Morais; vânia disseminando liberdade

35
1 VÂNIA MORAIS DISSEMINANDO LIBERDADE UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS - BACHARELADO CAMPO GRANDE MS NOVEMBRO DE 2011

Transcript of Morais; vânia disseminando liberdade

Page 1: Morais; vânia   disseminando liberdade

1

VÂNIA MORAIS

DISSEMINANDO LIBERDADE

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS - BACHARELADO

CAMPO GRANDE – MS NOVEMBRO DE 2011

Page 2: Morais; vânia   disseminando liberdade

2

VÂNIA MORAIS

DISSEMINANDO LIBERDADE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Artes Visuais. Orientadora: Profa. Msc. Priscilla Paula Pessoa. Área de Concentração: Artes Visuais.

CAMPO GRANDE – MS NOVEMBRO DE 2011

Page 3: Morais; vânia   disseminando liberdade

3

VÂNIA MORAIS

DISSEMINANDO LIBERDADE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Artes Visuais.

Campo Grande, MS, ____ de _________________ de 2004.

COMISSÃO EXAMINADORA

______________________________________________________ Examinador 1: Prof. Ma. Priscilla Paula Pessoa

Orientadora – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)

______________________________________________________ Examinador 2: Prof. Esp. Adalberto Miranda

Universidade Federal de Mato Gross do Sul (UFMS)

______________________________________________________ Examinador 3: Prof.Dra.Carla Maria Buffo Cápua

Universidade Federal de Mato Gross do Sul (UFMS)

Page 4: Morais; vânia   disseminando liberdade

4

Este Trabalho de Conclusão de Curso é dedicado à minha família, que me impulsionou a trilhar novos caminhos.

Page 5: Morais; vânia   disseminando liberdade

5

AGRADECIMENTOS

Agradeço o apoio da minha família e dos meus amigos; Aos professores que me orientaram, sem eles não poderia ter

chegado até aqui e principalmente a Deus, sem o qual nada se realizaria.

Page 6: Morais; vânia   disseminando liberdade

6

MORAIS, Vânia. Disseminando liberdade. 2011. 34 fls. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Artes Visuais) – Centro de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, 2011.

RESUMO

O surrealismo é uma forma de expressão da arte que tem, dentre vários aportes, o sonho como uma de suas principais bases, ainda que não seja a única. É uma proposta que exige rigor, metodologia e precisão, pois tem como principal característica a quebra da realidade através dos elementos da mesma, em combinações inusitadas. Empreendeu-se o processo de construção de uma série baseada no surrealismo, objetivando realizar uma produção intimista e desenvolver conhecimentos técnicos e teóricos a respeito dos caminhos surrealistas na pintura. A metodologia empregada foi o levantamento bibliográfico e documental, que serviu como base para o conhecimento dos sentidos do sonho e dos principais expoentes surrealistas, bem como árduas pesquisas práticas sobre as possibilidades técnicas e narrativas da pintura. Como resultado, obteve-se uma série que aborda a experiência onírica da artista, em seis telas que tratam símbolos e representações da liberdade. Numa análise geral da produção, trata-se de uma linha de aperfeiçoamento, na qual importa o enriquecimento metodológico da arte na pintura e da qual o principal fruto, além da aproximação e conhecimento dos sentidos diversos da expressão visual e de um movimento significativo na história da arte, foi a aquisição de vivência e repertório prático, capaz de permitir uma produção de cunho intimista.

Palavras-chave: Surrealismo. Sonho. Pintura.

Page 7: Morais; vânia   disseminando liberdade

7

MORAIS, Vânia. Disseminando liberdade. 2011. 34 fls. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Artes Visuais) – Centro de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, 2011.

ABSTRACT

Surrealism is a way of artistic expression that as, among many inspirations, had the dream as a significant base, though not the only. Requires rigor, methodology and accuracy, as the main feature of reality breaks through the reality elements in a unusual combinations. Undertook the process of building a series based on surrealism, this proposal aims to make an intimate production and develop technical and theoretical knowledge about the surrealistic painting. The methodology used was the bibliographic research, as the knowledge base about of dream and surrealist leading exponents, and arduous practical research on the technical and ways of produce this paint. As a result, obtained a series that addresses the dream artist’s experience in dealing with six paints that represents some symbols of freedom. In a production general analysis, it’s a improvement line, in which methodological enrichment of art and painting, that the main result and the approach and knowledge of the different meanings of visual expression and a significant movement in history art, was the acquisition of practical experience, that would allow a intimate production.

Keywords: Surrealism. Dream. Painting.

Page 8: Morais; vânia   disseminando liberdade

8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 8

1 DISSEMINANDO LIBERDADE .............................................................................. 10

1.1 SONHO: FISIOLOGIA, SENTIDO E REFLEXÕES .............................................. 10 1.2 METAFÍSICA E SURREALISMO ......................................................................... 12 1.3 REFERÊNCIAS DE TÉCNICA E ESTILO ............................................................ 15 1.4 O SONHO PINTADO ........................................................................................... 17

2 PROCESSO CRIATIVO ......................................................................................... 20

2.1 MÉTODOS E FASES DA PRODUÇÃO ................................................................ 21

3 A SÉRIE DISSEMINANDO LIBERDADE .............................................................. 24

3.1 A SÉRIE ............................................................................................................... 27

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 30

REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 32

Page 9: Morais; vânia   disseminando liberdade

8

INTRODUÇÃO

A estética surrealista é marcante até os dias atuais e, na arte

regional (Mato Grosso do Sul), ainda são raras as produções nesse sentido. Poucos

artistas locais fazem uso das bases surreais, ainda que exista um rico repertório de

possibilidades. O Estado do Mato Grosso do Sul e sua capital, Campo Grande,

possuem abundantes referências, paisagens e cores que, sob o olhar artístico, são

um convite ao surreal.

