Monografia Morte e Morrer
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1.MORTE E MORRER
A morte um fenmeno nem sempre previsvel mas certo Desde o
nascimento, a nica certeza que nos acompanha a todos ao longo do ciclo de
vida. Pacheco (2002) descreve-a como um fenmeno extremamente complexo,
uma vez que est sempre presente ao longo da nossa vida, mas por outro,
parece manter-se radicalmente ausente enquanto vivemos, pelo que, a morte
-nos simultaneamente prxima e distante. A morte surge nos dias de hoje
como um acontecimento medonho, pavoroso, um medo universal, continuando
a ser associada a um acontecimento negativo adjectivado como algo trgico,
sinistro, e/ou terrvel. Esta tragdia, espelha-se no habitual comentrio que
tantas e tantas vezes fazemos face notcia de morte: morreu!?... de qu?...
constituido-se como um verdadeiro tabu nos dias de hoje (KUBLER-ROSS,
1991). Procuramos quase sempre uma razo, uma explicao, um motivo, uma
justificao, recusando desta forma o princpio de que a morte parte
integrante da vida (HENNEZEL e LELOUP, 1998). Ao encararmos a morte
como um revs ou uma contrariedade, promovemos um comportamento tipo
em que se a evita, a ignora, a oculta, ou a sonega de toda e quaisquer
maneiras. De forma consciente ou inconsciente envolvemo-la num manto de
mistrio e misticismo conferindo-lhe uma natureza metafsica (ARIS, 1989,
p.10), promovendo uma conspirao silenciosa em redor da morte (KUBLER-
ROSS, 1991, p.19). Ao reduzi-la a um mero facto banalizamo-la, ao
escamote-la insistentemente esterilizamo-la, e assim contribumos directa e
indirectamente para a sua desumanizao. Paradoxalmente, quanto mais
avanamos na cincia, mais parece que tememos e negamos a realidade damorte (KUBLER-ROSS, 1991, p.19).
Torna-se ento vital procurar entend-la como algo natural, conhecer como
reage o doente e famlia, indagar sobre como os profissionais de sade reagem
morte, de forma a promover uma nova humanizao do cuidar. Torna-se
necessrio reinventar uma nova ars moriendi, de forma a que o Homem
enfrente a sua prpria morte e a do outro, de um modo mais consciente e
salutar. Este um domnio em que o profissional de sade deve cada vez maiscumprir o seu propsito, procurando no s se desenvolver enquanto
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profissional e enquanto pessoa. Deste modo, permitir aceitar o irracional,
entender o bvio e explanar com a clareza e a lucidez que lhe permitida, os
segredos que a morte envolve, preenchendo as lacunas e os hiatos
remanescentes, de forma a cuidar de forma digna e humana.
1.1 A morte atravs dos tempos
Desde os primrdios dos tempos o Homem debateu-se com a morte e o
mistrio da sua finitude. Embora aparentemente imvel, a morte e o morrer
enfrentaram profundas alteraes na sua natureza, provocando modificaes
lentas e graduais nas atitudes do Homem perante a mesma (ARIS, 1989).
Na antiguidade, a morte era na sua maioria, excepto causas acidentais, algo de
esperado e por isso algo anunciado pelo que no se morria sem se ter tido
tempo de saber que se vai morrer (ARIS, 1989, p.19). Avisada atravs de
sinais naturais e/ ou convices ntimas que conduziam o Homem ao
reconhecimento espontneo da sua finitude, a morte surgia como um sinnimo
de um acontecimento quer social quer comunitrio. Sendo-lhe conferido o grau
de cerimnia pblica, o indivduo aguardava pela sua morte no seu ambiente
domstico e acolhedor, rodeada de famlia e amigos , fechavam-se as
persianas do quarto do agonizante, acendiam-se velas, usava-se gua benta; a
casa enchia-se de vizinhos, parentes, de amigos srios e outros que
cochichavam (ARIS, 1988, p.309). Era uma morte acompanhada, onde a
pessoa era dona e senhor absoluto da sua morte e das circunstncias do
morrer( ARIS, 1989, p.24). Os rituais cerimoniais que envolviam a morte
eram caracterizados pela simplicidade, sendo isentos de dramatismos e/ou
emoes excessivas, em que o maior terror era morrer repentinamente sem as
homenagens cabidas (KOVCS, 1992, p.33). A morte era assim aceite e
encarada com naturalidade, pelo que se morria em paz e de forma digna
(KUBLER-ROSS, 1991).
Em meados do sculo XIX, com o desenvolvimento industrial e o avano
tcnico-cientfico da medicina, a viso da morte comea a modificar-se. De
forma progressiva, o Homem comea a desenvolver uma crescente intolerncia
face aos mortos e a tudo o que morte concerne, sublinham-se mesmo os
seus aspectos desgostantes (ARIS, 1988, p.319), revela-se um espectculo
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nauseabundo (ARIS, 1988, p.320). A morte perde a sua conotao
domstica e torna-se invertida (ARIS,1988). O desenvolvimento do
capitalismo transforma o corpo humano num mero instrumento de produo, no
qual adoecer significa necessariamente inactividade parar de produzir
sendo que neste contexto tanto a doena como a morte devem ser ocultadas
do mundo social, dessocializadas (SAPETA e LOPES, 2007). Paralelamente
emergem questes pioneiras de Sade Pblica, onde emanaes pestilentas,
odores infectos e multides invadindo o quarto de moribundos se torna algo
inconcebvel, e como tal, um comportamento a erradicar. A famlia e a
comunidade, em tempos to atenciosa face ao moribundo, sob o pretexto de o
poupar a um maior sofrimento, inicia um processo de silenciamento da
verdade, escondendo a gravidade do seu estado de sade, de modo a evitar o
incmodo e a emoo (ao prprio e aos outros) causados pela notcia de morte
(ARIS, 1988).
