Monografia Marina pedagogia 2010
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇAO – CAMPUS VII
SENHOR DO BONFIM COLEGIADO DE PEDAGOGIA
MARINA SANTOS REIS
O ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA NO SEMI-ÁRIDO: UMA NECESSIDADE DE CONTEXTUALIZAÇÃO
SENHOR DO BONFIM-BA 2010
MARINA SANTOS REIS
O ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA NO SEMI-ÁRIDO: UMA NECESSIDADE DE CONTEXTUALIZAÇÃO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Educação – Campus VII, da UNEB – Universidade do Estado da Bahia, como parte das exigências da disciplina Monografia, Componente do Curso de Pedagogia com habilitação em Docência e Gestão de Processos Educativos.
Orientadora: Profª. Sandra Fabiana Almeida Franco
SENHOR DO BONFIM-BA 2010
AGRADECIMENTOS
Agradeço e ofereço este valioso trabalho aos abaixo relacionados:
A Deus, “Porque Dele e por Ele, e para Ele, são todas as coisas”; por não ter
me abandonado em nenhum momento, demonstrando o seu amor e a sua
misericórdia para comigo, renovando as minhas forças a cada dia, me
dirigindo e me aperfeiçoando com paciência.
Aos meus filhos: Onildo José, Walner Júnior e Walber para quem quero deixar
um exemplo de vida e para provar-lhes que se não desistirmos dos nossos
sonhos um dia eles se tornarão realidade. Muito obrigada a vocês pela força e
pelo incentivo. Hoje meu sonho se concretiza e vocês são os principais
responsáveis por isso. Amo vocês!
Às minhas queridas netas Vanêssa Ellen e Hiane Stefane e ao meu querido
neto Felipe, para que um dia vocês possam olhar para esta monografia e se
espelhar na minha história de vida. Vocês são muito importantes para mim.
Amo vocês!
À Sandra Fabiana Almeida Franco, professora e orientadora, pela orientação,
interesse e suporte bibliográfico, sem os quais não seria possível a realização
deste trabalho. A você, a minha gratidão, o meu carinho e admiração.
Aos colegas, da turma Pedagogia 2006.1, a minha gratidão em especial ao
Pastor Erivaldo Portela pelo incentivo e apoio que me possibilitou chegar até
aqui, à Maria Aparecida pela valiosa doação nos momentos mais difíceis e à
Nubeane Nascimento, pela colaboração e parceria.
À UNEB e a todos os professores, sem os quais não teríamos chegado até
aqui. A vocês nossa eterna gratidão.
Aos funcionários, de forma especial a Elivete pela boa vontade e presteza
com que sempre nos atendeu. O meu muito obrigada.
Ao pessoal da biblioteca, muito especialmente à “Mary” (Maria) pela gentileza,
disponibilidade e simpatia com que sempre nos atende. Obrigada amiga!
Ao meu pai, Sr. José Ferreira dos Reis (in
memoriam) e à minha mãe, Sra. Maria Salomé
dos Santos Reis (in memoriam), que com suas
“falas diferentes” me ensinaram valores éticos
e morais, entre outros, que fizeram de mim a
pessoa que sou.
“Lutar pela igualdade sempre que as diferenças nos discriminem, lutar pelas diferenças sempre que a igualdade nos descaracterize”.
Souza Santos
RESUMO
O presente estudo monográfico objetivou identificar compreensões que os professores têm sobre Variações Lingüísticas, com base em pesquisa de cunho qualitativo realizada com professores de Língua Portuguesa do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental, utilizando como instrumentos de coleta de dados o questionário fechado, a entrevista semi-estruturada e a análise documental fundamentada em vários autores entre eles: Bagno (2008), Antunes (2003), Carvalho (2003), Freire (1996) e Gentili (2005). A análise de dados se deu, principalmente, a partir da comparação e do cruzamento das informações obtidas nos diversos instrumentos de coleta. Os resultados obtidos apontam que as professoras do Ensino Fundamental possuem um conhecimento satisfatório sobre Variações Lingüísticas, do ponto de vista teórico, o que contribui de forma importante na construção do novo saber de seus alunos, pois através de seus discursos demonstram que estão interessadas pela temática embora sua aplicação prática ainda seja limitada, necessitando de uma mudança de atitude perante às aulas de Português, a fim de torná-las mais contextualizadas, democráticas e significativas.
Palavras-chave: Variações Lingüísticas. Língua Portuguesa. Educador. Ensino
Fundamental. Compreensão.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................... 09
CAPÍTULO I.
VARIEDADES LINGÜÍSTICAS NO ENSINO FUNDAMENTAL..............11
1.1. Origem das variedades lingüísticas no Brasil...................................... 11
1.2. Língua falada e Língua escrita............................................................. 12
1.3. Dificuldade de ensino da língua........................................................... 13
1.4. Variações lingüísticas na sala de aula................................................. 14
CAPÍTULO II - DISCUTINDO FUNDAMENTOS .................................................... 16
2.1. Língua e linguagem, contexto................................................................. 16
2.2. O estudo da Língua ................................................................................ 17
2.3. O estudo das Variações Lingüísticas ..................................................... 19
2.4. Língua Portuguesa ................................................................................. 20
2.5. Trajetória da Língua Portuguesa no Brasil ............................................. 22
2.6. Educador ................................................................................................ 22
2.7. Ensino Fundamental .............................................................................. 24
2.8. Compreensão ......................................................................................... 25
CAPÍTULO III – TRILHA METODOLÓGICA ........................................................... 27
3.1. Abordagem utilizada – Pesquisa qualitativa ........................................... 27
3.2. Lócus da pesquisa .................................................................................. 28
3.3. Sujeitos da pesquisa .............................................................................. 28
3.4. Instrumentos de coleta de dados ............................................................ 29
3.4.1. Entrevista semi-estruturada ............................................................. 29
3.4.2. Questionário fechado ........................................................................ 30
3.4.3. Análise documental .......................................................................... 30
3.5. Análise de dados ................................................................................... 31
CAPÍTULO IV - INTERPRETAÇÃO DE RESULTADOS .......................................... 32
4.1.Perfil dos Sujeitos ............................................................................................... 32
4.1.1. Gênero ................................................................................................. 32
4.1.2. Nível de formação ................................................................................ 32
4.1.3. Tempo de ensino da Língua................................................................. 33
4.1.4. Remuneração ...................................................................................... 33
4.1.5. Estado civil ........................................................................................... 34
4.2. Analisando dados das entrevistas ..................................................................... 35
4.2.1. Freqüência das atividades ................................................................... 35
4.2.2. Inserindo atividades no processo ........................................................ 37
4.2.3. A importância das Variedades Lingüísticas ........................................ 38
4.2.4. Influências do preconceito lingüístico .................................................. 40
4.2.5. Mudanças no ensino da língua. ........................................................... 41
4.3. Documentos analisados .................................................................................... 42
4.4. Síntese do discurso docente ............................................................................. 42
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 43
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 45
ANEXOS
9
INTRODUÇÃO
VARIAÇÕES LINGÜÍSTICAS NO ENSINO FUNDAMENTAL
Este trabalho monográfico sobre as Variações Lingüísticas no Ensino Fundamental
pretende atender as exigências de conclusão do Curso de Pedagogia–Docência e
Gestão de Processos Educativos da UNEB – Universidade do Estado da Bahia,
Campus VII, baseado em pesquisa realizada com professores do 6º ao 9º ano do
Ensino Fundamental do Ginásio Municipal Antônio Simões Valadares na cidade de
Itiúba-Bahia,
As Variações Lingüísticas têm se constituído num dos assuntos de relevante
importância na área do ensino de Língua Portuguesa no Brasil, sendo que as
mesmas estão presentes no cotidiano de todos nós, nos mais variados estilos e
formas. O nosso objetivo é identificar e analisar compreensões dos professores
sobre o referido assunto e refletir como isso repercute na sua prática educativa, para
tornarem o ensino da Língua Portuguesa mais contextualizado e significativo.
A escolha do tema emerge da inquietação de saber como as variações lingüísticas,
que inevitavelmente se manifestam no contexto da sala de aula, são compreendidas
e trabalhadas, visto estarem tão em foco no contexto atual no ensino de linguagem.
No Capítulo I apresenta-se uma breve reflexão sobre a temática e desafios que são
encontrados para se promover uma aprendizagem significativa no contexto da sala
de aula, bem como a problemática, as questões e os objetivos da pesquisa,
demonstrando assim a relevância social e científica do trabalho.
Num segundo momento deste estudo busca-se embasar teoricamente, à luz da
compreensão de vários autores, os conceitos-chave que envolvem a temática das
Variações Lingüísticas no ensino da Língua Portuguesa no Brasil, bem como, sobre
10
a compreensão dos educadores do Ensino Fundamental que trabalham
especificamente com esse componente da Educação Básica.
