Morfogénese em Sistemas de Reacção-...

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A morfogénese, um dos problemas fundamentais da biologia moderna, éo conjunto de processos que determinam a estru- tura ea forma dos seres . VlVOS. Neste artigo, são analisa- das as propriedades mor- fogénicas de substâncias reactivas com acopla- mento difusivo. Ciência9.VI1998.l2 Morfogénese em Sistemas de Reacção- Difusão por Joaquim SAINHAS e Rui DILÃO 1ST, Departamento de Física, Grupo de Dinâmica Não-Linear 1. Introdução o desenvolvimento da morfologia dos seres vivos ou morfogénese é o conjunto de processos e agentes que intervêm na definição da forma e da estrutura de um organismo, tendo como resultado a orga- nização espacial e temporal das células. Do ovo ao organismo adulto, da semente à planta, existem mecanismos físicos e quí- micos que se sucedem e que originam for- mas e estruturas semelhantes em espécies muito diferentes. O desenvolvimento das formas dos or- ganismos adultos a partir de uma célula não é suficientementeexplicado através do con- teúdo genético das células. Os genes de- terminam o arranjo sequencial dos aminoá- cidos na estrutura das proteínas, as quais são os elementos de base dos seres vivos. Por sua vez, dependendo das proprieda- des físico-químicas do meio as proteínas desencadeiam os processos biomolecula- res do desenvolvimento, actuando como agentes reactivos e reguladores em pro- cessos bioquímicos. São estes processos que estão na origem de padrões nos seres VIVOS. Em geral, uma forma ou padrão de um ser vivo, ou de qualquer outro sistema natural, resulta da regularidade ou simetria que apresenta, assim como da frequência com que é observado na natureza. Assim, faz todo o sentido procurar quais os meca- nismos que estão na origem dos padrões biológicos, assim como a razão pela qual certas formas são mais abundantes que ou- tras. Foi Turing [1] quem sugeriu pela primeira vez que em meios espacialmente estendidos o acoplamento por difusão de substâncias reactivas pode gerar formas coerentes ou padrões. Em meios puramen- te difusivos, qualquer fIutuação na con- centração de uma espécie química é elimi- nada pelo movimento aleatório (brownia- no) das moléculas do meio, homogeneizan- do concentrações e contrariando a forma- ção de gradientes estáveis. Contudo, em meios simultaneamente difusivos e reacti- vos a situação pode ser muito diferente. Se duas moléculas se encontram e reagem en- Fig. I:Evolução de um padrão na reacção química de Belousov-Zhabotinsky. Padrões deste tipo são também observados durante o desenvolvimento do Dictyostelium discoideum. 35

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A morfogénese, um dos

problemas fundamentais

da biologia moderna, é o

conjunto de processos

que determinam a estru-

tura e a forma dos seres.

VlVOS.

Neste artigo, são analisa-

das as propriedades mor-

fogénicas de substâncias

reactivas com acopla-

mento difusivo.

Ciência9.VI1998.l2

Morfogénese em Sistemas deReacção- Difusãopor Joaquim SAINHAS e Rui DILÃO1ST, Departamento de Física, Grupo de Dinâmica Não-Linear

1. Introduçãoo desenvolvimento da morfologia dos

seres vivos ou morfogénese é o conjuntode processos e agentes que intervêm nadefinição da forma e da estrutura de umorganismo, tendo como resultado a orga-nização espacial e temporal das células. Doovo ao organismo adulto, da semente àplanta, existem mecanismos físicos e quí-micos que se sucedem e que originam for-mas e estruturas semelhantes em espéciesmuito diferentes.

O desenvolvimento das formas dos or-

ganismos adultos a partir de uma célula nãoé suficientementeexplicadoatravésdo con-teúdo genético das células. Os genes de-terminam o arranjo sequencialdos aminoá-cidos na estrutura das proteínas, as quaissão os elementos de base dos seres vivos.Por sua vez, dependendo das proprieda-des físico-químicas do meio as proteínasdesencadeiam os processos biomolecula-res do desenvolvimento, actuando comoagentes reactivos e reguladores em pro-cessos bioquímicos. São estes processos

que estão na origem de padrões nos seresVIVOS.