Este trabalho tem como objetivo geral desenvolver uma experiência

prática em artes visuais, contextualizada ao cenário regional e capaz de promover o

contato com técnicas e métodos de produção que visam a aproximação do

observador com o universo surreal. Junto a isso, objetiva-se ainda estudar e

reconhecer aspectos da retratação de pássaros e partes de pessoas (olhos, face,

planos fechados e afins), realizando uma produção intimista, capaz de envolver e

chamar à ressignificação os sentidos, experiências e mensagens contidas na

proposta de arte apresentada.

Assim, este trabalho justifica-se no interesse de experimentar,

através do surrealismo, a retratação das paisagens e espaços urbanos de Campo

Grande, em uma ótica de desafio das proporções e realidade, tendo como centro a

figura de pássaros e o convite à reordenação surreal de símbolos e imagens

associadas à liberdade. A relevância da proposta centra-se na produção de um

estilo não muito disseminado localmente, visando o desenvolvimento prático das

técnicas de pintura e o conhecimento angariado no decorrer do curso,

transformando o saber teórico em produção artística material, em uma oportunidade

e temática há muito desejadas pela artista.

Para tanto, se propôs a realização de uma série de seis telas, que

relatam uma experiência onírica relacionada a pássaros, liberdade, cores e formas.

As aves são o eixo da produção proposta, sob as bases do surrealismo: suas cores,

matizes, reflexos e proporções são o caminho para a quebra com a realidade

possível, condição essencial para a proposta surrealista.

Page 10: Morais; vânia   disseminando liberdade

9

As principais referências teóricas que servirão de base para o

desenvolvimento da proposta são André Breton, Salvador Dali, Donis Dondis,

Sigmund Freud, Carl Gustav Jung e Guyton, conjuntamente utilizados para a

compreensão do significado do fisiológico e psicológico do sonho e da proposta

contida no surrealismo. Como referências visuais e de estilo, as cores e a forma de

produzir de René Magritte e Salvador Dali serviram como aporte para a composição

das produções.

A série de pinturas Disseminando Liberdade – título do trabalho em

questão – representa como objetivo a proposta de uma quebra da lógica real na

visualização das aves, fazendo fluir o imaginário e fertilizando a interpretação

variada da simbologia das asas e do voo livre para o expectador. Conforme o

raciocínio de Freud (1999), em sua obra A Interpretação dos Sonhos, mostraremos

na pintura a realidade interior para a qual o sonho é o caminho de contato.

A série é ainda um convite ao exercício semiótico: os significados e

camadas de interpretação elaborados pela autora em sua vivência onírica e pessoal

são expostos aos receptores dessa arte que, de acordo com seu repertório, poderá

ressignificar cada conteúdo. É possível e muito provável que, nesse processo, novos

sentidos surjam de acordo com a vivência de cada receptor, dando motricidade, vida

e mutabilidade à produção.

Por fim, de acordo com os objetivos propostos para o trabalho, sua

organização ocorre da seguinte forma: o capítulo I trata da apresentação do

surrealismo e dos rumos percorridos por este movimento tanto no Brasil quanto no

mundo, bem como da apresentação de sua ligação com o sonho e o detalhamento

dos aspectos fisiológicos, psíquicos e gerais ligados à experiência onírica; o capítulo

II aborda a experiência sonhada da artista, na apresentação dos recursos, objetivos,

métodos e passos para a elaboração da série pretendida; o capítulo III traz a

apresentação da produção e a descrição do percurso prático de sua elaboração,

servindo como fechamento do trabalho a apresentação de um fechamento teórico

acerca da proposta.

Page 11: Morais; vânia   disseminando liberdade

1 DISSEMINANDO LIBERDADE

O homem, esse sonhador definitivo, cada dia mais desgostoso com seu destino, a custo repara nos objetos de seu uso habitual e que lhe vieram por sua displicência, ou quase sempre por seu esforço, pois ele aceitou trabalhar, ou pelo menos, não lhe repugnou tomar sua decisão (o que ele chama de decisão!) (BRETON, 2001, p. 3).

O homem pratica a expressão artística desde tempos imemoriais. O

fazer artístico tem a ver com a imaginação e assume um papel social, a partir do

momento em que envolve sujeitos em sua interpretação. Por seu papel na história

humana, o interesse de outras ciências na compreensão das linguagens e

processos artísticos fez com que a arte há muito não esteja mais só em sua teia

produtiva: a psicanálise, a psicologia, a comunicação e outras ciências empenham-

se em investigar suas particularidades e dela fazem uso e/ou conhecimento.

Considerando a pluralidade das expressões artísticas, este estudo

procura desenvolver uma produção baseada na arte relacionada com o sonho,

traçando um paralelo entre a arte e o inconsciente, com o uso da emoção,

sensibilidade e impulso criativo na elaboração de uma série de composições

baseadas em uma vivência onírica da pesquisadora, cujo tema principal é

"Disseminando Liberdade".

O voo livre de pássaros, a liberdade, o vidro, a urbanização – todos

estes são elementos presentes na proposta, embasada na psicanálise e no

surrealismo, campos fortemente entrelaçados. Por esta razão, aqui se apresenta o

referencial teórico de aporte para a seleção das cenas, das opções de retratação e

temática geral da série proposta.

1.1 Sonho: Fisiologia, Sentido e Reflexões

Jung (1997) entende o sonho como uma atividade enriquecedora do

descanso humano, na qual o homem pode não somente experienciar atividades ou

acontecimentos com os quais não teria contato em qualquer outra oportunidade de

Page 12: Morais; vânia   disseminando liberdade

11

sua vida “real”, mas também oportuniza intensos momentos de prazer, ludicidade e

encanto. Por outro lado, os sonhos podem ainda, conforme o psiquismo daquele que

sonha, representarem momentos de extrema angústia, uma vez que neles o ego se

revela puramente e deixa fluir os desejos e conteúdos inconscientes.