Este culto da ignorncia hermetizao do doente privando o Homem dos
seus mais bsicos direitos, promoveu uma rpida e galopante desumanizao
da morte, pelo que, no se ousa pronunciar o seu nome conspirao do
silncio (KUBLER-ROSS, 1991, p.19), e falar sobre a mesma mrbido,
tornando-se objecto de um interdito (ARIS, 1989, p.55).
Hoje em dia, a morte sinnimo de tabu e basta nome-la para promover uma
tenso emocional (KUBLER-ROSS, 1991). Este pudor emergente que a morte
passou a inspirar, tornou-a no s inconveniente como tambm indecente,
algo vergonhoso (ARIS, 1989, p.55).
Torna-se assim imprprio e incmodo morrer em casa, pelo que se verifica um
deslocar da morte para a instituio hospitalar. Inverte-se desta forma uma
concepo milenar, uma vez que a morte recuou e trocou a casa pelo hospital:est ausente do mundo familiar do dia-a-dia. O Homem de hoje, em
consequncia de no a ver suficientes vezes e de perto, esqueceu-a
(KUBLER-ROSS, 1991, p.182). Segundo Kubler-Ross (1991), trocou-se a
quietude e o sossego do lar pela azfama e o corrupio dos hospitais, e desta
forma, a morte perde o seu carcter cerimonial, resumindo-se hoje apenas a
um fenmeno meramente tcnicoInstitucionalizou-se a morte!
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1.2 A institucionalizao da morte
A negao da morte hoje uma das verdades inconvenientes da nossa actual
sociedade. A morte surge hoje sobre diferentes manifestaes - na violncia
das grandes urbes, nas guerras entre naes, mediatizada na televiso e na
imprensa escrita invadindo o nosso quotidiano diariamente. Contudo,
permanece ainda como um tabu, um enigma que nos persegue, uma realidade
que desconhecemos (HENNEZEL, 1997) e agimos como se ela no existisse
(KOVCS, 1992).
O sentimento de repulsa pela morte, legitimizou a sua deslocao (num
passado recente) para as instituies de sade, a sociedade dessocializou a
morte e encurralou-a nos hospitais ou noutras instituies (SAPETA, 1999).
Aos hospitais, imbudos de um esprito por vezes de salvao, recorrem
doentes e seus familiares em busca de um lugar que os atenda e solucione os
seus problemas de sade, em busca de uma to desejada cura. No entanto,
pelas mais variadas razes existem indivduos que encontram no hospital a
morte como resultado final da sua doena, o fim do seu ciclo de vida. O
hospital converte-se deste modo no lugar da morte moderna, submergindo o
incmodo que a mesma produz na organizao da vida diria, e banido-a doquotidiano (ARIS, 1989).
Escobar (1990) citado por Moritz (2002), resume a morte modernizada no
sc.XX, segundo cinco caractersticas: um acto prolongado gerado pelo
desenvolvimento tecnolgico, um facto cientfico produto do aperfeioamento
da cincia e da tcnica, um facto passivo em que as decises pertencem aos
mdicos e aos familiares mas no aos doentes e um acto profano, no
atendendo s crenas e valores do paciente e por fim a um acto de isolamentopois o ser humano morre socialmente desacompanhado, em solido. O
ambiente hospitalar, tal como preconizado durante sculos, ao invs de ser
mais hospitaleiro do que o lar, no o (FOUCAULT, 2004). O doente e a sua
famlia encontram nele um meio hermtico e esterilizado, extremamente
tcnico, insensvel e aptico, indiferente e imperturbvel, muitas vezes
medicalizado ao extremo. De acordo com Kubler-Ross (1991) o hospital um
centro mdico por excelncia, um centro da razo e da tcnica, dominado por
uma cultura biomdica, centra a sua actuao principalmente na preservao
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e/ou recuperao da sade, e assim, fortemente orientada para a vida. Curar
a doena e combater a morte tornou-se desta forma o seu legado, pelo que,
consciente ou inconscientemente, a sociedade prolonga os doentes o mais
possvel, mas no os ajuda a morrer (ARIS, 1989, p.186). Nesta etapa
singular da sua vida, enquanto caminha a passos largos para o terminus da
sua existncia fsica, o doente confrontado com realidades at ento
desconhecidas, muitas vezes s e alienado, desamparado e desacompanhado,
sem ningum que compartilhe o medo, a angstia, o sofrimento ou quem
sabe, a paz e a alegria de quem parte (SAPETA, 1999). Envolvido por uma
atmosfera adversa e estranha, no familiar, um ambiente solitrio, mecnico e
desumano como descreve Kubler-Ross (1991), o doente deixa de ter controlo
sobre si, sobre a sua prpria vida e concomitantemente sobre a sua morte.
Desta forma, comea a ser tratada como um objecto() deixa de ser pessoa
(KUBLER-ROSS, 1991, p.20), privada e/ou impossibilitada de expressar as
suas vontades, desejos, sentimentos e emoes, enfim, inibido dos seus mais
elementares direitos (Elias, 2001).
So ento os profissionais de sade os senhores do momento (KUBLER-
ROSS, 1991, p.57), uma vez que so eles que decidem o qu, porqu, como,
quando, quem, onde, enfim, so eles que definem o dia a dia do indivduo,
crendo incansavelmente, mesmo perante provas inequvocas, na imortalidade
e perpetuidade do ser humano. Este paradoxo materializado quando os
profissionais de sade, alheados da realidade, mantendo as suas rotinas
dirias, crem sem dvida alguma que a cincia e a tcnica, em quem confiam
cegamente, os ir, mais uma vez, ajudar a solucionar este problema (Kubler-
Ross, 1991).
