Monografia nadia cardoso
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O JOGO SIMBÓLICO EM VYGOTSKY E FREUD
Nadia Puglisi de Assumpção Cardoso Aluna do curso de Pedagogia do Instituo Superior de Educação Vera Cruz Luis Antonio Gomes Lima Orientador
RESUMO
Este trabalho aponta as concepções que Freud e Vygotsky têm em relação ao jogo simbólico. Para tanto, utilizamos os conceitos de desejo, prazer, consciente, inconsciente, zona de desenvolvimento proximal, significante e significado. Tais aspectos discutidos até este momento nos conduziram à reflexão sobre a dialética entre infância e vida adulta, na qual refletimos acerca de conceitos de violência, controle e emancipação. Ao final, ampliamos esta discussão para o âmbito da Educação, salientando qual o papel que os adultos ou professores têm desempenhado para a mediação da brincadeira neste contexto.
Palavras-chave: Freud. Vygotsky. Jogo simbólico. Mediação simbólica.
1 INTRODUÇÃO
Durante o ano de 2007, pensei em aprofundar meus estudos nas concepções de
brincadeira presentes nas teorias psicológicas de Wallon e Vygotsky. Agora em 2008,
pretendo investigar e pesquisar as idéias que Vygotsky e Freud têm a respeito do brincar, mais
especificamente, do jogo simbólico.
O primeiro contato que tive com Wallon e Vygotsky durante o curso de Pedagogia foi
na disciplina Psicologia da Educação II e desde então me interessei muito por suas biografias
e obras. A importância do presente trabalho se dá pela necessidade de se pesquisar e
aprofundar mais sobre o tema jogos e brincadeiras.
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Vygotsky ressalta o papel da escola no desenvolvimento mental das crianças,
atribuindo muita importância ao papel do professor como impulsionador de seu
desenvolvimento psíquico. Além disso, a parte mais conhecida de sua obra se dirige ao tema
da criação de cultura.
Wallon mostrou que as crianças também têm corpo e emoções na sala de aula. A
abordagem considera a pessoa como um todo. Elementos como afetividade, emoções,
movimento e espaço físico se encontram num mesmo plano.
O meu interesse por estes autores cresceu ainda mais quando me deparei na disciplina
“Teorias e práticas pedagógicas na Educação Infantil”, durante o módulo de desenvolvimento
infantil, com as etapas que Wallon propôs. Wallon vê o desenvolvimento da pessoa como
uma construção progressiva em que se sucedem fases com predominância alternadamente
afetiva e cognitiva. Cada fase é dada pelo predomínio de um tipo de atividade. As atividades
predominantes correspondem aos recursos que a criança dispõe, no momento, para interagir
com o meio. Para tanto, Wallon propôs cinco estágios: impulsivo-emocional (predomínio da
emoção); sensório-motor e projetivo (exploração do mundo físico); personalismo (processo de
formação da personalidade); categorial (predomínio do aspecto cognitivo); adolescência
(predominância afetiva). Cada nova fase inverte a orientação da atividade do interesse da
criança: do eu para o mundo, das pessoas para as coisas. Trata-se do princípio da alternância
funcional.
Se fizermos uma ligação com o tema do presente trabalho, pode-se pensar no estágio
do personalismo, que cobre a faixa dos três aos seis anos, quando há a consolidação da função
simbólica e a diferenciação da personalidade. A construção da consciência de si reorienta o
interesse das crianças para as pessoas, definindo o retorno da predominância das relações
afetivas.
Em seguida, durante o módulo sobre brinquedos e brincadeiras, interessei-me muito
pelo que Vygotsky pensa acerca do papel do brinquedo no desenvolvimento infantil e a
importância do conceito de zona de desenvolvimento proximal.
Vygotsky considera o brinquedo uma importante fonte de promoção do
desenvolvimento e dedica-se mais especialmente à brincadeira de faz-de-conta. Através do
brinquedo, a criança aprende a atuar numa esfera cognitiva que depende de motivações
internas. Sendo assim, a criança passa a criar uma situação ilusória e imaginária, como forma
de satisfazer seus desejos não realizáveis. Através do brinquedo, ela projeta-se nas atividades
dos adultos procurando ser coerente com os papéis assumidos. Toda situação imaginária
contém regras de comportamento condizentes com aquilo que está sendo representado. O
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esforço em desempenhar com fidelidade aquilo que observa em sua realidade faz com que a
criança atue num nível bastante superior ao que na verdade se encontra, criando assim uma
zona de desenvolvimento proximal.
Sendo assim, pensei, em um primeiro momento, que seria interessante aprofundar-me
na concepção de brincadeira que Vygotsky tem e começar a pesquisar sobre o que Wallon
pensa a respeito disso.
Tais perspectivas apontadas anteriormente se modificaram desde o momento em que
escrevi este projeto (outubro de 2007) até hoje. A minha intenção é de ainda continuar
baseando o meu trabalho nas idéias de Vygotsky, porém agora tendo como foco o jogo
simbólico. Porque jogo simbólico? Neste ano de 2008, comecei a trabalhar com uma idade
(quatro anos) em que o faz-de-conta está muito presente em todos os momentos do dia-a-dia;
por isso o anseio de melhor investigar a questão da criação da zona de desenvolvimento
proximal. Além disto, como já relatei anteriormente, Vygotsky quando discute o papel do
brinquedo, dedicou-se especificamente à brincadeira de faz-de-conta.
Por conta disto, penso que o estudo deste problema através das idéias de Wallon já não
faz mais tanto sentido para o meu trabalho. Além do fato de não existirem tantas referências a
respeito do brincar nas obras de Wallon, segundo o levantamento realizado.
