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UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRO PRETO CURSO DE TERAPIA OCUPACINOAL

FERNANDA RIBEIRO CORREIA

A Terapia Ocupacional Hospitalar e sua atuao nas enfermarias do Hospital das Clinicas da FMRP-USP

Ribeiro Preto 2008

FERNANDA RIBEIRO CORREIA

A Terapia Ocupacional Hospitalar e sua atuao nas enfermarias do Hospital das Clinicas da FMRP-USP

Monografia apresentada ao curso de Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo como exigncia parcial para a obteno do ttulo de bacharel em Terapia Ocupacional, sob orientao da Profa. Dra. Marysia Mara Rodrigues do Prado De Carlo.

Ribeiro Preto 2008

FICHA CATALOGRFICA

Correia, Fernanda Ribeiro A Terapia Ocupacional Hospitalar e sua atuao nas enfermarias do Hospital das Clnicas da FMRP-USP. Ribeiro Preto, 2008. 100 p. Trabalho de Concluso de Curso apresentado Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo, Curso de Terapia Ocupacional. Orientadora: Marysia Mara Rodrigues do Prado De Carlo. 1. Terapia Ocupacional. 2. Hospital Geral. 3. Contextos Hospitalares.

FOLHA DE APROVAO

Fernanda Ribeiro Correia A Terapia Ocupacional Hospitalar e sua atuao nas enfermarias do Hospital das Clnicas da FMRP-USP.

Monografia apresentada ao curso de Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo como exigncia parcial para a obteno do ttulo de bacharel em Terapia Ocupacional.

Aprovada em: _______________

Banca Examinadora

Profa. Dra. Marysia Mara Rodrigues do Prado De Carlo Instituio: FMRP-USP Assinatura ___________________________

Profa. Dra. Valria Meireles Carril Elui Instituio: FMRP-USP Assinatura ___________________________

Ms. Maria Gabriela Junqueira Pernambuco Barboza Instituio: FMRP-USP Assinatura ___________________________

DEDICATRIA Aos meus pais, Gregrio e Vera, por todo amor, carinho, pacincia, ensinamentos e dedicao ao longo de toda a minha vida.

CORREIA, F. R. A Terapia Ocupacional Hospitalar e sua atuao nas enfermarias do Hospital das Clnicas da FMRP-USP. 2008. 103 f. Trabalho de Concluso de Curso (Graduao) - Faculdade de Medicina, Universidade de So Paulo, Curso de Terapia Ocupacional, Ribeiro Preto, 2008.

RESUMO

Durante a internao hospitalar, o paciente e sua famlia vivenciam experincias marcadas pela dor, diferentes tipos de sofrimentos e ruptura do cotidiano. Encontram-se inseridos em um modelo de assistncia hospitalar que prioriza internaes breves, ao qual o terapeuta ocupacional necessita adaptar-se, priorizando intervenes que diminuam as conseqncias psicossociais, a condio de dependncia e improdutividade, assim como amenize a ruptura do cotidiano. A partir desse contexto, este estudo se prope analisar as caractersticas e demandas da populao atendida pela rea de Terapia Ocupacional Hospitalar do HC-FMRP-USP e as diferentes propostas de interveno teraputicoocupacional desenvolvidas em contexto hospitalar. Para tanto, foram utilizados, de maneira retrospectiva, setenta e cinco protocolos de avaliao aplicados no segundo semestre de 2007 junto aos pacientes internados no HC-FMRP-USP e foram realizadas entrevistas junto a cinco terapeutas ocupacionais que atendem nas enfermarias do mesmo hospital. Os dados quantitativos foram analisados por meio de anlise estatstica descritiva e os dados qualitativos por meio de anlise de contedo (MINAYO, 1994). Como resultados, conclumos que h uma ampla gama de possibilidades de intervenes teraputico-ocupacionais junto ao sujeito hospitalizado, que se constroem utilizando estratgias e recursos teraputicos de forma condizente com as complexas demandas e necessidades da populao atendida.

CORREIA, F. R. The Hospital Occupational Therapy and its actuation in the infirmaries of the Hospital das Clnicas da FMRP-USP. 2008. 103 f. Work of Curse Conclusion (Graduation) - Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto, Universidade de So Paulo, Occupational Therapy Curse, Ribeiro Preto, 2008.

ABSTRACT

During the hospital internment, the patient and the family patient lives experiences marked by the pain, different types of sufferings and rupture of the daily. They are inserted in a model of hospital assistance that prioritizes brief internments, and the occupational therapist needs to adapt, prioritizing interventions that reduce the psychsocials consequences, dependence condition and

unproductiveness, as well as it softens the rupture of the daily. This study intends to analyze the assisted population characteristics and demands by the "Terapia Ocupacional Hospitalar" area of HCFMRP-USP and the different proposes of occupational-therapeutic intervention developed in hospital context. For that, seventy five evaluation protocols were applied in the second semester of 2007, with the patients interned at HCFMRP-USP and were used in a retrospective way. Five occupational therapists that assist in patients units of the same hospital were interview. The quantitative data were analyzed according descriptive statistical analysis and the qualitative data were analyzed according content analysis (MINAYO, 1994). As results, we concluded that there is a wide range of occupational- therapeutic interventions possibilities with the hospitalized subject, that were constructed using strategies and therapeutic resources that up with an complex demands and needs of the assisted population.

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 -

Dados scio-demogrficos dos pacientes internados, avaliados pela Terapia Ocupacional nas enfermarias do HCFMRP-USP no segundo semestre de 2007 Escolaridade dos pacientes internados avaliados pela Terapia Ocupacional nos HCFMRP-USP no segundo semestre de 2007 Grau de parentesco das pessoas com as quais moram os pacientes, avaliados pela Terapia Ocupacional nas diferentes enfermarias do HCFMRP-USP no segundo semestre de 2007 Situao de internao dos pacientes no momento da avaliao da Terapia Ocupacional no segundo semestre de 2007 Distribuio da porcentagem dos diagnsticos mdicos dos pacientes avaliados pela Terapia Ocupacional nas diferentes enfermarias do HCFMRP-USP no segundo semestre de 2007 Relao e distribuio das queixas principais verbalizadas pelos pacientes avaliados pela Terapia Ocupacional nas enfermarias do HCFMRP-USP no segundo semestre de 2007

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Tabela 2 Tabela 3 -

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Tabela 4 -

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Tabela 5

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Tabela 6 -

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1

Esquema da organizao do grupo Ocupacional Hospitalar do HCFMRP-USP Unidades de Anlise

de

Terapia

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Quadro 2 -

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LISTA DE GRFICOS

Grfico 1

Distribuio da freqncia do sexo dos pacientes avaliados pela Terapia Ocupacional nas diferentes enfermarias do HCFMRPUSP no segundo semestre de 2007. Distribuio da faixa etria dos pacientes avaliados pela Terapia Ocupacional nas diferentes enfermarias do HCFMRP-USP no segundo semestre de 2007. Relao entre a idade e escolaridade dos pacientes avaliados pela Terapia Ocupacional nas diferentes enfermarias do HCFMRP-USP no segundo semestre de 2007. Distribuio da religio informada pelos pacientes avaliados pela Terapia Ocupacional nas diferentes enfermarias do HCFMRPUSP no segundo semestre de 2007. Distribuio dos pacientes avaliados pela Terapia Ocupacional nas diferentes enfermarias do HCFMRP-USP no segundo semestre de 2007. Distribuio da porcentagem dos diagnsticos mdicos dos pacientes avaliados pela Terapia Ocupacional na Enfermaria de Clnica Mdica do HCFMRP-USP no segundo semestre de 2007. Distribuio da porcentagem dos diagnsticos mdicos dos pacientes avaliados pela Terapia Ocupacional na Enfermaria de Ortopedia do HCFMRP-USP no segundo semestre de 2007.

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Grfico 2

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Grfico 3

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Grfico 4

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Grfico 5

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Grfico 6

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Grfico 7

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SUMRIO INTRODUO I O hospital como campo de prticas 1.1. A construo do hospital 1.2. O processo de hospitalizao II Terapia Ocupacional em Contextos Hospitalares 2.1. Panorama histrico sobre a atuao da Terapia Ocupacional em hospital geral 2.2. Terapia Ocupacional em hospital geral - mltiplas perspectivas 2.3. - Terapia Ocupacional Hospitalar a experincia do Hospital das Clnicas de Ribeiro Preto FMRP-USP III - Procedimentos metodolgicos 3.1. Material 3.1.1. Critrios de incluso 3.1.2. Critrios de excluso 3.2. Mtodo 3.3. Tratamento dos dados IV Apresentao dos resultados 4.1 Protocolos de avaliao 4.1.1 Dados scio-demogrficos 4.1.2. Situao Clnica 4.2 Entrevistas com profissionais 4.2.1. Concepes terico-metodolgicas. 4.2.2. Demandas dos pacientes internados 4.2.2. Infra-estrutura e recursos teraputicos 4.3. Discusso CONSIDERAES FINAIS BIBLIOGRAFIA ANEXOS 13 14 14 22 25 26 31 41

45 45 46 46 46 48 50 50 50 56 62 63 68 71 83 86 87

INTRODUO

Este trabalho uma exigncia parcial para a obteno do ttulo de bacharel em Terapia Ocupacional pela Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto USP, sob a orientao da Profa. Dra. Marysia M. R. P. De Carlo. O tema apresentado nesta monografia foi escolhido pela autora devido a sua prtica vivenciada no HCFMRP-USP durante o processo de graduao. Nesse perodo percebeu a importncia de uma prtica humanizada de Terapia Ocupacional em Contextos Hospitalares e a necessidade de aprofundar o conhecimento na rea, j que so poucas as publicaes neste contexto. Portanto, o objetivo deste estudo delinear as caractersticas sciodemogrficas da populao internada no HCFMRP-USP (campus e Unidade de Emergncia) atendida pelo servio Terapia Ocupacional Hospitalar e conhecer as diferentes abordagens e concepes terico-metodolgicas que tm sido empregadas no atendimento dessa clientela internada pelas profissionais em questo. Para tanto, no Captulo 1 ser abordado o processo de surgimento e consolidao do hospital at chegarmos s suas concepes atuais, que norteiam a ateno sade, incluindo a Poltica Nacional de Humanizao implantada pelo Sistema nico de Sade (SUS). Tambm ser apresentado o contexto da hospitalizao para os pacientes, entendendo a lgica deste processo. Estes assuntos so pertinentes medida que, para entender a dinmica estabelecida nas enfermarias hospitalares, preciso o conhecimento das transformaes acontecidas ao longo do tempo, assim como a lgica de ateno e o olhar estabelecido diante do doente e do adoecimento, a partir de suas necessidades e demandas. No Captulo 2 ser apresentado um panorama da atuao da Terapia Ocupacional em hospital geral, desde a sua insero neste local at as diferentes prticas desenvolvidas atualmente, por meio de um levantamento bibliogrfico na rea de Terapia Ocupacional em contextos hospitalares. Alm de descrever a insero e as prticas desenvolvias pela Terapia Ocupacional Hospitalar no HCFMRP-USP. No Captulo 3 sero apresentados os procedimentos metodolgicos utilizados para o desenvolvimento deste estudo e no Captulo 4 sero apresentados discutidos e analisados os dados qualitativos e quantitativos, com o intuito de fundamentar uma reflexo acerca da atuao da Terapia Ocupacional nas enfermarias do Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto USP (HCFMRP-USP).