No entanto, os progressos da medicina no conseguem suprimir a morte, e osaber nem sempre tem soluo para tudo, pelo que preciso reconhecer no
dia a dia de que todo o conhecimento limitado, tal como limitada a
existncia do ser humano - a falta de omnipotncia, nossas limitaes, nossas
falhas, e por ltimo mas no menos importante, nossa prpria mortalidade
(KUBLER-ROSS,1991, p.21). No obstante o tabu da morte, a grande utopia
do sc. XXI, projecta-se no sonho da imortalidade, que nunca foi to vivido e
revivido pela medicina e acariciado pela sociedade, uma vez que, o homemno aceita a morte, afirma-se diante da morte com a crena na imortalidade
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(MORIN, 1988, p.99). Paradoxalmente, quanto mais avanamos na cincia,
mais parece que regredimos na assistncia ao prximo, descurando os
cuidados mais simples e bsicos ao ser humano, nomeadamente no que
concerne ao seu conforto e bem estar, e na promoo de uma melhor
qualidade de vida. A ideia propalada de caridade, assistncia, bondade,
generosidade, auxlio, apoio, amparo, ajuda, compaixo e humanidade como
que esquecida algures no tempo. Com uma perspectiva redutora do binmio
sade-doena, os profissionais de sade tentam a todo o custo adiar a morte,
vivenciando-a como uma derrota, um fracasso, um insucesso, a morte no
mais considerada um fenmeno natural e inevitvel, fatal e indeclinvel, mas a
incapacidade tcnica em vencer o destino espelhando a impotncia e a
impercia (KOVCS, 1992, p.38) sob o Homem e o seu saber.
solicitado aos profissionais de sade uma nova atitude, pois eles tm a
responsabilidade na facilitao do processo de morte dos doentes (KOVCS,
1992). Com a morte, no o fim que se aproxima mas o comeo de uma fase
mpar na vida do doente/ famlia, para a qual a equipe de sade dever estar
adequadamente preparada, pois muito ainda falta fazer quando se acredita que
no h mais nada a fazer (Abiven, 2001). Nesta fase o objectivo fundamental
para o paciente muda da recuperao para o conforto (GLASER e STRAUSS,
2005, p.177). necessrio entender a morte, de modo a que a mesma possa
ser encarada com o verdadeiro significado que a prpria encerra, porque
aceitar a morte no negar a vida , to s mais uma etapa das nossas vidas,
e qui a mais simblica (HENNEZEL, 1997).
1.3 O homem perante a morte
A morte um dos fenmenos que mais dilemas gerou em toda a histria do
homem. Diferentes filsofos, antroplogos, socilogos, e varios pensadores
fizeram inmeras elucubraes/ meditaes/ cogitaes sobre este fenmeno
biopsicosocioespiritual e do mistrio que o envolve. No entanto, e para a
grande maioria das pessoas, a morte ainda encarada como um
acontecimento alheio, distante da nossa realidade, desconhecido do nosso
quotidiano e consequentemente associado a uma interveno maligna fora do
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nosso alcance (KUBLER-ROSS, 1991, p.6).
A morte enquanto grande fracasso da humanidade resulta do facto de lhe
conferirmos essa banalizao / trivializao, quando nem sequer nos
indignamos (KOVCS, 1992), e desta forma esquecemo-nos de encar-la, de
discuti-la, de conhec-la, de entend-la, de melhor trabalhar os conceitos e
elaborar os meios mais salutares, adequados e apropriados para com ela lidar,
agindo de forma eufemstica quando nos referimos queles que morrem - no
podemos olhar directamente para a morte o tempo todo, mas tambm no
podemos ignor-la (KOVCS, 1992, p.25).
Estudos recentes recuperaram a sua importncia e popularidade,
revalorizando-a, procurando entender os processos inerentes mesma, e
assim desmistificar a ideia de que a morte parte da vida (KUBLER-ROSS,
1991). Presentemente, o homem trata a doena com naturalidade mas o
morrer ainda como algum fatalismo, como algo selvagem ou antinatura,
estando tais atitudes imbudas no seu cerne de algum pessimismo existencial,
negador da morte. Em suma, continuamos a temer e a negar a realidade da
morte, quer na sua forma fim de ciclo de vida, quer no seu contedo -
processo que a mesma encerra (KUBLER-ROSS, 1991).
Impe-se deste modo uma grande necessidade de compreender e lidar com os
problemas da morte e do morrer, como defende Kubler-Ross (1991), sendo que
a dificuldade no reside apenas na forma como lidamos com a morte
propriamente dita, mas sim com a pessoa que a vivencia, e na forma como
aqueles que com ela convivem a encaram.
Presentemente, o verdadeiro desafio est em entender este processo, as
variveis que o medeiam e todas as dinmicas que o envolvem. Para isso,
muito ajudaria se as pessoas conversassem sobre a morte e o morrer comoparte integrante da vida (KUBLER-ROSS, 1991, p.149) e criassem o hbito
saudvel e no mrbido, de o fazer, de quando em vez, antes de nos
defrontarmos com ela (KUBLER-ROSS, 1991, p.40), antes do encontro
final Elias (2001, p.10) sintetiza a ideia ao referir que a morte um
problema dos vivos. Os mortos no tm problemas.
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1.3.1 Modelos conceptuais
Vrios modelos conceptuais do processo morte/ morrer foram propostos num
passado recente, destacando-se entre os demais as abordagens tericas deKubler-Ross, Weisman, Glaser e Strauss.