Durante estas reflexões acerca das possíveis modificações na pesquisa, pensei em
também fazer um exercício de aproximação entre as idéias de Vygotsky e a Psicanálise. Por
que a Psicanálise? No decorrer do curso de Psicologia, que cursei de 2000 a 2004, sempre tive
grande interesse pela Psicanálise. Meu trabalho de conclusão de curso também foi baseado
nas idéias de Freud e penso que agora seria uma excelente oportunidade para fazer
articulações entre a Educação e a Psicanálise.
Além disso, em relação à relevância científica, trabalhos anteriores evidenciam que
existem poucos trabalhos no campo da pesquisa que demonstram esta articulação entre o olhar
sócio-histórico e a psicanálise. Os poucos que a fizeram, tentaram aproximar a psicanálise do
marxismo. As pesquisas levantadas indicam que esta aproximação pouco foi feita no recorte
da teoria de Vygotsky. No presente trabalho, tentarei realizar articulações entre a teoria de
Vygotsky e de Freud, mais especificamente no que eles pensam a respeito do brincar.
Tendo em vista que o brincar é um tema de grande força nos dias de hoje nas escolas,
penso ser seu estudo de grande relevância social. Atualmente, existem diferentes discursos e
olhares para o brincar na educação. É interessante considerar o caráter normativo com que
algumas escolas o abordam e outras que realmente promovem a criação de situações
imaginárias, atuando no processo de desenvolvimento da criança.
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Uma outra questão importante de se considerar é o quanto a brincadeira é avaliada
como tempo perdido pelas escolas. De acordo com Borba (2006, p.40), essa visão é fruto da
idéia de que: A brincadeira é uma atividade oposta ao trabalho, sendo por isso menos importante, uma vez que não se vincula ao mundo produtivo, não gera resultados. E é essa concepção que provoca a diminuição dos espaços e tempos do brincar à medida que avançam as séries/anos do ensino fundamental. Sua função fica reduzida a proporcionar o relaxamento e a reposição de energias para o trabalho, este sim sério e importante.
A discussão em torno da mudança do Ensino Fundamental de oito para nove anos
decorre justamente desta questão, visto que o avanço conceitual presente nas diretrizes da
Educação Infantil ainda não está presente no Ensino Fundamental. O direito à brincadeira, a
atenção ao individual e a um ambiente aconchegante, seguro e estimulante ainda não estão
presentes no Ensino Fundamental. Sendo assim, ao chegar às escolas, as crianças são vistas
muito mais como alunos que precisam dominar conteúdos do que como crianças que precisam
consolidar aprendizagens concretas e construir um pensamento simbólico.
As perspectivas que visualizo para o meu trabalho são de constatar os pontos de
articulação, as semelhanças e diferenças entre as concepções de Freud e Vygotsky.
Vygotsky apresenta estudos sobre o papel psicológico do jogo para o desenvolvimento
da criança. Como já foi relatado anteriormente, por conta do brinquedo criar uma zona de
desenvolvimento proximal, a promoção de atividades que favoreçam o envolvimento da
criança em brincadeiras, tem nítida função psicológica. Fazendo referência à característica de
prazer, Vygotsky afirma que nem sempre há satisfação nas brincadeiras, e que quando estas
têm resultado desfavorável, ocorre desprazer e frustração. No decorrer do trabalho, irei
desenvolver mais detalhadamente tais questões com base nos capítulos 6 (Interação entre
aprendizado e desenvolvimento) e 7(O papel do brinquedo no desenvolvimento) do livro “A
formação social da mente” de Vygotsky.
Uma das maiores descobertas da Psicanálise foi o uso da atividade lúdica como uma
das formas de revelar os conflitos interiores das crianças. É brincando que a criança revela
seus conflitos; e de uma forma muito parecida com os adultos, que os revelam falando. O
brincar, como atividade terapêutica, possibilita que a criança supere uma situação traumática.
Para Freud o brinquedo e o brincar são os melhores representantes psíquicos dos processos
interiores da criança, os quais trazem no pensamento, nas emoções ou na forma de brincar a
maneira como foi olhada e percebida pelos outros. No desenvolvimento do trabalho, irei tratar
com mais profundidade de tais questões.
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Sendo assim, penso que já pode ser feita uma primeira articulação entre as duas
teorias, as quais indicam que nem sempre há satisfação no brincar. Para ambas as teorias,
durante a brincadeira, a criança revela seus conflitos interiores, tendo assim o brincar uma
nítida função psicológica. A diferença é que, para Freud, o brincar possibilita que a criança
supere uma situação traumática e, para Vygostsky, o brincar promove a satisfação dos desejos
não realizáveis.
Uma outra questão interessante é que há, nas duas teorizações, uma compreensão
dialética das relações entre sujeito e sociedade. O indivíduo só é indivíduo, porque ele está em
um contexto social. Tanto Vygotsky quanto Freud situam o brincar dentro de uma perspectiva
social. Na Psicanálise, o sujeito constrói a sua subjetividade através da trama de relações com
os outros que o cercam, através dos lugares no desejo inconsciente de cada sujeito implicado
na relação edípica. Para Vygotsky, o sujeito se apropria do mundo que se transforma
historicamente de acordo com a relação entre os homens.
Levando em consideração que Freud localiza o brincar para compreender as fantasias
infantis, pretendo discorrer no desenvolvimento do trabalho a respeito do jogo do “fort-da”
(jogo do carretel), onde o brinquedo de uma criança de dezoito meses, neto de Freud, foi
tomado como inspiração para introduzir “Além do princípio do prazer” (1920). Além disso,
também irei discutir o texto “Recordar, repetir e elaborar” (1914), para aprofundar o conceito
de repetição, fundamental para situar o que as crianças materializam no jogo simbólico.
