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LEANDRO IZIDORO GONALVES

INEXISTNCIA DE PRESCRIO INTERCORRENTE NO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL

Tubaro 2008

LEANDRO IZIDORO GONALVES

INEXISTNCIA DE PRESCRIO INTERCORRENTE NO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL

Monografia apresentada ao Curso de Graduao em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial obteno do ttulo de Bacharel.

Orientador: Prof. Fbio Borges, Esp.

Tubaro 2008

LEANDRO IZIDORO GONALVES

INEXISTNCIA DE PRESCRIO INTERCORRENTE NO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL

Esta Monografia foi julgada adequada obteno do ttulo de Bacharel em Direito e aprovada em sua forma final pelo Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Tubaro, 23 de junho de 2008. ______________________________________________________ Professor e orientador Fbio Borges, Esp. Universidade do Sul de Santa Catarina ______________________________________________________ Prof. Wilson Demo, Esp. Universidade do Sul de Santa Catarina ______________________________________________________ Prof. Greyce Ghisi Luciano Cabreira, Esp. Universidade do Sul de Santa Catarina

Aos meus pais, Antnio e Terezinha, pelo esforo na minha formao.

AGRADECIMENTOS

Agradeo, sobretudo, a Deus pelo Dom da vida, e por me contemplar a cada dia com um novo amanhecer. Aos amigos pela lealdade e companheirismo, em especial a minha colega de trabalho Claudinia Onofre Assuno Motta pela colaborao e sugestes para aprimoramento do trabalho. Ao meu orientador, pela ateno e sabedoria. Aos meus irmos pela lio de vida e pelo apoio e incentivo, que me prestaram e continuam a prestar.

os limites da minha linguagem significam os limites do meu mundo. (Wittgenstein).

RESUMO O presente trabalho tem por objeto o estudo da prescrio intercorrente no processo administrativo fiscal. Visa analisar os principais aspectos do referido instituto, buscando esclarecer as razes pelas quais no se tem a aplicao deste no processo administrativo fiscal. Teve como objetivos especficos, conhecer a natureza estrutural das regras de formao, exigibilidade e extino do crdito tributrio, distinguindo aqui o instituto da prescrio com a decadncia, efetuando, tambm, comparao entre as inter-relaes da prescrio intercorrente do processo judicial tributrio ao mbito do processo administrativo fiscal. Para compreenso, tratou-se dos princpios constitucionais da Administrao, arrolados no artigo 37, caput, da Constituio Federal de 1988 e aqueles inerentes ao processo administrativo fiscal. Ainda, foram delineadas as regras jurdicas reguladoras da constituio at a extino do crdito tributrio. Com efeito, o mtodo utilizado para elaborao deste trabalho foi o dedutivo, monogrfico quanto ao procedimento e bibliogrfico no que diz respeito pesquisa, direcionada especialmente anlise de livros e artigos cientficos. Constatou-se que, pelos que defendem a aplicabilidade desse instituto, ora consagram-lhe pela tese da perempo ora da decadncia. J pelos que no a reconhecem, a prescrio intercorrente no processo administrativo fiscal, defendem que ela no pode ser alegada enquanto o crdito tributrio estiver com sua exigibilidade suspensa em face de recurso interposto pelo sujeito passivo. Por outro lado, seria impossvel reconhec-la sem que haja lei o que defina ou mesmo por contrariar os princpios constitucionais da administrao pblica e os princpios especficos do processo administrativo fiscal. Percebeu-se haver maior solidez nos fundamentos tendentes a afastar a ocorrncia da prescrio intercorrente no processo administrativo fiscal, especialmente quando o Cdigo Tributrio Nacional determina a suspenso do prazo prescricional enquanto o recurso administrativo no estiver sido julgado. Igualmente, fundamentado no princpio da legalidade, est o fato de no haver lei prvia definindo regras para sua ocorrncia de prescrio intercorrente a esse mbito. Ainda assim, outros so os princpios que trazem fatos impeditivos de sua ocorrncia.

Palavras-chave: Tributrio. Processo Administrativo Fiscal. Crdito Tributrio. Prescrio Intercorrente.

ABSTRACT The objective of the present paper is to study the intercurrent lapse in the fiscal administrative process. It will analyze the main aspects of the above-mentioned institute, seeking clarification for the reasons why there are no applications of it in the fiscal administrative process. The specific objectives are, to know the structural nature of the formation rules, chargeability and the tributary extinction, distinguishing here the lapse institute with the decadence, doing also the comparison between the inter-relation of the intercurrent lapse of the tributary judicial process in the ambit of the fiscal administrative process. To better comprehend this, the Administration constitutional principles, found in the article 37, caput, of the 1988 Federal Constitution and those inherent to the fiscal administrative process were analyzed. Also, the judicial regulation rules of the constitution were outlined until the tributary extinction. That is why the method used on the execution of this paper was deductive, monographic for the procedure and bibliographic when it comes to research, which is directed especially to the analysis of books and scientific articles. It was established that those who defend the relevance of this institute sometimes render sacred the lapse theses, other times, the decadence. Those who do not recognize it, the intercurrent lapse in the fiscal administrative process, defend that it cannot be alleged while the tributary credit is with its chargeability suspended against the interposed appeal by the passive subject. On the other hand, it would be impossible to recognize it without there being a law that defines it, or even because it contradicts the constitutional principles of public administration and the specific principles of the fiscal administrative process. It was perceived that there is more firmness in the principles that tend to dismiss the occurrence of the intercurrent lapse in the fiscal administrative process, especially when the National Tributary Code orders the suspension of the limitation period while the administrative appeal is not judged. In the same way, based upon the principle of legality, there is the fact that there wasn't a previous law defining the rules for its intercurrence lapse occurrence. Still, others are the principles that bring impending facts to its occurrence Keywords: Tributary. Fiscal Administrative Process. Tributary Credit. Lapse. Intercurrent.

SUMRIO

1 INTRODUO ......................................................................................................................... 11 2 PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAO PBLICA......................... 12 2.1 CONCEITO DE PRINCPIO.................................................................................................... 12 2.1.1 Princpio da legalidade........................................................................................................ 13 2.1.2 Princpio da impessoalidade ou finalidade........................................................................ 14 2.1.3 Princpio da moralidade...................................................................................................... 15 2.1.4 Princpio da publicidade ..................................................................................................... 17 2.1.5 Princpio da eficincia ......................................................................................................... 18 3 PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL E SEUS PRINCPIOS ................................... 21 3.1 PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL ............................................................................ 21 3.1.1 Legislao aplicvel ao processo administrativo fiscal .................................................... 21 3.1.2 Natureza do processo administrativo fiscal ...................................................................... 22 3.1.3 Fases do processo administrativo fiscal............................................................................. 24 3.1.3.1 Fase administrativa............................................................................................................. 24 3.1.3.2 Fase Litigiosa ..................................................................................................................... 26 3.1.4 Julgamento da lide fiscal..................................................................................................... 27 3.2 PRINCPIOS APLICVEIS .................................................................................................... 31 3.2.1 Princpio do devido processo legal ..................................................................................... 31 3.2.2 Princpio do contraditrio .................................................................................................. 33 3.2.3 Princpio da ampla defesa................................................................................................... 34 3.2.4 Princpio da ampla instruo probatria .......................................................................... 35 3.2.5 Princpio do duplo grau de cognio ................................................................................. 36 3.2.6 Princpio julgador competente ........................................................................................... 37 3.2.7 Princpio da ampla competncia decisria........................................................................ 38 3.2.8 Princpio da oficialidade ..................................................................................................... 39 4 CRDITO TRIBUTRIO........................................................................................................ 40 4.1 CONCEITO DE CRDITO TRIBUTRIO............................................................................. 40 4.2 FORMAS DE CONSTITUIO DO CRDITO..................................................................... 42 4.2.1 Lanamento.......................................................................................................................... 42 4.3 FORMAS DE SUSPENSO .................................................................................................... 44 4.3.1 Reclamaes e recursos administrativos ........................................................................... 45 4.4 FORMAS DE EXCLUSO DO CRDITO TRIBUTRIO .................................................... 48

4.5 FORMAS DE EXTINO DO CRDITO TRIBUTRIO ..................................................... 48 4.5.1 Prescrio ............................................................................................................................. 49 4.5.1.1 Conceito de prescrio ....................................................................................................... 49 4.5.1.2 Diferena entre prescrio e decadncia ............................................................................ 52 4.5.1.3 Termo inicial e final para a prescrio ............................................................................... 53 4.5.1.4 Interrupo da prescrio ................................................................................................... 55 4.5.1.5 Suspenso da prescrio ..................................................................................................... 56 5 PRESCRIO INTERCORRENTE NO PROCESSO ADIMINISTRATIVO FISCAL .. 59 5.1 CONCEITO .............................................................................................................................. 59 5.2 PRESCRIO INTERCORRENTE NO PROCESSO JUDICIAL.......................................... 60 5.3 PRESCRIO INTERCORRENTE NO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL........... 61 6 CONCLUSO ........................................................................................................................... 68 REFERNCIAS ........................................................................................................................... 70

1 INTRODUO

O presente trabalho versa sobre a prescrio intercorrente no processo administrativo fiscal. Ressalta-se oportuno que o processo administrativo fiscal um mecanismo posto disposio do sujeito passivo para possibilitar sua insurgncia, ainda na esfera administrativa, face exigncia fiscal. A atividade administrativa fiscal no objetiva usurpar a competncia ou excluir a possibilidade acesso ao Poder Judicirio. voltada realizao de um outro interesse, qual seja, de possibilitar que os conflitos de natureza tributria sejam solucionados diretamente entre cidado e Estado, sem a necessidade de instaurar uma discusso judicial. Para tanto, ao longo do tempo, foram incorporadas ao processo administrativo uma srie de prerrogativas, de modo que atualmente ele encontra-se cercado por uma gama de princpios e regras que o orientam, como se analisar adiante. Como forma de atribuir mais uma garantia ao sujeito passivo, se tem defendido que, em prol de uma durao razovel do processo administrativo, a ele lhe seja aplicado o instituto da prescrio. E, neste contexto, a doutrina no unnime ao definir se existe ou no prescrio intercorrente no processo administrativo. A importncia do tema est exatamente no fato de que interfere na rotina da Administrao Pblica e, sobretudo, para o prprio cidado. A questo assume maior relevncia, como tratado adiante, ao se constatar que o Poder Judicirio, em determinado momento, j reconheceu a possibilidade de ocorrncia da prescrio intercorrente no processo administrativo fiscal. A par disso, se focalizar como objetivo central da presente monografia, a anlise dos principais aspectos do instituto da prescrio intercorrente, visando demonstrar os fundamentos para sua inaplicabilidade na seara administrativa Fiscal. Desse modo, para o desenvolvimento do trabalho, o mtodo utilizado foi o dedutivo, monogrfico quanto ao procedimento e bibliogrfico no que diz respeito pesquisa, direcionada para anlise de diversos autores que tratam sobre o tema, bem como da legislao pertinente. O trabalho dividir-se-, sistematicamente, em quatro captulos, visando assim, propiciar uma melhor anlise e compreenso do tema em comento.