1.3.1.1 Modelo Terico de Kubler-Ross
Elizabeth Kubler-Ross (1991) props um modelo terico, com base em estudos
realizados junto de doentes terminais, segundo o qual os doentes passam de
forma progressiva por cinco estdios emocionais: a negao, a raiva, a
negociao, a depresso e a aceitao.
Anegao caracterizada pela reaco inicial do doente face notcia. Esta
pode configurar um estado temporrio de choque do qual se recupera
gradualmente, como que uma anestesia psquica (KUBLER-ROSS, 1991
p.52). um comportamento de defesa instintivo, varias vezes associado a um
sentimento de desconfiana face veracidade do diagnstico - no, no pode
ser verdade - da poder prolongar-se enquanto so requeridas novasavaliaes, opinies e/ou exames, at se confirmarem as suspeitas inaugurais,
iniciando-se ento um processo de progressiva consciencializao da sua
mortalidade. A negao/evitamento a reaco mais sentida por aqueles que
lidam com a situao de morte a prazo, permitindo aos mesmos continuar as
suas actividades de vida diria e apreciar o tempo que lhes resta sem carregar
continuamente o a ideia negativa que associada morte. Quando o evitamento
se torna exclusivo e por demais persistente, pode tornar-se inapropriado eproblemtico.
Seguidamente, o doente substitui a negao por sentimentos de raiva, de
revolta, de inveja e de ressentimento (KUBLER-ROSS, 1991, p.61),
espelhando esta hostilidade face injustia/ crueldade do diagnstico
porqu eu?... atravs de projeces que o rodeiam, de comportamentos de
agressividade e intolerncia. Mesmo que muitas vezes sem razo plausvel, os
sentimentos do doente devem ser respeitados e compreendidos como umaatitude racional, contudo no devem ser fomentados.
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Quando a negao, o isolamento e a raiva deixam de ter suporte emocional
para o indivduo, este inicia um processo de negociao numa tentativa de
adiamento atravs do estabelecimento de acordos mas see se - de
modo a prolongar a sua vida e/ou diminuir o sofrimento por si vivenciado. Este
estadio est frequentemente associado a questes metafsicas e/ou religiosas.
Continuamente, seu alheamento e estoicismo, sua revolta e raiva, cedero
lugar a um sentimento de grande perda (KUBLER-ROSS, 1991, p.95), o
individuo envolto por sentimentos de depresso, desiluso, vergonha e culpa,
experienciando como que um luto pr preparatrio. Kovcs (1992) descreve
este perodo pela autodescriminao, autodesvalorizao e paralisao. Trata-
se de uma atitude evolutiva, na medida em que negar no adiantou, assim
como agredir, revoltar-se e/ou mesmo negociar, pelo que emerge surge um
sentimento de enorme privao, de tudo aquilo que no mais possvel, do
seus limites fsicos enquanto ser humano. o sofrimento e a dor psquica de
quem percebe a realidade que caracteriza a finitude da existncia humana , um
quadro clnico associado ao desnimo, ao desinteresse, apatia, tristeza, ao
choro e ao desespero. De acordo com Kubler-Ross (1991) a depresso torna-
se benfica, pois atravs dela que progressivamente o doente interioriza o
seu verdadeiro estado de sade, tomando plena conscincia da sua debilidade
fsica, e quando as perspectivas da morte so claramente sentidas.
A aceitao o estadio final, e caracterizado pelo facto de o doente enfrentar
e /ou encarar a morte como inevitvel, aceitando o seu destino e preparando-
se conscientemente para morrer. Neste estadio, o doente reorganiza-se fsica e
psicologicamente, incorporando a ideia de morte. No entanto, alguns
indivduos, lutam at ao fim, que se debatem e se agarram esperana,
tornando impossvel atingir este estadio de aceitao (KUBLER-ROSS, 1991,p.121).
de destacar que a autora no enuncia uma ordem cronolgica sequencial
inflexvel para a ocorrncia destas manifestaes/estadios. No seu entender,
tero durao varivel, um substituir o outro ou se encontraro, s vezes,
lado a lado (KUBLER-ROSS, 1991, p.145), alegando que o conhecimento/
reconhecimento precoce destes estadios permite a quem acompanha o doente
terminal a sua melhor compreenso e a mobilizao dos esforos/ apoiosnecessrios para a sua superao.
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1.3.1.2 Modelo Terico de Weisman
Weisman (1972), props uma abordagem terica alternativa a de Kubler-Ross
(1991), partindo do pressuposto de que o modelo de Kubler-Ross descreve
reaces comuns perda e no estadios da doena terminal. Weisman (1972)
postula a existncia de quatro estadios cognitivos flexveis que o doente
experiencia na fase de fim de vida: a angstia/ aflio existencial, o alvio/
acomodao, o declnio/ deteriorao e a preterminalidade/ terminalidade.
Segundo o autor, a angstia/aflio existencial o estadio primrio em que o
doente terminal experiencia um choque emocional ao tomar conhecimento da
sua mortalidade. Seguidamente, o doente vivenciar um estadio em que tenta
regressar sua vida normal aps o conhecimento da natureza terminal da sua
doena, no entanto, e com o evoluir da mesma e do tratamento institudo, estes
comeam a exercer um domnio/ controlo absoluto sobre a sua vida. De forma
progressiva a vida do indivduo comea em declnio/ deteriorao, os seus
desejos e ambies no so mais possveis e realizveis, e a sua vida
progride para um estadio terminal no qual o tratamento no mais eficaz e amorte se torna eminente.