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Captulo 1 - O HOSPITAL COMO CAMPO DE PRTICAS A instituio hospitalar passou por diversas transformaes acompanhando as mudanas ocorridas na cultura e nos valores das sociedades ao longo do tempo, para que atualmente se constitusse como local de cuidado aos sujeitos em situao de dor e sofrimento, assim como local de congregao de diversas tecnologias, conhecimentos e prticas. No intuito de fornecer subsdios para o entendimento da atual lgica hospitalar e sua constituio como campo de prticas para diversos saberes, faz-se necessrio percorrer o caminho traado por esta instituio ao longo de diferentes pocas da histria e nos aproximarmos do contexto vivido pelo indivduo que adoece e hospitalizado.

1.1. A Construo do Hospital e a Humanizao hospitalar

A raiz latina da palavra hospital hospitalis, que vem de hospes (hspedes), porque, antigamente, eram nas casas de assistncia que peregrinos, pobres e enfermos eram recebidos. Segundo PITTA (1999), o hospital tem percorrido um caminho complexo e tortuoso, desde a profana incumbncia de retirar pobres, moribundos, doentes e vadios do meio social, escondendo o incmodo, disciplinando os corpos e guardando-os espera da morte, at a nobre funo de salvar vidas. Na Grcia e Roma Antiga vrios templos foram criados para homenagear os deuses e serviam como abrigo aos pobres, velhos e enfermos. Na China, no Ceilo e no Egito, antes de Cristo, h registros de hospedarias, hospitais e hospcios, palavras de mesma raiz latina, onde almas caridosas patrocinavam e cuidavam de peregrinos, crianas, velhos, vagabundos e doentes (RIBEIRO, 1993). Na Idade Mdia, o hospital j adquire novos contornos e misses. Segundo ROSEN (1994), a idia da necessidade de assistncia social, em caso de doenas, se desenvolveu muito, fato que se evidencia pela criao dos hospitais, impulsionada por motivos religiosos e sociais. Nesta poca, o imprio islmico tinha trinta e quatro hospitais com caractersticas semelhantes entre si e refletiam o alto nvel da Medicina nas terras muulmanas, com sees separadas para diferentes tipos de sintomas e doenas. J os hospitais europeus permaneciam com sua misso

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essencialmente espiritual, dando atendimento religioso e socorrendo gratuitamente, os doentes e moribundos (ROSEN, 1994; RIBEIRO, 1993). Segundo ROSEN (1994) foi a partir do sculo XIII que o hospital medieval comeou a sair das mos da igreja e passou a jurisdio secular, o que no implica a total substituio do clero, j que religiosos continuaram a cuidar dos enfermos. O mesmo autor aponta que a valorizao da sade como questo poltica governamental foi reconhecida e valorizada apenas no sculo XVIII. FOUCAULT (2004) acrescenta que somente a partir dessa poca que o hospital passou a se constituir como um espao medicalizado, cumprindo finalidades teraputicas. O autor enfatiza que, antes desse perodo, tal instituio se caracterizava por atender os pobres, loucos, ladres, velhos, prostitutas (os marginalizados socialmente); a lgica do cuidado vinculava-se prtica da caridade, segundo princpios religiosos, sendo que eram mantidos e conduzidos por organizaes religiosas. DE CARLO e BARTALOTTI (2001) acrescentam que o hospital seria, ento, lugar para a transformao espiritual de uma diversificada populao marginal naquela poca. PITTA (1999) considera que, muito provavelmente, os estudos realizados por Howard, filantropo ingls, e Tenon, mdico francs, no final do sculo XVIII, puderam revelar que os hospitais no curavam tanto quanto deviam; e, ao contrrio, costumavam produzir em seu interior surtos epidmicos dizimadores, vista a no observncia de regras bsicas de higiene. Nota-se que a partir desse sculo as cincias passaram a se interessar mais pela instituio hospitalar e remont-la segundo as necessidades emergentes do perodo. O hospital que surge nesta poca significa o incio de uma mudana com a instituio hospitalar anterior, onde o espao e as rotinas vo forjar-se em um outro sentido o domnio do corpo e da cura dos sujeitos, inaugurando certo rompimento com o hospital excluso (FOUCAULT, 2004). Porm, somente a partir do sculo XIX que a medicina hospitalar e o hospital teraputico surgiram como os compreendemos atualmente e o mdico passou a adquirir o poder e a responsabilidade para a organizao hospitalar, que deveria tornar-se um meio teraputico inteiramente medicalizado (DE CARLO e BARTALOTTI, 2001). Mesmo com tal progresso, somente no sculo XX houve o aumento do pessoal mdico e tcnico exigido pela instituio hospitalar, embasados pela aplicao do conhecimento bacteriolgico e dos estudos de laboratrio da medicina clnica (ROSEN, 1979). A ateno mdica passou a ser seu principal 15

objetivo e foi orientada por normas cientfico-tecnolgicas e pelas exigncias da racionalidade e economia organizacionais (ROSEN, 1979, p. 370). Portanto, ao longo da histria percebemos que a instituio hospitalar adquiriu diferentes conotaes at atingir o modelo que encontramos no sculo XXI, em nossa sociedade. Torna-se essencial apresentarmos questes referentes concepo desta instituio na atualidade, como ser feito a seguir. Segundo publicao da ORGANIZAO MUNDIAL DE SADE (1957), o hospital deve servir toda a coletividade, oferecer meios para a promoo e preveno da sade e tratar as enfermidades. O hospital seria

parte integrante de uma organizacin mdica y social cuya misin consiste en proporcionar a la poblacin una asistencia medicosanitaria completa, tanto curativa como preventiva, y cuyos servicios externos irradian hasta el ambito familiar; el hospital es tambin um centro de formacin de personal medicosanitario y de investigacin biosocial. (OMS, 1957, p.4).

Assim, a Organizao Mundial de Sade define que a misso do hospital salvar vidas humanas e prevenir incapacidades, aplicando todas as medidas teraputicas e de diagnstico, cuja eficcia seja reconhecida, que permitam descobrir e tratar de todos os estados patolgicos e suas manifestaes. Para isso, ele deve estar to integrado sociedade, de modo a satisfazer as necessidades humanas e as exigncias de ordem financeira, administrativa e social. Neste sentido cabe salientar que o hospital moderno, ao constituir um campo fecundo de experincias diversas, passa a ser local privilegiado para o ensino e a pesquisa de diferentes disciplinas vinculadas prtica mdica e sua misso transcende a de cuidar de doentes, assumindo, tambm, a de incorporar tecnologias (RIBEIRO, 1993, p.27). Esse fato pode ser observado no Brasil entre as dcadas de 1930 e 1960, em que a medicina teve um grande avano tecnolgico que refletiu na elevao de custos, alm da alta complexidade dos tratamentos desenvolvidos na poca que tornaram o hospital o centro do processo de ateno sade (MANSUR, 2001) O atendimento hospitalar dessa poca e, mais especificadamente, entre os anos de 1920 e 1980, se dava por meio da sade pblica e da medicina previdenciria, sendo esta ltima restrita queles pertencentes s categorias de trabalho reconhecidas por lei e para as quais se criou um seguro social (MANSUR, 16

2001). A partir desse dado, MANSUR (2001) discute que a arrecadao previdenciria possibilitou a criao de uma grande estrutura hospitalar privada no pas - situada nos grandes centros -, assim como incentivou o avano da indstria farmacutica (principalmente estrangeira) no pas. Por meio dessa arrecadao e de subsdios, o Estado financiava o incio de uma produo capitalista privada de servios hospitalares. A autora aponta, ainda, que a medicina previdenciria, ao contrrio da sade pblica de carter preventivo e assistencial, estava centrada no hospital e na ateno de carter curativo. SILVA (2000) considera que at o incio de 1980 o Ministrio da Sade apresentava baixo status frente ao papel hegemnico da assistncia mdica previdenciria centrada no atendimento curativo hospitalar. MANSUR (2001) apresenta que ainda nos anos 80, algumas propostas de unificao das redes federal, estadual e municipal foram desenvolvidas no intuito de promover a descentralizao do sistema de sade. A autora pontua que essa dcada foi marcada pela implementao de programas de reorganizao da ateno sade no Brasil, voltados para a descentralizao e universalizao do acesso, j que a assistncia com alta tecnologia ainda estava centrada nos hospitais privados, financiados pela medicina previdenciria, voltada demanda daqueles grupos protegidos pelo sistema e a filantropia e hospitais universitrios voltavam-se para a ateno aos indigentes. No ano de 1986 foi realizada a VIII Conferncia Nacional de Sade, cujo foco era o estabelecimento dos fundamentos do Sistema nico de Sade e a Reforma Sanitria que

pode ser conceituada como um processo modernizador e democratizante de transformao nos mbitos poltico-jurdico, poltico-institucional e poltico-operativo, para dar conta da sade dos cidados, entendida como um direito universal e suportada pelo Sistema nico de Sade, constitudo sob regulao do Estado, que objetive a eficincia, eficcia e eqidade e que se construa permanentemente atravs do incremento de sua base social, da ampliao da conscincia sanitria dos cidados, da implantao de um outro paradigma assistencial, do desenvolvimento de uma nova tica profissional e da criao de mecanismos de gesto e controle populares sobre o sistema. (MENDES, 1993 apud MANSUR, 2001, p.52).

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Aps dois anos dessa Conferncia, a Constituio de1988 posta a pblico e, em seu Artigo 196, apresenta a sade como

direito de todos e dever do Estado, garantida mediante polticas sociais e econmicas que visem a reduo do risco de doena e de outros agravos e do acesso universal e igualitrio s aes e servios para sua promoo, proteo e recuperao. (BRASIL, 1988).