Em geral, uma forma ou padrão deum ser vivo, ou de qualquer outro sistemanatural, resulta da regularidade ou simetriaque apresenta, assim como da frequênciacom que é observado na natureza. Assim,faz todo o sentido procurar quais os meca-nismos que estão na origem dos padrõesbiológicos, assim como a razão pela qualcertas formas são mais abundantes que ou-tras.

Foi Turing [1] quem sugeriu pelaprimeira vez que em meios espacialmenteestendidos o acoplamento por difusão desubstâncias reactivas pode gerar formascoerentes ou padrões. Em meios puramen-te difusivos, qualquer fIutuação na con-centração de uma espécie química é elimi-nada pelo movimento aleatório (brownia-no) das moléculas do meio, homogeneizan-do concentrações e contrariando a forma-ção de gradientes estáveis. Contudo, emmeios simultaneamente difusivos e reacti-vos a situação pode ser muito diferente. Seduas moléculas se encontram e reagem en-

Fig. I:Evolução de um padrão na reacção química de Belousov-Zhabotinsky. Padrões deste tipo sãotambém observados durante o desenvolvimento do Dictyostelium discoideum.

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tre si, essa reacção pode amplificar flutua-ções locais até uma escala macroscópica,induzindo a formação de estruturas coe-rentes ou padrões. Em termos gerais, aspropriedades dos sistemas de reacção-di-fusão dependem do balanço entre os pro-cessos químicos e difusivos.

Este comportamento é observávelexperimentalmente em reacções oscilantes,das quais a reacção de Belousov-Zhabo-tinsky é a mais representativa [2]. Em mei-os homogéneos, a característica principaldesta reacção é a indução de oscilaçõesperiódicas nas concentrações dos interme-diários. Em condições não homogéneas,isto é, em meios sem agitação, as flutua-ções locais de concentração dos reagen-tes transmitem-se a toda a região do reac-tor, dando origem a frentes de onda que sepropagam e interagem entre si, Fig. 1. Es-tas frentes de onda de concentração sãopadrões dinâmicos com uma periodicidadeespacial que depende da cinética da reac-ção e das constantes de difusão das váriassubstâncias intervenientes em todo o pro-cesso. Através de perturbações no meio épossível induzir experimentalmente ondasde concentração com um crescimento es-piralado. Os resultados obtidos por simu-lação numérica permitem concluir que oacoplamento entre difusão e reacção é su-ficiente para explicar a formação de padrões.

Os padrões observados na reacção deBelousov-Zhabotinsky, ondas concêntri-cas e espiraladas, surgem durante algunsprocessos de agregação espacial do Dic-tyostelium discoideum [3]. À escala celu-lar, resultados experimentais mostraram queexistem padrões associados a sistemas bio-químicos, como, por exemplo, os que ocor-rem na distribuição do cálcio intracelular[4]. No tecido cardíaco, a origem de arritmi-as está relacionada com a formação de on-das espiraladas no padrão de propagaçãoda actividade electrofisiológica no miocár-dio [5].

Os sistemas de reacção-difusãopodem ainda originar padrões estacionári-os que correspondem a picos estáveis deconcentração de uma das espécies quími-cas (padrões de Turing). Embora Turing[1] tenha previsto a existência destes pa-drões, a sua observação experimental émuito recente [6]. Os padrões de Turing,devido à sua estacionaridade, poderão serimportantes na definição de informaçãoposicional, organizadora de processosmorfogénicos locais.

No que se segue introduzimos os me-canismos de reacção-difusão assim comoo mecanismo genérico de activação-inibi-ção, introduzido por Meinhardt [7], teoria

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que tem tido importantes repercussões nainvestigação moderna em morfogénese.