O Capítulo III deste trabalho, dedicado à metodologia, aborda as finalidades da
pesquisa, os procedimentos e instrumentos utilizados, além de caracterizar as
pessoas pesquisadas e o lócus de pesquisa.
O Capítulo IV, contempla os objetivos deste trabalho, através da análise e da
interpretação dos resultados obtidos na pesquisa, tendo como centro, as falas das
pessoas pesquisadas e suas conclusões, principalmente as compreensões que as
professoras pesquisadas têm sobre variações lingüísticas. Confrontamos as
percepções com a fundamentação teórica, produzindo-se assim os diversos
significados desse estudo.
E, finalmente, a conclusão apresenta as considerações resultantes das análises dos
dados pesquisados sob a perspectiva dos aportes teóricos abordados. Ressalta a
importância do assunto reconhecendo as limitações impostas pela sua macro
dimensão de se chegar a conclusões mais concretas.
11
CAPÍTULO I
1.1. Origem das variedades lingüísticas do Brasil
Desde o Descobrimento, o povo brasileiro tem experimentado amargos momentos
sob a égide dos colonizadores que marcaram a história com o estigma da opressão,
impondo sobre os verdadeiros donos (povos nativos) das “Terras brasilis” seus
costumes, sua cultura, sua língua e, principalmente, seu domínio, à “força da
pólvora”, isto é, dos métodos mais violentos.
Urge que se conte a verdadeira história de opressão e discriminação que o então
“mundo civilizado” impingiu aos povos nativos das Américas. Os ranços da opressão
ainda estão vivos na nossa sociedade, e, uma das evidências disso está na rejeição
das mais diversas expressões lingüísticas oriundas do longo e complexo processo
de miscigenação do qual resultou a nação brasileira.
A variedade lingüística é um fenômeno natural que ocorre em qualquer língua. Por
conta de diferenças geográficas, históricas, culturais, sociais, entre outras. Porém,
com o Português do Brasil esse fenômeno ganha proporções muito maiores devido
à grande quantidade de vertentes de onde se origina. O próprio Português original –
o Português de Portugal da época do descobrimento, já chega ao Brasil trazendo
algumas pequenas variações devido à abrangência geográfica que o reino
português de então possuía, de onde partiu o processo migratório com vistas ao
povoamento da colônia.
Dessa forma, o Brasil recebeu portugueses oriundos de diversas regiões do reino, já
influenciados por outras vertentes lingüísticas da Europa. Esses grupos de
imigrantes eram destinados ora, a povoarem regiões diferentes do Brasil e assim
receberam influências dos mais diversos dialetos falados pelos povos nativos
habitantes dessas regiões, ora a compartilharem os mesmos espaços como se deu
nas primeiras capitais da colônia, Salvador e Rio de Janeiro. Razão porque, o
12
Português do Brasil apresenta em decorrência da história, com o passar do tempo,
muitas características que não se encontram no Português de Portugal,
conseqüentes das condições em que a língua se instalou e se desenvolveu no
Brasil.
Em termos regionais, o Português brasileiro recebeu as influências de outras línguas
em decorrência das invasões e domínios temporários de outros povos colonizadores
em algumas regiões do país, como os ingleses no Rio de Janeiro, os espanhóis em
Santa Catarina e os holandeses em Pernambuco. Embora essas invasões tenham
sido rechaçadas pela coroa portuguesa, a sua influência ficou e ainda hoje se vê nas
expressões culturais e lingüísticas dessas regiões. Razão porque, se observa
grandes diferenças na pronúncia do Português entre essas regiões.
Some-se a tudo isso, a imensa quantidade de negros vindos de várias regiões da
África durante séculos de regime escravocrata, trazendo diversas vertentes culturais
e lingüísticas daquele continente e sendo espalhados por todas as partes desse
imenso Brasil, cuja importância na formação do nosso Português foi e ainda é
resistida, mas não pode ser negada nem vencida, pois tão grande é essa influência
negra na língua, que torna-se difícil identificá-la plenamente devido a tão grande
quantidade de indivíduos trazidos para o Brasil. Como menciona Castro (2007):
Do século XVI ao século XIX, o tráfico transatlântico trouxe em cativeiro para o Brasil quatro a cinco milhões de falantes africanos originários de duas regiões da África subsaariana: a região banto, situada ao longo da extensão sul da linha do equador, e a região oeste-africana ou “sudanesa”, que abrange territórios que vão do Senegal à Nigéria. (p.1)
1.2. Língua falada e Língua escrita
Essas variações são maiores e mais freqüentes na língua falada que na escrita. É
possível se verificar as diferenças de falas muitas vezes como características
peculiares a pequenas comunidades, que, por alguma razão, certamente explicáveis
do ponto de vista da história, desenvolvem um jeito próprio de se comunicar e
vivenciar a língua.
13
Felizmente, é mais difícil padronizar a língua falada que a escrita. Apesar do
preconceito se manifestar discriminando certos falares, e considerando errados em
comparação com a norma padrão da língua, não há como se rejeitar a compreensão
daquilo que foi falado. A comunicação acontece independente da alternativa adotada
na fala, se numa linguagem culta ou camponesa, coloquial, ou de expressão grupal,
etc.. Prevalece o objetivo da fala – a comunicação.
Já com relação à língua escrita, o padrão pode ser normatizado, porque uma vez
escrito, o texto pode ser rejeitado, rasgado ou queimado ao ser considerado errado,
em relação à norma. E, mesmo essa língua padrão freqüentemente tem suas
normas alteradas a fim de incorporar as mudanças que se estabelecem como
necessárias dentro do processo de desenvolvimento da língua.
Sendo assim, pode-se dizer que embora haja uma língua padrão, que serve como
normativa para a escrita, principalmente a escrita oficial, o Português brasileiro
possui uma enorme variedade de expressões na fala que o torna uma língua com
características próprias, carregada com a identidade do povo brasileiro. Isso faz do
nosso Português, hoje, uma língua mais rica, quantitativamente, pela grande
variedade de verbetes que ela incorporou nesse processo de maturação através dos
séculos; e qualitativamente mais culta, porque engloba muito mais culturas; e, mais
humana, porque reúne expressões, sentimentos e maneiras de ver o mundo de
muito mais humanidades.
1.3. Dificuldade no ensino da Língua
Diante do exposto, constata-se uma dificuldade para o ensino da língua nas escolas
brasileiras – o tratamento que as variedades lingüísticas devem ter no âmbito do
ensino da mesma. “A variação lingüística esteve ausente na proposta pedagógica do
ensino de Língua Portuguesa durante muito tempo” (CECILIO, 2007 p. 2051).
Entretanto, na elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua
Portuguesa (PCN) do terceiro e quarto ciclos, algum avanço foi alcançado quanto à
14
abordagem do tema no livro didático:
No ensino-aprendizagem de diferentes padrões de fala e de escrita, o que se almeja não é levar os alunos a falar certo, mas permitir-lhes a escolha da forma de fala a utilizar, considerando as características e condições do contexto de produção, ou seja, é saber adequar os recursos expressivos, a variedade de língua e o estilo às diferentes situações comunicativas [...] A questão não é de erro, mas de adequação às circunstâncias de uso, de utilização adequada da linguagem (BRASIL, 1998, p. 31).
Portanto, a preocupação do professor não deve ser de optar por uma forma ou
padrão de escrita e de fala, mas de considerar as variedades e adequá-las às
diversas possibilidades de uso em cada situação que a dinâmica do processo de
ensino proporcionar.
Segundo Antunes (2003), a mudança de atitude perante as aulas de Português,
requer ação ampla, planejada e sistemática com políticas públicas federais,
estaduais e municipais, para poder alcançar uma escola que cumpra seu papel
social de capacitação das pessoas para o exercício pleno e consciente da cidadania
e habilitá-las para usar as competências no uso oral e escrito da Língua Portuguesa
dentro de uma nova perspectiva que valorize a diversidade.
Percebe-se uma parceria em favor dessas mudanças por parte do Ministério da
Educação – MEC envolvendo muitas propostas, que, como exposto acima, já estão
legitimadas nos PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais, PNDL – Programa
Nacional do Livro Didático e outras iniciativas, cabendo agora ao educador um
trabalho que concretize essas propostas para que não permaneçam apenas no
papel, mas que sejam capazes de ocupar os espaços e transformar as práticas do
ensino da Língua Portuguesa.
1.4. Variações lingüísticas na sala de aula
Este trabalho monográfico ganha significado e relevância na medida em que visa
fomentar a reflexão sobre a prática do ensino da Língua Portuguesa no Ensino
Fundamental II buscando nas falas das professoras as suas compreensões e
15
experiências diante da problemática gerada pelas variações encontradas na língua.