O interior, o eu real, se manifesta pelos sonhos, independente, livre

e solto das amarras da consciência no ato sonhador. Ainda que após a retomada da

consciência os conteúdos possam se apagar, o momento da vivencia onírica é

sempre misterioso, envolvente e paradoxal. De acordo com o autor, “[...] quanto

menos a consciência acordada interferir com reflexões e cálculos, mais segura e

convincente será a objetivação do sonho” (JUNG, 1997, p. 97).

Fisiologicamente, o sonho também é complexo: exige integração

cerebral e a união de uma série de aspectos fisiológicos e atitudinais. Segundo

Guyton (1998), sonhar faz parte da fisiologia humana, é uma forma do corpo

descansar e extravasar tensões e conteúdos reprimidos. Quando sonha ou dorme, o

homem não reduz a sua função cerebral, mas entra em um estado diferenciado de

consciência, do qual pode acordar quando estimulado sensorialmente ou por

impulsos corporais voluntários ou não que conduzam ao despertar.

A fisiologia do sonho humano possui estágios, independentemente

da presença ou não do sonho. O sono REM (Rapid Eye Moviment – movimento

rápido dos olhos), que envolve movimentos oculares rápidos e seu estágio

aprofundado, o NREM (No-Rapid Eye Moviment, sem movimento rápido dos olhos),

que exclui tais movimentos – dentro destas ocorrem as fases de sono, sendo que a

primeira etapa comporta apenas uma fase e a segunda, todas as demais quatro, que

envolvem o aprofundamento da entrada em um estado de consciência alterado, apto

à manifestação do ego, do self (DAVIDOFF, 1983; JUNG, 1997).

Na série propõe-se a passagem do sonho para a tela, construindo

uma percepção limiar entre a sensação e o conhecimento que sempre se renova,

descobrindo o sujeito através de uma interpretação que percebe e sente, mudando o

irreal (sonho) para real (pintura).

Page 13: Morais; vânia   disseminando liberdade

12

1.2 Metafísica e Surrealismo

Os conceitos abordados na produção da série Disseminando

Liberdade têm ligações com a metafísica. Abbagnano (2000, p.63) expõe que o

termo é uma ciência primeira, aquela que seria capaz de oferecer um fundamento

comum a todas as demais. Dessa forma, sendo ela a fonte inicial – todas as demais

ciências dela dependeriam e também nela teriam origem. Os surrealistas, contudo,

interessam-se pela metafísica por outra característica que lhe é muito peculiar: a

metafísica reflete a teoria da substância, aquilo que algo não pode ser ou ainda, de

modo mais completo, aquilo que não pode, mas que tem necessidade de ser, a

essência necessária. A pintura metafísica, expressão em tela desse conceito, teve

início, durante a Primeira Guerra Mundial, especialmente na Itália, através do

trabalho do pintor Giorgio de Chirico, em especial nos “manequins” expressivos,

conforme vemos abaixo:

[...] se a pintura metafísica nasceu em Paris, foi na Itália, em Ferrari que se formou, durante a primeira guerra mundial. Não um movimento como o futurismo, mas escola, cujo emblema talvez fosse um manequim. (MONTEIRO, 1981, p. 253).

Era uma manifestação não como um movimento, mas sim como

uma escola de pintura, baseada na metafísica em suas manifestações

sobrenaturais, em produções envoltas em mistérios e ainda apresentando

associações de objetos incomuns em situações idênticas, causando o

estranhamento tanto por isso quanto pelos recursos inusitados de luzes, cores e

plástica. A magia desta pintura reside na ausência de fidedignidade dos objetos e

cenários, pois o realismo existe, mas está no inusitado das composições e efeitos.

Page 14: Morais; vânia   disseminando liberdade

13

Figura 1 – Canção do Amor – óleo sobre tela de Giorgio de Chirico, 73 x 59,3 cm (1914) Fonte: PORTAL DA ARTE, s/d.

Já o surrealismo é assim definido por André Breton, conforme a seguir:

[...] automatismo psíquico puro, pelo qual se pretende exprimir [...] o funcionamento real do pensamento. Ditado pelo pensamento, na ausência de qualquer vigilância exercida pela razão, para além de qualquer preocupação estética ou moral (BRETON, 2001, p. 40).

Pode-se dizer que o surrealismo também se envolve nas relações de

surpresa, inquietação e no inusitado. De acordo com Monteiro (1981), o surrealismo

engloba a literatura e as artes plásticas, tendo como principal foco de ação a

retratação livre do pensamento em detrimento às amarras da razão. Representa

uma forma de expressão livre do conteúdo mental e psíquico, sendo a arte com tal

natureza uma materialização do sonho no mundo da realidade.

A pintura surrealista é baseada na refutação da racionalidade, na

retratação com técnicas realistas de cenários e ocorrências inesperadas ou

impossíveis no mundo concreto e no diálogo desafiador às proporções e

possibilidades reais. É uma expressão baseada na quebra de convenções do

inconsciente comum, com a materialização nas telas do inesgotável repertório

humano psíquico. Helena (1996, p.36) destaca que um dos aspectos associados ao

movimento surrealista é o “[...] elogio ao sonho, do maravilhoso, da liberdade e da

imagem surrealista”.

Page 15: Morais; vânia   disseminando liberdade

14

Rochel (2009) afirma que o surrealismo surgiu da constatação de

uma crise entre razão e lógica, verificada por artistas do século XX. Diante disso, um

grupo composto principalmente pelos artistas André Breton, Francis Picabia, Louis

Aragon, Phillippe Soupault, Paul Éluard, Benajmin Péret, Roberto Desnos, Antonin

Artaud e Jacques Baron – dentre outros - no ano de 1924, propôs a fuga para o

inconsciente que propiciaria uma saída para o impasse criado pela razão humana.

Com isso, de acordo com Tasca (2008), o movimento fez surgir impulsos de regiões

até então inexploradas da mente humana, em sua maioria abordando temas como

sonhos, humor e loucura.