Neste vis, no primeiro captulo sero abordados os princpios informadores da Administrao Pblica, os quais se encontram arrolados no artigo 37, caput, da Constituio Federal de 1988. No segundo, ser analisada a estruturao do processo administrativo fiscal, bem como seu campo normativo e os princpios que lhe so inerentes. No terceiro, o enfoque dar-se- sobre o crdito tributrio, detalhando suas caractersticas, desde a constituio, at sua extino. E por fim, o quarto captulo se preocupar em estudar, a partir dos temas trabalhados anteriormente, o instituto da prescrio intercorrente direcionada ao mbito do processo administrativo fiscal. Isto posto, o presente trabalho tem como intuito apresentar razes pelas quais no se tem a aplicao do instituto da prescrio intercorrente no processo administrativo fiscal.

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2 PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAO PBLICA

Antes de iniciar um estudo especfico sobre a prescrio intercorrente no processo administrativo fiscal, impe-se a identificao de parmetros gerais que norteiam toda a Administrao Pblica e, por conseqncia, a disciplina do processo administrativo. Neste aspecto, oportuna a anlise dos princpios constitucionais que orientam a Administrao Pblica, pois eles possuem substancial importncia na atuao do Administrador Pblico, bem como na feitura dos atos atinentes. Desta feita, urge, a prima facie, examinar as caractersticas de alguns destes princpios.

2.1 CONCEITO DE PRINCPIO

A palavra princpio, na linguagem vulgar, tem sentido de aquilo que vem antes de outro, origem, comeo. Logo, chamando colao Di Pietro, pode-se compreender que o Direito Administrativo , pois, dominado pela idia de princpio, seno vejamos:Sendo o direito administrativo de elaborao pretoriana e no codificado, os princpios representam papel relevante nesse ramo do direito, permitindo Administrao e ao Judicirio estabelecer o necessrio equilbrio entre os direitos dos administrados e as prerrogativas da Administrao.1

Enfatizando a importncia dos princpios no ordenamento jurdico ensina Melloviolar um princpio muito mais grave que transgredir uma norma. A desateno ao princpio implica ofensa no apenas a um especfico mandamento obrigatrio, mas a todo o sistema de comandos. a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalo do princpio violado, porque representa insurgncia contra todo o sistema, subverso de seus valores fundamentais, contumlia irremissvel a seu arcabouo lgico e corroso de sua estrutura mestra.2

1 2

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20. ed. So Paulo: Atlas, 2007. p. 58. MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 23. ed. rev. e atual. So Paulo: Malheiros, 2007, p. 927.

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Assim, compreende-se princpios como sendo normas gerais e abstratas, no necessariamente positivadas, porm s quais todo ordenamento jurdico que se construa com a finalidade de ser um Estado Democrtico de Direito, em sentido material,3 deve respeito. Trazendo tal acepo para o Direito Administrativo, pode-se afirmar que este ramo do conhecimento que fundamentado por uma srie de proposies diretivas, as quais constituem um bloco sistemtico e harmnico, ser informado por princpios que o constituiro. Ao cabo disso, por ser a Administrao Pblica informada por diversos princpios, conveniente examinar aqueles arrolados na Constituio Federal Brasileira de 1988, em especial os expressos no seu artigo 37, caput, quais sejam: o da legalidade, o da impessoalidade, o da moralidade, o da publicidade e o da eficincia.4 Estes princpios, como se ver, destinam-se de um lado, a orientar a ao do administrador na prtica de seus atos e, de outro lado a garantir a boa administrao.

2.1.1 Princpio da legalidade

Este o princpio capital para configurao do regime jurdico-administrativo do Estado Brasileiro, vez que consagra a idia de que a Administrao Pblica s pode ser exercida na conformidade da lei. Tem-se, ento, a submisso do Estado lei. Assim, na Administrao Pblica no h espao para qualquer exacerbao personalista dos governantes, o que, nas lies de Meireles, tido que enquanto na Administrao particular lcito fazer tudo que a Lei no probe, na Administrao Pblica s permitido fazer o que a lei autoriza.5 Em decorrncia disso, o agente pblico, as autoridades, enfim, toda a Administrao, s podero fazer o que o preceito normativo determina ou permite

3

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O Estado Democrtico de Direito - estabelecido em nosso Sistema Constitucional - contm, na sua essncia os pressupostos materiais subjacentes ao Estado de direito: a) judicidade; c) constitucionalidade; c) direitos fundamentais e mais alguns outros pressupostos que decorrem do princpio democrtico, a saber: princpio da justia social, princpio da igualdade [...]. Cf.: BUENO, Vera Scarpinella et al. Devido processo legal na administrao pblica. So Paulo: Max Limonad, 2001, p. 101. BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia, DF, 5 de outubro de 1988. Disponvel em:. Acesso em: 23 abr. 2008. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 33. ed. atual. So Paulo: Malheiros, 2007, p. 87.

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expressamente, devendo agir de acordo com a lei, no podendo prevalecer frente a estes, decises e interesses individuais. Ainda, de se pontuar que, alm de retratar as regras principiolgicas, visando garantir a sua observncia pelos agentes administrativos, editou o legislador constitucional mecanismos que assegurassem a sua efetivao, como bem retrata Di Pietro, destacando inicialmente o artigo 5, inciso XXXV, da Constituio Federal e na seqncia outros remdios especficos.A observncia do referido preceito constitucional garantida por meio de outro direito assegurado pelo mesmo dispositivo, em seu inciso XXXV, em decorrncia do qual "a Lei no excluir da apreciao do Poder Judicirio leso ou ameaa de leso", ainda que a mesma decorra de ato da Administrao. E a Constituio ainda prev outros remdios especficos contra a ilegalidade administrativa, como a ao popular, o habeas corpus, o habeas data, o mandado de segurana e o mandado de injuno; isto tudo sem falar no controle pelo Legislativo, diretamente ou com auxilio do Tribunal de Contas, e no controle pela prpria Administrao. 6

Observa-se, portanto, a importncia do princpio dantes apresentado. Entretanto, alm de atender legalidade, o ato do administrador pblico deve conformar-se com a moralidade e a finalidade administrativas para dar legitimidade sua atuao, cujos aspectos sero alhures demonstrados.

2.1.2 Princpio da impessoalidade ou finalidade

A Impessoalidade ou Finalidade relaciona-se ao preceito que impe a cada autoridade pblica, no exerccio da atividade administrativa, a sopesao de vrios interesses, sempre com intuito de atingir a finalidade que resguarde interesse pblico. No pode a Administrao agir por interesses polticos, de grupos ou particulares, como bem enuncia Meireles, porquanto preocupa-se o princpio da finalidade em almejar o interesse pblico:O que o princpio da finalidade veda a prtica de ato administrativo sem interesse pblico ou convenincia para a Administrao, visando unicamente satisfazer interesses privados, por favoritismo ou perseguio dos agentes governamentais, sob

6

DI PIETRO, 2007, p. 59.

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a forma de desvio de finalidade. Esse desvio de conduta dos agentes pblicos constitui uma das mais insidiosas modalidades de abuso de poder. 7

D sentido diverso ao referido princpio Silva, por entender que os atos e provimentos administrativos so imputveis no ao funcionrio que os pratica, mas ao rgo ou entidade administrativa em nome da qual age o funcionrio.8 Nesse quadrante, revela-se lcida a ponderao feita pelo referido autor vez que as realizaes administrativo-governamentais no so do funcionrio ou autoridade, mas da entidade pblica. Tanto que, por exemplo, nos casos de dano a terceiros quem responde Administrao e no o funcionrio, conforme artigo 37, 6, da Constituio Federal. Di Pietro, por sua vez retrata as duas interpretaes explanadas acima, pontuando que exigir impessoalidade da Administrao tanto pode significar que esse atributo deve ser observado em relao aos administrados como prpria Administrao.9 Na seqncia, apresenta a mesma autora uma forma especifica de aplicao desse princpio, seno vejamos:Outra aplicao desse princpio encontra-se em matria de exerccio de fato, quando se reconhece validade aos atos praticados para o funcionrio irregularmente investido no cargo ou funo, sob fundamento de que os atos so do rgo e no do agente pblico. 10

Tem-se, portanto, a idia de que, em no sendo o ato do administrador praticado de forma impessoal, este poder vir a ser invalidado.

2.1.3 Princpio da moralidade

No obstante a semelhana existente entre a idia de moral comum, refere-se tal princpio a uma espcie de moral diferenciada, conhecida por moral administrativa, tambm chamada de moral jurdica, imposta Administrao Pblica como um pressuposto de validade de seus atos. Neste sentido, afirma Di Pietro citando Brando que:

7 8 9 10

MEIRELLES, 2007, p. 92. SILVA, Jos Afonso da. Direito Constitucional Positivo. 29 ed. So Paulo: Malheiros, 2007, p. 667. MEIRELLES, op. cit., p. 92. MEIRELLES, loc. cit.

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faz um estudo da evoluo da moralidade administrativa, mostrando que foi no direito civil que a regra moral primeiro se imiscuiu na esfera jurdica, por meio da doutrina do exerccio abusivo dos direitos e, depois, pelas doutrinas do nolocupletamento custa alheia e da obrigao natural. Essa mesma intromisso verificou-se no mbito do direito pblico, em especial no direito administrativo, no qual penetrou quando se comeou a discutir o problema do exame jurisdicional do desvio de poder. 11

Neste caminho, percebe-se que viol-lo implicar transgresso ao prprio Direito, configurando ilicitude que comina a invalidao da conduta viciada, porquanto referido princpio assumiu foros de pauta jurdica (artigo 37, Constituio Federal). Com efeito, compreendem-se em seu mbito os chamados princpios da lealdade e boaf. A este respeito, comenta Mello:

Por fora mesmo destes princpios da lealdade e boa-f, firmou-se o correto entendimento de que orientaes firmadas pela Administrao em dada matria no podem, sem prvia e publica notcia, ser modificadas em casos concretos para fins de sancionar, agravar a situao dos administrados ou denegar-lhes pretenses, de tal sorte que s se aplicam aos casos ocorridos depois de tal notcia. Acresa-se que, nos termos do art. 85, V, da Constituio, atentar contra a probidade na administrao hiptese prevista como crime de responsabilidade do Presidente da Repblica, fato que enseja sua destituio do cargo. De resto, os atos de improbidade administrativa dos servidores pblicos importaro a suspenso dos direitos polticos, a perda da funo pblica a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao errio, na forma e gradao previstas em lei, sem prejuzo da ao penal cabvel (art. 37, 4).12 (grifo do autor)

Na aferio de Meireles, utilizando-se das lies de Franco Sobrinho, encontra-se ligada moralidade administrativa ao conceito de bom administrador, ou seja, quele que usando de sua competncia legal, se determina no s pelos preceitos vigentes, mas tambm pela moral comum." 13 H que conhecer, assim, as fronteiras do lcito e do ilcito, do justo e do injusto nos seus efeitos. E explica o mesmo autor, in verbis:

Quando usamos da expresso nos seus efeitos, para admitir a lei como regra comum e medida ajustada. Falando, contudo de boa administrao, referimo-nos subjetivamente a critrios morais que, de uma maneira ou de outra, do valor jurdico vontade psicolgica do administrador. 14 (Grifo do Autor)

11 12 13 14

BRANDO apud DI PIETRO, 2007, p. 68 - 69. MELLO, 2007, p.115 - 116. FRANCO SOBRINHO apud MEIRELLES, 2007, p. 90. FRANCO SOBRINHO apud MEIRELLES, loc. cit.