Diante desses marcos histricos que atribuem um novo carter sade pblica, o Sistema nico de Sade (SUS) implantado e novas diretrizes so traadas para a ateno sade de modo a configurar o sistema no qual nos enquadramos atualmente. CARVALHO (apud MANSURE, 2001) considera que o SUS permitiu o rompimento de duas lgicas presentes nas polticas de sade dos trinta anos anteriores, ou seja, promoveu-se a mudana de um modelo de seguro social para a seguridade social - permitindo a universalizao - e a mudana do modelo de ateno curativa da sade para um modelo de ateno integral populao. Nesse conjunto de aes, uma poltica voltada para a organizao de um sistema de sade equnime, integral e resolutivo formulada e exige a realizao de uma srie de aes articuladas entre os diferentes nveis de complexidade da ateno sade para o atendimento efetivo dos problemas da populao (BRASIL, 2007). A organizao desses servios, segundo o SUS, encontra-se estruturada em trs nveis hierrquicos complementares de ateno ateno primria, secundria e terciria. neste ltimo nvel de ateno sade (de alta complexidade) que encontramos o hospital geral, estrutura na qual este trabalho foi realizado. A Alta Complexidade pode ser definida por um conjunto de procedimentos que envolve alta tecnologia e alto custo, objetivando propiciar populao acesso a servios qualificados, integrando os demais nveis de ateno Sade (ateno bsica e de mdia complexidade) (BRASIL, 2007). Essa estrutura confere uma ateno e gesto da sade descentralizada e regionalizada, que visa ampliao dos nveis de universalidade, eqidade, integralidade e controle social. Porm, sabe-se que a assistncia hospitalar ainda tem de percorrer um longo caminho na busca pela equidade e pelo equacionamento das questes econmicas e gerenciais, que resulta em uma qualidade assistencial, satisfao dos usurios do 18

sistema e racionalizao econmica dos gastos (ASSOCIAO PAULISTA DE MEDICINA, 2004). Outro fator que interfere na excelncia de qualidade da ateno aos usurios dos servios de sade a fragmentao e verticalizao dos processos de trabalho existentes nesses locais, que esgaram as relaes entre os diferentes profissionais e entre estes e os usurios. Neste mbito, o trabalho em equipe, assim como o preparo para lidar com as dimenses sociais e subjetivas presentes nas prticas de ateno ficam fragilizados. (BRASIL, 2004) Tal contexto agravado pela presena e formao de profissionais da sade que, diante do crescente avano tcnico e cientfico na rea, reduzem-se a objetos da prpria tcnica e objetos despersonalizados de uma investigao que se prope ser fria e objetiva. Como resultado, temos a eliminao da condio humana da palavra, que no pode ser reduzida a mera informao de anamnese (MOTA; MARTINS; VRAS, 2006). Tais fatores refletem-se diretamente na qualidade da ateno recebida pelos usurios. A partir dessa situao que a dignidade da pessoa humana, com freqncia, parece ser renegada a um segundo plano (BACKES; LUNARDI; LUNARDI FILHO, 2006; MOTA; MARTINS; VRAS, 2006), a dimenso

desumanizante da cincia e tecnologia favorece uma prtica baseada na relao queixa-conduta, automatizando-se o contato entre profissionais e usurios, fortalecendo um olhar sobre a doena e, sobretudo, no estabelecendo o vnculo fundamental que permite, efetivamente, a responsabilidade sanitria que constitui o ato de sade. (BRASIL, 2004). Por outro lado, na medida em que h falta de condies tcnicas que envolvam tanto a capacitao profissional quanto recursos fsicos e materiais, grande parcela dos servios de sade torna-se local de uma prtica de m qualidade de atendimento e baixa resolubilidade de problemas (MOTA; MARTINS; VRAS, 2006), alm de seu carter de ateno pouco humanizada na rea da sade. A diminuio de um processo crtico e comprometido com as prticas de sade e com os usurios em suas diferentes necessidades, desumaniza, gradativamente, a ateno sade, na medida em que favorecida pelo baixo investimento na qualificao dos profissionais. Nesta lgica, o Ministrio da Sade teve iniciativa de elaborar uma proposta de trabalho voltada para humanizao dos servios hospitalares a partir da 19

identificao de nmeros significativos de queixas dos usurios por maus tratos no mbito hospitalar (RAFACHO; MORAES; PALM, 2007, p.2031). Tal proposta constitui-se na Poltica Nacional de Humanizao da Ateno e da Gesto da Sade e adota a Humanizao como poltica transversal, entendida como um conjunto de princpios e diretrizes traduzidos em aes nos diversos servios, nas prticas de sade e nas instncias do sistema, caracterizando uma construo coletiva. (BRASIL, 2005) BACKES; humanizao como KOERICH e ERDMANN (2007) consideram a

um processo de transformao da cultura organizacional que necessita reconhecer e valorizar os aspectos subjetivos, histricos e socioculturais dos clientes e profissionais, para melhorar as condies de trabalho e a qualidade da assistncia, por meio da promoo de aes que integrem valores humanos aos valores cientficos. (p.35).

A humanizao tem de ser uma ao coletiva, que se d a partir da construo e troca de saberes, do trabalho com equipes multiprofissionais e da identificao das necessidades e desejos dos trabalhadores e usurios,

protagonistas das aes de sade e da criao de redes solidrias, interativas e participativas (BRASIL, 2005). H a construo de uma rede de humanizao em sade que cultiva os laos de cidadania e a valorizao de todos os sujeitos implicados no processo de produo em sade. Apesar desse mpeto coletivo, busca-se olhar cada sujeito em sua especificidade, sua histria de vida e, principalmente, como sujeito de um coletivo, j que cuidado vida no pode estar desvinculado e descontextualizado das circunstncias, pois somente ser possvel exerc-lo se compreendermos o ser humano em sua totalidade, nas suas diferenas, no pluralismo e na diversidade (LEITE, STRONG, 2006; BRASIL, 2005). ERDMANN (Apud BACKES; KOERICH e ERDMANN, 2007) considera que o resgate da condio humana como princpio da humanizao se d atravs da autenticidade, dignidade, solidariedade, afetividade e do respeito individualidade humana. Tomar a sade como valor de uso ter por princpio o vnculo com os usurios e familiares, garantindo-lhes direito e estimulando-os a se colocarem como protagonistas do sistema de sade, ao mesmo tempo em que os

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profissionais devem ter melhores condies de realizar seu trabalho de maneira digna (MOTA, MARTINS, VRAS, 2006). Neste sentido, RAFACHO, MORAES e PALM (2007) apontam a necessidade de mudar a maneira como os hospitais posicionam-se diante ao seu principal objeto de trabalho: a vida, o sofrimento e a dor de indivduos fragilizados pela doena. De acordo com MARTINS (2001) e MAZZETTI (2005, apud MOTA; MARTINS; VRAS, 2006) um ambiente hospitalar humanizado reduz o tempo de internao, aumenta o bem-estar geral dos pacientes e funcionrios, assim como h uma diminuio do nmero de faltas da equipe profissional e conseqente reduo dos gastos. Entende-se que a humanizao hospitalar deve partir do princpio de que cada sujeito internado necessita viver como ser humano e seus valores de referncia devem ser levados em considerao, abrangendo questes no s fisiolgicas, mas tambm psicossociais. A meta a dignidade do ser humano e o respeito por seus direitos (MOTA; MARTINS; VRAS, 2006) Portanto a instituio deve se preocupar em construir estratgias que contribuam para a humanizao do/no trabalho, mediante o estmulo de uma participao ativa dos sujeitos envolvidos (BACKES; LUNARDI; LUNARDI FILHO, 2006). O grande desafio da humanizao est em rejuntar/religar as indagaes, os saberes e os valores ticos, morais e sociais, de maneira a garantir dignidade ao sujeito hospitalizado e sua famlia. (BACKES; KOERICH; ERDMANN, 2007). Para que tal poltica alcance sucesso requer-se o comprometimento de todos, principalmente daqueles que esto diariamente junto aos usurios e demais profissionais, que mostram, atravs de seu trabalho e atitudes, quais as caractersticas do servio de sade que est sendo oferecido populao. (BACKES; KOERICH e ERDMANN, 2007). Diante de tais apontamentos, torna-se importante aprofundar nas questes referentes ao processo do adoecer, assim como as conseqncias da internao para a vida cotidiana dos indivduos, visto que

o hospital um espao de atendimento s condies especiais do sujeito que requerem atuao diferenciada, onde convivem e articulam-se diversos saberes, transitam e aglutinam-se profissionais com formao diferenciada e onde valores morais, religiosos, culturais, filosficos, polticos, econmicos e sociais expressam suas

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particularidades nos indivduos internados e nos profissionais envolvidos nesse contexto. (DE CARLO et al, 2004, p.14-15).

Em um ambiente complexo como este, fica clara a necessidade de tais conhecimentos, no intuito de fornecer subsdios para que efetivamente possa-se construir uma prtica emptica e humanizada e, ao direcionar o foco para a Terapia Ocupacional, possa-se estabelecer uma melhor interveno teraputica.

1.2. O processo de hospitalizaoAdoecer traz em si resqucios da prpria contemporaneidade vivida no mago de sua ocorrncia. ANGERAMI-CAMON (1996).

Nas enfermarias do hospital geral que o sujeito hospitalizado, em situao de adoecimento, apresenta uma ruptura em seu cotidiano, fato, avaliado por KUJAWSKY (1988), como o mais grave que pode acontecer com o destino do homem, bloqueando sua capacidade de absorver a circunstncia e projetar sua liberdade. HELLER (1992) considera que todo homem j nasce inserido em sua cotidianidade e a vida cotidiana o seu acontecer histrico. O cotidiano envolve o indivduo e a comunidade que o cerca, o mundo que o rodeia; quando h uma ruptura com este mundo, que envolve as relaes que criamos, a familiaridade que estabelecemos, gera-se a sensao de estranhamento das coisas e de desamparo. Gera-se a ansiedade da insegurana vital, que consiste na impossibilidade de estar onde estamos (KUJAWSKY, 1988). Assim, a cotidianidade a manifestao imediata, em um tempo, um ritmo e um espao das complexas relaes sociais que regulam a vida dos homens em determinado perodo histrico. Vida cotidiana a forma de desenvolvimento que adquire, dia aps dia, a histria individual dos sujeitos, incluindo as relaes que os homens estabelecem entre si e com a natureza em funo de suas necessidades, configurando-se, assim, condies concretas de existncia (PICHON-RIVIRE; QUIROGA, 1998). Podemos considerar que o cotidiano do sujeito hospitalizado passa a ser moldado pela lgica institucional: o indivduo despoja-se de seus valores e 22

escolhas de atividades para seguir a rotina hospitalar, regida por horrios de procedimentos, medicaes, exames e outras intervenes relacionadas ao tratamento da doena. Associada ruptura do cotidiano, o sujeito internado, ao adentrar no hospital, tem sua identidade comprometida, tanto pela mutilao do eu, decorrente da perda de seu nome em prol de nmeros ou termos mdicos, quanto por ser despido de sua aparncia, de seus pertences pessoais. (GOLFFMAN, 1996). Para ARMELIN e SCATENA (2000) a pessoa hospitalizada sofre um processo de despersonalizao decorrente da fragmentao ocorrida a partir dos diagnsticos cada vez mais especficos, em que apenas os sinais e sintomas emergem do paciente. Podemos identificar que as ocupaes e papis sociais antes desenvolvidos pelo sujeito tambm so alterados com a hospitalizao. SILVA e GRAPAZIANO (1996, apud ARMELIN; SCATENA, 2000) consideram que este indivduo passa a participar de um grupo social especfico de doentes internados, de modo que os papis impostos caracterizam-se por uma acentuada dependncia. MATTHEWS e TIPTON-BURTON (2005) acrescentam que a hospitalizao, especialmente quando no planejada, confere uma sbita mudana nos contextos de desempenho dos sujeitos e o indivduo que se sentia no controle de seu destino passa a ser controlado pelas circunstncias da deficincia e da hospitalizao. Na hospitalizao h, tambm, a perda da autonomia com a invaso da privacidade, o sentimento de incapacidade de governar a prpria vida, de realizar suas atividades cotidianas, de ser dependente fisicamente de outras pessoas, agregados aos sentimentos de solido e abandono (ROCHA; MELLO, 2004). Associadas a essas circunstncias embutidas no processo de adoecimento, encontramos dvidas, incertezas, sentimentos de medo e angstia tanto nos pacientes quanto em seus familiares. Aqueles se deparam como uma situao de sofrimento, sentem-se desmotivados, com restries e disfunes. ANGERAMI-CAMON (2003) aponta que o fato de adoecer j disparador de transformaes da vida cotidiana e significa entrar em contato com a possibilidade da doena: conviver com patologias que at ento existiam apenas como meras possibilidades, sem chance efetiva de se tornarem realidade (p. 192) importante tambm considerar, de uma maneira geral, que as doenas orgnicas vm acompanhadas de emoes que podem estar ligadas a 23