2 DESENVOLVIMENTO
Pretendo nesta etapa do trabalho discorrer de maneira mais elaborada sobre o que é o
jogo simbólico para Freud e para Vygotsky. Freud trabalha com o conceito central de
inconsciente, enquanto que Vygotsky trabalha com a subjetividade calcada na consciência.
O paradigma que Freud utiliza para discutir o jogo simbólico se ordena por uma
situação do cotidiano, que ele designou como o jogo do “fort-da” (jogo do carretel), onde
através do relato desta situação, Freud marca o que é o desejo para a Psicanálise e redefine o
que é o prazer.
Em “Além do princípio do prazer”, Freud (1996b, p.25) relata que pôde: Através de uma oportunidade fortuita que se me apresentou, lançar certa luz sobre a primeira brincadeira efetuada por um menininho de ano e meio de idade e inventada por ele próprio. Foi mais do que uma simples observação passageira,
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porque vivi sob o mesmo teto que a criança e seus pais durante algumas semanas, e foi algum tempo antes que descobri o significado da enigmática atividade que ele constantemente repetia.
Segundo Freud (1996b, p.25), tal criança: Não era precoce em seu desenvolvimento intelectual, dizia algumas palavras compreensíveis e utilizava uma série de sons que expressavam um significado inteligível para aqueles que a rodeavam. Não incomodava os pais à noite, obedecia conscientemente às ordens de não tocar em certas coisas e nunca chorava quando sua mãe o deixava por algumas horas. Ao mesmo tempo, era bastante ligado à mãe, que tinha não apenas de alimentá-lo, como também cuidava dele sem qualquer ajuda externa.
Este menino também tinha o hábito de apanhar quaisquer objetos que pudesse agarrar
e atirá-los longe para um canto. Enquanto procedia assim, emitia um longo som “o-o-o-o-o”,
acompanhado por expressão de interesse e satisfação. Freud e a mãe do bebê concordaram em
achar que isto não constituía uma simples interjeição, mas representava a palavra alemã “fort”
(a versão inglesa traduz por “gone”, particípio passado do verbo to go; “ir, partir”, é advérbio
utilizado com o mesmo sentido de nosso complemento circunstancial “embora”, normalmente
empregado na expressão “ir embora”, motivo pelo qual assim o traduzimos).
Freud relata que acabou por compreender que se tratava de um jogo e que o único uso
que o menino fazia de seus brinquedos, era brincar de “ir embora” com eles. Certo dia, Freud
fez uma observação que confirmou seu ponto de vista. O menino tinha um carretel de madeira
com um pedaço de cordão amarrado em volta dele e nunca lhe ocorrera brincar com ele como
se fosse um carro. O que ele fazia era segurar o carretel pelo cordão e arremessá-lo por sobre
a borda de sua caminha encortinada, de maneira que aquele desaparecia por entre as cortinas,
ao mesmo tempo que o menino proferia seu expressivo “o-o-o-o-o”. Puxava o carretel para
fora da cama novamente, por meio do cordão, e saudava o seu reaparecimento com um alegre
“da” (“ali”). Essa era a brincadeira completa: desaparecimento e retorno.
De acordo com Mascarenhas, o jogo do carretel pode ser dividido em três momentos
distintos, tal como Freud os relatou, todos eles acoplados e seqüenciais, cada qual se baseando
no anterior e o ampliando. 1: quando o bebê é confrontado com a arbitrária ausência da mãe e
atira para longe os objetos fazendo-os desaparecer; 2: o bebê consegue organizar um jogo
com o carretel preso ao barbante, repetindo o jogo quantas vezes quiser independente da
presença de alguém; 3: logo após fazer este jogo em frente ao espelho, com o seu próprio
corpo aparecendo e desaparecendo, associa a este jogo uma oposição de fonemas conhecidos,
longe e perto, e usa só das palavras para contar a situação.
Sendo assim, o “fort-da” marca o que é o desejo para a Psicanálise. A dimensão do
desejo está apoiada na questão da falta, a busca pelo preenchimento. Através da encenação de
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aparecimento e desaparecimento (ausência, presença), o bebê transformou uma situação na
qual estava passivo para outra na qual está ativo. É como se ele dissesse: “Pois bem, então: vá
embora! Não preciso de você. Sou eu que estou mandando você embora”. Além disso, neste
jogo, a natureza desagradável da experiência, é a própria razão da brincadeira. Freud
exemplifica dizendo que, certamente, a experiência assustadora de uma criança tendo sua
garganta examinada por um médico será tema de uma próxima brincadeira.
Visto que a repetição está posta para qualquer brincadeira, é pertinente falar a respeito
dela neste momento. Ao longo da obra freudiana a compulsão à repetição ocupa diferentes
lugares, conforme os desdobramentos da teoria. Apesar de fazer referências à idéia de
compulsão à repetição desde seus primeiros escritos, é em 1914 com “Recordar, repetir e
elaborar” que este conceito passa a ter uma reflexão destacada. Neste texto Freud pontua o
conceito de repetição, constituindo-o como um dos pilares da Psicanálise e de suas técnicas. O
tema pode ser entendido pela seguinte citação no texto freudiano de 1914, “Recordar, Repetir
e Elaborar”: A fim de salientar a diferença, podemos dizer que o paciente não recorda coisa alguma do que esqueceu e reprimiu, mas o expressa pela atuação (acts it out). Ele o reproduz não como lembrança, mas como ação; repete-o, sem, naturalmente, saber o que está repetindo (FREUD, 1996a, p. 165).