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Apresentados estes principais aspectos do princpio ora analisado, passa-se ao estudo do princpio da publicidade.

2.1.4 Princpio da publicidade

Fundamenta-se este princpio em propiciar a divulgao e transparncia dos atos da Administrao entre os administrados. Destaca-se que, com exceo das situaes de sigilo previstas em lei, no pode haver ocultao, aos administrados, dos assuntos que a todos interessam, e muito menos em relao aos sujeitos afetados por alguma medida. S com a transparncia que podero os indivduos aquilatar a correo ou no dos atos e grau de eficincia de que se revestem. Com efeito, a regra da transparncia administrativa, vem reforada pelo inciso XXXIII do artigo 5 da Constituio Federal, que asseguram a todos o direito de obter dos rgos pblicos informaes de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral, e pelo inciso XXXIV que reconhece o direito obteno de certido dos rgos pblicos para defesa de direitos e esclarecimento de situaes de interesse pessoal. Ademais, o mesmo artigo 5, em seu inciso LXXII, confere a garantia do habeas data assegurando ao administrado o direito de conhecer e retificar informaes pessoais constantes de entidades governamentais ou de carter pblico.15 Alm desses, um outro aspecto do princpio em tela merece ser abordado, qual seja: a sua produo de efeitos jurdicos. E para que seja possvel o seu estudo, faz-se necessrio abordar as formas de divulgao dos atos e decises administrativos. Tem-se como regra bsica, a de que a publicidade deve se dar por meio de rgo oficial, como bem informa Silvaa publicidade se faz pela insero do ato no jornal oficial ou por edital afixado no lugar de divulgao de atos pblicos, para propiciao de conhecimento do pblico em geral e incio de produo de seus efeitos. A publicao oficial exigncia da executoriedade do ato que tenha que produzir efeitos externos. Em alguns casos ao interessado no ato ou quem o ato prejudica. 16 (grifo do autor)

15 16

BRASIL, 1988, loc. cit. SILVA, 2007, p. 670.

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Acrescenta Meireles a idia de que o princpio da publicidade visa, inclusive, propiciar a divulgao da conduta interna dos agentes Estatais:A publicidade, como princpio de Administrao Pblica (CF, art. 37, caput), abrange toda atuao estatal, no s sob o aspecto de divulgao oficial de seus atos como tambm de propiciao de conhecimento da conduta interna de seus agentes. Essa publicidade atinge, assim, os atos-concludos e em formao, os processos em andamento, os pareceres dos rgos tcnicos e jurdicos, os despachos intermedirios e finais, as atas de julgamentos das licitaes e os contratos com quaisquer interessados, bem como os comprovantes de despesas e as prestaes de contas submetidas aos rgos competentes. 17

Um outro ponto que marca esse princpio encontra-se delineado no artigo 37, 1, do texto constitucional18, segundo o qual se tem por dever da Publicidade Oficial, apresentar carter educativo, informativo ou de orientao social, vedando promoo pessoal de autoridades ou agentes pblicos.

2.1.5 Princpio da eficincia

Acrescentado ao corpo do texto Constitucional pela Emenda Constitucional n 19 de 1998, para integrar como mais um dos princpios constitucionais da Administrao Pblica, apresenta-se atualmente sobre diferentes interpretaes pela doutrina. Meirelles trata-o como um dos deveres da Administrao Pblica, ressaltando queo princpio da eficincia exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeio e rendimento funcional. o mais moderno princpio da funo administrativa, que j no se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o servio pblico e satisfatrio atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros. 19

Reala mais este princpio Di Pietro, ao apresentar inicialmente dois de seus respectivos aspectos: pode ser considerado em relao ao modo de atuao do agente pblico, do qual, segundo a referida autora, espera-se o melhor desempenho possvel de suas atribuies, para lograr os melhores resultados; e outro lado relacionado ao modo de17 18 19

MEIRELLES, 2007, p. 95. BRASIL, 1988, loc. cit.. MEIRELLES, op.cit., p. 96.

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organizar, estruturar, disciplinar a Administrao Pblica, tambm com o mesmo objetivo de alcanar os melhores resultados na prestao do servio pblico.20 Na acepo de Figueiredo, pouco se extrai de substancial da incluso do referido princpio no corpo do artigo 37 da Constituio Federal pela Emenda Constitucional n 19, o qual aparenta simplesmente dizer que a Administrao deveria agir com eficcia, caracterstica que para ele sempre foi esperada dos administrados, causando, hodiernamente, muito trabalho aos juristas para tentar compreender tais figuras emprestadas, sobretudo do Direito Americano, absolutamente diferente do Direito Brasileiro. 21 De forma um pouco mais radical Mello assevera quede toda sorte, o fato e que tal princpio no pode ser concebido (entre ns nunca demais fazer ressalvas bvias) seno na intimidade do princpio da legalidade, pois jamais uma suposta busca de eficincia justificaria postergao daquele que o dever administrativo por excelncia.22

Merece guarida a ponderao do doutrinador supra, inclusive se coligada ao que j previa o legislador constitucional, nos artigos 70 ou 74, do texto constitucional, no que tange eficincia na execuo oramentria. Dentro dessa idia de eficincia nos gastos de recursos pblicos, observa Carvalho Filho sua forma de controle administrativa e judicial:de um lado, h que se respeitar as diretrizes e prioridades dos administradores pblicos, bem como os recursos financeiros disponveis e, de outro, no se pode admitir que o princpio constitucional deixe de ser respeitado e aplicado. Os controles administrativo (de carter interno e processado pelos prprios rgos administrativos) e legislativo so reconhecidamente legtimos e indubitveis luz dos arts. 74 e 70 da Lei Maior, respectivamente. O controle judicial, entretanto, sofre limitaes e s pode incidir quando se tratar de comprovada ilegalidade. Como tem consagrado corretamente a doutrina, o Poder Judicirio no pode compelir a tomada de deciso que entende ser de maior grau de eficincia, nem invalidar atos administrativos invocando exclusivamente o princpio da eficincia. Note-se que a idia no pretende excluir inteiramente o controle judicial, mas sim evitar que a atuao dos juizes venha a retratar devida interveno no crculo de competncia constitucional atribuda aos rgos da Administrao. 23 (Grifo do Autor)

Sob tica diversa, Silva define eficcia no num conceito jurdico, mas econmico, in verbis:20 21 22 23

DI PIETRO, 2007, p. 75. FIGUEIREDO, Lcia Valle. Curso de direito administrativo. 7. ed. rev., atual. e ampl. So Paulo: Malheiros, 2004, p. 64. MELLO, 2007, p.118. CARVALHO FILHO, Jos dos Santos. Manual de direito administrativo. 12. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 21 - 22.

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Numa idia muito geral, eficcia significa fazer acontecer com racionalidade, o que implica medir os custos que a satisfao das necessidades pblicas importam em relao ao grau de utilidade alcanado. Assim, o princpio da eficincia, introduzido agora no art. 37 da Constituio pela EC-19/98, orienta a atividade administrativa no sentido de conseguir os melhores resultados com os meios escassos de que se dispe e a menor custo. Rege-se, pois, pela regra da consecuo do maior benefcio com o menor custo possvel. Portanto, o princpio da eficincia administrativa tem como contedo a relao meios e resultados. [...]. Na Administrao Pblica as condies de eficincia so diferentes por que, em relao aos bens pblicos, vale o princpio de no-excluso, isto , o consumo da parte de um agente econmico no exclui a possibilidade que outros consumam contemporaneamente o mesmo bem; enquanto no caso dos bens privados cada um consome diversas quantidades ao mesmo preo, no caso dos bens pblicos (p.ex., a defesa nacional), todos consomem a mesma quantidade atribuindo-lhes valores diferentes. que o financiamento do custo dos bens pblicos decorre normalmente de imposio tributria, cujo montante independente das preferncias individuais, como ocorre nos preos de bens privados. 24 (Grifo do Autor)

E completa afirmando que o princpio da eficincia administrativa consiste na organizao racional dos meios e recursos humanos, materiais e institucionais para a prestao de servios pblicos de qualidade, com maior economia de recursos possvel.25 Por fim, traz-se a baila as lies de Di Pietro, segundo a qual a eficincia princpio que se somam aos demais princpios impostos a Administrao, no podendo sobrepor-se a nenhum deles, especialmente ao da legalidade, sob pena de srios riscos segurana jurdica e ao prprio Estado de Direito.26 Isto ponderado, no captulo seguinte o processo administrativo fiscal e os princpios de maior importncia, que lhe so inerentes.

24 25 26

SILVA, 2007, p. 671. SILVA, loc. cit. DI PIETRO, 2007, p. 76.

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3 PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL E SEUS PRINCPIOS

Para melhor compreender o processo Administrativo fiscal, convm estud-lo tanto sob seu aspecto legal, como dos princpios que o informam. Sendo assim, este captulo objetiva, num primeiro momento, descrever o processo administrativo fiscal, tomando como referncia o processo administrativo fiscal em nvel federal, para em segundo plano analis-lo sob a tica dos princpios que lhes so especficos.

3.1 PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL

Diante dos limites de espao impostos ao presente trabalho monogrfico imprescindvel uma apreciao sistematizada sobre o processo administrativo fiscal, no com o intuito de esgotar o tema, mas apenas de apresentar a sua essncia a toque dos preceitos legais e doutrinrios, de modo a possibilitar a discusso que se agigantar o ltimo captulo.