alteraes na imagem corporal, diminuio da auto-estima e perda da iniciativa, com sentimentos de incapacidade que prejudicam a qualidade de vida. Uma situao crnica de estresse pode desencadear outras doenas, como desequilbrios psicolgicos (ansiedade, depresso, fobias), desordens do sistema nervoso autnomo (respiratrias, circulatrias, digestivas) ou do sistema imunolgico (infeces agudas) (INSTITUTO CENTRAL DO HOSPITAL DAS CLNICAS FMUSP, 2005). Alm dos aspectos apresentados h, ainda, algumas questes referentes aos fatores sociais envolvidos no processo de adoecimento. Para PITTA (1999), antes do indivduo ser doente, ele um ser produtivo, integrante de uma fora de trabalho; adoecer na sociedade na qual estamos inseridos deixar de produzir, portanto, vergonhoso e deve ser ocultado e excludo. Outro fator social que pode ser identificado a participao do familiar ou cuidador durante a hospitalizao, que tambm apresenta uma rotina alterada e vtima do estresse e cansao gerado pela internao de um ente querido. Neste contexto, h uma diminuio da qualidade de vida do sujeito hospitalizado, j que existe uma situao estressante tanto para os pacientes como para seus familiares e cuidadores, que se deparam com a dor, o sofrimento, o desamparo e, muitas vezes, com a eminncia da morte. Em considerao experincia da doena, temos que a mesma inerente pessoa e ao mundo em que vive. A enfermidade interfere, e depois se torna interligada, a uma determinada vida, modificando relaes, interferindo em prazeres e atividades e requerendo adaptaes. Tais conseqncias adquirem um significado nico para cada sujeito. (FOLHA; RODRIGUES-JNIOR, 2007). Diante da complexidade das situaes envolvidas no processo de adoecimento e hospitalizao a prtica do terapeuta ocupacional torna-se essencial junto a esta populao. Neste sentido, faremos algumas consideraes em relao atuao deste profissional em contexto hospitalar.

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Captulo 2 - TERAPIA OCUPACIONAL EM CONTEXTOS HOSPITALARES

A atuao do terapeuta ocupacional em Hospital Geral prima pela ateno tanto s caractersticas clnicas, necessidades e expectativas relacionadas ao processo de adoecimento e de recuperao da sade, como s necessidades psicoafetivas e sociais do paciente e seus familiares e/ou cuidadores (DE CARLO et al, 2006a). Nesse sentido, a nfase do trabalho da Terapia Ocupacional, em um mbito de equipe multiprofissional, est na vida ocupacional dos sujeitos, o que engloba todos os aspectos referentes ao exerccio de sua identidade, autonomia e independncia. Deste modo, o papel desses profissionais ajudar o sujeito internado a elaborar os aspectos psicossociais envolvidos no processo de adoecimento, por meio da reorganizao de seu cotidiano e de atividades promovidas no prprio espao hospitalar, alm de cuidar da otimizao das capacidades fsicas comprometidas e do desempenho ocupacional, promovendo sade e qualidade de vida mesmo durante a internao. (DE CARLO; BARTALOTTI; PALM, 2004). Diante da complexidade da atuao do terapeuta ocupacional no ambiente hospitalar e dos diferentes papis assumidos ao longo da histria e de uma variedade de abordagens terico-metodolgicas no cuidado dos pacientes em contextos diversos, percebeu-se a necessidade de realizar uma reviso bibliogrfica acerca da atuao destes profissionais no contexto hospitalar. Foram pesquisadas as bases de dados Lilacs, MedLine e Scielo utilizando-se as palavras chaves Terapia Ocupacional e Hospital e seus respectivos em ingls, sendo selecionados os artigos que se encontravam disponveis integralmente. Tendo em vista a pequena quantidade de material encontrado, buscou-se produes nos peridicos Canadian Journal of Occupational Therapy e American Journal of Occupational Therapy, restringindo a busca aos publicados entre os anos de 2003 a 2008, alm de uma consulta a outros tipos de materiais bibliogrficos disponveis, como livros, dissertaes, teses e anais de congressos. A reviso deste material oferece um panorama da atuao da Terapia Ocupacional em hospital geral e ser apresentada a seguir.

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2.2. - Panorama histrico sobre a atuao da Terapia Ocupacional em Hospital Geral.Pois, ainda que o cotidiano destes pacientes esteja muito limitado, sem a possibilidade de escolhas e/ou fazeres, a vida no pode perder seu sentido e, a possibilidade de realizar atividades, sejam elas quais forem, possibilita um outro jeito de estar no mundo, com mais qualidade de vida. (PENGO; SANTOS, 2004).

Para que seja apresentado o contexto histrico da profisso no mbito hospitalar, no intuito de subsidiar uma discusso acerca da atuao destes profissionais nesta rea, importante analisar, inicialmente, a origem do uso das ocupaes e da prpria histria do surgimento da Terapia Ocupacional. HOPKINS (1984) aponta que h evidncia do uso de exerccios (treinamento fsico), recreao (jogos) e trabalho como meios para a promoo da sade e para tratamento e recuperao de doentes nas civilizaes chinesa, persa, egpcia, entre outras, datadas em at 3400 A.C. Na Antiguidade Clssica, tambm temos o relato do uso das ocupaes como forma de tratamento, no intuito de garantir um melhor bem estar aos sujeitos excludos socialmente. Quando ainda no se tinha a noo de processos de sade-doena, acreditava-se que os trabalhos, exerccios, artes e artesanatos poderiam curar aqueles que estivessem possudos pelo demnio (DE CARLO; BARTALOTTI, 2001). Entre os sculos XVII e XVIII, os asilos, antigos leprosrios da Idade Mdia, foram responsveis pelo isolamento dos indivduos que suscitavam repulso ou temor na sociedade. Neste contexto, indigentes, vagabundos, preguiosos, incapazes, velhos, prostitutas, loucos e deficientes eram confinados em um espao isolado do convvio social, cujo propsito era o de proteger a sociedade contra a desordem dos loucos e diferentes, assim como o perigo que representavam. (DE CARLO; BARTALOTTI, 2001). Partindo dos princpios humanistas e das idias da Revoluo Francesa em 1789, Philippe Pinel preconizou o movimento alienista e sua Escola de Tratamento Moral, a qual passou a utilizar a atividade teraputica asilar, para que, apesar do isolamento do ambiente sociofamiliar, pudesse-se garantir uma ateno mais humanizada aos doentes mentais, com disciplina, organizao dos

comportamentos e hbitos errados, mantendo a ordem institucional. Segundo NASCIMENTO (1991, apud SOARES, 2007), o enclausuramento e a obrigao do 26

trabalho eram justificados pelo aprendizado da ordem, da regularidade e da disciplina proporcionados pelo trabalho. Podemos considerar a Escola de Tratamento moral como a precursora da Terapia Ocupacional que, segundo DE CARLO E BARTALOTTI (2001), surgiu como profisso oficialmente reconhecida, apenas na segunda dcada do sculo XX, quando houve a re-emergncia das idias do tratamento moral, aliadas ao surgimento da Teoria da Psicobiologia de Adolf Meyer, nos EUA. neste momento que o homem passa a ser visto como um ser bio-psico, em interao com o meio social. O alemo Hermann Simon outro nome de destaque neste contexto, j que sua obra revela a passagem do trabalho-ocupao para a interao teraputica em um todo constitudo por atitudes dos profissionais para com os doentes. DE CARLO e BARTALOTTI (2001) apontam que tal modelo partia da idia de que o fazer, a atividade, rege tanto a vida mental como a corporal, e a ausncia desta gera a abolio da atividade mental e a demncia. Ainda no sculo XX, com a Segunda Guerra Mundial, houve grande expanso do nmero de terapeutas ocupacionais nos hospitais, recrutados no intuito de reabilitar os incapacitados da guerra. Vale salientar que tal prtica j era exercida nos Estados Unidos da Amrica pelos auxiliares de reconstruo, desde a Primeira Guerra Mundial, e s passou a ser atribuio do terapeuta ocupacional a partir da segunda dcada do sculo XX. Com base no que foi apresentado at o momento sobre o uso das ocupaes e o surgimento da Terapia Ocupacional como profisso, consideramos que tal contexto est profundamente ligado ao trabalho hospitalar, seja por suas razes no uso das ocupaes com doentes crnicos nos manicmios, com base em programas recreativos e/ou laborterpicos, seja por meio de programas

multidisciplinares de reabilitao para a restaurao da capacidade funcional dos incapacitados fsicos nos hospitais civis e militares (DE CARLO et al, 2006a e SOARES, 1991). SOARES (1991) afirma que o longo perodo de hospitalizao desta clientela gerava uma desconexo brusca e quase definitiva com o ritmo, os hbitos e as relaes sociais dos internos. No intuito de diminuir tais efeitos, as atividades recreativas, de autocuidado, profissionais e de conservao do espao institucional foram introduzidas.

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As instituies, para o cuidado dos doentes, perduraram por quase todo o sculo XX, concentrando a atuao do terapeuta ocupacional principalmente nas instituies psiquitrica e de reabilitao, fato demonstrado por MAROTO (1993), que aborda o processo de insero da fora de trabalho desses profissionais, segundo especialidades, no Estado de So Paulo no perodo de 1964 a 1981. A autora constatou que a maior parte dos terapeutas ocupacionais fazia parte da especialidade de T.O. Reabilitao Geral e T.O. Psiquiatria e, apenas uma pequena parcela dos profissionais faziam parte da chamada T.O. Mdica.

A especialidade T.O. Mdica uma designao especfica de um dos locais de trabalho implementado neste perodo no Hospital Auxiliar de Suzano para a atuao da clientela de longo perodo de internao em hospital clnico. (MAROTO, 1993 p. 38).

Observa-se que nessa poca j se pensava na atuao desse profissional em ambiente de hospital geral, porm com concepes tericometodolgicas diferentes das que temos encontrado atualmente e que sero expressas ao longo deste trabalho. A reflexo de tal situao pode ser feita a partir da prpria denominao de T.O. mdica, que retrata a relao estreita existente entre a Medicina e a Terapia Ocupacional, principalmente na instituio hospitalar. No Brasil, na segunda metade do sculo XX, muitos dos profissionais de reabilitao (Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia, Fisioterapia etc.) foram formados a partir de superviso e orientao mdica acerca do conhecimento clnico das patologias e a partir de publicaes estrangeiras que explicavam os princpios e mtodos de tratamentos especficos (SOARES, 1991). Tal contexto no exclusivo do Brasil. GOUBERT (1999) retrata a evoluo histrica da Terapia Ocupacional na Frana e aponta que a profisso esteve intimamente relacionada s prticas mdicas. O autor nos diz que naquele pas, desde o surgimento da profisso at 1960, os usos dos trabalhos, ocupaes e atividades estiveram sob orientao mdica. Tal prtica foi modificada, porm a Terapia Ocupacional ainda classificada como profisso paramdica de reabilitao. A partir destes relatos percebemos que a identidade da profisso se moldou ao longo de sua evoluo histrica e novas prticas foram introduzidas no intuito de caracterizar as especificidades desses profissionais, que buscam adequarse s tendncias e exigncias dos servios nos quais atua. Neste sentido, as 28

transformaes dos espaos institucionais tambm influenciaram a prtica da Terapia Ocupacional, fato que no excluiu o hospital geral. SOARES (1991) aponta que, a partir da metade do sculo XX, houve o aumento da valorizao desse local como espao institucional, tanto por parte da diviso tcnica na rea da sade, como pelo regime de capitalizao. Neste contexto, o hospital torna-se hegemnico em relao aos demais espaos institucionais. Segundo RIBEIRO (1993),

O hospital contemporneo no apenas uma instituio que evoluiu. muito mais, uma instituio nova. Suas misses so outras, conquanto resguardadas algumas que precederam. Mudaram suas caractersticas, suas finalidades, sua administrao, seus sujeitos, seus instrumentos e processos de trabalho. O elemento mais constante dessa trajetria tem sido o homem que sofre e morre (p.31).

