Monografia - Final

96
8 INTRODUÇÃO A Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, batizada de Estatuto do Desarmamento, publicada em 23 de dezembro de 2003, veio com o propósito de diminuir a quantidade de crimes violentos por arma de fogo (homicídios, latrocínios, roubos etc). Ela traz em seu bojo a tipificação de crimes denominados pela doutrina de crimes de mera conduta, de simples atividade ou crimes de perigo. O legislador optou por punir a simples conduta do agente, mesmo que essa não cause dano ao bem jurídico tutelado, qual seja, a incolumidade pública. Na Lei anterior, a de nº 9.437, de 1997, o porte ilegal de acessórios e munições não eram objetos descritos na redação legal. A atual lei torna típica o porte e posse de acessórios e munições. Punindo apenas as chamadas infrações de perigo, a doutrina e jurisprudência embatem uma discussão sobre que tipo de perigo poderia ser punido, e ainda, se necessário que o agente ao praticar essa conduta colocasse realmente em risco o bem jurídico tutelado – a vida - pelo simples fato de exercitar a conduta sem a real exposição de perigo ao bem jurídico já se caracterizaria o crime. Hoje, a doutrina e jurisprudência majoritária ratificam pela tipicidade da conduta, com base na teoria moderna do Direito Penal que se utiliza dos princípios da lesividade e ofensividade,

Transcript of Monografia - Final

Page 1: Monografia - Final

8

INTRODUÇÃO

A Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, batizada de Estatuto do

Desarmamento, publicada em 23 de dezembro de 2003, veio com o propósito de diminuir a

quantidade de crimes violentos por arma de fogo (homicídios, latrocínios, roubos etc). Ela

traz em seu bojo a tipificação de crimes denominados pela doutrina de crimes de mera

conduta, de simples atividade ou crimes de perigo.

O legislador optou por punir a simples conduta do agente, mesmo que essa não

cause dano ao bem jurídico tutelado, qual seja, a incolumidade pública.

Na Lei anterior, a de nº 9.437, de 1997, o porte ilegal de acessórios e munições não

eram objetos descritos na redação legal. A atual lei torna típica o porte e posse de acessórios

e munições.

Punindo apenas as chamadas infrações de perigo, a doutrina e jurisprudência

embatem uma discussão sobre que tipo de perigo poderia ser punido, e ainda, se

necessário que o agente ao praticar essa conduta colocasse realmente em risco o bem

jurídico tutelado – a vida - pelo simples fato de exercitar a conduta sem a real exposição de

perigo ao bem jurídico já se caracterizaria o crime.

Hoje, a doutrina e jurisprudência majoritária ratificam pela tipicidade da conduta,

com base na teoria moderna do Direito Penal que se utiliza dos princípios da lesividade e

ofensividade, demonstrando um efetivo perigo ao bem jurídico tutelado, punindo a conduta.

O que vemos, entretanto, é que a cada 32 horas, no Brasil, temos um policial

executado por arma de fogo1.

A ausência de uma política de segurança eficaz se torna nítida nos atuais

noticiários:

1http://tools.folha.com.br/print?url=http%3A%2F%2Fwww1.folha.uol.com.br%2Fcotidiano%2F1178051-brasil-tem-um-policial-assassinado-a-cada-32-horas.shtml&site=emcimadahora

Page 2: Monografia - Final

9

“A mais alta esfera do Poder Judiciário, representada por cinco tribunais superiores, tem em Brasília mais seguranças e vigilantes que a Polícia Federal consegue manter nas fronteiras do país. Nos 15,7 mil quilômetros limítrofes, a PF tenta combater a passagem de armas e drogas, além de frear o contrabando, com um grupo que varia entre 900 e mil agentes. Nos tribunais, um batalhão de 1.211 vigilantes e seguranças cumpre uma missão bem menos engenhosa: garantir a proteção de 93 ministros e o controle do entra-e-sai nos prédios do Supremo Tribunal Federal (STF), do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Superior Tribunal Militar (STM).”2

Verifica-se, ao longo da pesquisa, que o discurso desarmamentista atua nos

homicídios eventuais por desavenças com de arma de fogo, omitindo o crescimento da

criminalidade dos outros tipos penais.