3.1.1 Legislao aplicvel ao processo administrativo fiscal

Vrios quadrantes compem o sistema positivado do processo administrativo fiscal. O ordenamento jurdico brasileiro, embora tenha comeado a conviver com o processo administrativo tributrio desde 1889, com a promulgao da primeira Constituio Republicana, no est dotado, ainda na poca atual, de elementos consolidados a elev-lo ao patamar em que encontram outras entidades jurdicas de direito formal, como por exemplo, o direito processual civil, direito processual penal. Tem-se em diferentes nveis do Processo administrativo fiscal o respeito s normas regulamentadoras, sobre quais se debrua o presente trabalho a partir deste momento. Sob o prisma constitucional, ao lado do artigo 37, caput, da Constituio Federal, retratado no captulo anterior, convergem outros princpios, dentre estes os insculpidos nos

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incisos do artigo 5, os quais estendem alguns direitos fundamentais do cidado ao processo administrativo fiscal. Institudas por lei complementar geral, regras processuais so traadas pelo Cdigo Tributrio Nacional, especialmente a impugnao ao lanamento (artigo 145), suspenso por reclamaes ou recursos da exigibilidade do crdito tributrio (artigo 151) e relacionado extino do crdito tributrio via deciso administrativa (artigo 156), que sero tratadas adiante. Adstrito ao nvel ordinrio geral do processo administrativo federal, encontra-se este regido hoje pela Lei n 9.784/99. No plano ordinrio federal, regulamenta o procedimento e processo administrativo tributrio federal o Decreto n 70.235/72, com suas alteraes posteriores. Por fim, quanto ao mbito ordinrio estadual, distrital e municipal, compem-se estes de inmeras leis estaduais e municipais em todo o Pas, que disciplinam o processo e o procedimento administrativo tributrio, dada a autonomia que a Constituio conferiu a tais entes.

3.1.2 Natureza do processo administrativo fiscal

Sob o exame das normas processuais citadas na seo anterior, em especial a Constituio Federal de 1988, o Cdigo Tributrio Nacional, o Decreto n 70.235/72 e Lei 9.784/99, bem como, nas legislaes estaduais e municipais, impe-se asseverar que o processo administrativo fiscal atua na soluo administrativa das lides tributrias, como se ver. Antes de apontar qualquer definio da natureza desse instituto, urge apreciar um outro aspecto ligado ao tratamento conferido ao processo e ao procedimento administrativo fiscal. Ainda que a discusso entre processo e procedimento no seja imprescindvel para o presente trabalho, acrescem-se as definies expostas por Meirelles, para o qualprocesso o conjunto de atos coordenados para a obteno de deciso sobre uma controvrsia no mbito judicial ou administrativo; procedimento o modo de realizao do processo, ou seja, o rito processual. O processo, portanto pode realizar-se por diferentes procedimentos, consoante a natureza da questo a decidir e os objetivos da deciso. Observamos, ainda, que no h processo sem procedimento,

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mas h procedimentos administrativos que no constituem processo, como por exemplo, os de licitao e concursos.1 (grifo do autor)

Escreve tambm Marins queno mbito fiscal direciona-se o procedimento e o Processo Administrativo para o delicado campo da autotutela tributria do Estado, em que se afigura com mero exerccio de estritas prerrogativas legais de praticar o ato impositivo (lanamento), retir-lo ou emend-lo (prerrogativas denominadas ora de poderes ora de potestades) com a finalidade de realizar a apurao e a arrecadao tributria. A autotutela, contudo, tende a processualizar-se e com esta mutao deixa de representar exerccio unilateral de poder e passa a significar mero exerccio de prerrogativas procedimentais ou processuais legais pois no se afigura como atividade discricionria, mas vinculada. Do ponto de vista da Administrao tributria, a admisso de que se desenvolvam funes julgadoras no seio da Administrao decorrente da inquestionvel necessidade que o Estado tem de se instrumentalizar adequadamente em sua ao de exigir tributos, formalizando o vnculo com a celeridade que, ao menos teoricamente, informa a atividade administrativa. Por outro ngulo, o reconhecimento da peculiar dimenso processual do fenmeno litgio no plano administrativo garantia que se deve assegurar ao cidadocontribuinte.2 (grifo do autor)

Tecidas tais explanaes, destaca-se que a Constituio Federal assegura ao contribuinte o direito subjetivo de buscar o acertamento de sua relao tributria com o Fisco, no mbito do processo administrativo. Sob este enfoque, Marins tem que:o fenmeno processual, nos dias de hoje, no pode ser visto como desenvolvendose, apenas, no mbito do Poder Judicirio. [...] a atividade administrativa pblica outorga Carta Magna, de modo explicito, funo julgadora para solucionar os choques tributrios que tm os cidades como figuras centrais. [...] O processo, ao penetrar e fincar razes no stio da atividade administrativa, sem com isso afastar a ampla e efetiva cognio judicial - isto , harmonizando-se com conotao judicial do princpio do monoplio da jurisdio torna jurdico e por isso mais seguro o relacionamento conflituoso entre Estado e contribuinte, e sujeita ao Direito, de forma mais clara e eficaz, a discrio, de forma a enfrentar o arbtrio que com freqncia contamina as regies vizinhas ao poder poltico.3

Confere-se que, a atividade administrativa fiscal no tem por objetivo usurpar a competncia ou excluir a possibilidade acesso ao Poder Judicirio. Voltada sim, realizao de um interesse maior, qual seja o da ordem jurdica.1 2 3

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 33. ed. atual. So Paulo: Malheiros, 2007, p. 614. MARINS, James. Direito processual tributrio brasileiro: administrativo e judicial. 4. ed. So Paulo: Dialtica, 2005, p. 162. Ibid., p. 135 138, 160.

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Para tanto, conferiu-lhe a Carta Magna peculiaridades, que lhe permitem, dentro da idia de imparcialidade nos julgamentos e imprescindibilidade de um devido processo legal (inciso LIV do artigo 5), controlar seus atos internos (lanamento), sob a tica da legalidade e justia na atividade de exigncia fiscal. Tais ponderaes, ligadas a garantia Constitucional de soluo de conflitos com a administrao, por meio de um processo administrativo (artigo 5, inciso LIV), convergem ao reconhecimento da natureza jurdica processual do processo administrativo fiscal.

3.1.3 Fases do processo administrativo fiscal

Considerando os pontos j abordados, importa ao presente trabalho apresentar as etapas do processo administrativo fiscal. E para tanto, adotar-se- como modelo, o seguido no mbito federal, j que, dada possibilidade de cada ente regular, por lei prpria, a sistemtica do processo, seria invivel a anlise, ou ainda uma mera descrio, de todo esse conjunto de normas. O procedimento administrativo tributrio contencioso federal encontra-se alicerado, em especial, no Decreto n 70.235/72, com aplicao conjugada em carter subsidirio com a Lei n 9.784/99,4 que lhe introduziu grande abrangncia principiolgica. Duas so as fases do processo administrativo fiscal consoante tratamento conferido pelo referido Decreto, a saber: fase administrativa e litigiosa.

3.1.3.1 Fase administrativa

A fase administrativa, nos termos do artigo 7 do Decreto n 70.235/72, tem incio nas seguintes hipteses: I - o primeiro ato de ofcio, escrito, praticado por servidor competente, cientificado o sujeito passivo da obrigao tributria ou seu preposto; II - a

4

BRASIL. Lei n 9.784 , de 29 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no mbito da Administrao Pblica Federal. Dirio Oficial da Unio: Braslia, DF. 11 de maro de 1999. Disponvel em: . Acesso em: 18 maio 2008

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apreenso de mercadorias, documentos ou livros; III - o comeo de despacho aduaneiro de mercadoria importada.5 Convm reparar que neste mesmo dispositivo encontra-se gravada a exigncia de que, para formalizao, os diversos atos devem ser obrigatoriamente escritos. Embora os autos de infrao ou notificao de lanamento devam ser separados para cada tributo, a identidade dos fatos de que decorrem, faz com que o trmite se d num nico processo (artigo 9). O artigo 10 do Decreto n 70.235/72 exige que a lavratura do auto de infrao se faa constando obrigatoriamente: a qualificao do autuado; o local, a data e a hora da lavratura; a descrio do fato; a disposio legal infringida e a penalidade aplicvel; a determinao da exigncia e a intimao para cumpri-la ou impugn-la no prazo de trinta dias; a assinatura do autuante e a indicao de seu cargo ou funo e o nmero de matrcula.6 A exigncia do crdito tributrio formalizada em Auto de Infrao ou Notificao de Lanamento, distinto para cada espcie de tributo. Convm destacar o comentrio de Paulsen, Avila e Sliwka ao artigo 11 do Decreto supra, os quais distinguem Auto de Infrao e Notificao esclarecendo que O primeiro a prpria exigncia (lanamento), e a segunda, a comunicao daquele ao contribuinte. Como se constitui a intimao ao contribuinte, dever obrigatoriamente conter os requisitos previstos nos incisos I a IV.7 A luz de tal apontamento urge apresentar os incisos do artigo 11, os quais tm como requisitos da notificao de lanamento: a qualificao do notificado; o valor do crdito tributrio e o prazo para recolhimento ou impugnao; a disposio legal infringida, se for o caso; a assinatura do chefe do rgo expedidor ou de outro servidor autorizado e a indicao de seu cargo ou funo e o nmero de matrcula. Este ltimo, excetuado quanto feito por meio eletrnico.8 Assim, aps aes prvias de apurao do valor que seria devido, atravs de fiscalizao ou aferio por documento/informao originada do sujeito passivo, e estando formalizada a pretenso tributria atravs do ato de lanamento e regularmente notificado, o contribuinte, d-se incio a fase seguinte.5

6 7

8

BRASIL. Decreto n. 70.235, de 6 de maro de 1972. Dispe sobre o processo administrativo fiscal, e d outras providncias. Dirio Oficial da Unio: Braslia, DF, 7 de maro de 1972. Disponvel em: . Acesso em: 6 maio 2008. BRASIL, 1972, loc. cit. PAULSEN, Leandro; AVILA, Rene Bergmann; SLIWKA, Ingrid Schroder. Direito processual tributrio: Processo administrativo fiscal e execuo fiscal luz da doutrina e da jurisprudncia. 4. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 39. BRASIL, 1972, op.cit.