Embora as hipóteses para a constru-ção dos mecanismos que originam padrõesou estruturas coerentes sejam simples, ospadrões morfogénicos surgem quando asleis cinéticas dos mecanismos de activa-ção-inibição são não-lineares. Este factodá ao fenómeno da morfogénese algumacomplexidade técnica, cuja característicamais importante é não obedecer a um prin-cípio de causalidade, tão popular nas ciên-cias naturais. Por isto, a exploraçãoe a aná-lise dos sistemas morfogénicos terá de serfeita por métodos de análise qualitativa desistemas dinâmicos, técnicas de análise nu-mérica e de simulação computacional.

Na última secção deste artigo, são apre-sentados alguns padrões gerados commodelos de reacção-difusão, obtidos atra-vés de simulaçãocomputacional,e comcor-respondência biológica.

2. Sistemas de Reacção--Difusão

Para construir modelos para os sis-temas de reacção-difusão é necessário co-nhecer os mecanismos cinéticos das reac-

ções, as constantes de velocidade e asconcentrações iniciais. Para simplificar,consideremos o seguinte processo quími-co genérico:

x k ;" z+ Y

em que X, Ye Z representam as concentra-ções de três espécies químicas e k é aconstante de velocidade. Como resultado

da reacção, as concentrações das substân-cias variam ao longo do tempo e, de acordocom a lei de acção de massa, a velocidade deuma reacção é directamente proporcional àconcentração dos reagentes. Para a reac-ção (1), a lei de evolução temporal dasconcentrações é

dX = -kXYdt

dY =-kXYdt

dZ = kXYdt

O sistema de equações (2) descreve avariação das concentrações X, Y e Z aolongo do tempo, supondo condições dehomogeneidade. Por isto, quando se estu-da em laboratório uma reacção química énecessário agitar o meio reaccional, garan-

tindo a sua homogeneidade. A constantede velocidade k é em geral medida tendo emconta estas condições experimentais. As-sim, num reactor químico agitado a variaçãodas concentrações depende apenas do tem-po e não das coordenadas espaciais dasolução.

Considere-se agora uma solução deespécies químicas reactivas, inicialmentehomogénea e sem agitação. Devido ao mo-vimento microscópico aleatório dos áto-mos e das moléculas do meio reaccional,surgem espontaneamente flutuações locaisnas concentrações dos vários componen-tes, dando origem a heterogeneidades es-paciais. Assim, formam-se gradientes deconcentração entre diferentes regiões domeio. Se nas regiões de grande concentra-ção de uma dada espécie química não exis-tirem substâncias reactivas com essa espé-cie, as flutuações locais neutralizam-se atra-vés de fluxos de matéria para as regiões demenor concentração. Nestes casos, a difu-são homogeneiza as concentrações.

LJ ,-,-':>< J i.i '

~

..-, I ,.aà '''''',''-,;-O;;~,~ -', f".:

... ,- ':-,,' ""':,'- --~... -----,!----

(1)

.'", "-1\-

,- '7\ ,.?'í .H -,:-"'-"-:

i-1 i.1

Fig. 2: Discretização espacial para a cons-trução das equações de evolução no es-paço e no tempo de um processo difusivo

(2)

Para simplificar a nossa análise, vamosconsiderar que o espaço, ou a região abran-gida pelo meio reaccional está dividido empequenas células, Fig. 2. Numeremos estascélulas (conceptuais) com o índice i,i=O,l ,2'00"Ora, nummeiounidimensional, acélula número i está acoplada difusivamen-te com as células i-i e i+i. Portanto, deacordo com a lei de Fick, o fluxo de matéria

(em unidades de concentração por unidadede área e tempo) entre células consecutivasé directamente proporcional à diferença deconcentrações entre as células, isto é,

J(.-II->;/').:/!1t= r(x;-I- X;)(3)

J((+I)-,>;&2 !1t = r(x;+I- X;)

em que J (i-i ) ~ i é o fluxo de matéria dacélula i-i para a célula i,Xi é a concentração