Juntamente com tais transformaes, observa-se um avano tcnico e cientfico na rea da sade, advindo do desenvolvimento de novos instrumentos, materiais e tcnicas, prolongando o tempo de vida das pessoas acometidas por doenas crnicas e incapacitantes. Novas demandas so criadas e necessitam ser resolvidas pelas prticas em sade, de modo que o terapeuta ocupacional passa a buscar subsdios tericos que embasem sua prtica e fortaleam-no como profissional cientfico. (SOARES, 1991) DE CARLO et al (2006a) consideram que o terapeuta ocupacional precisa rever sua atuao hospitalar, seguindo a tendncia internacional de organizao dos cuidados com a sade e reduo dos perodos de internao, em decorrncia das transformaes ocorridas nesta instituio. ROCHA e MELLO (2004) esclarecem que a diminuio no perodo das internaes, que prioriza intervenes cirrgicas e/ou exacerbaes agudas de doenas crnicas, limitou os servios de sade hospitalares e imps a necessidade da realizao de avaliaes breves e tratamentos com objetivos especficos a serem alcanados em curto prazo, no intuito de favorecer a alta hospitalar o mais breve possvel. Ainda segundo as mesmas autoras, a avaliao teraputico-ocupacional deve apontar as debilidades, as capacidades e possibilidades dos sujeitos e de seus familiares com o propsito de promover a vida ocupacional do paciente em diferentes aspectos.

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A partir do conhecimento de quem este sujeito, da identificao de suas demandas e potencialidades, o terapeuta ocupacional busca definir aes de preveno, propor e desenvolver um programa de tratamento que possibilite a melhoria do estado de sade e de qualidade de vida, visando a autonomia e independncia necessrias para que o paciente mantenha-se ativo e elimine, reduza ou evite os processos de excluso, j que o hospital propicia diversas experincias que rompem com a possibilidade do indivduo estar no mundo (DE CARLO et al, 2006a) TORRANCE (1998, apud DE CARLO; BARTALOTTI; PALM, 2004) faz uma interessante considerao sobre o ambiente hospitalar:

O hospital um tipo de servio/instituio onde pode ser encontrada uma grande quantidade e diversidade de problemas clnicos e que prov, fundamentalmente, servio diagnstico e tratamentos mdico e cirrgico aos pacientes com problemas agudos e queles que apresentam uma doena crnica em fase de exacerbao. (p.9).

Em tal contexto, considera-se que o indivduo hospitalizado est sujeito a sentimentos de dor e sofrimento, assim como a diversos procedimentos invasivos, como apresentado no Captulo um deste trabalho. Neste sentido, GONTIJO (2007) e NEISTADT (2002) concordam que os terapeutas ocupacionais devem ajudar os sujeitos a reconstrurem suas histrias ocupacionais, apesar de doenas ou incapacidades. DE CARLO, BARTALOTTI e PALM (2004) acrescentam que a Terapia Ocupacional vem caracterizando suas aes em contextos hospitalares no mbito das intervenes voltadas s diversas alteraes e rupturas que acometem os seres humanos, assim como as conseqncias da enfermidade e da prpria internao. Portanto, este profissional deve voltar sua ateno para as conseqncias do adoecimento e internao vividos pelos sujeitos. Os objetivos devem ser conduzidos para que se possa promover a independncia dos pacientes nas Atividades de Vida Diria, promover/estimular sua autonomia e seu potencial saudvel e humanizar o ambiente hospitalar (GONTIJO, 2007). DE CARLO et al (2006a) e PALM (1997) consideram que as aes so desenvolvidas no sentido de promover a qualidade de vida ao sujeito internado, oferecendo suporte e orientao fsico-psquica, preparao para a alta hospitalar e diminuindo o tempo de internao dos pacientes com o auxlio de uma equipe multiprofissional. 30

PALM (1997), em seu trabalho, relata que as condies mais comuns para a solicitao das intervenes teraputico-ocupacionais pelos demais profissionais, no hospital escola alvo de seu estudo, so a deteriorao psicolgica e agravamento da condio fsica em decorrncia da hospitalizao, perda da autonomia e independncia na realizao das Atividades de Vida Diria, perda progressiva da funo fsica e mental, traumatismos mltiplos, condies pr e pscirrgicas, complicaes, agravamento do quadro clnico e isolamento e cuidados especiais devido a doenas infecto contagiosas. Com a caracterizao das novas aes desenvolvidas pela Terapia Ocupacional, em consonncia com as transformaes na assistncia sade, vlido que apresentemos algumas prticas realizadas na rea, no sentido de fomentar a busca por diferentes e melhores estratgias de interveno junto a diversas populaes em processo de hospitalizao e refletir sobre tal prtica.

2.2. O trabalho da Terapia Ocupacional Hospitalar: mltiplas perspectivas.

Para a Terapia Ocupacional, o contexto hospitalar configura-se como espao complexo, que requer diferentes atuaes segundo as mltiplas caractersticas das instituies nas quais se insere e as diversas demandas apresentadas por seus clientes. Neste sentido apresentaremos um panorama da atuao desses profissionais em diferentes espaos hospitares. OBANA et al (2006) descreveram a atuao da Terapia

Ocuapacional na enfermaria de ginecologia de um hospital geral do municpio de So Paulo, por meio do relato das intervenes desenvolvidas junto a uma paciente hospitalizada, utilizando-se como base pressupostos tericos do mtodo da Terapia Ocupacional Dinmica. As autoras relataram que a paciente permaneceu longo perodo internada, suas queixas principais eram a saudade de casa e a dor. Ao longo do processo teraputico-ocupacional a paciente pde descobrir novas habilidades, adquirir postura ativa diante do tratamento e hospitalizao. Houve a retomada de atividade produtiva, observou-se mudana do foco de ateno da dor para a atividade e a melhora na relao com a equipe. Tais aspectos foram alcanados por meio da utilizao de atividades artesanais, do setting estendido e de outras tcnicas do mtodo Dinmico. As autoras concluram que a Terapia Ocupacional, no 31

contexto do servio em questo, possui papel importante na melhoria na qualidade de vida dos pacientes internados, com a re-significao da identidade dos sujeitos, alm de contribuir para o Programa de Humanizao Hospitalar. KOTINDA e MARIOTTI (2007) abordaram a importncia da Terapia Ocupacional e do uso das atividades no ambiente hospitalar, de modo que o processo criativo promove o contato entre os aspectos subjetivos e objetivos da realidade do indivduo, abrindo espao para a expresso de sentimentos e personalidade, por meio de um processo teraputico em psicossomtica. Vale salientar que aquele trabalho utiliza uma concepo terico-metodolgica diferente deste, porm, ambos buscam atender s demandas dos pacientes de modo a garantir-lhes uma melhor qualidade de vida durante a internao. Esses mesmos autores apresentaram, ainda, quais os objetivos do terapeuta ocupacional junto a uma clientela internada, de modo que por meio da realizao de atividades, busca reduzir o stress, aumentar o relaxamento, manter o indivduo ativo, potencializar seu desempenho e sua participao no tratamento, estabilizando o emocional, auxiliando na retomada das atividades do cotidiano e na vivncia concreta de suas capacidades. Ressaltaram que esse profissional possibilita a vivncia de aspectos sadios do indivduo de maneira independente. Outros estudos na rea de Terapia Ocupacional tm sido desenvolvidos para que o paciente internado adquira maior independncia e autonomia por meio diversas abordagens tericas. Apresentaremos, a seguir, algumas experincias desenvolvidas com essa populao. HAGSTEN, SVENSSON e GARDULF (2004) estudaram os efeitos da utilizao de um programa de Terapia Ocupacional de treinamento de Atividades de Vida Diria (AVDs) e Atividades de Vida Prtica (AVPs) junto a pacientes com fratura de quadril no ps-operatrio. Considerando intervenes individualizadas e precoces, as autoras propuzeram um estudo randomizado com cem pacientes, com idade igual ou inferior a 65 anos, lcidos, independentes em suas atividades cotidianas e com fratura de quadril, atendidos no Departament of University Hospital. Desta amostra, 50 pacientes fizeram parte do programa intensivo de Terapia Ocupacional e 50 foram assistidos segundo a rotina de cuidado ps-operatrio habitual durante a internao e aps a alta. Tal diviso foi realizada de maneira aleatria e tanto o grupo controle, como o grupo que foi includo no programa receberam atendimento fisiteraputico e orientaes gerais sobre o ps-operatrio. 32

Em um primeiro contato do terapeuta ocupacional responsvel pelo programa, foram realizados treinamentos individuais das atividades importantes para o auto-cuidado e independncia na casa do cliente. Durante este processo o profissional realizou visita residncia do paciente, para que ambos definissem como preparar e adaptar o ambiente domiciliar para a mxima independncia. Como resultado, observou-se que os que receberam atendimento de Terapia Ocupacional obtiveram melhor desempenho na avaliao das atividades de vesturio, uso do vaso sanitrio, banho/higiene e de mobilidade, porm aps dois meses, todos os pacientes retornaram s suas AVDs e AVPs e 50% da amostra necessitou de recursos auxiliares e adaptaes em suas residncias. A partir destes resultados os autores apontaram que mobilizao precoce ps-cirrgica e atendimento individual de Terapia Ocupacional, utilizando-se o modelo biomecnico e de treinamento, incluindo recursos adptativos e visitas domiciliares, favorecem a reabilitao e o retorno s atividades cotidianas com independncia. CROWE e HENDERSON (2003) desenvolveram um outro estudo na rea e avaliaram a efetividade de um programa de reabilitao pr-operatrio, inclusivo e individual, para pacientes que apresentavam necessidades mais complexas e sofrimento diante da artroplastia de joelho ou quadril. Para tanto, a amostra de cento e trinta e trs (133) pacientes foi dividida em dois grupos: o que receberia atendimento de Terapia Ocupacional e o que receberia a assistncia habitual pr-operatria. A educao pr-operatria includa no programa contava com folhetos e vdeos explicativos sobre o tempo de internao, critrios para a alta e dieta. O terapeuta ocupacional era responsvel por orientar os pacientes sobre o banho, vesturio e auto-cuidado, alm de sugerir alteraes domiciliares para permitir maior independncia no ps-operatrio. Quando solicitado pelos pacientes, tambm eram realizadas visitas domiciliares em que o profissional sugeria alteraes ambientais e tecnologia assistiva. Os autores observaram que o programa pr operatrio permitiu uma significante diminuio na ansiedade dos pacientes durante a fase de reabilitao pr-operatria, alm de uma efetiva reduo do perodo de hospitalizao. Assim, o terapeuta ocupacional o profissional responsvel pela adaptao ambiental, educao e orientao para conservao de energia e simplificao do trabalho, que contribuem significativamente para uma melhor reabilitao ps-operatria por um baixo custo. Neste estudo, cabe enfatizar que, alm de auxiliar o sujeito a retornar s 33