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3.1.3.2 Fase Litigiosa

Concretizada a fase administrativa, abre-se prazo de 30 dias para pagamento ou impugnao (artigo 15 do Decreto n 70.235/72). Com o pagamento, extingue-se a obrigao tributria (artigo 156, I, do Cdigo Tributrio Nacional) e com a impugnao instaura-se a fase litigiosa do procedimento, a teor do disposto no artigo 14 do Decreto n 70.235/72. Impugnao, defesa ou reclamao so termos utilizados para designar a pea pelo qual o contribuinte manifesta-se em desacordo com a exigncia formulada. Tal impugnao deve atender aos pressupostos formais indicados nos artigos 15 e seguintes do Decreto n 70.235/72, quais sejam: indicar a autoridade julgadora a quem dirigida; declarar sua qualificao; Instruir a petio com os motivos de fato e de direito em que se fundamentam os pontos de discordncia; as provas que possui; indicar as diligncias ou percias que pretenda ver realizadas, alis as justifiquem, com a formulao dos quesitos referentes aos exames desejados, (assim como, no caso de percia), no caso da percia deve ser consignado o nome, o endereo e a qualificao profissional do seu perito; ainda, se a matria impugnada foi submetida apreciao judicial, devendo ser juntada cpia da petio.9 Nos termos do 4 do artigo 16 de Decreto n 70.235/72, com a impugnao devem ser apresentados todos os documentos que fundamentem suas razes, sob pena de precluso.10 O mecanismo de processamento de primeira instncia, em nvel federal, foi segmentado em duas etapas distintas. A primeira, uma fase de instruo, a cargo de quem o Decreto denominou autoridade preparadora. E, a deciso, de competncia da autoridade julgadora. A autoridade preparadora poder determinar a realizao de diligncias atendendo solicitao do impugnante ou ex officio, e assim ocorrendo, atender aos artigos 17, pargrafo nico, 18 e 19 do Decreto n 70.235/72. Se o sujeito passivo no apresentar impugnao, a autoridade preparadora declarar sua revelia e o processo permanecer no rgo preparador, pelo prazo de 30 (trinta) dias para cobrana amigvel do crdito tributrio. Nos casos em que a impugnao seja

9 10

BRASIL, 1972, loc. cit. BRASIL, 1972, loc. cit.

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parcial, o lanamento torna-se definitivo sobre a parte incontroversa (artigo 17 do Decreto n 70.235/72). Esgotado o prazo sem que o crdito tributrio tenha sido pago, o rgo preparador declara o sujeito passivo devedor e o processo ser encaminhado autoridade competente para promover a inscrio do valor na dvida ativa da Fazenda Pblica (artigos 201 a 204 do Cdigo Tributrio Nacional) e realizar a cobrana executiva. Havendo impugnao, e aps a produo das provas requeridas pelo sujeito passivo, o processo ser remetido autoridade julgadora para deciso em primeiro grau.

3.1.4 Julgamento da lide fiscal

Neste ponto, d-se incio a fase de julgamento em primeira instncia da impugnao, que ser realizada nos mbito das Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento (artigo 25, inciso I do Decreto n 70,235/72), assessoradas por suas Divises de Julgamento, estas criadas pelo artigo 2 da Lei. 8.748/93.11 O julgamento dos processos e contribuies administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil no mais se d pelos Delegados, uma vez que, aps a edio da Medida Provisria n 2.158-35/2001, que alterou a redao do artigo 25 do Decreto 70.235/72 as delegacias de julgamento deixaram de ser rgos monocrticos e passaram a ser rgos colegiados, com composio em cmaras compostas por auditores fiscais. As decises so tomadas por maiorias de votos, e no mais pela deciso do delegado.12

11

12

Art. 2 So criadas dezoito Delegacias da Receita Federal especializadas nas atividades concernentes ao julgamento de processos relativos a tributos e contribuies federais administrados pela Secretaria da Receita Federal, sendo de competncia dos respectivos Delegados o julgamento, em primeira instncia, daqueles processos Cf.: BRASIL. Lei n. 8.748, de 09 de dezembro de 1993. Altera a legislao reguladora do processo administrativo de determinao e exigncia de crditos tributrios da unio, e d outras providncias. Dirio Oficial da Unio: Braslia, DF, 10 de dezembro de 1993. Disponvel em:. Acesso em: 14 maio 2008. Art. 64. O art. 25 do Decreto no 70.235, de 6 de maro de 1972, com a redao dada pela Lei no 8.748, de 9 de dezembro de 1993, passa a vigorar com a seguinte redao: "Art. 25. O julgamento do processo de exigncia de tributos ou contribuies administrados pela Secretaria da Receita Federal compete: I - em primeira instncia, s Delegacias da Receita Federal de Julgamento, rgos de deliberao interna e natureza colegiada da Secretaria da Receita Federal. Cf.: Id., Medida Provisria n. 2.158-35, de 24 de agosto de 2001. Altera a legislao das Contribuies para a Seguridade Social - COFINS, para os Programas de Integrao Social e de Formao do Patrimnio do Servidor Pblico - PIS/PASEP e do Imposto sobre a Renda, e d outras providncias. Dirio Oficial da Unio: Braslia, DF, 27 de agosto de 2001.Disponvel em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/MPV/215835.htm>. Acesso em: 14 maio 2008.

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Neste norte, veio a Portaria do Ministrio do Estado da Fazenda n 258/2001,13 disciplinar a constituio das turmas (cada uma delas constituda por cinco julgadores) e o funcionamento das Delegacias da Receita Federal de Julgamento. Em condies para julgamento, os processos envolvendo elevados valores ou os que contiverem circunstncias de crime contra a ordem tributria, so recebidos com prioridade pelas Delegacias de Julgamento (artigo 27 do Decreto 70.235/72). Aps tramitao interna, haver deciso praticada pela autoridade competente. O respectivo ato decisrio, a liberdade de apreciao das provas (artigo 29 do Decreto 70.235/72), dever devidamente ser motivado com indicao dos fatos e fundamentos jurdicos (artigo 50 da Lei n 9.784) e ordem de intimao. Desta deciso, o referido Decreto prev a possibilidade de interposio Recurso de Ofcio e de Recuso Voluntrio. O Recurso de Ofcio, nos termos do artigo 34 do Decreto 70.235/72, empregado pela autoridade de primeira instncia sempre que a deciso exonerar o sujeito passivo do pagamento do crdito tributrio de valor total superior a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), ou quando a deciso deixar de aplicar pena de perda de mercadorias ou outros bens, cominada infrao denunciada na formalizao da exigncia.14 Em no sendo apreciado o recurso de ofcio no se tem deciso definitiva, o que esclarecem Paulsen, Avila e Sliwka: quanto submetida por lei a recurso de ofcio, no se pode considerar como definitiva a deciso enquanto no apreciado encaminhado o processo para conhecimento do mesmo. [...].15 J o Recurso Voluntrio cabvel no prazo de trinta dias aps a cincia do sujeito passivo da deciso proferida no primeiro grau, com efeito suspensivo (artigo 33 do Decreto 70.235/72)16, ou ainda na hiptese descrita no artigo 2 do Anexo I da Portaria n 55/98 do Ministrio da Fazenda, quando interposto da deciso de Cmara de Conselho de Contribuinte, in verbis:O recurso voluntrio Cmara Superior de Recursos Fiscais, da deciso de Cmara de Conselho de Contribuintes, que prover recurso de ofcio, ser apresentado na repartio preparadora, no prazo de trinta dias, contado da cincia do acrdo, em

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BRASIL. Portaria Ministrio da Fazenda n. 258, de 24 de agosto de 2001: Disciplina a constituio das turmas e o funcionamento das Delegacias da Receita Federal de Julgamento. Dirio Oficial da Unio: Braslia, DF, de 27 de agosto de 2001. Disponvel em:. Acesso em: 20 maio 2008. BRASIL, 1972, loc. cit. PAULSEN; AVILA; SLIWKA, 2007, p. 91. BRASIL, 1972, loc. cit.

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petio fundamentada dirigida ao Presidente da Cmara Superior de Recursos Fiscais.17

Esclarece-se que, o condicionamento do recurso voluntrio ao depsito de trinta porcento do dbito em discusso ou arrolamento de bens, restou declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADIN n 1.976, que reconheceu a inconstitucionalidade do artigo 32 da Medida Provisria n 1.699-41/1998, convertida na Lei n 10.522/2002, que deu nova redao ao artigo 33, 2, do Decreto n 70.235/1972. 18 O julgamento dos recursos d-se pelos Conselhos de Contribuintes. Criados pelo Decreto n 20.350/31, com sede em Braslia DF, hoje regrado por normas regimentais internas, so os Conselhos de Contribuintes integrados paritariamente por especialistas em assuntos tributrios, (entre) representantes da Fazenda Nacional (Auditores Fiscais do Tesouro Nacional) e representantes dos contribuintes (indicados por entidades de classe de nvel nacional). O Conselho dos Contribuintes formado por quatro conselhos, consoante dispe o artigo 25 do Decreto 70.235, o qual nos incisos do seu pargrafo primeiro, distingue ordenadamente suas competncias por matria, in verbis:Art. 25. O julgamento do processo de exigncia de tributos ou contribuies administrados pela Secretaria da Receita Federal compete: [...]. 1 Os Conselhos de Contribuintes julgaro os recursos, de ofcio e voluntrio, de deciso de primeira instncia, observada a seguinte competncia por matria: I - 1 Conselho de Contribuintes: Imposto sobre Renda e Proventos de qualquer Natureza; Imposto sobre Lucro Lquido (ISLL); Contribuio sobre o Lucro Lquido; Contribuies para o Programa de Integrao Social (PIS), para o Programa de Formao do Patrimnio do Servidor Pblico (PASEP), para o Fundo de Investimento Social, (Finsocial) e para o financiamento da Seguridade Social (Cofins), institudas, respectivamente, pela Lei Complementar n 7, de 7 de setembro de 1970, pela Lei Complementar n 8, de 3 de dezembro de 1970, pelo Decreto-Lei n 1.940, de 25 de maio de 1982, e pela Lei Complementar n 70, de 30 de dezembro de 1991, com as alteraes posteriores; II - 2 Conselho de Contribuintes: Imposto sobre Produtos Industrializados; III - 3 Conselho de Contribuintes: tributos estaduais e municipais que competem Unio nos Territrios e demais tributos federais, salvo os includos na competncia julgadora de outro rgo da administrao federal; IV - 4 Conselho de Contribuintes: Imposto sobre a Importao, Imposto sobre a17

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BRASIL. Portaria do Ministrio da Fazenda n. 55, de 16 de maro de 1998. Aprova os Regimentos Internos da Cmara Superior de Recursos Fiscais e dos Conselhos de contribuintes. Dirio Oficial da Unio: Braslia, DF, 17 de maro de 1998. Disponvel em: . Acesso em: 16 maio 2008. Id., Supremo Tribunal Federal. Ao direta de inconstitucionalidade n. 1976. Relator: Min. Joaquim Barbosa. Braslia, DF, 28 de maro de 2007. Disponvel em: . Acesso em: 21 maio 2008.