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média da espécie química X na célula i, Mé a área da superfície que separa as duascélulas, Llt o intervalo de tempo durante oqual ocorre o processo e y é uma constantede proporcionalidade. Como o fluxo total dasubstância X para a célula i é a soma dosdois fluxos em (3), obtém-se

] ...,;L1/I'1.t= Y(XH+ X;+l- 2X;)

em que J -->i= J(i-l)-->i+ J(i+1Hi

Por outro lado, a variação de concentraçãona célula i durante um intervalo de tempo Llté

J...,; &21'1.t= (X~'- X;)

Então, igualando (4) a (5), obtém-se

X~' - X; = Y(X;-l + X;+,-2X;)

Com Llt e L1xmuito pequenos, isto é, fazendo

Llte L1xtender para zero e, como neste limite,

axJa ~ (x~' - x;)/t.t,a2x/a x2~ (x H+ Xi+1-2X;)/ &2, a equaçãoanterior reduz-se à equação da difusão,

dX =Dd2XéJt d x2

desde que no limite L1x ~ O e Llt ~ O, agrandeza

I'1.x2y-~D

I'1.t

seja uma constante. A constante D é ocoeficiente de difusão da substância X no

meio e, por definição, tem de obedecer àcondição de escalamento de espaço-tempo(8), São as relações (4) e (8) que permitemdeterminar experimentalmente as constan-tes de difusão de espécies químicas emsoluções.

Mas, se no interior de cada célula i, a

espécie química X é agente numa reacção,criando ou aniquilando moléculas deX, temde se adicionar a (5) um termo que descrevaa evolução cinética na célula i Assim, temosque

X~' - X; = 1--+;&21'1.t + f(x ;)l'1.t

Introduzindo (4) em (9) chega-se à equação

de reacção-difusão discreta

t.t )x~' = Xi + t.tl(X;)+ D L1x2(XH + Xi+l- 2 X;(lO)

em que f (X) é o termo cinético correspon-dente ao intermediário X, Xi é o valor daconcentração na célula i, num certo instan-te, e x~' o valor da concentração num ins-tante posterior. Assim, conhecidas as con-centrações médias no interior de cada célu-la elementar, as constantes de difusão, os

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mecanismos cinéticos e as velocidades dereacção, a equação (10)permite determinara evolução temporal das concentraçõesdas espécies químicas intervenientes numprocesso.

Para sechegaràformacontínuadaequa-ção de reacção-difusão, passa-se ao limite-Llt ~ Oe L1x~ Oobtendo-se

(4)

ax = D a:~ + f (x)ar ux

(5)

. supondo que y &2/ I'1.t~ D . Comparandoa equação (11) com as equações (2) associ-adas ao processo cinético (1), conclui-seque, se a difusão é bloqueada agitando omeio de modo a ter-se umahomogeneizaçãocontínua (D=O), o termof(X) em (11) estáassociado aos processos reactivos. Porexemplo, quando a reacção (1) ocorre nummeio capilar (unidimensional) não agitado,têm-se as leis de evolução

(6)

ax a2X -kXY;jt=Dx ax2

(7) ay a2y - kXYar =Dfax2

íJZ = Dz ~2~ + kXYat ~ ux

(8)em que Dx.Dy e Dz são os coeficientes dedifusão de X, Ye Z no meio (solvente).

É precisamente com equações da formacontínua (11) ou da forma discreta (10) quese pode testar a formação de padrões atra-vés de hipóteses sobre os mecanismoscinéticos.

Mostrámos que qualquer sistema quí-mico simultaneamente cinético e difusivo é

descrito por uma lei matemática, a equaçãode reacção-difusão (11), sendo possívelquantificar todos os agentes envolvidosnos processos de morfogénese originadosem sistemas de reacção-difusão. Assim, aequação de reacção-difusão é um modelomatemático para o estudo da morfogénese,tendo como parâmetros as constantes develocidade das reacções intervenientes eas constantes de difusão dos vários com-

postos no meio.