É comum que pinturas dessa natureza apresentem uma técnica

fidedigna de representação dos objetos e cenários da vida real, para ali, em meio a

uma aparente trama concreta, fazer mostrar o bizarro, o impossível e o imaterial.

Dali (1992) acreditava que a maior parte das produções surrealistas

poderia encontrar bases nas teorias freudianas a respeito do sonho e da sua

subjetividade. Essa subjetividade é, de acordo com Abbagnano (1998, p. 922), o

“caráter de todos os fenômenos psíquicos, enquanto fenômenos de consciência que

o sujeito relaciona consigo mesmo e chama de meus”.

Seriam válvulas de expressão para fantasias, desejos e conflitos do

artista, expressos livremente do momento do sonho. O sonhar significaria um

momento de liberdade. De acordo com Dali (1992, p. 20), "[...] o homem é livre para

cometer os crimes mais hediondos; o sonho é embrionário, porque dá ao homem o

abrigo trépido e a imunidade do útero".

Sobre os sonhos, é interessante citar Karl Jung, que afirma:

[...] Os sonhos fornecem informações extremamente interessantes a quem se empenhar em compreender o seu simbolismo. O resultado, é verdade, pouco tem a ver com preocupações mundanas como comprar ou vender. Mas o sentido da vida não é explicado pelos negócios que se fez, assim como os desejos profundos do coração não são satisfeitos por uma conta bancária. (JUNG apud FRANZ, 1991, p. 10).

Page 16: Morais; vânia   disseminando liberdade

15

1.3 Referências de Técnica e Estilo

Os tons e a formulação da composição seguem a linha inspiracional

experimentada por Salvador Dali e René Magritte. Salvador Dali conseguiu destaque

em sua arte principalmente por seu poder de representação e identidade do

inconsciente humano. Sempre foi muito aproximado com as teorias freudianas e,

assim, a psicanálise norteou boa parte da produção do artista. Dentre os aspectos

que marcam a personalidade de uma obra de Dali está a presença constante de

imagens duplas, sugestões, segundos-planos, acontecimentos paralelos, quase

sempre inseridos em um cenário que lembra sonhos. Em geral, o que se mostra na

primeiridade do olhar das obras de Dali se abre profundamente quando na

secundidade e terceiridade: sua obra cresce, os sentidos se revelam e os

componentes, algumas vezes despercebidos em um olhar rápido, manifestam-se

cada vez mais nítidos conforme profunda é a interpretação (DALI, 1992, p. 20).

Figura 2 – A tentação de Santo Antônio, óleo sobre tela de Salvador Dali, 90 x 119,5 cm (1946).

Fonte: PORTAL DA ARTE, s/d.

De acordo com Moutinho (1999, p. 143), Magritte é outro dos fortes

expoentes do surrealismo, sendo inclusive um dos artistas com maior volume de

reproduções do século passado. Para a autora, a relação de René Magritte com o

surrealismo ocorreu gradativamente, até que o próprio se visse completamente

envolvido pela proposta. No ano de 1965, foi de Magritte a definição de que a

produção surreal servia para o conhecimento direto da realidade, mas de uma forma

desconectada com o que coletivamente imagina-se convencionado. Na visão do

artista, o poder do surrealismo era o de retratar a verdade, não a relativa e humana,

que varia de acordo com a cultura e aspectos pessoais ou coletivos: Magritte via o

surrealismo como uma forma de revelação da verdade absoluta.

Page 17: Morais; vânia   disseminando liberdade

16

Figura 3 – Magia Negra, óleo sobre tela de René Magritte, 73 x 54.4 cm (1935)

Fonte: PORTAL DA ARTE, s/d.

Em seguida, apresenta-se uma das obras de 1929 de Magritte,

denominada “Isto não é um cachimbo”, parte de uma série para a qual a negação da

imagem óbvia, da realidade retratada e do senso comum representam o maior

destaque.

Figura 4 – René Magritte, “La Trahison des images (Ceci n'est

pas une pipe), óleo sobre tela, 60,33 x 81,12 cm (1928/29) Los Angeles County Museum of Art

Fonte: MOUTINHO, 1999.

A produção integra uma série que é pautada pela negação do que é

aparentemente evidente. Isto não é um cachimbo, também conhecido como La

trahison des images, abre as portas para a reflexão a respeito das relações

presentes entre a arte e a realidade. O cachimbo foi importante para Magritte e alvo

de muitas críticas, mas também uma expressão e ideia na qual o autor se apegou

fortemente. Assumia a presença de constantes críticas a respeito de sua proposta,

Page 18: Morais; vânia   disseminando liberdade

17

mas não se afastava deste encantamento, o que justificou as inúmeras versões

apresentadas pelo artista para mesma obra. Foi também um quadro notável, ainda

que tivesse outros de mesma ideia, como o Ceci n’est pas une pomme, de 1964

(FIGUEIREDO, 2005).

É provável que boa parte da repercussão dessa proposta de

Magritte se deva ao fato de sintetizar o que é o surrealismo e sua ruptura com aquilo

que, convencionalmente, tem-se por realidade. Na reprodução das propostas do

artista abaixo, vemos um pouco da polêmica, interesse do assunto e dedicação do

artista a respeito do que se propunha com esta obra surrealista.

Como referência sul-mato-grossense, foi utilizada a produção e

proposta do artista Luxavli (Luiz Xavier Lima). Sua obra tem tendência surrealista e

utiliza cores e temas muito próximos da realidade vivenciada no Estado. Em suas

telas, frequentemente temos a referência a etnias, elementos (cabeças de boi,

chifres e outros) que fazem menção à cultura pecuarista e indígena local.

Figura 5 – Visões de uma canção, de Luiz Xavier Lima, óleo sobre tela, 54 x 73 cm (1992) Fonte: Cessão de imagem de acervo particular. Dados primários, 2011.