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Exportao e demais tributos aduaneiros, e infraes cambiais relacionadas com a importao ou a exportao.19 (grifo nosso)

Tanto os Conselhos de Contribuintes quanto a Cmara Superior de Recursos Fiscais so regulados pela Portaria do Ministrio de Estado da Fazenda n 55/9820 que aprovou seus respectivos Regimentos Internos. Da deciso definitiva do Conselho, a autoridade preparadora d cincia ao sujeito passivo para cumprir a deciso em 30 (trinta) dias, nos termos do artigo 37, 2, do Decreto 70.235/72, com as devidas ressalvas impostas por seu 3. Criada pelo Decreto n 83.304/7921, a Cmara Superior de Recursos Fiscais, rgo colegiado judicante diretamente subordinado ao Ministro de Estado, tem por finalidade o julgamento administrativo em instncia especial dos litgios fiscais includos na competncia definida em seu Regimento. Consoante o artigo 2 do seu Regimento Interno - Portaria n 55/98 do Ministrio da Fazenda, - aquele possui a seguinte composio: Pleno; Primeira Turma; Segunda Turma e Terceira Turma. O Pleno compe-se dos Conselheiros integrantes das Turmas. Sendo integrado pelos membros definido o artigo 3 de seu Regimento Interno. No mais, salienta-se que a Cmara Superior de Recursos Fiscais aprecia os recursos voluntrios interpostos contra decises das Cmaras dos Conselhos de Contribuintes provenientes do julgamento de recurso de oficio recursos providos (artigo 25, 4 do Decreto 70.235/72), bem como julga recurso especial interposto, no prazo de 15 (quinze) dias, privativamente pelo Procurador da Fazenda Nacional, no caso de deciso no unnime de Cmara de Conselho de Contribuintes, quando for contrria lei ou evidncia da prova; sujeito passivo e Procurador da Fazenda Nacional, contra deciso que der lei tributria interpretao divergente da que lhe tenha dado outra Cmara de Conselho de Contribuintes ou a prpria Cmara Superior de Recursos Fiscais (artigo 26, inciso I do Decreto n 70.235/72 c/c Decreto 83.304/79 e artigo 5 da Portaria n 55/98 do Ministrio da Fazenda).

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BRASIL, 1972, loc. cit. Id., Portaria do Ministrio da Fazenda n. 55, de 16 de maro de 1998. Aprova os Regimentos Internos da Cmara Superior de Recursos Fiscais e dos Conselhos de contribuintes. Dirio Oficial da Unio: Braslia, DF, 17 de maro de 1998. Disponvel em: . Acesso em: 16 maio 2008. Id., Decreto n. 83.304, de 28 de maro de 1979. Institui a Cmara Superior de Recursos Fiscais e d outras providncias. Dirio Oficial da Unio: Braslia, DF, 29 de setembro de 1979. Disponvel em: . Acesso em: 16 maio 2008.

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A deciso da Cmara Superior de Recursos Fiscais final e encerra o processo administrativo fiscal. No mais, omitir-se-, nesta etapa, a formalizao do crdito tributrio, cujo tratamento ser dado no captulo seguinte. Neste passo, inicia-se uma abordagem dos principais princpios aplicveis ao processo administrativo fiscal.

3.2 PRINCPIOS APLICVEIS

Buscar-se- retratar aqui os princpios mais relevantes aplicveis especificamente ao processo administrativo fiscal, os quais se constituem num conjunto de postulados que orientam o desenvolvimento e a formao dos processos administrativos fiscais. Por representarem verdadeiros alicerces de sustentao, so os princpios indispensveis a todas as cincias, como focalizado no captulo anterior, a ponto de serem definidos como fundamentos do conhecimento. Sendo assim, o exame dos mais importantes princpios vinculados ao processo administrativo fiscal ser realizado nos tpicos que seguem:

3.2.1 Princpio do devido processo legal

O sistema da vigente Constituio de 1988 elenca como garantia do cidado o devido processo legal ao expressar em seu artigo 5, inciso LIV que ningum ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.22 E como princpio fundamental, dele decorrem todos os demais princpios processuais insculpidos no Texto Constitucional. O referido princpio garante que as formalidades legais, inclusive os limites atuao estatal, devem ser rigorosamente observados idealizando o interesse de afastar o arbtrio.

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BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia, DF, 5 de outubro de 1988. Disponvel em:. Acesso em: 23 abr. 2008.

32

Assim o , que no inciso LIV, do artigo 5, o legislador trata, mais especificamente, da obedincia a esse princpio no mbito do processo administrativo, prevendo que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral so assegurados o contraditrio e a ampla defesa. 23 Tal princpio clusula ptrea, no podendo mais ser retirado, sequer por Emenda Constitucional, pois vedada a sua supresso por fora do artigo 60, 4, inciso IV da Constituio Federal, assim redigido: 4. No ser objeto de deliberao a proposta de emenda tendente a abolir: (...) IV. Os direito e garantias individuais.24 Face importncia do processo administrativo tributrio como forma e sede de discusso desse tributo, preciso que a Administrao possua uma estrutura funcional adequada, com agentes pblicos competentes para dar andamento processo administrativo fiscal, e julgadores administrativos. Nesse aspecto, vrios apontamentos feitos na primeira metade desse captulo com maior nfase a estrutura do processo administrativo fiscal no mbito Federal. Com efeito, em relao deciso dos agentes administrativos com funo de decidir e julgar as controvrsias instauradas no processo administrativo, apesar de no dotadas das garantias atribudas aos Magistrados, exige-se, como decorrncia do devido processo legal, que sejam imparciais e, apesar de serem agentes pblicos, devem ser independentes e decidirem interpretando os atos tendo como parmetro a lei. Buscando definir o que seria ento o devido processo legal, pode-se asseverar que sua origem histrica provem do due processo of law do direito anglo-norte-americano, como explica Marins:

A conhecida clusula do due process of law, de amplssimo valor, biparte-se nos princpios do devido processo legal substancial (substantive due process) e do devido processo legal processual (procedural due process). Em sua vertente substantiva a clusula do devido processo legal compreende os postulados de direito material, como, no Direito Tributrio por exemplo, as garantias concernentes ao princpio da legalidade, princpio da isonomia, princpio da capacidade contributiva, princpio da anterioridade, princpio do no-confisco etc. Em seu sentido estritamente processual (procedural due process), o princpio do devido processo legal expressa as garantias elementares das quais derivam inumerveis princpios do processo, seja administrativo ou judicial (...).25 (grifo do autor)

23 24 25

BRASIL, 1988, loc. cit. BRASIL, 1988, loc. cit. MARINS, 2005, p.188 - 189.

33

Assim, em sntese, tem-se que este princpio direito de todos os litigantes no exerccio dos processos administrativos e judiciais, independente da natureza da acusao, e traz indiretamente a idia de garantia processual, nos moldes do que se aplica no direito americano, que se vise assegurar ao litigante o direito a notificao dos interessados, oportunidade de defesa, direito de produzir provas ou mesmo de conhecer e contraditar as produzidas pela outra parte, direito de ter uma deciso motivada exclusivamente nas provas produzidas, julgamento efetuado por rgo imparcial, bem como o direito de ser representado por advogado. Em face disso, o respeito ao devido processo legal no pode faltar em processo algum. Assim tambm, dever ser em relao ao processo administrativo fiscal de determinao e exigncia do crdito tributrio, na medida em que a Constituio Federal assegura ao contribuinte o direito de se manifestar e impugnar o lanamento tributrio, de modo mais amplo possvel. Entretanto, no h como desconsiderar a notria dificuldade que passa a Administrao Fiscal, em virtude do grande nmero de processos e, ligado a outros fatores, como: precariedades econmicas, funcionais e organizacionais, de alguns dos entes tributantes, revelando-se, por vezes, inalcanvel a materializao das garantias focalizadas por esse princpio em prol dos sujeitos litigantes.

3.2.2 Princpio do contraditrio

Como se constata, o direito ao contraditrio manifestao do princpio do devido processo legal, igualmente previsto no artigo 5 da Constituio Federal. Seu primado o de conferir a oportunidade aos litigantes em um processo, seja qual for o estgio, de pronunciar-se ou defender-se de manifestao da parte contrria. Em especial, no processo administrativo fiscal, no lcito que a Administrao atue sem que seja concedido ao administrado, oportunidade de se manifestar e ser ouvido durante a prtica de atos de instruo processual. Logo, o contraditrio elemento essencial

34

da formao da deciso administrativa. Em no havendo observncia desse princpio se caracteriza nulidade do processo em razo de cerceamento de defesa. Depreende-se, ento que tal prerrogativa quando no exercida transforma-se em nus para o contribuinte.

3.2.3 Princpio da ampla defesa

Assegurado constitucionalmente no inciso LIV do artigo 5, que tambm trata do princpio do contraditrio, o princpio da ampla defesa apresenta-se admitido assim no mbito judicirio, como no da esfera administrativa de litgios, sendo que nas duas, a res litigiosa ser solucionada por intermdio do processo. Focalizam a questo Watanabe e Pigatti Jnior:

A garantia de defesa ou o devido processo legal assegura o contraditrio, a observncia de rito adequado, a notificao do procedimento de lanamento ou do incio do ato de fiscalizao (princpio do auto-executoriedade ou da autotutela da administrao tributria), com o conhecimento de todos os autos praticados pela fiscalizao, a oportunidade para oferecer esclarecimentos e/ou para contestar a acusao, de produzir prova de ser direito, de requerer diligncias, percias, vistorias, juntadas de documentos, de acompanhar a prtica de atos da instruo e de utilizar-se de todos os recursos administrativos em lei ou regulamento. 26

Criou-se, portanto, a partir da obedincia desse princpio pelos agentes pblicos considerados competentes para atuar no processo administrativo tributrio, um sistema que no permite a exacerbao da fora do Estado que imponha ao particular limitaes ao seu direito de insurgncia em face da ao Estatal. Desta feita, para impor o cumprimento da exigncia tributria fica a Administrao obrigada, por determinao da Carta Magna, a, primeiramente, na fase da apurao do quantum tributrio, possibilitar que o interessado se utilize plenamente de todas as formas lcitas de provas e meios, para que, s ento, possa a Administrao decidir.

26

WATANABE, Ippo; PIGATTI JNIOR, Luiz. Manual de processo administrativo tributrio. So Paulo: J. de Oliveira, 2000, p. 543.

