadas, experimentadas, trocadas, apreendidas e reconhecidas

demonstram o mais profundo sentido da expressão interculturalidade.

Não chamo aqui de confronto o que vivi durante este tempo de pesquisa,

mas nem por isso implicou ausência de conflitos, de aceitação e de

estranhamento. Vivenciar este “encontro de culturas” possibilitou compreender

como educadora, socioambientalista e artesã a construção deste mosaico de

saberes e vivências concretizado nas falas, nos documentos, no observar e no

experimentar o que é a educação superior indígena no estado de Mato Grosso.

Que relação tem este mosaico com o meio ambiente e a

sustentabilidade? A educação e a gestão ambiental nos remetem a essa

composição. Um mosaico em construção que tem em seus princípios e

diretrizes a busca do holismo, a valorização das partes e o interagir de saberes

e vivências para intensificar o todo.

A questão ambiental traz inquietações e muitas vezes me levou a

desempenhar o papel de militante. Antes mesmo de cursar a disciplina Direito

Ambiental já me interessava pelas abordagens legais, institucionais, filosóficas

e socioeconômicas, como um leque de discussões acerca da temática.

Paralelamente ministrava aulas de História na rede municipal e surgiu a

oportunidade de me especializar em Educação Ambiental. Concluindo o

Bacharelado em Ciências Jurídicas optei por fazer a monografia questionando

como a Lei nº 9795/99 da Educação Ambiental era cumprida no município.

Logo as pesquisas revelaram que havia muita contradição entre o que a lei

estipulava e o que na prática acontecia. Ao mesmo tempo, na pós-graduação,

questionava como a Educação Ambiental poderia contribuir para sensibilizar as

pessoas quanto à Lei nº 9433/99 definida como legislação das águas.

Nesses questionamentos encontrei indicadores de respostas e a mais

convincente foi que a educação e a gestão ambiental são processos que

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dependem de atuação e responsabilidade de todos os habitantes desse

planeta. Terminada estas fases, ministrei por um ano Direito Ambiental e

Agrário nos cursos de Direito e Agronomia da UNEMAT no campus de Cáceres

e no “caminho das leis” discutimos várias temáticas inseridas no programa das

disciplinas.

No mestrado em Ciências Ambientais, a pesquisa me faz abrir mais uma

vez o “leque de aprendizado” e verificar como as diretrizes da educação

ambiental podem construir aquilo que determina a lei natural na busca da

interação e da igualdade dos seres humanos num ambiente que tem como

premissa a interculturalidade.

Mas como perceber esses saberes fragmentados e colá-los num grande

mosaico? Seria possível narrar a história do Programa de Educação Superior

Indígena Intercultural sem vivenciar seus princípios e diretrizes?

Utilizamos da arte da fala e da escrita dos sujeitos que compõem este

cenário. Consubstanciada numa narrativa histórica, modalidade de escrita que

aos poucos retorna significativamente na contemporaneidade, mas que já foi

muito utilizada em outras épocas sendo a única forma de noticiar grandes

descobertas. Os viajantes, os mercadores e os historiadores a utilizavam de

forma ímpar tanto para informar quanto para perpetuar saberes e

acontecimentos.

Encontro motivação no que Walter Benjamim (1986) enfatizou sobre o

narrador. Que este se apodera da tríade “a alma, o olho e a mão” e como um

artesão constrói um mosaico de experiências e fatos que revelam o

conhecimento como principal fator de superação das desigualdades.

A alma, o olho e a mão estão assim inscritos no mesmo campo. Interagindo, eles definem uma prática. Essa prática deixou de nos ser familiar. O papel da mão no trabalho produtivo tornou-se mais modesto, e o lugar que ela ocupava durante a narração está agora no vazio. Pois a narração, em seu aspecto sensível, não é de modo algum o produto exclusivo da voz. Na verdadeira narração, a mão intervém decisivamente, com seus gestos, aprendidos na experiência do trabalho, que sustentam de cem maneiras o que é dito (BENJAMIM, 1986, p. 220-221).

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A fala de várias personagens será evidenciada ao longo das narrativas e

dentre as reportagens que instrumentalizarão esta pesquisa destaco um dos

motivos para esta experiência:

[...] com grande interesse ele conta que quer saber tudo sobre as leis brasileiras e como são interpretadas. "Queremos saber do olhar do branco para as leis e principalmente em relação ao meio ambiente porque nossa sobrevivência depende disso, inclusive com relação à saúde", Maiuá Meg Poanpo Txicão - GAZETA DIGITAL - Caderno E, ed. 6015 de 20/04/2008.

Este é o ponto de partida para a escolha desta pesquisa-ação

colaborativa. A frase de Maiuá fez reviver uma das temáticas que o

Socioambientalismo brasileiro traz ao cenário político e jurídico. A abordagem

dos “novos direitos” e a proteção jurídica à diversidade biológica e cultural

perfazem a necessidade de discussão desses eixos no âmbito das teorias do

Direito, para a proteção dos sujeitos portadores de direitos específicos já

consagrados.

São dois decênios das diretrizes constitucionais para os povos indígenas

e apesar de serem recentes as políticas públicas voltadas ao reconhecimento

da diversidade cultural dos povos indígenas nos programas de educação e de

saúde específicos, cabe ao Estado o dever de protegê-los e de lhes oferecer

meios e instrumentos para decidirem e trilharem seus próprios caminhos.

Assim, verificaremos como se deu a consolidação de um Programa de

Educação Superior, que propõe a interculturalidade como um de seus pilares.

Corroboro com o pensamento da argentina Isabel Hernandez e do

chileno Osvaldo Cipolloni da Rede Internacional de Educação para o

Desenvolvimento e Educação Popular quando dizem que,

freqüentemente tivemos que recorrer à memória como uma forma ágil de nos auxiliarmos na difícil tarefa de sistematizar o desenvolvimento de cada processo e por tal motivo a narração encontra por vezes um tom ziguezagueante, como se acompanhasse o curso que efectivamente percorreu a nossa memória (RIEDEP, 2003, p. 5).

Vivenciar, experienciar, trocar, apreender e reconhecer. Essas ações

expressam o delinear desta pesquisa que tem como marcos históricos os vinte

anos da Constituição Federal Brasileira e o decênio do Programa de Educação

Superior Indígena Intercultural-PROESI.

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Assim, esta pesquisa objetiva resgatar a memória da institucionalização

da formação superior de professores indígenas no Estado de Mato Grosso;

revelando a sociodiversidade brasileira nas narrativas de professores,

colaboradores e alunos com suas experiências, dificuldades, facilidades e

desafios na arte da docência, da aprendizagem e do compromisso de formação

e multiplicação do conhecimento nas escolas indígenas.

A narrativa da experiência está relacionada com o exercício da docência

com a disciplina Direito e a Legislação com abordagem dos Direitos Ocidental,

Indigenista e Indígena das etnias presentes na turma/2008.

Enfim, todas as atividades tiveram como objetivo maior a possibilidade

de trazer para a Universidade os códigos de valores dos estudantes desta

turma representando-os como Direitos Indígenas em essência valorizando suas

peculiaridades e as premissas do pluralismo jurídico que ignora esse monismo

estatal predominante nos tribunais e no cotidiano da sociedade envolvente.

Participei de alguns eventos que foram fundamentais para a atividade

docente como as reuniões pedagógicas, palestras e também em outros locais

para divulgar a pesquisa como a atividade denominada “trilogia dos eventos”

exposta neste trabalho.

Mosaico de teoria planejado com narrativas, discussões teóricas,

atividade-docente, trilogia dos eventos. Parecia estar completo, mas um

mosaicista tem que expressar sua arte da forma que lhe é peculiar, trabalhando

e montando um mosaico real. Dessa forma, o desenho escolhido uniu a

logomarca do PROESI e PPGCA (figura 3, p. 18) com a proposta de

materializar um encontro entre dois programas educativos que refletisse as

cores e sintonia no exercício das diretrizes da educação ambiental.

Para confeccionar o mosaico de interculturalidade foram utilizadas como

subsídio as fontes escritas, iconográficas, os documentos Atas do período de

1997 a 2001, as fotografias do Acervo Joana Saira-PROESI, os anais da “I

Conferência Internacional sobre Ensino Superior Indígena, o processo nº

635/2008 CEE/MT de renovação e reconhecimento dos cursos de licenciatura,

caderno de memórias, textos e relatos dos professores, colaboradores,

egressos e alunos.

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Transcrevo as palavras do saudoso sociólogo Jorge Terena que foi um

ícone do movimento indígena e reverenciado internacionalmente por suas

conquistas.

Algumas pessoas ainda acham estranho um índio ter bacharelado, mestrado e doutorado, mas muitos deles já são formados em áreas como história, direito, ciências sociais, engenharia, pedagogia e outras. A maioria dos que conseguiram essa formação não tiveram ajuda do governo para tal, e continuam não tendo. Os estudantes indígenas às vezes passam por dificuldade nas cidades, mas por compromisso com suas comunidades insistem em adquirir ferramentas científicas e tecnológicas. Isso os permite discutir de igual para igual com os governos um planejamento de políticas públicas indígenas condizente com a realidade. Mas por que tanta dificuldade para ajudar um pequeno número de indígenas a concluir os estudos? Índio não precisa estudar? Contudo, a visão de que o índio que sai da aldeia abandona a própria cultura ainda persiste como preconceito. Ele não pode ter diploma e continuar sendo índio? Revista Galileu Brasil- 31/08/2006. 3

Ao delinear o “referencial teórico” busca-se retratar o mosaico como um

indicador de sustentabilidade e aqui como um simbolismo de união das

premissas do socioambientalismo, do pluralismo jurídico e das diretrizes da

educação superior indígena em consonância com os princípios da educação

ambiental.

Em “material e métodos” procura-se definir a forma de escrita feita em

narrativa com o propósito de ressignificar tanto a história do programa contido

nos documentos quanto narrar a experiência. Define os procedimentos

metodológicos da pesquisa qualitativa, documental e colaborativa, assim como

caracteriza o lócus estudado e revela os colaboradores da pesquisa.

Nos “resultados e discussão” mostra-se a contextualizando da gestação,

a materialização do PROESI fechando o ciclo enquanto programa educativo e

transformando em Faculdade Indígena Intercultural. Tem ainda a missão de

revelar os diálogos e narrativas dos colaboradores, professores e alunos

conjugando com a literatura as abordagens sobre a Antropologia Jurídica.

Esta experiência intercultural, de colar fragmento por fragmento para no

colorido das peças visualizar a imagem completa, transforma-se em “corpo e

espaço” como uma contribuição para a educação ambiental.

3 Texto na íntegra: http://lpp-erj.net/olped/acoesafirmativas

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ETAPAS DA CONSTRUÇÃO DO MOSAICO PROESI/PPGCA

Mosaico Intercultural Itinerante 4

4 Declaração de Propriedade Intelectual registrada e doada no livro B-26, nº 12840 no 2º Serviço Notarial e Registral de Cáceres-MT.

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REFERENCIAL TEÓRICO

1.1 Mosaico: indicador de sustentabilidade

A arte musiva tem um significado de conexão, de sintonia, é a reunião

de duas peças que se transformam em uma terceira, assim como a educação

intercultural que faz o interagir, a reunião de duas ou mais culturas - neste caso

a indígena e a não-indígena – que ao colar saberes, experiências e rejuntá-las

resultam no mosaico de interculturalidade.

O mosaico é uma arte milenar que iniciou no Século V a.C. e foi

largamente difundido por todo o Oriente médio. Os sumérios utilizavam motivos

geométricos e se inspiraram na arte da tapeçaria. No Império Bizantino

estavam presentes principalmente em igrejas e templos adornando paredes e

abóbadas com personagens e acontecimentos bíblicos com ampla utilização do

vidro.

Com os romanos a arte musiva cresceu e se multiplicou. Há relatos que

o piso das tendas que o imperador Julio César utilizava em suas campanhas

era feito por mosaicistas que o acompanhavam5. No Renascimento ganhou

conotação de cópia de pintura o que fez com que diminuísse sua expressão,

apesar de muitos trabalhos confeccionados.

A construção do prédio da ópera de Paris com obras de Gian Domenico

Facchina restaura a linguagem dos mosaicos com novas técnicas extra e intra

ateliê. No Brasil ganha importância através das obras da Imperatriz Teresa

Cristina, esposa de Dom Pedro II, no Palácio da Quinta da Boa Vista, no Rio de

Janeiro que em 1852 que utilizava a técnica do embrechamento (incrustar

peças variadas) para enfeitar os jardins.

Meio século depois, em Barcelona os arquitetos Josep Maria Jujol e

Antoni Gaudi fizeram revestimentos de azulejos no Parque Güell. No Brasil

muitos mosaicistas se destacaram, dentre eles Portinari, Di Cavalcanti e outros.

Segundo o mosaicólogo Henrique Gougon6, a técnica traduz um “modelo de

comunhão e entendimento”, pois é ensinado em programas sociais para 5 Cf site : http://www.mosaicocarioca.com/html/historiadaarte/historiadaarte.htm 6 Jornalista, artista plástico. Mais detalhes ver em: http://gougon2.tripod.com/

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adolescentes favorecendo “troca de informações e de emoções”. Temos ainda

como exemplo “os grupos de discussão que animam e sustentam o

entusiasmo de quem faz mosaico, assim como abrem espaço para os que

querem começar”. As confrarias e cafés ateliê configuram esses espaços.

Além de ser uma ferramenta para os programas de ressocialização, a

técnica do mosaico pode contribuir para a educação e gestão ambiental, pois

atribui importância aos cinco Rs da educação ambiental em ação: 7

1) Repensar os hábitos de consumo e descarte;

2) Recusar produtos que prejudicam o meio ambiente e a saúde;

3) Reduzir o consumo desnecessário;

4) Reutilizar e recuperar ao máximo antes de descartar;

5) Reciclar materiais.

A partir do exercício de sensibilização em torno dessas ações pode-se

enfatizar que a utilização dos resíduos de pisos, azulejos e demais materiais

que hoje são depositados em lixões ou diretamente nos ambientes podem ser

reaproveitados na construção de mosaicos, produzindo arte ao retratar a

beleza tanto das paisagens naturais, quanto de outras figuras resultantes da

imaginação dos mosaicistas, bem como aprimorar os estudos dos

mosaicólogos.

A antropóloga Elvira de Souza Lima (2003) enfatiza que a escola deve

promover um ambiente em que a imaginação seja despertada. Assim,

[...] para educandos e educadores, a escola deve ser um espaço de interação com materiais diversos, elementos e processos da natureza, processos culturais variados, recursos e técnicas das artes e instrumentos de medição e de intervenção do mundo físico.

A técnica do mosaico contribui ainda com o desenvolvimento da

imaginação bem como propicia o entendimento das disciplinas, por exemplo,

no estudo da geometria, na alfabetização, na escrita e nas mais variadas fases

da vida humana.

Nesta abordagem a simbologia do mosaico tem o sentido de distribuir cores e

palavras, resgatar acontecimentos e valorizar a educação superior indígena

intercultural e a narrativa contribui para ressignificar os discursos e ações

7 Cf site : http://www.docelimao.com.br

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inseridos no lócus pesquisado retratando a luta de sujeitos por direitos há

tempos reconhecidos, referenciada nos princípios da interdisciplinaridade e da

interculturalidade, com as possibilidades oferecidas pelas Ciências Ambientais

e referenciadas na Antropologia Jurídica e História Cultural.

Conforme Diaz-Rocha (2001, p. 4) as Ciências Ambientais representam

“uma procura de soma de dois caminhos para o conhecimento e a solução de

problemas sócio-ambientais, distantes por dois séculos: as Ciências Naturais e

as Humano-Sociais” e que há possibilidades de uma cooperação mútua, pois o

que visa é ultrapassar o reducionismo acadêmico e atingir estágios

complementares, com a conexão de disciplinas e áreas vizinhas em um

trabalho plural, o que contempla também a finalidade da educação ambiental

que tem no ideário do holismo sua principal meta, pois congregando as

particularidades objetiva ter uma dimensão do todo.

1.2 Socioambientalismo e Pluralismo jurídico

Esta pesquisa tem como suporte as influências do socioambientalismo e

do Pluralismo Jurídico que trouxeram significativas mudanças ao texto

constitucional brasileiro em duas décadas de promulgação.

O socioambientalismo, movimento que nasceu no século XX, da

articulação política entre movimentos sociais e ambientalistas, trouxe

influências para o sistema jurídico constitucional e na legislação

infraconstitucional, o que na visão de SANTILLI (2005, p. 34) deve ser

“construído com base na idéia de que as políticas públicas ambientais devem

incluir e envolver as comunidades locais, detentoras de conhecimentos e de

práticas de manejo ambiental” e valorizar a diversidade cultural e a

consolidação do processo democrático no país, com ampla participação social

na gestão ambiental.

Ao estabelecer um caráter baseado no multiculturalismo e no

interculturalismo, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu o respeito e a

proteção da cultura e das manifestações culturais de todos os povos inseridos

no contexto nacional. Juliana Santilli nos adverte que a carta magna depende

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de uma “leitura e interpretação holística”, pois no texto constitucional está “a

valorização da rica sociodiversidade brasileira, e o reconhecimento do papel

das expressões culturais de diferentes grupos sociais na formação da

identidade cultural brasileira” (SANTILLI, 2005, p. 75).

Santos e Nunes (2005) entendem o multiculturalismo ou pluralismo

Cultural como:

[...] o resultado das reivindicações e conquistas das chamadas minorias, baseadas na luta pela satisfação das suas necessidades fundamentais, situadas no plano existencial, material e cultural, não se restringindo a efetividade dos direitos positivos, mas ao reconhecimento e garantia de novos direitos.

São referenciais teóricos importantes para justificar as reivindicações da

comunidade indígena e dos professores indígenas em torno da qualificação no

ensino superior bem como de reconhecer os costumes e as leis existem nas

comunidades indígenas que não são consideradas pelo Estado e pela

sociedade.

Candau (2008, p.50-51) faz referência às classificações do

multiculturalismo em três dimensões:

• Assimilacionista que na educação promove “uma política de

universalização da escolarização” onde todos são chamados a participar do

sistema escolar, são incluídos nas instituições. “Essa posição defende o projeto

de construir uma cultura comum e, em nome dele, deslegitima dialetos,

saberes, línguas, crenças, valores ‘diferentes’, pertencentes aos grupos

subordinados, considerados inferiores explícita ou implicitamente”.

• Na dimensão Diferencialista ou plural, a ênfase está no

reconhecimento da diferença para garantir a expressão das diferentes

identidades culturais presentes num determinado contexto, pois “afirma-se que

somente assim os diferentes grupos socioculturais poderão manter suas

matrizes culturais de base” com uma visão estática e essencialista da formação

das identidades culturais. Enfatiza “o acesso a direitos sociais e econômicos e,

ao mesmo tempo, é privilegiada a formação de comunidades culturais

homogêneas com suas próprias organizações – bairros, escolas, igrejas,

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clubes, associações etc.”, mas o que na prática verifica-se que em muitas

sociedades favoreceu “a criação de verdadeiros apartheids socioculturais”.

• Na dimensão do Multiculturalismo Interativo perspectiva que

acentua a interculturalidade, adequada para a construção de sociedades

democráticas e inclusivas articuladoras de políticas de igualdade com políticas

de identidade. Esta dimensão promove a inter-relação entre diferentes grupos

culturais presentes em uma determinada sociedade, mas se confrontam com

“todas as visões diferencialistas que favorecem processos radicais de

afirmação de identidades culturais específicas, assim como com as

perspectivas assimilacionistas que não valorizam a explicitação da riqueza das

diferenças culturais”.

Para essa última dimensão, as culturas estão em contínuo processo

de elaboração, de construção e reconstrução. “Certamente cada cultura tem

suas raízes, mas essas raízes são históricas e dinâmicas. Não fixam as

pessoas em determinado padrão cultural”. E perpassa por questões de poder,

por relações fortemente hierarquizadas, marcadas pelo preconceito e pela

discriminação de determinados grupos, promoção do diálogo entre os

diferentes, favorecer processos de “empoderamento”.

A promoção da educação intercultural crítica e emancipatória depende

de núcleos fundamentais, os quais Candau (2008) elenca como:

• A desconstrução e “desnaturalização” de estereótipos e

preconceitos;

• Questionamento do caráter monocultural e do etnocentrismo

presentes na escola, nas políticas educativas e nos currículos;

• Articulação entre igualdade e diferença das políticas educativas

e das práticas pedagógicas;

• Resgate dos processos de construção das identidades

culturais; promoção de experiências de interação sistemática com os “outros”,

• Além do “empoderamento” de grupos sociais minoritários para

promover transformações sociais numa “questão complexa, atravessada por

tensões e desafios” (CANDAU, 2008, p.53-54).

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1.3 Princípios da Interdisciplinaridade e da Interc ulturalidade

A partir da dimensão do conceito de interculturalidade privilegiamos a

educação intercultural indígena na formação superior, mas sem perder o foco

de sua utilidade que é a educação escolar indígena nas aldeias, onde se

visualiza o palco dessas ações, por isso devem ser consideradas as

características da escola indígena pautada na interculturalidade, no bilinguismo

ou multilinguismo, na especificidade, na diferenciação e na participação

comunitária.

A interculturalidade considera a diversidade cultural no processo de ensino e aprendizagem. A escola deve trabalhar com os valores, saberes tradicionais e práticas de cada comunidade e garantir o acesso à conhecimentos e tecnologias da sociedade nacional relevantes para o processo de interação e participação cidadã na sociedade nacional. Com isso, as atividades curriculares devem ser significativas e contextualizadas às experiências dos educandos e de suas comunidades (BRASIL. MEC, 2007).

No Programa de Ciências Ambientais os conceitos ainda em construção

que mais se destacam dizem respeito à multidisciplinaridade,

interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. Todas essas perspectivas têm um

fim único que é a busca da superação da fragmentação das disciplinas e a

reorganização do saber.

Para Carvalho (2006, p.121) a crise epistemológica verificada no

compartimentar, fragmentar e especializar dos saberes fez surgir os conceitos

acima, os quais podem ser caracterizados para “compreensão diversa e

multifacetada das inter-relações que constituem o mundo da vida”. A autora

contextualiza esses conceitos da seguinte forma:

• A multidisciplinaridade ocorre quando “diversas disciplinas, com base em

seu quadro teórico-metodológico, colaboram no estudo ou tratamento de um

fenômeno”, mantendo a lógica da “justaposição ou adição das disciplinas”.

• Para a transdisciplinaridade, “cada campo especializado do saber

envolvido no estudo e tratamento de dado fenômeno seria fusionado em um

amplo corpo de conhecimentos universais” trazendo a idéia de uma capacidade

ilimitada de saber tudo sobre o real.

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• A interdisciplinaridade “não pretende a unificação dos saberes, mas deseja

a abertura de um espaço de mediação entre conhecimentos e articulação de

saberes, no qual as disciplinas estejam em situação de mútua coordenação e

cooperação”, o que se materializa na “conexão entre elas, na construção de

novos referenciais conceituais e metodológicos”, com a troca de

“conhecimentos disciplinares e o diálogo dos saberes especializados com os

saberes não científicos”.

O educador ambiental compartilha com outros profissionais do desafio

gerado pela complexidade das questões ambientais:

[...] isso implica atitude de investigação atenta, curiosa, aberta à observação das múltiplas inter-relações e dimensões da realidade e muita disponibilidade e capacidade para o trabalho em equipe. Significa construir um conhecimento dialógico, ouvir os diferentes saberes sociais (locais, tradicionais, das gerações, artísticos, poéticos, etc.); diagnosticar as situações presentes, mas não perder a dimensão da historicidade, ou seja, dar valor à história e à memória que se inscreve no ambiente e o constitui, simultaneamente, como paisagem natural e cultural (CARVALHO, 2006, p.130).

O Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e

Responsabilidade Global é um documento referência que foi elaborado por

pessoas de vários países e publicado na Conferência Rio-92, nele estão

previstas as considerações para o processo de mudanças comportamentais e

os princípios para o exercício da EA, de onde podemos extrair os conceitos de

interdisciplinaridade e de interculturalidade.

Princípio 5. A educação ambiental deve envolver uma perspectiva holística, enfocando a relação entre o ser humano, a natureza e o universo de forma interdisciplinar.

Princípio 9. A educação ambiental deve recuperar, reconhecer, respeitar, refletir e utilizar a história indígena e culturas locais, assim como promover a diversidade cultural, lingüística e ecológica. Isto implica uma revisão da história dos povos nativos para modificar os enfoques etnocêntricos, além de estimular a educação bilíngüe.

As pesquisas em Educação Ambiental demonstram que mais do seguir

métodos e metodologias devem contribuir e possibilitar aos leitores a

descoberta de indicadores de sustentabilidade, de experiências necessárias e

de múltiplos olhares e cada palavra exprime seu significado no tempo e no

espaço demonstrando o interesse pelos objetos ou pelos sujeitos pesquisados.

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1. 4 Educação escolar indígena

É fundamental neste contexto trazer à tona alguns conceitos e

dimensões sobre a educação indígena.

Segundo o sociólogo Jorge Terena a Educação Indígena é o processo

com que cada povo transmite conhecimento (em língua nativa) para garantir a

sobrevivência e a reprodução cultural.

Não é uma educação dentro de quatro paredes como todos estão acostumados, mas uma educação cotidiana. Quando um pai indígena leva o filho para caçar ou coletar material para artesanato, a criança passa por um processo de transmissão cultural de valores, história e crenças.

Enquanto que a Educação Escolar Indígena deve “congregar tanto o

conhecimento tradicional dos povos quanto a cultura técnica e cientifica da

sociedade brasileira como um todo”. Isto provou um “choque entre as

educações escolar e indígena que se deu por conta da existência de

concepções de mundos diferentes”. 8

Nascimento (2006, p. 13-14) traz a abordagem da diferenciação entre a

Educação Escolar dos Índios e a Educação Escolar para os Índios. A primeira

expressa uma nova perspectiva de educação escolar, em que estão “inscritas

algumas das demandas do movimento indígena e as conseqüentes influências

da organização política de professores e comunidades” e ainda “perpassada

pela idéia de autonomia, oriunda de uma melhor adequação das praticas de

ensino aos seus interesses e modos de vida ou saberes culturais”.

A segunda perspectiva diz respeito “às experiências vivenciadas por

estes grupos étnicos desde o período colonial até recentemente, orientadas por

um pensamento assimilacionista e integracionista”, este modelo caracterizava

“um modo de educação alheio aos aspectos sócio-culturais e históricos destes

grupos”.

Inúmeras pesquisas sobre a educação indígena vêm sendo realizadas

no país e na América Latina contextualizando os avanços, as dificuldades e os

desafios dessa educação diferenciada, intercultural, bilíngüe e participativa.

8 Texto na íntegra: <http://lpp-uerj.net/olped/acoesafirmativas>, acesso em: 12/08/2008.

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Neste rol, podemos destacar Grando (2001), Ângelo (2002), Mindlin (2003),

Grupioni (2003), Freire (2004), Nascimento (2004), Januário (2005), Silva

(2007), Medeiros e Gitahy (2008).

Nestas duas décadas comemorativas da promulgação da Constituição

Federal Brasileira, em que os povos indígenas tiveram reconhecidas suas

formas próprias de organização social, seus valores simbólicos, suas tradições,

seus conhecimentos, os processos de constituição de saberes e a transmissão

cultural para as gerações futuras, constituem pontos importantes que fomentam

as discussões no processo de construção dessa escola diferenciada.

A educação escolar indígena é a conquista de um espaço, de um direito

a uma escola que não mais apregoe a imposição de valores e assimilação de

uma cultura dominante, mas que seja caracterizada pela afirmação das

identidades étnicas, pela recuperação das memórias históricas, pela

valorização das línguas e seus conhecimentos.

Tomando como base as características da escola indígena pautada na

interculturalidade, no bilinguismo ou multilinguismo, na especificidade, na

diferenciação e na participação comunitária é preciso dar significado a esses

conceitos para compreender os caminhos e desafios encontrados pela

educação escolar indígena.

Fleuri (2002a, p.11) ao falar sobre as relações interculturais aponta que:

Confrontar-se com estranhos não são relações fáceis e tranqüilas. São relações profundamente conflitivas e dramáticas. A história nos revela que muitas de tais relações entre povos e grupos sociais diferentes têm resultado em guerras, genocídios, processos de colonização e de dominação. Entender, pois, tais processos de relações interculturais tornam-se a condição para não só compreender as lógicas que conduzem à destruição mútua, mas sobretudo para descobrir as possibilidades criativas e evolutivas das relações entre grupos e contextos culturais diferentes.

Diante de tais questionamentos sobre as relações interculturais, temos

que exercitar a perspectiva intercultural implicada na compreensão desse

“relacionar complexo” que é a educação intercultural, pois a base está no

respeito e na aceitação da diversidade cultural.

Para que essa educação se torne real é necessário segundo Fleuri

(2002a, p.16) “enfrentar o problema da homogeneização cultural e do

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consequente processo de hierarquização e exclusão social no currículo

escolar”, o que nos é revelada como uma tarefa complexa.

1.5 Formação de professores indígenas

A educação escolar indígena assume características diferenciadas no

contexto do sistema escolar brasileiro. Nos cursos de formação de professores

indígenas, comparados aos de professores da rede pública ou privada, este

contexto fica mais evidente, pois são povos com outras línguas e culturas, que

tinham outros processos de aprendizagem.

Segundo Mindlin (2003, p.148) a inspiração para a política

governamental de formação de professores, veio de programas não-

governamentais na década de 80 e 90, e foi encontrada nos anseios dos povos

indígenas pela autonomia, conhecimento da sociedade brasileira e defesa de

suas terras e seus direitos.

Mindlin (2003) ao comentar os Referenciais para Formação dos

Professores Indígenas nos oferece caminhos para pensar quem são e qual

deve ser sua formação, o que devem aprender em tão curto espaço de tempo,

tendo em vista que agora é ele quem reivindica e não mais a sociedade que

impõe. Foi com base em reivindicações dos estudantes indígenas, que foi

possível realizar uma experiência intercultural narrada a seguir, pois o ponto de

partida foi a vontade dos colaboradores (MINDLIN, 2003, p. 149).

Dentro de uma abordagem reflexiva Mindlin (2003, p.152) nos coloca o

seguinte questionamento: “quantos de nós, no trabalho cotidiano, refletimos

sobre a pluralidade cultural, sobre valores preconceituosos impostos no dia-a-

dia, sobre a exclusão e a desigualdade escamoteadas ou ignoradas no sistema

educacional?”

Isto nos impulsiona a refletir a questão da tolerância, da não-exclusão,

que para Brito (2008),

[...] não advém de um sentimento caridoso, nem da resignação diante de um acontecimento inevitável. Tolerar o ‘Outro’ não significa um conformismo diante de uma convivência não desejada, mas antes de tudo, um olhar de respeito à singularidade do ‘Outro”, além de também uma percepção diferenciada, ou abrandada, da própria singularidade (BRITO, 2008, p.49).

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A interculturalidade aprecia a diversidade cultural no processo de ensino

e aprendizagem, mas para isso a escola deve trabalhar os valores, os saberes

tradicionais e as práticas de cada comunidade, garantindo o acesso à

conhecimentos e tecnologias da sociedade envolvente, pois só assim

poderemos dizer que há interação e participação cidadã.

Collet (2006) ao tratar da preocupação com a diferença cultural que

esconde a desigualdade político-econômica nos traz a seguinte abordagem,

a dupla reação, por parte dos índios, aos projetos de educação específica e diferenciada. Se, por um lado, grande parte dos grupos indígenas vêem a educação intercultural como forma de inserção na sociedade e economia nacionais, por outro lado há os que sentem nesse tipo de proposta uma visão discriminatória e excludente. Estes últimos querem a escola da aldeia nos mesmos moldes da escola do branco, com o mesmo material e os mesmos conteúdos curriculares. A proposta intercultural, na qual a cultura e a língua indígena fariam parte da educação escolar, interagindo com o conhecimento do branco, contribuiria, segundo eles, para os índios serem tratados, cada vez mais, como diferentes, uma diferença vista como exclusão (COLLET,2006, P. 125).

Os professores indígenas têm a incumbência de analisar dois mundos, o

étnico e o “ocidental”. Isto nos faz acreditar que existe um nível de exigência,

uma meta muito considerável, pois se espera que esses professores tenham

uma compreensão de toda sociedade, do ensino e da pedagogia, por isso é

necessária a flexibilização na construção dos currículos.

Segundo Maher (2006, p. 24) é por esse motivo, que os professores

indígenas, em seu processo de formação têm que, “o tempo todo, refletir

criticamente sobre as possíveis contradições embutidas neste duplo objetivo,

de modo a encontrar soluções para os conflitos e tensões daí resultantes”.

Outra característica do professor indígena é a de ser “guardião da

herança cultural” de seu povo, é ele que tem a responsabilidade de registrar os

conhecimentos tradicionais indígenas, conduzir os diálogos na comunidade,

liderar as discussões e negociações de seu povo, entre outras incumbências.

A formação em serviço, característica dos Cursos de Licenciaturas

Específicas do PROESI, tem como aspecto preparar professores indígenas

para todas as complexas tarefas, e de acordo com Midlin (2003) deve ser:

[...] num processo de formação permanente, regularizando sua situação profissional, permitindo que mesmo em serviço completem

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sua escolaridade até o terceiro grau, de acordo com cursos, currículo e calendários específicos, que devem ser flexíveis e construídos em direção a uma educação intercultural e multilingue, sob as rédeas da comunidade (MIDLIN, 2003, p.149).

Nesta perspectiva de formação no PROESI, Januário (2005) nos relata

que entre os objetivos encontra-se,

[...] a proposição de conduzir os professores indígenas a conhecerem os códigos simbólicos das diferentes sociedades (indígena e não-indígena), colocando a disposição os instrumentos fundamentais que precisam para ser cidadãos, para terem autonomia, para decidir, analisar, planejar e pensar os projetos de futuro de seus povos, conhecendo as diferentes relações sócio-culturais em que estão inseridos. Desse modo, a proposta de educação é pensada e formulada junto com os professores indígenas, considerando o seu saber e do seu povo como um patrimônio, fazendo com que a ação educativa esteja em consonância com a concepção educativa do grupo, contribuindo dessa forma para a revitalização e manutenção das práticas culturais de cada povo (JANUÁRIO, 2005, p.154).

Monserrat (2006, p.140) ao tratar da questão da língua, em que a

educação intercultural é adjetivada como bilíngue ou multilíngue, diz que há

dois pré-requisitos necessários para que a língua minoritária tenha

possibilidade real de sobrevivência: “que ela tenha um lugar na sociedade

maior e que desempenhe um papel fundamental na sociedade que a utiliza

como língua vernácula”, pois assim através da sua função social a língua

indígena alcançaria ao menos o plano interno das próprias sociedades. Ainda

enfatiza que,

[...] caso exista realmente uma determinação política de enfrentar a questão da sobrevivência das línguas indígenas, dentro de um projeto de manutenção lingüística, a implementação de uma política nessa direção deve considerar separadamente, por questões metodológicas e pragmáticas, dois aspectos distintos da língua: o código oral e o código escrito (MONSERRAT, 2006, p. 147).

A assimilação pelos falantes da desvalorização preconceituosa da cultura e

da língua faz com que aconteça o progressivo desuso da língua, o que Marcos

Maia compara:

Como as espécies, as línguas nascem, desenvolvem-se, transformam-se, perdendo certos traços e adquirindo outros e, eventualmente, por diferentes razões, podem entrar em extinção. Como as espécies, as línguas mantêm contato entre si, estabelecendo diferentes tipos de relação, da simbiose à predação. Um aspecto particularmente interessante da ecolingüística é a

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analogia com o movimento ecológico que, além da descrição e análise do seu objeto de estudo, coloca em relevo a importância da atitude de engajamento ativo e cooperativo em questões prementes, como a extinção das espécies; no caso, as línguas vivas ameaçadas de desaparecimento (MAIA, 2006, p. 3).

Maia (2006, p.4) relata a proposta pedagógica que utilizou no 3º Grau

Indígena na UNEMAT, desenvolvendo a capacidade de questionamento

metódico dos professores. Nesse sentido,

[...] os professores indígenas, totalizando duzentas pessoas, originárias de 36 etnias, falantes de 28 línguas, foram sempre estimulados a desenvolver uma reflexão crítica sobre os conceitos fundamentais da lingüística contemporânea, aplicando-os na análise de suas línguas, que são compreendidas, não como fenômenos exóticos, mas como sistemas plenamente relacionados a princípios universais da linguagem (MAIA, 2006, p.4).

Januário et al (2007, p.44-48) fazem um inventário dos desafios,

avanços e perspectivas na educação superior indígena, tendo como suporte

diversos eventos que discutiram a temática. Esses fóruns de debates

possibilitam trocas de experiências e favorecem o diálogo para concretização

de políticas públicas e governamentais em torno do acesso e da condução

dessa educação diferenciada. Dentre alguns desafios relatados:

• A existência de um “discurso generalizado acerca da importância da

educação intercultural”, mas que na prática reproduz o modelo ocidental;

• “Um quadro de formadores não-indígena qualificado academicamente”

que não conseguem estabelecer o diálogo, muitas vezes silenciando vozes que

deveriam ser “escutadas”, perpetuando o “etnocentrismo”;

• A proposição de “ações que conduzam ao aprimoramento e consolidação

de políticas lingüísticas e sócio-ambientais”, para garantia de uma

“flexibilização” na estrutura rígida do Estado, isso envolve qualificação para

quem atende as demandas nos setores governamentais;

• A criação de mecanismos para que “todos tenham acesso e entendam as

leis referentes aos direitos dos povos indígenas”, desafio tanto para os

indígenas quanto para gestores e técnicos das três esferas governamentais;

• O estabelecer de “programas de intercâmbio com países da América

Latina” para que troquem experiências e diminuam o distanciamento entre as

Universidades;

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O “caminhar” da formação escolar dos povos indígenas também merece

destaque como formas de avanços e perspectivas, assim enumeradas:

• “Legislação consistente, avançada e de vanguarda”, mas que depende de

uma aplicabilidade mais célere e eficaz.

• “Fortalecimento do tripé escola-comunidade-professor”, pois juntos podem

ser desenvolvidos projetos de interesse coletivo.

• “Construção de projetos político-pedagógicos que considerem

especificidades culturais” das etnias, considerando suas línguas maternas,

produção de materiais didáticos, conhecimentos tradicionais.

• Discussão no “âmbito da academia” das demandas das etnias e abertura

de “canais de diálogos interculturais” e “revitalização de práticas e valores

indígenas”.

É importante fazer esses diagnósticos, pois a constante avaliação dos

cursos de formação é que possibilitarão estabelecer prognósticos para vencer

os desafios, mas também valorizar os avanços, pois esse “caminhar” deve ser

entendido como um processo de compreensão de valores, de alteridade e de

mudanças, é preciso desmistificar a questão da cultura dominante e

marginalizadora.

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33

MATERIAL E MÉTODOS

2.1 A narrativa na construção do mosaico

A escolha de construir esta dissertação na forma de uma narrativa

histórica, passa pela vontade de produzir um texto onde esteja presente a

emoção dos narradores, dos sujeitos que enaltecem a trajetória do PROESI e

também pela idéia de não perpetuar uma cronologia cristalizada pelos fatos e

verdades revelados apenas pela “história dos vencedores” que não

contemplam os sujeitos históricos em sua totalidade. A narrativa tem na

experiência seu principal ingrediente, mais que sabores, ela traz as cores e os

acordes do tempo e do espaço.

O mesmo fato pode ser visto e contado de maneiras diferentes,

dependem da vivência e do olhar tanto do pesquisador quanto do leitor, assim:

[...] os narradores históricos necessitam encontrar um modo de se tornarem visíveis em sua narrativa, não de auto-indulgência, mas advertindo o leitor de que eles não são oniscientes ou imparciais e que outras interpretações, além das suas, são possíveis (Burke, 1992, p. 337).