A visão de violência que os defensores do desarmamento têm são muito restritas

ao quadro da realidade, a criminalidade vai muito além desses números estabelecidos. A

população está acuada, presa em suas residências, protegida por cercas elétricas, grades e

alarmes e os criminosos soltos nas ruas, impondo medo e amamentando geometricamente

o número de latrocínios e roubos, que antes eram registrados apenas nos grandes centros e

hoje nas cidades do interior dos estados.

Sendo assim, essa monografia tem como objetivo demonstrar e analisar os

argumentos utilizados nos Tribunais Superiores sobre a posse o porte de munição, seja ela

de uso permitido ou restrito e se a sua penalização é muito rigorosa, comparando com

outros crimes que afetam diretamente o bem jurídico.

Este trabalho encontra-se estruturado em quatro capítulos, seguidos da conclusão.

Trata-se de um estudo baseado em fatos decididos no Supremo Tribunal Federal (STF) e

Superior Tribunal de Justiça (STJ), em pesquisas bibliográficas e documentais.

A monografia abordará alguns aspectos técnicos-jurídicos, procurando explicitar a

real eficácia desta lei ou a ineficiência, mesmo que em parte, e uma possível flexibilização

dos rigores legais.

Para colocar em prática o estudo, que tem como base pesquisa bibliográfica e o

método dedutivo, no primeiro capítulo dá-se uma atenção aos fatores históricos que

2http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=10851&catid=159&Itemid=75. Roberto Maltchik. 09/10/2011.

Page 3: Monografia - Final

10

permeiam o desarmamento, a origem do Estatuto do Desarmamento, o bem jurídico

tutelado, os princípios do Direito Penal e Constitucional, conceitos sobre crime, segurança

pública.

No segundo capítulo o tema abordado envolve o conceito de arma, munição e

acessórios. Também descreve a diferença entre posse, porte e manter guarda. Por fim,

demonstra-se a diferença entre munição de uso permitido e restrito.

No terceiro capítulo se trabalha as posições sobre porte e posse de munição nos

Tribunais Superiores. Há algumas ementas do STF e STJ, demonstrando que a decisão se

a porte de munição é crime típico ou atípico não é uníssona,

Nas considerações finais, far-se-á um breve apanhado do conteúdo desenvolvido

ao longo do texto para, ao final, tentar esclarecer a melhor maneira de utilizar-se dos

argumentos tratados ao longo dessa monografia.

Page 4: Monografia - Final

11

1 ESTATUTO DO DESARMAMENTO

A Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, dispõe sobre registro, posse e

comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm,

define crimes e dá outras providências3, é uma norma federal regulada pelo Decreto 5.123,

de 1º de julho e 2004. Esta carta legal trouxe significativas mudanças em relação às leis

anteriores que regulavam a posse e comercialização de armamento, acessórios e munições,

trazendo em seu bojo uma clara intenção de desarmar a população e tornar mais restrita a

forma de aquisição, comercialização e fiscalização de armas. E também houve o propósito

social, com o intuito de diminuir a quantidade de crimes violentos em que há utilização de

arma de fogo (homicídios, roubos e latrocínio).

A palavra Estatuto é derivada do latim statutum, de satuere (estabelecer, constituir,

fundar), em sentido amplo, entende-se a lei ou regulamento, em que se fixam os princípios

institucionais ou orgânicos de uma coletividade ou corporação, pública ou particular.4 Pode

ser entendida também como um conjunto de normas concernentes a pessoas de uma

mesma categoria ou compreendida na mesma situação5. Nesse entendimento, é o controle

do registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, e também dos cidadãos

que obtiveram tais direitos pelo SINARM. Os “Estatutos” possuem alcance mais restrito que

os denominados “Códigos”, estes com conteúdo mais amplo.

Antes de sua promulgação, ONG´s como “Viva Rio”, “Brasil sem Armas”, o Instituto

“Sou da Paz” apoiadas principalmente pela Rede Globo, entraram em debates em canais de

rádio e televisão sobre o desarmamento. E, no dia 23 de outubro de 2005, toda a população

foi às urnas participar do primeiro Referendo Popular no Brasil, no qual colocou em votação

o artigo 35 do Estatuto, que determinava que a proibição do comércio de armas e munições

para civis seria decidida pela população brasileira.