35

3.2.4 Princpio da ampla instruo probatria

O direito prova est inserido entre as garantias da defesa e do contraditrio, e, por conseguinte, devem ser admitidos todos os meios lcitos para provar a verdade dos fatos em que se funda o litgio. Neste aspecto, elucida Marins que estes meios de prova podero ser matrias, como a apresentao de documentos tcnicos a produo de percias contbeis ou a apresentao de pareceres jurdicos -, ou ainda meios pessoais, testemunhais, conforme demandar a natureza da lide.27 Conferindo especial ateno ao direito de prova, assevera Xavier que este se desdobra em trs direitos que deles so corolrios:O direito de acesso prova envolve o direito de vista, ou seja, o direito de consulta dos atos procedimentais, como manifestao de um princpio de publicidade e de transparncia de funo judicante. O direito apreciao expressa da prova desdobra-se, por sua vez, em duas conseqncias: a ilegalidade de deciso, proferida com fundamento em cerceamento do direito de defesa; e o dever de fundamentao expressa dos atos de indeferimento do pedido de diligncias ou percia (art. 28 do Decreto n 70,235/72, na nova redao do art. 1 da Lei n 8,748, de 9 de dezembro de 1993). Finalmente, o direito prova tem ainda, como corolrio, o direito impugnao da prova produzida pela Administrao Fiscal.28 (grifo do autor)

Com efeito, a ttulo de ilustrao, colaciona-se um julgado da 6 Cmara do 1 Conselho de Contribuinte que destaca a importncia e aplicao do direito de produo de provas: nulidade da deciso de Primeira Instncia nula , por cerceamento do direito de defesa, a deciso de primeira instncia que deixe de motivar a no aceitao dos documentos juntados ao expediente impugnatrio. Preliminar de nulidade acolhida.29 A materializao deste princpio, como se tratou acima, observa-se nos mecanismos de prova que a norma que rege o processo administrativo tributrio possibilitou ao sujeito passivo, tais como direito de vista (direito de consulta dos atos procedimentais),

27 28 29

MARINS, 2005, p. 194 - 195. XAVIER, Alberto. Do lanamento: teoria geral do ato do procedimento e do processo tributrio. 2. ed. ref. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 318. BRASIL. Conselho de Contribuintes. Acrdo n. 106-10.701, 6 Cmara do 1. Relator. Consa Sueli Efignia Mendes de Britto.Braslia, DF. 26 de fevereiro de 1999. Disponvel em: . Acesso em: 05 jun. 2008.

36

direito apreciao expressa da prova e o direito impugnao da prova produzida pela Administrao Fiscal. Tal direito, no entanto, no absoluto, eis que o artigo 5, inciso LVI, da Constituio Federal estipula limites obteno da prova ao referir que so inadmissveis, no processo, as provas obtidas por meios ilcitos.30 Entretanto, a prpria Constituio no estabelece de forma explcita, a conseqncia que deriva da circunstncia de a prova ilcita, apesar da proibida, vir a ingressar no processo. Todavia esse enfoque, quanto s provas ilcitas, no se estudar neste trabalho monogrfico. Por fim, deve ainda ser assegurada igualdade de condio entre a Fazenda Pblica e o contribuinte, no que concerne aos meios de prova disponveis, ocupando ambas as partes uma posio igual na instruo do processo, apresentando as suas razes em termos de controvrsia formal.

3.2.5 Princpio do duplo grau de cognio

De acordo com esse princpio a parte sucumbente no processo tem o direito de ver a lide fiscal reapreciada e julgada novamente por rgo Jurisdicional de hierarquia superior. Tal preceito visa atender as necessidades de qualidade e segurana da prestao Estatal julgadora. Sobre a importncia da existncia de reviso hierrquica dos processos administrativos, justamente como forma de disponibilizar ao contribuinte demonstrao de impessoalidade e imparcialidade da deciso proferida, observa Feitosa que os rgos julgadores administrativos de segunda instncia, formados, em regra, por uma composio paritria representantes do rgo lanador e de seus segmentos da sociedade do garantia da impessoalidade e imparcialidade necessria e imprescindvel aplicao da Justia Fiscal Administrativa.31

30 31

BRASIL, 1988, loc. cit. FEITOSA Celso Alves. Processo Administrativo Fiscal. So Paulo: Dialtica, 1998, v. 3, p. 40.

37

3.2.6 Princpio julgador competente

No direito brasileiro, o julgamento da impugnao administrativa do lanamento compete ou a funcionrios integrantes da Administrao Fiscal ou rgos colegiais, de composio paritria, integrados, tambm, por representantes do setor privado. A par disso, enuncia Maris que

tais rgos devem ser dotados de julgadores administrativos imparciais, competncia julgadora previamente estabelecida na legislao e adequados mecanismos prvios de determinao de competncia para cada caso concreto que lhes for submetido apreciao.32

Acerca do referido princpio, acrescenta Xavier um importante aspecto que diz respeito imparcialidade do Fisco enquanto representante nos julgamentos do interesse substancial de justia, in verbis:

No exerccio da atividade do lanamento, o Fisco rgo de justia, inobstante ser parte na relao jurdica tributria, cuja funo consiste na aplicao objetiva da lei. E ainda que o Fisco uma parte imparcial, pois apesar de ser parte em sentido substancial da relao jurdica tributria no procedimento administrativo de lanamento o interesse formal do Estado irrelevante, prevalecendo sempre o interesse substancialde justia, ou seja, de aplicao objetiva da lei.33 (grifo do autor)

Evidentemente, o distanciamento existente entre a prtica do lanamento e a sua reviso contenciosa, verificada pela diferenciao de funes, no mbito do Fisco, entre rgos de lanamento e rgos de julgamento. Uma outra idia expressa nesse princpio a de que no ser o administrado sujeito tribunal de exceo, garantia essa esculpida explicitamente da dico dos incisos XXXVII e LII do artigo 5 da Constituio Federal, segundo os quais no haver Juzo ou tribunal de exceo e ningum ser processado nem sentenciado seno pela autoridade competente.3432 33 34

MARINS, 2005, p. 197. XAVIER, 2001, p. 290. BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia, DF, 5 de outubro de 1988. Disponvel em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiao.htm>. Acesso em: 23 fev. 2008.

38

Neste caminho, a atribuio de competncia julgadora condiciona as esferas administrativas, de qualquer um dos entes tributantes, a prover estrutura jurdica e funcional apta para que a lide tributria possa ser conhecida por julgador competente, pr-constitudo pela lei.

3.2.7 Princpio da ampla competncia decisria

Por este princpio, toda matria de defesa produzida pelo contribuinte deve ser conhecida e apreciada pelo rgo da Administrao encarregado do julgamento do conflito fiscal. Logo, em se tratando de matria fiscal, Administrao Judicante lhe imposto o dever de analisar a pretenso que apresentada, seja qual for a matria em debate. Nesse sentido, tratando a impossibilidade da autoridade julgadora escusar-se de apreciar determinadas matrias, assevera Marins:Quer se tratem de questes concernentes mera alegao de ilegalidade ou inconstitucionalidade de norma jurdica tributria, toda a matria de defesa deve ser formalmente apreciada. No se realiza a ampla defesa sem o direito cognio formal e material ampla, pois em se recusando a Administrao a apreciar qualquer dos elementos fticos ou jurdicos que estejam contidos na impugnao formulada haver restrio do direito de ampla defesa, a macular o processo administrativo fiscal.35

Partindo dessa perspectiva, de estar os rgos julgadores atrelados ao princpio Constitucional da ampla defesa, brota a inteligncia de que em no sendo apreciada determinada matria posta em discusso, estar-se-ia, em tese, incorrendo em cerceamento de defesa, o que, por conseqncia, poderia tornar nulo o processo administrativo fiscal. Em complemento ao estudo do regime do procedimento e do processo administrativo, urge observar a relevncia que determinados princpios comuns em ambas as fases do caminho percorrido pela Administrao, desde a formalizao da pretenso at o julgamento da eventual lide tributria. Face relevncia, passa-se a abordagem conceitual de apenas um deles, nominado princpio da oficialidade.

35

MARINS, James, 2005, p. 193.

39

3.2.8 Princpio da oficialidade

Estampa este o princpio a idia do dever obrigacional da Administrao em promover o impulso oficial ao procedimento e ao processo administrativo fiscal, mesmo nos casos em que este tenha sido iniciado pelo contribuinte. Pontuam Watanabe e Pigatti Jnior que por meio deste a autoridade fiscal teria o dever de dirigir o procedimento administrativo recursal, colhendo os elementos de fticos necessrios para a determinao correta do tributo devido e de concluir por um ato jurdico administrativo que expresse a vontade da lei, vez que, se devido o tributo ou no; o seu produto resulta em outro princpio o da verdade material.36

36

WATANABE; PIGATTI JNIOR, 2000, p. 540.

40

4 CRDITO TRIBUTRIO

Cumpre agora tecer alguns apontamentos acerca do crdito tributrio, uma vez que para o presente trabalho, em seu ltimo captulo, necessitar-se- dos conceitos e regras referentes suspenso da exigibilidade do crdito tributrio, para que se possa fazer relao com o trmite do processo administrativo fiscal.

4.1 CONCEITO DE CRDITO TRIBUTRIO

Consoante dispe o Cdigo Tributrio Nacional, em seu artigo 139, o crdito tributrio decorre da obrigao principal e tem a mesma natureza desta. 1 Do referido artigo, Oliveira comenta queo crdito decorre (deriva, origina-se) da obrigao de pagar (tributo ou multa), guardando a mesma natureza desta. Ambos (obrigao e crdito) tm origem comum no fato gerador. A diferena bsica entre os dois que, com a ocorrncia do fato gerador, estabelece-se imediatamente a obrigao tributria, isto , instala-se uma relao jurdica tributria, de certa forma define, a qual numa segunda etapa, se define, se formaliza atravs do lanamento, adquirindo individualizao, qualificao e quantificao. Constitudo, a esta o crdito tributrio, que, em ltima anlise, a obrigao tributria lanada ( exigvel).2

Do exposto, v-se que a noo de crdito tributrio relaciona-se a idia de um direito que o sujeito ativo (fisco) tem para exigir do sujeito passivo (contribuinte ou responsvel) o cumprimento desta obrigao. Ainda, como o autor supracitado aduz, o crdito tributrio s se formaliza aps a obrigao tributria estar devidamente lanada, como se tratar adiante. A obrigao tributria, por sua vez, consoante o artigo 135 do Cdigo Tributrio Nacional, recebe classificaes fracionadas, tendo de um lado a obrigao principal e, de outro quadrante, a acessria.1

2

BRASIL. Lei n. 5.172 de 25 de outubro de 1966: Dispe sobre o Sistema Tributrio Nacional e institui normas gerais de direito tributrio aplicveis Unio, Estados e Municpios. Dirio Oficial da Unio: Braslia, DF, 2 de outubro de 1966. Disponvel em: . Acesso em: 15 maio 2008. OLIVEIRA, Jos Jayme de Macdo. Cdigo tributrio nacional: comentrios, doutrina, jurisprudncia. 3. ed. rev. e atual. So Paulo: Saraiva, 2007, p. 475.