Walter Benjamim (1994) destaca na narrativa o compartilhar

experiências, a valorização dos anônimos, a importância das falas como fontes

que constituem um legado para a posteridade, enfatiza que:

A experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorreram todos os narradores. E, entre as narrativas escritas, as melhores são as que menos se distinguem das histórias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos (BENJAMIM, 1994, p.198).

A utilização da narrativa como técnica de pesquisa tem sido utilizada nas

mais diversas áreas do saber. Para reconstruir a experiência do adoecer foi

utilizada por Lira et al. (2003) na Antropologia Médica ponderando que a

narrativa “mostra-se intrinsecamente relacionada à estrutura da experiência” e

se valem dos ensinamentos de Labov (1977) para representar na prática como

isto acontece:

Durante a narrativa, o passado, o presente e o futuro são articulados. Quando as pessoas narram suas experiências, podem não só relatar

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e recontar essas experiências e os eventos, sob um olhar do presente. Elas podem também projetar atividades e experiências para o futuro. No ato de narrar, novos acontecimentos propiciarão novas reflexões sobre experiências subjetivas, conduzindo remodelações de perspectivas anteriores (LABOV apud LIRA et al.,2003, p.61).

Weber (2006, p. 43) também utilizou da narrativa de seus diários de

campo ao retratar a vida dos índios Kaxinawá do Rio Branco-AC e enfatiza que

além dos ganhos na escrita por tornar o texto mais convidativo à leitura, a

narrativa do diário, “deve ser entendida não só como o ponto de partida para as

questões tratadas em cada capítulo, como também como um pano de fundo

que perpassa a leitura da etnografia como um todo”.

Samain apud Manini (1996) destaca que as Ciências Humanas utilizam

muito da oralidade, da visualidade e da escrita, tripé sobre o qual a

comunicação humana se constituiu ao longo da história e sobre outras fontes

de pesquisa utilizadas cotidianamente.

[...] não é da mesma maneira que se ‘pensa’ o mundo, que se‘organiza’ uma sociedade, que se ‘efetiva’ a comunicação humana, quando se dispõe ou da fala pura e simples, ou da escrita, ou dos modernos multimeios (som, fotografia, cinema, vídeo, computador). Com outras palavras: as operações cognitivas embutidas e suscitadas por cada um desses meios de comunicação não somente variam..., elas são singulares. (...) nossa cultura da escrita caminha, irreversivelmente, em direção a uma outra: a da informática que, além de ser estruturada de maneira binária, possibilitará, a nível do mesmo intelecto humano, outras operações lógicas, outros modos de cognição, outras maneiras de organização sócio-cultural (SAMAIN apud MANINI, 226, p.1996).

Quem narra tenta explicar os motivos, as causas, as contingências e

tudo o que pode nos levar a configurar uma história articulada em signos,

regras, normas vivenciadas no tempo e no espaço. Nas frases narrativas

encontramos julgamentos de valor por parte do pesquisador ao selecionar os

eventos com maiores conseqüências causais, pois não se consegue incluir

tudo nas considerações sobre um todo temporal. Aqui justificam o olhar para a

seleção de documentos, falas e eventos.

Para Ricoeur (1994, p.15) "o tempo torna-se tempo humano na medida

em que está articulado de modo narrativo; em compensação, a narrativa é

significativa na medida em que esboça os traços da experiência temporal".

Pesavento (2006, p. 5) enfatiza que a criação do narrador, seus

acréscimos e seu olhar sobre o fato é justificado, pois, “num giro de análise,

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poderíamos também acrescentar que o fato histórico é, em si, também criação

pelo historiador, mas na base de documentos ‘reais’ que falam daquilo que

teria acontecido”.

Neste aspecto a narrativa histórica diferencia da literária, pois enquanto

a primeira está relacionada aos fatos reais, nos documentos e vestígios, a

narrativa literária pode se valer da criação ou invenção de histórias fictícias.

À medida que o mosaico de interculturalidade ia se delineando e a para

que a narrativa se consolidasse participamos de encontros e seminários para a

sociedade e para a comunidade universitária e apresentamos resultados e

experiências do PROESI na concretização do direito à essa educação

diferenciada e nomeamos como “trilogia dos eventos”.

Trilogia “é o conjunto de três trabalhos artísticos, geralmente em

literatura ou cinema, e que estão conectados, mas que podem ser vistos tanto

como trabalho único quanto como três obras individuais”. Geralmente tem um

tema comum. 9

Muitos estudantes universitários e também outros participantes não

conheciam o PROESI, assim os questionamentos serviram também para

intensificar as atividades e assim melhorar o texto. Foram os seguintes:

• Seminário Regional de Extensão Universitária, II SEREX-CO ocorrido

nos dias 25 e 26 de setembro de 2008 na UNEMAT em Cáceres.

• 1ª Jornada Científica no I Workshop dos Grupos de Pesquisa e da

Pós-Graduação da UNEMAT ocorrida nos dias 20 a 22 de outubro de

2008 na UNEMAT em Cáceres.

• 4º Encontro Regional de História ocorrido nos dias 09 a 14 de novembro

de 2008 organizado pela Associação Nacional de História - Núcleo

Regional de Mato Grosso - ANPUH/MT na cidade de Cáceres.

O narrador constrói sua narrativa como se construísse um caminho, mas

não um caminho reto. “É um ir e vir, ir adiante, voltar, pegar esse ponto, deixá-

lo, falar outro, pegar de novo", de acordo com o texto da professora Bruna

Franchetto que enaltece as narrativas indígenas presente na apostila “As artes

9 Cf. site http://pt.wikipedia.org/wiki/Trilogia

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da palavra” realizada na III Etapa presencial do 3º Grau Indígena, em julho de

2002 (FRANCHETTO, 2003).

2.2 Abordagem qualitativa, etnográfica e colaborati va

Esta pesquisa em seu aspecto metodológico tem abordagem qualitativa,

etnográfica e colaborativa. Os parâmetros para a atividade docente no PROESI

foram estabelecidos pelos princípios e diretrizes da pesquisa-ação colaborativa

que é um tipo de investigação que aproxima duas dimensões da pesquisa em

educação, quer sejam a produção de saberes e a formação contínua de

professores.

Ibiapina (2008) indica que nos processos de estudo de problemas em

situação prática que atendam às necessidades do agir profissional para

intervenção e transformação da comunidade e a compreensão de que existem

verdades para além daquelas do discurso, da prática e das teorias que tentam

representar ou explicar a realidade.

Assim, a pesquisa colaborativa é a “[...] atividade de co-produção de

saberes, de formação, reflexão e desenvolvimento profissional, realizada

interativamente por pesquisadores e professores com o objetivo de transformar

determinada realidade educativa “(IBIAPINA, 2008, p. 31).

Neste tipo de pesquisa, o envolvimento se faz com o diálogo “com” os

professores em formação e não “sobre” esses atores possibilitando a

investigação do cotidiano presente nas narrativas e na perspectiva de formação

para a multiplicação desse conhecimento nas escolas e nas comunidades

como um todo, tendo como fonte de investigação os conhecimentos prévios

que alicerçam o estudo e “ajudam os docentes a perceber que todo

conhecimento se liga às aquisições anteriores e se projeta na dinamização de

novos avanços ou construções de conceitos mais abrangentes e, ao mesmo

tempo, mais articulados com os significados construídos socialmente”

(IBIAPINA, 2008, p. 44).

Assim, buscou-se a percepção e construção de novas abordagens sobre

o Direito e a Legislação, utilizando da prática da docência para sistematizar

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esta construção de conhecimentos com base na cooperação mútua entre

pesquisador e pesquisado. As peculiaridades locais foram determinantes para

valorização e contextualização do “Direito Consuetudinário” das etnias

colaboradoras na concretização de novos conceitos acerca do Direito Indígena.

Tozoni-Reis (2004, p.14) leciona que os princípios de uma pesquisa-ação-

participativa dependem do encontro entre sujeitos e que “para transformar é

preciso conhecer, e somente tem sentido conhecer para transformar”.

Conhecer o PROESI foi o primeiro passo para vivenciar neste local a

experiência de uma prática pedagógica pautada na colaboração dos

estudantes universitários buscando a produção de conhecimento, a

transformação desses sujeitos e a multiplicação desse aprender/ensinar na

comunidade.

Dessa maneira, o exercício da atividade pedagógica foi pautado pela

vontade dos alunos, considerando que os temas solicitados não tiveram

influência direta do professor-pesquisador. Para Tozoni-Reis (2004) é

fundamental que:

[...] para que a transformação tenha significado na produção dos conhecimentos sobre os processos educativos ambientais é imprescindível a participação direta do pesquisador no processo grupal, pois as transformações somente terão sentido e significado se definidas pelas necessidades do próprio grupo, sujeito de pesquisa (TOZZONI-REIS, 2004, P.14).

Na pesquisa-ação “o processo de pesquisa não se esgota no produto

acadêmico, que é relevante, mas se insere dentro da estratégia maior que é

obter benefício direto para a comunidade (ter utilidade prática)”, o que foi

diagnosticado pelos alunos que no estudo do Direito e da legislação a

comunidade é que mais se beneficiará, pois com as informações poderão

buscar e garantir seus direitos enquanto cidadãos (TOZZONI-REIS, 2007, p.

37).

2.3 Caracterização do lócus estudado

O município de Barra do Bugres (Figura 4-A e B) está localizado na

microrregião de Tangará da Serra à noroeste da capital Cuiabá (155 km) e

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pertence à mesorregião sudoeste Matogrossense a 15º04'21" de latitude sul e

a 57º10'52" de longitude oeste. Possui uma área de 7.229,90 km² e sua

população estimada em 2007 é de 32.490 habitantes.10

Situa-se no encontro entre o rio Bugres e o rio Paraguai e seu nome

deriva da barra formada pelo rio Bugres ao desaguar no rio Paraguai. A

economia do município gira principalmente em torno do agronegócio e mais

especificamente da indústria sucroalcooleira(usina Barralcool) e bovinocultura

de corte.

Figura 4 - A- Mapa Barra do Bugres (fonte: Abreu-Wikipedia) – B - vista aérea da cidade (fonte: Prefeitura Municipal) – C - fachada UNEMAT (fonte: UNEMAT) – D - Escola Agrícola (fonte: Acervo Joana Saira-PROESI).

O Campus Universitário Deputado Renê Barbour, da Universidade do

Estado de Mato Grosso (Figura 4-C), iniciou suas atividades em 10 de maio de

1994 e hoje conta com os cursos de graduação: Arquitetura e Urbanismo,

Ciência da Computação, Engenharia de Alimentos, Engenharia de Produção

Agroindustrial, Matemática e uma Turma Especial de Direito.

Neste campus funciona a sede do Programa de Educação Superior Indígena

Intercultural que tem sala de administração própria e utiliza os demais espaços

para funcionamento de suas atividades.

10 Cf. dados do IBGE.

A

B

C D

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39

Os estudantes universitários indígenas ficam hospedados na Escola

Agrícola “Deputado Hitler Sansão” (Figura 4-D), através de Convênio de

Cooperação Técnica entre a Prefeitura de Barra do Bugres e FUNEMAT, o

município se compromete a fornecer local de hospedagem na Escola com

água, energia elétrica, espaço para atividades de ensino e pesquisa

(laboratório, atividade de campo e recreação) nas duas etapas anuais de

estudos presenciais (de 32 dias cada etapa), além das etapas intermediárias.

2.4 Revelando os colaboradores da pesquisa

A disciplina Direito e Legislação integra o currículo como uma disciplina

transversal e deve observar as necessidades dos professores indígenas em

formação e os anseios da comunidade a qual pertencem. Atendendo estes

princípios aplicou-se a ementa sugerida pelos estudantes universitários

indígenas e foi realizada em oficinas nas etapas intermediárias de fevereiro e

outubro e na disciplina de 40 horas da etapa presencial de julho de 2008.

Figura 5 - Estudantes indígenas da turma 2008/1-PROESI. Foto : Acervo Joana Saira-PROESI, 2008.

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A turma (Figura 5) iniciou com quarenta alunos, todos residentes no

Estado de Mato Grosso, dois alunos foram fazer o curso de Nutrição na UFMT,

para atender as necessidades e demandas da comunidade na área da saúde e

nutrição.

Representam 12 etnias: Apiaká, Aweti, Bororo, Kayabi, Mebêngôkre,

Mehinako, Paresi, Tapirapé, Terena, Umutina, Xavante, Zoró.

Residem em 22 aldeias: Mairob, Aweti, Perigara, Kururuzinho, Kremoro,

Metuktire, Mehinako, Nova Esperança, Formoso, Buriti, Tapi’itãwa,

Akara’ytãwa, Towajaatãwã, Kopenoty, Umutina, Nossa Senhora Aparecida,

Marãiwatsédé, São João, Pawanewa, Bubyrej, Angj Tapua, Pandjirawa.

Representam 14 cidades de Mato Grosso: Juara, Gaúcha do Norte,

Barão de Melgaço, Apiacás, Peixoto de Azevedo, São José do Xingu, Tangará

da Serra, Confresa, Campo Novo dos Parecis, Barra do Bugres, Barra do

Garças, Bom Jesus do Araguaia, General Carneiro e Rondolândia.

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Os nossos direitos dos povos indígenas não são escritos, está na prática

dentro de nossa cultura, cotidiano e coletivo.

Nascemos do nosso direito, crescemos do nosso direito e morremos do

nosso direito na prática de respeitar o nosso túmulo.

Os velhos aconselham os jovens no conhecimento, prática para saber a visão

da história.

• Dança

• Língua

• Crença

A nossa alma da história está vivendo na consciência da sabedoria sagrada

para a nova geração e gerações.

A nossa cultura tradicional vem dos ancestrais, a música da melodia que dá

emoção aos acontecimentos.

José Laurício Tseretó Tsahöbö-

Xavante- Turma 2008

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 PROESI: do embrião à Faculdade Indígena Intercu ltural

Um Universo de culturas, saberes e desafios! Esta é a autêntica

definição para o Programa de Educação Superior Indígena Intercultural -

PROESI.

Resgatar a memória da institucionalização da Formação Superior de

Professores Indígenas no Estado de Mato Grosso permitiu revelar o lócus onde

se materializa esse mosaico intercultural, valorizar as vivências de professores,

colaboradores e alunos e vivenciar uma experiência de docência.

Torna-se interessante contextualizar os momentos de construção do

PROESI, local onde a educação superior indígena encontra desafios e

perspectivas para materializar e desenvolver os princípios de uma escola

indígena específica, diferenciada, intercultural, bilíngüe e de qualidade.

Apesar da luta por uma educação indígena diferenciada ser almejada há

muito tempo, somente na década de 1990, alcançou expressividade. Um dos

marcos registrados em Mato Grosso foram a realização da Conferência

Ameríndia de Educação e o Congresso de Professores Indígenas do Brasil no

período de 17 a 21 de novembro no Hotel Fazenda Mato Grosso com a

participação de aproximadamente 2 mil pessoas de 12 estados brasileiros e de

nove países da América Latina.

Segundo Medeiros e Gitahy (2008) a motivação surgiu da reivindicação

do Movimento Indígena por uma educação escolar superior diferenciada e foi

expressiva nestes dois eventos, pois foi registrada a presença de convidados

de nove países latino-americanos e diversas entidades governamentais e não

governamentais.

Desses eventos, participaram 685 professores indígenas (do Brasil e de vários países latino-americanos), representando 86 povos indígenas, 134 representantes de órgãos públicos e Universidades, 36 membros de organizações não-governamentais, 48 integrantes da equipe de coordenação e apoio, 28 outros participantes (convidados, profissionais da imprensa, visitantes) e conferencistas, palestrantes e debatedores do Brasil, do México, da Guatemala, da Bolívia, do Paraguai, do Peru e do Equador (MEDEIROS e GITAHY, 2008, p. 03).

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Os objetivos dos eventos eram a reflexão e o debate acerca das

políticas públicas em educação escolar indígena no Brasil e na Ameríndia,

especialmente no que se refere à oferta de educação específica diferenciada,

de qualidade e em todos os níveis aos indígenas.

3.1.1 Contextualizando a gestação do 3º Grau Indíge na

O PROESI começou em sua forma embrionária com as discussões

dessas propostas em que comunidades e lideranças indígenas solicitavam o

acesso de seus membros ao ensino superior.

Esta história pode ser resgatada a partir do conteúdo representacional

das Atas de reuniões da Comissão Interinstitucional para a Elaboração de

Anteprojeto de Licenciaturas Específicas para a Formação dos Professores

Indígenas, instituída pelo Decreto nº 1842 de 21 de novembro de 1997 que nos

revela o desafio vivido pelas pessoas que protagonizaram esta conquista. Foi

um processo de construção que valorizou a base, foi discutido, analisado e

avaliado para então se materializar.

A transcrição desta documentação resgata o contexto histórico e social e

reconstitui uma fase importante que foi a gestação da educação superior

indígena em Mato Grosso e que hoje é contabilizada como mais de um decênio

de um Programa que apenas se materializou em atividade pedagógica a partir

de 2001. Desta análise depreende a luta dos professores indígenas pela

qualificação no ensino superior observadas pelas demandas da comunidade

por uma educação diferenciada. E relatar este processo configura um meio

encontrado para dar voz aqueles que participaram de sua construção.

Trabalho semelhante foi empreendido por Nunes at al.(2007) para

resgatar a História da Enfermagem pela Memória coletiva da Associação

Brasileira de Enfermagem - Seção Piauí, onde demonstraram que,

[...] a visão que se tem do passado é como um vidro estilhaçado antes composto de inúmeras cores e partes e que compete à história e a memória compreendê-lo, por meio da análise dos fragmentos existentes, evitando que os seres humanos percam referenciais fundamentais à construção das identidades coletivas (NUNES, at al., 2007, p. 3).

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Esses documentos têm sua importância na medida em que se visualiza

o marco inicial de constituição e de posicionamentos político-pedagógicos de

uma classe que tem sua inserção na História a partir de sua própria

organização e que conclama o Governo do Estado bem como à Universidade

Federal de Mato Grosso-UFMT a se posicionarem com relação a essas

expectativas.

Na UFMT já havia algumas ações no sentido de envolver as

comunidades indígenas, principalmente nas áreas de Saúde e Ciências com

relação a estudos ambientais, produção de alimentos e repovoamento de

espécies. A demanda pelo ensino superior podia ser verificada pela previsão

de que em 1999 com a conclusão do ensino secundário pelo Projeto Tucum,

aproximadamente 400 índios estariam aptos a postular uma formação em nível

superior.

De acordo com arquivos da Secretaria de Educação do Estado de Mato

Grosso, o Projeto Tucum habilitou em formação de magistério intercultural, 176

professores dos povos Xavante, Pareci, Irantxe, Bakairi, Bororo, Rikbatsa,

Kayabi, Munduruku, Apiká, Nambikwara, Umutina. Iniciou-se em 1996, a partir

de proposta curricular específica, aprovada pelo Conselho Estadual de

Educação e foi concluído em 2001.

No acervo da Faculdade Indígena Intercultural encontram-se vários

documentos que pertenciam ao Projeto Tucum e hoje estão armazenados em

arquivo permanente com relatórios de ações e planejamento, avaliações dos

cursistas, planos de aulas, pronunciamentos, fotografias, comunicações

públicas, calendários, orçamentos e finanças. A análise destes documentos

contribuiria para o resgate da educação escolar indígena no Estado.

Mas, hoje temos uma nova configuração para esta formação em

magistério. Trata-se do Projeto Haiyô que atende a demanda dos povos

Tapirapé, Myky, Arara, Karajá, Cinta-larga, Guató, Chiquitano e Zoró, que

ainda não haviam sido contemplados e dos povos Nambikwara, Kayabi, Paresi,

Munduruku, Apiaká, Rikbatsa, Irantxe, Bororo e Xavante, demanda não

atendida plenamente pelo Projeto Tucum.

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Com parceria do MEC, SEDUC, FUNAI, FUNASA, CEI11 e Prefeituras

Municipais, o Haiyô tem como objetivo habilitar índios para a docência das

séries iniciais do Ensino Fundamental conforme a Resolução 190/00/CEE-MT,

Art. 6º parágrafo 1º, inciso II, em especial os que já lecionam nas aldeias

indígenas.

O projeto teve início em 2005, com previsão de encerramento em 2010,

beneficiando assim mais de 9.033 alunos nas escolas das aldeias através de

valores, conhecimentos, tradições culturais e usos lingüísticos dos povos

indígenas e no acesso aos conhecimentos, valores e tecnologias da sociedade

envolvente.

Voltamos ao contexto de 1998, onde o objetivo das discussões da

Comissão Interinstitucional pautava por uma política permanente de formação

de professores indígenas para que no futuro assumissem integralmente os

rumos da educação escolar indígena no Estado.

Embora fossem observadas demandas por outras áreas de formação, a

Comissão foi instituída para tratar exclusivamente da formação de professores.

Entendia como necessária a criação de cursos específicos diagnosticando

barreiras culturais que deveriam ser superadas entre professores e estudantes.

Para a Comissão este trabalho exigiria o “envolvimento de pessoas dispostas à

exposição de suas próprias limitações, e sensíveis à peculiaridade da interação

entre pessoas de várias diferentes culturas”.

Este envolvimento é enfatizado por Fleuri (2002a) quando leciona que,

[...] as pessoas que interagem, individual ou coletivamente, com pessoas de contextos sociais diferentes colocam em questão os padrões culturais próprios, vice-versa, colocam em cheque os princípios e a lógica que regem a cultura alheia. Este confronto inicial deve ser transformado em um encontro de culturas e entendido como um processo que não se constrói a partir de perspectivas singulares, individuais, nem se consolidam em pouco tempo (FLEURI, 2002a, P.11).

11 O CEI/MT foi criado em 1995. É um órgão consultivo, deliberativo e de assessoramento técnico, cujas ações estão garantidas na Constituição Estadual. Dele fazem parte 12 professores indígenas, indicados por suas comunidades, além de representantes não indígenas de instituições que apóiam a questão indígena como FUNAI, SEDUC, UNEMAT, UNDIME, UFMT, ISA, CIMI, OPAN, OPRIMT, MAIWU e CEE/MT.

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A preocupação da Comissão era a de não formar um professor

generalista, considerando que para atender a segunda metade do ensino

fundamental seria necessária a formação específica em todas as áreas do

conhecimento.

Suscitou então, a possibilidade de criar as Licenciaturas Específicas

Plenas: Ciências Sociais, Ciências da Linguagem, Ciências da Matemática e da

Natureza e também Pedagogia. Esta última foi rejeitada, pois o entendimento

era de que representava uma continuação do curso secundário e poderia ser

implementado em momento sequencial. As três primeiras receberam a

nomenclatura de Licenciatura Interétnica e as etapas deveriam ser voltadas em

princípio para a ciência da educação e depois em abordagem da área

específica.

Os eixos que fundamentavam a proposta contemplavam o reforço à

identidade étnica com a valorização dos costumes, línguas, tradições de cada

etnia; a vinculação com o cotidiano das aldeias, entendidas como um

laboratório vivencial dos cursos; a busca de respostas aos problemas e

expectativas das comunidades; o conhecimento do processo histórico de

relações entre as comunidades indígenas entre si e com a sociedade nacional,

bem como incorporação da instituição escolar em cada comunidade; o estudo

das línguas maternas e o debate acerca dos projetos de vida de cada povo.

Para compor a clientela, a preferência era para os professores indígenas

de MT em atividades docentes, aos que ingressariam, aos monitores e ainda

aos professores de outros estados e países ameríndios. A forma de seleção

seria decidida após o diagnóstico de interessados e a localização estava

pautada em três possibilidades: em pólos regionais sediados próximo ao local

de concentração dos cursistas nos moldes do Projeto Tucum; em um único

campus, oferecendo todos os cursos ou ainda alternando uma etapa

concentrada num único local e as demais em lugares específicos dos cursos.

A comissão definiu Grupos de Trabalho entre os presentes que ficariam

responsáveis pelos levantamentos de dados e fundamentação do projeto,

montagem dos cursos, financiamento e articulação com as instituições e com a

comunidade.

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47

Naquela primeira rodada de reuniões (Figura 7) realizadas nos dias 19 e

20 de fevereiro de 1998 no auditório da SEDUC estavam presentes Mirian

Kassaizokairo (Paresi), Lucas Ruri’õ (Xavante), Agnaldo Rondon Kogapi

(Bakairi), Félix Rondon Bororo (Bororo) que representavam o Projeto Tucum,

Francisca Novantino de Ângelo (Paresi), Luiz Otávio Pinheiro da Cunha

(Antropólogo da FUNAI), Aquiles Lazzarotto (UFMT), Maria Paula de Freitas

Vannuci (Casa Civil-Coordenadoria de Assuntos Indígenas de MT), Ana Maria

de Oliveira Lopes (Conselho Estadual de Educação), Lourivaldo Abich

(UNEMAT), Maria Luzenira Braz (SEDUC) e Darci Secchi (Consultor do PNUD

e Presidente do CEI/MT).

Figura 7 : Primeira rodada de reuniões da Comissão Interinstitucional. Foto : Acervo Joana Saira-PROESI.

A Comissão voltou a se reunir nos dias 02 e 03 de abril de 1998, no

Verona Parque Hotel em Várzea Grande-MT, com a assessoria do Professor

Darci Secchi para discutir os seguintes pontos: estruturação dos cursos,

apresentação pela equipe da UFMT da proposta de organização do Curso de

Ciências da Matemática e da Natureza.

Respondendo aos questionamentos encaminhados na reunião, alguns

consensos foram destacados: a participação do Poder Público, das

Organizações Não-Governamentais, dos representantes indígenas e das

comunidades; a formação em nível de Licenciatura Plena com um ciclo básico

de formação geral e uma terminalidade específica com duração de quatro anos

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onde estariam vinculados às seguintes Universidades: UFMT - Ciências

Matemáticas e Natureza; UNEMAT - Ciências Sociais, Línguas, Artes e

Literatura; e o acompanhamento dos cursos entre as Universidades e parceiros

com regime seriado especial, desenvolvidos de forma intensiva e presencial

nos períodos de férias e recessos escolares, além das atividades cooperadas

entre docentes e cursistas no período das aulas nas aldeias.

Outros pontos discutidos versaram sobre a coordenação dos cursos que

seriam compostas por representantes das instituições bem como por cursistas

representando os indígenas. Sobre os docentes seriam vinculados à UFMT, à

UNEMAT e de outras instituições. A dotação orçamentária específica e a

gestão financeira colegiada seriam possibilitadas com a participação das

Instituições mantenedoras e executoras.

As questões que permaneciam sem esclarecimentos voltavam para os

grupos de trabalho e marcava-se nova reunião. Os Grupos de Trabalho foram

divididos da seguinte forma:

• GT I – Proposta Curricular para Ciências Sociais, Línguas,

Artes e Literatura- equipe da UNEMAT.

• GT II - Ciências Matemáticas e Natureza- equipe UFMT.

• GT III – Estruturação do Anteprojeto dos Cursos- Francisca

Novantino, Maria Paula Vannuci, Darlene Taukane, Elias Januário, Ana Maria

Lopes, Maria Luzenira Braz e Darci Secchi.

• GT IV- FUNAI nacional e local e CAIEMT.

As atividades do dia 03 de abril começaram com a discussão do projeto

de licenciaturas integradas pelos professores Aquiles, Domingues e Marina da

UFMT mostrando a necessidade de uma equipe prévia, apta e engajada no

projeto para formular um curso como base para o desenvolvimento profissional

e sócio-político, sem restrições para as etnias.

A Comissão voltou a se reunir no dia 24 de julho de 1998, nas

dependências do Hotel Mato Grosso Palace, e estavam presentes: Mirian

Kassaizokairo, Lucas Ruri’õ, Félix Rondon Bororo, Aquiles Lazzarotto, Maria

Paula de Freitas Vannuci, Ana Maria de Oliveira Lopes, Maria Luzenira Braz,

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Darci Secchi, Wellington Pedrosa Quintino, Alexandre Regio, Luciano Silva e

Elias Januário.

Foram discutidos os seguintes pontos: apresentação dos trabalhos dos

grupos, novas proposições, as sínteses preliminares, planejamento de novo

calendário e outros informes. A equipe da UNEMAT apresentou a proposta da

Licenciatura em Ciências Sociais, além de relatar experiências do Projeto

Parceladas. O Professor Carlos Alberto Maldonado foi convidado para a

reunião e trouxe a temática das discussões da Carta da Terra e da Conferência

que seria realizada em Cuiabá nos dias 31/11 à 03/12/98.

Para o educador Moacir Gadotti, Diretor do Instituto Paulo Freire:

A Carta da Terra equivale à Declaração Universal dos Direitos Humanos, apropriada para os tempos atuais... baseia-se na afirmação de princípios éticos e valores fundamentais que norteiam pessoas, nações, estados, raças e culturas no que se refere à cultura da sustentabilidade, com eqüidade social contendo princípios da Educação ambiental e Desenvolvimento sustentável.12

No dia 25 de julho fizeram algumas deliberações. Uma delas era de que

os membros dos GTs tinham que informar os resultados das discussões para

os representantes indígenas e instituições envolvidas.

Nas reuniões do dia 28 e 29/08/1998, a Comissão teve como pauta a

apresentação dos GTs Organização Curricular e Financiamento, sendo

ressaltada a não realização da etapa intensiva do Projeto Tucum por falta de

recursos, onde houve encaminhamento solicitando providências do

Governador.

Outro ponto em destaque foi a maneira que os representantes indígenas

iriam discutir com suas comunidades a forma mais adequada para a

implementação das três licenciaturas programadas. A comissão e o CEI-MT

também organizariam um seminário com as lideranças, professores indígenas

e conselheiros no dia 17 e 18/11/1998.

Nas reuniões dos dias 01 e 02 de julho de 1999 estiveram presentes

Lucas Ruri’õ, Maria Luzenira Braz, Darci Secchi, Elias Januário, Luiz Otávio

Pinheiro, Agnaldo Rondon Kogapi, Félix Adugo Enau, Aquiles Lazzarotto,

12 Cf. site da UNISANTOS: www.unisantos.br/catedra/File/cartadaterradobrasil.pdf

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Solange Ferreira Alves, Edson Kulewarã e Francisca Novantino. O Professor

Darci Secchi presidiu a reunião e destacou a função da Comissão nesta

segunda etapa que iria da elaboração do projeto até sua implementação.

Discutiu-se o programa das reuniões ordinárias, o orçamento, análise das

contribuições sugeridas ao projeto, os informes, a participação do Núcleo de

Assuntos Indígenas-NAI13 no Tucum, as estratégias de viabilização do projeto.

Deliberou-se que os professores observariam qual a visão da

comunidade indígena para o curso, suas demandas e implicações na

organização sócio-cultural.

Falaram sobre o encontro de Política Indigenista que aconteceu no Rio

de Janeiro; das contribuições do Instituto Socioambiental - ISA na construção

do currículo; da contribuição do antropólogo João Dal Poz; da mudança na

introdução do projeto; da contratação de um assessor e três consultores e

foram indicados Aracy Lopes, Edir Pina, Marcio Silva e Antonio Carlos de

Souza Lima; da divulgação na imprensa local e de outros estados e da visita às

autoridades de MT (reitores, secretários estaduais, coordenadores, etc.);

criação dos GTs Estruturação do Documento (Elias, Aquiles e Darci), GT do

Orçamento (Darci, Luzenira, Solange) e GT Introdução (Otávio e Francisca).

Nas reuniões dos dias 19 e 20 de agosto de 1999 estiveram presentes

Lucas Ruri’õ, Maria Luzenira Braz, Darci Secchi, Elias Januário, Luiz Otávio

Pinheiro, Agnaldo Rondon Kogapi, Solange Ferreira Alves, Edson Kulewarã e

Francisca Novantino.

Professor Darci Secchi presidiu a reunião informando que a UNESCO

demonstrou interesse em participar das reuniões de formulação do 3º Grau

Indígena e também ficou encarregado do convênio entre as universidades.

Desta reunião destacam-se as falas dos professores indígenas presentes na

Comissão sobre a sondagem que fizeram nas comunidades e sobre a

avaliação da Comissão:

13 O NAI foi criado em 1998 e duas de suas linhas de atividades estão relacionadas à cultura material, se referem ao Acervo Arqueológico e Etnográfico, está ligado institucionalmente ao Departamento de História da UNEMAT e tem como objetivos desenvolver atividades de pesquisa, ensino e extensão nas áreas de Arqueologia, Etnologia e Educação Indígena, assim como desenvolvimento de pesquisas em conjunto com pesquisadores de outras Universidades na área de Arqueologia.

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Miriam: – Não temos problemas no nosso Pólo, os candidatos do 3º grau são os cursistas do Projeto Tucum e do ano passado pra cá as coisas estão devagar, agora parece estar mais certo, uma reunião a cada mês, estamos confiando.

Agnaldo: – Temos que ter bastante cuidado para não indicar pessoas que não darão retorno à comunidade e o Governo abriu uma brecha para nós, achei difícil estar na Comissão, avançamos bastante neste percurso, este trabalho é importante.

Lucas : – A escola que queremos precisa ter unidade capaz de construir novas relações, a escola possa ser motivo de união, trabalhar com compromisso, registro histórico da cultura. Temos que retirar a competição e preparar para ser um bom Xavante na comunidade, sem mudar o eixo da organização Xavante e houve maior amadurecimento do grupo, a participação é maior, o Governo precisa apoiar mais este nosso trabalho.

Edson: – De 5ª à 8ª série são professores não-índios, futuramente, nós índios queremos assumir o ensino até o 2º Grau. É a segunda reunião que participo, gostei, achei difícil entender tudo, mas aos poucos estou ouvindo e falando o que penso, estou gostando do trabalho.

Nota-se por essas falas que os professores indígenas reivindicavam um

ensino superior específico para que pudessem assumir plenamente uma escola

indígena para assim valorizar a cultura, a língua e a história de cada

comunidade.

No dia 20 de agosto, a Comissão foi à sede da UNESCO falar com o

Presidente Regional Carlos Maldonado e a Professora Ana Maria Lopes para

buscar apoio político ao 3º Grau Indígena, ocasião em que foi abordado que a

UNESCO organizaria a 1ª Reunião Intersetorial de articulação das Questões

Indígenas em Cuiabá com a participação dos Estados de MS, MT e GO para

buscar saída para a Educação Indígena.

Ainda foram refletidas questões sobre os custos dos cursos e que

conotação política dariam ao trabalho da Comissão 3º Grau no sentido de

ampliar o contato com pessoas estratégicas como Marcos Terena (FUNAI),

Raquel Teixeira (GO), Senador Antero (Brasília), Dr. Celso (MS), Deputado

Antonio Joaquim (MT), Márcio Lacerda (FUNAI), Frederico Muller (FEMA).

Nos dias 21 e 22 de outubro de 1999, a Comissão reuniu-se no Centro

de Formação e Atualização de Professores (CEFAPRO) em Cuiabá-MT com os

convidados Edir Pina de Barros (UFMT), Maria Margarete Noronha (monitora

Tucum) e Rosangela Aparecida Barbosa (estudante Paresi). Foi informado que

a Doutora Aracy Lopes e demais autoridades participariam de reunião marcada

para 23 e 24/11; sobre os contatos mantidos com as universidades UnB, USP,

Museu Nacional e UFSC; sobre a reunião da UNESCO em Brasília com a UnB,

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FUNAI, MEC, UNESCO, UNICEF (apoio político e financeiro) e Deputados

Federais e Senadores, prevista para dezembro ou fevereiro de 2000.

Foi deliberada a avaliação do projeto para os pesquisadores entrarem

nas aldeias com autorização da FUNAI; aproveitamento do quadro de

professores do Tucum; apresentação da projeção para dez anos dos cursos;

aprovação do novo orçamento; apresentação do parecer pela professora Edir

Pina.

Estava presente na reunião a Professora Catarina Sena da SEDUC que

ressaltou a importância do projeto. Houve também uma reunião com o Reitor

da UFMT Fernando Nogueira de Lima que assumiu compromisso em executar

os cursos de licenciatura e reestruturar a educação escolar indígena.

Nos dias 09 e 10 de dezembro de 1999, no CEFAPRO em Cuiabá,

reuniram-se a Comissão e os convidados Geraldo Grossi Junior, Maria

Margarete Noronha (Figura 8) e discutiram a seguinte pauta: avaliação e

aprovação do orçamento geral; avaliação das alterações propostas pelos

consultores João Pacheco de Oliveira e Luis Donizete Grupione; avaliação das

proposições da consultora Edir Pina e outros informes.

Figura 8 : Reunião da Comissão do Terceiro Grau Indígena. Foto : Acervo Joana Saira-PROESI.

A Professora Francisca Novantino informou sobre as mudanças no

campo da Educação Escolar Indígena com a nova Resolução Federal nº

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03/CNE/99, onde institui a estadualização das escolas indígenas, citou que

estas mudanças nos proporcionam construir uma nova legislação, assegurando

recurso financeiro específico e diferenciado. A resolução do MEC estipula 3

anos para que os municípios optem, não esquecendo que para a escola

indígena mudar de sistema ou seja vincular ao município ou estado precisa da

carta de anuência da comunidade.

A SEDUC ficou de elaborar proposta por pólos, inclusive no Xingu. O

planejamento de vagas de cada região seria analisado na etapa intensiva do

Projeto Tucum. Quem não era cursista do Tucum deveria apresentar

documento pessoal de escolaridade do 2º Grau e avaliação da comunidade

que encaminharia para SEDUC. Foi sugerido que a coordenação realizasse

uma entrevista e uma prova escrita.

Para dar continuidade a implantação do 3º Grau foi constituída uma

Coordenação Interinstitucional com um representante de cada uma dessas

instituições: UNEMAT, UFMT, FUNAI, SEDUC e Representação Indígena. Foi

indicado o nome de Francisca Novantino e Darlene Taukane como possíveis

membros da coordenação a serem ratificada pelo CEI. Outros nomes seriam

indicados pelas instituições por ofício da SEDUC. O texto sobre a organização

dos cursos e as ementas foi votado e aprovado.

A reunião de 22 de fevereiro de 2000 foi realizada na sala de reuniões

da UNEMAT em Cuiabá com as seguintes pessoas: Geraldo Grossi Júnior

(SEDUC), Luiz Otavio Pinheiro da Cunha (FUNAI), Elias Januário (UNEMAT),

Francisca Novantino de Ângelo (Representante Indígena). Esteve ausente o

representante da UFMT. A pauta discutida tinha os seguintes pontos:

1. Edição do texto do projeto para suprimir a minuta de convênio dos

anexos e incluir cópia do Decreto de criação do Projeto, fazer correção do

nome e editoração do texto, elaborar folheto sobre o Projeto, fazer 50 cópias e

enviar aos órgãos governamentais e universidades e garantir nas publicações o

nome dos parceiros e da coordenação.

2. Entrega oficial do Projeto ao governador Dante de Oliveira entre

27 e 31 de março, convidar UNESCO, Universidades, lideranças indígenas e

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demais convidados e marcar reunião com Coordenação e CEI pra mesma

semana.

3. Organização da Coordenação Executiva com definição do espaço

para as reuniões, escolha da secretária Professora Maria Luzenira Braz,

escolha do Coordenador Professor Elias Januário, dedicação de 20 horas para

o projeto pelos representantes das universidades e a apresentação do Projeto

deveria ser comunicada anteriormente para a coordenação.

4. Calendário de Reuniões mensais com possibilidades de

extraordinárias.

5. Divulgação do Projeto: página na internet com resumo do Projeto,

a CEI e os representantes indígenas informariam as comunidades e no âmbito

da academia a divulgação seria feita pela coordenação.

6. Propostas de convênios: decisão pelo aguardo da manifestação

do Governo do Estado e negociação de contrapartida das instituições.

7. Tramitação do Projeto nas instâncias internas das universidades.

8. Informes: as atas deveriam ser encaminhadas para a

coordenação, na próxima pauta deveria constar a discussão sobre o perfil do

docente e do cursista, representantes das universidades deveriam fazer um

cadastro dos docentes.

A reunião da Coordenação Executiva do Projeto de Cursos de

Licenciatura Específicas para a Formação de Professores Indígenas realizada

no dia 27 de março de 2000 teve como pauta os seguintes itens:

1. Informes e alterações na pauta: marcada reunião com o

governador para 28/03/2000, às 16 horas.