suas atividades cotidianas com mxima independncia e reduzir o perodo de hospitalizao, houve reduo dos nveis de ansiedade dos pacientes internados, que contribuem para um melhor bem estar durante a hospitalizao. A nfase nesses aspectos da reabilitao funcional de pacientes pr ou ps cirrgicos tambm dada em estudos nacionais, como o de COSTA et al (2007), que relataram as atribuies do Terapeuta Ocupacional junto a uma populao internada na fase de pr e ps-cirrgica de amputaes. Os autores salientam que, naquele momento, o profissional prioriza procedimentos de preparao do paciente para eventos futuros que podem acontecer aps a cirurgia e prepar-lo para sua recuperao. As intervenes no ps-operatrio, se realizadas de maneira efetiva, podem abreviar em muito a recuperao e reabilitao do paciente, evitando com isso o aparecimento de contraturas musculares indesejveis, dificilmente corrigveis. Esses trabalhos demonstram o quanto que intervenes pontuais em relao s condies clnicas especficas tambm so importantes para a melhoria da qualidade de vida dos sujeitos hospitalizados e para promover a mxima independncia em suas atividades cotidianas. Vale salientar que, segundo a RESOLUO do COFFITO n 316, de 19 DE JULHO DE 2006, competncia do terapeuta ocupacional identificar problemas que interferem na independncia do indivduo, determinar objetivos de tratamento e proporcionar treinamento para aumentar a sua autonomia (p.79). Neste sentido, a identificao de dficitis que interfiram no desempenho das reas de Desempenho dos pacientes atribio do terapeuta ocupacional e o mesmo deve buscar estratgias para minimiz-los, no intuito da reinsero social desses sujeitos e melhoria da qualidade de vida. Por meio dos trabalhos apresentados, observa-se na prtica clnica que os pacientes cujos acometimentos focam-se nos membros inferiores ou superiores, com necessidade de interveno cirrgica, apresentam um perodo de recuperao em que as AVDs e AVPs tendem ser prejudicadas, interferindo na independncia. Porm, por meio das intervenes teraputico-ocupacionais esses sujeitos adquirem habilidades e desenvolvem estratgias para a soluo dos problemas que emergem, maximizando o potencial de independncia aps a alta. Aliadas a estas intervenes o terapeuta ocupacional deve ficar atento para a tendncia na reduo do perodo de internao, como citado anteriormente, e adequar seus objetivos e estratgias. Com vista em tais objetos, SPS, YF e KL 34

(2004) realizaram um estudo no qual avaliaram o efeito de um programa de reabilitao de curta permanncia em pacientes internados com doena pulmonar obstrutiva crnica. As intervenes do programa incluram avaliao, orientao ao paciente e cuidador, exerccios, fisioterapia, terapia ocupacional e a discusso dos casos junto da equipe. Nesta equipe multiprofissional, o terapeuta ocupacional foi

responsvel por desenvolver modificaes ambientais nos domiclios no intuito de promover a segurana, acessibilidade e conservao de energia dos pacientes, sendo que o apoio emocional foi provido por todos os membros da equipe. Desta maneira, os autores demonstraram que houve uma taxa de readmisso hospitalar significantemente maior no grupo controle em comparao com o grupo que recebeu o programa de reabilitao, ao mesmo tempo em que o perodo de hospitalizao deste tambm foi menor. Podemos observar por meio da apresentao de diversos estudos na rea de Terapia Ocupacional hospitalar uma distinta forma de abordagem e intervenes junto ao paciente internado. FRANCISCO (2001) considera que as diferenas encontradas nas prticas dos profissionais de Terapia Ocupacional devem-se s diferentes metodologias abordadas. Neste contexto, GRIFFIN (2002) desenvolveu um trabalho cujo objetivo foi desenvolver um consenso acerca da prtica da Terapia Ocupacional, por terapeutas australianos, no cuidado agudo de pacientes internados em enfermaria de ortopedia e neurologia. Para tanto, utilizou a tcnica Delphi junto a terapeutas ocupacionais de vinte diferentes hospitais de cuidado agudo, abrangendo os seguintes assuntos da prtica profissional: o primeiro objetivo junto ao cliente; o primeiro mtodo de interveno; e fatores que mais afetam a prtica em uma ambiente de curta permanncia. SPNOLA (1984, apud SILVA e TANAKA, 1999) definem a tcnica Delphi como

tcnica de processo grupal que tem por finalidade obter, comparar e direcionar julgamento de peritos para um consenso sobre um tpico particular; assim, promove convergncia de opinies, embora nem sempre, em ltima instncia, seja completada. (p.208)

Como resultados, GRIFFIN (2002) considerou que os principais apontamentos dos profissionais includos no trabalho foram: realizar uma boa 35

avaliao para elaborao do plano de tratamento, treino do auto-cuidado para garantir independncia, reduzir o perodo de internao com auxlio da famlia, realizar modificaes no ambiente domiciliar por meio de visitas e manter bom dilogo com os membros da equipe. Um aspecto importante considerado pelos entrevistados, foi que o uso de modelos tericos o fator que menos interfere na prtica profissional, sendo que a autora supe a ocorrncia de tal fato ao conforto que os terapeutas apresentam em relao prpria prtica. Uma estratgia utilizada pela Terapia Ocupacional que no foi identificada pela autora, mas que encontramos em outros trabalhos na rea, a abordagem desse profissional junto aos familiares das pessoas internadas, j que todos os envolvidos em um processo de adoecimento sofrem uma ruptura em seu cotidiano e so foco de ateno da Terapia Ocupacional. SILVA et al (2006) ainda consideram que enfrentar o adoecimento, a hospitalizao e a morte requerem da famlia a capacidade de se reorganizar rapidamente perante eventos to dolorosos e, muitas vezes, desestruturantes. (p.78). OTHERO e DE CARLO (2006) acrescentam que a vivncia do adoecimento e hospitalizao de um membro da famlia identificada como sendo permeada de muito medo, angstia, sofrimento, dvidas e insegurana. Tal percepo se deu a partir de um trabalho realizado junto a familiares de crianas com cncer. Atravs dos relatos dos familiares, as autoras apontam que, com o adoecimento e a hospitalizao da criana, a famlia vivencia uma ruptura e desorganizao do cotidiano muito grande, com experincias de sofrimento, de angstia, alm da necessidade de gerenciar os cuidados com a criana doente e as demandas dos demais membros da famlia. Salientam, tambm, a possibilidade de esta unidade se romper quando processos de adoecimento e hospitalizao acontecem. Em decorrncia destes aspectos, apontam que preciso que os sujeitos envolvidos estejam em um ambiente acolhedor, com uma equipe de profissionais que fornea apoio atravs de acolhimento, escuta e intervenes tcnicas, alm do fortalecimento das redes sociais de suporte. Em relao prtica da Terapia Ocupacional em hospitais e enfermarias peditricas, OTHERO e DE CARLO (2006) consideraram que o atendimento volta-se para o processo de hospitalizao e ajuda na construo de novas possibilidades de realizao das atividades cotidianas por meio de diferentes

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abordagens. Alm de retomar desejos e vontades, abrindo espao saudvel na rotina dessas pessoas. DITTZ, MELO e PINHEIRO (2006) relataram a experincia da atuao da Terapia Ocupacional no Hospital Sofia Feldman, Belo Horizonte-MG, por meio da descrio das intervenes desses profissionais junto gestante de risco, me e famlia de recm-nascidos internados na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN). As autoras consideraram que a permanncia do beb em UTIN, gera, para os pais, uma experincia desgastante e desafiadora, j que se vem em um ambiente desconhecido, gerador de medo, dor, tristeza, negao, frustrao e culpa. H uma ruptura no cotidiano destes sujeitos, com desorganizao familiar e conflito de papis. Assim, consideraram que a atuao da Terapia Ocupacional, dentro da equipe multiprofissional, visa oferecer apoio ao familiar da criana hospitalizada, na busca por minimizar o sofrimento inerente condio de permanncia do filho na UTIN, assim como desenvolver habilidades de enfrentamento diante de tal condio. As estratgias utilizadas descritas so atendimentos individuais e grupais, em que os pais recebem orientaes, incentivo a participar dos cuidados do beb e a promover a interao me-filho, alm de possibilitar momento de ventilao, no intuito de contribuir com uma assistncia integral e preventiva. (DITTZ; MELO e PINHEIRO, 2006). Tal experincia possibilitou a mulher viver de maneira mais tranqila e segura a gravidez e/ou internao do filho, assim como favoreceu o estabelecimento do vnculo me-beb-famlia e contribuiu na orientao s famlias nos cuidados com a criana. Porm, as autoras consideraram que tal experincia restrita e que h escassos estudos no pas, fato que indica a necessidade de investimento em conhecimento e habilidades especficas na rea. QUEIROZ, SILVA e SOUZA (2007) apresentaram a perspectiva da atuao da Terapia Ocupacional em UTIN por meio de um levantamento de publicaes em peridicos. Inicialmente consideram que o profissional deve estar apto a reconhecer as necessidades clnicas e a vulnerabilidade dos prematuros em estado agudo, o desenvolvimento infantil e as necessidades dos familiares, fatores que contribuem para intervenes eficazes. Para as autoras,

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espera-se que o papel do Terapeuta Ocupacional esteja voltado no apenas melhora das condies antomo-fisiolgicas, mas que tambm, dentro das limitaes de cada criana, estimule o seu desenvolvimento biopsicossocial. (QUEIROZ, SILVA e SOUZA, 2007).