3 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.826compilado.htm4 De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico Conciso. p. 324.5 Sérgio Sérvulo da Cunha. Dicionário Compacto do Direito. p. 123

Page 5: Monografia - Final

12

Consumindo cerca de R$ 200.000.000,00 de dinheiro público, o referendo teve um

resultado negativo para aqueles que defendem um maior controle sobre as armas de fogo:

64% da população disse não à proibição da venda de armas enquanto 36% disse sim.6

No que tange a devolução de armas com e sem registro, mediante uma oferta

governamental de R$ 100,00 para qualquer arma devolvida, o resultado foi de cerca de 360

mil armas devolvidas em todo o Brasil, num universo aproximado de 17.000.000 de armas

em poder da população7.

Os tipos penais descritos no Estatuto do Desarmamento são norma penal em

branco, complementados pelo Decreto nº 5.123/2004.

A seguir, estuda-se os temas pertinentes que abarcam o Estatuto, assim como a

posse e porte de munição à luz dos Princípios Penais Constitucionais.

1.1 PROTEÇÃO À VIDA

O presente Estatuto foi apresentado pelo até então Presidente Luiz Inácio Lula da

Silva em 2003, como uma verdadeira mudança de rumo para os trágicos números que

refletem a violência armada. Assim ele disse:

“Esse simbolismo expressa a vontade unânime da sociedade brasileira de cortar a espiral de violência que nos inquieta e nos constrange perante a humanidade e a civilização. [...] Nada é mais urgente diante da violência do que construir a paz. E nada é mais eficiente, para evitar a violência, do que fortalecer a paz.”[...]Preservar a integridade física de todos os seus cidadãos é a primeira obrigação de um Estado democrático. Sem o direito à vida todos os outros direitos humanos se dissipam e perdem sentido. Reafirmar a prerrogativa da paz como instrumento de construção social é o sentido profundo deste Estatuto do Desarmamento que estamos promulgando hoje. Ele representa o desfecho de um enorme esforço político realizado pelas duas casas do Congresso Nacional, que trabalharam incessantemente para que sua tramitação fosse rápida e consensual. “ (grifo nosso)8

6 Gilberto Thums. Estatuto do Desarmamento. Fronteiras entre racionalidade e razoabilidade.7 Ibiden. 8 http://www.estadao.com.br/arquivo/cidades/2003/not20031222p10741.htm

Page 6: Monografia - Final

13

A proteção à vida é descrita no caput do artigo 5º da Constituição da Federativa

do Brasil de 1988:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]”9

Nas lições de Pedro Lenza, esse direito fundamental:

“[...] abrange tanto o direito de não ser morto, privado da vida, portanto o direito de continuar vivo, como também o direito de ter uma vida diga. Em decorrência [...] encontramos a proibição de pena de morte [...]. Por fim, o segundo desdobramento [...] o direito a uma vida digna, garantindo as necessidades vitais básicas do ser humano e proibindo qualquer tratamento indigno [...].”10

Complementando com os ensinamentos de José Afonso da Silva:

“É mais um processo (processo vital), que se instaura com a concepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que muda a qualidade, deixando então, de ser vida para ser morte. Tudo que interfere em prejuízo deste fluir espontâneo e incessante contraria a vida.”11

Como parte do conceito do direito fundamental acima descrito, utiliza-se as

palavras de Rogério Greco para conceituar a dignidade da pessoa humana, entendida essa

como:

“[...] uma qualidade que integra a própria condição humana, sendo, em muitas situações, considerado, ainda como irrenunciável e inalienável. É algo inerente ao ser humano, um valor que não pode ser suprimido, em virtude da sua própria natureza. [...] serve como princípio reitor de muitos outros, tal como ocorre com o princípio da individualização da pena, da responsabilidade pessoal, da culpabilidade, da proporcionalidade etc., que nele buscam seu fundamento de validade. [...] a dignidade da pessoa humana deverá ser entendida como norma de hierarquia superior, destinada a

9 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm10 Pedro Lenza. Direito Constitucional Esquematizado. p. 595.11 José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 197.