2. Acordada o registro dos ausentes na reunião anterior.

3. Reflexão sobre o cumprimento dos encaminhamentos da reunião

anterior: somente a divulgação na internet não fora possível.

4. O Professor Darci Secchi foi indicado para apresentar o Projeto ao

Governador (Figura 9).

5. Confecção do Termo de Cooperação entre as instituições

executoras para garantir a participação efetiva de todos os envolvidos, marcar

reunião com o novo Secretário de Educação, visitar as instâncias internas da

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UNEMAT para saber qual efetivo interesse da instituição pelo curso e

apresentar Projeto ao Comitê do MEC.

6. Perfil do docente e critérios para o edital foram transferidos para a

próxima reunião.

7. Elaboração de um Projeto para Gestão Documental e dos Cursos

de Licenciatura.

8. Sugestão de avaliação em cada reunião dos itens não concluídos

nas reuniões anteriores, registro dos ausentes, orçamentos dos custos dos

cursos para colocar na internet. Foi informado que a UFMT não se interou do

conteúdo das reuniões depois da ausência e seria contatada. Encaminhamento

de cópias para universidades e instituições envolvidas com a questão indígena.

Figura 9 : Entrega do Projeto do 3º Grau Indigena ao Governador Dante de Oliveira. Foto : Acervo Joana Saira-PROESI.

Na reunião realizada em 02/05/2000, foram feitos os seguintes

encaminhamentos: confirmada reunião com Secretário de Educação e

apontamento dos itens a serem discutidos, leitura do ofício da Prefeitura de

Barra do Bugres oferecendo apoio ao projeto.

Um dos pontos discutidos foi a aprovação do CONEPE ao projeto,

conforme resumo do documento:

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DECISUM Nº 090/2000- CONEPE - do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão. Ementa: Projeto de Cursos de Licenciatura específicos para a formação de professores indígenas, em reunião nos dias 25 e 26 de abril de 2000- análise e deliberação do Projeto orçado em R$ 2.962.811,22 para 200 estudantes indígenas de todo país. Determina o histórico das comissões e estabelece que sejam feitas avaliações por se tratar de uma modalidade da qual a Universidade não tem experiência e que pode causar transtornos futuros.

Observa-se que o CONEPE aprovou mediante condições de todos os

custos e obrigações estarem definidos e assinados em convênios e serem

amplamente discutidos em reuniões nas mais variadas instituições que tenham

interesse na temática.

Foi sugerido o campus de Cáceres por oferecer mais estrutura e

condições adequadas tanto pedagógicas quanto administrativas e

encaminhamento de ofício para UFMT sobre a ausência nas reuniões.

Sobre as possibilidades de captação de recursos discutiu-se verificar a

dotação orçamentária do Estado, contatos com o MEC, com as Embaixadas

em Brasília e Universidades estrangeiras.

No item divulgação do Projeto foi deliberado que deveria ser enviada

cópia para Senhora Iara Prado sobre o interesse no espaço da Comissão para

apresentar o projeto. A divulgação pela internet seria disponibilizada bem como

o envio de cópia para os conselheiros do Comitê do MEC e pessoas ligadas à

questão indígena.

Na reunião com o Secretário de Educação foram encaminhadas as

reivindicações e também houve a promessa de conversa com o governador

sobre os recursos. A Coordenação Executiva esteve em reunião com a

Professora Fátima Roberto, Representante da UFMT para discutir questões

sobre a participação desta instituição no projeto conforme trecho integral da

ata:

A referida professora afirmou que não dispõe de tempo para participar das atividades da Coordenação executiva, podendo estar presente apenas em ações pontuais. O representante da SEDUC ressaltou a importância de que o representante das universidades tenham no mínimo 20 horas de dedicação ao projeto conforme discussões anteriores. Fátima Roberto teceu algumas críticas em relação ao projeto na sua parte pedagógica, afirmando que a parte curricular tem um caráter estruturalista e dificilmente expressa os interesses indígenas. Também fez referência na forma como vem sendo conduzida a sua implementação com total “paternidade” por parte da UNEMAT. Afirmou ainda que acha impossível uma gestão

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colegiada entre as duas instituições como propõe o projeto. As considerações da referida professora foram respondidas pelos presentes que informaram que a UFMT, na pessoa do professor Aquiles Lazzarotto participou de todo o processo de construção do projeto, conforme registrado em atas. Também foi lembrado que além do representante oficial da UFMT, o presidente da Comissão Paritária era professor desta instituição. Também foi lembrado que após a criação da Coordenação Executiva, esta é a quarta reunião e em nenhum encontro de trabalho a UFMT esteve presente, ficando desse modo à margem das decisões que precisavam ser tomadas para o andamento do projeto. Os presentes lembraram que sempre tiveram como expectativa a participação da UFMT e consideram fundamental essa parceria na execução deste projeto. Como encaminhamento desta conversa foi deliberado que a coordenação continuará as suas atividades, a UFMT estará reunindo para avaliar o interesse concreto e a possibilidade de uma proposta de participação no projeto, inclusive com pessoas que tenham disponibilidade de tempo para dedicar ao projeto. Profª Fátima Roberto fez referência a proposta da UNESCO como sendo uma possibilidade de projeto que pode ser encampado pela UFMT.

A reunião do dia 29/05/2000 foi realizada no campus de Cáceres, com a

presença da Coordenação Executiva, dos Diretores de Instituto, Chefes de

Departamentos, Coordenadores de Campus, Pró-Reitoria de Ensino e

Extensão, além da Reitoria.

Foram discutidos os seguintes pontos:

1. A Coordenadoria de Ensino Superior da SEDUC agilizaria convênio

entre UNEMAT e SEDUC para repasse dos recursos do ano de 2000,

conforme orçamento do projeto.

2. Discussão interna nas instâncias da UNEMAT sobre a participação de

representantes de projetos especiais nos Conselhos Internos, sobre a

possibilidade de montar uma equipe de apoio ao projeto em suas etapas

intensivas e sobre qual campus oferece as melhores condições para sediar o

projeto com estrutura física para a realização das etapas.

3. Importância do acompanhamento de professores da UNEMAT nas

etapas finais do Projeto Tucum.

4. Garantia de autonomia da Coordenação Executiva nas deliberações

pedagógicas e administrativas do Projeto 3º Grau Indígena.

Ainda foram encaminhas pela Coordenação Executiva os seguintes itens:

• Discussão da situação da UFMT e espera por uma posição de sua

participação efetiva;

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• Verificar possibilidade da Etapa de Preparação antes da etapa

Intensiva e que seja transformada em créditos para uma Especialização em

Educação Escolar Indígena para qualificação dos docentes;

• Oficializar a Coordenação executiva através de Portaria da

SEDUC;

• Buscar parcerias com a UnB e UFRS para apoiar o projeto;

• Discutir os critérios de seleção e distribuição de vagas no projeto

na próxima reunião.

A reunião de 24/07/2000 foi realizada em Cuiabá e esteve ausente o

representante da FUNAI, Luiz Otávio e a representante da UFMT, Fátima

Roberto que justificou que por conta da greve só iria participar da reunião

depois de conversar com o reitor sobre a posição da UFMT.

Os pontos discutidos foram:

1. Modelo de ficha de cadastro para levantamento do número de

candidatos ao curso, do grupo indígena a que pertence e da região para ser

enviada às Secretarias Municipais de Educação, Regionais da FUNAI,

Associações Indígenas e pólos Tucum (apresentação - Elias);

2. A coordenação do projeto deveria percorrer as comunidades

indígenas para explicar o projeto aos professores e lideranças indígenas como

no Tucum (sugestão - Francisca);

3. Orçamento da SEDUC com valores de 2001(confirmação-Júnior);

4. Discussão sobre a carta do Prefeito de Barra do Garças

demonstrando interesse em sediar o projeto e sobre o convite para

coordenação visitar a cidade;

5. Solicitação para o Secretário de Educação do Estado agendar

reuniões com o MEC(buscar apoio), FUNAI(custar as despesas de seleção dos

cursistas) e Secretaria de Planejamento(captar recursos do BID Pantanal;

6. Acordo de que a Coordenação deverá percorrer os pólos do

Tucum, do Projeto do Xingu14 e a Aldeia São Marcos15 para conversar com os

cursistas.

14 O Projeto Xingu é um programa de extensão do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal de São Paulo Teve início em 1965 quando, a convite de Orlando Villas

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7. Sugestão dos nomes dos consultores: João Pacheco de Oliveira,

Bruna Franchetto e Jaqueline Rodrigues Mendes.

8. Buscar subsídios para montar o edital do Projeto Indígena e mapa

com a distribuição dos cursistas e vagas por região.

9. Balanço da reunião da SEDUC com a UNESCO/GTME16 sobre

abertura de vagas nas universidades particulares onde foi acordado que nesse

momento histórico julgamos necessário a implementação de projetos

específicos e diferenciados para professores indígenas desenvolvida pelo

Estado de Mato Grosso.

A reunião de 31/08/2000 foi realizada no campus de Barra do Bugres,

por ocasião do I Seminário sobre o 3º Grau Indígena. Foram passados alguns

informes como o Convênio 121/2000 assinado em 30/06 em que a SEDUC

assume o Projeto e a UNEMAT como executora, além de buscar recursos com

o MEC e outras entidades. O que não havia sido definido era o local.

Destacamos alguns trechos da Ata com a conversa entre os professores

participantes. Aqui foram transformados em diálogos com a intenção de

mostrar a pluralidade de vozes.

Lucas: – É a primeira vez que vem aqui ao Campus, gostei da paisagem, em relação as etnias aqui fica mais distante dos Xavantes e próximos dos daqui e as últimas informações que passou para os cursistas é que seria em Cáceres mas acredito que eles irão topar as últimas decisões. O espaço é interessante, tem espaço suficiente e vamos ter que acostumar com o ambiente.

Elias: – Aqui é mais próximo que Cáceres.

Bôas, Diretor do Parque Indígena do Xingu (PIX), um grupo de médicos da Escola Paulista de Medicina, atual Universidade Federal de São Paulo foi avaliar as condições de saúde dos povos indígenas lá presentes. Esta visita marcou o início de um programa de saúde que se estende até os dias atuais e da colaboração de uma escola médica na assistência à saúde indígena. Ao longo de 40 anos de trabalho, o Projeto passou por diversas etapas, sempre ampliando suas atividades, buscando responder às novas e crescentes demandas sanitárias conseqüentes à experiência de contato dos povos xinguanos com a sociedade nacional. São princípios norteadores do trabalho a interculturalidade, integralidade e intersetorialidade, expressos nos programas de capacitação de recursos humanos, incluindo indígenas, e na organização diferenciada dos serviços locais de saúde, articulados ao Sistema Único de Saúde (SUS). 15 Terra Indígena São Marcos, etnia Xavante, Barra do Garças - MT. 16 Grupo de Trabalho Missionário Evangélico - organização não-governamental de caráter indigenista e ecumênico, criada em 1979, tendo atuação centrada na articulação, qualificação e fortalecimento das ações evangélico-protestantes junto a povos indígenas no Brasil.

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Paulinho: – Já fiquei trinta dias na Escola Agrícola e o pessoal sente muito à vontade, lá é tranqüilo. O pessoal tem colocado que gostaria de ir para Cáceres para conhecer lugares diferentes. Na Escola Agrícola não tem orelhão para o pessoal co municar com suas famílias . O indígena não está acostumado ficar oito(8) horas na sala com roupa, calçado, é preciso ter um espaço para trabalhar em grupo for a. Aqui ou em Cáceres para nós é de menos, não faz diferença, mas como tem que equipar é importante definir, gostei muito daqui. Cáceres eu não conheço, não posso dizer nada.

Alice: – Barra do Bugres é uma cidade que tem acolhido bem os povos indígenas, não temos visto questão de discriminação e o 3º Grau Indígena será bem visto aqui, como o Lucas colocou, o lazer é importante.

Elias: – O que é lazer para vocês?

Todos: – Pescar, jogar, passeio na mata, aulas em grupo no chapéu de palha. Filadelfo: – É um prazer receber todos aqui. Os povos indígenas não têm sofrido

nenhuma discriminação dos povos aqui da região e vem de vários lugares. Sempre sedio as pessoas vindas de fora, jogos regionais, a questão de drogas e outras coisas tem em todo lugar, mas aqui os acadêmicos são envolvidos na conscientização. Os cursistas do Tucum já estiveram na Escola Agrícola que já sofreu modificações para melhor com a estrutura que tem hoje. No lazer, há as aldeias disponíveis para visitas, o chapéu de palha que o Júlio colocou é importante ter, os times de futebol, boa oportunidade para fazermos uma boa equipe, será de grande valia para Barra do Bugres e os povos indígenas da região. Os colegas devem dizer o que eles acham que precisam de melhoria para eles. Não conheço a estrutura de Tangará da Serra e de Cáceres, mas pela distância não dá. Estou de acordo que Barra do Bugres seja a sede.

Robertinho: – Já fiz uma etapa aqui e visitei a Escola Agrícola de Tangará da Serra, é pequena e não oferece o conforto que tem aqui. Aqui está bom, não conheço Cáceres.

Félix: – Luiz Otávio por que mudou pra cá, se já havia dito que era Cáceres? Elias: – Não foi dito que seria em Cáceres, lá fica a sede da UNEMAT, mas não

decidiu nem Cáceres e nem Barra, por isso está havendo as conversações, mas pelo apoio político e também é necessário para a execução do projeto que entrou Barra na discussão.

Júnior: – O que temos que ver os fatores que são favoráveis em um e outro pólo. Cáceres tem pontos positivos, Tangará tem, etc., o que temos é observar o que cada um tem a oferecer, Cáceres é uma cidade fronteira.

Félix: – Quais as coisas positivas que tem Barra do Garças? Silvia está disposta a

conversar conosco e o prefeito está disposto a nos atender. Mas lá não tem campus da UNEMAT.

Elias: – Barra do Garças é descartável porque não tem campus da UNEMAT, fica

Tangará, Cáceres e Barra do Bugres. Luiz Otávio: – Cáceres me deixou preocupado, aqui em Barra do Bugres as condições

são ótimas, tem opções diferentes de tamanho de sala, laboratório, espaço, a disponibilidade do Júlio que nos atendeu com muita disposição. Lá em Cáceres o corpo docente é maior, mais a hospedagem é preocupante, aqui o espaço de lazer na Escola Agrícola é muito interessante, fica a questão da distância. Uma boa relação do coordenador, do prefeito e Escola Agrícola. É positivo ter parceiros. Se temos uma prefeitura é interessante. O mais positivo é a disposição do pessoal.

Orozina(docente Tucum): – A questão do espaço é muito importante para eles. É

positiva a disponibilidade, o espaço, as relações políticas que o campus tem. Quando tem a

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parceria e a pré-disposição do coordenador é interessante. É positivo também o espaço de ficar diferente do de estudar.

Filadelfo: – A alimentação na Escola Agrícola é muito boa. Aldecir: – É a primeira vez que venho aqui, estou gostando muito e gostei muito do

espaço da Escola Agrícola, acho que é interessante ficar lá. Estou me tornando professora agora.

Félix: – Como funciona a questão da prova em dois dias, se você passa tudo bem, e se não fica fora?

Júnior: – É o exame supletivo de massa. Rone: – Estou mais como observador, represento os estudantes indígenas de

Tangará, estou muito feliz com o Júlio por estar me dando muito incentivo. Pontos positivos, relações harmônicas, as cabanas, o apoio político, a localidade, o acesso, a questão emocional, quanto mais o aluno se sente em casa, mais é importante para a aprendizagem e enquanto representante dos estudantes Halitinãs e Parecis estamos de pleno acordo com a sede do projeto seja Barra do Bugres.

Chiquinha: – Formação de nível superior e vocês professores vão trabalhar com os

alunos de vocês nas aldeias, isto é um marco importante em nosso Estado e é uma questão de política mesmo, não porque alguém é bonzinho e quer oferecer, é muito importante que vocês vão participar do curso e vão para as aldeias trabalharem. Isso faz parte do programa de formação. Vai ter a Conferência Nacional para Educadores Indígenas e vocês vão estar lá defendendo os interesses indígenas. O lançamento e as decisões daqui irão gerar conseqüências importantes. Vi na Folha do Estado que Cáceres é o corredor do tráfico e me preocupo muito com a questão da segurança dos povos indígenas em Cáceres. Nós queremos parceiros de verdade, não como tivemos no Projeto Tucum.

Félix: – Gostei da fala da Chiquinha e gostaria que explicasse como funciona uma

universidade, para que eu explique para meu povo. Elias: – O Júlio vai tentar esclarecer um pouco sobre este momento de discussão.

Júlio: – No campus desde 1984, já tivemos a conclusão das turmas das parceladas,

começamos com três salas de aula e uma biblioteca, estamos aí sempre com o apoio político da região. A vontade de sediar o projeto veio de ter visto as apresentações do projeto, fizemos uma conversação interna e achamos que poderíamos entrar nessa luta, a prefeitura se colocou a disposição de parceria com a UNEMAT para o alojamento e estamos com toda boa vontade para apoiar o projeto.

Chiquinha: – Vai ter professores indígenas de outros estados e é importante que seja explicado como funciona uma universidade.

Júlio: – No fórum de hoje à noite estas questões serão tocadas. Elias: – A comissão vai ter que dar esta explicação. Lucas: – Uma preocupação que não acontece como no Projeto tucum as atividades

pararem por falta de recursos, sendo terceiro grau não deve parar porque denigrem a imagem até da cidade que está sediando.

Félix: – A própria população fica desacreditada. Júlio: – A grande diferença que tem nesse projeto é que todos os projetos até agora

era baseado em financiamento externo e às vezes ficávamos a mercê de contrapartida do Governo Federal, Secretaria de Planejamento e fazíamos projetos buscando recursos em outros estados. Neste projeto o Estado de Mato Grosso assumiu o projeto em parceria com a UNEMAT.

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Chiquinha: – O que muda todo esse quadro é a lei, porque até então não tinha nada na lei que amparava a educação escolar indígena, agora tem lei federal que delega obrigações sobre a educação escolar indígena. Então se o governo prevendo sobre recursos, ele vai ter que arrumar porque o Estado tem que assumir a educação escolar indígena. Diretrizes nacionais para a educação escolar indígena.

Filadelfo: – Na reunião técnica do MEC eles tiveram oportunidades de acrescentar

itens nas diretrizes nacionais. Elias: – Quando conseguimos assinar esse convênio entre UNEMAT e SEDUC, no

primeiro item fica claro as responsabilidades do Estado neste convênio. Félix: – Se a missão salesiana fizer outro projeto como nós ficamos? Com eles? Ou

com vocês? Fiquei angustiado na ultima reunião porque não sei de que lado ficar. Chiquinha: – Em relação às missões que assumiu as nossas escolas lá no MEC

surgiu essa pergunta. E o pessoal disse que a comunidade tem que definir se fica com o Estado ou se fica com a missão. E vocês professores sofrem porque de um lado fica os alunos do outro lado fica a missão salesiana. Em Merure tem acontecido coisas terríveis com as pressões psicológicas que as missões tem feito. O Estado tem que intervir e a gente vai partir para a justiça.

Paulinho: – Nós como professores vamos assumir todo trabalho pedagógico e assumir

a nossa educação diferenciada, se não ela nunca vai existir. Caminhamos até agora guiados pelos outros então está na hora de sermos autônomos e termos educação indígena diferenciada. Existe produção de material didático importantíssimo pelos professores indígenas que não encontram recursos para serem produzidos, mais existe produção de Bíblias e mais Bíblias que são produzidas e não sevem para a tão falada escola diferenciada. Não queremos homens para nos atrapalhar, queremos ter a possibilidade de caminhar com as próprias pernas.

Félix: – Vão até a aldeia para conversar com a comunidade para tentar conscientizar e livrar da forma de educação que os padres trouxeram da Europa e enfiaram na aldeia. Eu tenho muita dificuldade de passar essas coisas nas aldeias inclusive junto com os professores.

Chiquinha: – O Estado vai ter que tomar uma posição séria em relação a isso através

da lei. Elias: – Uma das coisas a se discutir aqui é o nome do projeto e Félix aproveite o

seminário para colocar os seus questionamentos e esclarecer um pouco mais. As sugestões para o nome do projeto: Projeto Universidade Indígena, Projeto Universidade Nativos da Terra, Projeto Universidade Nativa, Projeto Universidade Licenciatura Indígena. Vão pensando no nome e está encerrada a reunião.

Na reunião de 01º de setembro de 2000, em Barra do Bugres, os

membros da Coordenação reuniram-se juntamente com a convidada Srª

Orozina, coordenadora do Projeto Tucum que fez alguns informes sobre a

conclusão do Projeto Tucum e levantamento dos dados sobre interesse das

comunidades indígenas. Quando à participação de Rone, representante dos

estudantes no Fórum, houve discordância por parte da Francisca, mas quem

decidiria era a organização do fórum.

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A apresentação do Projeto para o MEC pelo Professor Elias ficou

decidida para o dia 14 de setembro, e foi lembrado que o projeto tinha alcance

nacional e não só em Mato Grosso.

A Coordenação aprovou indicativo do campus de Barra do Bugres para

sediar o 3º Grau Indígena. Discutiu-se sobre o perfil dos consultores. As

pessoas indicadas deveriam ter atuado em escolas indígenas, ter trabalhado

com formação de professores, ter pesquisa na área indígena, atuar como

docente, ter disponibilidade para o projeto e ainda participar das diferentes

etapas. Houve a sugestão do MEC indicar nomes.

A especialização foi discutida e a UNEMAT estava preparando o pré-

projeto com a possibilidade dos créditos serem considerados.

Chiquinha mencionou a importância de se criar um colegiado de cursos entre

os acadêmicos para ajudar nas questões pedagógicas e administrativas, além

de contratar um profissional para tratar especificamente da questão

administrativa.

As reuniões dos dias 25, 26 e 29 setembro de 2000 foi realizada em

Cuiabá, onde discutiram a seguinte pauta:

• Minuta do documento: “A Construção Coletiva de uma Política de

Educação Escolar Indígena para Mato Grosso (SEDUC-CEI/MT)”.

• Avaliação da visita do MEC: foi satisfatória, vai servir de referência

nacional e há possibilidades de apoio para financiamento das consultorias para

avaliação dos currículos dos cursos.

• Discussão da Política Estadual para Educação Indígena com a

presença do Professor Darci Secchi e Professora Orozina da equipe de

Educação Indígena da SEDUC.

• Discussão dos pontos: lista de equipamentos a serem comprados;

Curso de Especialização para formar pessoas que darão sustentação no

desenvolvimento da política do Estado para a Educação Indígena; Inclusão da

FUNAI na distribuição de vagas; Termo de Cooperação com a FUNAI para

deslocamento dos cursistas; perfil e indicação dos nomes dos consultores. Foi

indicado o nome da Doutora Bruna Franchetto para Consultora-docente da

área de Línguas, Arte e Literatura.

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No I Congresso dos Professores Indígenas do Médio Norte do Estado de

Mato Grosso realizado em Sapezal em 14 de outubro de 2000, os professores

indígenas manifestaram seu apoio ao Projeto, conforme texto abaixo transcrito:

Nós, professores indígenas da região do Médio Norte, reunidos no I Congresso dos Professores Indígenas do Médio Norte do Estado de Mato Grosso, conhecedores do trabalho desenvolvido pela Coordenação Executiva do Projeto de Cursos de Licenciatura Específico para a Formação de Professores Indígenas, apoiamos as decisões tomadas por esta Coordenação no que se refere a implementação do projeto no Campus Universitário do Vale do Rio Bugres, uma vez que a referida Coordenação tem representação indígena e ao longo de todo o processo tem discutido com os membros do Conselho Indígena e com os professores os encaminhamentos do Projeto.

No dia 08 de novembro a reunião foi realizada na sede da CAIEMT, com

o Coordenador Sr. Izanoel Sodré com o balanço do Projeto e busca de apoio

para as ações. Foi sugerido à Coordenação Executiva do Projeto que a

escolha dos consultores deveria recair sobre pessoas que conhecem a

realidade de MT e que deveria ser feita uma aproximação dos políticos com as

aldeias, para que estes conheçam a realidade e possam defender os

interesses indígenas. Foi abordada que a questão dos recursos financeiros

deve vir do Estado e não de acordos externos para não comprometer as

etapas.

Foi lembrado que o Governador Dante de Oliveira assumira

publicamente o apoio à educação indígena em várias solenidades, que vê o

projeto como contínuo, como algo permanente que irá atender a demanda da

comunidade indígena. Foi solicitado apoio para realização da aula inaugural.

No mesmo dia reuniram-se na SEDUC onde foi discutido o modelo do

Termo de Referência para contratação dos professores. Decidiram o nome de

“Projeto de Formação de Professores Indígenas” para ser usado nos veículos e

nos documentos relacionados ao projeto.

A reunião do dia 09 de novembro ocorreu em Barra do Bugres, com a

presença de Otavio Pinheiro, Francisca Novantino, Lucas Ruri’õ, Elias Januário

e a consultora Bruna Franchetto para discutir a área de Línguas, Artes e

Literatura. Foi feito um resumo do projeto e a Professora Bruna enfatizou a

necessidade de que exista um espaço para a visão científica da língua, para a

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estrutura (morfologia e sintaxe) e uma fase piloto com avaliações regulares. Foi

feito o convite para a consultoria, mas a professora estaria na França e não

aceitou, disse ser viável ministrar uma disciplina e sugeriu o nome do Dr.

Marcos Maia para consultoria.

Professor Elias destacou que o curso deve estar voltado para a

produção de materiais didáticos para atender as séries de 5ª a 8ª do Ensino

Fundamental.

Na reunião do dia 10 de novembro foi abordada a questão do técnico

(monitor). Lucas falou das dificuldades enfrentadas no Tucum, que os cursistas

devem reunir e estudar em grupo sem a presença do monitor, e que as

atividades da etapa intermediária devam estar relacionadas com a etapa

intensiva, por isso a importância do planejamento ser integral advertiu a

Professora Bruna.

Foi discutida a uniformidade da clientela, com maior ou menor

desempenho dos cursistas e buscar uma forma de sanar. Discutiu-se também

o Termo de Referência com modificações sugeridas pela professora (a

confecção e alteração se deu no dia 11 de novembro por Luiz Otávio e Elias

Januário), além da leitura e discussão do Termo de Compromisso entre FUNAI

e UNEMAT.

Nos dias 19 e 20 de janeiro de 2001, reuniram-se em Cuiabá e

discutiram a seguinte pauta:

1. Pesquisadores no Projeto deveriam apresentar por escrito para

apreciação da Coordenação Executiva, do Colegiado de Curso dos Docentes e

dos Cursistas Indígenas para deferimento ou indeferimento.

2. Foi referendado o nome da Professora Maria de Lourdes Bandeira

para Consultoria da área de Ciências Sociais e indicados outros nomes como o

de Susana Grillo, Márcia Spyer Resende e José Ribamar Bessa.

3. Foi relatada a reunião entre o Secretário de Educação e o Reitor

da UNEMAT. O Projeto passou a ser chamado de 3º Grau Indígena para

esclarecer os equívocos do termo Universidade Indígena . A SEDUC fez

referência das dificuldades financeiras que poderia inviabilizar o seu inicio em

julho e também a provável participação da UFMT.

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4. O manual do candidato foi discutido e corrigido e encaminhado

para o Secretário de Educação. Na FUNAI será apresentado no dia 22 de

janeiro.

5. Foi feita correção no Termo de Referência para Docente e o de

Técnicos para leitura e apresentação de sugestões.

6. Foram definidos os termos para a equipe pedagógica do projeto:

Consultor, Docente e Técnico.

7. Foi lido o e-mail de Heitor Munhoz sobre o interesse em fazer

consultoria que no primeiro momento seria inviável devido à falta de recursos.

Elias ressaltou a importância do trabalho em equipe, da confiança, da

transparência e da solidariedade como elementos essenciais para a

consolidação de um grupo coeso e do sucesso do projeto.

A reunião do dia 08 de março de 2001 foi realizada em Cuiabá em que

participaram os seguintes representantes: Neide Martins (FUNAI), Francisca

Novantino (indígena), Geraldo Grossi Júnior (SEDUC), Elias Januário

(UNEMAT), Izanoel dos Santos Sodré (CAIEMT), Letícia Cappi (COVEST) e

Antônio Malheiros (PREEx) e discutiram os seguintes pontos:

• Procedimento para a realização da seleção do 3º Grau Indígena-

adequação para seleção especial, os diferentes pólos deveriam seguir as

mesmas normativas do Manual do Coordenador.

• A data da seleção ficou marcada para o dia 30 de março com inicio às

13 horas com tolerância de 15 minutos. A equipe será composta por um

profissional da UNEMAT e outro da FUNAI ou setores ligados à Educação

Indígena.

• As provas serão aplicadas nos seguintes locais: Xingu, São Félix, Água

Boa, Campinápolis, São Marcos, Sangradouro, Meruri, Pakuera, Rondonópolis

e Barra do Bugres. Discutiram o trajeto para os locais e os veículos que foram

disponibilizados.

As reuniões dos dias 25 e 26 de abril de 2001 foram realizadas em

Cuiabá com os membros da Coordenação Executiva do 3º Grau Indígena para

discutirem a seguinte pauta:

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Avaliação da prova do vestibular (Figura 10): foi considerada pela

FUNAI, CAIEMT E SEDUC como positiva, bem elaborada e dentro das

competências dos candidatos. Houve a indicação que na próxima seja exigida

a habilidade de pesquisador e não apenas questões conceituais.

Figura 10 : Vestibular indígena para 1ª Turma em 30/03/2001. Foto : Acervo Joana Saira-PROESI

• Discutiu-se a etapa preparatória marcada para 22 a 25 de maio no

campus de Barra do Bugres com característica de discussão e reflexão. Foram

marcadas palestras e discussões sobre a legislação na educação com

consultores, docentes e técnicos.

• Equipe de apoio para auxiliar a Coordenação e os nomes

indicados foram: Elza das Dores, Ana Maria Araújo, Margareth e Pedro Paulo.

• Indicação dos nomes da Área de Ciências Sociais: Susana Grillo,

Luiz Donizete, Maynara Maria e Dulce Pompeo.

• Possibilidade de abrir vaga para alunos especiais para oportunizar

os professores atuantes que não foram classificados.

• Proposta de incluir um seminário na etapa letiva de julho sobre

educação para a saúde com indicação do Prof. Márcio Carlos Vieira Barros.

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• Cada representante das instituições deverão estar presentes pelo

menos uma semana na etapa de julho para auxiliar nas atividades do período.

• O horário para as aulas: 07h às 11 h e 15h às 19h. As turmas

estariam divididas por grupos lingüísticos ficando uma turma só de professores

Xavante.

• Os nomes escolhidos para o quadro de Professores após

discussão e análise dos currículos apresentados:

1. Ciências Sociais - Antônio, Luciano Pereira, Chiquinha,

Sueli Tomazi, Eliene da FUNAI, Luiz Otávio, Heloísa, Neide Siqueira, Flávio de

Luciara.

2. Ciências da Matemática e da Natureza – Adailton Alves,

João Severino, Magno Bakairi, Antônio Malheiros, Rodrigo Shimazu, Gláuce,

Edinéia, Paulo, Eli Cordeiro.

3. Línguas, Artes e Literatura – Agnaldo Bakairi, Socorro

da FUNAI, Lúcia de Água Boa, Severiá Karajá, Pedro Paulo, Ágda de Cáceres,

Lima de Pontes e Lacerda, Lucimar Ferreira, Silvana Daniel.

A estrutura administrativa será composta por uma assessoria

administrativa de apoio à Coordenação; uma divisão de informação e

publicação, responsável pelos cadernos, revistas e jornais e uma divisão de

documentação responsável pela conservação e pesquisa do material produzido

ao longo do curso.

Foi sugerida uma carteira de estudante para os cursistas; oferta de duas

camisetas patrocinadas pelos empresários de Barra do Bugres; concurso para

escolha do logotipo do projeto; estabelecimento de algumas regras para os

cursistas com uso de rádio, telefone, materiais e horários e também receberão

um kit Higiene da FUNAI.

As matrículas serão feitas com apoio da FUNAI tanto pela Regional

quanto em Brasília, e ainda pela UNEMAT e CAIEMT.

O grande número de aldeias e sua localização geográfica preocuparam

o coordenador que sugeriu a realização de oficina no primeiro semestre como

forma de experiência para as ações da etapa intermediária.

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O conteúdo representacional contido nessas Atas demonstra a

importância de todo esse planejamento para concretizar o 3º Grau Indígena.

3.1.2 Materialização do 3º Grau Indígena

Em 2001, teve início oficialmente o Projeto de Formação de Professores

Indígenas - 3º Grau Indígena, com início das aulas no mês de julho para os

primeiros classificados no vestibular. Esse grupo foi dividido em quatro turmas

de 50 alunos e a partir da etapa específica, os cursistas foram divididos em 03

turmas de acordo com a licenciatura especifica.

Os cursos obedeceram a um regime seriado especial, de formação em

serviço, sendo cada semestre letivo desenvolvido em duas etapas, totalizando

dez semestres.

Etapa presencial: realizada de forma intensiva e presencial nos meses

de janeiro/ fevereiro e julho/agosto no campus universitário da UNEMAT, em

Barra do Bugres-MT, são ministradas 210 horas-aula, distribuídas em 8 horas

diárias de estudo, além de atividades complementares no período noturno.

Etapa de Estudos Cooperados de Ensino e Pesquisa (intermediária)

acontece nos períodos em que os estudantes indígenas estão ministrando

aulas nas escolas das aldeias, entre o intervalo de uma etapa presencial e

outra, com atividades de ensino, pesquisa e leituras complementares.

Cada semestre letivo é composto por uma Etapa Presencial e uma

Etapa de Estudos Cooperados de Ensino e Pesquisa, tendo uma temática

central sobre a qual serão desenvolvidos os conteúdos curriculares das três

áreas de estudo. São as seguintes temáticas centrais da etapa básica: Gênese,

Tempo, Espaço, Sociedade, Território e Autonomia.

Mindlin (2003, p. 148) enfatiza que em uma formação de professores,

“sem interrupção de sua carreira de magistério, feita em períodos concentrados

de tempo para não prejudicar as tarefas didáticas, é uma das grandes

invenções do sistema de ensino”, pois configura uma ação afirmativa que visa

compensar uma parcela da população que teve negado acesso à escola e ao

ensino universal.

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Depois deste processo de construção quando os convênios estavam

todos consolidados, com a realização do vestibular e a entrada dos alunos na

UNEMAT, temos várias abordagens sobre seu pioneirismo na América Latina

conforme pode se verificar em Nascimento e Vinha (2007, p.11) que enfatizam:

[...] ser a primeira experiência da educação superior indígena com a implantação do 3º Grau Indígena – Projeto de Formação de Professores Indígenas – oferecido pela UNEMAT em parceria com diversos outros órgãos o que desencadeia um grande movimento em todas as regiões com populações indígenas.

Após esta fase várias notícias do 3º Grau Indígena foram veiculadas na

imprensa escrita e digitalizada. Algumas delas estão contidas na pasta arquivo

Clipping-PROESI com reportagens importantes que permitem visualizar como o

programa foi noticiado ao longo desses anos em que a educação diferenciada

foi oficialmente implementada no contexto mato-grossense.

Figura 11 : Aula inaugural do 3º Grau Indígena. Foto : Acervo Joana Saira-PROESI Sobre a aula inaugural (Figura 11), o Jornal “O Estado de São Paulo”

noticiou,

A primeira aula do 3º grau indígena na UNEMAT abordará um tema particularmente interessante: a origem do universo. A teoria do big bang será dada, mas não será a única. Ao lado da explicação de que a vida surgiu de uma explosão cósmica, que resultou na formação de galáxias, planetas, da Terra e do homem, os índios terão a oportunidade de dar a sua versão. Os parecis dirão que surgiram da

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pedra. Os pataxós saíram de um imenso buraco, que acreditam existir até hoje em Juacema, o Monte Pascoal, no litoral sul da Bahia. Já os umutinas poderão dizer que a civilização humana existe graças a um casal de sua etnia, que gerou filhos da sua e de outras raças.17

Segundo notícia do Jornal Estado de São Paulo, de 24/06/2001, cujo

título “UNEMAT investe R$ 3 milhões para criar o 3º grau in dígena”, a aula

inaugural em Barra do Bugres, que por conta da agenda dos políticos ficou

marcada para uma semana depois do início das atividades, terá a presença de

Marcos Terena, uma das maiores lideranças indígenas no País.

Figura 12 : Turma Especialização do 3º Grau Indigena- 2004. Foto : Acervo Joana Saira-PROESI.

Entre maio de 2002 e maio de 2004 foi implantada a especialização Lato

Sensu em Educação Escolar Indígena (Figura 12), pela Faculdade de

Educação através do Departamento de Matemática em parceria com o Projeto

de Formação de Professores Indígenas - 3º Grau Indígena, no Campus

Universitário de Barra do Bugres - MT.

Contou com a participação de interessados de diferentes instituições de

vários lugares do Brasil em diversas áreas de formação que tinham

envolvimento com a questão indígena, além de professores indígenas já

graduados.

17 Cf site http://www2.uol.com.br/aprendiz/n_noticias/ensino_superior/id250601.htm

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Foi coordenado pela professora Ms. Lucimar Luisa Ferreira, auto-

financiado e ofereceu 40 vagas com carga horária de 420 horas-aula,

distribuídas em oito módulos de 45 horas-aula cada um e uma monografia com

60 horas-aula.

No dia 22 de maio de 2004 foi realizado o seminário de apresentação

das monografias com uma comissão científica formada por professores

Mestres e Doutores do quadro da UNEMAT e convidados. Todas as

monografias encontram-se na biblioteca do Campus de Barra do Bugres – MT.

Atualmente o PROESI oferece 50 vagas específicas para professores

egressos da UNEMAT e outras instituições de ensino superior com requisito

que sejam das etnias que ocupam Terras Indígenas do estado de Mato Grosso

oficialmente reconhecidas e residentes em aldeias de MT, portadores de

Certificado de Conclusão do curso de Graduação (edital nº 001/2008-PROESI-

com seleção em 05/12/2008 e inicio do curso em 12/01/2009) – convênio

assinado pela UNEMAT, SECITEC, SEDUC e Prefeitura de Barra do Bugres-

MT.

O 3º Grau Indígena participou da 56ª Sociedade Brasileira para o

Progresso da Ciência-SBPC, que contou com a participação dos cem

professores indígenas graduandos representando 33 etnias de todo país. De

acordo com o Informativo SPBC- julho de 2004- edição nº 2, as expressões da

cultura, identidade, vivências, a realidade e temas referentes à educação

específica foram discutidos além da apresentação da experiência pioneira na

America latina.

Bens materiais e imateriais dos índios são discutid os na 56ª SBPC- O Secretário Municipal de Educação de Cuiabá afirma sobre a fragilidade da legislação em proteger o patrimônio material e imaterial dos indígenas, expostas a contrabando e diz que “a lei é branda”, criticando a lei de patentes e a dilapidação do patrimônio indígena. Na mesma ocasião Professor Elias Januário, Coordenador de Educação Indígena destacou a língua como patrimônio imaterial destacando a extinção da língua dos Umutina “o que aconteceu com os Umutina é uma grande perda imaterial. É um patrimônio da Humanidade que se perde também” Diário de Cuiabá, 02/08/2004, reportagem de 20/07/2004 .

Outro evento que chamou atenção da comunidade indígena

internacional e em todo território nacional foi a “I Conferência Internacional

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sobre o Ensino Superior Indígena” que ocorreu em Barra do Bugres-MT nos

dias 23 a 25 de setembro de 2004, cujo tema foi “Construindo Novos

Paradigmas na Educação” (Figura 13) e reuniu representantes da Bolívia,

Chile, Costa Rica, Equador, Guatemala e México tendo como principal objetivo

reunir profissionais indígenas e não-indígenas além de representantes das

instituições envolvidas com a educação escolar indígena para relatar

experiências, além da discussão e encaminhamento de propostas para

fortalecer o ensino superior indígena tanto no país como no exterior.