41

Nas lies de Castro a obrigao principal aquela tem por objeto entregar certo montante em dinheiro para os cofres pblicos, ou seja, constitui o ato de pagar o tributo. [...] a obrigao tributria acessria tem por objeto deveres instrumentais ou formais que propiciam ao Poder Pblico o fiel cumprimento da prestao tributria e sua conseqente fiscalizao: tem por escopo facilitar a obteno da obrigao principal.3

Neste compasso, elucida Machado queno Direito Tributrio, a ocorrncia do fato gerador do tributo faz nascer o vnculo obrigacional tributrio, que o Cdigo Tributrio Nacional denomina obrigao. Esse vnculo surge mas fica a depender da identificao de seu sujeito passivo e da quantificao de seu objeto ou contedo econmico. Com o lanamento [...] tem-se identificado o sujeito passivo da obrigao e devidamente quantificado o seu contedo econmico. O vnculo obrigacional ento muda de nome, passando a denominar-se crdito tributrio. A obrigao, exatamente porque ainda no identificado o seu sujeito passivo, nem devidamente quantificado o seu objeto, no lquida, nem certa, e nem, por isto mesmo exigvel.4 (grifo do autor)

Como mencionou o autor acima, a obrigao, que surge com a prtica do fato abstratamente previsto em lei, relao jurdica entre o Estado e determinada pessoa, fsica ou jurdica, de entregar dinheiro ou realizar algum dever instrumental. A obrigao necessita ser individualizada, qualificada e quantificada, que ocorre com o lanamento, como se estudar no tpico que segue, a fim de esclarecer o que se denomina de crdito tributrio. A obrigao existe, quando se sabe quem devedor, quanto ele deve, mas ainda no exigvel, sendo que a exigibilidade s acontece com a constituio definitiva do crdito tributrio, cuja cobrana, em no havendo pagamento voluntrio, necessariamente s se realiza aps sua inscrio em dvida ativa. Dvida ativa, na clareza das lies de Machadoabrange crditos de qualquer natureza do poder pblico. O que caracteriza o crdito com dvida ativa a inscrio como tal, no rgo competente para promover sua cobrana judicial. Trata-se de conceito formal. dvida ativa o crdito como tal inscrito no rgo competente da pessoa jurdica de direito pblico credora. E com a inscrio se faz para, com a respectiva certido, promover a cobrana judicial, diz-se que o inadimplemento do devedor condio essencial para que a mesma seja efetuada.5

3 4 5

CASTRO, Alexandre Barros. Teoria e prtica do direito processual tributrio. So Paulo: Saraiva, 2000, p. 46. MACHADO, Hugo de Brito. Comentrios ao cdigo tributrio nacional. So Paulo: Atlas, 2005. v. 3. p. 42. Ibid., p. 817.

42

V-se, ento, que a dvida ativa nada mais que o resultado de todo um procedimento da autoridade administrativa competente, que fulmina na regular constituio de crdito em favor da Fazenda Pblica, a fim de possibilitar sua cobrana judicial. Retrocedendo aos estgios acima descritos, passa-se a tratar das formas de constituio do crdito tributrio.

4.2 FORMAS DE CONSTITUIO DO CRDITO

Ao tentar apresentar o modo pelo qual o crdito tributrio constitudo, imprescindvel adentrar na esfera do instituto chamado lanamento, porque atravs desse instituto que se opera a transformao da obrigao tributria, antes ilquida e tampouco certa e exigvel, em crdito tributrio.

4.2.1 Lanamento

Pelo lanamento a Administrao Tributria constitui o crdito tributrio. Nesse sentido, aponta o artigo 142 do Cdigo Tributrio Nacional a definio de lanamento como sendo o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrncia do fato gerador da obrigao correspondente, determinar a matria tributvel, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicao da penalidade cabvel.6 Carvalho trata o lanamento como ato e no como procedimento, j que o ato de lanar nico e no procedimento, in verbis:

Lanamento o ato jurdico administrativo, da categoria dos simples, modificativos ou assecuratrios e vinculados, mediante o qual se declara o acontecimento do fato jurdico tributrio, se identifica o clculo e a alquota aplicvel, formalizando o crdito e estipulando os termos de sua exigibilidade.7

6 7

BRASIL, 1966, loc. cit. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributrio. 18. ed. rev. e atual. So Paulo: Saraiva, 2007, p. 260.

43

Com efeito, cuidou o legislador de descrever nos artigos 147, 149 e 150 do Cdigo Tributrio Nacional, trs espcies de lanamento, definindo-os como lanamento por declarao, lanamento de ofcio e lanamento por homologao. Partindo da obra de Marins, pode-se sintetizar que o lanamento de ofcio ou lanamento direto corresponde ao ato formalizador que realizado por incitativa da autoridade administrativa, independentemente da colaborao do contribuinte; o denominado lanamento por declarao (tambm conhecido por lanamento misto) tem como condio o oferecimento de informaes, prestadas para fins de formalizao tributria pelo sujeito passivo ou por terceiro; e o lanamento por homologao (denominado pela doutrina de autolanamento) equivale antecipao de pagamento, sem prvio exame da autoridade administrativa, isto , somente se d o autolanamento quando o contribuinte tem o dever de antecipar o pagamento que estar sujeito condio resolutria concernente posterior homologao.8 No lanamento por homologao h para o sujeito passivo o dever de identificar o fato tributvel, calcular o valor devido, realizar o pagamento se for o caso, e, ainda, informar o Fisco. Complementa-se o enfoque aos lanamentos efetivados por homologao, valendo-se das lies de Machado o qual afirma ter o legislador, no Direito Tributrio Brasileiro, se utilizado de frmula inteligente ao definir que o lanamento privativo de autoridade administrativa. Noutro vrtice, diante de casos em que a lei estabelece para o sujeito passivo o dever de apurar o valor do tributo, antecipando o pagamento do valor que ele prprio apura, o lanamento dar-se- por homologao, ainda que apenas tcita. 9 A respeito dessa homologao tcita, elucida o mesmo autor que esta frmula fruto salutar do Professor Rubens Gomes de Souza, contudo, incompreendida e injustamente criticada por vrios doutrinadores, mas que merece respeito, porque equaciona a idia de lanamento como atividade privativa da autoridade administrativa, com a atribuio ao contribuinte do dever de apurar o valor do tributo e fazer o pagamento deste, independentemente de manifestao daquela, a qual fica sempre assegurada a possibilidade de

8 9

MARINS, James. Direito processual tributrio brasileiro: administrativo e judicial. 4. ed. So Paulo: Dialtica, 2005, p. 207. MACHADO, Hugo de Brito. Aspectos do lanamento tributrio. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (Coord.). Curso de Direito Tributrio e Finanas Pblicas. So Paulo: Saraiva, 2007, p. 836.

44

rever aquela apurao, durante o perodo de 05 (cinco) anos, e cobrar se for o caso, as diferenas que eventualmente forem constatadas.10 Sem a sistemtica do lanamento por homologao, alguns tributos teriam sua arrecadao comprometida, como, por exemplo, o imposto sobre a renda. Seria extremamente difcil se supor que o Fisco Federal pudesse realizar lanamento de ofcio para todos os contribuintes e responsveis que recolhem tal exao. Por outro lado, salienta-se que esta modalidade de lanamento comporta ressalvas, a exemplo, da situao prevista na parte final do 4 do artigo 150 do Cdigo Tributrio Nacional, que autoriza a Administrao revisar o lanamento feito pelo sujeito passivo e havendo discordncia desse, proceder o lanamento de ofcio das possveis diferenas. Por fim, para que o lanamento tributrio surta seus efeitos imprescindvel que o devedor seja devidamente notificado e, decorrido o prazo legal, no ocorra uma das formas de alterao do lanamento previstas nos incisos do artigo 145 do Cdigo Tributrio Nacional, configurando-se, assim, sua constituio definitiva pela eficcia preclusiva do lanamento, ou seja, no se cabe reexame.

4.3 FORMAS DE SUSPENSO

Consoante se exps acima, o nascimento do crdito tributrio, dando-se o lanamento, sendo que neste, por regra, depois de completa a fase administrativa de apurao, notifica-se o sujeito passivo para que tome cincia da efetivao do lanamento. A partir de ento, se houver discusso sobre o acerto do lanamento, inicia-se a fase contenciosa. Nessa fase contenciosa, o crdito tributrio tem sua exigibilidade suspensa, nos casos previstos em lei, nos quais, a autoridade tributria fica impedida, temporariamente, de promover medidas administrativas ou judiciais para a cobrana do crdito, at que cesse a causa suspensiva. Em consonncia, aperfeioa o enfoque Oliveira, asseverando que

a exigibilidade, portanto, s nasce com o lanamento tributrio, ainda que a obrigao tributria nasa no exato momento em que se verifica, no terreno dos fatos, a hiptese prevista na lei como capaz de dar-lhe origem.10

MACHADO in SANTI, 2007, p. 836.

45

Assim materializando, via lanamento tributrio, o crdito da Fazenda Pblica desde logo exigvel do sujeito passivo, sendo certo que este, convocado a satisfazlo, pode adotar uma de trs posturas: a) conformar-se com a exigncia, quitando-a atravs do pagamento; b) omitir-se, deixando simplesmente de efetuar o pagamento; ou c) contestar a sua certeza qualitativa e quantificativa, procurando demonstrar a exigncia de erro em qualquer dos seus elementos. [...] na terceira, a irresignao do contribuinte (quanto aos termos do lanamento) deve lev-lo a submeter aos rgos administrativos judicantes ou ao Poder Judicirio sua pretenso de anular ou reduzir a exigncia s suas verdadeiras e legais dimenses (com o que, em princpio, se suspender a exigibilidade do crdito tributrio, cf. art. 151, ou se ter sua extino, cf. art. 156, IX e X, todos deste CTN).11

Adotando uma postura contestatria, como coloca o autor supra citado, poderia o contribuinte valer-se de uma das causas suspensivas do crdito tributrio, definidas no Cdigo Tributrio Nacional cujo rol de hipteses apresenta-se definida nos incisos I a VI do artigo 151, quais sejam:

[...]. I - moratria; II - o depsito do seu montante integral; III - as reclamaes e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributrio administrativo; IV - a concesso de medida liminar em mandado de segurana; V a concesso de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espcies de ao judicial; VI o parcelamento. 12

Equacionando a necessidade do estudo das causas suspensivas da exigibilidade do crdito tributrio, limitar-se- a abordagem ao exame da modalidade prevista no inciso III, vez que apenas as reclamaes e recursos administrativos tm pertinncia com o presente tema, de modo que, a discusso de todas as formas de suspenso seria invivel para a proposta traada inicialmente. Por outro lado, algumas das formas de suspenso sequer dizem respeito fase administrativa, pois aplicvel ou relacionadas apenas ao processo judicial.

4.3.1 Reclamaes e recursos administrativos

11 12

OLIVEIRA, 2007, p. 474 - 475. BRASIL, 19