Page 7: Monografia - Final

14

orientar todo o sistema no que diz respeito à criação legislativa, bem como aferir a validade das normas que lhe são inferiores.”12

José A. da Silva, na mesma esteira, narra que “A dignidade da pessoa humana é

um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde

o direito à vida”.13

Assim como o direito a vida, a Constituição Federal de 1988 adota expressamente

o princípio da dignidade da pessoa humana, concedendo um status normativo:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:I - a soberania;II - a cidadaniaIII - a dignidade da pessoa humana; (grifo nosso)IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;V - o pluralismo político.14

A princípio, temos que verificar o poder de transformação da sociedade que a lei

possui, ou seja, a modificação de uma sociedade frente à eficácia de uma norma.

Para o jurista italiano BOBBIO, há três critérios de valoração da norma jurídica,

independentes uma das outras, quais sejam, a justiça, a validade e a eficácia.15

No que tange à justiça, o jurista diz que “O problema da justiça é o problema da

correspondência ou não da norma aos valores últimos finais que inspiram um determinado

ordenamento jurídico. [...] O problema se uma norma é justa ou não é um aspecto de

contraste entre mundo ideal e mundo real, entre o que deve ser e o que é: norma justa é

aquela que deve ser; norma injusta é aquela que não deveria ser. Pensar sobre o problema

da justiça ou não de uma norma equivale a pensar sobre o problema da correspondência

entre o que é real ou o que é ideal”. Em relação ao Estatuto do Desarmamento, o ideal seria

que a norma atingisse a população em geral, restringindo totalmente o acesso às armas,

munições e acessórios, e apenas os declarados em lei seriam aptos a portar tais artefatos.

12 Rogério Greco.Direito Penal do Equilíbrio. Uma visão minimalista do Direito Penal. p. 69-71.13 Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 105.14 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm15 Norberto Bobbio. Teoria da Norma Jurídica. p. 45-48.

Page 8: Monografia - Final

15

O real é que a norma em comento atinge algumas pessoas que utilizam a arma para defesa

pessoal e patrimonial, escondidas nos armários, criados mudos e porta-luvas dos carros. O

crime continua a utilizar o seu principal instrumento oriundo de países que fazem fronteira.

Em relação à validade, o nobre jurista explana que “o problema da validade é o

problema da existência da regra enquanto tal, independentemente do juízo de valor, sobre

ela ser justo ou não. Enquanto o problema da justiça se resolve com um juízo, o problema

da validade se resolve com um juízo de fato, isto é, trata-se de constatar uma regra jurídica

existe ou não, ou melhor, se tal regra assim determinada é uma regra jurídica. Validade de

uma norma jurídica equivale à existência desta norma como regra jurídica. [...] para decidir

se uma norma é válida [...] é necessário realizar três operações: 1) averiguar se a

autoridade de quem ele emanou tinha o poder legítimo para emanar as normas jurídicas [...]

2) verificar se não foi ab-rogada [...] 3) verificar se não é incompatível com outras normas do

sistema”.

Seguindo o entendimento, o autor Gilberto Thums explana que “O Estatuto do

Desarmamento ao nivelar a munição, considerada isoladamente, com a arma de fogo,

cometeu um dos maiores equívocos jurídicos, típicos de regime autoritários”, pois em sua

reflexão “já existem normas penais para criminalizar a posse ilegal de munição – arts. 180,

“caput”, e § 1º, e 334 do Código Penal”, e demonstrando que “é impossível lesar bem

jurídico, criando uma situação de perigo à segurança pública, com o objeto de incriminação.

Há nítido excesso incriminador, o que macula a norma penal, tornando a inconstitucional.” 16

É o excesso de incriminação por mera obsessão de punir.

O terceiro critério é o da eficácia, descrito como “problema de ser ou não seguida

pelas pessoas a quem é dirigida (os chamados destinatários da norma jurídica) e, no caso

de violação, ser imposta através de meios coercitivos pela autoridade que a evocou. [...]