Figura 13 : I Conferência Internacional - Barra do Bugres, setembro de 2004. Foto : Acervo Joana Saira-PROESI.

As discussões foram possibilitadas com as mesas-redondas e palestras

cujas temáticas foram:

• A Formação de Professores Indígenas no Contexto Latino-Americano;

• Políticas Públicas para a Diversidade no Brasil;

• Políticas Públicas para Educação Superior Indígena no México;

• A Atuação da ONU na Educação para Povos Indígenas no contexto

Latino-Americano;

• Educação Superior na Política Indígena Brasileira;

• Ações Afirmativas para Povos Indígenas;

• Experiências de Ensino Superior para Povos Indígenas no Chile;

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• Perspectivas para a Normatização do Ensino Superior Indígena no

Brasil;

• Experiências de Ensino Superior para Povos Indígenas na América

Latina;

• Proposta de Formação em Nível Superior para Povos Indígenas.

Foram também constituídos onze grupos de trabalhos para analisarem e

discutirem as temáticas voltadas para educação escolar indígena, cujo foco

principal era o ensino superior indígena, suas diferentes disciplinas e contextos.

O evento foi abordado por diversas reportagens na mídia digitalizada

conforme trechos a seguir:

Barra do Bugres sediou Conferência que discutiu a q ualidade na educação indígena- onde pesquisadores, educadores e lideranças indígenas que discutiram, relataram experiências, diagnosticaram a importância das conquistas e traçaram novas perspectivas de avanços. Segundo Otto Ricardo Rivera Alvarez, representante da UNESCO da Guatemala “a língua, cultura e a afirmação da identidade própria desses povos é a parte constituída do novo paradigma educativo”, o que contribuiu para ressaltar a importância da educação voltada para os povos indígenas e construída por esses povos. O evento teve inúmeros colaboradores para sua realização como a SECITEC, Governo de MT, UNEMAT, SEDUC, MEC, FUNAI, Conselho de Educação Escolar Indígena, Prefeitura de Barra do Bugres além de apoiadores como a UFMT, Assembléia Legislativa/MT, Conselho Estadual de Educação, Organização dos Professores Indígenas de MT e Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (UNESCO). O Estadão- Cuiabá 29 a 30/09/2004- p.12-Fonte SECOM e UNEMAT Representantes da ONU e governo mexicano discutem e ducação indígena. A notícia traz a participação da ONU na conferencia, com a representante da Universidade da Paz, Flor Cubero Venegas que enfatizou que “para que realmente se cumpra o direito de educação para todas as nações unidas tem fortalecido o empenho em solicitar dos países que assegurem a educação indígena com base na necessidade desses povos” e que a ONU tem recomendado aos governos que construam políticas voltadas para garantir o direito desses povos. Sylvia Schmelkes, representante do México destacou que somente após uma reunião na Guatemala em 2002 que o México implantou a primeira universidade intercultural e destacou a importância dos encontros, pois “esse é um impulso para que se vá adiante. E indica interesse comum em ampliar o que já está sendo feito e de construir coisas novas”. Portal UNEMAT-25/09

Em janeiro de 2005 tiveram início as aulas para a 2ª Turma dos Cursos

de Licenciatura Específica para a Formação de Professores Indígenas que

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foram possibilitadas pelo Convênio entre SEDUC e UNEMAT com 100 vagas,

com término previsto para o segundo semestre de 2009, que foram divididos

em 2 turmas de 50 alunos, a partir da VII etapa, os cursistas foram divididos em

3 turmas de acordo com a licenciatura escolhida.

Em 06 de junho de 2006, a 1ª Turma concluiu as atividades do curso

(Figura 14), sendo realizada no Hotel Fazenda Mato Grosso em Cuiabá a

Colação de Grau e a entrega dos diplomas de licenciados a 186 acadêmicos

indígenas de 44 etnias dentre os quais dezenove eram de outros estados

brasileiros.

Figura 14 - Formatura da 1ª Turma em 06/06/2006 no Hotel Fazenda Mato Grosso em Cuiabá-MT. Fotos : Acervo Joana Saira-PROESI.

Na cerimônia o reitor Taisir Karim disse que “era motivo de orgulho para

a UNEMAT desenvolver e realizar a formatura dos primeiros professores

indígenas de um curso específico e diferenciado". Durante a cerimônia, os

índios Bororo, Xavante e Bakairi dançaram para os presentes e que foi muito

noticiada e destacamos:

Reitor da UNEMAT confere grau aos primeiros profess ores índios da América Latina, noticia a formatura da primeira turma em que 186 índios receberam o diploma de nível superior e destaca a fala de Mércio Pereira Gomes, presidente da FUNAI que analisa o evento como um marco para a política indigenista no país “com esse evento estamos marcando uma reconciliação da sociedade brasileira pela educação”. O reitor Taisir Karim utilizou um capelo indígena que foi comentado pelo deputado federal Carlos Abicalil como uma demonstração de respeito para com a cultura ancestral dos indígenas. Várias autoridades estiveram no evento que foi marcado por homenagens, danças e rituais de diferentes etnias. Jornal Cacerense, Cáceres, 10/06/2006 .

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Segundo Carvalho (2007), os índios pediam passagem e conquistavam

seus desafios ao concluir a tão sonhada licenciatura,

Mais um desafio, nova etapa de superação de obstáculos, novas conquistas. Em 6 de junho de 2006, com certo ufanismo, era anunciada a colação de grau da primeira turma de 198 professores indígenas da América Latina, um projeto pioneiro desenvolvido pela Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) mediante parceria com as secretarias estaduais de educação e ciência e tecnologia, a Fundação Nacional do Índio e a prefeitura de Barra dos Bugres. Iniciado em 2001, o projeto, desenvolvido ao longo de quatro anos de formação geral e um ano de formação específica, compreende as áreas de ciências matemáticas e da natureza, ciências sociais, e línguas, artes e literatura e atendeu, até o presente, um total de 298 professores indígenas falantes de 37 línguas e pertencentes a 44 etnias (CARVALHO,2007, P.30).

O 3º Grau Indígena esteve presente em diversos eventos, conforme

reportagens a seguir: Lentes Indígenas noticia que a educação indígena é tema da mostra de fotos “Tempos de Escrita”, que ocupa o espaço Muro do Museu do Índio no Rio de Janeiro, em Botafogo. Cinco etnias mato-grossenses são foco de lentes atentas de antropólogos, fotógrafos de jornalismo e do professor escritor e vice-reitor da UNEMAT, Elias Januário. A exposição retrata índios fazendo uso da escrita, evidenciando novas práticas culturais em curso nas aldeias indígenas do país.A Gazeta- Caderno E, Cuiabá, 06 /06/2007. Universidades discutem educação escolar indígena relata a Oficina de Intercâmbio do Programa Formação Superior e Licenciaturas Indígenas - Prolind com a temática “Sistematizando experiências” que é promovida pelo MEC em que se discutirão os desafios que envolvem a qualificação de um professor indígena com representantes das universidades convidadas e integrantes do programa. A UNEMAT esteve representada pelo coordenador geral Elias Januário, pelo coordenador administrativo Fernando Selleri e três representantes indígenas. Portal UNEMAT- 11/05/2007.

3.1.3 PROESI: ampliando horizontes

Em agosto de 2007, o Projeto 3º Grau Indígena foi transformado em

Programa de Educação Indígena Intercultural-PROESI, conforme Resolução nº

144/2007-CONEPE de 31/08/2007 com objetivo geral de executar os Cursos

de Licenciaturas Plenas e Bacharelado, com vistas à formação em serviço e

continuada de professores e profissionais indígenas nas comunidades

indígenas, assim como a abertura de vagas nos cursos regulares de Pós-

Graduação Lato Sensu e Stricto Sensu, cursos de formação continuada,

acompanhamento de acadêmicos indígenas nos cursos de graduação e

administração do Museu Indígena.

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Esses cursos devem garantir uma práxis fundada nos pressupostos de

afirmação da identidade étnica e da valorização dos costumes, língua,

tradições de cada povo; articular entre conhecimentos e conteúdos culturais

autóctones no cotidiano das aldeias, entendidas como laboratórios vivenciais

entre cursistas, alunos e comunidades indígenas; buscar respostas para os

problemas e expectativas das comunidades.

Somam a esses pressupostos ainda: a compreensão do processo

histórico desenvolvido pelas comunidades indígenas entre si e com a

sociedade envolvente, o processo de incorporação da instituição escolar no

cotidiano indígena; o estudo e utilização das línguas indígenas no trabalho

docente nas escolas das aldeias além de debater acerca dos projetos de vida e

de futuro de cada povo.

A organização dos cursos será configurada como mais uma etapa do

PROESI que se desenvolve em MT e serão implementados com a participação

das Universidades Públicas, do Poder Público Estadual e Federal, de

organizações não-governamentais e de representantes indígenas; visam à

formação em nível de terceiro grau compreendendo licenciaturas plenas,

bacharelado, pós-graduação Lato e Stricto Sensu de indígenas; as graduações

oferecerão vagas aos que tiverem concluído o ensino médio.

Os cursos obedecerão a um regime seriado especial e serão

desenvolvidos de forma a propiciar a formação em serviço; as etapas de

estudos presenciais serão ministradas nos Campi Universitários da UNEMAT

ou em outros locais caso seja necessário e a abertura de vagas nos cursos

regulares será oportunizada mediante a demanda expressa pelas comunidades

indígenas e o apoio financeiro de órgãos de fomento. Em 20/12/2008, a

Resolução nº 051/2007-CONSUNI homologou essa Resolução.

Barra do Bugres terá Museu Indígena com apoio do Mi nistério da Cultura noticia o financiamento de R$ 230 mil para construção do Projeto Museu Memória e Identidade Indígena aprovado pelo Programa “Cultura Viva” para valorizar a diversidade cultural, a arte, a memória e a identidade indígena além de fomentar o turismo em Barra do Bugres. Com um acervo de mais de 800 peças que ficam guardadas no campus da UNEMAT e futuramente estarão expostas no Museu a ser implantado. Portal UNEMAT- 12/04/2007.

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O Museu Indígena ainda depende de recursos para construção da sede,

os recursos aprovados estão previstos para a compra de móveis e

equipamentos para acondicionamento e exposição das peças do “Acervo

Joana Saira”.

A Resolução nº 145/2007-CONEPE aprovou o Regimento do PROESI

que foi homologada pela Resolução nº 052/2007-CONSUNI-20/12/2007

conforme fragmentos a seguir destacados:

• Tem duração indeterminada só podendo ser extinto mediante

justificativa ao colegiado do programa e votado no CONEPE e CONSUNI.

• Patrimônio do programa – Coleção de peças artesanais, acervo

bibliográfico, mobiliário e equipamentos adquiridos com recursos do programa

ou doações, coleção de fotos, filmes, fitas cassete e CDs, acervo de trabalhos

e produções realizadas pelos cursistas, veículos e barcos, colchões, roupas de

cama, utensílios e ferramentas adquiridos pelo programa,

• Financiamento- orçamento composto por recursos oriundos de

convênios e contratos com outras instituições governamentais e não-

governamentais, de doações, consultorias e serviços prestados, do

financiamento de projetos de agências de fomento às atividades de ensino,

pesquisa, extensão e cultura, no país e no exterior, bem como contrapartidas

dos recursos do orçamento da UNEMAT. Execução financeira pela UNEMAT

pelo sistema FIPLAN.

• Processo de aditamento só poderá ser assinado caso haja a

apreciação e aprovação pela coordenação geral e pelo Colegiado de Cursos

com emissão de Parecer que comporá o processo de aditamento.

Em janeiro de 2008 começaram as aulas para a 3ª turma única de 40

alunos (foram ofertadas 50 vagas, porém em decorrência das exigências

contidas no Edital nº 003/2007-COVEST, que definiu como requisito a atuação

na área da educação escolar indígena, além dos candidatos que não puderam

comparecer à prova por dificuldades com o deslocamento e dos candidatos

que não atingiram a pontuação mínima para aprovação, apenas 40 estudantes

foram habilitados a ingressar na turma).

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A Revista RDM publicou a matéria abaixo trazendo como tema central a

situação dos indígenas no Estado de Mato Grosso e destaca o 3º Grau

Indígena, conforme resumo.

O quinhão dos nossos índios relata no subtítulo que índios e sociedade envolvente num mesmo barco por outro mode lo de civilização iniciando com uma contradição quanto à situação dos indígenas mato-grossenses colocando os adjetivos confortantes e caos. O artigo traz dados da FUNAI quanto à questão fundiária, problemas com garimpeiros, madeireiros e envolvimento dos indígenas nesta questão e alcoolismo. Detalha um mapa de MT com o quantum de terras demarcadas (78%), a demarcar (20%) e em demarcação (2%), reservas indígenas (15%) e uma população estimada em 25.123 somando as etnias presentes no estado. A presença do 3º Grau Indígena é mencionada como um fator positivo e ainda relata atuações de indígenas na política e enfatiza que as relações com o governo é considerada boa pautada pelo diálogo e pelos programas governamentais estendidos às comunidades indígenas como o Programa Auto-Sustentável Indígena. Revista RDM, 17/04/2008, pags.18 a 20- Eduardo Gomes- capa.

O Projeto Editorial do PROESI tem como objetivo divulgar a produção

dos universitários e dos docentes e conta com a quatro series de publicações

que tem enfoques variados dependendo das características das produções:

• Série Institucional - reúne as publicações voltadas à divulgação do

programa em seus aspectos institucionais e organizacionais como informativos,

folders, cartazes, banners e calendários.

• Série Periódicos - que reúne os periódicos produzidos e editados pelo

programa, como o Informativo de Notícias e o Cadernos de Educação Escolar

Indígena, que é uma coletânea de artigos com o objetivo de criar um espaço

onde possam ser registradas e divulgadas as experiências vividas e as

reflexões realizadas acerca do processo de ensino-aprendizagem na formação

de professores indígenas, divulgando a um público mais amplo. Tem cinco

volumes (2002, 2003, 2004, 2005 e 2007).

• Série Experiências Didáticas - voltada à viabilização de propostas de

publicações apresentadas pelos estudantes para uso em suas escolas e

aldeias apoiando com orientação pedagógica, lingüística e antropológica.

Possui oito títulos já publicados.

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Figura 15 - Lançamento Museu Rondon – UFMT- 30/07/2008. Foto : Acervo Joana Saira-PROESI.

O lançamento de 2008 foi muito noticiado na imprensa, mostrando que

as pesquisas dos estudantes indígenas estão “ganhando o mundo” (Figura 15).

UNEMAT lança livros de acadêmicos indígenas de etnia s de Mato Grosso noticia o lançamento dos livros Irwa, Ga, Orong e Ikpeng Ungwopnole que aborda as concepções do povo Ikpeng sobre terra, água, mato e mito de origem resultantes das pesquisas de Iokore Kawakum Ikpeng, korotowi Taffarel e Maiuá Meg Poanpo Txicão junto aos moradores mais antigos das aldeias do Parque Xingu. Os livros serão distribuídos nas escolas indígenas e não-indígenas para segundo o coordenador do PROESI “facilitar o entendimento de que não existem diferenças intelectuais entre os povos, apenas culturais. Jornal Expressão- Cáceres, 27/07/2008

• Série Práticas Interculturais - destinada à organização e divulgação das

produções textuais e visuais elaboradas pelos estudantes durante as etapas

presenciais e intermediárias dos cursos nas três áreas de concentração, são

organizadas por temáticas: Vida e Meio Ambiente, Cultura e Sociedade,

Práticas Pedagógicas e Linguagem além do Dicionário Enciclopédico de

Palavras Indígenas, que deverá integrar a coleção Práticas Pedagógicas e

Linguagem.

Estas publicações não são comercializadas e são distribuídas para muitas

instituições ou ainda para as pessoas que solicitam junto ao Programa.

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O PROESI possui um acervo bibliográfico com 3521 livros, revistas,

trabalhos de conclusão de curso, apostilas encadernadas que se encontram na

biblioteca central do campus de Barra dos Bugres para consulta tanto dos

estudantes indígenas quanto dos demais estudantes universitários e

comunidade. Os livros pertencem ao patrimônio do Programa e possuem

número registrado no Livro Tombo, mas os empréstimos são controlados pela

biblioteca central.

O Programa organiza um setor de arquivos onde se encontram

guardados documentos sobre a educação escolar indígena como trabalhos,

textos, cartazes, pesquisas, fotos e monografias de diversos projetos

desenvolvidos no Estado de Mato Grosso, como o Projeto Tucum, além da

documentação pedagógica e administrativa que está catalogada e arquivada

na Secretaria Acadêmica que constitui uma interessante fonte de estudos.

O “Acervo Joana Saira” possui um rico acervo documental com mais de

50 mil documentos escritos, seis mil fotos, 150 fitas de vídeo e mais de 500

peças de artesanato das mais diversas etnias, além das peças doadas pela

família da professora Joana Saira que foi homenageada pelo Conselho dos

Estudantes. “Foi uma profissional cujos laços de relação com os povos

indígenas vão além da esfera universitária, sendo constante defensora e amiga

dos povos indígenas” diz a mensagem “in memorian” feita pelo PROESI à

professora que dedicou oito anos à UNEMAT.

No dia 14/02/2008, o Secretário de Educação do Estado Ságuas Moraes

e a gerente de Educação Indígena da SEDUC, Letícia Queiroz, assinaram dois

convênios com a UNEMAT referentes à abertura de 50 vagas na graduação

para indígenas da região do Araguaia e para a abertura de um curso de

Especialização em Educação Escolar Indígena especifica para indígenas,

consolidando a formação continuada. Além desse convênio, o prefeito de Barra

do Bugres, Aniceto de Campos Miranda estendeu a pareceria até o ano de

2014. Houve apresentação de dança pela etnia Mebêngôkre e todos os alunos.

Professores e colaboradores participaram do evento (Figura 16).

Entre 18 e 20 de junho, o PROESI realizou a Etapa de Planejamento e

Formação 2008/2, com a participação de professores, estudantes, técnicos e

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representantes das instituições parceiras. Após a palestra sobre Arqueologia

no contexto dos Cursos de Licenciatura pelo Professor Luciano, foram

realizadas as mesas redondas com relatos das atividades administrativas,

pedagógicas e das publicações, além dos grupos de trabalho para discussão

de temas como avaliação, pesquisa e planejamento das atividades da Etapa de

Estudos Presenciais realizada no período de 14 de julho a 08 de agosto.

Figura 16 : Assinatura convênios SEDUC e UNEMAT-14/02/2008. Fotos : acervo Joana Saira-PROESI

Entre os componentes curriculares da Turma 2005 estão Matemática,

Física, Literatura, Artes, História, Políticas Públicas para a Educação Escolar

Indígena e Trabalho de Conclusão de Curso e na Turma 2008, os conteúdos

sobre Economia Sustentável, Práticas Pedagógicas, Direito e Legislação, e

Educação para a Saúde. Foram também apresentados os projetos de pesquisa

dos mestrandos e doutorandos que estão realizando pesquisas dentro do

PROESI.

A disciplina Direito e Legislação foi ministrada no período de 28 de julho

a 1º de agosto na sede da UNEMAT em Barra do Bugres. As aulas foram

registradas no Caderno de Memórias que integra o anexo desta dissertação.

No dia 31 de julho foi realizada uma reunião pedagógica com o Coordenador

Adjunto Fernando Selleri e os professores que estavam ministrando as aulas

durante a semana. O objetivo era avaliar as aulas da semana. Muitos pontos

foram abordados e merecem destaque:

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• Os índios usando o espaço deles, valorizando a educação específica e

diferenciada.

• A pesquisa na educação.

• Dificuldades, facilidades e desafios para os professores não-indígenas,

considerando suas concepções e valores.

• A relação sala de aula e professor.

• A produção dos Trabalhos de Conclusão de Curso e as línguas maternas

e a necessidade de mais facilitadores para auxiliar os concluintes.

Em 04/08/2008 os estudantes universitários e a coordenação do

PROESI discutiram a Lei de Responsabilidade Fiscal e Licitações na palestra

ministrada pelo Coordenador Elias Januário que fez um histórico do PROESI

fazendo um levantamento de todas as atividades desde quando foi projetado o

Curso de Licenciaturas Específicas.

O PROESI firmou a carta de entendimento entre os centros associados

da Universidad Indígena Intercultural da América Latina e Caribe (U.I.I.) para

articular as ações na execução de programas, projetos e ações de formação,

capacitação e educação superior indígena. A rede é constituída pelo Fundo

para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas da América Latina e Caribe

(Fondo Indígena) e mais de 20 instituições ligadas ao Ensino Superior, em

países como Bolívia, Peru, Equador, Chile, Colômbia, México, Brasil e outros

da América Latina e Caribe.

Para o Prof. Dr. Marcus Maia, docente na área de Lingüística do

PROESI, a primeira conseqüência prática da participação nesta rede para as

três universidades brasileiras (UNEMAT, UFRR e UFRJ) será a indicação de

indígenas brasileiros para participar do curso de Especialização em

Revitalização Lingüística e Cultural, que será realizado na capital do Peru.

Após onze anos, marcando sua fase pré-adolescente, o PROESI foi

transformado em Faculdade Intercultural Indígena por meio de tese

apresentada pela equipe do Programa em conjunto com os estudantes

indígenas. Foi aprovada no II Congresso Universitário da UNEMAT e

possibilitará a ampliação e abertura de novos cursos materializando mais uma

conquista da educação superior indígena. Com a aprovação no CONSUNI

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todas as atividades farão parte da Faculdade Intercultural Indígena e na

próxima década se fortalecerá como uma faculdade independente e autônoma.

A Assembléia Legislativa de Mato Grosso agraciou o PROESI com uma

Menção Honrosa pelo seu trabalho desenvolvido junto aos povos indígenas na

formação de professores em sessão extraordinária realizada em 11 de

dezembro. Ao receber o prêmio, o Coordenador Geral do PROESI, Prof. Dr.

Elias Januário destacou que "o PROESI tem dado certo porque trata de um

trabalho coletivo, construído com os povos indígenas, com o propósito de

fazer valer os direitos constitucionais em relação às comunidades indígenas".

3.2 Eventos e narrativas interculturais

As narrativas de professores, colaboradores, egressos e estudantes do

PROESI ao contar suas vivências, suas perspectivas e como constroem os

seus mosaicos de conhecimentos, revelam a sociodiversidade brasileira com

suas experiências, dificuldades, facilidades e desafios na arte da docência, da

aprendizagem e do compromisso de formação e multiplicação do conhecimento

nas escolas indígenas.

As conferências e encontros representam legítimos fóruns de debates e

auxiliam na confecção das políticas publicas e governamentais.São esses

momentos de reflexões e balanços das atividades que trazem o fortalecimento

dos movimentos sociais e promovem “autênticos diálogos interculturais”.

Assim, como forma de resgatar as diretrizes do ensino superior indígena

presente na fala dos participantes, utilizamos as contribuições dos participantes

da “I Conferência Internacional sobre Ensino Superior Indígena - Construindo

Novos Paradigmas na Educação”, ocorrida em Barra do Bugres-MT nos dias

23 a 25 de setembro de 2004.

Essas contribuições estão inseridas nos anais do evento e também em

várias reportagens que foram selecionadas destacando os assuntos discutidos

nas palestras com as percepções dos participantes, bem como das

possibilidades de intercâmbio entre os países, Universidades, gestores

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públicos e sociedade em geral, corroborando com a exteriorização desses

desafios, avanços e perspectivas em torno da educação superior indígena.

Conferência apresenta experiências latino-americana s em ensino

superior indígena - UNEMAT/NOTICIAS-24/09/2004, destaca:

A questão dos povos transfronteiriços verificada na fala de Fernando

Prada, Representante da Universidad Mayor de San Simon enfatizando que

“dentro dessa realidade transfronteiriça podemos identificar povos como os

Guaranis que estão tanto na Bolívia, como no Brasil, Paraguai e Argentina”,

demonstrando a importância da discussão conjunta entre os países latino-

americanos.

A educação própria também foi um ícone debatido e esteve na fala de

Jorge Garcia, representante do Equador dizendo que “esta conferência vai

demonstrar que os povos e nacionalidades podem construir coisas distintas e

próprias e que ajudem a repensar o processo educativo desses países”.

Documento produzido na Conferência Indígena será ap resentado a

Governos Latino Americanos, Portal UNEMAT-27/09/2004, ressalta a

confecção do documento organizado por representantes dos participantes da

conferencia, com solicitações e propostas para subsidiar a formulação de

políticas publicas para o ensino superior indígena, discutidas por 11 grupos de

trabalhos compostos por representantes de 38 etnias, universidades,

movimentos indígenas e indigenistas, organizações governamentais e não-

governamentais.

A índia Paresi Francisca Novantino que ressaltou que “o sentido do

ensino profissional indígena é baseado no fortalecimento étnico na

subsistência econômica, política e cultural dos povos”.

Além das experiências na America Latina foram divulgadas as

propostas desenvolvidas ou a serem implantadas por onze estados brasileiros,

Mato Grosso do Sul foi abordado por atender duas turmas de normal superior

e adotado o sistema de cotas para indígenas.

Outro depoimento sobre a experiência do 3º grau indígena foi da estudante

universitária da etnia Umutina Edna Monzilar que disse “com o 3º Grau a gente

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viu que não mudamos nada. Que somos índios do mesmo jeito. À medida que

aprendermos vamos buscando tudo aquilo que praticamente estava perdido.

Estamos conhecendo e dando valor a nossa história, e fazendo com que

nossos alunos também conheçam”.

Representantes da ONU e governo mexicano discutem e ducação

indígena. Portal UNEMAT-25/09, a notícia traz a participação da ONU na

conferência,

A Representante da Universidade da Paz, Flor Cubero Venegas que

enfatizou que “para que realmente se cumpra o direito de educação para todas

as nações unidas tem fortalecido o empenho em solicitar dos países que

assegurem a educação indígena com base na necessidade desses povos e a

ONU tem recomendado aos governos que construam políticas voltadas para

garantir o direito desses povos”.

Sylvia Schmelkes, representante do México destacou que somente

após uma reunião na Guatemala em 2002 que o México implantou a primeira

universidade intercultural e destacou a importância dos encontros, pois “esse é

um impulso para que se vá adiante. E indica interesse comum em ampliar o

que já está sendo feito e de construir coisas novas”.

FUNAI mostra investimentos na educação escolar indí gena em

conferencia de ensino superior- Jornal da Coordenação Geral de Educação

da FUNAI- outubro de 2004 - ano I - nº 01 destaca que Maria Helena Fialho,

Coordenadora Geral de Educação da FUNAI mostra no evento a planilha de

investimento do órgão, mas destaca que cabe ao Ministério da Educação

definir políticas para garantir o acesso, a permanência e o sucesso dos

indígenas no ensino superior. “Para isso, é necessário o reconhecimento dos

indígenas enquanto povos, que implica tratá-los a partir da ótica de seus

diferentes projetos societários, que significa também garantir a sua

participação em todo o processo de definição de implementação dessa política,

ou seja, na formulação e execução”.

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Barra do Bugres sediou Conferência que discutiu a q ualidade na

educação indígena - O Estadão- Cuiabá 29 a 30/09/2004- p.12-Fonte

SECOM e UNEMAT noticia a 1ª Conferência Internacional sobre Ensino

Superior Indígena, onde estiveram reunidos representantes de cinco países da

América Latina além de pesquisadores, educadores e lideranças indígenas

que discutiram, relataram experiências, diagnosticaram a importância das

conquistas e traçaram novas perspectivas de avanços.

Otto Ricardo Rivera Alvarez, representante da UNESCO da Guatemala

enfatizou que “a língua, cultura e a afirmação da identidade própria desses

povos é a parte constituída do novo paradigma educativo”, o que contribuiu

para ressaltar a importância da educação voltada para os povos indígenas e

construída por esses povos.

O evento teve inúmeros colaboradores para sua realização como a

SECITEC, Governo de MT, UNEMAT, SEDUC, MEC, FUNAI, Conselho de

Educação Escolar Indígena, Prefeitura de Barra do Bugres além de apoiadores

como a UFMT, Assembléia Legislativa/MT, Conselho Estadual de Educação,

Organização dos Professores Indígenas de MT e Organização das Nações

Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (UNESCO).

As narrativas dos palestrantes, dos colaboradores e dos alunos

enfatizam a importância desses encontros de discussões como também da

participação no PROESI e apontam os indicadores de construção e condução

desta modalidade de educação intercultural.

Fleuri (2000) destaca que:

A educação intercultural se configura como uma pedagogia do encontro até suas últimas conseqüências visando a promover uma experiência profunda e complexa, em que o encontro/confronto de narrações diferentes configura uma ocasião de crescimento para o sujeito, uma experiência não superficial e incomum, de conflito/acolhimento. No processo ambivalente da relação intercultural é totalmente imprevisível seu desdobramento ou resultado final.

A professora Jurandina Sales ministra aulas no PROESI e aqui narra a

importância do programa destacando as dificuldades encontradas, os

momentos de preparação fundamentais para interação e integração de alunos,

professores e auxiliares pedagógicos. A preocupação com o aprendizado dos

estudantes universitários percorre caminhos que vão além das práticas

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didáticas nos períodos presenciais ou intermediários, os quais ela demonstra

satisfação em contribuir:

Participar desse programa de formação de professores indígenas, no inicio foi um desafio. Mas, depois das viagens pelas aldeias no período das etapas de acompanhamento intermediário, de ver as pessoas mais experientes falarem nos momentos de preparação de cada etapa, fui entendendo o processo diferenciado do programa, a cultura, as dificuldades que nossos professores formadores tem em suas comunidades.

A partir dessas constatações fui me sentindo útil dentro do programa, agora sei o quanto o pouco que sei, é útil a outros professores, principalmente nas questões didáticas, do vamos ver na sala de aula, pois discurso pedagógico é uma coisa e fazer acontecer para fluir resultados é outra muito diferente.

Gostaria de poder ajudar mais, pois me sinto muito útil ajudando lá na escola deles, vendo as dificuldades de planejar uma aula, de dar seqüência num conteúdo, questões que às vezes pensamos que já tenham superado, mas não. E o grande objetivo desse curso é isso "aprender a aprender", ou seja, aprender a dar aulas dando aula, muitos deles tem tantas dificuldades, mas acredito que estamos no caminho, gosto do que faço nesse programa, tanto que não meço esforço para estar presente sempre que sou solicitada.

Os estudantes/professores têm dificuldades em relação ao apoio pedagógico por parte das prefeituras, pois a maioria das escolas são de responsabilidade dos municípios e as secretarias não dão um apoio adequado, poderiam fazer um trabalho junto ao PROESI, uma vez que estamos fazendo muitas vezes nossa parte como docente de um acadêmico e coordenadora pedagógica escolar.

A professora Hébia Thiago de Paula, bióloga e atuante na equipe

pedagógica descreve a importância de vivenciar valores dentro do contexto da

universidade e reforça a questão do compromisso com uma educação

construída a partir das dificuldades da aprendizagem:

Trabalhar no Indígena tem sido um processo de aprendizagem constante. Encontrei em sala de aula atitudes que não encontrei em nenhuma outra sala do ensino regular. Respeito, credibilidade e confiança são atitudes cabíveis a todos os professores que entrar em uma sala de aula no PROESI. Com relação às dificuldades, são nítidas as deficiências de conteúdos básicos, pois a maioria não teve acesso a uma educação de qualidade. Essa situação faz com que tenhamos um maior comprometimento com as nossas atividades pedagógicas.

A professora Marinez Santina Nazzari, responsável pela área de

linguagem, narra sua participação no programa e enfatiza as diretrizes que

fundamentam a educação intercultural. Prepondera em sua fala a preocupação

com a lingüística, tanto com o português e a língua materna. É importante

observar a dificuldade do planejamento e do caminhar entre os dois mundos,

entre as diversidades culturais. Isso possibilita a reflexão e o engajamento:

Iniciei meus trabalhos no PROESI em 2007 (mês de março). Minha primeira atuação foi nas oficinas pedagógicas da etapa de estudos cooperados de ensino e pesquisa 2007/1. Naquela ocasião viajamos para as aldeias pólo, que foi uma experiência muito rica no sentido de conhecer a nossa clientela e compreender alguns aspectos que os diferenciam dos demais estudantes de graduação.

As visitas e as oficinas de 2007 me proporcionaram algum entendimento sobre o processo escolar, que para nós não-índios parece tão natural existir, e as diferentes culturas. Passaram a fazer sentido as angustias apresentadas por eles nas etapas presenciais.

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A atuação na sala de aula das etapas intensivas tem me ensinado muito sobre todos os aspectos, mas principalmente sobre particularidades lingüísticas, que quando entendidas me fazem ampliar a própria compreensão da língua portuguesa.

Outra questão muito relevante é a forma como o Programa constrói dialeticamente a matriz norteadora da formação dos professores. Isso também me proporciona reflexões sobre os processos formativos a que somos submetidos os professores da sociedade envolvente.

Nesse trabalho de dois anos (2007 e 2008) a principal dificuldade talvez seja a de transitar com o planejamento elaborado pela equipe em meio a tanta diversidade cultural e de experiências com a educação escolar.

Mas isso exige que se faça um deslocamento daquilo que temos como modelo de valores e de sistema educacional e novamente nos coloca diante da oportunidade de reflexão e de um verdadeiro curso de estudos culturais (aqui como aprendiz).

O Professor José de Alencar Simoni (Cajá), professor de Química da

Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP, professor convidado do

programa destacou seu olhar comparativo entre o desejável e o possível, entre

o PROESI e a escola do não-índio. Relatou sobre a organização do programa

quanto à logística e atendimento aos professores e estudantes. A importância

do professor - auxiliar, das avaliações e das dificuldades tanto do professor

quanto do aluno na disciplina neste espaço multicultural e polifônico.

Quando fui convidado a atuar no PROESI, fiquei muito lisonjeado, ao mesmo tempo apreensivo. Tratava-se de uma experiência totalmente nova para mim, cujos contornos eram difíceis de prever. Tivemos algumas reuniões anteriores com o Prof. Elias, juntamente com a equipe que participaria da área de Matemática e Ciências da Natureza, Professores: Arguelo, Maria Antônia, Zoraide, Roseli e Cajá. Nessas reuniões traçamos nossa atuação junto ao curso, ficando estabelecido, em princípio, que nortearíamos nossa atuação em sala de aula em atividades de caráter prático experimental. Também estaríamos preocupados com a capacitação dos professores no sentido de dar-lhes autonomia e não, meramente, conhecimento acabado.

Não tivemos nenhuma dificuldade com a disponibilização de espaço, materiais e equipamentos. A coordenação do projeto sempre providenciou o que necessitávamos.

Em sala de aula as dificuldades eram mais freqüentes em relação às ferramentas matemáticas e de português. Senti muitas dificuldades no trato da Química, principalmente em relação a esses dois fundamentos.

Procurei apresentar meus trabalhos iniciais utilizando ferramentas diversas. Dessa forma, procurei, por exemplo, numa atividade prática, informar aos alunos, apenas verbalmente, todo o procedimento experimental (simples). Num segundo momento, as informações eram repassadas apenas de forma escrita e os alunos realizavam a outra atividade. Num outro momento, combinei a apresentação das informações: parcialmente escritas/ parcialmente via oral.

Por serem práticas, as atividades sempre exigiam relatos do experimento. Num primeiro momento apresentávamos um roteiro de relatório totalmente pronto, bastando aos alunos a complementação dos espaços vazios. Num segundo momento pedimos algumas considerações por escrito, além da colocação dos dados em espaços vazios e assim por diante.

Utilizamos com bastante freqüência a apresentação oral dos trabalhos e estimulamos o trabalho em grupo. Em geral os alunos apresentaram boa disposição para ir ao quadro e apresentar seus resultados. Percebe-se uma grande dificuldade dos estudantes indígenas em generalizar fatos, para eles, no geral, cada informação morre em si mesmo. Cada resolução é única e particular. Para tentar evidenciar essa generalização de resultados, procuramos repetir várias vezes o mesmo experimento para sistemas diferentes, mas o resultado não foi muito positivo.

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Também percebi que os estudantes consideram que suas perguntas não são perguntas gerais e de interesse de todos. Quando alguém perguntava e a pergunta era apresentada à classe como um todo, antes de ser respondida para todos os alunos, parece que o estudante ficava insatisfeito com aquilo, pois repetia a pergunta em particular e que deveria ser respondida no particular. Era muito comum, em um mesmo grupo, a mesma pergunta ser feita por três alunos diferentes em seqüência, parecendo uma aula particular.

Também verificamos que a atuação de dois docentes ao mesmo tempo e com “times” diferentes, melhora o aprendizado dos alunos. Muitas vezes, o Professor não consegue perceber, ao mesmo tempo de sua fala, qual é o problema do aluno e qual deve ser a estratégia a ser usada. Um segundo docente percebe isso mais claramente e pode intervir com a ferramenta apropriada.

A maior dificuldade que tivemos foi a não utilização de uma avaliação formal dos alunos, por provas, exercícios, etc. Procuramos avaliar apenas sua participação em sala de aula e o material apresentado por eles sobre as atividades experimentais ou exercícios dentro do relatório. A própria estrutura do curso não permite ao aluno, um tempo para que ele assimile o conteúdo e tente, por conta, superar suas dificuldades por si só. Como as aulas são dadas o dia todo e não há intervalos, o assunto é apresentado, não há tempo para reflexões, estudos extra-classe e retorno com dificuldades a serem discutidas.

No inicio, o curso de formação pretendia ser mais universal, os alunos passariam quatro dos cinco anos tendo as mesmas atividades, independente da área a que se dedicariam no futuro (último ano). Para nós da área de Matemática e Ciências, isso, logo de início, pareceu um grande equivoco. Afinal, na escola do não índio, estamos acostumados a um estudo mais focado na área. Não conseguimos nos convencer de que a sistemática adotada pelos criadores do curso estivesse correta.

Em nossa área, a formação com competência, exige um tempo muito maior dedicado aos assuntos pertinentes a ela. É impossível alguém se formar bem, em cinco anos, numa área larga como essa, mesmo tendo cinco anos de aulas só do conteúdo específico, quanto mais em apenas um ano.

Uma dificuldade comum também entre os universitários não índios é a falta de interesse na atividade e na sua formação, além de sua preparação anterior ser deficiente. Esse é um quadro bastante notório no PROESI. Há muitos alunos que não teriam condições mínimas de acompanhar as atividades, mesmo considerando-se que as mesmas são oferecidas num nível bastante elementar. Também nota-se que há muitos alunos cujo interesse está focado em outra coisa. Tem-se a impressão de que está ali, apenas, cumprindo tabela. Nesses casos fica difícil obter uma boa formação. Esses alunos contaminam outra parte de alunos com interesse pouco evidente, arrastando alguns deles para o desinteresse.

A diversificação de cursos, a diminuição do número de vagas, o estímulo à concorrência em um vestibular mais forte ou adotando-se, inclusive, um ingresso maior e com um filtro logo no fim do primeiro ano para reter parte dos alunos, a atribuição de um sistema de bolsas e o aluno se vira, durante 4 anos, em período integral e estágios nas aldeias no período de férias, penso que daria melhores resultados.

Nestas narrativas os professores demonstram o envolvimento com o

Programa pela possibilidade de relatar suas vivências num modelo de

educação diferenciada comparado com o ensino regular. Concluem que o

trânsito pelo ensino diferenciado, bilíngüe e intercultural requer um profissional

sensibilizado com a diferença para que essa relação dialógica seja verificada

na prática.

Para Souza e Fleuri (2003), essa preocupação narrada pelos

professores é um dos pilares da educação intercultural:

A educação intercultural se preocupa com as relações entre seres humanos culturalmente diferentes uns dos outros. Não apenas na

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busca de apreender o caráter de várias culturas, mas, sobretudo, na busca de compreender os sentidos que suas ações assumem no contexto de seus respectivos padrões culturais e na disponibilidade de se deixar interpelar pelos sentidos de tais ações e pelos significados constituídos por tais contextos e nos coloca face a face com o estranho, com a diferença, como desconhecido, que não pode ser reconhecido nem apropriado, mas apenas conhecido na sua especificidade diferenciadora. Não se trata de reduzir o outro ao que pensamos ou queremos dele. Não se trata de assimilá-los a nós mesmos, excluindo sua diferença (SOUZA e FLEURI, 2003, p. 68-69).