1.4 O Sonho Pintado

Aqui se encontra relatado o percurso de base para a escolha do

tema exposto e para a elaboração das telas. Através da descrição da experiência

onírica da artista, percorre-se as alternativas e representações adotadas para a série

Disseminando Liberdade.

Page 19: Morais; vânia   disseminando liberdade

18

Do alto de um prédio, observava a cidade. O pé direito revelava uma

vidraça imensa no andar em que me encontrava e dali, através daquela lâmina de

vidro, podia ver boa parte da cidade. Era um dia normal e dali observava o

movimento dos carros, das pessoas, do vento. Ao tirar o foco do olhar da parte

inferior da cidade e fixar os olhos no céu, de um azul profundo, imensos pássaros de

plumagem iridescente (furta-cor e parecida com joias, segundo o Prof. Sandro

Zanon) surgiram.

Eram semelhantes a beija-flores e invadiram o céu, voando

elegantemente. O episódio era uma revoada de cores nas asas, plumagens e

detalhes até que toda a paisagem urbana que podia observar tinha sido tomada

pelos pássaros-cintilantes gigantes. Suas cores podem ser definidas como

iridescentes1. O jogo de figuras abaixo situa visualmente o leitor a respeito da figura

das aves no sonho:

Figura 6 – Pássaros conhecidos com plumagem iridescente – Beija-flor, algumas aves do campo e pavões/faisões.

Fonte: Stock Photos/2010

Maiores que uma pessoa, eles revoavam sobre os principais pontos

de Campo Grande, tocavam com seus bicos os prédios e coloriam a cidade. Um

deles parou à frente da vidraça e refletido nela, voou próximo do local em que me

encontrava, mostrando todos os seus detalhes. Aquela ave, ali, em primeiro plano,

transformava a cidade e os demais pássaros em uma massa de detalhes sem

importância: suas cores, suas formas eram o foco do olhar. Não havia como fugir,

retirar os olhos daquela figura. A ave se afastou e todos os pássaros cintilantes se

reuniram em um espiral colorido voador, como se combinassem a hora da retirada e,

em um piscar de olhos, não estavam mais ali.

Page 20: Morais; vânia   disseminando liberdade

19

As aves de sonho deste projeto partem de um referencial detalhista

geral e, aos poucos, desvencilham-se das particularidades das espécies conhecidas,

até assumirem o perfil de um ser surreal, seja em tamanho, forma ou cor. Esse jogo

de ser, parecer e unir características possíveis e impossíveis – a exemplo, o porte da

ave – tem a ver com a construção de um caminho inverso ao apresentado por

Dondis (2007), abaixo, ao mostrar o percurso da construção da realidade, quando

diz:

A realidade é a experiência visual básica e predominante. A categoria total do pássaro é definida em termos visuais elementares. [...] A ideia geral de um pássaro com características comuns avança até o pássaro específico através de fatores de identificação cada vez mais detalhados. Toda essa informação visual é facilmente obtida através dos diversos níveis da experiência direto do ato de ver. Todos nós somos a câmera original. [...] Não há dúvida de que, em ambas as áreas, o artista e a câmera são detentores de uma destreza especial (DONDIS, 2007, p. 87).

A presença de uma coletânea de imagens para posicionar o leitor a

respeito da iridescência e diferenças sensoriais dos pássaros reais e sonhados tem

a ver com a inserção teórica do percurso de modificação que a arte realizará nos

pássaros de sonho: similares a beija-flores, possuem características e formas

peculiares que podem, em dado momento, afastá-los dessa espécie e, ainda que

tenham a coloração similar a joias, tão comum em faisões e pavões, em nada mais

com esses se assemelham.

1 Capazes de dividir a luz em cores ou, para Michaellis (2010), refletir/ mostrar as cores do arco-íris.

Page 21: Morais; vânia   disseminando liberdade

20

2 PROCESSO CRIATIVO

Assim, sem mexer no time, sem mexer com o corpo, sem mexer

com a criatividade, sem mexer com as emoções, vamos congelando alma (ANGELA

PHILIPPINI).

O processo criativo pode ser definido como o ato de dar a forma, de

fazer uma proposta que antes era apenas ideia, materializar-se. Philippini (2004)

mencionou que uma das funções da arte é trazer os conteúdos internos daquele que

a produz, servindo como veículo para que sentimentos, emoções e pensamentos

sejam extravasados – conteúdos esses que não necessariamente estão em

períodos cobertos pela memória consciente. A arte é um instrumento, um recurso

humano para a expressão desde as eras mais antigas e a liberdade de expressar-se

e criar é uma maneira de fazer ouvir a voz cultural, de preservar esta identidade às

gerações. Mas isto ocorre em um processo, em fases, etapas.

Este capítulo trata sintaticamente das fases desta materialização,

definidas por Ostrower (1985), como a transformação, elaboração da ideia inicial em

um processo dinâmico pelo qual a arte e a expressão transformam a matéria de

criação em objeto expressivo. Nessa intervenção, os processos são as vias de

transformação. A postura adotada para a produção aqui em muito tem a ver com a

arte terapia, dada por Philippini (2004, p. 23) como:

[...] experimentação de materiais diversos [...] em atmosfera acolhedora e protegida, [...] no despertar da sensorialidade, aguçando a sensibilidade, a percepção e permitindo a vivência de momentos mais soltos e lúdicos. [...] No reconhecimento de cada material expressivo, somos beneficiados por suas propriedades terapêuticas e teremos em consequência o desenvolvimento destas habilidades adormecidas.

O conjunto de obras denominado “Disseminando Liberdade” foi

construído com base na experiência de sonho, que conforme Silveira (1983) “[...] são

representações de acontecimentos psíquicos [...] sobrecarregados de fatores de

natureza pessoal.” (p. 119), apresentados conforme uma teia de acessórios que

visual e conceitualmente procuram contornar a sua ossatura. As fases da produção

foram separadas por telas e encontram-se descritas a seguir.