(9)

3. A Dualidade Activação--Inibição

o aparecimento de uma estrutura oupadrão numa região de um meio aproxima-damente homogéneo está associado à exis-tência de um processo que, uma vez inicia-do, tenha tendência a crescer por um meca-nismo de activação. Para que um padrãonão se propague a todas as regiões do meio,

(11)

impedindo que estruturas semelhantes apa-reçam em regiões próximas e mantendo aregião activalocalizada, tem de existir simul-taneamente um inibidorque seja produzidoa uma taxa semelhante à do activador, mas

que se difunda mais rapidamente. Assim, seo coeficiente de difusão do activador é

inferior ao do inibidor, a acção do inibidornão impede o aumento da concentraçãolocal do activador. Um exemplo de um me-canismo químico de activação é a autocatá-lise, em que um composto químico estimulaa sua própria produção.

De acordo com a teoria de Meinhar-

dt [7], a autocatálise funciona como ummecanismo de activação dos agentes "mor-fogénicos". Qualquer sistema de reacção-difusão da forma (11) com um mecanismocinético simultaneamente autocatalítico e

inibidor deverá dar a origem à formação de

padrões. Um modelo mínimo com estas pro-priedadesé o Brusselator [8], não tendocorrespondência directa com sistemas re-ais conhecidos.

O Brusselator é descrito pelo seguintemecanismo cinético [8]:

(12)A kl ~X

B+X k2 ~Y+D(13)

2X+Y k3 ~3X

x k4 ~E

Para tomar mais simples a análise dasprincipais características do Brusselator,representa-se na Fig. 3 uma esquematiza-ção deste mecanismo.

A

E B

\ k4 "-- kL}

kl~~ IX

0Y~y

Fig 3: Mecanismo cinético de activação-inibição do modelo Brusselator. A variá-vel autocatalítica X é activadora e a variá-vel Yé inibidora.É necessáriofornecer con-

tinuamente A e B para que a reacção sejaauto-oscilante.

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Para o Brusselator conclui-se facilmenteque:

(i) Existe autocatálise porque o intermediá-rio X participa como reagente numareacçãoem que ele próprio é produto, num balançoestequiométrico superior a I.(ii) Existe inibição dareacção autocatalíticaporque a concentração de Y limita a pro-gressão da autocatálise de X.

Nas reacções autocatalíticas é neces-sário existir um intermediário que iniba oprocesso autocatalítico, sem o qual a reac"-ção seria divergente, podendo originar ex-plosões. Os papéis das variáveis X , Y, nomecanismo do modelo permitem classificara variável X como activadora e a variável Ycomo inibidora.

A análise aqui desenvolvida em tomodeste modelo é extensível a outros sistemas

e, de acordo com Meinhardt [7], a presençasimultânea de pelo menos um activador eum inibidor integrados no mesmo mecanis-mo cinético é um requisito fundamentalpara a formação de padrões em contextosmorfogénicos.

Vejamos então quais as característicasdinâmicas da cinética do Brusselator. Com

base na teoria cinética e por um processoanálogo ao da secção anterior, a evoluçãoespacial e temporal das variáveis activado-ras e inibidoras do modelo (13) é determina-da pelas equações de reacção-difusão

ax(a2X J2X

J-= k,A-k,BX +k,X2Y-k,X +Dx -+---,di ax2 ay.

JY

(a2Y a2Y

Ja;=k,BX-k3X'Y+D, ax2+ ay'

em que as derivadas de segunda ordemrelativamente às coordenadas espaciais (x,y) correspondem à difusão num espaçobidimensional, e os restantes termos são de

origem cinética.