O PROESI por ser este lugar plural, multiétnico faz com que o professor

não-índio e até o professor indígena repense seus valores, mude seus

conceitos de que a educação é “um lugar comum”, pois só a partir dessas

reflexões é que “os significados podem ser reelaborados nos processos de

interação social” (AZIBEIRO, 2003, p.96).

3.3 Aspectos sobre o Direito Indígena

Como conhecer o Programa de Educação Superior Indígena Intercultural

e contar sua história sem vivenciar uma experiência?

Este foi o primeiro questionamento para encaminhar esta pesquisa. A

orientação veio no sentido de fazer algo que não ficasse apenas como

observador-selecionador de documentos ou ainda como o pesquisador que

relata tudo, ouve tudo, mas não se envolve. Mas como me envolver, tornar

parte, sem necessariamente ser um?

Para tentar solucionar as duas questões acima e absorver a idéia de

participação no PROESI comecei as leituras dos textos de Antropologia. Já

havia visto a disciplina no curso de Licenciatura em História e as palavras

pareciam familiares, embora não tivesse uma análise mais aprofundada sobre

a etnografia.

Comecei a ler “A interpretação das culturas” de Clifford Geertz, e assim

consegui entender as várias metáforas surgidas na orientação: “enxergar por

sobre os ombros”, “a etnografia da janela do carro”, “interpretar e não explicar”,

“traços da realidade”, “as inúmeras tartarugas segurando o mundo” e tantas

outras que faziam eco em meus pensamentos.

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“Faça alguma coisa ligada à arte!” Essa sugestão eu não esqueci.

Juntamente com os “ecos” e as leituras fomos delineando algumas idéias,

muitas delas nem chegaram a sair do pensamento, talvez pela insegurança de

adentrar num mundo de descobertas do “outro”, do “nós”, do “eu”.

Aos poucos as leituras me faziam conhecer as classificações da

Antropologia e com base nas características consegui agrupar três pontos de

contato para o estudo proposto: Cultural, Social e Jurídica.

3.3.1 Construindo diálogos com a Antropologia

A Antropologia Cultural18 implica um ponto de contato entre a Ciência

Social que propõe conhecer o homem enquanto elemento integrante de grupos

organizados e a Ciência Humana que se volta especificamente para o homem

como um todo: sua história, suas crenças, usos e costumes, filosofia,

linguagem, etc., isso implica um estudo envolvendo a comunidade e seus

integrantes, tanto no aspecto comunitário quanto no individual.

Segundo Da Matta (1990:150) a Antropologia Social toma como “ponto

de partida a posição e o ponto de vista do outro, estudando-os por todos os

meios disponíveis”, sejam pelos dados históricos, fatos econômicos, políticos,

“nada deve ser excluído do processo de entendimento de uma forma de vida

social diferente”.

Daqui surge a motivação para estudar e compreender o ponto de vista

dos estudantes universitários indígenas. Quais são os códigos de valores na lei

indígena de suas comunidades? Qual o posicionamento sobre o “Direito

Ocidental” e o “Direito Indigenista”?

As respostas para estes questionamentos estão aqui delineadas, pois a

partir das oficinas e da disciplina, os estudantes universitários trazem para o

contexto da sala de aula a vivência na aldeia e as normas de cada etnia,

revelando os códigos de valores e as leis em suas comunidades.

18 Cf. site http://pt.wikipedia.org/wiki/Antropologia_cultural

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Para Colaço (2008, p.29-30) a Antropologia Jurídica pode ser

caracterizada como o estudo do Direito das sociedades simples; além das

instituições do Direito da sociedade contemporânea; do Direito comparado

entre diferentes sistemas jurídicos, sejam de sociedades primitivas ou

modernas e do pluralismo jurídico com múltiplos sistemas normativos, que

ignoram o monismo estatal.

Assim, depois de algumas conversas, decidimos que a temática se

relacionaria com o Direito e suas contribuições. Ainda numa fase preliminar da

pesquisa fui convidada a transitar pelo PROESI e visitar a sala da turma

2008/1.

Depois da apresentação o coordenador sugeriu que fizesse uma oficina

sobre alguma legislação, para assim me ambientar e formular os objetivos da

pesquisa. Percebi que havia interesse pelos estudantes universitários

indígenas em saber mais sobre o Direito. Para a pesquisadora surgia um

desafio: como seria ministrar aulas no PROESI com a abordagem de uma

ciência que tem um “número sem fim” de temas a serem trabalhados?

Lembrei de um trecho de Geertz (1989) retratando que,

olhar as dimensões simbólicas da ação social – arte, religião, ideologia, ciência, lei, moralidade, senso comum – não é afastar-se dos dilemas existenciais da vida em favor de algum domínio empírico de formas não-emocionadas: é mergulhar no meio delas. A vocação essencial da antropologia interpretativa não é responder às nossas questões mais profundas, mas colocar à nossa disposição as respostas que outros deram e assim incluí-las no registro de consultas sobre o que o homem falou (GEERTZ, 1989 p. 40-41).

Quando voltava de Barra do Bugres comecei a dimensionar como seria

esta experiência, atuar como docente, pesquisar e vencer meus próprios

desafios. Na semana que fiquei em Cáceres comecei realmente a planejar e a

ver materializar-se um projeto de pesquisa, pois as outras tentativas foram

abortadas. Mas garanto que a troca foi desafiadora e empolgante e ainda

estaria novamente na UNEMAT ministrando aulas.

O desafio então estava lançado, “alea jacta est”, “a sorte está lançada”

como disse Júlio César, às margens do Rio Rubicão, na Itália em 49 a.C..

Tudo corria conforme o desejado. Havia encontrado o local e os sujeitos

da pesquisa, mas aí surgiram muitas questões. Qual tema trabalhar? Qual

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tempo estipular para a oficina? Como seria a aceitação da turma tanto dos

temas, quanto da pesquisadora?

Ao ler as experiências de Foote-White (1990) no texto “treinando a

observação participante” compreendi a importância de “ser aceito, conquistar a

confiança” do grupo pesquisado, pois este analisa quais as intenções do

pesquisador na medida em que o conhece. Na pesquisa colaborativa, isso se

torna a peça principal de um mosaico, aquela que imprimirá o resultado do

trabalho de busca de percepções e de novos conhecimentos.

Diante de tantos questionamentos, havia um quesito já superado, iria

dialogar sobre o Direito com os alunos, uma ciência complexa e apaixonante.

Assim, o desafio ficou maior, unir as ciências num mosaico intercultural e

encontrei em Santos e Nunes (2005) uma explicação para esta empreitada,

[...] julgamos como indispensável para uma efetiva concretização dos direitos indígenas constitucionalmente reconhecidos, o debate do direito com outros ramos do saber, em especial, a história, a sociologia e a antropologia. Faz-se necessário que o direito abra-se para outros saberes, para novos desafios, pois somente assim restarão vencedores aqueles que lutam por um direito plural e multicultural (SANTOS e NUNES, 2005, p.24).

Ao buscar esse diálogo entre educação ambiental, formação de

professores e antropologia jurídica dentro de uma metodologia colaborativa

queremos abrir espaços pedagógicos de criação, de pesquisa e de alternativas

didáticas e metodológicas.

Colaço (2006) nos leciona sobre a responsabilidade dos profissionais da

área jurídica para que o “Direito exista de fato para todos” e devemos semear a

cultura da “naturalização” do Direito presente no cotidiano das pessoas e

compreender que,

O Direito não deve ser um ente distante e inatingível para a maioria das pessoas. O Direito a ter direitos, deve permear o dia-a-dia dos seres humanos, ou seja, deve ser valorizado e estar presente no cotidiano dos homens. Isto significa que o Direito deve estar presente o tempo todo e para todos, e não apenas em momentos de conflitos, de extrema necessidade, de violência exacerbada, de flagrantes injustiças; ou mostrar-se somente para uma pequena parcela privilegiada da população e que já está na hora de sairmos do isolamento e entrarmos em contato com o mundo real, com os marginalizados, com os excluídos, com o diferente, possibilitando a aquisição de uma maior sensibilidade com os problemas do outro (COLAÇO, 2006, p. 1).

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Corroboro com esse entendimento e acredito que sempre podemos

garantir o direito à informação independente da maneira como é abordado, seja

por intermédio de palestras, de textos produzidos e informação nos locais em

que você frequenta.

3.3.2 Direito Ocidental, Indigenista e Indígena

Comecei a preparar a primeira oficina. Já havia estudado sobre o

Decreto nº 6040/2007 que trata das populações tradicionais e sua visibilidade

no mundo político e jurídico de maneira formal. O que isso implicaria sobre

direitos indígenas?

A população indígena é uma das comunidades tradicionais elencada

como destinatária desta legislação, e um ponto fundamental encontrado seria o

diálogo entre os indígenas com outros povos para fortalecerem seus direitos no

cenário nacional e internacional, mesmo já tendo seus direitos específicos

estipulados na CF/88 e nas leis infraconstitucionais.

A oficina realizada em 14/02/2008 foi possibilitada com a anuência da

Professora Francisca Novantino que cedeu seu horário para a abordagem do

Decreto Presidencial 6040/2007, em aula expositiva, com a participação dos

alunos em forma de seminário integrador. Após houve uma preleção com os

universitários, em uma dinâmica, sugerindo os temas para a disciplina que

seria planejada para julho de 2008 na etapa presencial.

A aula teve início às 7h30min. Antes de começar as atividades foi feita a

leitura do Caderno de Memórias por um acadêmico. Este caderno é uma

metodologia adotada pelo PROESI em que um aluno escolhido na lista de

presença relata todas as atividades feitas na aula do dia anterior, lê em voz alta

para a classe, após a saudação à turma.

Esta técnica tem funcionado como uma forma de apoio pedagógico e

também como uma maneira de registro das aulas, assim professores e alunos

podem utilizar para melhorar o desempenho e promover mudanças nos planos

de ensino caso se mostrem insuficientes com a proposta da educação

intercultural.

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Adotei esta técnica para relatar minhas impressões sobre o conteúdo

das aulas do mês de julho e foi produzido durante a semana. Não foram feitas

transcrições da literatura e contêm a dinâmica das aulas, do interesse dos

estudantes pelos temas e ainda da seqüência cronológica dos acontecimentos,

requisitos de uma narrativa.19

Após a apresentação pela Professora Francisca Novantino, distribuí o

texto do decreto com auxílio do monitor Félix que me passou algumas

orientações. Foi proposta a leitura individual do Decreto Presidencial nº 6040

de fevereiro de 2007, por tratar da legislação mais recente que envolve as

Comunidades tradicionais e os povos indígenas inseridos neste contexto,

sendo também portadores de direitos e obrigações.

A Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e

Comunidades Tradicionais recomenda uma educação diferenciada, de acordo

com as características próprias de cada povo ou comunidade de modo a

“garantir e valorizar as formas tradicionais de educação, e fortalecer processos

dialógicos como contribuição ao desenvolvimento próprio de cada povo e

comunidade garantindo a participação e controle social tanto nos processos de

formação educativos formais como nos não-formais”.20

Feita a leitura do decreto na íntegra e à medida que os alunos tinham

dúvidas permeavam-se os questionamentos. Os termos técnicos e a forma da

escrita da lei provocaram dúvidas que foram sendo sanadas.

A aula foi interrompida às 09h30min por ocasião da cerimônia de

assinatura dos convênios entre SEDUC e PROESI, conforme notícia veiculada

em 15/02/2088 no Portal UNEMAT:

Secretário de Educação Ságuas Moraes Sousa esteve em Barra do Bugres visitando o Programa de Educação Superior Indígena Intercultural - PROESI - juntamente com a gerente de Educação Indígena da SEDUC, Letícia Queiroz, ocasião em que assinou dois convênios com a UNEMAT referentes à abertura de 50 vagas na graduação para indígenas da região do Araguaia e para a abertura de um curso de Especialização em Educação Escolar Indígena. Também participou da cerimônia o prefeito municipal de Barra do Bugres, Aniceto de Campos Miranda, que assinou convênio com a UNEMAT estendendo a parceria até o ano de 2014. Durante o evento, que contou com a participação de Lideranças Indígenas e

19 Vide apêndices. 20 BRASIL. Decreto nº 6.040, de 07 de fevereiro de 2007. Dispõe sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Brasília. 2007.

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demais autoridades, os Mebêngôkre saudaram o secretário apresentando uma dança tradicional de seu povo. Segundo o Coordenador do programa, Prof. Dr. Elias Januário, esse dia representou mais um marco na Educação Escolar Indígena com a oficialização da abertura de uma pós-graduação específica para indígenas e a consolidação da formação continuada para os Povos Indígenas (Equipe PROESI).

Ao retornarem às 14h30min, foi proposta uma atividade em que foi

distribuída uma ficha para que os alunos se identificassem e escrevessem

quais temas no Direito eles gostariam de estudar na disciplina “Direito e

Legislação” na etapa presencial em julho.

Logo após, receberam um questionário com perguntas sobre o Decreto

nº 6040 para que entregassem em julho na etapa presencial. Após coletar as

fichas, voltamos a analisar o decreto e os alunos questionaram sobre a

ausência de políticas públicas para os indígenas.

Questões sobre o Decreto Presidencial nº 6040/2007

1. O acadêmico já conhecia o texto do Decreto? 2. A visibilidade política e jurídica, um dos fundamentos dessa política será

realmente alcançada no contexto atual no Brasil? 3. Houve algum contato entre os representantes das populações indígenas da

Comissão Nacional em sua aldeia? 4. Como são tratados os eixos Identidade e Território em sua comunidade? 5. Quais as necessidades e anseios de sua comunidade quanto à

implementação dos eixos temáticos da política? 6. Quais as ações e os programas governamentais que foram ou estão sendo

implementados em sua aldeia? 7. As oficinas sobre legislação serão importantes para o PROESI? 8. Como poderão ser multiplicadas as informações em sua aldeia? E dentro das

escolas? 9. Faça uma oficina sobre essa legislação em sua aldeia ou sala de aula e

recolha as percepções dos alunos ou membros da comunidade

Apresentamos aqui as respostas apenas das questões 5 e 9: Quais as

necessidades e anseios de sua comunidade quanto à implementação dos eixos

temáticos da política? Faça uma oficina sobre essa legislação em sua aldeia ou

sala de aula e recolha as percepções dos alunos ou membros da comunidade.

A escolha dessas questões revelam os anseios das comunidades e

podem servir como indicadores e indicativos para fundamentar as demandas

das comunidades indígenas quanto aos eixos temáticos contidos no Decreto,

referentes à identidade, territórios, programas e ações governamentais, uma

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vez que são as comunidades tradicionais que devem se auto-identificar para

que sejam implementados os outros dois eixos.

Nossas lideranças orientam a comunidade para valorizar e defender o nosso território tradicional onde nasceram e viveram nossos ancestrais. Estamos lutando para demarcar o Kapôtnhinore, que também é nosso território que foi invadido pelo não-índio, os velhos também nos orientam para manter a nossa cultura tradicional. (Beboiti- Mebêngôkre) Sempre na minha comunidade reunimos para poder realizar uma reunião junto com a FUNAI para que a nossa demarcação saia logo para que dentro da nossa terra praticamos as nossas identidades porque da terra precisamos tudo que tem. (Arlindo- Kayabi) A nossa identidade cultural até hoje está presente no nosso dia-a-dia, mantendo as tradições dos nossos antepassados. Referente ao nosso território podemos afirmar que hoje estamos assegurados pó lei. (Rosa-Zoró) A intenção das comunidades é elaborar o projeto através da política desenvolvimento sustentável de qualidade de vida, o projeto de peixe, projeto de pequi para permanecer a sua alimentação tradicional e também fortalecer as suas culturas. (Cosme-Xavante) Sim, a comunidade tem muita vontade que o texto se torne uma realidade entre a comunidade, ou seja, que a escrita se transforme em ações. (Alzirene-Tapirapé) Em relação a essa implementação a prioridade seria educação e saúde que está sendo necessário no momento, e recurso para poder desenvolver algum trabalho dentro da aldeia. (Edinho-Bororo)

A segunda questão escolhida traz relatos de como o estudante

universitário de posse dessas informações multiplicaria na aldeia. Para essas

percepções não foram estabelecidos critérios e nem metodologias de

abordagem, funcionando de maneira livre.

A multiplicação e produção de novos conceitos consistem num dos

objetivos desta pesquisa colaborativa e como professores/membros da

comunidade, esses colaboradores se dispuseram a informar a comunidade

sobre o Decreto e sua influência no cotidiano da aldeia.

Hodiernamente essas técnicas são muito utilizadas nos projetos

socioambientais que visam multiplicar as informações, onde as pessoas são

capacitadas e posteriormente multiplicam o conhecimento técnico-cientifico-

social, beneficiando assim toda a comunidade.

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As idéias das comunidades, quanto dos alunos, são a mesma: que não pode ser só escrita no papel para ser de enfeite. Mas sim, que seja colocada em prática e seja cumprida realmente. (Cecílio-Paresi) As percepções do meu povo Umutina e do nosso chefe de posto é o seguinte: ainda falta atenção direcionada às comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhos. É necessário que se descubra a importância de manter estas populações no seu território tradicional, oferecendo um mínimo para sobreviver. (Rosiney- Umutina) Nossas lideranças já sabem sobre esse plano do governo. Através do Administrador de Regional de Colíder-MT participaram de uma reunião com técnicos do governo, representantes do Banco Mundial e Interamericano para discutir um projeto de coleta de comercialização de óleo de copaíba, breu branco, seringa e apicultura. (Patkore- Mebêngôkre) Esta oficina foi realizada com membros da comunidade e alunos, trabalhei com eles e os mesmos ficaram todos entusiasmados em saber que tinham por lei um amparo e que o governo tinha uma preocupação em atendê-las. (Francisco-Zoró) Fiz a oficina sobre essa legislação, o que nós entendemos sobre as leis. A nossa dificuldade é aprofundar os conceitos para aprender usá-lo na reunião, no processo e no discurso. A comunidade incentiva os professores indígenas para aprender viver a tecnologia de bom desempenho dos conhecimentos para articular dentro da área indígena. A oficina é muita importante de chamar atenção a todos os alunos e professores. (José Laurício- Xavante) Esta oficina foi realizada com alunos da Escola Zamã Korej Pangyjej, das séries 5ª, 6ª e 7ª. O que pude perceber é que eles não tinham conhecimento desta legislação e muito menos do que tinha escrito nela, só então, após terem lidas e debatidas é que tiveram a noção do que se tratava. Depois da leitura começou a surgir perguntas e dúvidas referente o que se tratava o Decreto. (Edmilson-Zoró) Segunda-feira à noite, na aldeia Anguj Tapua, uma oficina com a Comunidade, foi feito por mim sobre Desenvolvimento Sustentável no Decreto 6040 de 07/02/07. Estavam presentes quase todos da comunidade. Eu expliquei os detalhes do Decreto. A comunidade gostou porque esse Decreto apóia o trabalhão das comunidades indígenas e se preocupa com meio ambiente e com o futuro das comunidades. A comunidade entendeu que o projeto da CONAB que apóia o nosso trabalho de coleta da castanha do Brasil está apoiado neste Decreto e que existe outras possibilidades de trabalho nesta mesma linha. (Jair- Zoró) Aqui na minha aldeia eu fiz uma pequena oficina sobre essa legislação. Eu fiz com uns membros da comunidade, porque o meu aluno é muito pequeno ainda, por isso eu fiz com membros da comunidade. Mas algumas pessoas já sabiam essa história de legislação, porque eles ouviram essa história de legislação muito tempo, por isso eles entende um pouco a respeito sobre legislação. Legislação é um direito do povo indígena. Por isso para mim é muito importante essa legislação, porque através da legislação que eu estou estudando na Universidade para conhecer melhor essa

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legislação. Também através dessa legislação o povo indígena estão ensinando o seu aluno diferente na escola. (Rogério-Tapirapé) Fiz uma pequena oficina com os alunos dentro da sala de aula, onde cada qual expôs as suas percepções. A maioria colocou que seria muito importante, onde a PNPT, estaria trazendo melhores condições para os povos indígenas. Em busca de ter uma saúde melhor, ter alimentos de qualidade que é o direito dos povos e comunidades indígenas. E também colocaram a respeito de ele estar garantindo o território e de não deixar de perder o valor que a cultura tem e sobre a política que a comunidade precisa estar se envolvendo em relação aos direitos dos povos e comunidades tradicionais. (Edinho-Bororo)

Assim que voltei para Cáceres comecei a preparar as aulas, pois tinha

duas atividades dentro da pesquisa: continuar a revisão bibliográfica e planejar

as aulas.

Os temas contidos nas fichas serviram como indicadores para selecionar

as temáticas que direcionavam para o estudo dos “direitos indígenas”. Agora

estava indo muito além do que estava pensando. Mas logo me encantei com a

idéia, iria participar da pesquisa e ainda teria a possibilidade de

ensinar/aprender, vivenciar espaços tão diferenciados do meu.

Aos poucos fui compreendendo que o educador deve favorecer o

diálogo, a participação, respeitar as opiniões e necessidades da turma, e

abordar currículos que atendam as demandas sociais e culturais da realidade

local, e isso adquire mais sentido quando se dialoga com treze etnias em um

espaço privilegiado da formação de professores.

Dessa forma esses diálogos devem buscar a contextualização em todas

as dimensões, pois enfatiza Barcelos (2007) que o:

(...) trabalho com as questões ambientais na perspectiva da formação de professores(as), e num tempo de grandes transformações científicas, estéticas, éticas, simbólicas, políticas e religiosas não pode se eximir de suas implicações políticas e sociais (BARCELOS, 2007, p. 9).

Assim, não se pode ver ambiente apenas como espaço de vida, de

verde, mas ir mais além, é preciso senti-lo como espaço de vivências, de inter-

relações e de solidariedade.

No momento de escolha dos temas, os estudantes universitários tinham

apenas a questão-“que tema do Direito gostariam de ver na disciplina ‘Direito e

Legislação’?”

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Ao categorizar os tópicos escolhidos pelos estudantes, foram

selecionados os seguintes temas: Estatuto do Índio; Decreto 6040; Código

Penal; legislação funcionalismo; LDB; Resolução 03/99; Direitos Humanos;

Constituição Federal; Direito do Trabalhador; Conselho Tutelar; Convenção

169; leis ambientais; legislação deficiente físico; Estatuto do Idoso; Estatuto da

Criança e Adolescente; Lei Maria da Penha e Direito do Consumidor.

Por que foi adotada esta metodologia para escolha dos temas?

A educação intercultural tem como premissa um currículo específico e

intercultural, assim difere do currículo de outras Universidades, pois são

valorizadas as necessidades da comunidade, que é o espaço de aplicação e

multiplicação das vivências da Universidade.

De que adiantaria planejar uma disciplina de 40 horas e não atender às

necessidades dos estudantes nem de suas comunidades?

Ao analisar as fichas pude então fazer o planejamento das aulas21 e pelas

temáticas distribuí os conteúdos em sete pastas que foram assim nomeadas:

Introdução e Direito Constitucional; Direito do Meio Ambiente; Direito das

Mulheres; Direito dos Idosos; Direito da criança e do Adolescente; Direito do

Consumidor e Direitos Indígenas.

Nestas pastas estavam além da legislação, reportagens e textos que

foram selecionados durante o planejamento das aulas e durante a semana.22

Trabalhamos na perspectiva de um conteúdo aberto, construído à medida que

as discussões fossem ganhando consistência.

Esta metodologia foi interessante, pois as abordagens temáticas

dimensionavam o interesse pelo assunto e as reportagens contextualizavam a

disciplina ganhando uma dinamicidade na construção dos saberes.

O conteúdo programático era enriquecido durante a semana para no

final materializar, “tomar corpo”. Foi gravado um CDROM com todas as pastas,

que foi entregue na sexta-feira antes do encerramento.23

Este foi um momento de descontração, pois no dia anterior sugeri que os

alunos confeccionassem a capa. Fizeram desenhos representando as etnias

21 Vide apêndices. 22 Vide anexo. 23 A cópia do CDROM com todo conteúdo pode ser encontrada no arquivo do PROESI.

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com muita criatividade, despertando curiosidades por estudantes de outra

turma que por sinal estavam tendo aulas de “História da Arte” (Figura 17).

Alguns temas provocaram discussões mais contundentes, entre elas a

abordagem do Código Penal, pois a partir da leitura dos artigos os

questionamentos eram unânimes: “índio pode ou índio não pode?”, pois para

os estudantes o que tem validade é a legislação internacional em vigor, a

Convenção nº 169 da OIT, a qual era interpretada que o indígena não poderia

ser preso.

Figura 17 : Desenhos da capa CDROM - atividade da disciplina. Foto : Sandra Lima, 2008.

Após a abordagem dos artigos, de comparar os ditames legais

prevaleceu um entendimento sobre a questão da prisão, de que esta pode ser

executada em qualquer momento, tanto pela Polícia Federal quanto pela

Polícia Civil ou Militar, desde que em flagrante delito ou com mandado de

prisão judicial autorizando.

Quanto ao cumprimento da pena, este sim deve seguir as

recomendações do artigo 9º da convenção que deve buscar “compatibilizar o

sistema jurídico nacional com os direitos humanos internacionalmente

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reconhecidos” respeitando as medidas que tradicionalmente recorrem esses

povos para punir delitos cometidos por seus membros e “as autoridades e

tribunais devem levar em conta os costumes dos povos”.24

A Lei Maria da Penha, que trata da violência doméstica, foi um tema

muito questionado e nesta abordagem enfatizaram que os direitos das

mulheres devem ser respeitados e essas informações multiplicadas nas

comunidades.

Outra questão relevante foi a abordagem sobre as Terras Indígenas que

não são concebidas como propriedade particular e que são protegidas pela

Constituição Federal e legislações infraconstitucionais em vigor no país. A

visão e o sentimento de pertencimento têm relações diretas com a propriedade

comunitária.

Abordamos os interesses dos indígenas e os estudantes relacionaram

direitos que não envolviam grandes questões econômicas e de interesse

comercial, embora algumas falas demonstrassem que o tema ainda é

controverso.

É interessante mencionar que nas questões sociais e humanas “um

tema gera outro” e de certa forma tratamos de todos os “direitos específicos

constitucionais e infraconstitucionais”, pois no critério de priorização prevaleceu

essa categorização.

No decorrer da semana foram propostos questionamentos sobre

proposições das aulas, usando a dinâmica do seminário integrador. Também

foram feitas dissertações livres por questionamentos previamente formulados

como “O que é ser índio ou índia para você?”; “Você se considera “integrado”

ou “interado” na sociedade brasileira? Por quê?” e “Construa a percepção do

que é Direito”.

Essas questões foram solicitadas no começo da semana, antes de

serem abordadas várias temáticas. Transcrevo aqui algumas dessas

percepções.

“O que é ser índio ou índia para você?”

24 Cf. site www.planalto.gov.br/consea/Static/documentos/Eventos/IIIConferencia/conv_169.pdf

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Para mim ser índia é ter orgulho da minha cultura, de opinar pelos meus direitos como indígena e fazer valer esse direito. (Rosiney - Umutina) Ser índio ou índia tem que se identificar a sua raça mesmo que esta no meio de outras raças, não deixar de ser o que você é, não negarem a sua identidade. (Vanderlei - Paresi) Ser índio é a minha identificação étnica, cultural, crença, costumes e pinturas corporais. Onde na sociedade ocidental há várias classificações de grupos ou comunidades, por exemplo, gaúcho, mineiro e nordestino. No descobrimento do Brasil, uma comunidade é identificado e chamado de indígenas ou índios, por andarem com mínimos trajes, arco e flecha. Desde o principio, a nossa identidade é a cultura, língua materna, pinturas em gerais, corpos e objetos é a nossa raiz. Isso é ser índio. (Juscinei - Bororo) Ser índio está no sangue. Porque não há como julgar um indígena na contemporaneidade. Por mais que perde a sua cultura, língua e tradições culturais não deixará de ser como é. Certamente não será a mesma pessoa como era no passado vivendo da caça e pesca. Mas continuara sendo índio pelo fato de nascer índio. (Messias - Terena)

“Você se considera “integrado” ou “interado” na sociedade brasileira? Por quê?”

Eu considero interado, porque o povo indígena já foi reconhecido a sua identidade. Sendo assim, nós não deixamos a nossa realidade mantendo as nossas línguas materna, para isso lutamos e buscamos a implantação do governo porque temos direito de cidadão. (Jair - Zoró) Considero-me interado. Porque os conhecimentos que estou adquirindo está me conduzindo na minha vida. Mas, não deixo de ser o que sou, falo o meu idioma, dou muito valor para minha cultura e nunca negarei de ser “Paresi”. (Cecílio - Paresi) Sou integrado na sociedade, pois a partir do momento em que falo de povo indígena, é sempre comentado na sociedade, mais apesar disso não tenho as vezes o direito que devo ter como indígena , então a sociedade não-índia só vê que sou índio quando precisa que seja visto a favor deles, pois na hora em que nós indígenas precisamos não temos o apoio deles.(Elias -Terena) Considero um integrado na sociedade brasileira, porque quando os indígenas passam a ser documentado ou registrado no senso da educação ou saúde, ele passa a ser um integrante da sociedade, mesmo sofrendo grande preconceito nos lutamos pela nossa garantia e direito e cidadania. Essa é a razão de eu dizer que sou um índio integrado na sociedade brasileira. (Joel - Terena) Eu me considero sim “integrada” na sociedade. Principalmente fazendo parte da educação escolar. (Cristina - Apiaká) Considero as duas palavras, porque atualmente estamos ingressando e conhecendo culturas diferentes da cultura indígena que não pertence ao índio, por exemplo: como os povos indígenas

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ingressando numa faculdade e banco de trabalho, e isso porque conhecendo a vida social para adaptar com que estamos aprendendo. E isso significa que estamos integrando e interando numa sociedade brasileira. (Zezanias - Paresi) Eu me considero interado na sociedade brasileira, porque eu pratico a cultura ocidental e a cultura materna. Pois, atualmente no mundo, eu posso conviver com as duas sociedades, porém, sempre mantendo a minha identidade, esta é a minha expectativa. (Koria - Tapirapé) Considero como interados na sociedade brasileira, porque eu sempre valorizo a minha etnia Xavante, ao mesmo tempo para não perder a cultura Xavante. Ao mesmo tempo em que estou fazendo no meio da cidade o estudo, considero, sou Xavante e a família nada transforma para outra sociedade. Eu nasci índio e eu sempre vou ser índio. (José - Xavante)

O juiz federal de Roraima, Helder Girão Barreto em sua função judiciária

se depara diuturnamente com processos envolvendo indígenas. Na obra

“Direitos Indígenas: vetores constitucionais” discute o paradigma da interação,

na contemporaneidade como outra forma de denominação, que dispõe a

comunidade indígena como um grupo social que tem história e valores

próprios, nem superiores ou inferiores às outras. A interação entre culturas

diferentes e a incorporação de novos traços culturais não significam o

abandono da própria identidade étnica, pois é importante que haja uma

definição constitucionalmente adequada do instituto para evitar qualquer

tentativa de excluir a aplicação dos dispositivos constitucionais (BARRETO,

2004).

Sparemberger (2008) analisa os diplomas legais que fazem referência

aos Direitos Indígenas e enfatiza que:

[...] no Estatuto do Índio e na Declaração das Nações Unidas sobre Direitos dos Povos Indígenas há formas diferentes de perceber o índio. No primeiro, os índios são tratados numa perspectiva de inferioridade, ao passo que na atual Declaração, assim como na Constituição, são tratados numa perspectiva de diferença, ou seja, não são mais classificados dentro de uma escala evolutiva a partir do ‘paradigma da integração’, sendo-lhes garantido o direito de serem ‘diferentes’ a partir do ‘paradigma da interação’, que respeita a cultura e os valores indígenas. Assim, a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas(ONU) aprovou e reforçou o paradigma da interação na Declaração das Nações Unidas sobre Direitos dos Povos Indígenas, em 13 de setembro de 2007. Essa Declaração é resultado de longa resistência do movimento indígena e reconhece, entre outros pontos importantes, a autodeterminação dos povos indígenas (SPAREMBERGER, 2008, p. 145- 146).

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Nesta perspectiva, foi solicitado aos estudantes universitários indígenas

o texto “Construa a percepção do que é Direito” e abaixo selecionamos

algumas construções.

Para termos certeza que temos o direito, devemos estar atento, fazendo a leitura da Constituição Federal, para que ninguém nos engane. Também, dizer as autoridades que ela seja cumprida e não apenas para servir de enfeite do livro. (Cecílio - Paresi) O mundo atual nos mostra que temos direitos, não porque o “homem branco” impôs esse direito, mas sim porque isso já vem desde o principio de nossas vidas como povos indígenas. O fato é que ocorre por muitas vezes, não conhecer esses direitos e deixando o não-índio decidir algo por nós. O direito existe, mas o que acontece é que são contrariados por muitos que tem o entendimento disso, por exemplo, os juízes, que por inúmeras vezes por interesse financeiro violam esses direitos. Mas uma coisa é certo, nosso direito não existe quando nós não há provocamos e fazer ou conhecer esses direitos e correr atrás deles, isso é essencial para nossa defesa como cidadão.(Eziel-Terena)

O nosso direito é ter valorização dos nossos costumes e as tradições; respeitar as leis dos mais velhos, para mim o direito é isso, foi assim que eu entendi sobre o direito. (Rosa- Zoró) Direito é o direito que cada ser humano tem, direito de escolher seu livre arbítrio, sem que ninguém possa interferir na sua própria escolha. O direito que cada povo tem, seu modo próprio de viver respeitando as suas diferenças culturais. (Nilce - Terena) O direito se desenvolve, faz parte de cada um de nós, quem não erra, quem erra, então pelo meu entendimento sobre o direito é isso. (Patkore- Mebêngôkre) Os constituintes das leis não podem deixar o primeiro habitante desvalorizado. Os índios sejam valorizados para participar junto com os poderes legislativos pra inserir as reivindicações de direitos e deveres. (Awajatu- Aweti) Tem diversas leis no Brasil, fala que o direito de cada população, temos leis indígenas, sobre o direito dos índios na sua cultura e a suas terras. O direito de cada sociedade indígena e não-indígenas também podemos ver e respeitar. Para mim o direito é o respeito, o que pode e o que não pode, como funciona e como faz. (Takaktum- Mebêngôkre) Direito para mim é ter saúde, educação de primeira qualidade e os meus direitos indígenas respeitados. Sabemos que todos os seres humanos têm direito de ter uma condição de vida melhor. Mas para termos essas condições de vida melhor, precisamos conhecer primeiro as leis que fala o respeito desses direitos para podermos cobrar das autoridades responsáveis. (Rosiney- Umutina)

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Percebemos nestes depoimentos que a busca pelo reconhecimento

dos direitos indígenas é primordial para que a visibilidade aconteça. E este é

um processo que vem com muita luta, conforme as palavras de Ângelo (2002),

O surgimento de novas organizações indígenas e de povos que foram obrigados a se silenciarem para não desaparecerem, e hoje emergem com toda a riqueza cultural, ainda preservada em seus saberes e conhecimentos, nos possibilita buscar novas estratégias de desenvolvimento sem perdermos a identidade como povo.

Para Santos (2005) quando se discute quais direitos possuem os povos

indígenas, deve-se consignar o fato de que os índios possuem o “direito de ter

direito”. Deve-se reconhecer que os povos indígenas são sociedades

complexas e auto-suficientes, pois possuem organização social, cultura,

crenças, tradições, princípios éticos, valores e direito próprios. Enfatiza ainda

que ao interpretarmos os direitos dos povos indígenas,

[...] não podemos ler os direitos dos povos indígenas ao reconhecimento à luz de preconceitos e concepções ocidentais. Ao contrário, no que tange aos novos direitos, e em especial aos direitos indígenas, entendemos que o sistema jurídico brasileiro carece de uma nova hermenêutica, de uma forma plural e multicultural de compreender o fenômeno jurídico, forma essa que assegure aos povos indígenas os direitos que os ventos pós-88 lhes trouxeram (SANTOS, 2005, P.16).

Esse reconhecimento é possível quando se observa o Direito à luz do

Pluralismo Jurídico que reconhece que a nossa sociedade é plural e possui

ordenamentos jurídicos paralelos ao oficial. Diante disso, é imprescindível que

outros sistemas jurídicos, escritos ou não, devem ser observados. Assim, há

um posicionamento defendido por Santilli (2005) de que,

a enorme sociodiversidade brasileira impede a adoção de uma norma homogênea ou critério único de representação- afinal, são centenas de povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais, com enormes diferenças étnicas e culturais entre si, vivendo em distintos ecossistemas. Evidentemente, as normas de representação individual ditadas pelo nosso Direito Civil são inapropriadas para contemplar a enorme diversidade de sistemas de representação dos povos tradicionais, e o Direito estatal brasileiro deve, portanto, se limitar a reconhecer e conferir validade jurídica a essas formas de representação (SANTILLI, 2005, p. 225).

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3.3.3 Revelando Códigos de Valores das Etnias

A possibilidade de trazer para a Universidade os Códigos de Valores das

Etnias da turma/2008 e representá-los como o “Direito Indígena” em sua

essência perfaz o resultado final desta pesquisa.

Os estudantes detinham a percepção de que o Direito somente existe e

pode ser exercitado se estiver estampado no texto escrito da lei. A partir da

abordagem do que consiste o Direito Consuetudinário e que as leis escritas

tem seu nascimento com o costume, as tradições e os fatos acontecidos na

sociedade, que são os comportamentos do cotidiano que definem a legislação,

os estudantes relataram seus códigos de valores.

Para isso foi proposta a seguinte atividade: “Depois de conhecer um

pouco sobre a legislação não indígena e a legislação indigenista, descreva

como é o Direito dos Costumes Indígenas (consuetudinário) considerando sua

etnia”. Eis a transcrição de algumas respostas representativas das etnias.