Ao invés dos pacientes rememorarem os conteúdos traumáticos, eles tendem a repeti-
los na vida presente como se fossem, de fato, sentimentos atuais. Esta atuação ou repetição
acompanha todo processo de cura, diz Freud. É através do brincar que as crianças repetem
tudo que lhes causou uma grande impressão na vida real, reagindo à intensidade da impressão,
tornando-se assim senhoras da situação. Além disso, Freud complementa que todas as
brincadeiras são influenciadas por um desejo que domina as crianças o tempo todo: o desejo
de crescer e poder fazer o que as pessoas crescidas fazem.
Podemos aqui pensar em uma possível articulação da teoria de Freud com a de
Vygotsky. Quando Freud diz que a criança ao brincar é movida pelo desejo de poder fazer
aquilo que o adulto faz, tal afirmação nos remete à idéia vygotskiana de que a brincadeira cria
uma zona de desenvolvimento proximal, onde a criança se esforça em desempenhar de sua
maneira aquilo que observa em sua realidade, atuando assim num nível bastante superior ao
que na verdade se encontra.
Para melhor compreendermos o conceito de zona de desenvolvimento proximal, é
necessário fazermos duas discussões: primeiro sobre a relação geral entre aprendizado e
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desenvolvimento e segundo sobre os aspectos específicos desta relação quando a criança
atinge a idade escolar.
O ponto de partida desta discussão é o fato de que o aprendizado das crianças começa
muito antes delas freqüentarem a escola. Qualquer situação de aprendizado com a qual a
criança se defronta na escola tem sempre uma história prévia. Aprendizado e desenvolvimento
estão inter-relacionados desde o primeiro dia de vida da criança. O aprendizado escolar
produz algo fundamentalmente novo no desenvolvimento da criança.
Para reelaborar as dimensões deste aprendizado escolar é que Vygotsky criou o
conceito de zona de desenvolvimento proximal. Vygotsky diz que não podemos limitar-nos
meramente à determinação de níveis de desenvolvimento, se o que queremos é descobrir as
relações reais entre o processo de desenvolvimento e a capacidade de aprendizado. Para tanto,
temos que determinar pelo menos dois níveis de desenvolvimento. O primeiro nível pode ser
chamado de nível de desenvolvimento real, isto é, o nível de desenvolvimento das funções
mentais da criança que se estabeleceram como resultado de certos ciclos de desenvolvimento
já completados.
De acordo com Vygotsky (1991, p.97): A zona de desenvolvimento proximal é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.
Operando a noção agora na função da brincadeira no desenvolvimento infantil, é
interessante observar que, para Vygotsky (1991), o ensino sistemático não é o único fator
responsável por alargar os horizontes da zona de desenvolvimento proximal. Ele considera o
brinquedo uma importante fonte de promoção do desenvolvimento, justamente por conta de a
criança atuar em um nível superior ao que se encontra na realidade durante o brincar.
A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não
amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que
estão em estado embrionário. Assim sendo, a zona de desenvolvimento proximal permite-nos
delinear o futuro imediato da criança e seu estado dinâmico de desenvolvimento, propiciando
o acesso não somente ao que já foi atingido através do desenvolvimento, como também àquilo
que está em processo de maturação.
Penso ser importante aqui ressaltar que, apesar das traduções utilizarem o termo
maturação, é importante circunscrevê-lo com maior precisão, em nome do rigor às idéias de
Vygotsky. Este termo aqui não tem como significado algo biológico, normativo, mas sim algo
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que se ordena pelo social, onde o sujeito adquire posições subjetivas que ainda não foram
consolidadas. De acordo com Vygotsky, a zona de desenvolvimento proximal corresponde às
funções que estão em maturação no indivíduo. O desenvolvimento real, no qual a criança faz
suas coisas com independência, retrata o conhecimento consolidado, ao passo que aquelas
tarefas realizadas com ajuda dos outros apontam para o desenvolvimento mental que pode ser
adquirido.
Um outro ponto de articulação entre as teorias de Freud e Vygotsky é definido pelo
fato do brinquedo ser uma atividade que não necessariamente proporciona prazer à criança.
Ambos abordam esta questão longe daquilo que o senso comum diz, onde o brincar é
considerado sinônimo de diversão. Como já relatado anteriormente, para Freud o brincar
possibilita que a criança supere uma situação traumática. No caso do “fort-da” isto se torna
evidente, visto que a repetição do desagradável transformou uma situação na qual o bebê
estava passivo para outra na qual está ativo, através da encenação de desaparecimento e
retorno do carretel.
Já Vygotsky, para justificar que o prazer não pode ser visto como característica
definidora do brinquedo, explica que muitas atividades dão à criança experiências de prazer
muito mais intensas do que o brinquedo como, por exemplo, chupar chupeta, mesmo que a
criança não se sacie. Além disso, na idade pré-escolar existem jogos nos quais a própria
atividade não é agradável, como jogos que só dão prazer à criança se ela considera o resultado
interessante. Fora do âmbito do jogo simbólico, podemos falar sobre os jogos esportivos, os
quais são, com muita freqüência, acompanhados de desprazer, quando o resultado é
desfavorável à criança.
Vygotsky (1991) diz que é impossível ignorar que a criança satisfaz certas
necessidades no brinquedo, o qual precisa ser compreendido como uma forma de atividade. A
tendência de uma criança muito pequena é satisfazer os seus desejos imediatamente. Sendo
assim, se as necessidades não realizáveis imediatamente não se desenvolvessem durante os
anos escolares, não existiriam os brinquedos, uma vez que eles parecem ser inventados
justamente quando as crianças começam a experimentar tendências irrealizáveis. Para resolver
a tensão da realização imediata dos desejos, a criança em idade pré-escolar envolve-se num
mundo ilusório e imaginário onde os desejos não realizáveis podem ser realizados. Esse
mundo é o que Vygotsky chama de brinquedo. É importante esclarecer aqui que, em muitos
momentos, o termo brinquedo, adotado por Vygotsky, não tem o significado de objeto, mas
sim é apresentado como sinônimo de jogo simbólico.