A partir desse referencial, as autoras constataram que o terapeuta ocupacional deve focar-se na ateno famlia e ao cliente, oferecendo-lhes apoio emocional, modificaes ambientais e orientaes quanto ao manuseio e estimulao precoce. DUDECK-SHRIBER (2004), em estudo tambm junto uma UTIN, aponta que pais de crianas internadas neste local esto pr-dispostos ao estresse, desencadeado pelo prprio nascimento da criana, pelo medo, incerteza, diagnstico e hospitalizao do beb. Considera que o ambiente da UTIN, os cuidados mdicos e a aparncia do recm-nascido so fatores que intensificam tal condio. Neste sentido que seu trabalho objetivou investigar o estresse vivenciado por pais na UTIN, assim como as caractersticas destes e dos recm-nascidos que influenciam em diferentes respostas estressoras e as caractersticas dos sujeitos que antecedem o estresse. Por meio da utilizao da escala Parental Stress Scale a autora buscou mensurar o estresse de cento e sessenta e dois (162) pais de crianas internadas em UTIN de um mesmo hospital. Tais dados forneceram informaes que ajudam a determinar quais caractersticas resultam nas diferentes respostas estressoras. Por meio desta abordagem, constatou-se que experincias estressoras na relao pais-filho esto ligadas, em maior escala, aparncia e comportamento do beb. O maior estresse enfrentado pela criana foi relacionado ao maior tempo de internao, bebs mais prematuros e presena patologia cardiovascular. Neste sentido, DUDECK-SHRIBER (2004) considerou que a atuao do terapeuta ocupacional em UTIN essencial, por desenvolver intervenes mais encorajadoras e compreensivas s necessidades dos pais. Porm, a equipe de sade como um todo deve fornecer um caminho que ajudar os pais a fortalecerem os papis desempenhados e desenvolverem uma interao com o beb de maior qualidade. HOLSTI e GRUNAU (2007) abordaram a importncia da Terapia Ocupacional em Unidades de Terapia Intensiva junto a recm-nascidos, pr-termo, na reduo dos efeitos danosos causados pela dor e pelo stress. Deste modo 38

enfatizaram a importncia de novas pesquisas que examinem os movimentos que expressam a dor e stress nesta populao por meio de testes randomizados. Neste sentido, os autores pontuaram que o terapeuta ocupacional deve ter conhecimento acerca de conceitos que permeiam todo o processo de sade-doena, de desenvolvimento da criana e de seu desempenho ocupacional nas atividades cotidianas. Em relao famlia, deve conhecer sua estrutura, contexto scio-cultural e aspectos relacionados aos sentimentos, sonhos, atitudes, prioridades entre outros. Finalmente, no contexto ambiental da UTIN, o profissional deve atentar-se para os estmulos sensoriais oferecidos, relaes sociais, organizao, estrutura e dinmica do ambiente. VERGARA et al (2006) tambm trouxeram a importncia de uma abordagem teraputico-ocupacional perante o recm-nascido, a famlia e o ambiente da UTI neonatal, abordando a base do conhecimento necessrio para se desenvolver um trabalho perante esta populao, assim como as caractersticas pessoais e profissionais exigidas do terapeuta ocupacional que trabalha nesta rea. Na literatura estrangeira, pudemos encontrar alguns relatos sobre a atuao do terapeuta ocupacional junto ao recm-nascido internadas em UTIN e me e ao familiar deste. Fica clara a importncia da atuao da Terapia Ocupacional junto a esta clientela que est permeada por uma situao de intenso sofrimento e que diversos so os conhecimentos e habilidades necessrias para que estratgias efetivas sejam implementadas pelo profissional. Quando discutimos sobre o processo de hospitalizao, no podemos deixar de abordar as questes que envolvem o adoecimento e a internao da criana. LIMA, RABELO e GUERRA (1998) descreveram o trabalho desenvolvido pela equipe de Terapia Ocupacional no Hospital das Clnicas da Universidade Federal de Pernambuco (HC/UFPE). Por meio de um levantamento bibliogrfico sobre o adoecimento de crianas e as conseqncias deste processo e da prpria hospitalizao, as autoras apresentaram que a funo da Terapia Ocupacional resgatar a dimenso ocupacional da criana e auxiliar a famlia no enfrentamento desta situao. As estratgias utilizadas pela Terapia Ocupacional, no intuito de suprir tais demandas, so os atendimentos individuais e grupais junto s crianas internadas, assim como ateno aos cuidadores por meio do grupo de acompanhantes. A partir destas intervenes, as autoras concluram que as crianas 39

assistidas pela Terapia Ocupacional apresentam uma melhor adaptao situao do contexto hospitalar e ampliam suas experincias e habilidades

neuropsicomotoras. MARIA, KUDO e SATO (2007) apontam que no trabalho especfico em enfermarias peditricas, o terapeuta ocupacional servir de ligao entre a criana e o adolescente em seus aspectos bio-psico-sociais e culturais com o meio que a cerca: hospital, equipe multiprofissional, ambiente hospitalar e procedimentos clnicos invasivos, de modo a colaborar com o processo de hospitalizao, facilitando sua compreenso, colaborao e adeso ao tratamento. A partir do exposto at o momento, observamos a complexidade que envolve a atuao do Terapeuta Ocupacional em hospital geral e DE CARLO et al (2006a), em seu estudo, apresentam os princpios gerais que devem nortear o planejamento e a implantao de programas hospitalares de Terapia Ocupacional no campo da reabilitao fsica. Consideram que a prtica em hospitais deve atentar para as caractersticas da instituio, para os diferentes espaos e programas hospitalares existentes e para

as caractersticas do processo de adoecimento e hospitalizao, necessidades especficas relacionadas ao diagnstico, tempo de permanncia no hospital (previso), caracterstica sociocultural, condio familiar e ocupacional, organizao e estrutura da vida cotidiana do paciente e de seus familiares e/ou cuidadores, suas necessidades e expectativas em funo da condio em que se encontra, as alteraes provocadas em seu lugar de vida e papel social, as condies de dor e sofrimento (fsico, mental e social), as dificuldades de adaptao e auto-reconhecimento, os comprometimentos das capacidades fsicas e psquicas que alteram o desempenho ocupacional e as novas estratgias construdas para a superao dessas limitaes. (p. 161)

Assim, as autoras, por meio do relato sobre o processo de implantao de um programa didtico assistencial de Terapia Ocupacional, em um hospital escola, consideram que houve uma evoluo qualitativamente significativa dos programas hospitalares de Terapia Ocupacional, demonstrando a importncia deste profissional em tais instituies de modo a promover seu maior reconhecimento pela equipe de sade e pela populao. De modo geral, depreendemos que o terapeuta ocupacional assume um papel importante no atendimento ao sujeito hospitalizado, na medida em que 40

possui habilidades para auxiliar no controle da dor, estresse, ansiedade e fadiga, alm de criar um ambiente hospitalar acolhedor, auxiliar no processo e aceitao das perdas, auxiliar na troca e adaptaes a novos papis e possibilitar que o indivduo mantenha uma conexo com seus papis antes exercidos. (TSCHOKE; PEREIRA, 2007). Ao longo dessa reviso, podemos identificar diferentes prticas junto a uma diversificada populao internada. Podemos observar experincias ricas que visam uma melhor qualidade de interveno teraputico-ocupacional. Fica clara a necessidade da troca de experincias durante a construo do conhecimento nas diferentes reas da Terapia Ocupacional, no intuito de construir um modelo de assistncia e interveno teraputico-ocupacional com bases slidas e eficazes, que permitam maior reconhecimento da profisso por outros membros de uma equipe e pela prpria sociedade.

2.3. - Terapia Ocupacional Hospitalar a experincia do Hospital das Clnicas de Ribeiro Preto FMRP-USP.

O HCFMRP-USP foi inaugurado em 30 de julho de 1956 e somente em 1979 que, segundo FRIZZO (2002), foram contratados os primeiros dois terapeutas ocupacionais. Um deles foi destinado ao atendimento de pacientes internados na enfermaria psiquitrica do HC-Campus e o outro para atendimento a pacientes em regime de semi-internao em Hospital Dia, na rea de Sade Mental. A autora traa a trajetria da insero da Terapia Ocupacional nesse hospital e aponta que a Enfermaria de Psiquiatria e o Hospital-Dia, aps um e dois anos, respectivamente, da contratao dos primeiros profissionais, passaram a receber estagirios do 4 ano do curso de graduao em Terapia Ocupacional da Universidade Federal de So Carlos (UFSCar). Posteriormente, em 1988 foi criado o Programa de Aprimoramento em Terapia Ocupacional Psiquitrica, tendo como campo de atuao o Hospital-Dia, a Enfermaria Psiquitrica e o servio de consultoria Psiquitrica. Com a insero dos estagirios e aprimorandos junto ao servio de Interconsulta-Psiquitrica e este se estendeu s outras clnicas no psiquitricas.

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FRIZZO (2002) considera este perodo, como sendo determinante para a histria da Terapia Ocupacional no HCFMRP-USP, em que a presena do profissional nas enfermarias e nos servios especializados, sensibilizaram as equipes para a importncia dessa assistncia e, consequentemente, houve a contratao de mais profissionais da rea. No ano de 2005 (DE CARLO et al, 2006b), iniciou-se no HCFMRPUSP a implantao da rea de Terapia Ocupacional Hospitalar com a chegada da nova docente do Departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Mdica da FMRP-USP, assim como as prticas e a disciplina de graduao Terapia Ocupacional em Contextos Hospitalares dos alunos do curso de graduao, dentro de um programa de programa didtico-assistencial e de pesquisa de Terapia Ocupacional Hospitalar no HCFMRP-USP. Tal programa est baseado na dinmica de funcionamento e na demanda da populao atendida em enfermarias desse hospital. Com a composio dessa nova docente e das terapeutas ocupacionais que atuavam junto ao Servio de Interconsulta em Sade Mental e Unidade de Transplantes de Medula ssea forma-se o grupo de Terapia Ocupacional Hospitalar. Em 2006, o grupo se consolidou com a contratao de trs novas terapeutas ocupacionais, que passaram a desenvolver suas atividades na Enfermaria de Ortopedia, Enfermaria de Cirurgia de Cabea e Pescoo (CCP) e Unidade de Queimados. A mesma autora considera que a partir da integrao entre o Curso de Terapia Ocupacional da FMRP-USP, o grupo de pesquisa do Laboratrio de Investigao sobre a Atividade Motora Humana em Integrao Psicossocial (LIATH) e o Servio de Terapia Ocupacional do HCFMRP-USP, pretendeu-se estabelecer um fluxo de diferentes tipos de atividades, segundo os diferentes nveis de complexidade que estas tarefas exigem, a serem desenvolvidas por estudantes de graduao e de ps-graduao e pelos profissionais do HC envolvidos. Atualmente, alm dos estudantes do Curso de Terapia Ocupacional da FMRP-USP, o grupo Terapia Ocupacional Hospitalar constitudo por cinco profissionais contratadas pelo Servio de Terapia Ocupacional e duas aprimorandas do Programa de aprimoramento profissional em Terapia Ocupacional Hospitalar, atuando em diversas enfermarias do HC campus e Unidade de Emergncia,

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ambulatrio de Neurocirurgia Oncolgica e Central de Quimioterapia do HCFMRPUSP. No que diz respeito aos vrtices de atuao da Terapia Ocupacional junto aos pacientes internados e seus familiares, DE CARLO et al (2006b) apresenta o seguinte quadro:

Quadro 1 - Esquema da organizao do grupo de Terapia Ocupacional Hospitalar do HCFMRP-USPCURSO DE TERAPIA OCUPACIONAL FMRP-USP

rea: Terapia Ocupacional Hospitalar.

LIATH

Programas Institucionais de Humanizao Hospitalar

Projetos Teraputicos

Grupo de acompanhantes de pacientes durante a internao.

Grupo de atividades com pacientes durante a internao.

Profissionais de Ligao: Enfermaria de Ortopedia Enfermaria de CCP Unidade de TMO Unidade de Queimados/UE

Profissionais de Consultoria: Clnica Mdica e Demais Clnicas que encaminham Pedidos de Interconsulta.