Para a etnia Kayabi:

Eu como moro dentro da minha aldeia e vejo que o direito do meu povo Kayabi é não casar com próprio parente. O costume é casar com a mulher que não faz parte da família ou casar com a filha do tio ou tia. Quando a mulher tem filho novo, não pode trabalhar, não pode comer carne de bichos somente pode comer peixinho como sardinha, e nem acender fogo, senão pode fazer mal para crianças, só pode fazer depois de 3 meses. E respeitar os mais velhos, tudo isso existe na minha comunidade. (Arlindo)

Para a etnia Umutina:

Antigamente no costume do povo Umutina era considerado pecado maior: não bater nos filhos, nunca perder sua flecha e não casar com primos(as). Hoje isso não acontece mais, agora com o chefe do posto que é índio e com o jovem cacique juntos com outras lideranças estão trabalhando muito nestas questões tradicionais. Nós Umutina consideramos como costumes: ex; quando bate o timbó a moça que está menstruada não pode ir pegar peixe, porque não morre; quando os jovens for fazer uma apresentação cultural não pode esquecer de usar os trajes tradicionais da dança e também não pode faltar a bebida e comida tradicional da cultura do povo Umutina. Esses são uns dos costumes que existe na Aldeia dos Umutinas. (Rosiney)

Para a etnia Zoró:

O Direito do povo Zoró, os costumes nossos assim, por exemplo quando o jovem quer casar com a menina, ele tem que trabalhar e

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ajudar o pai dela. O pai da menina observa a ele , como ele trabalha, se ele está com preguiça, ele não vai casar com a menina. Esse o nosso Direito do povo Zoró. (Edmilson)

Para a etnia Xavante:

Existem a legislação na etnia Xavante, que considera como a lei os nossos ancestrais e divide-se de dois clãs. Essa divisão é muito importante para os povos Xavante, mais vivem unidos, se aconteceu o brigar no mesmo clã e outro clãs separa para ser em paz. Esses dois clãs têm direito respeitar de outros clãs. O casamento também é mesmo, os Xavante não se casado em qualquer pessoas, tem nome de dois clãs Po’redz’ono e Owawe, se for homem Po’redz’ono ele faz casamento com a mulher Owawe. Assim é o casamento, mais os homens e as mulheres não podem brincar o mesmo clã, sabemos eu nós todos Xavante próprio da nossa legislação tem que cumprir e respeitar, o que temos próprio direitos. Adolescente que considera o padrinho como se fosse o pai, o padrinho que dar conselho para que não pode fazer alguma coisa errada. Porque tem os anciões que acompanhando a nossa legislação, e eles têm mais poderes. (Cosme)

Para a etnia Terena:

Na comunidade terena existe costumes, leis, regras. E leis e regras são ditas pelo cacique que a comunidade respeita muito. Existe o trabalho coletivo, em que é marcado um dia específico para um mutirão na aldeia. Todos os homens e crianças de 12 anos de idade acima devem participar. Se acaso alguns dos membros da aldeia obrigados a comparecer não fizer presente, ele é punido com tarefas a fazer dentro da comunidade. A mesma punição acontece quando alguns dos membros da aldeia cometem algo errado fora ou dentro da aldeia, e não importa se homem ou mulher. O cacique reúne com as lideranças decide em que tarefa os infratores irão ou deverão fazer por um dia, dois dias, uma semana ou até um mês dependendo do ato cometido. E não esquecendo, é claro, que isso vale para todos aqueles(as) que são de acima de 12 anos de idade. (Eziel)

Para a etnia Bororo:

Na minha aldeia tem dois clãs. O casamento é feito nos clãs diferentes, não pode ser do mesmo, porque na cultura não é permitido. Desde pequeno a família orienta e aconselha para se tornar um homem de bem, honesto e justo, seja dentro da aldeia ou lugar onde estiver. Quando namora e decide casar, não pose com a mulher do mesmo clã. Quando o individuo da aldeia comete um delito, que seja grave, por exemplo, um homicídio, ele responde essa pena no Código Penal da Justiça. E com certeza ele cumpria essa punição na cadeia. (Juscinei)

Para a etnia Paresi:

Na infância da mulher, ela pode ver a flauta sagrada. A partir de receber a primeira menstruação é impedida (porque pode fazer mal pra ela). Somente o homem pode dançar com as flautas e ser

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tocadas, sem ser vista pelas mulheres adultas. A xixa(bebida) é preparada somente pelas mulheres. O casamento é feito, somente com aceitação dos pais e dos próprios casais. (Cecílio)

Para a etnia Mehinako:

Na nossa aldeia existe outra lei que somente a etnia Mebêngôkre utiliza tradicionalmente durante a vida do povo como, por exemplo, casamento tradicional tem que optar e conversar com pai se ele pode casar com a menina que gostou. O pai e a mãe do rapaz aceita concordam com o casamento dele durante a festa ela está comprometida de casar no inicio da festa. Ele casando e dentro da casa da sogra e do sogro é proibido ele não pode conversar com a cunhada, com o sogro e a sogra é o direito de ele respeitar a família dos outros, motivo ele está recém casado. (Kokopieti)

Para a etnia Mebêngôkre:

A relação do Direito do meu povo existe entre os homens e as mulheradas, como música, festa, pintura e alimento comestível. A regra do costume do povo, completamente desigual do passado como atual. A casa dos homens nenhuma mulher não pode entrar e nem menino, que não é rapaz. Quando tiver a festa da mulher nenhum homem comparecer no meio. Tem a regar também para o homem e mulher (casal) quando ter primeiro filho, o homem nem aparece na casa do homem e nem andar em qualquer rumo, no pátio da aldeia e nem a mulher também. Só pode quando ele vai se pintar e a mulher também. Tem muita coisa que existe ainda na nossa tradição. E o Direito Penal mesmo muito complexo na nossa sociedade. (Txuakre)

Santilli (2005) adverte que para compreender o direito dos povos

indígenas, é preciso

[...] se libertar de concepções positivistas e formalistas do direito, de que a lei contém todo o direito e com ele se confunde. O monismo jurídico – que orienta a formação da maior parte dos profissionais do direito- se prende à idéia do direito estatal único, e de que o Estado é a única fonte do direito. O monismo jurídico desconsidera a existência, no mesmo espaço territorial, de uma sobreposição de ordens jurídicas, concorrente com o direito estatal e a diversidade de sistemas jurídicos desenvolvidos pelos povos tradicionais (SANTILLI, 2005, p. 217-218).

No encerramento da disciplina os alunos destacaram a importância do

estudo do Direito de cada etnia representada na leitura do texto Agradecimento

por Joel Terena (p.112).

O pluralismo jurídico reconhece e objetiva a visibilidade dos códigos de

valores e costumes das sociedades indígenas como “Direitos Indígenas” em

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sua essência deixando de acolher o direito apenas como norma oriunda

unicamente do Estado, pois valorizar as mais diferentes etnias, seus

comportamentos, suas tradições e seus conhecimentos.

Essa atividade foi considerada pelos estudantes como a possibilidade de

diálogos com a comunidade para fortalecer o movimento indígena e

principalmente multiplicar na escola indígena que os direitos e os deveres são

inerentes de cada sociedade.

Finalmente, é preciso reconhecer a pluralidade em todas as dimensões,

pois somente dessa forma conseguiremos falar em sustentabilidade neste

planeta.

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Agradecimento

Professora, a vida é a razão do viver.

Estudando com a senhora, pude isso entender. Leis, costume, doutrina e direitos.

Que há muito tempo eu ouvia, mas não entendia desse jeito.

As leis: indígenas, da mulher e das crianças. Me chamou tanta atenção, que me deu nova esperança.

De ver os seres humanos, viver em plena liberdade. Abraçando filhos e esposas, indigena ou não, cantando de felicidade.

Aprendi a entender, ter uma nova visão.

Dos direitos indigenistas, que existe e não é em vão. Basta apenas fazer valer, todos vão entender.

Que os índios são seres humanos, com direito a viver.

Muitos já morreram, lutando sem resultado. São triste lembranças, do esforço do passado.

Lutando com arco e flexa, borduna e machadinho. Tentando dar vida digna para os filhos e netinhos.

Mas agora posso dizer, conheci minha razão.

Vou lutar até o fim, com toda dedicação. Quero ver felicidade, paz, amor e educação.

São os meus agradecimentos a professora Sandra Lima De todo meu coração.

(Texto de Joel Mário Terena- Turma 2008/01)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O mosaico de interculturalidade proposto para esta pesquisa trouxe

como base as discussões sobre a interdisciplinaridade e a interculturalidade

convergindo com muitas áreas do saber. As Ciências Ambientais em sua tarefa

de conectar estes saberes auxilia a Educação Ambiental unindo a Antropologia

e suas caracterizações, o Direito, a legislação, a arte e possibilita este diálogo

plural.

A formação de professores indígenas no contexto da educação

intercultural tem significado um avanço na valorização da cultura indígena em

todas as suas dimensões. Pioneira na América Latina, a Faculdade Indígena

Intercultural vem concretizando este ensino específico, intercultural,

diferenciado, bilíngüe e de qualidade.

Ao resgatar os fatos contidos nas Atas de reuniões da Comissão

Interinstitucional para a Elaboração de Anteprojeto de Licenciaturas Específicas

para a Formação dos Professores Indígenas foi possível ressignificar a fase

embrionária e com isso compreender como foi a atuação dos indígenas e

colaboradores nesta construção e desenvolvimento do ensino superior

indígena.

Até a pré adolescência, preparando-se para expandir seus horizontes

como Faculdade Intercultural Indígena, pode-se visualizar na história do

PROESI com a representatividade dos vários sujeitos que o compõem,

indígenas e não indígenas, a busca na concretização da implementação de um

processo complexo de formação da sociedade brasileira com suas

experiências, dificuldades, facilidades e desafios na arte da docência, da

aprendizagem e do compromisso de formação e multiplicação do conhecimento

nas escolas indígenas.

Com a abordagem de novas metodologias pedagógicas e construindo

cotidianamente um mosaico de conhecimentos e de superação de

preconceitos, problematizando a tolerância, respeitando a diversidade

socioambiental e promovendo diálogos interculturais procura alcançar a

sustentabilidade.

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Assim, devem buscar a concretização dos eixos que complementam os

objetivos a proposta maior a de que os indígenas deverão conduzir esse

processo de interação e convivência com a sociedade em suas práticas

culturais e educacionais, “desnaturalizando” as práticas de integração,

assimilação e aculturação antes da Constituição Federal de 1988 e continuar

construindo o mosaico multicultural e intercultural.

A experiência relatada nesta pesquisa qualitativa primou pela

valorização dos dados obtidos. O lócus pesquisado e os colaboradores que

definiram as interferências e colaboraram de maneira a construir novos

conceitos, relatar o cotidiano e as regras estabelecidas nas aldeias como

normas e valores a serem seguidos, assim como permitiu que outras culturas

presentes no espaço da sala de aula compartilhassem dessas informações.

Discutir o Direito e a legislação neste espaço multiétnico e plural

possibilitou a valorização dos conceitos abordados pelos estudantes

universitários indígenas e a realização do diálogo intercultural. A partir do

estudo do “Direito Ocidental” e do “Direito Indigenista” a abordagem dos

conceitos do “Direito Indígena” foi construída valorizando o conhecimento

prévio e os anseios da comunidade no ambiente da Universidade.

Ao classificar os temas sugeridos pelos estudantes indígenas

percebemos que a escolha preponderou sobre direitos especiais e

comunitários destinados à proteção daqueles que a lei, a jurisprudência,

os costumes e os princípios de direito definem como merecedores de

atenção especial, como por exemplo, o meio ambiente, as mulheres, as

crianças e adolescentes, os portadores de necessidades especiais, o

idoso, os consumidores, os indígenas e povos e comunidades tradicionais.

A metodologia utilizada nas aulas com as reportagens possibilitou aos

estudantes entender a ciência do Direito como estudo do comportamento

humano, fruto do movimento da sociedade bem como de uma construção que

deve ter por base o diálogo multicultural, por isso conhecer os códigos

positivados, as leis indigenistas e revelar o Direito Consuetudinário das aldeias

se materializa como mais um instrumento de resistência e luta para os povos

indígenas.

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Trazer para a Universidade as informações e contextualizações do

Direito e da legislação permitiu aprofundar as reflexões acerca dos direitos

especiais, personalíssimos e comunitários reafirmando a necessidade da

garantia da especificidade de cada etnia com respeito e tolerância no contexto

da interculturalidade.

O Direito Indígena estruturado pelos costumes e valores das

comunidades indígenas foi identificado pelos colaboradores como “Direito

Essência” consolidado independente da ingerência estatal, pois é exercitado

pelos membros da comunidade no seu cotidiano. Com a pesquisa junto

à comunidade foram discutidos e somados os vários entendimentos dos

códigos de valores e normas das etnias dentro do espaço do pluralismo

jurídico.

A forma com que cada etnia aplica o direito nas comunidades garante

que o direito costumeiro ou consuetudinário se perpetue e se faça exercitar. Os

estudantes universitários e professores que já atuam na educação escolar

indígena se responsabilizaram em transmitir o conhecimento das mais variadas

formas de aplicabilidade da ciência do Direito nas escolas e também nas

aldeias, quer sejam em oficinas, em textos informativos, reuniões dos

conselhos bem como nas festas da comunidade completando o ciclo formação

e multiplicação.

Enfatizaram ainda a necessidade dos povos indígenas reivindicarem no

Congresso Nacional, Assembléias e Câmaras legislativas possíveis inclusões e

exclusões de assuntos que estão sendo debatidos no cenário legislativo,

exercitando assim os princípios da educação ambiental: conhecer, envolver e

partilhar.

Muitas limitações foram observadas nesta pesquisa colaborativa. Os

estudantes reconheceram que devem intensificar as leituras para assimilar os

conceitos, termos técnicos e vocabulário próprios do Direito para melhor

entenderem a dinâmica dos processos legislativos bem como a atuação das

diversas instituições envolvidas na aplicabilidade das diretrizes legais.

O estudo de várias temáticas possibilitou abordar vários aspectos legais,

econômicos e socioambientais como a auto-identificação dos povos e seu

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reconhecimento, a propriedade comunitária e privada, assim como seus

interesses na gestão dos recursos ambientais que estão nas Terras Indígenas.

Dentre as problemáticas sociais que mais preocupam os indígenas nas

aldeias foram identificadas a criminalidade, o alcoolismo, a prostituição e as

drogas, o que para os professores das comunidades se torna urgente e

necessário a confecção de políticas públicas voltadas para combater esses

problemas, com educação de qualidade, valorização dos costumes e efetivo

exercício de respeito às diferenças culturais.

Ao refletir sobre essa “pedagogia do encontro” e relatar as narrativas dos

professores, alunos e colaboradores percebe-se que é impossível não se

envolver e reforçar as metas que esse ensino diferenciado, intercultural e

específico propõe.

Para os estudantes indígenas, colaboradores desta pesquisa, conhecer

as normas de outras etnias resulta numa união mais consistente de forças na

luta por seus direitos constitucionais e pelos direitos que lhe são inerentes por

serem indígenas e cidadãos do mundo.

Para a pesquisadora este mosaico de interculturalidade foi uma

possibilidade de encontro com o exercício dos princípios da Educação

Ambiental de solidariedade e de alteridade que nos fazem humanos, pois é na

complexidade que se verifica o crescimento, assim como no reconhecer e no

respeitar a diferença que nos tornamos partes deste Universo.

Ao reconhecer as limitações em conhecer esse universo cultural ímpar,

da experiência de vivenciar esse encontro intercultural, de compreender que o

Direito é fruto da produção humana e que podemos marginalizar ou caminhar

juntos no processo cultural reforça a percepção de que o “outro” complementa

o “eu” e fica impossível ignorar o “nós”.

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ANEXOS

Anexo A- Texto 02- Fontes do Direito Penal...................................................122

Anexo B - Texto 03- Sentença Justiça federal Acre........................................124

Anexo C - Texto 04 - Direitos indígenas na Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988...........................................................................127

Anexo D - Texto 05- História do Direito- Direito Indígena: um direito ou uma

concessão do direito estatal?..........................................................................129

Anexo E - Texto 06- Decreto Nº 6.513, de 22 de julho de 2008......................131

Anexo F- Texto 07- Índios vêem ameaça em mobilização do Exército...........132

Anexo G- Texto 08- Governo tenta “convencer” índios de MT a deixar explorar

potencial hídrico...............................................................................................133

Anexo H - Texto 09- “Decreto que autoriza bases militares em terras indígenas

é inconstitucional”, afirma conselho.................................................................134

Anexo I -Texto 10- Crimes indígenas precisam ser esclarecidos....................135

Anexo J - Texto 11- Lei Maria da Penha dá nova visão à família moderna....137

Anexo K - Texto 12-Projeto dá prioridade a processo judicial de indígenas...138

Anexo L - Texto 13- Lobão Filho propõe estender pena de cidadão comum a

índio integrado.................................................................................................139

Anexo M - Texto 14- Obrigação de amparo aos idosos..................................141

Anexo N - Texto 15- Criança indígena não tem direito à família?...................144

Anexo O - Texto 16- Mato Grosso entra na luta pelo fim do infanticídio no

Brasil................................................................................................................145

Anexo P- Texto 17- Lei Nº 11.645, de 10 de março de 2008..........................146

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Anexo A - Texto 02 - Fontes do Direito Penal

Como dizia o Marquês de Beccaria, Cesare Bonessana, "só uma norma procedente do poder legislativo, que representa toda uma sociedade unida pelo contrato social, pode limitar a sagrada liberdade do indivíduo, definindo os delitos e estabelecendo as penas". Sendo a lei formal a única e exclusiva fonte imediata do Direito penal incriminador (o que cria ou amplia o ius puniendi), não podem cumprir esse papel a lei delegada nem os princípios jurídico-penais nem os costumes.

Leis delegadas: considerando-se que as leis delegadas são elaboradas pelo Presidente da República (CF, art. 68), parece muito evidente que elas não servem de fonte para o Direito penal incriminador. Aliás, referidas leis não podem versar sobre direitos individuais (CF, art. 68, § 1º, II). Daí se infere que não podem cuidar da definição do delito nem das suas conseqüências jurídicas.

Princípios jurídico-penais: os princípios jurídico-penais, que são extraídos dos textos constitucionais, internacionais ou legais, constituem fontes formais imediatas do Direito penal (em geral), mas tampouco podem definir crimes ou penas ou medidas de segurança ou agravar penas. Os princípios ganham força a cada dia na nossa jurisprudência, mas não podem substituir a lei formal como fonte única do Direito penal incriminador.

Os costumes são "normas" de comportamento que as pessoas obedecem de maneira uniforme e constante (requisito objetivo), com a convicção de sua obrigatoriedade jurídica (requisito subjetivo). No âmbito penal, os costumes, como fontes informais, jamais podem criar crime ou pena ou medida de segurança ou agravar a pena. Podem, entretanto, beneficiar o agente (em casos específicos - cf. RT 594/365). Exemplo: imagine um costume indígena de praticar relação sexual com a adolescente logo após sua primeira menstruação. Mesmo que ela conte com treze anos de idade, não há que se falar em delito (nem em presunção de violência). Esse costume seria invocado pelo juiz para a absolvição do agente (por se tratar de fato atípico).

De qualquer maneira, quanto aos índios, não é correto concluir que a vida deles está regida exclusivamente pelos seus costumes. O homicídio praticado por índio, ainda que tenha como vítima outro índio, configura, em regra, um fato punível de acordo com o Direito penal nacional e, por isso mesmo, deve o autor responder por ele normalmente. Aliás, em regra a competência, nesse caso, é da Justiça estadual (Súmula 140 do STJ).

Fontes formais mediatas: duas são as fontes formais mediatas (que explicam ou interpretam ou aplicam as fontes imediatas ou informais): doutrina e jurisprudência. 1’) Doutrina: a função da doutrina (opnio doctorum) consiste em interpretar as fontes formais imediatas do Direito penal. Não conta com caráter vinculante, mas muitas vezes acaba bem cumprindo seu papel de evitar a improvisação e o arbítrio, oferecendo conceitos coerentes que muito contribuem para a sistematização do Direito. 2’) Jurisprudência: a decisão reiterada dos juízes e tribunais num determinado sentido forma a jurisprudência, que muitas vezes não só é fonte formal do Direito como inclusive "criadora" dele (por exemplo: quem afirma no Brasil que

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só existe crime continuado quando as infrações não se distanciam mais de um mês umas das outras? A jurisprudência. Logo, essa regra foi criada pela jurisprudência. É lógico que não é uma posição ortodoxa afirmar que o juiz "cria" o Direito, porém, na prática, é isso o que ocorre (muitas vezes) e inclusive é legítima essa função do juiz, desde que ele atue no âmbito do vazio legislativo (para suprir suas lacunas). 3’) Súmulas vinculantes: sendo as súmulas vinculantes uma parte da jurisprudência consolidada do STF, também elas constituem fonte mediata do Direito penal. Embora vinculantes, não possuem força de lei nem emanam do Poder Legislativo. É por isso que não podem ser classificadas como fonte imediata do Direito penal.

Súmula é a síntese ou o enunciado de um entendimento jurisprudencial extraída (extraído) de reiteradas decisões no mesmo sentido. Normalmente são numeradas. Desde a EC 45/2004 (Reforma do Judiciário) as súmulas podem ser classificadas em (a) vinculantes e (b) não vinculantes. Em regra não são vinculantes. Todas as súmulas editadas pelo STF até o advento da Lei 11.417/2006 não são vinculantes. Para serem vinculantes devem seguir rigorosamente o procedimento descrito nessa Lei, de 19.12.2006, que regulamentou o art. 103-A da CF (inserido na Magna Carta pela EC 45/2004). Competência do STF: somente o STF pode aprová-las; nenhum outro tribunal do país pode fazer isso. Se o STF quiser transformar alguma súmula já editada (não vinculante) em vinculante, terá que seguir o novo procedimento legal.

Súmula vinculante e súmula impeditiva de recurso: a vinculante só pode ser emitida pelo STF; a impeditiva de recurso é qualquer súmula criada pelo STF ou STJ. Por força da Lei 11.276, de 07.02.2006, que alterou o art. 518 do CPC, "O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal" (art. 518, § 1º, do CPC); a súmula vinculante vincula sobretudo o juiz (que é obrigado a respeitá-la); a impeditiva não limita (não engessa) a atividade jurisdicional, podendo o juiz decidir contra a súmula; caso, entretanto, decida de acordo com seu sentido, não caberá sequer o recurso de apelação.

Aprovação por 2/3 dos membros do STF: para edição ou revisão ou cancelamento de uma súmula vinculante exige-se quorum qualificado (dois terços: leia-se: oito Ministros do STF). A súmula vincula os demais órgãos do Poder Judiciário (vincula todos os juízes, os tribunais e até mesmo as Turmas do próprio STF) assim como a administração pública, direta ou indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. GOMES, Luiz Flávio. Fontes do direito penal: necessária revisão desse assunto (parte 2). Disponível em: http://www.blogdolfg.com.br.05 setembro. 2007.

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Anexo B- Texto 03

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO ACRE

Autos nº : 2001.30.00.000873-8/3ª vara

Classe : 01500 – ação ordinária/outras

Autor : Ministério Público Federal

Requerida: Elizabeth Ferreira Passos

S E N T E N Ç A

I – RELATÓRIO

1. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, na condição de substituto processual das comunidades indígenas do Estado do Acre, propôs ação de reparação por danos morais em face de ELIZABETH FERREIRA PASSOS, qualificada nos autos, pleiteando o pagamento de indenização no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), a ser pago em favor da FUNAI. Como fundamento alegou que a requerida na sua coluna Beth News, no jornal O Rio Branco, “no dia 22 de abril de 2001, praticou crime de preconceito racial contra o povo indígena em geral, ao emitir conceito depreciativo sobre esta raça”, tachando-os de fedorentos.

2. Relata a inicial que as nações indígenas representadas pela União das Nações Indígenas do Acre e Sul do Amazonas – UNI, o Conselho Indigenista Missionário da Amazônia Ocidental – CIMI/AO e o Departamento de Assuntos Indígenas do Conselho de Missão entre índios – COMIN, presentes ao II Encontro da Cultura Indígena, realizado no Espaço Kaxinauá, nesta cidade de Rio Branco, sentindo-se ofendidos e agredidos em sua imagem e dignidade, ofereceram representação ao Ministério Público para que este adotasse as medidas visando coibir atitudes discriminatórias e preconceituosas.

3. A inicial se fez acompanhar de exemplar da publicação e da representação, entre outros documentos.

4. A Requerida contestou (fls. 53/61) e alegou, preliminarmente, a) a ilegitimidade das entidades representantes, dizendo que tais entidades não apresentaram documentos que comprovem sua existência e a qualidade de representantes das comunidades indígenas; b) a impossibilidade de o Ministério Público Federal pleitear em nome da FUNAI; c) a incompetência da Justiça Federal para o pleito, na forma da súmula 140 STJ. No mérito sustentou que o comentário não acarretou danos materiais ou morais às comunidades indígenas presentes ao II Encontro de cultura Indígena, e que não houve intento de ofender a honra ou imagem dos índios presentes àquele evento. Enfatizou que o objetivo do comentário era tecer críticas ao Governo do Estado do Acre, “mais conhecido como Governo da Floresta, pela péssima organização do evento, visto que deixou os índios amontoados sem o menor conforto, e a maioria deles era obrigado a fazer as necessidades fisiológicas no pátio do Espaço, surgindo daí a razão do mau cheiro exalado no ambiente provocado pelos próprios índios. Todos os que foram ao local ficaram impressionados com a falta de higiene de que foram vítimas os índios” [sic].

5. Afirmou que a ação proposta pelo Ministério Público Federal reflete a ira que o Procurador da República, subscritor da ação, nutre pela ré em face de críticas feitas àquele agente público pela requerida em sua coluna jornalística.

6. Sustentou que não houve prova do dano, ilegitimidade do Ministério Público e ainda que dano houvesse, a indenização pleiteada seria desproporcional.

7. Ao final postulou a improcedência da ação, caso não acolhida nenhuma das preliminares, e a condenação do autor em honorários.

8. Não juntou documentos.

9. O Ministério Público rebateu as preliminares as fls. 64/71.

10. As partes não especificaram provas e o autor requereu o julgamento antecipado da lide.

11. Manifestação da FUNAI, nos termos da Lei 9.028/95, art. 11-B, com a redação dada pela MP 2.180-35, pugnando pelo prosseguimento do processo nos termos em que foi proposto (fl. 87).

12. Sucinto, é o relatório, pelo que decido.

II – FUNDAMENTAÇÃO

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Das Preliminares

13. Da Incompetência – A Justiça Federal é competente para dirimir conflitos que envolvam interesses de comunidades indígenas, na exata dicção do art. 109, XI da Constituição Federal. Esta causa tem como causa de pedir, em tese, a ofensa dirigida ao indío enquanto grupo, raça, a atingir indistintamente todos os integrantes da comunidade indígena. A súmula 140 do STJ se refere à competência para o processo e julgamento de crimes praticados contra ou por indígenas, não se aplicando à espécie. Neste sentido a Jurisprudência:

PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROMOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PLEITEANDO DIREITOS E INTERESSES INDÍGENAS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 109, INCISO XI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

(...)

4. Nas ações civis públicas, cujo objeto seja a defesa dos interesses globais de silvícolas, ainda que promovidas nos termos da Lei 7.347/85, a competência para o seu processo e julgamento será dos Juízes Federais.

TRF 3ª Região, Conflito de Competência 97.03.031709-0 MS, Rel. Juiz Sinval Antunes, 3ª Seção, DJ 05.05.1998, pg. 383.

14. Da Legitimidade do Ministério Público Federal – Nos termos do art. 129, V da Constituição Federal e art. 5º, III, “e” da Lei Complementar do Ministério Público Federal. Em decorrência, não tem consistência a discussão acerca da legitimidade das diversas entidades que requereram ao Ministério Público Federal a adoção de providências em face do suposto escrito preconceituoso, pois na qualidade de substituto processual o MPF pode agir autonomamente.

15. Da impossibilidade de pedido em favor da FUNAI – Esta ação tem como causa de pedir suposto dano moral praticado contra a comunidade indígena e como pedido provimento condenatório da ré a título de reparação, atendendo, em princípio, à condição [da ação] possibilidade jurídica do pedido. Além disso, o ordenamento jurídico pátrio admite que o produto de condenações obtidas em ações coletivas [ou similares] sejam utilizadas em favor do grupo ofendido, sem especificação de vítimas diretas objetivamente consideradas, verbi gratia, art. 13 da LACP e art. 100, parágrafo único, do CDC e Lei 9008/95 que disciplina o Fundo de Defesa de Direitos Difusos. Assim se justifica porque a condenação não se destina à FUNAI, mas aos índios, e apenas será aplicada pelo órgão de defesa dos índios em favor destes, em face do caráter difuso do dano.

16. Além disso, a intervenção da FUNAI no feito, aderindo ao pedido, torna insubsistente a preliminar.

Do Mérito

17. Afastadas as preliminares, não se exige maior exame para se perceber o preconceito e racismo contido no pequeno texto subscrito pela jornalista:

FORÇANDO A BARRA

Nem mesmo o governador da Floresta e seu staff agüentou (sic) o mau cheiro exalado pelos nossos irmãos índios que estiveram participando da feira das tribos, realizada no espaço Kaxinauá. Os visitantes ficaram impressionados com as péssimas condições, falta de higiene e com a exagerada determinação demagógica da tribo que organizou o evento. Pior para os alunos da rede estadual de ensino que foram obrigados ao sacrifício de sentir o odor durante a visitação forçada. Que maldade com as crianças e os professores...

18. Não se trata de ilação, de conclusão ou interpretação: o texto é direto ao se referir ao mau cheiro exalado pelos índios presentes ao evento, expressando intolerância com culturas diferentes e incorrendo na visão unilateral de que o único estilo de vida bom e aceitável é o adotado pelo emissor do comentário, no fenômeno designado pela moderna antropologia de etnocentrismo25[1].

19. O tempo em que vivemos aspira à tolerância, ao pluralismo cultural e respeito às diferenças culturais, religiosas e sociais, como condição da paz entre os povos e do desenvolvimento pleno da humanidade, pela só e bastante razão de que não há cultura, civilização, religião ou sociedade melhor que outra, mas apenas diferente.

20. É direito de qualquer pessoa preferir chanel nº 5 ou Gabriela Sabatini, embora estes perfumes, a despeito de sua fama e preço, se constituam em odores indesejáveis para quem vive na e da floresta, necessitando se integrar à natureza e não espantar caça (animais, aves) com cheiros exóticos e destoantes da mata. Aos olhos de quem precisa, para

25[1] Sentimento de estranhamento diante dos costumes de outros povos e grupos que se dá em razão de se avaliar o outro a partir de sua própria ótica e referência.

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sua sobrevivência e não por deleite ou vaidade, se familiarizar e se inserir aos odores da floresta, a pessoa que usa aquelas fragrâncias requintadas se mostrará despreparada para sobreviver naquele habitat. Diferentemente, a mesmíssima pessoa, nas rodas da alta sociedade de nossa cultura ocidental, dada às frivolidades e opulência, será alvo de admiração, retratando, uma e outra situação, o relativismo cultural.

21. O pluralismo cultural tem tutela constitucional, como se extrai do repúdio ao racismo constante da Constituição (art. 4º, , VII) e da especial proteção conferida aos índios (art. 231) e demais grupos participantes da formação do povo brasileiro (art. 215, §1º), além de em inúmeros dispositivos nossa Carta Política repelir, reiteradamente, o preconceito e o racismo enquanto agressões aos direitos fundamentais e à dignidade da pessoa humana: art. 5º , VII, XLI, XLII. Em cumprimento à Carta Republicana foi aprovada pelo Congresso Nacional a Convenção Relativa aos Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes26[2], pela qual se obriga o Brasil a adotar “as medidas especiais que sejam necessárias para salvaguardar as pessoas, as instituições, os bens, as culturas e o meio ambiente dos povos interessados” bem como a reconhecer e proteger “os valores e práticas sociais, culturais, religiosas e espirituais próprios dos povos [indígenas]” (artigos 4, item 1, 5, “a”, respectivamente).

22. Atente-se que a referência “mau cheiro exalado pelos índios” não se constitui em opinião ingênua e livre de ranço ou mero exercício do direito constitucional de crítica e de opinião; ao contrário, mostra-se claramente preconceituosa contra a raça índios, com o nítido propósito não de criticar ou opinar, mas de desmerecer os indígenas que ali se encontravam reunidos e que não usavam fragrâncias do Boticário, Carolina Herrera ou da Água de Cheiro, atingindo sua imagem e dignidade.

23. A alegação de que a intenção do comentário era criticar a (des)organização do evento e do local, conduzida pelo Governo do Estado do Acre, não merece guarida porque, se o propósito era verdadeiro, é lícita a crítica, mas sem achincalhar e discriminar os silvícolas, manipulando-os como instrumento de agressão. A comunidade indígena, enquanto tal, merece respeito por sua só condição de grupo de pessoas, não se mostrando razoável que sejam utilizados, como se objetos fossem, para atingir quem quer que seja. A Requerida tinha como profissional da informação - mais que o direito - o dever de denunciar eventuais condições impróprias, imundas ou indignas acaso oferecidas ou mantidas pelo Governo do Acre aos índios, e deveria fazê-lo com contundência, esclarecendo à opinião pública as más condições impostas aos indígenas, sem ofendê-los, sem discriminá-los ou atingi-los na sua dignidade e auto-imagem, expondo-os ao público leitor como se fossem fedorentos, povo imundo. A crítica ao Governo, se verdadeira, seria em resguardo dos índios, não em detrimento de sua raça.

24. Patente, pois, o preconceito e a discriminação contida no comentário da Requerida, que desmereceu a condição de indígenas, atribuindo-lhes característica negativa e ridicularizando-os perante o público, ofendendo-lhes o sentimento de auto-estima e de integrantes de um grupo com práticas e costumes diversos das observadas na sociedade urbana brasileira, impondo-se sanção, quer para reparar o dano, quer para desestimular a discriminação.

25. Do valor da reparação – O Ministério Público Federal pleiteou R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) a título de indenização. É despropositada. Quer pelo reduzido texto, quer pela reduzida repercussão. O comentário foi pequeno, em jornal e seção de pouca leitura e de reduzida circulação (circulação inferior a 1500 exemplares por edição), em cidade com pouco mais de 250 mil habitantes, de modo que não se justifica valor tão elevado, principalmente quando se considera que a sanção tem, mais que finalidade reparadora27[3], função preventiva, desestimulando práticas preconceituosas e racistas.

26. Assim ponderando, fixo a reparação por danos morais causados pela Requerida à comunidade indígena em razão da emissão de comentário preconceituoso e racista no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), devendo tal quantia ser aplicada pela FUNAI em favor daquele grupo em eventos, aquisição de remédios, transporte etc, com prestação de contas em Juízo com fiscalização do Ministério Público.

III - DISPOSITIVO

27. Com estas razões, acolho parcialmente o pedido para condenar ELIZABETH FERREIRA PASSOS a pagar a quantia de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) por danos morais causados à comunidade indígena, devendo este valor ser usado pela FUNAI em favor dos índios, com prestação de contas em Juízo e fiscalização do Ministério Público Federal.

28. Custas pela Requerida.

29. Retifique-se autuação para classe 1500 – ação ordinária/outras.

30. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Rio Branco – Acre, 4 de outubro de 2002. Jair Araújo Facundes - Juiz Federal Substituto da 3ª Vara no exercício da titularidade

26[2] Convenção da Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho - OIT 169, de 7/6/1989, aprovada pelo Congresso Nacional brasileiro em 25.8.93. 27[3] O dano foi difuso, o que dificulta a reparação individualizada e justifica a tutela genérica pleiteada pelo autor.

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Anexo C- Texto 04- Direitos indígenas na Constituiç ão da República Federativa do Brasil de 1988 As referências constitucionais aos direitos indígenas são as seguintes: NO TÍTULO III - "DA ORGANIZAÇÃO DO ESTADO" CAPÍTULO II – DA UNIÃO Artigo 20 – São bens da União: XI – as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios Artigo 22 – Compete privativamente à união legislar sobre: XIV – populações indígenas; NO TÍTULO IV - "DA ORGANIZAÇÃO DOS PODERES " CAPÍTULO I – DO PODER LEGISLATIVO SEÇÃO II - DAS ATRIBUIÇÕES DO CONGRESSO NACIONAL Artigo 49 – É da competência exclusiva do Congresso Nacional: XVI – autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais; CAPÍTULO III – DO PODER JUDICIÁRIO SEÇÃO IV – DOS TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS E DOS JUÍZES FEDERAIS Artigo 109 – Aos juízes federais compete processar e julgar: XI – a disputa sobre direitos indígenas CAPÍTULO IV – DAS FUNÇÕES ESSENCIAIS DA JUSTIÇA SEÇÃO I – DO MINISTÉRIO PÚBLICO Artigo 129 – São funções institucionais do Ministério Público: V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas; NO TÍTULO IV - "DA ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA " CAPÍTULO I – DOS PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA Artigo 176 – As jazidas, em lavras ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra. 1. A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o capítulo deste artigo somente poderão ser efetuados mediante a autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa brasileira de capital nacional, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas. NO TÍTULO VIII - "DA ORDEM SOCIAL" CAPÍTULO III - "DA EDUCAÇÃO, DA CULTURA E DO DESPORTO SEÇÃO I – "DA EDUCAÇÃO" Artigo 210 - Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. 2. O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. SEÇÃO II – DA CULTURA Artigo 215 - O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

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1. O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. NO TÍTULO VIII - "DA ORDEM SOCIAL" CAPÍTULO VII – "DOS ÍNDIOS" Artigo 231 - São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. 1. São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. 2. As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios, dos lagos nelas existentes. 3. O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivadas com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados das lavras, na forma de lei. 4. As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas são imprescritíveis. 5. É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso, garantindo em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco. 6. São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção do direito à indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé. 7. Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, 3 e 4. Artigo 232 – Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo. NO "ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS" Artigo 67 – A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição. Fonte: Constituição da República Federativa do Brasil.

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Anexo D- Texto 05 - História do Direito- Direito Indígena: um direito ou uma concessão do direito estatal?!

Para compreender a realidade do tratamento dado pelo Estado brasileiro aos povos indígenas, mais especificamente aos direitos dos vários povos indígenas que habitam o território nacional, é necessário abordar, ainda que sucintamente, o tratamento que foi dado a eles desde o início do período colonial. É fato que o processo de colonização foi um dos motes do início da Era Moderna, em que os europeus, no nosso caso, os portugueses, trouxeram para cá a fé cristã, mas, diferentemente do período medieval e suas cruzadas, não lhes interessavam as glórias típicas dos senhores e guerreiros da Idade Média. O que os colonizadores buscavam eram bens materiais, a riqueza que advinha da exploração da natureza e dos outros seres humanos, fato que permeou todo o período colonial brasileiro. O que importava era a aquisição do "vil metal", e em seu nome tudo era permitido, como o total desrespeito ao diferente, a barbárie, o extermínio de outros povos, de outras culturas e, junto com estas, de outros "direitos".

O Estado Moderno, caracterizado pela junção de quatro tópicos, ou seja, finalidade, povo, território e soberania, tem como ponto forte a idéia de soberania ligada a determinado território, legitimado por uma identidade nacional. E, para ser soberano, não se pode aceitar, dentro do mesmo território, mais do que um único sistema jurídico. O Direito, principalmente após a Revolução Francesa, passa a ser entendido como expressão máxima da razão humana, positivado em lei. Os fenômenos da ocidentalização (europeização) e do monismo jurídico foram extremamente rigorosos com a cultura, a organização, as crenças, os costumes, as línguas e o direito dos povos indígenas. É que a consolidação da forma de organização estatal do Ocidente se configura a partir dos ideais europeus, encobrindo a sua origem de violência na exclusão do outro. E esse racionalismo jurídico que surge com grande vigor a partir do século XIX dá continuidade ao desprezo pelo direito dos povos indígenas, já que, ao aceitar a existência de apenas um sistema jurídico, impõe, com base na univocidade do direito, a concepção jurídica dominante sobre todas as outras formas existentes dentro do território nacional.

A ciência jurídica moderna ocidental, ainda nossa contemporânea, oculta a diversidade existente na sociedade e aceita uma ficção que exerce a real função ideológica de ocultamento das diferenças e de imposição de seus próprios fundamentos como forma de dominação cultural. Foi sob sua égide que se deu a independência dos países latino-americanos que, imbuídos do espírito racional da necessidade da existência de um único sistema jurídico, perpetuou o que os colonizadores já faziam há séculos, ou seja, não deu reconhecimento legal aos indígenas, com a diferença de que agora passaram eles a serem tratados como indivíduos formalmente iguais aos demais. O resultado dessa nova concepção é a idéia de que o índio deve mesmo ser aculturado, integrado à sociedade dominante. Nesse aspecto pode-se dizer que "índio bom é índio morto", entendendo-se "morto" como aquele que abre mão

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de suas diferenças culturais, étnicas, raciais etc. Aliás, esse fato não ocorre só com os índios em nossa sociedade...

Da mesma forma que o direito dos colonizadores foi introduzido em nosso país mediante violência, sem considerar o direito dos povos indígenas, a partir do século XIX, com base nas teorias evolucionistas, ocorreu a imposição da cultura européia em total detrimento das outras culturas, com clara predileção pela política de aculturação em detrimento da valorização da diversidade cultural: mais uma vez os povos indígenas, junto com sua rica cultura, inclusive jurídica, são atirados ao limbo. É apenas com o advento da Constituição Federal de 1988 que surgem indícios de um novo caminho para a compreensão e o respeito dos direitos dos povos indígenas que habitam o território brasileiro. O art. 231 da CF assegura aos índios brasileiros essa espécie de cidadania diferenciada, o que permite uma leitura tanto multicultural como pluralista dos seus direitos. Dispõe o caput do art. 231 que "São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens". Percebe-se que, minimamente, é reconhecido aos índios o direito de ser índio!!!