Weisman (1972) citado por Kovcs (1992) enuncia ainda que a aco
teraputica a instituir quando a cura do doente impossvel deve centrar-se
fundamentalmente no alvio e bem estar do indivduo, apostando na sua
qualidade de vida. Para Weisman (1972), o medo de morrer menos
angustiante do que o receio por parte do indivduo de se sentir s, votado ao
abandono e solido neste momento mpar da sua vida.
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1.3.1.3 Modelo Terico de Glaser e Strauss
Glaser e Strauss (2005) defendem nos seus pressupostos tericos sobre a
influncia do conhecimento acerca da doena (consciencializao entre aspessoas envolvidas) no desenvolvimento de padres interaccionais com o
doente terminal a existncia de quatro padres: consciencializao fechada,
suspeio, decepo mtua e consciencializao aberta.
De acordo com estes autores, aquando a consciencializao fechada o doente
no reconhece a sua morte eminente, mesmo quando toda a gente o faz. Na
suspeio, o doente suspeita que os outros sabem e ocultam deliberadamente
informao relevante, tentando confirmar ou invalidar as suas suspeitas. Na
decepo mtua, tanto o doente como os demais envolvidos, tm conscincia
da gravidade do estado de sade do mesmo e da sua morte, no entanto
interagem entre si no pressuposto que a outra parte desconhece seu
verdadeiro estado. Na consciencializao aberta, quer o paciente, quer todos
os que o rodeiam, sabem em conformidade que a morte est eminente.
A concluso a que chegaram nos seus estudos, foi a de que o tipo de
consciencializao entre as diferentes partes envolvidas no processo de morte/
morrer apresenta um impacto significativo nos padres interaccionais sociais
que o doente mantm com as demais partes envolvidas (amigos, famlia e
profissionais de sade). Os padres de comunicao/ informao partilhada
assumem um papel decisivo na forma como todos entendem o processo de
morte e o encaram.
Menezes (2004) defende que os estudos de Glaser e Strauss foram pioneiros
na ideia de ocultamento da verdade ao doente terminal. No entanto, este
ocultamento no visaria proteger o doente do seu destino, mas sim proteger a
vida, a rotina e a cultura organizacional hospitalar da crise que representa a
irrupo imprevista de manifestaes emocionais decorrentes do conhecimento
da proximidade da morte.
Neste domnio, embora os modelos de Kubler-Ross e Weisman sejam vlidos
no campo emocional e cognitivo, Glaser e Strauss afirmam que a ideia de
consistncia destes campos deve ser constantemente avaliada considerando
concomitantemente uma varivel essencial: o contexto das relaesinterpessoais do doente.
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1.3.1.4 Abordagem Integrativa proposta por Tomm, Williams e Matheson
Tomm, Williams e Matheson (1976) enunciam que embora qualquer um dos
modelos anteriormente descritos providencie perspectivas valiosas sobre a
natureza do processo de morte/ morrer, os mesmos, isoladamente, apresentam
limitaes de alcance, profundidade e aplicabilidade.
ao abordar integradamente/ conjuntamente todos estes modelos
componentes emocional, comportamental, cognitiva e interaccional no s a
nvel individual mas tambm a todos aqueles que directa e/ou indirectamente
lidam com este dilema, que a compreenso/ entendimento global deste
processo se torna mais completa e abrangente, mais clara e precisa, mais
eficaz e eficiente, contribuindo decisivamente para um funcionamento
psicolgico mais saudvel e adequado de todos os envolvidos (KASTENBAUM
e AISENBERG, 1983).
Assim, Tomm, Williams e Matheson (1976), apresentam uma proposta
integrativa dos modelos de Kubler-Ross, Weisman e Glaser e Strauss
enunciando trs parmetros, os quais no seu entender, devem serconsiderados simultaneamente quando se pretende entender o processo de
morte/ morrer. So eles, a sequncia cronolgica dos acontecimentos, a
natureza das relaes interpessoais e as reaces do indivduo. Os mesmos
autores preconizam que atravs do conhecimento prvio dos dois primeiros
parmetros, possvel predizer o terceiro.
De acordo com os autores o primeiro parmetro foca a progresso / evoluo
dos acontecimentos relevantes, incidindo mais no plano fsico que no planopsicolgico. Neste contexto, Weisman (1972) citado por Kovcs (1992)enuncia
trs estadios de pr-morte referentes ao estado/ condio fsica do doente: o
conhecimento/ consciencializao primria da doena (o qual manifesta-se
desde o incio da sintomatologia at formulao do diagnstico), a doena
estabelecida (manifestando-se desde a formulao do diagnstico e
englobando todos os tratamentos realizados com o intuito de combater a
doena, sendo a cura ainda uma possibilidade), e o declnio final
(manifestando-se pela ineficcia dos tratamentos institudos e pela
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consciencializao da impossibilidade de cura, onde o tratamento activo
diminui, dando lugar/ nfase busca do alvio sintomtico a aos cuidados de
bem-estar e conforto).
Os limites destes estadios no so lineares, sendo que o incio da conscincia
primria pode revelar-se ambgua pela impreciso e indefinio dos sinais e/ou
sintomas. Estes ltimos podem emergir suspeitos, vagos e intermitentes,
dificultando a enunciao clara e precisa do tempo que marca o incio concreto
da consciencializao/ conhecimento. Similarmente, o diagnstico e
confirmao da doena como terminal podem desenvolver-se de modo gradual
e progressivo.
No que concerne ao contexto das relaes interpessoais emergem os modos
como a informao gerida / partilhada durante a sequncia / evoluo dos
acontecimentos anteriormente descritos. Assim, Glaser e Strauss (2005),
enunciam que as relaes interpessoais diferenciam-se em quatro grandes
grupos: no revelao, revelao parcial, comunicao aberta unilateral e
partilha mtua de informao e afectos.