Limitamo-nos a constatar que há normas que são seguidas universalmente de modo

espontâneo (e são mais eficazes), outras que são seguidas na generalidade dos casos

somente quando estão providas de coação, e outras enfim, que são violadas sem que nem

16 Estatuto do Desarmamento. Fronteiras entre racionalidade e razoabilidade. p. 68-69

Page 9: Monografia - Final

16

sequer seja aplicada a coação (e são as mais ineficazes). A investigação para averiguar a

eficácia ou a ineficácia de uma norma é de caráter histórico-sociológico, se volta para o

estudo do comportamento dos membros de um determinado grupo social e se diferencia,

seja da investigação tipicamente filosófica em torno da justiça, seja da tipicamente jurídica

em torno da validade”.

A adesão às normas do Estatuto foi grande, pois os cidadãos, em sua grande

maioria, entregaram as suas armas. Entretanto, se abarcar como cidadão os

marginalizados, o Estatuto foi um fiasco. Entregar a “ferramenta de trabalho” em prol de uma

sociedade melhor? Os excluídos fariam isso? Tenho convicção que não. Além disso,

atualmente, a polícia não defende a própria Instituição, envolto por política e corrupção,

deixando em segundo plano a segurança pública e os próprios servidores, haja visto a morte

da 90º Policial Militar no ano de 2012 em São Paulo, assassinado em plena via pública na

presença de sua filha de 8 anos.17

1.2 FATORES HISTÓRICOS

A discussão da importância das armas e seu controle remontam tempos antigos. Na

antiga Grécia, Aristóteles (384-322 a.C.), em seu livro Política, defendeu que a posse de

armas como facas e espadas, dentre outras formas, era uma forma de garantia de cidadania

exercida pelos cidadãos. Platão (427-347 a.C.), na obra República, narra o interesse dos

civis desarmados para exercer melhor controle e governo aristocrático. Já Cícero (106-43

a.C.), orador romano, republicano, defende o uso de armas pela população para se

defenderem da tirania. O italiano Maquiavel (1469-1527 a.C.) discursos em suas obras a

necessidade da população permanecer armada para a manutenção do reino e da ordem.18

A primeira e principal função de qualquer Estado é a de instituir a lei e manter a

ordem. Hobbes, no Leviatã, define a ausência da ordem como o perfeito “estado de

17 http://flitparalisante.wordpress.com/2012/11/04/joao-alkimin-sao-paulo-desgovernada/18 Luciano Bueno. Controle de Armas: Um estudo comparativo de políticas entre Grã-Bretanha, EUA, Canadá, Austrália e Brasil. p. 50-51

Page 10: Monografia - Final

17

natureza”, uma condição anterior ao estado civil, sem lei e onde os homens viviam para

guerrear, matar ou ser morto, sem maiores conseqüências além da decorrente de um novo

conflito: uma admirável anarquia caracterizada pela violência e insegurança.19

Para alterar a situação “natural”, os indivíduos trocaram sua liberdade individual por

uma liberdade regulada pelo Estado, garantindo o bem maior, qual seja, a vida.

A implantação de políticas de controle sempre foram polêmicas e controversas. Áreas

nas quais a coerção do Estado é grande, controlando as condutas individuais, tendo como

melhores exemplos leis sobre aborto, de trânsito, de consumo de alimentos e controle de

armas. Sempre que o Estado procura regular o comportamento individual, as divergências se

estabelecem e patamares superiores às das regulações.

Portanto, uma Política de Controle de Armas pertence a uma categoria de Política

Reguladora, com alta possibilidade de coerção, incidindo diretamente sobre a conduta

individual.

O Estatuto do Desarmamento é uma lei recente, mas a matéria que hoje é tratada

nele já foi o enfoque de outras leis em diferentes momentos da história, tornando-se claro o

interesse não apenas estatal, mas também social na referida matéria.

As normas jurídicas tornam-se cada vez mais rígidas com a influência dos valores e

princípios culturais que se encontram em constante evolução. Mediante essas influências,

temos um resultado de normas cada vez mais rigorosas e formais em relação à fabricação,

comercialização, uso e porte de armas e munição, o Estatuto do Desarmamento foi

elaborado exatamente nesse contexto de evolução social.