Diante do exposto, surge como inquietação – descobrir como as variações
lingüísticas que, inevitavelmente, fazem parte do contexto da sala de aula, são
compreendidas pelos professores no ensino da Língua Portuguesa.
De modo geral, pretende-se identificar como as variações lingüísticas fazem parte
da compreensão dos professores no processo de ensino da língua, e, mais
especificamente, conhecer se essa compreensão tem sido considerada no aspecto
prático de sua atuação docente.
Considerando a complexidade do campo de atuação do professor, não
intencionando, obviamente, apresentar dogmas fechados ou contundentes, busca-se
dar uma contribuição à discussão desse tema tão em evidência na área do estudo e
no ensino da Língua Portuguesa.
O ensino da Língua Portuguesa numa escola do semi-árido, necessita, portanto
levar em consideração as influências da cultura regional e não se permitir alienar-se
diante da imposição exercida pela mídia do sul e sudeste brasileiros que discrimina
os nossos falares e quer obrigar a implantação de uma única forma de falar o
Português no Brasil.
Há grande necessidade de contextualização na forma de ensinar, que assegure aos
alunos do semi-árido, o direito de falar o seu Português, sem serem discriminados e
ou preconceitualizados, sobretudo, dentro da própria escola.
16
CAPÍTULO II
DISCUTINDO FUNDAMENTOS
2.1. Língua linguagem e contexto
A Língua é a linguagem verbal utilizada por determinado grupo de pessoas que
formam uma comunidade. Almeida(1999 p. 17) afirma: a “linguagem própria de um
povo chama-se língua ou idioma”.
Sendo assim, é interessante ressaltar também a necessidade de compreender a
linguagem para melhor entender a língua, pois ambas estão interligadas. Segundo
as idéias saussurianas presentes no Curso de Lingüística Geral, é pertinente afirmar
que: “o estudo da linguagem comporta duas partes: uma, essencial, tem por objeto a
língua, que é social em sua essência; outra, secundária, tem por objeto a parte
individual da linguagem, vale dizer, a fala ( SAUSSURE, p. 27 apud CARVALHO,
2003, p. 57)”
É interessante enfatizar que a linguagem é humana, histórica e social, sempre
esteve atrelada ao homem desde a sua origem e por meio da linguagem o indivíduo
reconhece-se como humano e cidadão na sociedade, capaz de criar símbolos e
utilizá-los na comunicação, levando em conta os vários papéis desempenhados pela
linguagem.
A linguagem humana tem uma função comunicativa. Mas essa é apenas uma dentre uma série de outras funções (...) nem sempre é bonita, às vezes esconde (...) um veneno mortal. Se fosse só comunicação seria inócua e as pessoas não manipulariam provas através da linguagem, como num tribunal (CAGLIARI,A 2001, p. 77 -78).
Torna-se necessário explorar as dicotomias da linguagem – a língua e a fala. A
Língua refere-se a um conjunto de regras tendo o certo e o errado somente
relacionados à sua estrutura, ou seja, quando o enunciado é possível dentro do
17
sistema da língua. Além disso, toda língua se modifica no tempo e no espaço.
Através da diacronia torna possível o conhecimento da evolução da língua e também
o porquê das variedades lingüísticas que permeiam uma língua. É um fenômeno
social e não um bem de um único indivíduo, é abstrata e conservadora,
... qualquer língua, não é propriedade de um indivíduo ou de um grupo fechado de pessoas, mas é fenômeno social, é um bem cultural de um povo e se espalha por todos os níveis da estratificação social (...) é um fenômeno dinâmico, não estático, isto é, evolui com o passar do tempo. Pelos usos diferentes no tempo e nos mais diversos agrupamentos sociais, as línguas passam a existir como um conjunto de falares diferentes ou dialetos, todos muito semelhantes entre si, mas cada qual apresentando suas peculiaridades... (CAGLIARI, 2001,p.36).
A fala ao contrário da língua é um bem individual, variável, real, heterogênea, é
língua em ação. Referindo-se aos usos pelas comunidades falantes, o certo e o
errado não existem, e sim, o diferente, daí a presença marcante das variações
lingüísticas ou diferentes dialetos. Esses dialetos são como línguas específicas
tendo gramática e usos próprios e semelhantes. É por meio da fala que a língua se
realiza.“... nessa língua falada (...) ocorrem as mudanças e variações que
incessantemente vão transformando a língua (BAGNO, 2008, p.71)”.
Respeitar a variedade lingüística ao ensinar Língua Portuguesa, é também
contextualizar o ensino, aproximá-lo da realidade do educando. È, considerar seu
meio, sua herança cultural, as bases de formação de suas identidades, enfim, seu
contexto social.
2.2. O estudo da língua
O processo evolutivo pelo qual passam todas as línguas é estudado pela diacronia
ou gramática histórica, que tem como objetivo o estudo da língua desde sua origem
até a atualidade, enfocando a história. “O estudo diacrônico de uma língua
compreende a história interna (evolução estrutural) e a história externa (evolução
sociolingüística (CARVALHO, 2003, p.87)”.
18
Além dos estudos diacrônicos, existem também os sincrônicos que estudam a
estrutura da língua em seus aspectos atuais, levando em conta apenas a estrutura
da língua numa perspectiva – a histórica, pois segundo Saussure, a língua deve ser
estudada em um determinado estado da sua existência. Esse pensamento está
presente no estruturalismo que apresentava a concepção de língua como estrutura
sem levar em conta as relações sociais. Essa idéia foi ultrapassada na década de
60, quando surgiu a lingüística contemporânea dando espaço à teoria
sociolingüística que nega a visão de passividade do sujeito perante a língua como
defendia Saussure e compreende o indivíduo como atuante sobre a estrutura da
língua, pois não admite estudar a língua sem levar em conta a sociedade em que ela
é falada.
A sociolingüística é uma das subáreas da lingüística e estuda a língua em uso no seio das comunidades de fala, voltando a atenção para um tipo de investigação que correlacione aspectos lingüísticos e sociais (...) A sociolingüística considera em especial como objeto de estudo exatamente a variação... são muitas as áreas de interesse da sociolingüística: contato entre as línguas, surgimento e extinção lingüística, variação e mudança... (MOLLICA, 2007, p. 9 – 10).
A diferença entre Lingüística e Sociolingüística é que a primeira tem o mesmo
interesse científico diante de todas as comunidades e a segunda reconhece a
importância social da linguagem dos pequenos grupos sócio-culturais dando
destaque especial ao combate ao preconceito lingüístico que ainda é marcante,
inclusive na escola.
Toda língua, portanto, apresenta variantes mais prestigiadas do que outras . Os estudos sociolingüísticos oferecem valiosa contribuição no sentido de destruir preconceitos lingüísticos e de relativizar a noção de erro, ao buscar descrever o padrão real que a escola, por exemplo, procura desqualificar e banir como expressão lingüística natural e legítima ( MOLLICA, 2007, p. 13).
É com o objetivo de mudar esse quadro que a Sociolingüística tem se ocupado, pois,
a discriminação ainda é notória nas práticas educacionais, desde muitos anos, no
ensino da Língua Portuguesa de forma que o considerado certo é apenas a norma
padrão da língua, ou seja, o ensino esteve atrelado ao estudo das regras
19
gramaticais isoladas da realidade do educando e fortalecendo a discriminação das
diferentes formas de falares existente na nossa língua.
A variação lingüística tem que ser objeto e objetivo do ensino de língua: uma educação lingüística voltada para a construção da cidadania numa sociedade verdadeiramente democrática não pode desconsiderar que modos de falar dos diferentes grupos sociais constituem elementos fundamentais da identidade cultural da comunidade e dos indivíduos particulares, e que denegrir ou condenar uma variedade lingüística equivale a denegrir ou condenar os seres humanos que a falam, como se fossem incapazes, deficientes ou menos inteligentes – é preciso mostrar, em sala de aula e fora dela, que a língua varia tanto quanto a sociedade varia, que existem muitas maneiras de dizer a mesma coisa e que todas correspondem a usos diferenciados e eficazes dos recursos que o idioma oferece a seus falantes. ( BAGNO, 2008, p.16)
2.3. O estudo das variações lingüísticas
É imprescindível o estudo histórico das línguas, a partir do qual, torna-se mais
preciso o conceito de variações. Segundo Mollica (2007), “A variação lingüística
constitui fenômeno universal e pressupõe a existência de formas lingüísticas
alternativas denominadas variantes”.
Essas variações acontecem por causa de vários fatores e são classificadas das
seguintes formas: diatópica ou geográfica, diassexual, diageracional, inserida na
diatópica estão as diferenças entre o meio urbano e rural, há também as diastráticas
ou culturais que como afirma Carvalho (2003, p.67), “subdivide-se em norma culta
padrão (ou nacional), norma coloquial (tensa ou distensa) e norma popular (também
chamada de vulgar). Há também as variações diafásicas referentes a diversas
modalidades, dentre elas ( familiar, de faixa etária, etc.).”