A no revelao o tipo de relao que se desdobra quando a comunidade
mdica no informa directamente o doente sobre a natureza e severidade da
sua doena/ patologia. A revelao parcial desenvolve-se quando comunidade
mdica revela o diagnstico tcnico mas no elabora o prognstico, omitindo a
restante informao. A comunicao aberta unilateral desenvolve-se quando a
comunidade mdica inclui uma explicao da extenso da doena e das
complicaes que se perspectivam. A condio fsica e os sentimentos do
doente so discutidos abertamente, no entanto a comunicao unilateral no
havendo lugar ao envolvimento emocional por parte do profissional de sade.
Por ltimo, a partilha diferencia-se fundamentalmente da anterior pois ambosos intervenientes doente e profissional partilham e explicitam pensamentos
e emoes estabelecendo-se uma verdadeira relao de ajuda, que segundo
Hennezel (1997) deve ser baseada na empatia, na confiana e na
compreenso. Embora seja difcil de se desenvolver em meio clnico, este tipo
de relao frequente estabelecer-se entre familiares, sendo que durante o
perodo terminal o doente particularmente receptivo a este tipo de interaco,
podendo atravs dela adaptar-se mais adequada e apropriadamente situaoque o prprio experincia (Melo, 2005).
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De acordo com os trabalhos elaborados por Kubler-Ross (1991) destaca-se
que a maioria dos doentes gosta de ser informado e de estar consciente do seu
verdadeiro problema de sade, ter pleno conhecimento da situao, sendo que
ao providenciar a oportunidade de os enfrentar torna-se doravante no s mais
receptivo comunicao total/ partilha mtua, promovendo-a, como ainda
atravs do suporte/ apoio emocional que a mesma transmite, mais capaz de
lidar com sua prpria doena. Confirma-se deste modo, que o elemento vital da
partilha de informao no reside no contedo mas sim na forma como a
mesma revelada no contexto da relao de ajuda estabelecida (PHANEUF,
2005). Porm, as relaes baseadas na partilha requerem por parte dos
envolvidos, no s de tempo como de uma grande dose de energia emocional,
de modo a mant-las e desenvolv-las de forma continua e gradual at ao
momento da morte. De acordo com Chalifour (1989) toda a informao
partilhada prev um tempo adequado para o doente a assimilar, absorver,
digerir e interiorizar.
Esta abordagem holstica, deve no s focalizar os aspectos fsicos,
psicolgicos e sociais, como ainda os espirituais, sendo que na satisfao
destes ltimos que o doente muitas vezes, encontra o sentido da vida (MORIN,
1988). Puchalsky e Romer (2000) citados por Pessini e Bertachini (2004)
defendem a incorporao da histria espiritual nos registos clnicos,
particularmente em doentes terminais, permitindo deste modo oferecer aos
profissionais elementos contextuais para que no apenas compreendam
plenamente os doentes como atendam as suas necessidades espirituais.
De acordo com a sequncia cronolgica dos acontecimentos (ciclo da doena
terminal) e a forma como a natureza das suas relaes interpessoais so
plenamente entendidas, possvel antecipar algumas das reaces maisfrequentes que o mesmo experiencia.
Assim sendo, segundo Tomm, Williams e Matheson (1976) e em consonncia
com Kubler-Ross (1991), os comportamentos do doente terminal em qualquer
altura reflectem um de trs estadios: o evitamento, o tormento emocional e a
actividade adaptativa.
Evitamento o termo que no geral engloba os comportamentos observveis
que representam tentativas de evaso face ao assunto que o ameaa/atormenta/ amedronta. Todos os doentes terminais comportam-se desta forma,
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tentando minimizar com ele a dolorosa e imediata consciencializao das
perdas iminentes que a morte encerra.
O evitamento ajuda a proteger o paciente da intensa e momentnea
desorganizao emocional que gerada pelo significado que os mesmos
atribuem ao acontecimento em questo.
O profissional de sade deve ento intervir, pois a dificuldade em gerir o
estadio intermdio caracterizado pela tempestade emocional usualmente a
causa bloqueadora do movimento livre da actividade adaptativa. Atravs da
promoo de mais informao e mais partilha mtua, ele pode contribuir para
dissolver este bloqueio e/ou barreira (MELO, 2005).
Segue-se o tormento ou tempestade emocional, o qual geralmente
desenvolvido em resposta informao vinculada sobre a sua condio de
sade e suas implicaes. Muitos so os tipos de emoo experienciados pelo
doente dependendo essencialmente da sua individualidade e singularidade.
Esta atribuio de significado pode depender das suas experincias de vida
passadas, dos seus conhecimentos e das suas crenas, as quais so
altamente pessoais e idiossincrticas (WASS e NEIMEYER, 1995).
Alm do profundo medo da perda, a tempestade emocional experienciada pelo
doente pode ser devida consequente ruptura das suas actividades de vida
diria, das suas rotinas, da sua autonomia e independncia (KUBLER-ROSS,
1991).
Considera-se assim de fulcral utilidade que a mediao deste estadio
transitrio se associe ao desenvolvimento de relaes interpessoais, as quais
promovam os recursos individuais mais adequados e/ ou o suporte emocional
apropriado, de forma a contribuir para que o doente ultrapasse o estadio da
tempestade emocional de um modo mais eficaz e eficiente, ajustando-serealisticamente sua situao atravs do incentivo permanente expresso
dos seus pensamentos e emoes, ajudando-o a lidar e a ajustar-se com os
mesmos (GLASER e STRAUSS, 2005).