O sistema de equações (14) representaum sistema termodinamicamente aberto por-que as concentrações dos reagentes pre-cursores A e B são considerados constan-

tes, não variando ao longo do tempo. ComoA e B participamnasreacções (13), amanu-tenção das suas concentrações pressupõea existência de uma alimentação contínuaque compensa as quantidades transforma-das. Por outro lado, o intermediário X está a

ser removido através da reacção X ~ E, à

taxa K4'Para se perceber melhor o tipo de dinâmica

que um mecanismo de activação-inibição in-duz, vamos começar por analisar a evolução

temporal do sistema (14) com Dx = Dy=O(difusão suprimida). Nestas condições, o sis-

38

!.empo

(14)

tema de equações às derivadas parciais re-duz-se a um sistema de equações diferenciaisordinárias e é possível seguir a evoluçãotemporal de X e Y, no espaço das concentra-ções. A principal característica deste sistema,para uma escolha adequada dos vários parâ-metros cinéticos, é a existência de um estadoestacionário instável, isto é, existe um valor

para as concentrações de X e Y, que nãoevoluem no tempo, mas qualquer pequenaperturbação as afasta do estado estacionário.Quando as concentrações iniciais num certoinstante t=Onão coincidem exactamente com

os valores das concentrações estacionárias,o sistema atinge rapidamente um regime osci-latório. Como no espaço das concentraçõeseste regime oscilatório é representado poruma curva fechada que funciona como umatractor de todas as outras trajectórias, diz-seque o sistema tem um ciclo limite (Fig. 4).

A existência dos ciclos limites para adinâmica da cinética pura (sem difusão) deuma reacção autocatalítica não explosiva éuma característica dos sistemas de activa-

ção-inibição. É pois nestes sistemas que seirão encontrar padrões elementares típicosde sistema de reacção-difusão.

4. F ormação.de Padrões

Os padrões com origem em processos

y

x

Fig 4. Evoluçãotemporal das con-

centrações X e Y. Ci-clo limitenomodeloci-

nético do Brusselator(Dx=Dy=O).Ocrescimen-

to da vanável autocatalíticaou activadoraX é limitado pela

variável inibidora Y. Depois deum processo transiente inicial am-

bas as concentrações oscilamperiodi-camente no tempo. O estado estacioná-

rio instável é representado por EE e oregime periódico ou ciclo limitepor CL.

dedinâmicamoleculartêmimportantescon-sequências a nível biológico, pois incorpo-ram nos modelos não apenas a informaçãoinicialmente presente nos sistemas, mastambém a que emerge durante os processosde crescimento e desenvolvimento dos se-res vivos. Sendo assim, as possibilidadesorganizacionais dos seres vivos estão paraalém da informação preexistente a nívelgenético.Por exemplo,experiênciasrealiza-dasemlaboratóriomostram quenum ovodeDrosophila, modificações dos gradientesdas proteínas Bicoid eNanos induzem alte-rações de fenótipo como sejam os tama-nhos diferentes do tórax e do abdómen daDrosophila adulta [10].

Para simplificar esta discussão vamo-nos restringir aos sistemas dereacção-difu-são em espaços bidimensionais, isto é, sis-temas em que os processos cinéticos edifusivosocorremessencialmentenum pla-no. Esta simplificação não corresponde auma restrição importante para o significadobiológico dos resultados. Por exemplo ascélulas dos tecidos embrionários organi-zam-se em camadas, apresentando maiorcoesão e conectividade funcional ao longodessas camadas. Por outro lado, os camposmorfogénicos conhecidos experimental-mente tendem a desenvolver-se em super-fície e ao longo do mesmo tecido.

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x

a

Fig. 5: Distribuição espacial das concentrações das variáveis X (activadora) e Y (inibidora) no sistema de reacção-difusão (14). Nas imagemestão representadas duas situações estacionárias com padrões de Turing: pintas (a) e riscas (b).

a b

X',

Fig. 6: Distribuição espacial das concentrações das variáveis X (activadora) e Y (inibidora) no sistema de reacção-difusão (13 ). Nas imagemestão representados três padrões dinâmicos correspondentes a ondas de concentração circulares (a) e espiraladas (b e c).