A norma coloquial é aquela utilizada na oralidade de maneira espontânea pelas
classes médias escolarizadas, já a norma popular está atrelada às classes
populares semi-escolarizadas ou analfabetas. (ex: dois pastel custa três real) Por
referir-se a pessoas de classes estigmatizadas, são vítimas de preconceito
lingüístico.
20
A Sociolingüística, afirma que as variações não acontecem aleatoriamente, elas são
organizadas e estruturadas com ligação a diversos fatores. Muitos são os tipos de
variações lingüísticas, algumas foram citadas acima, outra merece destaque agora.
Segundo Bagno (2007), existe a variação diamésica que é aquela que se analisa na
comparação entre língua escrita e língua falada.
Aparecem dentro do estudo das variações, outros conceitos como o idioleto, que é o
modo próprio do falar de um indivíduo; o cronoleto que se refere à variedade de
determinada faixa etária; o socioleto, variedade lingüística própria de um grupo de
falantes que apresentam as mesmas características socioculturais; o dialeto,
utilizado desde a Grécia caracterizando o uso da língua num determinado lugar, é o
que a Sociolingüística chama de Variedade Lingüística tão marcante em todas as
línguas, principalmente na Língua Portuguesa.
2.4. Língua Portuguesa
Tomando como fundamento o estudo diacrônico das línguas, torna-se necessário
enfatizar a presença de outras línguas na formação da língua Portuguesa. Tudo tem
início com as chamadas línguas indo-européias de onde se originou o Latim, língua
morta na atualidade, que nasceu numa região da Itália chamada “Latium” entre o
povo humilde, foi unindo-se a diversos falares itálicos tornando–se língua nacional
do Império romano. Afirma Lima (2009 p.33 – 34): “As origens do Latim remontam
ao século VII a.C, enquadrando-se historicamente, no período de 753 a.C. ano da
fundação de Roma, até a queda do Império romano em 476 d.C, Século V d.C.”.
O Latim já apresentava variação lingüística, onde era marcante a presença do Latim
Clássico referindo-se à Língua escrita e privilegiada por pertencer à elite e estar
presente nas obras dos escritores e o latim vulgar estigmatizado e pertencente ao
povo. O Latim foi absorvendo outros dialetos resultando no surgimento das línguas
românicas ou neolatinas: são dez as línguas românicas: Espanhol, Catalão,
Francês, Provençal, Romeno, Italiano, Dalmático, Sardo e Português. Coutinho
21
(1981) afirma:
Línguas românicas são as que conservam vestígios indeléveis de sua filiação ao Latim no vocabulário, na morfologia e na sintaxe ( ...) línguas neolatinas não se derivam diretamente do latim, mas entre aquelas e este houve os vários romances, - assim se chamavam as modificações regionais do latim – dos quais saíram então as línguas românicas (p. 41).
Segundo Lima (2009), com o passar do tempo surgiram invasões de outros povos
enfraquecendo o Império Romano, dando origem ao dialeto galego-português
referente à Galiza e Portugal. Porém, com o crescimento do domínio de Portugal
sobre o Sul, ocorreram diferenças nesse dialeto, ocasionando a divisão do mesmo
em línguas diferentes, o Galego que posteriormente fundiu-se com o Castelhano, e o
Português que com a Independência de Portugal tornou-se a língua da atualidade e
continuou sua evolução.
Durante os séculos XV e XVI, Portugal viveu sua expansão marítima, conquistando
muitas colônias e estabelecendo assim um grande império além-mar. Por conta
disso a Língua Portuguesa se expandiu por vários continentes, sendo imposta aos
povos conquistados e explorados. A partir daí passou a ser a língua mais falada no
mundo, como afirma Bagno (2006):
...antes que o francês se transformasse na língua mundial, no século XVIII, e o inglês, no século XIX, foi o português que desempenhou esse papel. A partir da segunda metade do século XV ele já era falado nas regiões costeiras da áfrica Ocidental. No século XVI, estava disseminado por todo o Oriente (p. 123).
A história da Língua portuguesa está intrinsecamente ligada à história da Península
Ibérica onde se originou Portugal. Com a romanização dessa península, a
dominação romana avançou na política, no poder militar e no aspecto cultural
impondo sua língua, o Latim, realizando a conquista lingüística e reforçando a
atitude dos dominantes ao longo da história que é explorar as classes dominadas
impondo seus ideais a todo custo, mas o português não parou aí. Posteriormente,
chegou até a colônia – o Brasil.
22
2.5. Trajetória da Língua Portuguesa no Brasil
Com a chegada dos portugueses ao Brasil e com o processo de exploração da
colônia, o Português vulgar foi imposto aos antigos habitantes que nessas terras
viviam e tinham suas próprias línguas. Portanto, no Brasil, a história da Língua
Portuguesa, nasceu interligada à história política num processo de exploração.
Nessa trajetória vai se fundindo com outras línguas e ganhando características que
muitas vezes só podem ser compreendidas numa análise histórica. Neste sentido,
Bagno (2006 p.35). afirma: recorrer à história da língua é uma tentativa que faço de
mostrar que a língua portuguesa, em todas as suas variedades, continua em
transformação, continua mudando, caminhando para as formas que terá daqui a
algum tempo.
Há anos, a Língua Portuguesa é discutida por lingüistas gramáticos e órgãos
responsáveis pela educação. Os gramáticos defendem o ensino da mesma de forma
tradicional como vigorou por muitos anos, tendo a gramática normativa ou Norma
Padrão como única forma correta, por outro lado, os lingüistas defensores das novas
concepções de Língua já avançaram em discussões conseguindo mudar um pouco
a realidade. Hoje, o ensino de Língua Portuguesa está centrado nos diversos usos
da língua que é tão necessário.
2.6. Educador
No contexto atual de mudanças significativas no Ensino da Língua Portuguesa, é
imprescindível que o educador esteja acompanhando essas mudanças para que
assim seja possível uma educação de qualidade. É notório que a nível nacional, a
proposta para o ensino da Língua Portuguesa perpassa por esse novo modelo de
educação que trabalha a língua enfatizando os usos reais. Essas idéias estão de
acordo com o pensamento freireano que valoriza a pluralidade cultural e os saberes
de cada educando. Portanto, o perfil de educador, nessa visão progressista e
libertadora, engloba múltiplas características. Segundo Freire (1996), para que haja
uma educação conscientizada é necessária a reflexão da prática, a rejeição de
qualquer tipo de discriminação. O ensino deve ser dialético, promovendo o respeito
23
aos conhecimentos oriundos do educando, reconhecendo o caráter de
inacabamento tanto do ser humano como do conhecimento, que leva à
compreensão de que ninguém sabe tudo, e que, ao mesmo tempo, todos têm algo a
ensinar.
O Educador é um agente transformador, mediador do conhecimento possibilitando
um ensino dialético. E, nesse processo de ensino-aprendizagem, educador e
educandos compartilham saberes. Como afirma Freire (1996, p. 23) “Quem ensina
aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”. Dessa forma, o educador
respeita a autonomia do seu aluno e trabalha da maneira ideal, pois aquele que não
permite a autonomia do aluno, não exerce autoridade, mas autoritarismo.
O educador que não é autoritário é aquele consciente, que fundamenta sua prática
em idéias críticas, possibilitando aos educandos serem politizados e também
valorizados. Como afirma Gentili (2005): “O exercício de uma prática inegavelmente
política e fundamentada em valores como a liberdade, a igualdade, a autonomia, o
respeito à diferença e às identidades, à solidariedade, à tolerância, e, a
desobediência aos poderes totalitários”. (p.73).
É notório que na educação assim como no restante da sociedade o poder da classe
dominante é quem dita as regras. Por causa disso, é necessário que o educador
trabalhe a ideologia para que se compreenda o modelo de educação dominante e as
idéias de dominação, enfatizando que a mudança só acontecerá através da
conscientização do indivíduo, descobrindo que a educação tem dois papéis, um a
serviço da classe detentora do poder e a outro a cargo da classe dominada. Afirma
Melo (1998):
Educar nessa sociedade é tarefa de partido, isto é, não educa realmente aquele que ignora o momento em que vive, aquele que pensa estar alheio ao conflito que o cerca. É “tarefa de partido” porque não é possível ao educador permanecer neutro: ou educa a favor dos privilégios da classe dominante ou contra eles, ou a favor das classes dominadas, ou contra elas (p. 75).
24
O educador é aquele que promove uma educação de qualidade desvinculada dos
paradigmas elitistas, desmistificando preconceitos, construindo, desconstruindo e
reconstruindo os saberes.