Fonte: DE CARLO et al (2006b). Para tanto, devemos entender que a atuao do profissional de ligao se d pelo contato regular com um servio do hospital, seus pacientes e a equipe assistencial. Os terapeutas ocupacionais de ligao participam de reunies clnicas multiprofissionais, grupos de reflexes e discusses de casos, alm da assistncia individual e grupal a pacientes internados e seus familiares. No HCFMRP-USP, as terapeutas ocupacionais de ligao esto inseridas na Unidade de Transplante de Medula ssea, no Servio de Interconsulta em Sade Mental, Enfermaria de Ortopedia, Enfermaria da CCP e Unidade de Queimados. 43

O trabalho de consultoria caracteriza-se pelo atendimento solicitao (Pedido de Interconsulta PI) de um profissional de outra rea, proporcionando auxlio especializado no diagnstico e no tratamento de pacientes com dificuldades ocupacionais, sejam originados de problemas psicossociais e/ou funcionais. O terapeuta ocupacional interconsultor no HCFMRP-USP, responde a solicitaes dos demais servios e clnicas pertencentes rea de Clnica Mdica (Imunologia, Dermatologia, Endocrinologia, Urologia, Gastroenterologia,Geriatria, Proctologia, Nutrologia, Pneumologia, Cardiologia, Nefrologia, Hematologia),

Oftalmologia, Otorrinolaringologia, Ginecologia e Obstetrcia, Cirurgia, alm da Unidade de Transplante Renal, do Centro de Tratamento de Terapia Intensiva e da Unidade de Tratamento de Molstia Infecto-Contagiosas (pacientes adultos). A partir desta organizao, os profissionais atendem s diferentes demandas dos pacientes internados no HCFMRP-USP, buscando a integrao com outros grupos profissionais e servios hospitalares, no intuito de contribuir para o crescimento da qualidade dos servios desse hospital, inovando nas formas de ateno sade e superando o padro de atendimento dos hospitais universitrios do pas. (DE CARLO et al, 2006b). Diante do apresentado, entende-se que diversas prticas so desenvolvidas pelas terapeutas ocupacionais nas enfermarias do HCFMRP-USP. Para conhecer suas estratgias de interveno e recursos utilizados, assim como o perfil da populao atendida pela Terapia Ocupacional Hospitalar do HCFMRP-USP, propusemos a realizao do presente estudo, cujas estratgias metodolgicas utilizadas sero descritas a seguir.

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CAPTULO 3 - PROCEDIMENTOS METODOLGICOS

Este estudo caracteriza-se como uma pesquisa quali-quantitaiva do tipo transversal, exploratria, com anlise estatstica descritiva dos dados quantitativos, coletados atravs dos protocolos de avaliao dos pacientes internados no HCFMRP-USP e com anlise de contedo (MINAYO, 1994) dos dados qualitativos, coletados atravs das entrevistas com profissionais terapeutas ocupacionais que atendem nas enfermarias do HCFMRP-USP e que fazem parte do grupo de Terapia Ocupacional Hospitalar.

3.1. Material

Para a parte I deste estudo, foram utilizados, de maneira retrospectiva, os dados coletados atravs do preenchimento de setenta e cinco (75) protocolos de avaliao (ANEXO 1) desenvolvido pelo grupo de Terapia Ocupacional Hospitalar, que foi aplicado por profissionais do servio de Terapia Ocupacional do HCFMRP-USP e por estudantes do 4 ano do curso de graduao em Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto - USP, como atividade prtica da disciplina RCG 4019 Terapia Ocupacional Aplicada s Condies Hospitalares. O protocolo de avaliao composto por duas partes, uma que diz respeito aos dados scio-demogrficos e clnicos dos pacientes internados e outra composta por um inventrio de atividades que abrange as reas de Desempenho Ocupacional contempladas por diversas atividades cotidianas. Para a parte II deste trabalho, foram realizadas seis entrevistas abertas (ANEXO 2), que foram gravadas e posteriormente transcritas com terapeutas ocupacionais do servio de Terapia Ocupacional, que atendem nas enfermarias do HCFMRP-USP e Unidade de Emergncia do mesmo hospital.

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3.1.1. Critrios de incluso

Na Parte I (protocolos), foram includos os instrumentos de avaliao preenchidos corretamente, tanto por parte dos profissionais quanto pelos estudantes. Entretanto, somente foram utilizados os dados coletados na primeira pgina do protocolo (dados scio-demogrficos, de histria clnica e de demandas), vista a grande quantidade de pessoas que o aplicaram, viabilizou-se o preenchimento incompleto dos dados referentes ao inventrio de atividades que impossibilitou o seu uso. Para a coleta desses dados, foram selecionados os protocolos aplicados junto a pacientes adultos (com mais de 18 anos) internados em diferentes enfermarias, necessariamente atendidos por profissionais do Servio de Terapia Ocupacional do HCFMRP-USP. Na Parte II (entrevistas), foram includos os profissionais do Servio de Terapia Ocupacional do HCFMRP-USP ligados ao grupo de Terapia Ocupacional Hospitalar, que atendem nas enfermarias deste hospital e que concordaram em responder a entrevista proposta.

3.1.2. Critrios de excluso

Na Parte I (protocolos), foram excludos os protocolos de avaliao preenchidos incorretamente ou que tenham sido aplicados a menores de 18 anos. Na Parte II (entrevistas), foram excludos os profissionais do Servio de Terapia Ocupacional do HCFMRP-USP que no atendem nas enfermarias deste hospital e que no concordaram em responder a entrevista de forma completa.

3.2. Mtodo

O presente estudo foi submetido reviso tica pelo Comit de tica em Pesquisa do HCFMRP-USP, em sua 267 Reunio Ordinria, sendo analisado e aprovado, conforme consta no processo HCRP n 12148/2007 (ANEXO 3).

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Foi concedida a autorizao pelo servio de Terapia Ocupacional do HCFMRP-USP para a realizao da pesquisa e o comit de tica responsvel concedeu a dispensa do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para a utilizao dos dados retrospectivos dos protocolos de Avaliao em Terapia Ocupacional Hospitalar. Tal solicitao vem de encontro ao fato de que foram aproveitados os dados j coletados pertinentes ao prprio Servio de Terapia Ocupacional, de forma a colaborar para o aprimoramento das suas prticas hospitalares. Portanto, para o desenvolvimento do estudo, foram utilizados os dados coletados atravs da aplicao de protocolos de avaliao por profissionais e estudantes de Terapia Ocupacional, durante o segundo semestre de 2007, nas prprias enfermarias onde os pacientes encontravam-se internados. Cada um dos alunos que cursou a disciplina RCG 4019 Terapia Ocupacional Aplicada s Condies Hospitalares do 4 ano do curso de graduao em Terapia Ocupacional da FMRP-USP aplicou quatro protocolos e as terapeutas ocupacionais do servio de Terapia Ocupacional do HCFMRP-USP aplicaram o mesmo protocolo em oito pacientes em situao de internao, totalizando 90 protocolos. Deste total, quinze no se enquadraram nos critrios de incluso, sendo excludos do estudo. Os dados obtidos por meio dos protocolos de avaliao foram organizados em uma planilha do programa de dados Excel para que se provesse uma anlise descritiva. A cada profissional de Terapia Ocupacional participante da parte II, foi solicitada a colaborao, destacando-se ser esta voluntria e sigilosa. As participantes foram informadas sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, os procedimentos utilizados e ausncia de riscos e danos decorrentes da participao no estudo. Foi tambm informada a possibilidade de desistncia a qualquer momento, sem nenhum nus ao seu trabalho, bem como a disponibilidade das pesquisadoras para qualquer esclarecimento necessrio. Todas que concordaram em participar do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (ANEXO 4) Para a coleta dos dados foi realizado contato com as terapeutas ocupacionais que atuam nas enfermarias do HCFMRP-USP e feito um agendamento das entrevistas. Estas foram realizadas no perodo de 24 de Junho de 2008 a 27 de Julho de 2008 no prprio local de atuao dos sujeitos da pesquisa. Foi permitido que as entrevistadas tomassem contato com o questionrio utilizado, desenvolvido 47

pelas pesquisadoras, imediatamente antes da gravao da entrevista, para que pudessem identificar em sua prtica profissional os aspectos ali abordados. A mdia de durao das entrevistas foi de 10 minutos, de modo que todas foram audiogravadas e posteriormente transcritas.

3.3. Tratamento dos dados

Os dados foram tratados quantitativa e qualitativamente. Acredita-se, assim como afirmam MINAYO & SANCHES (1993), que o estudo quantitativo pode gerar questes para serem aprofundadas qualitativamente e vice-versa. Nesse sentido, adotamos como estratgia para a caracterizao dos pacientes internados nas enfermarias do HCFMRP-USP, atendidos pela Terapia Ocupacional, a anlise estatstica descritiva sob a forma de tabelas e grficos dos protocolos de avaliaes utilizados. No que diz respeito anlise dos dados coletados por meio da entrevista aberta com as cinco profissionais do Servio de Terapia Ocupacional do HCFMRP-USP que atendem nas enfermarias, optou-se por desenvolver o mtodo de Anlise de Contedo. (MINAYO, 1994) A estatstica descritiva a parte da estatstica que descreve os dados observados da amostra (SCHMILDT, 2007). O seu objetivo sintetizar e representar uma srie de valores de mesma natureza, permitindo uma viso global e compreensvel acerca da informao contida no conjunto de dados. GIL (1999) afirma que este tipo de pesquisa tem como objetivo primordial a descrio das caractersticas de determinada populao ou fenmeno ou o estabelecimento de relaes entre variveis. MINAYO (1994) considera que, em termos gerais, a anlise de contedo relaciona estruturas semnticas (significantes) com estruturas sociolgicas (significados) dos documentos, textos literrios, biografias, entrevistas ou

observao. Para tanto, parte de uma literatura de primeiro plano para um nvel mais aprofundado, que ultrapassa os significados manifestados, alm de uma articulao da superfcie dos textos descrita e analisada com os fatores que determinam suas caractersticas: variveis psicossociais, contexto cultural, contexto e processo de produo da mensagem. Para este trabalho, o contedo das entrevistas ser

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dividido em unidades de anlise (Quadro 2) para que, posteriormente, possa-se realizar a anlise proposta. Quadro 2 - Unidades de anlise Unidades de Anlise Contedos analisados Relado das profissionais sobre a utilizao ou no de modelos tericos em Terapia Ocupacional que orientem sua prtica profissional nas enfermarias do HCFMRP-USP e a que maneira estes aspectos esto relacionados.

Concepes tericometodolgicas em Terapia Ocupacional

Demanda dos pacientes internados

Relato das profissionais acerca do que elas identificam como sendo as queixas dos pacientes internados, as principais demandas trazidas pelos pacientes, na prtica da atuao profissional nas enfermarias do HCFMRP-USP.

Infra-estrutura e recursos teraputicos

Relato das profissionais sobre a infra-estrutura fornecida pela instituio (HCFMRP-USP) e recursos teraputicos utilizados para realizar seus atendimentos junto aos pacientes internados

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CAPTULO 4 APRESENTAO DOS RESULTADOS

A apresentao desses dados busca oferecer um panorama geral sobre a Terapia Ocupacional Hospitalar do HCFMRP-USP e a populao a qual atende. O Captulo est dividido em duas partes: a anlise dos dados quantitativos, referentes aos protocolos de avaliao dos pacientes internados no HCFMRP-USP, atendidos pela Terapia Ocupacional; a anlise dos dados qualitativos, referentes s entrevistas realizadas junto s terapeutas ocupacionais que atendem nas enfermarias do mesmo hospital.

4.1 - Protocolos de avaliao

Sero apresentados os dados quantitativos no que diz respeito aos dados scio-demogrficos, situao clnica a qual o paciente se encontra no perodo de internao e s queixas principais apresentadas Terapia Ocupacional.