Mas surgem aqui perguntas ainda sem respostas: quais direitos possuem os povos indígenas brasileiros? O princípio da autodeterminação dos povos aplica-se a eles? Podem utilizar para a decidibilidade de conflitos os seus preceitos jurídicos, mesmo que atentem contra o disposto no sistema jurídico estatal? Se o direito moderno, com foco na igualdade-liberdade-individualidade anulou as diferenças étnicas e culturais, significa que não aceita o diferente, e o nosso sistema jurídico atual é ainda construído sobre esse tripé, portanto é patente a insuficiência dos direitos e garantias fundamentais na proteção dos direitos das minorias étnicas, no caso os povos indígenas. É que o respeito pelas minorias étnicas exige a relativização desses direitos, a aceitação da diversidade étnica e profunda discussão sobre a universalidade cristã dos direitos humanos, de base kantiana. Fica patente que para buscar um direito indígena que seja mais do que mera concessão do direito estatal é necessário acrescer aos princípios dos direitos humanos, em interação dialética, os princípios que norteiam os direitos das minorias. Quais direitos possuem os povos indígenas? A resposta a essa pergunta não pode ser outra que não "o direito de ter direitos", entendendo "direitos" como os seus próprios sistemas jurídicos. Aceitar a existência dos direitos indígenas representa não só opor-se a uma única matriz cultural, mas também respeitar e proteger o direito à diferença, essencial para o futuro humano. Obs.: Colaborou neste artigo Adriana Biller Aparício, mestranda em Direito pela UFSC. Jornal Carta Forense, segunda-feira, 2 de abril de 2007

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Anexo E- Texto 06 - DECRETO Nº 6.513, DE 22 DE JULHO DE 2008.

Altera o Decreto no 4.412, de 7 de outubro de 2002, que dispõe sobre a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal nas terras indígenas, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei no 6.001, de 19 de dezembro de 1973, no art. 15 da Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999, e nos arts. 142 e 144, § 1o, inciso III, da Constituição,

DECRETA:

Art. 1o O caput do art. 2o do Decreto no 4.412, de 7 de outubro de 2002, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 2o As Forças Armadas, por meio do Ministério da Defesa, e a Polícia Federal, por meio do Ministério da Justiça, ressalvada a hipótese prevista no art. 3o-A deste Decreto, deverão encaminhar previamente à Secretaria-Executiva do Conselho de Defesa Nacional plano de trabalho relativo à instalação de unidades militares e policiais, referidas no inciso II do art. 1o, com as especificações seguintes:” (NR

Art. 2o O Decreto no 4.412, de 2002, passa a vigorar acrescido do seguinte artigo:

“Art. 3o-A. O Comando do Exército deverá instalar unidades militares permanentes, além das já existentes, nas terras indígenas situadas em faixa de fronteira, conforme plano de trabalho elaborado pelo Comando do Exército e submetido pelo Ministério da Defesa à aprovação do Presidente da República.

Parágrafo único. Não se aplicam a este artigo as disposições contidas no art. 2o deste Decreto.” (NR)

Art. 3o Para a instalação das unidades militares de que trata o art. 3o-A do Decreto no 4.412, de 2002, o Ministério da Defesa deverá apresentar plano inicial de trabalho, elaborado pelo Comando do Exército, à Presidência da República, no prazo de noventa dias a contar da publicação deste Decreto.

Parágrafo único. Após a aprovação do plano inicial de trabalho pelo Presidente da República, será feito o sucessivo detalhamento dos recursos orçamentários e financeiros pertinentes, assim como serão adotadas as medidas necessárias ao início da sua execução.

Art. 4o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 22 de julho de 2008; 187o da Independência e 120o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Tarso Genro

Nelson Jobim

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Anexo F - Texto 07 - Índios vêem ameaça em mobilização do Exército - 29/07/2008 Local: Boa Vista - RR Fonte: Folha de Boa Vista Link: http://www.folhabv.com.br/

O decreto que prevê o envio de tropas para reservas indígenas está causando preocupação entre líderes indígenas e grupos de direitos humanos, para quem a medida viola as leis e a autonomia dos povos nativos.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o decreto na semana passada, em resposta a criticas de militares e políticos sobre a suposta infiltração de guerrilheiros, traficantes e outros nas reservas, que representam 12 por cento do território nacional.

\"Lula pode ser bem intencionado, mas os militares não ligam para nós\", disse Saturnino Xavante, secretário da ONG Coiab. \"Todos esses anos mantivemos os intrusos para fora, e agora somos um risco à segurança nacional?\"

De acordo com ele, os indígenas temem que o Exército ocupe parte de suas terras, influencie suas culturas e estupre suas mulheres. Em 2007, conflitos fundiários provocaram a morte de 92 índios.

Latifundiários, madeireiras e mineradoras dizem que os índios são um entrave ao progresso.

Márcio Meira, presidente da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), disse à Reuters na sexta-feira que é favorável ao envio de tropas.

\"Eu concordo\", disse Meira, acrescentando que o Exército costuma ajudar os índios em questões de saúde e transporte.

\"Há a necessidade de maior presença do Estado no território para garantir a ordem jurídica e constitucional, não só na Amazônia, mas em todo o território nacional. Senão, não temos como garantir a resolução desses conflitos na base legal\", afirmou Meira num restaurante de Brasília decorado como oca.

O presidente da FUNAI acrescentou que a sociedade brasileira tem obrigação legal e moral de honrar os direitos indígenas. \"Precisamos fazer valer o pacto que foi estabelecido com os povos indígenas na Constituição de 1988. É uma questão ética, uma dívida histórica\", disse ele.

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Anexo G- Texto 08 - Governo tenta "convencer" índio s de MT a deixar explorar potencial hídrico

Local: Cuiabá – MT, 27/07/2008.

Fonte: 24 Horas News

Link: http://www.24horasnews.com.br/

Entre os dias 8 e 12 de julho, índios das etnias rikbaktsa, cinta-larga, arara, apiaká, kayabi, munduruku e enawene nawe foram à cidade de Juína (MT) para participar de reuniões promovidas pela FUNAI e pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Na pauta, novos pedidos de autorização para que técnicos do setor elétrico terminem seus levantamentos dentro das terras indígenas, e mensagens deixadas no ar a respeito da possibilidade do Exército interceder, caso necessário. O objetivo é concluir o inventário das bacias dos rios Juruena e Aripuanã, primeiro passo para a realização de estudos de viabilidade econômica de novos empreendimentos hidrelétricos. Mapas preliminares indicam que alguns deles, se não dentro dessas áreas protegidas, estão perigosamente próximos de seus limites.

As bacias dos rios Juruena e Aripuanã reúnem as maiores extensões de áreas protegidas no estado de Mato Grosso. De acordo com dados levantados pelo Instituto Centro de Vida (ICV), existem 28 terras indígenas e 12 unidades de conservação, que asseguram sobrevida a aproximadamente 8.548.094 hectares de florestas e recursos hídricos em regiões intensamente pressionadas por desmatamento. Mas hoje, só na bacia do Juruena, há pelo menos 83 aproveitamentos hidrelétricos em fase de estudos, dos quais 30 (937MW) foram suspensos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) no dia dois de julho.

De acordo com a EPE, a intenção é permitir que os estudos de inventários desta bacia e sua Avaliação Ambiental Integrada sejam concluídos, para que se possa fazer uma análise dos impactos ambientais cumulativos de todas as usinas. Mas só foram interrompidos os casos de empreendimentos ainda sem interessados em dar prosseguimento aos estudos ou que tenham apenas o pedido de registro na agência. A EPE realiza atualmente sete estudos de inventários hidrelétricos em bacias amazônicas - Juruena (AM/MT), Aripuanã (AM/RO/MT), Trombetas (PA), Sucunduri (AM), Jarí (PA/AP), Branco (RR) e Araguaia (MT/GO/TO/PA). Todos precisam ficar prontos até março de 2009.

Durante uma das apresentações dos representantes da Coordenação Geral de Patrimônio Indígena e Meio Ambiente da FUNAI (CGPIMA) aos enawene nawe, que ocorreu no dia 11 de julho, foram mostrados os mapas ilustrados com triângulos coloridos, que representam a localização dos aproveitamentos hidrelétricos antes e depois da suspensão, sem especificar os nomes dos rios ou demais detalhes de interesse dos índios. A eles só foi dito o número de usinas suspensas. Tantos projetos próximos às terras indígenas provocou surpresa generalizada. Ainda mais para os enawene, que já têm tido dores de cabeça suficientes ao brigarem contra complexo de dez usinas no alto rio Juruena (350MW), sendo a mais próxima a menos de 20 quilômetros da terra indígena. Depois disso, a própria FUNAI foi obrigada a admitir que soube desses mapas há também muito pouco tempo.

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Anexo H - Texto 09 –“Decreto que autoriza bases mil itares em terras indígenas é inconstitucional", afirma conselho Local: São Paulo – SP, 28/07/2008.

Fonte: Amazonia.org.br Link: http://www.amazonia.org.br

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) afirma que o Decreto 6.513/08, assinado pelo presidente Lula no último dia 23 e que autoriza a instalação de bases militares permanentes dentro de terras indígenas na faixa fronteiriça brasileira fere a Constituição Nacional. Isso porque tal decreto dispensa a consulta aos povos indígenas habitantes dessas terras antes da construção dessas bases, sendo contrário também à Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

O novo decreto do presidente Lula altera o Decreto 4.412/02 que trata do mesmo assunto e havia sido publicado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. O movimento indígena tenta revogá-lo desde aquela data. "No entanto, ao invés disso, o presidente Lula publicou um novo decreto sem ouvir os povos indígenas", diz o Cimi.

A inconstitucionalidade se dá pelo fato de que um decreto presidencial não pode regulamentar a construção de unidades militares em terras indígenas, quer estejam elas em faixa de fronteira ou não, pois a constituição somente admite qualquer ocupação nessas terras, no caso de relevante interesse público da União, segundo lei complementar. Como não existe tal lei complementar, não pode existir um decreto isolado que regre sobre isso.

Instalação O novo decreto diz que o Ministério da Defesa tem um prazo máximo de 90 dias para enviar um programa para instalação das bases militares. Esse plano será implementado sem que os povos indígenas afetados participem da discussão. O Cimi chama a atenção também para o fato de que o novo decreto eliminou até mesmo a necessidade de se consultar a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) sobre eventuais impactos às comunidades com a construção das bases em faixa de fronteira.

Francisco Loebens, da Regional Norte I do Cimi, responsável pelos estados da Amazônia e Roraima, lembra que as comunidades tradicionais não possuem nenhum tipo de problema em relação ao papel das forças armadas na região. "A principal preocupação é quanto ao tipo de relação que geralmente se estabelece entre essas bases militares e os indígenas da região. Geralmente o exército não respeita as diversidades locais. A preocupação das comunidades é com o recebimento de um tratamento respeitoso, o que até agora não vem ocorrendo", lamenta.

Contra a Constituição

O Cimi defende que o Decreto 6.513/08 é tão inconstitucional quanto era decreto publicado por Fernando Henrique. Em 2004, o Conselho Federal da Organização dos Advogados Brasileiros (OAB), analisando representação do Cimi, aprovou um parecer favorável à proposição de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) contra o referido decreto. O parecer foi fundamentado à época na opinião de Carmem Lúcia Antunes Rocha, ex-integrante da Comissão de Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e atualmente ministra do Supremo Tribunal Federal (STF).

Segundo informações do Cimi, naquela época, o Conselho Federal da OAB não entrou com a ADI por entender que o caso seria de atribuição constitucional do Procurador Geral da República (PGR). O então procurador, Cláudio Fontelles, teve opinião diversa da OAB e também não propôs a ADI.

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ANEXO I- Texto 10- Crimes indígenas precisam ser es clarecidos

A Folha de São Paulo publica também uma matéria importante sobre a penalidade de índios. Cita um suposto estudo da FUNAI de que há mais de 500 índios presos no Mato Grosso do Sul. Na verdade, esse estudo é do Ministério da Justiça. Os dados da FUNAI, pelo menos até o ano passado, era de pouco mais de 100 índios presos no Mato Grosso Do Sul. Não é pouco, mas também não são tantos assim.

A discussão entre o ex-procurador da FUNAI, Luiz Fernando Villares, o advogado do CIMI, Paulo Guimarães, e o advogado do ISA, Raul Telles, é bastante interessante, por ser complementar. O procurador da FUNAI cita o aumento da população indígena e sua integração à sociedade brasileira como fatores do aumento de presos indígenas.

Só que o advogado do CIMI acha que a situação social dos índios tem que ser resolvida. Ora, é claro que este é ponto, mas, enquanto isso não acontecesse, o debate sobre o crime e formas específicas a isso têm que ser encontradas.

A matéria diz que a FUNAI e todos os demais querem a mudança no Estatuto do Índio. Acho que não precisa para isso, porque já contem na definição do nível do relacionamento indígena com a sociedade brasileira os modos como os crimes deverão ser julgados. Importante é notar que os dois principais tribunais do Brasil, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, têm dado sentenças diferentes para mesmas situações. Eis o que precisa mudar! Estatuto do Índio prevê regalias penais, mas não é cumprido. Só em MS há cerca de 500 índios cumprindo pena em regime fechado, diz a FUNAI, apesar de lei estabelecer semiliberdade. Interpretações divergentes sobre estatuto e falta de identificação do acusado como índio são algumas das causas da distorça.

Os índios condenados pela Justiça têm direito a privilégios penais previstos no Estatuto do Índio, mas, na prática, os juízes ignoram as recomendações. O estatuto prevê que, "se possível", a pena de detenção seja cumprida "em regime especial de semiliberdade" e no local onde funciona o órgão federal de apoio a indígenas mais próximo da aldeia do condenado.

Segundo a FUNAI, somente em Mato Grosso do Sul -Estado com o maior índice de índios presos e com a segunda maior população indígena do país-, há cerca de 500 cumprindo pena em regime fechado. O órgão não possui dados fechados da situação carcerária da população indígena em todo o país.

O procurador-geral da FUNAI, Luiz Fernando Villares, aponta como uma das causas da distorção as divergentes interpretações de juízes sobre a condição indígena. Alguns magistrados, ao combinar leis com o estatuto na hora de proferir a sentença, deixam a regra favorável ao índio em segundo plano.

O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, já se contradisseram em decisões ao analisar a condenação de índios, aponta Villares. Em uma decisão do STF, entendeu-se que o índio tem direito à semiliberdade. Essa regalia foi conferida "pela simples condição de se

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tratar de indígena", em atenção ao "previsto" no estatuto. Enquanto isso, numa decisão do STJ, a lei de crimes hediondos, com a previsão de regime fechado, prevaleceu. "Por força mesmo do disposto [por essa lei], não se aplica o regime de semiliberdade estatuído [pelo estatuto] ao indígena condenado por delito hediondo." Devido a isso, explica Villares, é difícil a fiscalização por parte dos 40 procuradores da FUNAI espalhados no país.O advogado do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), Paulo Machado, acrescenta que um dos fatores que levam ao alto número de índios presos em regime fechado é a falta de identificação dele como indígena no inquérito. "No momento em que há conhecimento de que ele é índio, tem que se tomar providências específicas."

A FUNAI defende que o estatuto, de 1973, seja atualizado. Villares acha que o aumento da criminalidade decorre do crescimento da população indígena e de sua integração com a sociedade branca. "E isso não foi previsto na lei." Há 16 anos tramita no Congresso um projeto que cria um novo estatuto.Raul Telles, advogado do Instituto Socioambiental, não vê necessidade de atualização em razão só da questão penal.O advogado do Cimi concorda. Para Machado, deve haver a identificação dos conflitos sociais que os índios enfrentam e os levam à criminalidade. "Não vai resolver só tirar o índio da cadeia. Porque ele volta e continua no centro do problema. Não esperamos que o Estado resolva a questão só da óptica judicial, mas também da social." http://merciogomes.blogspot.com/2007/12/crimes-indigenas-precisam-ser.html

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ANEXO J- Texto 11- Lei Maria da Penha dá nova visão á família moderna

Em Agosto de 2006 entrou em vigor a lei nº 11.340, que cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Sancionada pelo Presidente da República, a lei, conhecida como “Maria da Penha”, aborda importantes aspectos de prevenção e combate à violência doméstica. A legislação traz uma mudança positiva no conceito de família; como é possível observar no art. 5º §II, em que o âmbito familiar é compreendido como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa. Desta forma, a lei considera que a violência contra a mulher, pode ocorrer também em relacionamentos homossexuais e em qualquer caso onde haja vínculos afetivos entre a vítima e o agressor, independentemente de morarem juntos ou não.

A “Lei Maria da Penha” leva este nome em homenagem à Maria da Penha Maia, líder de movimentos de defesa dos direitos das mulheres e vítima da violência doméstica. Foi vítima de seu ex-marido que tentou matá-la duas vezes. Na primeira vez com tiros de revólver e na segunda tentou eletrocutá-la. Depois dos atentados, Penha ficou tetraplégica. Nove anos após o ocorrido, o agressor foi condenado a oito anos de prisão e, por meio de recursos jurídicos, ficou preso por apenas dois anos.

Para Cássio Rodrigo, Coordenador Geral da CADS (Coordenadoria de Assuntos da Diversidade Sexual), a lei pode ser emblemática, pois “reconhece a existência de vínculo afetivo entre pessoas do mesmo sexo e marca o início do reconhecimento das parcerias civis”. Além disso, “protege a mulher lésbica da violência doméstica, geralmente praticada por familiares, que acreditam poder curá-la e transformá-la em heterossexual”. Além de representar um avanço no combate à impunidade da violência contra a mulher, a lei relaciona modificações imediatas, como a criação de juizados especiais de Violência Doméstica e Familiar, resultando em processos com suas resoluções definidas em menor período de tempo.

Com o objetivo de divulgar e explicar a nova legislação, a Coordenadoria da Mulher, por meio da Secretaria Especial para Participação e Parceria, promoveu, em novembro do ano passado, oficinas educativas no centro de São Paulo. De acordo com a socióloga da Coordenadoria da Mulher, Maria Lúcia da Silveira, foram realizados seminários com advogados e setores da defensoria pública, a fim de discutir a resistência judicial na aplicação da lei. Para ela, houve e, ainda há, muita resistência na implementação da ‘Maria da Penha’. “Para sanar essa resistência judicial, nosso foco agora é disponibilizar o suporte necessário às mulheres vítimas de violência”, afirma a socióloga.

Segundo Dimitri Sales, assessor jurídico da CADS e do Centro de Referência de Direitos Humanos e Combate a Homofobia, “o elemento que configura e inova a legislação é a iniciativa de considerar a violência psicológica uma violência doméstica, e a mesma se caracterizar a partir do vínculo de confiança estabelecido entre a vítima e o agressor”. Outro aspecto importante que Sales evidencia é o fato da lei acompanhar novos debates de toda a sociedade, permitindo que o Estado garanta a integridade física e psíquica dos membros de qualquer forma de família, seja ela homossexual ou não.

De acordo com o Código Penal, modificado pela lei, os agressores deixarão de receber penas consideradas brandas em relação aos danos causados, como o pagamento de multas e cestas básicas às vítimas. Os agressores passarão a sofrer penas mais severas, que vão desde a proibição de conviver com a vítima, até a limitação da freqüência de convívio nos mesmos ambientes que a ofendida.

Em pesquisa feita pelo site da Presidência da República, cerca de uma em cada cinco brasileiras (19%) declara ter sofrido algum tipo de violência por parte de algum homem, sendo 16% de violência física, 2% violência psíquica e 1% assédio sexual. A CADS reconhece que a promulgação dessa nova legislação é um avanço positivo na discussão de gênero e sexualidade no Brasil, por ser a primeira lei de âmbito nacional que evidencia a formação de família compostas por homossexuais; além de ampliar e concretizar a visibilidade e o reconhecimento da importância na luta social de direitos de segmentos vulneráveis da sociedade. Por Juliana Caleffi-Assessoria de Imprensa-CADS (Coordenadoria de Assuntos de Diversidade Sexual)Secretaria de Participação e Parceria-Tel: (11) 3113 – 9762 http://www.prefeitura.sp.gov.br/cads Enviado em Questão Indígena, GÊNERO, RAÇA E ETNIA, Oportunidades para Povos Indígenas de GRUMIN | 17 de Março de 2007 @19:57 .

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Anexo K- Texto 12- Projeto dá prioridade a processo judicial de indígenas Henrique Afonso: objetivo é resolver rapidamente os conflitos fundiários. O Projeto de Lei 3410/08, do deputado Henrique Afonso (PT-AC), prevê que os processos sobre terras indígenas, ou em que seja parte índio ou comunidade indígena, tramitarão na Justiça com prioridade. O objetivo da proposta é criar condições para a solução rápida de conflitos fundiários envolvendo índios. "O uso da via judicial para resolver questões e preservar a paz não tem se mostrado eficiente, pois a demora na decisão judicial acirra os ânimos, contribuindo ainda mais para a beligerante situação atual", disse o deputado. Desde 2003, nos termos do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), os processos em que uma das partes ou intervenientes tenha idade igual ou superior a 60 anos passaram a ter preferência. Tramitação - O projeto, que tramita em caráter conclusivo , será analisado pelas comissões de Direitos Humanos e Minorias; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. PROJETO DE LEI Nº , DE 2008 (Do Sr. Henrique Afonso ) "Introduz o art. 1211-D na Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, Código de Processo Civil, para dispor sobre prioridade na tramitação de processos de interesse dos Índios." O Congresso Nacional decreta: Art. 1º Esta Lei introduz o art. 1.211-D no Código de Processo Civil, para dar prioridade à tramitação de processos de interesse dos Índios. Art. 2º A Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, Código de Processo Civil, passa a vigorar acrescida de um artigo 1.211-D, com a seguinte redação: "Art. 1.211D. Terão prioridade na tramitação os processos judiciais relativos às terras indígenas em que figurem como parte ou interveniente índios ou comunidades indígenas . Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. JUSTIFICAÇÃO A Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, Estatuto do Índio, estabeleceu com clareza a obrigatoriedade de aplicação a eles das leis vigentes, no país, respeitadas as peculiaridades específicas; o exercício de direitos por eles depende do preenchimento de condições mencionadas na própria lei e em outros atos legislativos. Aos índios e comunidades indígenas não integrados na comunhão nacional sujeitam-se a regime tutelar, nos termos do art. 7º do Estatuto. Essa lei visa, principalmente, garantir aos índios e comunidades, a preservação da vida, cultura e condições de vida digna, assegurando aos não aculturados proteção tutelar, para exercício de seus direitos. Embora já existindo legislação regulando a situação jurídica de índios e comunidades, inclusive estabelecendo regras relativas a posse de terras, bens e renda do patrimônio indígena, é freqüente a ocorrência de gravíssimos incidentes envolvendo disputa pela posse da terra e de seus frutos. Em grande parte a situação conturbada, que tem ceifado inúmeras vidas, origina-se de indefinições quanto a utilização e posse de terras. A utilização da via judicial para dirimir questões e assim preservar a paz, não se revela profícua, pois a demora na emissão de decisão judicial acirra os ânimos, contribuindo ainda mais para a beligerante situação existente. Assim, pareceu-nos de bom alvitre buscar parâmetros legais que tendam a apaziguar ânimos e interesses existentes. Na linha desse entendimento, formulamos PL, cujo objetivo é dar celeridade aos feitos que envolvam índios, colônias indígenas e referentes a questões sobre terras, indígenas São as razões que alicerçam o PL para o final pedimos apoio dos nobres colegas. Sala das Sessões, em de 2008.Deputado HENRIQUE AFONSO-PT- AC http://www2.camara.gov.br/internet/homeagencia/materias.html?pk=124797

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Anexo L- Texto 13- Lobão Filho propõe estender pena de cidadão comum a índio integrado

O senador Lobão Filho (PMDB-MA) apresentou projeto que muda o Estatuto do Índio (Lei nº 6001/73) para determinar que os índios "em via de integração" e os "integrados" à sociedade responderão como cidadãos comuns em processos penais e, se condenados, não contarão com qualquer benefício atenuante.

Pela proposta, continuam inimputáveis os indígenas isolados, ou seja, aqueles que não mantêm qualquer contato com a civilização. Pondera que o novo Código Civil (Lei nº 10.406/02) retirou os índios da lista de pessoas relativamente incapazes, determinando que eles teriam a sua capacidade regulada por legislação especial - no caso, o Estatuto do Índio.

Entretanto, o estatuto não faz qualquer distinção quanto ao grau de integração dos índios, estabelecendo apenas que suas penas serão sempre atenuadas. Com isso, quando condenados a reclusão ou detenção, eles têm direito a regime especial de semiliberdade na sede da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) mais próxima de sua moradia. O senador ressalta que os juízes são hoje obrigados a atenuar a pena aplicada ao indígena, determinando que eles cumpram a pena em semiliberdade. Lobão Filho citou recente decisão do ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal, que acabou por autorizar um índio condenado por tráfico de entorpecentes a cumprir pena em regime de semiliberdade apenas por se tratar de indígena, mesmo tendo ele freqüentado escola, falando fluentemente o português e sendo o líder de uma quadrilha. Eli Teixeira/ Agência Senado.

PROJETO DE LEI DO SENADO FEDERAL Nº , DE 2008- Altera o art. 56 da Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, para estabelecer critérios de imputabilidade de índios.

O Congresso Nacional decreta: Art.1 º- O art. 56 da Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 56. No caso de condenação de índio por infração penal, o juiz deverá, ao aplicar a pena, considerar o grau de integração do índio, obedecendo também os seguintes critérios: I- Os índios isolados, conforme o artigo 4º, inciso I, desta Lei, serão considerados inimputáveis. II- Os índios em vias de integração e os integrados, conforme o artigo 4º, incisos II e III, desta Lei, serão considerados imputáveis e responderão de acordo com as leis penais vigentes no país.” Art.2º-Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

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JUSTIFICATIVA Antes do advento do novo Código Civil (Lei 10.406/2002) os índios eram considerados relativamente incapazes. Quanto à imputabilidade penal, que era interpretada à luz do artigo 26 do Código Penal e do artigo 4º do Estatuto do Índio (Lei 6.001/73), predominava o entendimento no sentido da imputabilidade dos índios integrados, inimputabilidade dos isolados e da necessidade de exame pericial para aferição da responsabilidade penal dos índios em vias de integração. O novo Código Civil, ao retirar os silvícolas do rol dos relativamente incapazes, determinou que estes teriam a sua capacidade regulada por legislação especial -Estatuto do Índio - que classifica os índios como sendo integrados, isolados ou em vias de integração. No entanto, vale ressaltar, que ao tratar da imputabilidade penal, o artigo 56 do referido estatuto não faz qualquer distinção quanto ao grau de integração dos índios, estabeleceu apenas que haverá atenuação necessária da pena, e que as penas de reclusão e de detenção deverão ser cumpridas em regime especial de semiliberdade, na sede da FUNAI mais próxima da habitação do condenado. A lei, portanto, não faculta, mas impõe ao magistrado a decisão de atenuar a pena a ser aplicada ao silvícola, independente de este ser ou não plenamente integrado. Exemplo disso foi o voto do Ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal que, ao analisar habeas corpus 85198/MA, que deferiu o regime de semiliberdade previsto no Estatuto pela simples condição de se tratar de indígena. No caso em questão, o Ministério Publico Federal impetrou Hábeas Corpus (em favor de índio acusado de tráfico de entorpecentes, associação para o tráfico e porte ilegal de arma) requerendo a realização de exame antropológico e psicológico para avaliação do grau de integração do silvícola na sociedade e a aplicação do regime de semiliberdade próximo à sua habitação. Com relação ao primeiro pedido, este foi dispensado tendo em vista o grau de escolaridade, fluência na língua portuguesa e o nível de liderança exercida na quadrilha. Quanto ao pedido de aplicação do regime de semiliberdade, este foi conferido unicamente por se tratar de indígena. Na tentativa de evitar que episódios como estes voltem a ocorrer, a presente proposta visa alterar a redação do artigo 56 da Lei 6001/73 para definir o grau de imputabilidade dos silvícolas isolados, em vias de integração e integrados. Os isolados - aqueles que não mantêm qualquer contato com a civilização - seriam considerados inimputáveis. Por sua vez, os índios em vias de integração e os integrados, não fariam jus a benefício algum, respondendo, assim, de acordo com as leis vigentes no país. Por todo o exposto, pedimos que os nobres Senadores e Senadoras aprovem a presente proposição. Sala das Sessões, Senador Lobão Filho- Assessoria de Imprensa com Secretaria Especial de Direitos Humanos.

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Anexo M- Texto 14- Obrigação de Amparo aos Idosos » CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. TÍTULO VIII- DA ORDEM SOCIAL CAPÍTULO VII- DA FAMÍLIA, DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DO IDOSO Art. 229 Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. Art. 230 A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. » LEI Nº 6.001, DE 19 DE DEZEMBRO DE 1973. Estatuto do Índio TÍTULO I- DOS PRINCÍPIOS E DEFINIÇÕES Art. 1º Esta Lei regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional. Parágrafo único. Aos índios e às comunidades indígenas se estende a proteção das leis do País, nos mesmos termos em que se aplicam aos demais brasileiros, resguardados os usos, costumes e tradições indígenas, bem como as condições peculiares reconhecidas nesta Lei. TÍTULO V -DA EDUCAÇÃO, CULTURA E SAÚDE Art. 54. Os índios têm direito aos meios de proteção à saúde facultados à comunhão nacional. Parágrafo único. Na infância, na maternidade, na doença e na velhice, deve ser assegurada ao silvícola, especial assistência dos poderes públicos, em estabelecimentos a esse fim destinados. Art. 55. O regime geral da previdência social será extensivo aos índios, atendidas as condições sociais, econômicas e culturais das comunidades beneficiadas. » LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002-Institui o Código Civil LIVRO IV – DO DIREITO DE FAMÍLIA TÍTULO II – DO DIREITO PATRIMONIAL SUBTÍTULO III – DOS ALIMENTOS Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. § 1o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. § 2o Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia. Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento. Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros. Art. 1.697. Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais. Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em

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condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide. Art. 1.699. Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo. Art. 1.700. A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694. Art. 1.701. A pessoa obrigada a suprir alimentos poderá pensionar o alimentando, ou dar-lhe hospedagem e sustento, sem prejuízo do dever de prestar o necessário à sua educação, quando menor. Parágrafo único. Compete ao juiz, se as circunstâncias o exigirem, fixar a forma do cumprimento da prestação. Art. 1.702. Na separação judicial litigiosa, sendo um dos cônjuges inocente e desprovido de recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar, obedecidos os critérios estabelecidos no art. 1.694. Art. 1.703. Para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos. Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial. Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência. Art. 1.705. Para obter alimentos, o filho havido fora do casamento pode acionar o genitor, sendo facultado ao juiz determinar, a pedido de qualquer das partes, que a ação se processe em segredo de justiça. Art. 1.706. Os alimentos provisionais serão fixados pelo juiz, nos termos da lei processual. Art. 1.707. Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora. Art. 1.708. Com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor, cessa o dever de prestar alimentos. Parágrafo único. Com relação ao credor cessa, também, o direito a alimentos, se tiver procedimento indigno em relação ao devedor. Art. 1.709. O novo casamento do cônjuge devedor não extingue a obrigação constante da sentença de divórcio. Art. 1.710. As prestações alimentícias, de qualquer natureza, serão atualizadas segundo índice oficial regularmente estabelecido. » LEI Nº 10.741, DE 1º DE OUTUBRO DE 2003.- Estatuto do Idoso e dá outras providências. TÍTULO I- DISPOSIÇÕES PRELIMINARES Art. 3o É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

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I – atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população; II – preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas; III – destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção ao idoso; IV – viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso com as demais gerações; V – priorização do atendimento do idoso por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência; VI – capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços aos idosos; VII – estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais de envelhecimento; VIII – garantia de acesso à rede de serviços de saúde e de assistência social locais. TÍTULO II- DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS CAPÍTULO I- DO DIREITO À VIDA Art. 9o É obrigação do Estado, garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade. CAPÍTULO II- DO DIREITO À LIBERDADE, AO RESPEITO E À DIGNIDADE Art. 10. É obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis. § 3o É dever de todos zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. CAPÍTULO III- DOS ALIMENTOS Art. 12. A obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores. Art. 14. Se o idoso ou seus familiares não possuírem condições econômicas de prover o seu sustento, impõe-se ao Poder Público esse provimento, no âmbito da assistência social. » LEI Nº 5.869 , DE 11 DE JANEIRO DE 1973, ART. 650 . Código de Processo Civil. LIVRO II- DO PROCESSO DE EXECUÇÃO TÍTULO II - DAS DIVERSAS ESPÉCIES DE EXECUÇÃO CAPÍTULO IV- DA EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA DEVEDOR SOLVENTE SEÇÃO I- DA PENHORA, DA AVALIAÇÃO E DA ARREMATAÇÃO SUBSEÇÃO I - DAS DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 650. Podem ser penhorados, à falta de outros bens: I - os frutos e os rendimentos dos bens inalienáveis, salvo se destinados a alimentos de incapazes, bem como de mulher viúva, solteira, desquitada, ou de pessoas idosas;

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ANEXO N- Texto 15- Criança indígena não tem direito à famíli a? Existe entre nós um universo de crianças que não merecem ter uma família? Será que o bom senso que rege os direitos fundamentais de todas as crianças brasileiras, deva estar ausente para as crianças indígenas? A constituição brasileira, ao abraçar a doutrina da proteção integral e garantir a TODAS as crianças brasileiras o direito fundamental à família, teria excepcionado à criança indígena o amor parental, privando-a da alegria de pronunciar a palavra “pai e mãe” em qualquer língua que seja, em prol do respeito aos seus costumes? Ao menos esta é a constatação que se pode abstrair de certos raciocínios que se amparam numa ótica unifocal de uma importante questão que envolve alguns raros casos de crianças indígenas, que em caráter excepcionalíssimo, acabam por absoluta falta de opções, devido às incessantes omissões dos órgãos tutores, colocada em lares brasileiros não indígenas, através de adoção. Certamente, não é possível a escolha aleatória dentre direitos fundamentais tão especiais, quando um deles é essencial para o próprio desenvolvimento do indivíduo. E todo mundo sabe: Criança precisa de família para se desenvolver de forma sadia. Assim, índios, brancos, amarelos, negros, mamelucos, cafusos, e outras tantas variantes étnicas que já caíram em desuso, são todos brasileiros, portadores de direitos fundamentais que devem ser abraçados pela mesma constituição. O caso dos índios, rejeitados em suas tribos por questões culturais, e que se encontram, com o conhecimento dos órgãos tutores jogados em abrigos, à mercê da própria sorte em algumas comarcas do País, merece total atenção da justiça. São CRIANÇAS acima de tudo, e encontram-se privadas por longos anos, de fases importantes de seu desenvolvimento ante as omissões do Estado, no cumprimento de seu papel de tutela destes indivíduos, que perante as circunstâncias de abandono em que se encontram, já romperam completamente com a cultura indígena e são rejeitados por seus pares. Juízes e Promotores de Justiça da Infância e Juventude, são acima de tudo, guardiões de uma infância UNA, que merece respeito em igualdade de condições. Negar o direito fundamental à família para crianças indígenas que estão esquecidas por anos em abrigos com o pleno conhecimento da FUNAI, após esgotados todos os meios de manutenção de sua cultura e laços parentais biológicos, negando-lhes o direito de sorrir e resgatar a dignidade humana que se estabelece primeiramente através dos laços de família, sob o pretexto cívico de preservar-lhes a identidade indígena, é por demasiado cruel e desumano. A linguagem crítica, que se estabelece em torno desta mesma questão, é formada o mais das vezes, por muitos, que sequer têm acesso às informações mínimas sobre as reais condições destas crianças indígenas, que certamente perpassa pela gritante necessidade de demarcação de suas terras e se prolonga através de conflitos e embates jurídicos seculares, impondo aos índios condições indignas de vida em muitos recantos deste País, em situação humilhante, que é de conhecimento público. A subversão da cultura indígena, transformada em cultura “brasileira” através de intervenções jurídicas na forma de adoção nestes casos excepcionais, é a validação do direito à vida de pequenos indivíduos, que se estabelece em princípios elementares de bom senso. É preciso que se reconheça o tamanho da ausência do Estado em tão relevantes questões, e é preciso que se faça URGÊNCIA onde ela realmente existe. A criança, não pode esperar, nem pagar a conta de tantas omissões. ARIADNE DE FÁTIMA CANTÚ DA SILVA- Promotora de Justiça (Campo Grande-MS) e Coordenadora da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança Indígena da ABMP -(26/02/2008).

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Anexo O-Texto 16 - Mato Grosso entra na luta pelo f im do infanticídio no Brasil

07.17.2008 por Tandai em Brasil, Mato Grosso

O parlamento mato-grossense assumiu oficialmente hoje a luta contra a matança de crianças indígenas, uma prática culturalmente conhecida como infanticídio. O compromisso foi firmado pelo presidente da Assembléia Legislativa, deputado Sérgio Ricardo (PR), que recebeu, na tarde desta quinta-feira, militantes índios e não índios integrantes do movimento “pela ampla abrangência” que busca a aprovação de Projeto de Lei em tramitação na Câmara Federal proibindo a prática. A manifestação ocorre paralelamente em 10 estados brasileiros hoje (17) e amanhã.

Em Mato Grosso, três medidas serão adotadas pelo presidente do parlamento: o envio de moção de apoio ao deputado federal Henrique Afonso (PT-AC), autor do projeto de lei 1057/2007 em tramitação; mídia para conscientizar a população através da TVAL, e a coleta de assinaturas a serem enviadas à Câmara Federal pedindo a aprovação da nova lei, denominada Lei Muwaji.

A lei, se aprovada, vai garantir que os direitos das crianças indígenas sejam protegidos com prioridade absoluta, de acordo com a Constituição Brasileira, o Estatuto da Criança e do Adolescente e todos os acordos internacionais de Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário. “O direito a vida está na Constituição, é lei, e a lei para todos, índios e não índios”, defendeu Sérgio Ricardo.

De acordo com o índio Henrique Terena, no Brasil existem 285 nações indígenas e “a matança de crianças acontece na maioria delas”. Estima-se que anualmente mais de 200 crianças indígenas de várias tribos sejam rejeitadas por suas comunidades. São condenadas à morte por serem portadoras de deficiências físicas ou mentais, por serem gêmeas, ou filhas de mãe solteira. Por estas razões são enterradas vivas, envenenadas ou abandonadas na floresta. Muitas são recém-nascidas, outras são mortas aos 3, 5 e até 11 anos de idade.

Terena informou que o problema se agrava ainda mais porque muitos dos pais, inconformados pela ausência do filho, acabam por cometer suicídio. “Mesmo o Brasil sendo dividido em estados, é composto de gente, de iguais. Não queremos desrespeitar, não somos contra a cultura indígena, somos a favor da vida”, disse a militante Kaling Almeida, de Mato Grosso do Sul. “Queremos resguardar o direito á vida de todas as crianças, não só as nossas. Isso passa pela aprovação da lei. Enquanto ela fica parada em Brasília, as crianças continuam morrendo”, alertou André Alves, de Cuiabá.

A exemplo do que ocorreu com a Lei Maria da Penha, a Lei Muwaji foi assim batizada em homenagem à coragem de uma mulher, a indígena Muwaji Suruwaha. Pela tradição do seu povo, ela deveria ter sacrificado sua filha Iganani, que nasceu com paralisia cerebral. Mas Muwaji enfrentou não só os costumes de sua comunidade indígena, mas também toda a burocracia da sociedade nacional, para garantir a vida e o tratamento médico de sua filha.