2.7. Ensino Fundamental
É no Ensino Fundamental, o momento em que o trabalho com os usos reais da
língua, a valorização dos dialetos e o combate ao preconceito lingüístico precisa ser
marcante. O Ensino Fundamental é a etapa da educação básica que envolve a
educação de crianças e adolescentes na faixa etária de 6 a 14 anos, reformulada
pela LDB, em 1996, substituindo o antigo primeiro grau.
No art. 22 da LDB, fica nítido que o papel do Ensino Fundamental é “desenvolver o
educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da
cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”
(BRASIL,1996).
Nota-se que, é nessa faixa etária, que as crianças e adolescentes estão construindo
conceitos que servirão de base para as decisões mais importantes de suas vidas,
pois o Ensino Fundamental ocorre numa fase de transição entre a infância e o início
da juventude quando deverão aprender a assumir responsabilidades com as quais
logo serão confrontados.
A educação nessa fase não pode desconsiderar a importância da construção de
fundamentos que gerem independência, autonomia, enfim, cidadania. Noções de
respeito às diferenças precisam não somente ser ensinadas, mas, principalmente,
praticadas em sala de aula, a fim de serem assimiladas não apenas como um
conteúdo escolar, mas, como um princípio de vida a ser desenvolvido em outros
momentos e contextos. Daí, a conclusão que o exercício da cidadania exige respeito
aos saberes do educando, respeitar também os diferentes falares que permeiam a
sala de aula, pois cidadania só se faz com a assimilação de direitos e deveres.
25
2.8. Compreensão
Tudo começa pela compreensão. O professor necessita compreender a importância
do tema em discussão, as implicações políticas e sociais que estão por trás das
preferências por uma ou outra forma de expressão lingüística e, sobretudo, a
importância de sua atuação como agente transformador dentro de uma sociedade
dualista onde as forças dominantes se opõem ao seu papel, por saber que se ele for
exercido, a realidade poderá se alterar. Se lhe faltar compreensão, lhe faltarão
ferramentas e motivação porque “ninguém luta contra forças que não entende, cuja
importância não meça, cujas formas e contornos não discirna” (FREIRE 1987).
O conceito de compreensão para alguns autores significa ação, possibilidade de
compreender, aprender e reaprender incessantemente, porque a mesma pode
mudar ou melhorar o condicionamento da vida e mentalidade humana. Segundo
Cunha (1986), compreensão tem a seguinte tradução: “conter em si, constar de,
entender, abranger, perceber”. (p. 201). De acordo com essa lógica a “compreensão
é o conjunto dos caracteres que permitem a sua definição”. (JAPIASSU E
MARCONDES, 1990, P. 52).
Seguindo esta lógica, Japiassu e Marcondes (1990) afirmam que:
Com a fenomenologia a compreensão passa a ser definida como um modo de conhecimento predominante, interpretativo, por oposição ao modo propriamente científico, que é o da explicação. “Nós explicamos a natureza, mas não compreendemos a vida psíquica”. (Dilthei). Enquanto a explicação constitui um modo de conhecimento analítico e discursivo, procedendo por decomposições e reconstruções de conceitos, a compreensão é um modo de conhecimento de ordem intuitiva e sintética: uma procura determinar as condições de um fenômeno, a outra, cognoscente, a identificar-se com as significações intencionais. As “ciências da natureza” se prestam a explicação, enquanto as “ciências humanas” se prestam a compreensão. (p.52)
Enquanto a explicação detecta as relações que ligam os fenômenos entre si, a
compreensão procede a uma apreensão imediata e íntima da essência de um fato
humano, isto é, seu sentido.
E ainda:
26
No Existencialismo Sartreano, a compreensão é um movimento dialético do conhecimento “que explica o ato por sua significação terminal a partir de suas condições iniciais”, isto é, por sua finalidade, porque nossa compreensão do outro se faz necessariamente por fins”. (p. 52)
De acordo com Morin (2005), compreensão vai mais além quando ele afirma que:
“A compreensão é ao mesmo tempo meio e fim da comunicação humana. O planeta necessita em todos os sentidos de compreensão mútua. Dada a importância da educação para a compreensão, em todos os níveis educativos e em todas as idades, o desenvolvimento da compreensão necessita da reforma planetária das mentalidades; esta deve ser a tarefa da educação do futuro”. (p. 104).
Compreender, portanto, é uma premissa fundamental a ser exercida por todos
aqueles que se investem de funções e atividades educativas, e, especialmente, o
professor da Língua Portuguesa, diante da tarefa tão séria de enfrentar os
preconceitos lingüísticos/sociais que envolvem a sua atividade.
27
CAPÍTULO III
TRILHA METODOLÓGICA
A definição do método a ser seguido é um passo importante dentro de uma proposta
de pesquisa na área das ciências humanas, porquanto fornece os subsídios
necessários para a análise e interpretação de dados. Por isso entendemos que a
metodologia está relacionada às concepções teóricas e práticas de uma
determinada realidade. Minayo e Deslandes (2008) apontam:
Entendemos por metodologia o caminho do pensamento e a prática exercida na abordagem da realidade, ou seja, a metodologia inclui simultaneamente a teoria da abordagem (o método), os instrumentos de operacionalização do conhecimento (as técnicas) e a criatividade do pesquisador (sua experiência, sua capacidade pessoal e sua sensibilidade) ( p. 14).
A metodologia direciona a forma como será conduzida uma pesquisa. Através dela,
o pesquisador ligado às ciências, busca fundamentos em métodos e técnicas
coerentes com a proposta da pesquisa. É, efetivamente, por meio da metodologia
que se dará a veracidade do que está sendo pesquisado.
Diante disso, e considerando a complexidade do estudo de fatores educacionais,
optou-se pela pesquisa qualitativa permeada por dados quantitativos, a fim de
alcançarmos nosso objetivo.
3.1 Abordagem utilizada – Pesquisa Qualitativa
A pesquisa ocorreu no campo da investigação qualitativa, que segundo Goldemberg
(2000, p, 49): “os dados da pesquisa qualitativa objetivam uma compreensão
profunda de certos fenômenos sociais apoiados no pressuposto da maior relevância
do aspecto subjetivo da ação social”. De fato, a pesquisa qualitativa é considerada
mais adequada, por atender o interesse do pesquisador, ao realizar um determinado
28
estudo, porque envolve a obtenção de dados, no contato direto do pesquisador com
a situação estudada.
3.2 Lócus da Pesquisa
Esta pesquisa ocorreu no Ginásio Municipal Antônio Simões Valadares, localizado
no bairro do Alto na Cidade de Itiúba-Ba, município integrante do polígono da seca
no semi-árido baiano, região cujos falares populares têm sido muito discriminados
no âmbito da mídia nacional e explorados até mesmo como elemento de chacota
nos programas de humor da televisão brasileira. A instituição que integra o Sistema
Público Municipal de Ensino funciona em três turnos diários e atende a uma clientela
de aproximadamente 900 alunos da 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamental.
A escolha desse lócus está ligada ao fato de que é grande a diversidade lingüística
nessa escola, pois atende a uma clientela de realidade cultural e social diversificada
cujos saberes lingüísticos variam tanto por razões geográficas, uma vez que a
instituição atende a alunos de diversas regiões do interior do município, como por
razões sociais, sendo que também atende a alunos de diversas classes econômicas.
3.3 Sujeitos da pesquisa
São sujeitos desta pesquisa, as professoras de Língua Portuguesa que atuam nos
três turnos de funcionamento do Ginásio Municipal Antônio Simões Valadares, num
total de oito docentes, sendo que cinco trabalham no turno matutino, duas no turno
vespertino e uma no turno noturno. Todas espontaneamente se dispuseram a
colaborar com a pesquisa diante do nosso compromisso de manter o sigilo das
informações coletadas.
29
3.4 Instrumentos de coleta de dados
Para a realização da pesquisa, foram utilizados alguns procedimentos, através do
uso dos seguintes instrumentos de coleta: Entrevista semi-estruturada, Questionário
Fechado e Análise Documental com o fim de alcançar os objetivos propostos.
3.4.1 Entrevista semi-estruturada
Tendo como finalidade maior identificar as compreensões que os professores
supramencionados têm de variações lingüísticas, realizamos uma entrevista, que
segundo Pádua (apud CARVALHO, 2005, p. 154) “... constituem uma técnica
alternativa para se coletar dados não-documentados sobre um determinado tema”.
Diante disso, entendemos sua importância ao realizarmos a coleta de dados. É
importante atentar também para o caráter de interação que permeia a entrevista. A
relação que se cria é de cooperação, havendo uma influência recíproca entre quem
pergunta e quem responde, na medida em que há um clima de estímulo e aceitação
mútua permitindo que as informações fluam de maneira notável e autêntica.
De acordo com Ludke e André (1986):
...a entrevista representa um dos instrumentos básicos para a coleta de dados [...] uma das principais técnicas de trabalho em quase todos os tipos de pesquisa utilizadas nas ciências sociais. Ela desempenha importante papel, não apenas nas atividades científicas como em muitas outras atividades humanas (p. 33).