Page 22: Morais; vânia   disseminando liberdade

21

2.1 Métodos e Fases da Produção

Durante as orientações e acompanhamento por parte da professora

responsável pelo projeto, foram desenvolvidas algumas das bases de telas que

compõem a mostra total. Para um melhor entendimento dos processos da obra e

das etapas de produção que foram repetidos sistematicamente em cada tela,

apresenta-se um passo-a-passo ilustrado da pintura Mãos Livres:

Figura 7 – Esboço em traço de uma das telas (Mãos Livres)

Fonte: arquivo particular da artista.

Figura 8 – Algumas fotos e referências utilizadas para o desenho, pintura e composição de fases dos

quadros: anatomia da mão humana e olhar. Fonte: arquivo particular da artista.

Page 23: Morais; vânia   disseminando liberdade

22

Figura 9 – A artista durante um dos processos utilizados para o desenvolvimento da tela (uso do retroprojetor)

Fonte: arquivo particular da artista.

Figura 10 – Etapas do desenvolvimento da tela Mãos Livres Fonte: arquivo particular da artista.

O processo geral de produção, semelhante para todas as telas, foi

pautado nos seguintes passos:

a) Desenho e definição livre da cena a ser retratada, através de esboços à mão

livre ;

b) Produção de fotos (fotografia de cenas ou situações específicas) e/ou busca na

internet de imagens para a composição das bases que formariam as imagens

retratadas nas telas;

Page 24: Morais; vânia   disseminando liberdade

23

c) Montagem digital das cenas a serem ilustradas através dos softwares Microsoft

PaintBrush e Adobe Photoshop;

d) Tracejamento do desenho e repasse para a tela com apoio de projeção das

cenas, com um aparelho de Datashow;

e) Acabamento e fechamento das pinturas com o apoio de computador e

maximização das imagens para a captura de detalhes e aplicação de detalhes;

É importante citar aqui o papel do suporte do microcomputador no

desenvolvimento das pinturas. Lado a lado com a tela, o recurso permitiu que

imagens fossem ampliadas ao máximo detalhe, facilitando a reprodução e

melhorando o resultado final. Para que o objetivo de realismo fosse atingido, ainda

que em situações surreais, uma série de fotografias foi tirada para respaldar a artista

sobre a anatomia ou movimentos humanos pretendidos. A produção de fotos foi

importante porque permitiu não apenas um realismo mais apurado, mas também

maior domínio sobre as representações de luz e sombra existentes na proposta de

cada tela.

Page 25: Morais; vânia   disseminando liberdade

24

3 A SÉRIE DISSEMINANDO LIBERDADE

Neste capítulo são apresentadas as obras que surgiram de um

sonho, uma sequência colorida e movimentada de fatos que mostraram, na

realidade da cidade (Campo Grande), uma sucessão de eventos revestidos de

simbolismo, magia e cores.

A série Disseminando Liberdade é fruto não somente dessa

experiência onírica, mas da realização de um projeto pessoal: transformar o

simbolismo dessa experiência em um processo de evolução em arte.

O sonho que trouxe a ideia da série foi repleto de sentidos pessoais,

mas que também, de certa forma, tinham significados universais e poderiam ser

experimentados com a mesma emoção e sentimentos por muitos outros: as asas, o

sentido de liberdade dos pássaros, as misturas suaves e contrastantes de cores e o

desejo de desligamento e quebra da realidade não são nem foram experiências

unicamente pessoais, mas fazem parte do inconsciente coletivo em um ou outro

momento.

O primeiro plano das obras apresenta o olhar da liberdade, a

visualização da explosão de cores e falta de vínculo realístico dos pássaros em uma

revoada atípica sobre uma cidade, que vivia seu cotidiano.

As cenas dos cinco primeiros quadros, especialmente os primeiros,

mostram a visão, o encantamento, quando ainda não se é parte dessa explosão.

Em segundo plano, está o envolvimento com a proposta, a imersão

na surrealidade, quando aquela que olha, de repente, toma parte nos sonhos. Uma

amostra rápida que explica àquele que vê: a antes expectadora foi envolta no sonho

e agora, é e toma parte ativa nele; não mais apenas olha e deseja a liberdade, mas

foi contagiada pela sua disseminação e levada por um dos pássaros, a um passeio

surreal pela cidade, em um balanço carregado por frágeis pés que, no mundo real,

sequer poderiam imaginar tal esforço. O quadro final, em etapa de produção quando

do fechamento deste documento mas devidamente apresentado na mostra de

resultados, ilustra, no voo pela cidade da observadora central, a imaterialidade da

liberdade e o seu sentido.

Page 26: Morais; vânia   disseminando liberdade

25

O eixo central das propostas são os pássaros, cujo sentido Borges

(2008) descreve de modo pleno, incorporando à visão psicanalítica aspectos

históricos e sentidos construídos no desenvolvimento humano:

Simboliza de modo geral as entidades psíquicas de carácter intuitivo e mental, pois é considerado como uma entidade sem corpo e alada. É um apropriado símbolo da transcendência. Pode ainda estar representando o SELF que surge como um princípio único, uma intuição da totalidade oriunda das profundezas do inconsciente. Por vezes é associado aos pensamentos autónomos que nos surgem para depois desaparecerem com relativa autonomia. É uma intuição profunda, a verdade invisível que se auto realiza. Na alquimia, o pássaro encontra-se vinculado ao medo da morte, à separação da alma do corpo, que é a Sublimação definitiva; sendo que existem representações medievais em que a alma deixa o corpo do morto em forma de pássaro. Nos tratados alquímicos, aparece como um guia em direção à experiência interior e os alquimistas consideravam-no como formas gasosas de matéria sublimada, de forma que os espíritos, os vapores e as substâncias evaporadas eram simbolizados por eles, usando representações distintas das suas espécies. O pássaro SIMORG é um pássaro mitológico de imensas proporções e de cor preta que representa a alma coletiva de todas as aves. Na mitologia germânica, os pássaros pertencem a Wotan e na mitologia greco-romana a Apolo sendo que uma das suas características seria a capacidade de profetizar. Possui ainda o simbolismo de ser um anjo (BORGES, 2008, s.p).