Também estiveram representados na audiência na AL, os seguintes municípios: Chapada dos Guimarães, Rondonópolis, Lucas do Rio Verde, Comodoro, Diamantino em Mato Grosso; Chapadão do Sul em Mato Grosso do Sul; Goiânia e Chapadão do Sul em Goiás; Ilha Solteira e Araçatuba, em São Paulo.O movimento popular de ampla abrangência se mobiliza organizando manifestações públicas em 10 capitas brasileiras: Cuiabá, Brasília, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Florianópolis, Recife, Belém, Salvador e Aracajú.

Fonte: 24 Horas News -http://www.brasilcontraapedofilia.org/2008/07/17/mato-grosso-entra-na-luta-pelo-fim-do-infanticidio-no-brasil/

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Anexo P - Texto 17 -lei nº 11.645, de 10 março de 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o O art. 26-A da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. § 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. § 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.” (NR) Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 10 de março de 2008; 187o da Independência e 120o da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Fernando Haddad Este texto não substitui o publicado no DOU de 11.3.2008.

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APÊNDICES

Apêndice A – Planejamento da disciplina .......................................................148

Apêndice B - Caderno de Memória- Revelando a experiência........................150

Apêndice C - Texto 01- Direito.........................................................................160

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Apêndice A - P L A N E J A M E N T O CURSOS DE LICENCIATURA PARA PROFESSORES INDÍGENAS

ÁREA DE CONHECIMENTO: Ciências Humanas COMPONENTE CURRICULAR: Direito e Legislação DOCENTE: Sandra Maria Silva de Lima CARGA HORÁRIA: 40 horas-aula totais TURMAS: Turma 2008 PERÍODO: 28/07 a 01/08 de 2008

PERFIL DO CURSO: O curso abordará a temática dos Direitos Indígenas apartir de temas do Direito e da legislação contidos na disciplina com caráter de tema transversal dentro do contexto da interculturalidade. OBJETIVOS: Geral: Possibilitar a construção de novos entendimentos através da percepção dos estudantes universitários do PROESI sobre o Direito e a Legislação tendo como temáticas os direitos indígenas específicos bem como outros direitos estipulados pela legislação “ocidental”. Específicos:

• Expor e analisar a legislação e os conceitos contidos nos textos legislativos através da doutrina e jurisprudências.

• Estimular a reflexão crítica sobre o contexto histórico legislativo bem como a aplicabilidade das leis no cenário político- jurídico do Brasil.

• Identificar a compreensão do Direito valorizando os conhecimentos prévios e a vivência dos estudantes universitários na formação profissional através das produções textuais e formas sugeridas de multiplicação das informações nas aldeias de mato Grosso.

CONTEÚDOS: Os conteúdos a serem abordados durante o curso versarão sobre:

• Direito das Mulheres (Lei Maria da Penha nº 11.340/06); • Direito Ambiental (Lei nº 9605/98- Crimes Ambientais e Lei nº 6938/81-

Política Nacional do Meio Ambiente) • Direito do Consumidor (Lei nº 8078/90- Código de Defesa do Consumidor) • Direito da Criança e Adolescente (Lei nº 8069/90- Estatuto da Criança e

Adolescente) • Direito Penal (Decreto-Lei nº 2848/40- Código Penal) • Direitos Indígenas (Lei nº 6001/73- Estatuto do Índio; Convenção OIT-169;

Resolução 03/99) • Outros temas: Estatuto do Idoso (Lei nº 10741/2003); Recursos Hídricos (Lei

9433/97); Conselho Tutelar; Declaração dos Direitos Humanos; Decreto nº 6040/2007- Comunidades Tradicionais.

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PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS:

A metodologia a ser utilizada: aulas expositivas dialógicas, seminários interativos, confecção de textos a partir das temáticas.

AVALIAÇÃO :

Avaliação será qualitativa considerando a participação dos discentes e a produção de textos acerca dos seminários desenvolvidos bem como uma avaliação descritiva dos conteúdos ministrados. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS :

ARAUJO, Ana Valéria et alii. Povos Indígenas e a Lei dos “Brancos”: o direito à diferença. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade: LACED/Museu Nacional, 2006. Código Civil; Código Comercial; Código de Processo Civil: Constituição Federal. Obra coletiva de autoria da editora saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006. Convenção nº 169 sobre povos indígenas e tribais em países independentes e Resolução referente à ação da OIT sobre povos indígenas e tribais. — 2a ed. — Brasília: OIT, 2005. FLEURI, Reinaldo Matias. Educação intercultural: mediações necessárias. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. Interesses difusos e coletivos. Obra coletiva de autoria da editora saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes, 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004. SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e Novos Direitos: proteção jurídica à diversidade biológica e cultural. São Paulo: Peirópolis, 2005.

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Apêndice B - Caderno de Memória - revelando a exper iência

Barra do Bugres, 28/07/2008 A primeira aula da etapa presencial começou às 7h30min de uma segunda-

feira ensolarada com toda a turma de 2008. Após o cumprimento e saudação a todos foi lido o Caderno de Memórias sobre os acontecimentos da aula de 6ª feira. Após a leitura todos aplaudiram e o aluno Joel Terena relatou o conteúdo da reunião do Conselho Indígena mostrando o modelo da carteira de estudante.

Logo em seguida o coordenador do PROESI informou sobre os projetos pedagógicos do programa e solicitou a assinatura dos estudantes acordando com um dos projetos citados. Neste momento em que pediu que assinassem por extenso o nome e também a etnia a qual pertence, surgiu uma dúvida sobre a rubrica e o nome por extenso. O professor Elias escreveu seu nome por extenso e também fez a assinatura no quadro e perguntou a diferença e o porquê da necessidade de escrever o nome completo.

Disse a todos que a rubrica não possibilita a averiguação do nome nos registros de identificação dos órgãos responsáveis como a Polícia Federal, Receita Federal, Secretaria de Segurança Pública e outros, pois este tipo de assinatura pode não exprimir e nem referir ao nome do portador do documento oficial que em casos de abaixo - assinados não contém cópia do referido documento. Também foi suscitada a dúvida quanto ao nome, prenome e sobrenome que costumamos dizer de forma equivocada. Foi usado como exemplo o nome do professor, prenome Elias e nome Januário e falei da não existência do termo sobrenome.

Depois disso o professor Elias Januário fez nova apresentação e assim conduzi a aula com a explanação do texto 01-“Direito” onde falamos da origem e do desenvolvimento dessa Ciência Social. Neste momento da aula os alunos fizeram muitos questionamentos trazendo dúvidas sobre os casos concretos que acontecem nas aldeias e ainda a interpretação do significado do direito considerando “branco” e “índio”. Ainda não tínhamos definido quais termos seriam utilizados, pois considerei os que já possuíam baseados em resultados da própria mídia bem como em seu cotidiano.

Distribuí o texto 2-“Fontes do Direito Penal” para que lessem individualmente, pois após a leitura seria feita a explanação. O texto foi escolhido tendo em vista as particularidades do Direito Penal e para fixarem as fontes do direito, quer sejam, leis, costumes, doutrina e jurisprudências. Neste momento os alunos lembraram casos como de “Isabella”, “Daniel Dantas” e do “índio Galdino” fazendo considerações na forma de aplicação desse direito, como o poder judiciário aplicando a lei ou pelo poder discricionário do juiz determina e resolve os casos, protela outros ou ainda decide de forma não condizente com a realidade esperada por todos na sociedade.

Foi determinante a forma com que foi tratada a questão financeira na visão dos alunos, a qual também faz parte da ampla maioria da população brasileira, uma indignação quanto à forma de punir, baseada em interesses privados, privilégios de direitos e inaplicabilidade da lei. A leitura do texto e sua interpretação foram importantes para perceber qual o conceito do Direito Penal.

O texto foi discutido após o intervalo para o almoço e no inicio do período vespertino (14h30min). As aulas foram divididas em temas que integraram o material didático do CDROM.

No tema “Introdução ao Direito e Direito Constitucional” utilizamos a sentença prolatada pelo Juízo Federal do Acre (texto 03). Este foi um exercício importante, pois os alunos identificaram na peça processual as fontes do direito: leis, doutrinas,

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costumes e jurisprudências fixando melhor o texto anterior e visualizando a menção das leis tanto do Código Penal quanto da legislação indigenista.

Abordando o Direito Constitucional foram lidos e comentados todos os artigos da Constituição Federal de 1988 pertinentes aos direitos indígenas do texto 04-“Direitos Indígenas na Constituição da república Federativa do Brasil de 1988”. Com a leitura perceberam que os direitos e deveres indígenas podem ser extraídos não apenas do capítulo específico nos artigos 231 e 232.

Com o apoio de vários textos e artigos sobre a súmula 140 do Superior Tribunal de Justiça, os alunos compreenderam a questão da competência tanto da Justiça Federal quanto da Justiça Estadual para julgar os crimes e infrações cometidos por indígenas, tema este muito controverso na doutrina e na jurisprudência. Após vários questionamentos encerramos a aula às 18h30min propondo aos alunos uma reflexão sobre a percepção do direito tendo como referência a aula dada e os seus conhecimentos acerca da temática.

Barra do Bugres, 29 de julho de 2008.

Após a leitura do Caderno de Memórias pelo aluno o aluno Elias Jorge Franco, da etnia Terena, foi lido e explicado o texto 05- “História do Direito- Direito Indígena: um direito ou uma concessão do direito estatal?!”.

Este texto foi apenas projetado no data-show, os alunos não tinham a cópia. Alguns alunos fizeram a leitura e parágrafo por parágrafo foi comentado os termos que não conheciam. Embora não estivesse utilizando o dicionário jurídico, a explicação se dava tanto pelo vocábulo em português e ainda pelo vocábulo jurídico, uma vez que se trata de linguagem técnica onde os alunos comentaram a dificuldade de entender só falando a palavra, por isso adotamos como regra dentro da sala que, toda vez que não soubessem o significado, perguntariam após a leitura do parágrafo antes da explicação.

O que chamou a atenção foi o processo histórico e sua influência na confecção das leis e dos sistemas de regramento e costumes dos povos indígenas. Falaram sobre a importância de conhecer a origem e o tratamento que o Estado deu aos indígenas, como a sociedade não-indígena interpretou e como a comunidade indígena recepcionou este código de regramento diferente daqueles que possuem internamente.

Depois da discussão desse texto foi proposta uma atividade onde dissertaram sobre “a percepção que possuem sobre o direito”.

Após o intervalo continuaram a atividade. Ainda no período matutino começamos a abordagem da temática Direito Ambiental, tratando da questão ambiental com comentários gerais sobre a Lei nº 9795/99 que trata da Educação Ambiental.

Os alunos expressaram que é fundamental a aplicabilidade desta lei, pois a natureza tem modificado muito e os homens estão destruindo tudo sem preocupações. Falaram da forma que as comunidades indígenas manejam a natureza para não faltar recursos para os que virão. Percebe-se aqui que essa preocupação atende a vários princípios ambientais destacando o desenvolvimento sustentável.

Na explicação das leis sobre Crimes Ambientais e Política Nacional do Meio Ambiente, respectivamente Leis nº 9605/98 e nº 6938/81 houve muitas indagações sobre como é aplicado o conteúdo da lei ambiental, e que conceitos relacionam à questão indígena, atingindo o modo de vida e os costumes. Foi então debatida as possibilidades do índio incorrer em crimes ambientais e também de que forma poderiam atenuar a pena, visto que é um direito específico tanto da atenuante quanto

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do cumprimento da pena em regime diferenciado. Todos saíram para o almoço às 11h30min.

Durante a aula a Senhora Rosa, responsável pela parte logística do PROESI apresentou aos alunos o cacique Narciso da Aldeia Quatro Cachoeiras da Etnia Paresi. Foi um momento interessante, pois o cacique nos premiou com ensinamentos e conselhos para os universitários, destacando questões como gratidão, reconhecimento, preservação da cultura, dos recursos naturais. Em sua fala ficou evidenciada a importância do indígena conhecer a cultura do branco, mas jamais perder a própria cultura. Destacou que fica orgulhoso quando vê sua neta na sala estudando e o quanto ela valoriza o estudo e que está lecionando na aldeia.

Agradeceu o PROESI pelas oportunidades e que todos devem aproveitar para estudar, para beneficiar os que estão nas aldeias e também os que virão. Todos aplaudiram, um dos alunos agradeceu a visita do parente. Em seguida falei algumas palavras e o agradeci. O cacique estava com a vestimenta indígena da qual falou sentir honrado em mostrar para indígenas e não-indígenas.

No período vespertino continuamos tratando do tema Direito do Meio Ambiente e vimos alguns artigos da Lei de recurso Hídricos nº 9433/97 dando ênfase para participação do indígena e sua comunidade nos Comitês de Bacia Hidrográfica.

Discutimos sobre os decretos nº 6515 que instituiu a Guarda Ambiental, nº 6514 que altera a lei de crimes ambientais e nº 6513(texto 6) que trata da atuação das Forças Armadas e da Policia Federal nas Terras Indígenas, todos decretos presidenciais publicados no dia 23 de julho de 2008, mas que já possuem algumas interpretações que foram comentadas na mídia digital.

Foram abordados os textos 7, 8 e 9 respectivamente com os títulos: “Índios vêem ameaça e mobilização do Exército”; “Governo tenta ‘convencer’ índios de MT a deixar explorar potencial hídrico” e “Decreto que autoriza bases militares em Terras Indígenas é inconstitucional, afirma conselho”. Os textos foram projetados, lidos integralmente comentando os termos jurídicos e suscitando vários questionamentos sobre o que anda ocorrendo no cenário político e jurídico do país e do Estado de Mato Grosso. Foi fundamental para os estudantes o acesso a essas informações recentes.

Barra do Bugres, 30 de julho de 2008.

Começamos a aula da 4ª feira com a leitura do Caderno de Memórias pelo aluno Edmilson Zoró, da etnia Zoró.

Notamos a ausência no período matutino dos sete alunos que foram à Cuiabá no Museu Rondon na UFMT para o lançamento dos livros escritos na língua Ikpeng, com textos e ilustrações dos alunos e professores do PROESI. Os alunos comentaram que se sentem honrados vendo os parentes autografando livros e tornando realidade a preservação da cultura das comunidades indígenas.

Continuamos falando sobre o decreto nº 6513, pois os alunos estão preocupados com o que poderá acontecer caso não venha a ser declarado inconstitucional. Lembrei que o decreto já se encontra em vigor e com prazos determinados para cumprir as determinações. Então falamos mais sobre o decreto até a hora do intervalo, sempre com o cuidado de visualizar a legislação como produto do momento histórico que estamos vivenciando. Os alunos fizeram inúmeras questões combinando hipóteses das mais variadas sobre possíveis resultados da presença de militares nas Terras Indígenas, ficaram preocupados porque a lei não mencionou a palavra povos indígenas.

Entreguei o texto 10-“Crimes indígenas precisam ser esclarecidos” para que lessem individualmente e logo após fazermos o seminário integrador.

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Ao projetar o texto lemos todos os parágrafos e destacamos as falas e as recomendações legais contidas no texto, além das problemáticas sociais que preocupam as aldeias como a criminalidade, o alcoolismo, a prostituição, as drogas e a forma de aplicabilidade da legislação, identificamos neste texto as controvérsias nas decisões do STF e STJ.

No período vespertino todos os alunos já estavam na sala, alguns contaram sobre o ocorrido em Cuiabá e que os autores do livro deram muitos autógrafos e foi bonito o evento. Comentamos rapidamente o texto da aula da manhã para que os alunos que retornaram do evento ficassem interados do tema.

Logo em seguida foi proposta uma atividade em que responderam individualmente as questões: “O que é ser índio ou índia para você?” e “Você se considera ‘integrado’ ou ‘interado’ na sociedade brasileira? Por quê?”. Ficaram elaborando as respostas até o intervalo. Logo após recolhi todas as folhas de respostas e lhes foi entregue o texto 11 “Lei Maria da Penha dá nova visão à família moderna”.

O texto foi lido individualmente. Começamos a abordagem do Direito das Mulheres com a leitura e comentários da Lei nº 11.340/2006. Fizeram várias perguntas, as mulheres falaram de suas preocupações e discutimos outros textos que compõem o material didático (CDROM).

Ao comentarmos o texto que trouxe uma temática da homossexualidade ficaram um pouco eufóricos sobre a abordagem. Enfatizei que a lei não protege apenas briga de casais, mas toda violência contra a mulher, tanto pelo companheiro ou companheira (aqui reportando ao texto) quanto pelos pais, irmãos, parentes ou pessoas que possuem grau de afinidade com a vítima. Alguns casos que trouxeram como hipóteses não seriam analisados por esta lei, mas pelo Código Penal. E foram muitas as hipóteses, imaginaram um número considerável de hipóteses.

Após vários questionamentos quiseram saber como se dá a denuncia sobre a lei Maria da Penha. Falei dos procedimentos e mostrei uma cópia de um caso de flagrante e autuação do caso na Delegacia de Mulheres da cidade de Cáceres, com o cuidado de preservar os nomes da vítima e acusado-ofensor.

Como uma das temáticas escolhidas por eles, na ocasião da oficina feita em fevereiro do corrente ano, era a questão processual, dei ênfase em peças processuais como a sentença, a ação (processo) e neste caso dos direitos das mulheres para a nota de culpa e do inquérito policial. Como a cópia retratava apenas o inquérito e sua distribuição para o Poder Judiciário foi comentado quais as medidas feitas após isso.

Esta lei tem uma particularidade no rito processual devendo tanto a atuação do juiz quanto dos serventuários da justiça serem mais rápidas para proteger a integridade física da vítima.

Considerei até este momento, uma das leis que chamou mais a atenção de todos na sala, embora com muitas informações específicas, eles disseram que os direitos das mulheres devem ser conhecidos e respeitados. Enfatizei que às mulheres índias é aplicada a Lei Maria da Penha, mas que prepondera a decisão de escolher como será a resolução de possíveis casos considerando a questão cultural.

Terminamos a aula com inúmeros comentários sobre o direito das mulheres e a necessidade de estudar mais sobre a temática, de esclarecer a comunidade sobre a condução dos problemas com a bebida alcoólica e outras situações que contribuem para a violência.

Barra do Bugres, 31 de julho de 2008.

Começamos a quinta-feira com a aluna Nilce Alcântara, da etnia Terena lendo o Caderno de Memórias. Após este momento entreguei cópia dos textos de Projetos

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de Lei que estão tramitando no Congresso Nacional. Nesta parte da aula expliquei sobre o processo legislativo e os termos políticos e jurídicos que permeiam a lei desde a sua confecção até a entrada em vigor.

Os termos foram complicados para o entendimento apenas do ponto de vista doutrinário pela própria complexidade da matéria. Mas com os questionamentos dei ênfase aos processos de promulgação e veto da legislação, explicando o caminhar da lei nos dois momentos distintos. Assim chegamos também aos termos sanção, publicação, entrada em vigor, validade, regulamentação e implementação.

Aqui eles expuseram o porquê da lei “não funcionar”, “não valer”, “não pegar”, “ficar só no papel”, “entender a interesses”, expressões que falaram durante a aula.

O texto 12-“Projeto dá prioridade a processo judicial de indígenas” foi discutido do ponto de vista de beneficiar as comunidades indígenas na questão da celeridade processual considerando que a morosidade causa imensos prejuízos no exercício dos direitos. Explanei sobre as mudanças que serão feitas no Código de Processo Civil com a entrada em vigor caso a lei venha a ser publicada. O texto apresentado é da Câmara dos Deputados com a exposição de motivos, o texto do Projeto de Lei e a Justificação.

Aqui entenderam que não alteraria e nem suprimiria direitos conquistados, mas o tempo diminuiria para seu exercício.

O texto 13-“Lobão Filho propõe estender pena de cidadão comum a índio integrado”, despertou muito interesse e muitos questionamentos, pois neste texto há uma modificação na forma do juiz mensurar a pena, retirando dos índios em via de integração e dos índios integrados a possibilidade de tratamento diferenciado no cumprimento da pena que atualmente é estipulado pela Lei 6001/73- Estatuto do Índio. Por este projeto de lei apenas os índios isolados continuariam tendo tratamento especial, os demais responderiam como cidadão comum.

A discussão teve momentos de intenso debate, pois para alguns estudantes universitários, os índios nem sequer podem ser presos. Expliquei que este entendimento faz parte da interpretação equivocada da ampla maioria dos cidadãos brasileiros, mesmo dos não-indígenas.

Neste momento polêmico foi necessário enfatizar as abordagens anteriores sobre o Código Penal, CF/88 e demais orientações. Aqui se percebia a ênfase na pena, esquecendo das condutas reprováveis pela sociedade indígena e não-indígena do fato ou ato cometido pelo agente. Novamente foi imprescindível a abordagem constitucional, a menção a direitos acompanhados de deveres, bem como a leitura dos artigos da Constituição Federal de 88 e do Código Penal.

Embora o projeto tratasse de tema penal a justificativa do projeto se deu em torno das alterações trazidas pelo Código Civil, Lei nº 10406/02 que retirou a inimputabilidade dos indígenas considerando-os capazes. Fizeram-se necessária algumas considerações sobre o Código Civil que não foi especificamente escolhido nos temas solicitados.

Após o intervalo do lanche passamos para a temática dos Direitos dos Idosos que estão contidas na Lei nº 10741/2003 que estava na apostila do material fornecido pelo PROESI. O texto foi projetado no data-show e comentamos a maioria dos artigos.

Ao discutir pontos da lei, os alunos identificaram alguns costumes nas aldeias quanto ao tratamento dos seus idosos, da valorização com a presença na educação dos mais moços e crianças. Ficaram impressionados como a lei descreve condutas em torno da questão do idoso. Projetei ainda o texto 14- “Obrigação de Amparo aos Idosos” destacando as leis que tratam do tema. Após, foi passado um esquema visualizando estes direitos que consta no CD com conteúdo programático.

Vimos depois a Lei nº 10098/2000 que trata das normas e critérios básicos para promoção de acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, simplificada como “lei dos deficientes físicos”. Ao abordar esta lei

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perceberam alguns artigos que estavam presentes no Estatuto do Idoso quanto ao acesso a lugares públicos e a necessidade de cuidados especiais.

No período da “tarde começamos a aula com o texto 15 -” Criança indígena não tem direito à família?”para abordar a temática Direito da Criança e do Adolescente. Lido o texto individualmente foi projetado o Estatuto da Criança e do Adolescente destacando os itens mais importantes tendo em vista ser uma lei extensa. Foi feito um histórico do ECA e comentado sobre a maioridade que está adquirindo considerando os dezoito anos que completa em 2008.

A leitura do texto possibilitou a explicação do tema adoção das crianças indígenas por famílias não-indígenas, o que em várias opiniões emitidas faz com que a perda da identidade seja acelerada, pois sem o convívio diário a criança esquece seus costumes. Mas ponderaram para o fato de que essas crianças não podem crescer em abrigos sem a possibilidade de receber tratamento e carinho familiar.

Foram falados vocábulos jurídicos e ações como a guarda provisória e definitiva, os trâmites na justiça dos processos de adoção e de guarda.

Ficou evidenciada a vontade de conhecer o ECA para aplicação e divulgação nas escolas e nas aldeias por parte dos professores que já atuam na educação escolar indígena.

Abordamos as atribuições do Conselho Tutelar e a função dos conselheiros na condução do Estatuto. No material didático fornecido consta uma cartilha ABC do Conselho Tutelar explicativa. Foi acertado que irão divulgar nas aldeias sobre o Conselho Tutelar para que, caso necessitem, recorram aos conselheiros.

Outro tema bordado foi a questão do infanticídio nas aldeias, ocasião em que foi lido o texto 16- “Mato Grosso entra na luta pelo fim do infanticídio no Brasil”. Este é um tema polêmico também na sociedade não-indígena, pois a mãe ao cometer o crime, o resultado já lhe traz uma penalidade no aspecto psicológico. Os alunos disseram que é preciso investir em formas de tratamento para as mulheres, pois não devem ser vistas só como assassinas, mas carentes de cuidados maiores.

Na sociedade indígena este assunto também carece de uma atenção maior, mas as decisões e políticas devem ouvir os indígenas para verificar as peculiaridades de cada povo.

Como último ponto da aula iniciamos o tema Direito do Consumidor com a leitura do Código de Defesa do Consumidor-CDC que inovou e modificou o cenário legislativo e de aplicação da pena no Brasil. Lembramos que outras leis sofreram fortes influências com o CDC, pois trouxe conceito como direitos difusos e coletivos.

À medida que os termos jurídicos iam aparecendo os alunos questionavam em que contexto se dava a aplicabilidade da lei. Surgiram muitos casos hipotéticos e qual solução seria dada àquela demanda.

Por tratar de um texto muito extenso e que necessitaria de um período maior nos detivemos em artigos que contextualizam a finalidade da lei. Como os alunos já tinham vários conceitos e definições dadas anteriormente a posterior leitura individual do material será facilitada.

A questão do consumo excessivo de bens e serviços também foi analisada pelos alunos sob o ponto de vista de como os indígenas estão interados no contexto da sociedade. Atentaram para o fato de que se continuarmos com este consumo exagerado poderemos ter sérios conflitos no futuro com a falta de recursos naturais. Aqui observamos uma preocupação com a visão da capacidade limite e suporte dos bens ambientais. Disseram que é importante estudar o CDC e também multiplicar as informações nas aldeias

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Barra do Bugres, 01º de agosto de 2008.

Iniciamos a aula com a leitura do caderno de memórias pelo aluno Rogério Tapirapé, da etnia Tapirapé.

Abordamos os aspectos dos Direitos Indígenas para finalizar em sala de aula a programação contida no planejamento considerando que ao longo da semana vimos vários textos e legislações indigenistas. Lembramos a diferença entre Direito Consuetudinário (costumes) e as normas positivadas indigenistas como integrante dos direitos indígenas.

O Direito Consuetudinário tem como pressupostos as normas consensuais de cada povo indígena enquanto que a legislação indigenista são as normas positivadas emanadas pelas Casas Legislativas e pelo Executivo. Aqui, construímos o conceito dos Direitos Indígenas.

Projetei o texto 17 com o texto da Lei 11645/2008 que traz referência à educação, pois estabelece diretrizes e bases da educação nacional para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Após a leitura da lei e interpretação do texto legislativo foi questionado se eles viam a lei como um aspecto benéfico ou maléfico nos aspectos culturais. As opções de respostas eras “sim” ou “não”. Menos da metade da sala responderam sim, então pedi que os que respondessem “não” justificassem a resposta. Todos esses se abstiveram, embora insistisse para colher os depoimentos.

Assim inverti a questão para os que responderão “sim” e o aluno Joel da etnia Terena falou que “é benéfica, pois assim os estudantes podem conhecer a realidade das sociedades africanas e indígenas”. Destacou que “os indígenas devem produzir seu próprio material para as escolas indígenas, bem como produzir textos para informar a sociedade não-indígena”.

Abordei ainda a questão do livro didático que deve ser atualizado retirando aqueles textos onde a única visão oferecida é a do índio em sua oca, ornamentado com adereços e entendido como alguém que esteve por aqui. Para isso devem ser divulgadas informações atuais de como o índio está vivendo no cenário nacional e internacional, uma visão criteriosa.

Destaquei o fato de que os professores em formação tem essa responsabilidade. Ilustramos com o exemplo dos egressos do curso do PROESI que publicaram os livros na língua materna. Desse exemplo surgiu um questionamento interessante: “Como vamos ler o livro se não tem tradução e não conhecemos a língua que eles estão escrevendo?”

Neste momento todos mostraram esta preocupação, o que fez com que sugerissem que as publicações sejam feitas também no português, tendo em vista que todos entendem, escrevem e falam português que é a língua que os fazem sentir “interados” no ambiente da universidade.

Depois destes comentários com a Lei nº 11645/08 foi perguntado se os que disseram “não” ainda quisessem dar o depoimento que poderiam defender a idéia. Ninguém quis argumentar e funcionou como uma votação sem a justificativa do “não”, pois se omitiram a expor o motivo da escolha.

Projetei o Decreto nº 5051/2004 que determinou a entrada em vigor da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT. Neste momento da aula fizemos a abordagem do processo legislativo de como são utilizados os termos jurídicos contidos no decreto. Foram suscitados termos como o depósito do instrumento de ratificação na OIT, sendo importantes os termos retificação, ratificação, afirmação e confirmação. Outro termo foi o de apensamento da Convenção ao Decreto Presidencial nº 5051/04 e foi dado um exemplo para a compreensão dos trabalhos escolares quando coloca a capa, esta seria o Decreto e a Convenção 169 seria o conteúdo do trabalho, o que identificaram como o mais importante, mas foi enfatizado

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que só passou a ter vigor no país após a publicação em 20 de abril de 2004 coincidentemente assinado no dia do índio, o que despertou a atenção dos alunos que fizeram inúmeros comentários, um deles foi a visão internacional para o Brasil que trata da questão indígena, falada intensivamente somente no dia 19 de abril.

Para definir a noção equivocada de que o índio não pode ser preso ao praticar um crime tendo a Convenção 169 como lei que ampara esta justificativa, nos detivemos no artigo 9º que remete a aplicabilidade das normas contidas no sistema jurídico nacional. A prisão está amparada legalmente, pois a conduta reprovativa está presente no Direito Consuetudinário estabelecido nos códigos e regramentos internos de cada aldeia ou etnia. Foi detalhado que a atenuante se dá no cumprimento da pena e não é possível aplicá-la nas fases dos atos processuais e de averiguação posteriores à conduta criminosa.

Projetei uma compilação do Projeto de Lei nº 2057/91 de autoria do Deputado Federal Luciano Pizzato com as modificações e alterações no texto das versões de 1994, 2000 e 2001, tanto na questão da nomenclatura da lei, este projeto tem o nome de “Estatuto das Sociedades Indígenas” enquanto que a lei a ser modificada, recepcionada e posteriormente revogada tem a nomenclatura de “Estatuto do Índio”.

Este projeto modifica substancialmente a Lei nº 6001/73 que disciplina o Estatuto do Índio. A modificação se dará desde a conceituação até a forma de tutela, pois considera a Constituição Federal de 1988 e o Código Civil que foram vistos anteriormente.

Outro ponto que foi discutido foram os interesses indígenas, pois o Estatuto das Sociedades Indígenas faz referência ao tratar da questão das terras indígenas e sua gestão. Foi indagado quais seriam os interesses indígenas, obtendo-se as seguintes respostas: preservar a natureza, valorizar a cultura, vida digna, costumes e crenças, cuidar da nossa terra, preservar e aprender a língua materna, respeitar os nossos direitos, direito à educação e à saúde, valorizar nosso conhecimento indígena; alimentação tradicional, festas tradicionais, lazeres, agricultura de subsistência, direito das mulheres falarem.

A próxima indagação foi se eram apenas esses os interesses e disseram que não lembravam mais. Então comentamos sobre interesses maiores, tanto sociais quanto os econômicos ligados à produção, ao manejo das riquezas naturais existentes nas terras indígenas e que são direitos indígenas protegidos constitucionalmente.

A abordagem confirmou o que vinham afirmando anteriormente sobre a propriedade. Os estudantes têm a noção de coletividade, comunidade e não conseguem diagnosticar os grandes interesses das comunidades. Assim, o discurso que fazem referente à Terra Indígena deve ser melhor trabalhado confrontando as premissas legais presentes na CF/88, Lei 6001/73 e outras.

No intervalo para o lanche fizemos uma atividade lúdica, uma exposição com os CDs com o material didático visto o longo da semana. No dia anterior cada aluno levou uma folha sulfite para produzir desenhos e montar a capa do CD. Como era intervalo para o lanche, os demais estudantes do PROESI vieram ver as capas e comentaram o interesse pela disciplina. Após este momento retornamos as discussões sobre a importância de estudar o Direito e a Lei, que a leitura é fundamental para conhecermos esta Ciência Social e os alunos comentaram sobre a necessidade de multiplicar as informações nas aldeias.

Este é um dos objetivos da disciplina, que na formação dos professores que atuarão e que atuam nas escolas transmitam aos alunos as informações obtidas e construídas em sala de aula. Uma das considerações feitas pelos alunos também valorizou o repasse, a multiplicação para os moradores nas aldeias e para isso poderiam utilizar das oficinas, escrever textos informativos, reuniões o conselhos, festas da comunidade.

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Um comentário importante foi que diagnosticaram que através da informação poderão mobilizar a comunidade indígena para reivindicarem nas casas de leis possíveis inclusões ou exclusões de assuntos que estão sendo debatidos atualmente.

Após estes momentos de reflexão sobre a disciplina foi distribuída a avaliação da disciplina em formulário do PROESI que entregariam na próxima terça-feira. Foi solicitado ainda que observassem na projeção a atividade da etapa intermediária (texto 18). As questões foram comentadas e ficou estipulado que na etapa intermediária entregariam as respostas.

O final da disciplina estava chegando, agradeci aos alunos a atenção no decorrer da semana e enfatizei que foram mais que apenas estudantes, foram colaboradores na construção das temáticas, pois escolheram os temas anteriormente, complementando os trabalhos e os objetivos da disciplina dessa etapa. Após os agradecimentos o aluno Joel da etnia Terena leu uma poesia redigida ao longo das aulas retratando fielmente seu entendimento da disciplina. Foi um momento muito especial, pois as palavras marcaram significativamente, contextualizando as percepções e impressões que foram vivenciadas durante a semana. Joel autorizou a divulgação do texto. Ao final agradeci novamente pela atenção e colaboração de todos, terminamos as aulas com aplausos. Aldeia Formoso - Tangará da Serra-MT, 03 de agosto de 2008.

A maioria dos alunos da etapa presencial juntamente com professores e funcionários do PROESI tiveram um dia especial. Fomos visitar a Aldeia Formoso na região de Tangará da Serra-MT. Estava chovendo quando chegamos à aldeia do povo Paresi. Fomos recebidos pela Senhora Maria Helena que nos mostrou toda a aldeia, as habitações, a casa de cultura e a cachoeira.

Figura 19 - Visita na aldeia Formoso – Tangará da serra-MT. Foto : Sandra Lima, 2008.

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Um momento especial foi a explicação de dona Maria Helena sobre o ritual com um ancião, que ao redor da fogueira onde estava uma chaleira de chá ele contava aos mais novos suas memórias com a pretensão que estes repassem aos netos e todos os que virão depois. Vi nestas palavras a preocupação com a preservação da memória do povo Paresi. Ela disse que “nossos velhos não são eternos, mas são fontes de sabedoria”.

A visita à aldeia me trouxe também a percepção de como os dois mundos, o indígena e o não-indígena estão materializados na arquitetura. A oca, as casas em metade madeira e metade palha, a casa de madeira coberta com telhas e a casa de alvenaria. Comentamos sobre estes aspectos e observamos a escola toda de alvenaria e como a influência não indígena modificou a aldeia no aspecto arquitetônico, cultural e social.

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Apêndice C- Texto 01 - DIREITO

• Provém da palavra latina directum, que significa reto, no sentido retidão, o certo, o correto, o mais adequado.

• Etimologia- Direito é “qualidade daquilo que é regra”.

Antiguidade - Celso: “Direito é a arte do bom e do eqüitativo”. Idade Média - Dante Alighieri: “Direito é a proporção real e pessoal de homem para homem que, conservada, conserva a sociedade e que, destruída, a destrói”. Kant: ”Direito é o conjunto de condições, segundo as quais, o arbítrio de cada um pode coexistir com o arbítrio dos outros de acordo com uma lei geral de liberdade”.

• O direito é um conceito em constante mutação, até porque enraizado e conseqüente da própria condição humana, que necessita de ajuste e adequação diuturnamente, seja com relação a seu habitat, aos critérios e normas de convivência, bem como às novas realidades construídas pelos grupamentos humanos e a própria evolução do conhecimento cientifico e tecnológico.

• Direito Natural- nasce com o próprio homem independente de regramento quanto a sua

utilização. (Revelação)

Naturalistas: necessitam critério de avaliação das mesmas normas. Não há padrão de medida. • Direito Positivo- direito regrado, criado e escrito pelos homens, através de normativos e

legislação que indicam e individualizam as situações e preceitos a serem seguidos ou cumpridos. As fontes do direito são fundamentais na construção do direito positivo: o direito escrito e interpretado que rege as relações humanas na atualidade. - Positivistas: ordem social ou através do Estado

• Conceito de Direito 1) NORMA estabelecida na lei, ou seja, a regra jurídica 2) FACULDADE, que todos temos, de exigir um determinado comportamento alheio, em defesa de nossos direitos.

• Tipos de direito positivo: Positivismo legalista: volta-se só para a lei. Positivismo historicista ou sociologista: É o do direito costumeiro ou da classe dominante, que pretende exprimir sua cultura e traçar sua organização social, resguardada pelos mecanismos de controle e segurança desta ordem estabelecida. Positivismo psicologista: Defere aos juízes como no judgemade Law, construindo normas, além e acima das leis. (discricionário) • Tipos de direito natural Cosmológico: origem no universo. Teológico: origem na lei divina Antropológico: origem na razão humana. Torna-se positivo após a ascensão da burguesia.

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Direito natural: plano ideal, da abstração. Princípios imortais (natureza, deus, razão). Direito positivo + Direito natural = complementares, pois não são estanques, isolados ou desligados. Direito: existe antes, perante e depois do Estado. Busca da práxis jurídica no âmbito social As principais fontes são as leis, os costumes, a doutrina e a jurisprudência dos tribunais. COSTUME é caracterizado quando existe a reiteração de uma conduta na convicção da mesma ser obrigatória. DOUTRINA é construída pelos estudiosos da área jurídica quando da interpretação do direito. JURISPRUDÊNCIA é o resultado de decisões judiciais no mesmo sentido, que resultam em novos entendimentos e compreensões do direito

• Hierarquia das leis - evita que direitos de maior abrangência não sejam suplantados por direitos e regramentos inferiores. Principais normativos que regem o direito positivo ou escrito no Brasil são: Tratados, Convenções Internacionais, Constituição Federal, Constituições Estaduais, Leis Complementares, Leis Federais, Estaduais e Municipais, além das Medidas Provisórias Federais, que possuem um caráter de excepcionalidade, objetivando uma normatização emergencial.

Formas especializadas: Direito Civil, Direito do Trabalho, Direito de Família, Direito Penal, Direito Marítimo, Direito Tributário, Direito Imobiliário, Direito do Consumidor. Somente no Brasil temos mais de 20 ramos ou especializações do direito, com a forte tendência de que as áreas se multipliquem, requerendo ainda mais profissionais capacitados para atender os novos nichos de demanda. Segundo Dworkin (jusfilósofo inglês) "O direito não é esgotado por nenhum catálogo de regras ou princípios, cada qual com seu próprio domínio sobre uma diferente esfera de comportamentos. Tampouco por alguma lista de autoridades com seus poderes sobre parte de nossas vidas. O império do direito é definido pela atitude, não pelo território, o poder ou o processo. Estudamos essa atitude principalmente em tribunais de apelação, onde ela está disposta para a inspeção, mas deve ser onipresente em nossas vidas comuns se for para servir-nos bem, inclusive nos tribunais. É uma atitude interpretativa e auto-reflexiva, dirigida à política no mais amplo sentido. É uma atitude contestadora que torna todo cidadão responsável por imaginar quais são os compromissos públicos de sua sociedade com os princípios, e o que tais compromissos exigem em cada nova circunstância. O caráter contestador do direito é confirmado, assim como é reconhecido o papel criativo das decisões privadas, pela retrospectiva da natureza judiciosa das decisões tomadas pelos tribunais, e também pelo pressuposto regulador de que, ainda que os juízes devam sempre ter a última palavra, sua palavra não será a melhor por essa razão. A atitude do direito é construtiva: sua finalidade, no espírito interpretativo, é colocar o princípio acima da prática para mostrar o melhor caminho para um futuro melhor, mantendo a boa-fé com relação ao passado. É, por último, uma atitude fraterna, uma expressão de como somos unidos pela comunidade apesar de divididos por nossos projetos, interesses e convicções. Isto é, de qualquer forma, o que o direito representa para nós: para as pessoas que queremos ser e para a comunidade que pretendemos ter." O direito é aquilo que uma sociedade ou grupamento social compreende como ideal de retidão e correto para a sua coletividade, Assim, o Direito é um conjunto de normas que têm por objetivo a pacificação social e a organização da vida em sociedade.