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Ele também discute que não existe brinquedo sem regras. A situação imaginária de
qualquer forma de brinquedo já contém regras de comportamento, embora possa não ser um
jogo com regras formais estabelecidas a priori. Sempre que há uma situação imaginária no
brinquedo, há regras que têm sua origem na própria situação imaginária.
Por exemplo, quando uma criança imagina-se como mãe e a boneca como criança, ela
está obedecendo às regras do comportamento maternal. O fato de a criança ter decidido
brincar de “mamãe e filhinha” induziu-a a adquirir regras de comportamento. O que na vida
real passa aparentemente despercebido pela criança, torna-se uma regra de comportamento no
brinquedo.
Já para uma criança muito pequena, um estudo de Lewin1sobre a natureza motivadora
dos objetos conclui que os objetos ditam a ela o que tem que fazer. Nesta idade, a percepção
não é, em geral, um aspecto independente, mas, ao contrário, é um aspecto integrado de uma
reação motora. No brinquedo, no entanto, os objetos perdem sua força determinadora. A
criança vê um objeto, mas age de maneira diferente em relação àquilo que ela vê. Assim, é
alcançada uma condição em que a criança começa a agir independentemente daquilo que vê.
Segundo Vygotsky (1991), na idade pré-escolar ocorre, pela primeira vez, uma
divergência entre os campos do significado e da visão. No brinquedo, o pensamento está
separado dos objetos e a ação surge das idéias e não das coisas. A ação regida por regras
começa a ser determinada pelas idéias e não pelos objetos. A criança que ainda não consiga
separar o pensamento do objeto real, agora passa a fazê-lo. Há aqui, portanto, uma passagem
de uma conduta sensório-motora para uma ação simbólica.
O brinquedo para Vygotsky (1991, p.114) cria na criança uma nova forma de desejos:
“Ensina-a a desejar, relacionando seus desejos a um ‘eu’ fictício, ao seu papel no jogo
e suas regras”. Podemos neste momento fazer mais uma aproximação entre as duas teorias no
que se refere ao desejo. Para Vygotsky o desejo compõe um eu na ordem da consciência. Já
para Freud, o desejo está remetido à noção de inconsciente.
Dessa maneira, para Vygotsky (1991), as maiores aquisições de uma criança são
conseguidas no brinquedo. Sendo assim, o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento
proximal na criança, a qual se comporta sempre além do comportamento habitual. O
brinquedo constitui-se assim no mais alto nível de desenvolvimento pré-escolar. A criança
desenvolve-se, essencialmente, através da atividade de brinquedo.
1 Sem a referência bibliográfica no texto. Provavelmente, se refere à Kurt Lewin, autor expoente da psicologia da Gestalt.
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A criança brinca reproduzindo uma situação real. Isto significa que, na situação
original, há pouco de imaginário. O brinquedo é uma situação imaginária, mas que é
compreensível somente à luz de uma situação real que de fato tenha acontecido. De acordo
com Vygotsky (1991), o brinquedo é muito mais a lembrança de alguma coisa que realmente
aconteceu do que imaginação. É mais a memória em ação do que uma situação imaginária
nova. Por exemplo, uma criança brincando com uma boneca repete quase exatamente o que
sua mãe faz com ela, ocorrendo assim uma reprodução da situação real.
De acordo com Vygotsky (1991), a imaginação é um processo psicológico novo para a
criança; representa uma forma especificamente humana de atividade consciente, não está
presente na consciência de crianças muito pequenas e está totalmente ausente em animais.
Como todas as funções da consciência, ela surge originalmente da ação. Podemos dizer que:
“a imaginação, nos adolescentes e nas crianças em idade pré-escolar, é o brinquedo em ação”
(p.106). Para uma criança muito pequena, brinquedo sério significa que ela brinca sem separar
a situação imaginária da situação real. Para uma criança em idade escolar, o brinquedo torna-
se uma forma de atividade mais limitada, predominantemente do tipo atlético, que preenche
um papel específico em seu desenvolvimento, e que não tem o mesmo significado do
brinquedo para uma criança em idade pré-escolar.
A essência do brinquedo é a criação de uma nova relação entre o campo do significado
e o campo da percepção, ou seja, entre situações no pensamento e situações reais. No jogo
simbólico, a criança está realmente separando o significante do significado.
Podemos dizer que a função simbólica para Vygotsky se baseia na substituição do
significante pelo significado. Por exemplo: uma criança ao brincar com um cabo de vassoura
como se fosse um cavalo está substituindo o cabo de vassoura, tomado como significante,
pelo significado cavalo. Já para Freud, podemos pensar no jogo do “fort-da” como o
significado sendo a presença e ausência da mãe e o significante o desejo de que a mãe fique
com ela.
Garcia Roza nos ajuda a compreender com mais facilidade a relação existente entre os
termos propriamente ditos. De acordo com Roza (2004, p.183): “o ponto central do
pensamento de Lacan é o que concede ao simbólico2 o papel de constituinte do sujeito
humano”. Lacan, a partir de contribuições retiradas da lingüística e da antropologia
estruturais, vai “reler” Freud e assinalar os vários níveis de estruturação do simbólico, assim
2 O uso do termo simbólico para Lacan é diferente daquele utilizado na lingüística. O registro psíquico do real não deve ser confundido com a noção corrente de realidade. Para Lacan, o real é aquilo que o simbólico é incapaz de capturar. É aquilo que não pode ser simbolizado.
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como do inconsciente pela linguagem. Uma das fontes de pensamento de Lacan é a lingüística
de Ferdinand de Saussure. Uma das idéias centrais de Saussure é o conceito de signo
lingüístico como uma unidade composta de duas partes: o significado e o significante.