Entretanto, faz-se necessário apresentar um breve relato sobre a legislação que

antecede o Estatuto do Desarmamento, visando um melhor entendimento a respeito dos

anseios sociais e estatais pela referida matéria.

No Brasil, a princípio, o uso de armas offensivas, que forem proibidas, era regulada

pelo Código Criminal do Império, com pena de 15 dias de prisão simples e multa20.

19 Controle de Armas: Um estudo comparativo de políticas públicas entre Grã-Bretanha, EUA, Canadá, Austrália e Brasil. p. 3720 Liliana Buff de Souza e Silva; Luiz Felipe Buff de Souza e Silva . Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões. Breve histórico sobre legislação de armas de fogo no Brasil, o

Page 11: Monografia - Final

18

Depois, por uma lei de 26.10.1831, punia-se o uso de armas proibidas e o uso de

armas sem licenças, como pistolas, bacamartes, facas de ponta, punhais e outras armas

perfurantes, com pena de prisão de trabalho de um a seis meses.

O Código Penal de 1890 veio ratificar a então contravenção acima exposta,

penalizando o infrator com 15 a 60 dias de prisão.

Após inúmeras leis sobre o assunto, dificultando a sua interpretação e aplicação

adveio a Consolidação das Leis Penais, editada pelo Decreto nº 22.213 de 1932.

Posteriormente, foi promulgada a Lei de Contravenções Penais – Decreto-lei nº

3.688 de 1941 - e em seu bojo, mais especificamente no artigo 19 dispunha que: “Trazer

consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença de autoridade: Pena –

prisão simples de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, ou multa, ou ambas cumulativamente”.

Como visto, a penalização do uso indiscrimado de arma remonta às Ordenações do

Reino, até o advento da Lei 9.437/97, que instituiu o SINARM – Sistema Nacional de Armas

- instituído no Ministério da Justiça, no âmbito da Polícia Federal, com circunscrição em todo

o território nacional, é responsável pelo controle de armas de fogo em poder da população,

conforme previsto na Lei 10.826/03. Esta lei, de nominada Estatuto do Desarmamento,

revogou a Lei 9437/97, limitando ainda mais a possibilidade de adquirir porte de arma,

munição e acessórios e a comercialização desses produtos.

Destes elementos extrai-se a vontade do legislador, desde os tempos remotos, de

diminuir a violência prevendo as condutas que pudessem possibilitar sua ocorrência. De

contravenção a crime, com elevada carga sancionatória, o Estatuto do Desarmamento

pretende desarmar a população, retirando de circulação as armas de fogo, no intuito de

assegurar a segurança pública, garantia Constitucional (art. 144, CF) e dever do Estado,

além de direito e responsabilidade de todos.

Mas o Estatuto do Desarmamento na é o “remédio” para a crise de segurança

pública que assola o país. Como bem explana Liliana Buff:

estatuto do desarmamento e a ordem constitucional. p. 41.

Page 12: Monografia - Final

19

“Num Estado Democrático de Direito, não é impossível impedir o exercício das liberdades públicas, obstando-se ao cidadão a defesa de sua integridade e de seu patrimônio, bem assim a integridade e de seu patrimônio, bem assim a integridade de terceiros, ou bloqueando-se a capacidade defensiva da sociedade civil, com a supressão da possibilidade de exercer o direito de reação da legítima defesa, no estado de necessidade e, ainda, no estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito”.21.

1.3 PAÍSES QUE RESTRINGIRAM O USO DE ARMAS E PAÍSES COM LIBERALIDADE DE AQUISIÇÃO

A política pública de controle de armas não é destaque só no Brasil. Inúmeros

países possuem políticas similares, entre eles Grã-Bretanha, Estados Unidos, Canadá,

Japão e Austrália.