Considerando os princípios apresentados pelos autores acima citados, as
entrevistas foram realizadas com dia e hora previamente estabelecidos,
devidamente combinados com as docentes, seguindo um roteiro de perguntas pré-
elaboradas com o intuito de identificar as compreensões que elas têm sobre
variações lingüísticas.
30
3.4.2 Questionário fechado
Optamos por este instrumento de coleta de dados por entender que o questionário
possibilita conhecer o perfil dos sujeitos e a sua relação com o objeto da pesquisa,
além de possibilitar um maior dinamismo no andamento do trabalho, uma vez que
colhe uma série de informações importantes em um curto período de tempo.
Segundo Pádua (apud CARVALHO, 2005) “os questionários são instrumentos de
coleta de dados que são preenchidos pelos informantes sem a presença do
pesquisador” (p. 155).
Os questionários constituem também uma fonte poderosa de onde podem ser
retiradas evidências que fundamentam afirmações e declarações coletadas por
outros instrumentos.
3.4.3 Análise documental
Nesse trabalho foram analisados documentos resultantes das atividades didáticas
realizadas pelos sujeitos da pesquisa nas aulas de Língua Portuguesa. Lüdke e
André(1986 p. 38), citando Phillips, (1974, p.187) defendem como documentos
válidos para a pesquisa, “quaisquer materiais escritos que possam ser usados como
fonte de informação sobre o comportamento humano.” Guba e Lincoln (1981)
apresentam uma série de vantagens para o uso de documentos na pesquisa
qualitativa educacional. Em primeiro lugar, destacam o fato de que os documentos
constituem uma fonte estável e rica. Persistindo ao longo do tempo, os documentos
podem ser consultados várias vezes e, inclusive, servir de base a diferentes
estudos, o que dá mais estabilidade aos resultados obtidos. É justamente por isso
que ao realizar a análise documental pudemos perceber a riqueza de informações
contidas no material coletado.
Ainda segundo Lüdke e André(1986):
31
[...] a análise documental pode se constituir numa técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos, seja complementando as informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema ou problema (p. 38).
Com o propósito de complementar as informações já obtidas por outras técnicas, a
análise foi realizada nos documentos fornecidos pelas referidas professoras que
foram: projetos e planos de ação, portfólios, textos diversos, atividades feitas em
sala de aula e avaliações.
3.5. Análise dos dados
A análise dos dados, neste trabalho se dá pela observação cuidadosa das
informações colhidas através dos instrumentos de coleta de dados que são
selecionadas e ou agrupadas de acordo com os objetivos aqui propostos. Bem
como, através do cruzamento das informações. Procurando resguardar a
privacidade dos sujeitos e a imparcialidade investigativa. “O pesquisador procura
revelar a multiplicidade de dimensões presentes numa determinada situação ou
problema, focalizando-o como um todo”, (LUDKE E ANDRÉ 1986, p.19),
estabelecendo um novo olhar e vislumbrando novas perspectivas dentro da
especificidade emergente.
32
CAPÍTULO IV
ANALISE DE DADOS E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS
Para facilitar a compreensão e interpretação dos dados, partimos da análise dos
questionários traçando o perfil das entrevistadas quanto ao sexo, estado civil, nível
de formação, tempo de profissão e renda. Em seguida, buscamos um
esclarecimento maior através do cruzamento dos dados já catalogados nos
questionários com as respostas às entrevistas. E, finalmente, fizemos a análise
documental com o objetivo de verificar através dos materiais examinados, alguma
relação com as informações colhidas através dos demais instrumentos utilizados.
4.1. Perfil dos sujeitos
4.1.1. Gênero
A pesquisa constatou uma homogeneidade de gênero entre as professoras
pesquisadas. Todas, ou seja, 100 % são do sexo feminino, mostrando a forte
presença da mulher na educação, especialmente como professora de Língua
Portuguesa.
4.1.2 Nível de formação Das professoras entrevistadas, apenas três possuem formação para o ensino de
Língua Portuguesa (Letras). Outras duas são pós-graduadas, mas não na área do
ensino de línguas. E, as demais, possuem apenas formação em Ensino Médio
(Magistério)
33
Como se vê, através da Figura -01, acima, a maioria não possui formação específica
para o ensino de Língua portuguesa apenas 37,5% são formadas em Letras. Entre
as demais, mesmo aquelas que possuem nível superior, são habilitadas ao Ensino
Fundamental – séries iniciais (Pedagogia). Algumas afirmaram ter feito alguma
capacitação (cursos de formação continuada) na área do ensino de Língua
Portuguesa.
4.1.3 – Tempo de ensino de Língua Portuguesa
Nota-se que a maioria pode ser considerada experiente com mais de cinco anos
trabalhando com o ensino da Língua Portuguesa e mesmo as duas de menos
experiência, também não são novatas na função. Por esses dados, é justo inferir
que essas profissionais, teoricamente, devem possuir prática suficiente para
discernir bem os conceitos e compreensões que envolvem o ensino da Língua
Portuguesa.
4.1.4 - Remuneração Entre as informantes constatou-se que a grande maioria (sete), ou seja, 87,5%
recebe entre 2 e 5 salários mínimos e que apenas uma recebe um salário mínimo.
5 anos de experiência
Entre dois e cinco salários mínimos
34
Os dados acima não surpreendem, pois, como se conhece de outras pesquisas
confirma-se que a profissão do magistério continua sendo pouco valorizada.
Considere-se que uma delas trabalha sessenta horas, outra trabalha vinte horas e
as outras seis quarenta horas. Nota-se por esta informação que as professoras
enfrentam grande dificuldade em garantir o sustento familiar, sendo obrigadas a se
desdobrarem numa carga horária desumana para auferirem uma remuneração
menos sacrificial e, portanto, comprometendo a qualidade do seu trabalho pela falta
de tempo disponível ao preparo das aulas e atividades.
4.1.5. Estado Civil Sobre o estado civil, apenas transcrevemos os dados coletados. A importância
dessa informação para a pesquisa está na influência que a situação tem sobre a
disponibilidade de tempo dos sujeitos. Pois aquelas que são casadas, normalmente,
enfrentam uma segunda jornada de trabalho ao deixar a sala de aula envolvendo-se
nas atividades domésticas. A figura abaixo mostra a predominância das casadas
entre as professoras entrevistadas. Apenas duas são solteiras e as outras seis são
casadas.
Trabalha 20 horas
35
4.2. Analisando dados das entrevistas
Durante as entrevistas, foi possível esclarecer muitos fatores importantes que são
transcritos a partir deste tópico. Para preservar a identidade das entrevistadas, aqui
os seus nomes estão substituídos por letras maiúsculas do alfabeto de A a H. sendo
que aparecerão sempre depois da abreviatura de professora “Profa.”.
4.2.1 – Freqüência das atividades que tratam das variações
A grande maioria (75%), das entrevistadas afirmou sempre desenvolver atividades
voltadas para a valorização das variedades lingüísticas em sala de aula enquanto
que outras duas afirmaram realizarem tais atividades somente às vezes.
Analisando as falas das entrevistadas notamos um discurso afirmativo de 75% das
entrevistadas em defesa da valorização das variedades lingüísticas em sala de aula.
A Profa. A: diz: “Acho importante contemplar os diferentes usos que pessoas, grupos
e povos fazem da língua”. A Profa. B: diz “Sempre que possível, procuro fazer uso
de textos que abordem os diferentes modos de fala, possibilitando uma reflexão
sobre a língua”.
Já a Profa. D, compreende a necessidade de combater o preconceito lingüístico, “É
necessário a valorização da língua, onde o preconceito lingüístico seja amenizado
ou até mesmo erradicado”. O que também aparece na fala da Profa. F: “Acho que a
importância da fala do aluno é sempre a mesma, não deve ser discriminada, mesmo
que seja diferente”. Esses discursos levam a conclusão de que as professoras,
75%
25%
Figura - 06 - Freqüências de aplicações de variedades lingüisticas
sempre às vezes
2 professoras
6 professoras
36
teoricamente, estão compreendendo a importância de valorizar as diferenças de
linguagens na sala de aula. E de combater o preconceito e a discriminação. Como
chama atenção, Soares (1999), que afirma:
[...] a fim de que o aluno não seja discriminado por usar um dialeto não-padrão em situações em que o dialeto-padrão é o único aceito, deve-se-lhe ensinar, na escola, o dialeto-padrão e a habilidade de usar esse dialeto ou o seu próprio de acordo com o contexto; para isso, a escola e os professores devem conhecer a teoria das diferenças dialetais, reconhecer que os dialetos não-padrão são sistemas lingüistas tão válidos quanto o dialeto-padrão e, assim ter atitudes positivas e não discriminativas em relação à linguagem dos alunos, (p.50)
As Profas. C e E, afirmam ter essa preocupação no exercício da sua prática,
embora, revelem pouca compreensão ao falar das variações – “Trabalho com textos:
descritivos, informativos, narrativos, poesias, entrevistas” (Profa.C). “Procuro
trabalhar com os diferentes tipos de texto, gêneros textuais e tipologia textual”
(Profa.E). Como se vê, elas referem-se a gêneros de escrita que poderiam ser
considerados representações da norma padrão. Resta saber qual seria a reação das
mesmas quando os alunos fogem a essa regra em alguma tarefa ou mesmo nas
conversas informais em sala de aula.