As obras apresentam inúmeros momentos de síntese da surpresa e

deslumbramento ante a invasão e descoberta dos passados, uma inusitada revoada

multicolorida e de tamanho avantajado. O self (eu) do observador se sobrepõe,

através das constantes reproduções de rostos ou olhos ampliados, que simbolizam o

engrandecimento e unicidade da experiência que aquela visão traz ao observador,

com o avistamento de representantes da liberdade.

Geralmente, quando a cidade aparece nas telas, isso ocorre de

modo unicolor, da mesma forma que o céu, para evidenciar o brilho existente entre

os personagens pluritonais (observadores ou partes observadoras ou em êxtase do

corpo humano e os pássaros).

A reversão de papeis é também uma condição notável: como não

raramente as aves são feitas cativas, nesse caso, o sentido de cativeiro na maior

parte das telas é remetido ao homem, que se engrandece para tentar se libertar e se

igualar aos representantes da liberdade que deseja.

Page 27: Morais; vânia   disseminando liberdade

26

Buscou-se dar realismo fotográfico aos olhos e mãos,

especialmente, porque significam o ver e o tocar. Refletem a experiência de

avistamento no momento de encanto que o observador capta a imagem de seu

desejo, a liberdade.

Os pássaros, algumas das vezes, refletem-se nas pupilas (centros

oculares) e colorem o seu preto, simbolizando o poder da liberdade de preencher de

cores até mesmo os espaços reconhecidamente monocromáticos bastando, para

tanto, a sua visualização.

Os olhos apresentados nas obras apresentam uma certa expressão

melancólica, que refletem o sentido do inatingível por sua visão, algo que no primeiro

avistamento era tido como realidade. A observadora deseja obter aquela liberdade,

mas naquele momento da retratação, apenas pode observá-la.

Então, melancolicamente deseja ter o que acredita não ser seu. As

cores que tingem os representantes da liberdade (os pássaros) nas obras são

iridescentes, mudam conforme o olhar e a luz daquele que as observa, assim como

a visão da vida e de mundo. Dessa forma, o que temos é uma representação gráfica

da mutação humana do “o que é liberdade”, sentido individual que colore os

pássaros, campo físico de sua representação.

Por fim, a luz aplicada aos quadros representa outro aspecto importante: ela

ilumina a observadora ou as mãos que desejam tocar o intangível, focalizam e

destacam a razão do voo de liberdade. Sustentando esse destaque, contrapõem-se

as cores dos pássaros que, conforme a sua disposição e efeitos, simbolizam os

distintos significados da liberdade para cada pessoa e, no todo, para o mundo.

Page 28: Morais; vânia   disseminando liberdade

27

3.1 A Série

Figura 11 –Liberdade sob o olhar da cidade – Óleo sobre tela – 70 x 50 cm Fonte: arquivo particular da artista.

Figura 12 – Êxtase - Óleo sobre tela – 70 x 50 cm Fonte: arquivo particular da artista.

Page 29: Morais; vânia   disseminando liberdade

28

Figura 13– Revoada - Óleo sobre tela – 70 x 50 cm Fonte: arquivo particular da artista.

Figura 14 – Mãos Livres- Óleo sobre tela – 70 x 50 cm Fonte: arquivo particular da artista.

Page 30: Morais; vânia   disseminando liberdade

29

Figura 15 – Passagem livre - Óleo sobre tela – 70 x 50 cm Fonte: arquivo particular da artista

Figura 16 – Experimentando liberdade - Óleo sobre tela – 70 x 50 cm Fonte: arquivo particular da artista

Page 31: Morais; vânia   disseminando liberdade

30

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desenvolver uma série de pinturas foi um trabalho bastante

desafiador. Da experiência coletada na produção de Disseminando Liberdade, para

muito além da realização artística de obter uma seção de telas, extraíram-se

recursos importantes que têm a ver com prática e disciplina.

A pintura, mais que inspiração, exige empenho, pesquisa e uma

metodologia consistente para o seu desenvolvimento.

Em busca de ilustrar o sonho e a liberdade, foi empreendida uma

pesquisa profunda a respeito das formas de representação destes elementos e

sobre a história do movimento surrealista, mais complexa e densa que apenas a

manifestação na pintura.

A exigência da técnica, que busca reproduzir o máximo da realidade

em construções que extrapolam seus limites requer pensamento criativo, tempo e os

resultados, para serem satisfatórios, requerem empenho.

Na busca e levantamento teórico a respeito do surrealismo e de

suas bases, não houve problemas maiores relacionados a disposição de conteúdo

ou dificuldades de busca: a temática é bastante abundante nesse sentido. O maior

desafio foi a descoberta gradativa das técnicas para a pintura, em busca de

representar o mais fielmente a realidade em um cenário cujas proporções a

desafiavam.

A seleção poética e teórica realizada para desenvolver este estudo

foi feita pelo interesse de conhecer mais a respeito do simbolismo envolto nas

representações surrealistas. A partir do conhecimento sobre como as formas, cores

e disposições, bem como sobre de que maneira o conteúdo dos sonhos pode

ganhar voz, foi feita a adoção pelas técnicas e materiais.

O óleo sobre tela foi selecionado por permitir, dentro dos domínios

da artista, a realização de reproduções mais proximais das proporções e cores da

realidade.

Page 32: Morais; vânia   disseminando liberdade

31

A produção de uma obra surrealista em um momento em que

provavelmente seria mais comum a opção pela arte ou expressão contemporânea foi

uma forma de realizar um desafio técnico e aperfeiçoar os conhecimentos na

produção visual.