O controle de armas teve início simultâneo, no começo do século XX, na Grã-

Bretanha, Estados Unidos e Canadá, com o objetivo de conter revoltas comunistas ou

anarquistas e coibir a ação de grupos de gângsters. A partir dos anos 60 intensificou-se o

controle de armas em decorrência do aumento generalizado da violência. Após os anos 80

houve o aumento dos massacres – homicídios múltiplos e rápidos –decorrentes de ação

individualizada de adultos ou jovens dominados por desequilíbrios psicológicos, diferentes

dos tradicionais atentados terroristas ou mafiosos. No Brasil, os homicídios múltiplos são as

chamadas chacinas, motivadas por guerra entre traficantes ou grupos de extermínio

formados por policiais.22

A Segunda Emenda - EUA, que constituem o Bill of Rights de 1791 diz: "Sendo

necessária à segurança de um Estado livre a existência de uma milícia bem organizada, o

direito do povo de possuir e usar armas não poderá ser impedido." O direito de possuir uma

arma está ligado à fundação dos Estados Unidos e é visto como a conquista de uma

liberdade individual. 

21 Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões. Breve histórico sobre legislação de armas de fogo no Brasil, o estatuto do desarmamento e a ordem constitucional. p. 50.22 Controle de Armas: Um estudo comparativo de políticas entre Grã-Bretanha, EUA, Canadá, Austrália e Brasil. p. 32-33

Page 13: Monografia - Final

20

O porte privado é pouco regulamentado, e cada estado aplica suas próprias leis

sobre as permissões para compra, posse e controle de armas. Em 43 estados, por exemplo,

não é necessário ter licença ou registro para obter uma. No Texas e em outros cinco

estados, não há idade limite para obtê-las. Nos Estados Unidos há um total de 192 milhões

de armas, o que corresponde a uma arma para cada adulto. Entre os 36 países mais

desenvolvidos do planeta, os Estados Unidos têm a maior taxa de mortalidade por arma de

fogo.23

A independência dos estados faz com que a Corte Americana não interfira em

questões gerais de permissão ou proibição de armas, que é alçada estadual.24

Na Grã-Bretanha, o atual sistema de controle tem por foco o correto e seguro uso

da arma legalmente possuída, evitando que venham cair em mão erradas. Existe o controle

da arma e sobre as pessoas que confiam à possibilidade de compra da arma. 25 Atualmente,

há o completo banimento de pistolas sob responsabilidade de civis, permitindo o uso

somente dentro de clubes, únicas entidades com permissão para a compra e guarda de

armas.26 A justificativa do banimento de pistolas pelo governo foi a de impedir o mal uso

desse tipo de arma, e caiam em mãos de psicopatas ou proprietários em situações de perda

momentânea de equilíbrio mental/psicológico.27

O controle do proprietário de arma para prática esportiva (Home Office) se inicia

com o preenchimento de um formulário de requisição de certificado, seguido por uma

investigação policial nos sistemas de registros policiais.28

Os certificados são concedidos e renovados pelo chefe da força policial local, assim

como é revogado quando o chefe de polícia local possuir razões suficientes para entender

que o possuidor do certificado deixou de preencher alguns dos requisitos necessários para

manter o porte de arma.29 A renovação e emissão de novos certificados passam pela

23 http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/perguntas_respostas/armas_eua/index.shtml24 Ibid. p. 111.25 Ibid. p. 8726 Ibid. p. 8327 Ibid. p. 8528 Ibid. p. 8729 Ibid. p. 87-88

Page 14: Monografia - Final

21

exigência da visita de um oficial do departamento de polícia à casa do possuidor ou

candidato ao certificado, para entrevista.30 Em caso de recusa de emissão do certificado ou

renovação, o requerente pode apelar à corte judicial mais próxima. Constatado o erro na

aplicação da lei ou apresentar alguma arbitrariedade, o requerente tem o seu direito

reconhecido 31

Quanto ao limite de idade, a partir dos 14 anos começam as liberações das

imposições de local e de acompanhamento. Aos 15 anos, já podem ter cartucheiras. Aos 18,

é permitido o acesso às armas.32

No que tange as penalidades, a condenação por posse ilegal de arma é de dez anos

de prisão. Homicídios, tentativas de homicídio e resistência à prisão com uso de arma

implica pena de prisão perpétua.33

Os conceitos de letalidade e periculosidade são elementos de classificação para se

obter o controle de armas. São quatro níveis de segurança: Primeiro, armas que não são de

fogo. Segundo, armas denominadas cartucheiras de um cano e carga de cartucho manual.