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Em sistemas de reacção-difusão for-mam-se dois tipos de padrões: os padrõesdinâmicos e os padrões estacionários. Es-tes dois tipos de padrões dependem darelação entre os coeficientes de difusão do

activador (Da =Dx) e do inibidor(Di =Dy}Assim, para um modelo do tipo Brussela-tor, (14), tem-se que

Da>Di padrão dinâmico

Da « Di padrão estacionário

Os padrões estacionários ou de Turingsão relativamente insensíveis às concentra-

ções iniciais do activador e do inibidor. Nes-tas condições existem dois tipos de padrõesestacionários, pintas e riscas, que correspon-dem a picos de concentração da variávelautocatalítica, Fig. 5. Estes padrões são muitocomuns na pigmentação da pele e pelagem demuitos animais, sendo, por exemplo, os pa-drões do leopardo e da zebra os mais represen-tativos. Recentemente, esta abordagem foiseguida para interpretara formaçãodos pa-drões na pele do peixe Pomacanthus[9].

A observaçãoem simulaçãocomputaci-onal dospadrões daFig. 5orientaram deter-minantemente a escolha dos parâmetros eas condições experimentais para a observa-ção de padrões de Turing. De acordo comestas conclusões, sóé previsível formarem-se padrões deTuring se houver uma grandediferença entre os coeficientes de difusão.Em meios aquosos é difícil verificarem-seessas grandes diferenças entre os coefici-entes de difusão, pelo que os reactores degel são meios propícios para procurar aformação de padrões de Turing. Esta situ-ação é biologicamente importante,pois nosmeios celulares existem várias barreiras àdifusão, podendo originar grandes diferen-ças nas difusividades efectivas dos "mor-fogénios".

Os estados compatíveis com a for-mação de padrões dinâmicos são muitosensíveis às condições iniciais e a estruturado padrão depende criticamente da distri-buição e amplitude das perturbações inici-adoras do processo morfogénico. Obser-va-se assim uma relativa diversidade, compredominânciaparapadrõescircularese emespiral (Fig.6).

Um dos aspectos mais importantes daabordagem da morfogénese através dossistemas de reacção-difusão é que todos ospadrões simulados têm correspondênciaexperimental, não existindo outras alterna-tivas conhecidas à explicação dos padrõesdas figuras 5e 6.No entanto, estes sistemasnão são suficientes para interpretar todosos aspectos da morfogénese porque nãocontemplam os processos mecânicos que

40

(15)

ocorrem durante a embriogénese, emboraos sistemas mecanoquímicos sejam tam-bém descritos por equações de reacção-difusão com termos adicionais de cresci-mento e convecção [11].

A ligação entre os sistemas de reac-ção-difusão e a morfogénese pretende in-terpretar a formação de padrões na distri-buição espacial de substâncias bioquími-cas, isto é, a formação de campos morfogé-nicos. De que forma esses campos condici-onam as fases subsequentes da diferenci-ação celulare amorfogénesesãoproblemasem aberto, emboraexistam fortesevidênci-asexperimentaisqueconfirmama importân-cia de gradientes bioquímicos na morfogé-nese invertebrados [10]e vertebrados [12].

Em modelos puramente químicos,tanto o activador como o inibidor partici-pam directamente nas reacções. Porém, emsistemas bioquímicos as acções de activa-ção e inibição podem realizar-se por váriosmecanismos, podendo funcionar como re-guladores genéticos ou enzimáticos, nãointervindo obrigatoriamente na estequio-metria das reacções.

A investigação nesta área envolveuma componenteexperimental, umesforçotécnico em resolver problemas matemáti-cos e físicos levantados pelas equações dereacção-difusão não-lineares [13], assimcomo acomparação e calibraçãodosmode-los com a experiência [14].

5. Referências

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5- Gray ,R.,lalife, I., Panf110v ,A., Baxter, W.,Cabo, c., Davidenko, 1. & Pertsov, A.(1995).Mechanismsofcardiacfibrillati-on. Seience, 70,1222-1225.

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