As outras 25% admitiram que não possuem informações suficientes referentes ao
tema variações lingüísticas e que os poucos conhecimentos que têm, adquiriram há
pouco tempo quando ingressaram na faculdade de Letras. E afirmam com
sinceridade: “Ainda não aplico tais atividades com freqüência pelo fato de ter poucas
informações sobre as mesmas” (Profa.G), e, “Não aplico com freqüência porque só
obtive o conhecimento de variações lingüísticas na faculdade” (Profa.H).
A dificuldade, por parte das professoras, em ensinar português através de recursos
didáticos que estimulem o interesse dos alunos pode estar no fato do pouco
conhecimento que eles possuem das pesquisas ligadas às Variedades Lingüísticas.
37
4.2.2. Atividades inseridas no processo
A segunda pergunta busca identificar como as atividades relacionadas às variações
lingüísticas eram introduzidas pelas professoras em sala de aula. 75% das
professoras disseram que são incorporadas na prática, naturalmente e 25%
afirmaram que é um processo difícil de incorporar.
Daquelas que afirmaram incorporar, naturalmente, as variações lingüísticas na
prática cotidiana da sala de aula, 25% explicaram que procuram promover reflexões
entre os alunos referentes ao uso da língua. “Procuro conciliar as diversas variações
lingüísticas com a norma ”padrão” fazendo-as existirem ao mesmo tempo no mesmo
espaço” (Profa. A). “Procuro levar os alunos a refletirem que não é correto
discriminar as variantes lingüísticas por não ser uma variante de prestígio social”
(Profa.B).
Outras 25%, afirmaram que essas atividades são inerentes ao processo de
aprendizagem, pois fazem parte da realidade dos alunos e podemos sintetizar suas
falas da seguinte forma: a realidade cultural da clientela é vasta e diversificada e á
medida que surgem necessidades e oportunidades essas atividades são praticadas.
Ainda 25% salientaram que é essencial o trabalho com diferentes textos, ficando
confusas as respostas das mesmas com relação ao que sejam variações lingüísticas
e podemos resumir suas falas da seguinte maneira: Trabalho com diferentes tipos
de textos.
São incorporados à prática naturalmente
É um processo difícil de incorporar
38
As ultimas 25% que afirmaram ser difícil de incorporar as variedades lingüísticas em
sala de aula. Afirmam estarem vindo de uma educação tradicionalista e por isso
dão grande ênfase ao ensino gramatical, deixando em segundo plano as variedades
lingüísticas.
Observa-se a re-configuração da apresentação gráfica dessas respostas de acordo
com as explicações dadas pelas docentes:
4.2.3. A Importância das Variações Lingüísticas
A terceira pergunta investiga o nível de importância que as variações lingüísticas
têm em suas práticas docentes. 100% das entrevistadas responderam: muita, sendo
que, 50% das professoras afirmaram que as atividades com variedades lingüísticas
propiciam uma consciência política e desperta os alunos para a luta contra o
preconceito tanto lingüístico quanto social. Reconhecem que as Variações
Lingüísticas são muito importantes porque preparam o aluno para a participação
social e a luta contra as desigualdades sociais, mostrando que uma não é melhor
que a outra, instituindo respeito às diferenças, buscando erradicar o preconceito e
evitando constrangimentos.
Percebe-se nas respostas de duas (25%) entrevistadas, que fugiram um pouco do
real significado da questão por ainda não compreender o universo dessas
variedades Observam que depois que começaram a desenvolver aulas envolvendo
Ênfase na reflexão 2 professoras
Ênfase na realidade dos alunos 2 professoras
Figura – 08 - Ênfases da prática dos sujeitos
39
os diferentes gêneros, perceberam que seus alunos desenvolveram o gosto pela
leitura e escrita.
Registramos que 25% das professoras, mesmo afirmando que as variações
lingüísticas na prática pedagógica são importantes, apresentam compreensões
mínimas do que sejam variações, pois se limitam às variedades locais referindo-se
às diferenças percebidas no contexto da sala de aula. Não demonstram
compreender da complexidade que envolve essa temática. “O confronto das
diversas culturas que existem nas salas de aula, visto que são alunos da zona
urbana, e rural”. (Profa. D) “Através das variações lingüísticas aprendemos a
respeitar o modo de falar de cada região”. (Profa. G)
Essas professoras entendem variedades apenas na divisão: fala rural e urbana,
porém, Bagno (2006), apresenta uma idéia bem mais ampla:
(...) é preciso também que, dentro da escola, haja espaço para o máximo possível de variedades: urbanas, rurais, cultas, não-cultas, falares, escritas, antigas, modernas, (...) para que as pessoas se conscientizem de que a língua não é um bloco compacto, homogêneo, mais sim um universo complexo, rico, dinâmico e heterogêneo (p.173-174)
Contudo, esses dados são ainda positivos, pois podemos considerar um grande
avanço quando docentes que não tiveram uma compreensão mais teórica sobre a
temática das variações Lingüísticas, conseguem identificá-las em seu contexto e
trabalhá-las.
Importantes porque combatem a discriminação 4 professoras
Importantes porque despertam o interesse pela leitura 2 professoras
40
4.2.4. Influências do preconceito lingüístico
Todas as entrevistadas afirmaram acreditar na influência do preconceito lingüístico
na evasão escolar e no desenvolvimento do aluno, enfatizando que em sala de aula,
se não houver valorização da variante falada pelos alunos, o resultado é a evasão
dos mesmos por se sentirem menosprezados e inferiorizados.
Podemos resumir as falas das professoras da seguinte forma: Na escola é comum
se considerar as variedades lingüísticas de menor prestígio social como inferiores ou
erradas e os alunos que as usam são tidos como ignorantes e muitas vezes são
repreendidos ou caçoados, os alunos sentem-se constrangidos ou até mesmo
excluídos, abandonam a escola ou apresentam baixo rendimento escolar.
Certamente envolve essa compreensão a afirmação de Soares (1999) quando se
refere à evasão escolar verificada nas escolas das camadas populares e salienta:
“o conflito entre a linguagem de uma escola fundamentalmente a serviço das classes privilegiadas cujos padrões lingüísticos usa e quer ver usados, e a língua das camadas populares, que essa escola censura e estigmatiza é uma das principais causas do fracasso dos alunos pertencentes a essas camadas, na aquisição do saber escolar.” (p.6)
(...) não só estamos longe de ter escola para todos, como também a escola que temos é antes contra o povo que para o povo: o fracasso escolar dos alunos pertencentes às camadas populares, comprovado pelos altos índices de repetência e evasão (...) (p.5)
As entrevistadas, sem exceção, demonstraram compreender a diferença entre
língua e linguagem, ao interpretarem a expressão: “No Brasil, não se fala uma só
língua” (BAGNO 2008). Todas afirmaram concordar com a frase e justificaram que
na nossa língua há variações. Podemos resumir suas falas da seguinte forma: A
variedade lingüística reflete a realidade social e devemos nos conscientizar da
riqueza da nossa língua em suas múltiplas formas, há no Brasil uma diversidade
cultural e cada grupo tem a sua própria linguagem, logo existem diferentes modos
de falar a mesma língua. Portanto, o pensamento das entrevistadas está de acordo
com o dos lingüistas quando descartam a idéia de unidade lingüística na Língua
Portuguesa do Brasil.
41
No Brasil, não se fala uma só Língua Portuguesa. Fala-se um certo número de
variedades desta mesma língua das quais algumas chegaram ao posto de norma-
padrão por motivos que não são de ordem lingüística, mas histórica, econômica,
social e cultural (BAGNO, 2006 p.27-28).
4.2.5. Mudanças no ensino da Língua Portuguesa
Ao se expressarem livremente sobre as suas opiniões pessoais a respeito do ensino
da Língua Portuguesa na atualidade, as professoras entrevistadas em sua grande
maioria (75%), sequer mencionam as variações lingüísticas, e as suas falas referem-
se à prática tradicional que aqui resumimos: O ensino de Língua Portuguesa está
deixando a desejar é preciso trabalhar a oralidade, leitura, gramática contextualizada
e escrita. Notemos como na prática prevalece a forma tradicional ao ensinar a
Língua Portuguesa.