Segundo Roza (2004, p.184), para Saussure: “o signo não é união de uma coisa e um nome,
mas união de um conceito e uma imagem acústica”.
Por exemplo, não há nada que una, de maneira necessária, o significado “árvore” à
seqüência de sons que lhe servem de significante. A arbitrariedade do signo não deve nos
levar a supor que “ele dependa da livre escolha de quem fala, mas sim que ele é imotivado,
isto é, que não mantém nenhum laço natural com a realidade” (2004, p.185).
Saussure (apud Roza, 2004) também se refere a outro aspecto do signo quando coloca
o conceito de valor, introduzindo assim uma nova dimensão ao debate. O signo deixa de ser
visto apenas como uma relação entre significado e significante e passa a ser considerado
também como um termo no interior de um sistema, que se relaciona horizontalmente com
outros signos da língua. Porém, ao introduzir a noção de valor, Saussure (apud Roza, 2004,
p.186) não elimina a relação isolada entre o significado e o significante, a qual “continua a
gozar de relativa autonomia”.
A concepção lacaniana do signo difere em vários aspectos da que nos oferece
Saussure. Lacan inverte a representação saussuriana do signo. Enquanto Saussure o representa
por significado/significante, Lacan o representa por significante/significado. A barra que
separa um do outro indica para Lacan uma autonomia do significante com relação ao
significado. Fica, dessa maneira, quebrada a unidade de signo defendida por Saussure. De
acordo com Roza (2004, p.186): A cadeia dos significantes é a produtora de significados. É essa cadeia que vai fornecer o substrato topológico ao signo lacaniano, impondo que nenhum significante possa ser pensado fora de sua relação com os demais.
Já na abordagem sócio-histórica, para compreendermos a relação entre significante e
significado para Vygotsky, precisamos primeiramente nos deparar com a idéia de mediação
simbólica. Ele trabalha com a noção de que a relação do homem com o mundo não é uma
relação direta, mas, fundamentalmente, uma relação mediada. Ele distingue dois tipos de
elementos mediadores: os instrumentos e os signos. De acordo com Oliveira (1997, p.26 e 27), o
instrumento é: Um elemento interposto entre o trabalhador e o objeto de seu trabalho, ampliando a possibilidade de transformação da natureza. Já os signos podem ser definidos como elementos que representam ou expressam outros objetos, eventos, situações.
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Para Vygotsky (1991), a linguagem é um componente essencial da subjetividade e tem
um caráter de substituição do real. Durante a brincadeira, é próprio da linguagem fazer a
substituição do significante pelo significado. A interiorização dos conteúdos historicamente
determinados e culturalmente organizados se dá principalmente por meio da linguagem,
possibilitando que a natureza social das pessoas torne-se igualmente sua natureza psicológica.
Esta interiorização possibilita e auxilia a criança na compreensão das regras do mundo adulto
e evidencia o quanto ela satisfaz certas necessidades durante o jogo simbólico.
Para Freud, é brincando que a criança revela seus conflitos de uma forma muito
parecida com os adultos, que os revelam falando. O brincar, como atividade terapêutica,
possibilita que a criança supere uma situação traumática. Sendo assim, o brinquedo e o
brincar são os melhores representantes psíquicos dos processos interiores da criança, ainda
que em direções diversas nas reflexões dos dois autores.
Tais aspectos discutidos até este momento me conduziram a uma outra dimensão do
problema que nos remete, por sua vez, à reflexão sobre a dialética entre infância e vida adulta.
Explicitarei idéias de dois autores que utilizam a noção de violência de maneiras distintas para
discutir esta dialética. Maria Cristina Kupfer enxerga uma forma do que considera violência
como algo estruturante e necessário. Theodor Adorno fala sobre a violência como algo
imposto à subjetividade.
Maria Cristina Kupfer (2007, p.140) faz um exercício de leitura da violência na
educação através da psicanálise. Ela afirma que: O esforço de humanização de uma cria humana não se faz sem uma ação, exercida pelo adulto sobre a criança, que não seja da ordem de uma imposição, de uma injunção, de uma “forçagem”.
Esta ação ela classifica como violenta, porque submete o corpo a uma regulação que
nada tem de natural, não havendo assim escolha por parte da criança.
A entrada forçada da criança no mundo adulto inicia-se muito cedo. Piera Aulagnier
(apud Kupfer) sublinha, a partir da terceira teoria da sedução de Freud, que “uma mãe atribui
sentidos àquilo que inicialmente não passa de pura ação reflexa de um pedaço de carne”
(2007, p.141). Assim, aquilo que não passava de choro por fome, por exemplo, transforma-se
em uma ação dirigida por um sentido. A mãe interpreta que o bebê está com fome e este
responde que estes movimentos peristálticos são mesmo fome e passará a chorar agora a cada
três horas, impondo a essas sensações o ritmo que fará delas, como quer sua mãe, uma
estrutura completa e acabada chamada fome. Ou seja, “houve um encontro com um Outro,
que significou para o bebê algo que esse bebê deduziu da angústia e que lhe deu nome” (2007,
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p.141). Trata-se aqui de “uma violência interpretativa fundante. É uma imposição do
simbólico, da linguagem, sobre o corpo” (2007, p.141). É como se a mãe estivesse falando “O
que você está sentindo se chama assim e não se fala mais nisso”.