A actividade adaptativa pode ser entendida como o comportamento
considerado adequado numa determinada situao. Neste estadio a luta
contra a morte cessou (KOVCS, 1992, p.201) e esta adaptao pressupe
algum grau de aceitao da realidade, sendo que uma comunicaoidealmente total e a revelao da informao precocemente facilitam este
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processo de adaptao/ aceitao. Quanto mais informao revelada e
partilhada mais forte e apropriada ser a resposta adaptativa do doente
(KUBLER-ROSS, 1991).
Estes trs estadios / comportamentos podem ser considerados como
alternativas ao longo da processo dinmico negao-aceitao. Idealmente, o
movimento atravs deste binmio deve ser livre e flexvel, possibilitando ao
doente (quer individual quer atravs de suporte exterior), encontrar ele prprio
as respostas mais adequadas/ apropriadas e interioriza-las.
O profissional de sade pode e deve auxiliar nesta gesto de sentimentos e
emoes, atravs de um mecanismo de coaching clnico interventivo-
construtivo, englobando e incorporando primariamente e sempre que possvel a
famlia e as pessoas significativas para o doente neste processo.
Secundariamente, deve reconhecer de forma atempada as suas limitaes e
dificuldades, pelo que deve promover e dinamizar uma abordagem
multidisciplinar de modo a que todos em conjunto contribuam (cooperando
entre si) para um desenrolar de respostas o mais apropriado possvel
situao especfica ( CHALIFOUR,1989).
1.4 O enfermeiro perante a morte
Numa poca em que so desenvolvidos todos os esforos para que a vida seja
vivida na sua plenitude, verificamos que a morte, cada vez mais (ainda) um
tabu. De forma cultural, no estamos preparados nem educados para lidar
com a morte e o confronto com a mesma origina uma perodo de introspeco
caracterizado pela reflexo sobre o sentido da vida e sobre os nossos valores,
quando afinal estamos num mundo em que quase sempre evitamos estas
interrogaes (HENNEZEL e LELOUP, 1998).
Encarar a morte hoje em dia uma misso primordial para quem trabalha na
rea da sade, mais ainda devido ao avano da cincia, das tcnicas mdico-
cirrgicas, e do surgimento de novas tecnologias que permitem o
prolongamento da vida ignorando tantas vezes a qualidade da mesma. A morte
tornou-se hoje uma realidade omnipresente para quem com ela lida e cuida,
mesmo aqueles que ainda a percebem como uma grande ameaa sombria em
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que se aboliam o seu saber e as suas competncias o medo da morte a
me de todas as angstias e ao mesmo tempo o mote de toda a actividade
humana (BECKER, 1975).
Actualmente, verifica-se que um nmero crescente de indivduos, ao contrrio
do que acontecia no passado, morrem em contexto hospitalar, dissimulada por
biombos e cortinas, e privados da companhia daqueles que lhe so mais
prximos.
Formados (em contexto acadmico e em ensinos clnicos) numa lgica
biomdica tradicional, a qual procura fundamentalmente qualificar os
profissionais de sade no geral, e o enfermeiro em particular, para tratar, curar
e prolongar a vida numa perspectiva tecnicista (GLASER e STRAUSS, 2005),
dando pouca nfase em questes ligadas emoo (KOVCS, 1992, p.228)
origina a que a morte seja entendida como a imagem do fracasso da cincia e
da tcnica, pelo que frequente continuar a encarar a morte como um
falhano, como uma derrota, como algo que nem sequer era possvel
acontecer (NETO, AITKEN e PALDRON, 2004, p.41).
Ao lidar com o doente em fim de vida, e consciente da sua impotncia para
travar esta espiral que culminar na sempre inevitvel morte, frequente que
para no ser to afectado, o profissional de sade tenta manter uma certa
distncia, diminuir as visitas, responder com frases feitas, conselhos fceis e
autoritrios no sentido de tornar a relao o mais profissional possvel para que
a emoo no se sobreponha ao racional (LOPES e PEREIRA, 2005, p.95).
Perante o confronto com a morte e o morrer o enfermeiro percorre um roteiro
em tudo semelhante, sempre a convergir para a tentao de fuga e para a
negao da morte, pois como nos relembra Morin (1988) o homem no est
programado, nem preparado para enfrentar a morte, uma vez que a mesma um fenmeno que contribu para uma maior conscincia de si mesmo e da sua
finitude.
De acordo com Pinto (1991), so quatro as sensaes presentes no percurso
psicolgico que o profissional de sade percorre perante a morte e o morrer:
- a sensao de fracassoonde o mesmo se questiona sobre aquilo que poderia
e/ou deveria ter feito de forma a salvar o doente. Sentimentos de culpa podem
advir, podendo o profissional questionar as sua prtica clnica, a equipa, aexistncia de outros hospitais ou outras tcnicas. Neste mbito, colocam-se
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questes de dignidade no cuidar e o direito a no sofrer inutilmente: quantas
vezes o doente no submetido a tcnicas e exames agressivos e
despropositados que em nada contribuiro para o desenlace da sua doena,
provocando apenas mais e mais dor e sofrimento;
- a sensao do espelho imaginando-se ele prprio numa situao idntica.