Assim como o sonho que já estava presente há algum tempo

apresentava um universo diferenciado, o qual apenas o surrealismo permitiria essa

aproximação, o interesse de aperfeiçoamento técnico e teórico pediam por esse

caminho.

Disto, depreende-se que o objetivo de desenvolver uma experiência

baseada na prática da arte visual foi atingido, manifesto através da apresentação da

série em questão.

O contato com as técnicas e métodos de produção também foi

positivo, dado o trabalho desenvolvido no levantamento bibliográfico e documental.

A respeito dos objetivos específicos, pode-se concluir que:

O estudo da forma e maneiras de representação de pássaros e

pessoas foi cumprido em uma linha gradativa de progresso: da primeira a última

representação, é possível perceber alguns avanços nas técnicas de coloração,

proporção e efeitos de luz e sombra que colaboram e se aproximam cada vez mais

da proposta surrealista;

A realização de uma produção intimista, ao final da série, acreditou-

se possível ao passo que as telas apresentam um universo simples, belo mas

surreal. A familiaridade dos cenários, os espaços vivenciados no cotidiano da cidade

auxiliam essa intimidade com o observador, sendo os caminhos de aproximação

selecionados;

Por fim, o convite à ressignificação acredita-se realizado, dado ao

fato de que o observador pode, a seu critério e conforme seu repertório preexistente,

empreender um processo interpretativo sobre cada cenário ou situação, posto que a

arte é feita do universo dos olhos não daquele que a produz, mas daquele que a

recebe.

Page 33: Morais; vânia   disseminando liberdade

32

REFERÊNCIAS

ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. Martins Fontes São Paulo 1998.

ARBEX, M. As metáforas picturais de René Magritte. Revista Letras, Programa de Pós Graduação em Letras - PPGL/UFSM, pp. 147-61, 2007.

BORGES, M. A simbologia dos animais:Os animais na história do Homem [internet]. Versão 3. Knol. 2008 set 20. Disponível em: <http://knol.google.com/k/maria-borges/a-simbologia-dos-animais/26d4rd93xldvf/1.>,Acesso em: 27 de out 2011.

BRETON, A. Manifesto do Surrealismo. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2001.

DALÍ, S. No mundo dos sonhos. Rio de Janeiro: Abril, 1992.

DAVIDOFF, L.L. Introdução à Psicologia. 1.ed, Editora McGraw-Hill do Brasil, São Paulo, 1983.

DICIONÁRIO MICHAELIS ONLINE. Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. disponível em: < http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portuguesportu gues&palavra=iridescente acessado em 24 de Mar. De 2011.

DONDIS, D. Sintaxe da linguagem visual. 3ª Ed.São Paulo: Martins Fontes, 2007.

DUPLESSIS, Y. O surrealismo. São Paulo: Difusão Europeia, 1956.

FIGUEIREDO, V. Isto é um cachimbo. Kriterion, Belo Horizonte, v. 46, n. 112, Dec. 2005

FRANZ, M.L.V. O Caminho dos Sonhos. São Paulo: Cultrix, 1991.

FREUD, S. A interpretação dos sonhos. Edição Comemorativa 100 anos. São Paulo: Cultura, 1999.

______. Projeto de uma psicologia. (O. F. Jr., Trad.) Rio de Janeiro: Imago, 1995.

Page 34: Morais; vânia   disseminando liberdade

33

______. Resumo, v. 7 (1901-1905). In: FREUD, Sigmund. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro:Imago, 1996.

GUYTON, A. Fisiologia Humana e Mecanismos das Doenças. 7.ed, Editora Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 1998

HELENA, L. Modernismo Brasileiro e Vanguarda. 3ª Ed. São Paulo: Ática, 1996.

JUNG, C.G. Obras completas, Vol. I, Vozes, 1997, Rio de Janeiro-RJ, 1997.

KANT, I. Crítica da razão pura. 2. ed. Coleção Os Pensadores. Vol I. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

LIMA, S. A aventura surrealista (Vol. 1). Campinas: Unicamp, 1995.

MASSON, J.M. Correspondência completa de Sigmund Freud para Wilhelm Fliess. (V. Ribeiro, Trad.) Rio de Janeiro: Imago, 1986.

MONTEIRO, J. Dicionário da Pintura Moderna. São Paulo: Hemus, 1981.

MOUTINHO, A.V. A (con)tra(d)ição das imagens. Revista da UFP. v.4, pp.143-47, 1999.

OSTROWER, F. Criatividade e processos de criação. Rio de Janeiro: Vozes, 1985.

PHILIPPINI, A. Transdisciplinaridade e arteterapia. In: ORMEZZANO, G. (org.) Questões de arteterapia. Passo Fundo: UPF, 2004.

PORTAL DA ARTE. Giorgio de Chirico 1888-1978. s/d. Disponível em: < http://www.portaldarte.com.br/21-surrealismo/07-Gorgio-de-Chirico.htm> Acesso em 20 de ago de 2011.

ROSCHEL, R. Surrealismo, o sonho do sonho. Disponível em <http://www.speculum.art.br/novo/?p=869> Acesso em 28 de Nov. de 2010.

SANTANA, A. L. Surrealismo. (2009) Disponível em: <http://www.infoescola.com/movimentos-artisticos/surrealismo/>. Acesso em 28 de Nov. 2010.

Page 35: Morais; vânia   disseminando liberdade

34

SILVEIRA, P.C. O Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo: arte e indústria em São Paulo. São Paulo: FAU, 1983.

SOUSA, E. Quando atos se tornam formas. In: BARTUCCI, Giovanna. (org.). Psicanálise, Arte e Estéticas de Subjetivação. Rio de Janeiro: Imago, 2002. p. 143-151

TASCA, E. Surrealismo, influência de Freud. (2008) Disponível em <http://jvanguarda.com.br/2008/09/11/surrealismo-influencias-de-freud/> Acesso em 27 de Nov. 2010.