Apenas 25% das professoras fazem referências às variações lingüísticas e
enfatizam que ainda existem profissionais que resistem às mudanças e insistem em
trabalhar de forma tradicional. – “... o que observo é que apesar de todo enfoque que
é dado ao trabalho com as variantes lingüísticas, ainda existem profissionais que
resistem às mudanças e insistem em trabalhar puramente a gramática normativa”
(Profa. B). “... precisa que se explorem mais as variações lingüísticas em sala de
aula, ainda há resistência por parte dos docentes em acatar essas mudanças”
(Profa. F).
42
4.3. Documentos analisados
A pesquisa solicitou das docentes, amostras dos materiais utilizados nas atividades
que elas desenvolvem em sala de aula voltadas para a valorização das variações
lingüísticas.
A resposta a essa solicitação foi bastante esclarecedora, pois a grande maioria
(75%) das pesquisadas não disponibilizou nenhum documento que mostrasse o lado
prático de seu trabalho com essa temática.
Os documentos coletados para análise foram relativamente poucos, contradizendo o
discurso apresentado nas respostas às entrevistas.
4.4. Síntese do discurso docente
Das análises dos dados coletados, pode-se constatar que o tema em questão é
satisfatoriamente conhecido, mas carece de maior aplicação prática. Não basta
conhecer e discursar a respeito.
Dessa análise, decorrem algumas observações relacionadas à aplicação dos
instrumentos cuja forma aplicada pode ter influenciado nas respostas. Visto que
algumas entrevistas foram realizadas antes da aplicação do questionário. Contudo,
atentos a essa questão, procuramos analisar além das falas das entrevistadas, sua
gesticulação, sua entonação de voz, buscando com o máximo de imparcialidade,
transcrever impressões fiéis das concepções das mesmas sobre o tema.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sem a pretensão de concluir o “inconclusível” devido à grande complexidade que
envolve os temas pedagógicos, e, especificamente, aqueles relacionados ao estudo
da Língua Portuguesa, este trabalho chega ao seu escopo final tecendo algumas
considerações de caráter reflexivo, como contribuição na discussão da problemática
das Variações Lingüísticas no ensino da Língua Portuguesa.
A análise dos resultados obtidos na pesquisa permite inferir que a temática das
Variações Lingüísticas na Língua Portuguesa está bastante socializada não somente
nos meios acadêmicos, mas, também, entre os profissionais do ensino de
Português.
Portanto, evidencia-se por esses resultados, a compreensão de que a resistência às
mudanças na prática do ensino da língua não se deve, como é de se supor, à falta
de conhecimento das novas propostas. O assunto tem sido muito debatido, inclusive
com o auxílio da mídia(televisão e revistas), há muitos textos enfocando essa
temática, de maneira que a maioria das professoras pesquisadas tem conhecimento
teórico sobre a temática e, em suas falas, comprovam a apreensão intelectual de
conceitos e princípios oriundos do debate da questão.
Todavia, apesar da aparente conscientização por parte da maioria das docentes
sobre a importância de valorizar as variações lingüísticas no contexto da sala de
aula e do ensino da língua, a maioria delas resiste em tornar práticas as propostas
de mudança que tão claramente afirmam postular. O ornamento perceptível nos
discursos aponta para uma perspectiva do “ideal” muito mais do que do “real”.
As variações lingüísticas precisam ser vistas como elementos de inclusão e
aproximação para favorecer o desenvolvimento do aluno e não como elementos de
exclusão e afastamento dos mesmos do convívio escolar, portanto devem ser
devidamente trabalhadas.
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Diante destas considerações fica evidente a necessidade de continuar o debate,
promover as reflexões, sobretudo buscando dirimir as possibilidades do contraditório
para possibilitar a valorização das variações lingüísticas no ensino da Língua
Portuguesa considerando a importância dessas mudanças no aspecto político e
social na construção das identidades dos discentes. Enfim, na concretização do
objetivo maior da educação – a construção da cidadania.
O ponto ao qual é necessário chegar nessa compreensão, não é o de que “não
existe mais nada errado em termos de língua e linguagem” como ironicamente
reagem a maioria das pessoas quando são abordadas sobre o assunto. Mais
importante que esse julgamento entre o certo e o errado, é encontrar as razões das
diferenças e buscar as regras próprias de cada uso da língua.
Também é importante estabelecer e trabalhar com as crianças os parâmetros
comparativos entre os diversos falares que se manifestam entre elas e a norma
padrão, exigida pela língua no momento da escrita. Visto que, na escrita, todos os
tipos de falas possuem normas a serem seguidas a fim de garantirem que a
mensagem será compreendida pelos leitores.
Portanto, o combate ao preconceito lingüístico e ou o respeito às variações, não
significam uma opção por determinado tipo de linguagem que represente essa ou
aquela parcela da sociedade, mas o trato democrático da questão valorizando a
diversidade e promovendo a igualdade e a cidadania.
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REFERÊNCIAS
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portuguesa. 43. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
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BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico: o que é, como se faz. 50 ed. São Paulo: Edições Loyola, 2008
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46
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JAPIASSU, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia, Jorge
Zahar, Rio de Janeiro, Editora Ltda. 1990
LIMA, Lilian Slete Alonso Moreira. Língua Portuguesa: história. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2009 LUDKE, Menga e ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em Educação: Abordagens qualitativas – EPU, São Paulo-SP 1986.. MELLO, Guiomar Namo. Cidadania e competividade, desafios Educacionais do 3º Milênio 7ª edição, São Paulo, Cortez, 1998. MINAYO, M. C. S. (org.) e Deslandes, Suely Ferreira. Pesquisa Social: Teoria, Metodo e criatividade, 27 Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. MOLLICA, Maria Cecília; BRAGA, Maria Luiza (orgs). Introdução à Sociolinguística: o tratamento da variação.3.ed. são Paulo: Contexto, 2007. SOARES, Magda Becher – Linguagem e escola: uma perspectiva social, 16ª Ed. Ática – São Paulo-SP, 1999.
ANEXOS
Universidade do Estado da Bahia
Departamento de Educação – Campus VII Pedagogia 2006.1
QUESTIONÁRIO SÓCIO-ECONÔMICO (Questionário Fechado)
Este instrumento de pesquisa tem como finalidade coletar informações de professores de Língua Portuguesa, que fornecerão ao pesquisador subsídios para o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), que tem por objetivo identificar quais os compreensões que os professores de Língua Portuguesa têm sobre Variações Lingüísticas.
Agradeço a valiosa colaboração, manterei o devido sigilo das informações, em uma postura ética enquanto pesquisadora. 1. Sexo ( ) Feminino ( ) Masculino 2. Qual o seu estado civil? ( ) Solteiro(a) ( ) Casado(a) 3. Qual o seu nível de formação? ( ) Magistério ( ) Mestrado
( ) Pedagogia ( ) Outros cursos superiores
( ) Pós-graduado(a) ( ) Letras
4. Há quanto tempo atua como professora de Língua Portuguesa? ( ) 1 ano ( ) 4 a 5 anos
( ) 2 a 3 anos ( ) Mais, quantos? _______________
5. Qual sua renda? ( ) 1 salário mínimo ( ) De 2 a 5 salários
mínimos
( ) Acima de 6 salários
Universidade do Estado da Bahia Departamento de Educação – Campus VII Pedagogia 2006.1
ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
Este instrumento de pesquisa tem como finalidade coletar informações de professores de Língua Portuguesa, que fornecerão ao pesquisador subsídios para o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), que tem por objetivo identificar quais as compreensões que os professores supracitados têm de variações lingüísticas.
Agradeço a valiosa colaboração, manterei o devido sigilo das informações, em uma postura ética enquanto pesquisadora.
1. Você aplica atividades que valorizam as variedades lingüísticas em suas aulas? ( ) Sim, sempre aplico
( ) Às vezes
( ) Não, não tenho (in)formação suficiente para aplicá-las
Justifique:
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2. Quanto às atividades relacionadas às variedades lingüísticas nas aulas: ( ) É um processo difícil de incorporar
( ) É incorporado à prática naturalmente
( ) Ainda não tive tempo de estudar essa temática
( ) Prefiro as atividades tradicionais; são mais rentáveis
Justifique:
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3. Que importância têm as variações lingüísticas em suas práticas pedagógicas? ( ) Muita ( ) Razoável
( ) Pouca ( ) Nenhuma
Justifique:
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4. Você acha que o preconceito lingüístico pode influenciar a evasão escolar e o desenvolvimento do aluno? ( ) Sim ( ) Não Justifique:
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5. Você concorda com a citação: “No Brasil, não se fala uma só língua”. (BAGNO) ? ( ) Sim ( ) Não Justifique:
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6. Qual a sua opinião a respeito do ensino da Língua Portuguesa na atualidade? ___________________________________________________________________
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