Face imagem que tem diante de si, experienciando medo e pnico, ele
prefere afastar-se e no encarar e/ou enfrentar o problema. Enquanto o
profissional continuar nesta cruzada de negao da morte, jamais a encarar
de modo a procurar entend-la e assim poder contribuir eficazmente para a sua
dignidade e humanizao;
- a sensao do pudor qual paradoxo, quando o doente/ famlia mais
necessitam de assistncia, o profissional, pensando que o doente necessita
sim de tempo e espao afasta-se de modo a no o perturbar no momento mais
importante da sua vida e no perturbar o seu silncio. Ao contrrio de respeito,
de empatia, de solidariedade e de compreenso, consciente e/ ou
inconscientemente, o profissional promove sim a alienao, a solido do
moribundo (ELIAS, 2001);
- a sensao do mistrio na qual o profissional percorre uma fantasia
intelectual, procurando intrinsecamente desvendar o mistrio da vida, e por
conseguinte o sentido e significado da morte. Hennezel e Leloup (1998, p.46)
afirma que o tabu da morte um tabu do ntimo. Quando comeamos a
contemplar a realidade da morte, para as profundezas de ns prprios que o
olhar se dirige. Desta forma a viso de uma pessoa moribunda abala as
fantasias defensivas que as pessoas constroem como uma muralha contra a
ideia de sua prpria morte(),ameaando o sonho acalentado (ELIAS, 2001,
p.17) da imortalidade.Segundo Pinto (1991), ao ultrapassar estas sensaes o profissional reafirma o
seu valor profissional e assume a sua responsabilidade social, prestando
cuidados de qualidade na morte, conforme enunciado nos seus estatutos tico
morais e deontolgicos, contribuindo para a ressocializao da morte.
Paralelamente, Pitta (1999) classifica os mecanismos de defesa dos
profissionais de sade quando encaram a morte do seguinte modo:
- fragmentao da relao tcnico-paciente: porque a ideia de morte umaideia traumtica por excelncia (MORIN, 1988) de modo a minimizar a
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angstia, o stress e a ansiedade sentida face morte e ao morrer, o
profissional evita o contacto com o doente fugindo do mesmo e promovendo a
sua morte social (MENEZES, 2004). Muito do medo que o doente experiencia
face morte ainda fruto da crena de que o processo de morte sempre
acompanhado de sofrimento e dor insuportvel (KOVCS, 1992, p.196) e no
medo do abandono ao qual pensa/ cr que ser votado (KOVCS, 1992,
p.24);
- despersonalizao e negao: ao invs de cuidar do doente de forma
personalizada e tendo em conta as suas necessidades, o profissional
padroniza o seu trabalho, mantendo as suas tarefas e rotinas inalteradas,
contribuindo no s para a despersonalizao e solido do doente como
tambm para a ideia de negao da morte. Numa perspectiva redutora os
profissionais de sade vivem unicamente preocupados com a eficcia da
teraputica e com a sua produtividade (resultados) e por isso, morrer tornou-se
hoje um momento solitrio e demasiado triste para ser lembrado (SAPETA,
1999).
- distanciamento e negao de sentimentos: a morte em contexto hospitalar
hoje em dia uma morte estril e hermtica, impessoal e assptica
(MENEZES, 2004, p.32) uma vez que compete aos doentes jamais despertar
nos mdicos e enfermeiros a insuportvel emoo da morte (...) Deste modo, o
papel do doente no pode deixar de ser negativo: o do moribundo que faz de
conta que no vai morrer (ARIS, 1988, p.188). Assim, como mecanismo de
defesa, afastamo-nos e ignoramos (MERCADIER, 2004). Numa tentativa
inconsciente de evitar ter de lidar com os dilemas emocionais que emergiriam,
os profissionais de sade optam por no ceder informaes e racionalizar a
situao, desculpando-se com a falta de tempo e insuficiente certeza dediagnstico (TOMM, WILLIAMS e MATHESON, 1976). A morte torna-se assim
silenciosa, e quase invisvel, pois que o trunfo da medicalizao est
justamente em manter a doena e a morte na ignorncia e no silncio.
(KOVCS, 1992, p.38);
- eliminar decises pelo ritual do desempenho de tarefas: a ritualizao cumpre
a funo de reduzir a ansiedade e minimizar o discernimento individualizado de
cada profissional em planear o seu trabalho. Quando todas as tarefas e rotinaspodem esperar face morte, quando a tcnica e a cincia se revelam
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obsoletas, o profissional refugia-se em aces mecanizadas de modo a reduzir
o stress que a morte provoca;
- reduo/ dissoluo do peso da responsabilidade: a ansiedade gerada por
uma deciso final feita por uma nica pessoa assim dissipada de inmeras
maneiras, de forma a reduzir seu impacto e responsabilidade.
Deve-se ento considerar que o processo de adaptao face ao processo de
morte e morrer promotor de dificuldades quer para o doente e famlia, quer
para o prprio profissional de sade. No entanto, cabe a estes ltimos, tentar
inverter esta tendncia, encarando a morte como parte integrante da vida
(BARROS-OLIVEIRA, 1998) e desenvolvendo capacidades para entender toda
a sua complexidade, de modo a promover uma morte mais humana e mais
digna (FRIAS, 2003). Kubler-Ross (1991) enfatiza que a meta no dispor de
especialistas em doentes terminais, mas sim treinar o pessoal hospitalar para
enfrentar serenamente todo o processo de morte e morrer, e assim contrariar o
facto de os doentes morrerem cada vezes mais sozinhos acompanhados por
profissionais excelentes mas com pouco tempo para fazer um
acompanhamento digno quando o doente est a morrer.
Urge deste modo ressocializar a morte (PINTO, 1991), redefinindo uma nova
arte de morrer (HENNEZEL, 2006), fomentando estratgias de coping
(McINTYRE, 1994), de afectividade e de ajustamento emocional eficazes, que
no s contribuam para um desenvolvimento pessoal e profissional adequado,
promovendo a sua aprendizagem e interiorizao, como tambm permitam
prestar o apoio, acompanhamento e ajuda adequado e ajustado a cada doente
e respectiva famlia.