O importante a ressaltar nessa visão psicanalítica é o fato de que esta imposição
“embora tenha um caráter violento por ser cortante, incisiva, sem meias medidas, é, de outro
lado, não arbitrária” (2007, p.142). O agente da imposição está submetido à imposição de uma
Lei, de uma ordem, de uma sexualidade, de uma interpretação por conta da “necessidade de
impor uma restrição ao desejo materno” (2007, p.142). Ou seja, quando estamos falando de
violência na educação, não estamos nos referindo a pais violentos, mas sim do caráter
violento que existe no estabelecimento da Lei. De acordo com Kupfer (2007), “esta é a
violência da educação, inevitável e estruturante. Um outro nome para ela é: violência
simbólica” (p.142). Esta violência se apresenta no sujeito a todo instante, “a cada passo, em
cada situação de aprendizagem, a cada confronto com o limite, com o não, com a morte”
(p.142).
Já Adorno, diferentemente de Kupfer, irá discorrer a respeito de uma violência
representativa da dominação sobre a subjetividade e não como algo necessário e estruturante.
Poderemos compreender melhor este movimento dialético no livro “Educação e
Emancipação”. Neste livro ele questiona qual o papel da Educação, quem iremos formar e
critica a massificação da indústria cultural. De acordo com Adorno (1995, p.25): O travamento da experiência deve-se à repressão do diferenciado em prol da uniformização da sociedade administrada, e à repressão do processo em prol do resultado, falsamente independente, isolado. Estas seriam as características da “semi-formação”.
Diante disto, há uma realidade imposta pela sociedade, onde os sujeitos são
transformados em coisas. O movimento é para que a educação seja um exercício da razão para
uma possível liberdade, criando assim sujeitos críticos, reflexivos e autônomos. Segundo
Adorno (1995, p.27): Não há sentido para a educação na sociedade burguesa senão o resultante da crítica e da resistência à sociedade vigente responsável pela desumanização.
Podemos dizer, portanto, que Kupfer chama de violência tudo aquilo que nós não
concebemos como violência. Não é uma violência física, é uma violência onde o adulto traz
as coisas prontas para a criança. É uma transmissão que ela aponta como necessária e inerente
à vida humana. Adorno nos traz um conceito de violência mais próximo daquilo que
conhecemos. É uma violência gerada pela desigualdade. Sendo assim, podemos dizer que,
durante a brincadeira, o adulto pode manter uma postura de deixar a criança mais livre, ou
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pode manter a ordem da obediência. Dependendo da postura do adulto, o jogo simbólico pode
comportar essas duas possibilidades.
O brinquedo e o brincar no livro “Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a
educação” de Walter Benjamin formam um par dialético que traduz o relacionamento entre
adulto e criança discutidos também sob a ótica de Kupfer e Adorno. Apesar da coletânea de
Benjamin englobar textos de 1913 a 1932, ela está revestida de uma grande atualidade. No
capítulo sobre “Brinquedos e jogos”, ao relatar sobre o quanto o brinquedo é condicionado
pela cultura econômica e também pela cultura técnica das coletividades, Benjamin (2002,
p.100) diz: Mas, se até hoje o brinquedo tem sido demasiadamente considerado como criação para a criança, quando não como criação da criança, assim também o brincar tem sido visto em demasia a partir da perspectiva do adulto, exclusivamente sob o ponto de vista da imitação.
Podemos considerar então que a brincadeira de faz-de-conta é uma dialética por si só.
Isto porque a criança, ao brincar, busca realizar uma ligação entre a sua infância e a vida
adulta, imprimindo a sua fantasia e transportando o seu mundo para o mundo adulto, o qual é
tido como referência em suas brincadeiras.
O faz-de-conta, brincadeira marcada pelos acontecimentos e relações vividas pelas
crianças, é uma atividade fundamental na Educação Infantil, já que esta a acolhe do ponto de
vista afetivo, social e cognitivo. De acordo com Wajskop (2005, p.25): A brincadeira é uma atividade humana na qual as crianças são introduzidas constituindo-se em um modo de assimilar e recriar a experiência sócio-cultural dos adultos.
Considerando que a brincadeira é de fato um espaço de aprendizado sócio-cultural
localizado no tempo e no espaço, é importante discutir como são organizadas estas
brincadeiras e qual a postura dos adultos em relação às crianças nestes momentos. Além
disso, necessitamos refletir a respeito das perspectivas que existem para a brincadeira,
levando em consideração a fronteira existente entre a liberdade e a normatização.
Em muitas escolas da Educação Infantil, os momentos dedicados ao brincar têm sido
deixados para um segundo plano, concentrando-se na hora do recreio. Neste momento, ou o
professor assume a direção das brincadeiras, na sua maioria da escolha do adulto, ou as
crianças ficam soltas sob o olhar atento do professor, preocupado apenas com a segurança dos
alunos. Sendo assim, as crianças ficam livres, e os professores ignoram todo e qualquer tipo
de brincadeira que elas trazem de casa. Temos então aqui duas posturas: uma cerceadora e
uma espontaneísta, respectivamente.
Por conta disto, de acordo com Wajskop(2005, p.26):
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Atualmente, desenvolve-se um debate em nível internacional e brasileiro sobre a função das instituições coletivas infantis, incluindo aí creches e pré-escolas, buscando superar a dicotomia entre socialização/escolarização e brinquedo/trabalho.
O caminho até então percorrido me levou a pensar em qual seria o papel do educador
quando trabalha com o jogo simbólico nas escolas de Educação Infantil. Dependendo da
intervenção do professor, esta pode ser muito semelhante à de um terapeuta em situação
clínica.
A discussão a respeito da fronteira entre a vertente pedagógica e a psicológica é
bastante pertinente neste momento, visto que a brincadeira de faz-de-conta favorece e permite
a mescla de intervenções tanto na ordem do psicológico quanto na ordem do pedagógico. Isto
porque, quando nos referimos à brincadeira de faz-de-conta, estamos dialogando com o
universo da fantasia e dos desejos da criança. Dois limites aqui podem ser destacados em
relação à intervenção do adulto: este pode tanto mergulhar na fantasia com a criança quanto
ingressar com um olhar de terapeuta, o qual, muitas vezes, está viciado em um distanciamento
para ela. Qual seria então o elemento necessário para se garantir o desenvolvimento pleno da
criança durante a brincadeira de faz-de-conta? Que postura deve o adulto assumir? Quais são
as intervenções mais adequadas neste momento?
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como conclusão, pretendo fazer uma síntese dos principais pontos a que a discussão
feita no desenvolvimento nos levou e levantar algumas perspectivas sobre a formulação que
elaborei durante o trabalho.
Freud e Vygotsky discorrem sobre um mesmo fenômeno, porém com intenções
distintas. Freud fala de um desejo inconsciente, enquanto Vygotsky discute a tentativa da
criança dialogar com o mundo adulto. Podemos aqui refletir acerca da fronteira existente o
pedagógico e o psicológico, onde Vygotsky nos auxilia na reflexão referente ao pedagógico e
Freud ao psicológico. Se pensarmos em intervenções durante o jogo simbólico, ambos os
autores pensam de maneiras bastante distintas. Freud fala de um desejo inconsciente,
superação de situações traumáticas, enquanto que Vygotsky discorre a respeito da importância
da mediação simbólica neste momento.
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Porém, algumas convergências entre os autores também podem ser apontadas. Ambos
evidenciam uma compreensão dialética das relações entre sujeito e sociedade, situando o
brincar dentro de uma perspectiva social. O indivíduo só é indivíduo, porque ele está em um
contexto social.
Estas reflexões conduziram-me a um outro problema. Em um primeiro momento,
vislumbrava para as considerações finais somente apontamentos e articulações entre as teorias
de Freud e Vygostsky, assim como mencionei no início do texto como um dos meus
objetivos.
Durante o processo de escrita, algumas questões foram se transformando e tomaram
um rumo totalmente diferente daquele que eu imaginava anteriormente. A introdução dos
conceitos de emancipação, controle e da fronteira entre o pedagógico e psicológico
deslocaram-me para novas perguntas e mobilizaram a discussão para o campo da Educação.
Quais as concepções de brincar e criança que têm permeado as diversas práticas atuais e suas
implicações educativas? A brincadeira é de fato um espaço de aprendizado sócio-cultural
localizado no tempo e no espaço? Em que medida as escolas estão permitindo às crianças uma
interação lúdica? Qual o papel que os adultos ou professores têm desempenhado para a
mediação da brincadeira neste contexto?
A meu ver, o professor deve considerar a perspectiva da criança, sempre aprendendo
com a mesma. Esta relação implica em um diálogo, considerando que o adulto está em um
lugar e a criança em outro. É uma relação de assimetria neste sentido, onde criança e adulto
estão em posições distintas, mas sempre dialogando, se comunicando, o que não implica um
autoritarismo. É uma relação de mediação, onde o adulto está atento às necessidades das
crianças, sempre buscando compreender o mundo em que vivem.
Hoje em dia, observa-se a grande dificuldade que as escolas de Educação Infantil
encontram para fazer um trabalho educacional de qualidade. Abordando este trabalho pela via
do brincar, o que se vê nestas escolas são crianças reprimidas como alunos, dos quais se
espera obediência, silêncio, submissão às regras e rotinas e passividade. Descarta-se assim a
criança curiosa, criativa, ativa, ansiosa por novas experiências e pelas oportunidades de
interagir com outras crianças e com o ambiente.
Penso que a prática educativa necessita ser baseada na brincadeira como forma de
interação social e como linguagem que promove a criatividade e imaginação das crianças. A
escola necessita acolher as crianças cuja atividade fundamental, do ponto de vista afetivo,
social e cognitivo seja a brincadeira de faz-de-conta, marcada pelos acontecimentos e relações
vividas por elas.
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Em relação ao papel do adulto, para se garantir o aparecimento da brincadeira
independente e não controlada, penso que este necessita ser elemento integrante e mediador
das brincadeiras. O adulto precisa sempre acolher as brincadeiras das crianças, estar atento às
suas questões, auxiliando-as nas suas reais necessidades e buscas, em compreender o agir
sobre o mundo em que vivem. Tais ações mediadoras implicam no adulto um olhar sensível,
elemento este imprescindível na composição de um bom educador.
Sendo assim, finalizo o trabalho com uma frase de Wajskop (2005, p.111) que
explicita, de certa maneira, aquilo que penso sobre o brincar: A brincadeira não é espontânea nem natural na infância, mas é resultado de aprendizagem, dependendo de uma ação educacional voltada para o sujeito social criança.
REFERÊNCIAS
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FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996a. v. 12.
FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996b. v. 18.
GALVÃO, Izabel. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. Petrópolis. Vozes, 2003. GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo. Freud e o inconsciente. Rio de Janeiro. Jorge Zahar, 2004. JOBIM e SOUZA, Solange. Infância e linguagem: Bakhtin, Vygotsky e Benjamin. Campinas, Papirus, 1994. KUPFER, Maria Cristina. Educação para o futuro. 3ª edição. Psicanálise e educação. São Paulo: Escuta, 2007.. MASCARENHAS, Pedro. Do fort-da ao objeu jogando com fios de um campo conceitual. Disponível em:
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OLIVEIRA, Marta Kohl. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. São Paulo. Scipione, 1997. REGO, Teresa Cristina. Vygotsky, uma perspectiva histórico-cultural da educação. Rio de Janeiro. Vozes, 1994. VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo. Martins Fontes, 1991. WAJSKOP, Gisela. Brincar na pré-escola. São Paulo: Cortez, 2005.