Terceiro, revólveres, pistolas, carabinas, rifles e outras consideradas extremamente

perigosas. Em quarto, não há certificado, pois são armas reservadas ao uso da polícia e

agentes de segurança, e são autorizadas pelo Secretário de Estado. 34

No Canadá, o Firearms Act adotado em 1995 tem por objetivo o controle de armas

canadense é reduzir a mortalidade, os ferimentos e os crimes por arma de fogo. Desde

1995, é obrigatória a autorização de porte para todos os proprietários de armas e a

verificação de seus antecedentes criminais. A lei implementou também um registro nacional

de armas de fogo, possibilitando o seu rastreio.35

O número de crimes cometidos com armas de fogo diminuiu desde a implementação

da lei. Consoante o Instituto Nacional de Pesquisa do Canadá, o número de armas roubadas

30 Ibid. p. 9831 Ibid. p. 9932 Ibid. p. 9033 Ibid. p. 9134 Ibid. p. 91-9235 www.fup.org.br/.../2REFERENDO-ControleDeArmasNoMundo.pdf

Page 15: Monografia - Final

22

também diminuiu (30% entre 1998 e 2001). A taxa de homicídios com arma de fogo caiu

35% desde1991 (0,55 por 100 mil habitantes).36

Por sua vez, a lei de controle de armas da Austrália unificou a legislação do país

proibindo fuzis de carregamento automático e espingardas (semi-automáticas ou a

repetição) O início de maior controle de armas deu início nos anos 70 quando dois casais

perderam filhas adolescentes, vítimas do uso criminoso de rifles de caça37. As armas de

punho já eram sujeitas a um rigoroso controle. Em 1997, foi aprovada a nova legislação que

estabeleceu mudanças, como banimento de armas automáticas e semi-automáticas,

reprovação do argumento de autodefesa para obtenção de arma, registro de armas e

pessoas universal, obrigatoriedade de treinamento, checagem de antecedente para venda

de arma dentre outras.38

Entre 1996 e 1997, a campanha de recompra de armas, prevista na nova lei,

recolheu 643.726 armas dos civis. Milhares de armas cuja posse não era proibida também

foram entregues voluntariamente e sem indenização. Em 12 meses, quase um sexto do

arsenal privado da Austrália foi destruído. 39

Em 2001, o número de homicídios com armas atingiu o nível mais baixo desde 1915.

Em seis anos - entre 1996 e 2002 -, o número total de mortes por arma de fogo (PAF) caiu

de 521 para 299 (43%). A taxa de homicídios PAF passou de 0,57 a 0,24 por 100 mil

habitantes (mais de 50%). 40

Já no Japão, o nível de segurança pública é um dos maiores do mundo, reforçado

por um sistema sólido de normas culturais. Em 2002, houve apenas 24 mortes por arma de

fogo no Japão. A taxa de homicídio por arma de fogo no Japão é de 0,03 por 100 mil

habitantes [OMS, 2002] - 800 vezes menor que no Brasil. Pode-se dizer que a proibição de

36 Ibiden.37 Controle de Armas: Um estudo comparativo de políticas entre Grã-Bretanha, EUA, Canadá, Austrália e Brasil. p.173.38 Ibiden;. p. 177.39 www.fup.org.br/.../2REFERENDO-ControleDeArmasNoMundo.pdf40 Ibiden.

Page 16: Monografia - Final

23

armas de punho e fuzis para civis, vigente desde 1945, e o severo controle sobre escopetas

contribuiu para o baixo nível de violência armada nesse país.41

1.4 SINARM – SISTEMA NACIONAL DE ARMAS

O SINARM – Sistema Nacional de Armas – foi instituído na Lei 9.437/97 e

continuou a vigorar no atual Estatuto do Desarmamento.

Esse sistema foi criado para formar um cadastro único de todas as armas de fogo

no país. É coordenado pelo Ministério da Justiça e atua no âmbito da Polícia Federal, ou

seja, atuam em todo o país no cadastro das armas produzidas no Brasil, as importadas, as

exportadas assim como o cadastro dos proprietários, exceto os que atuam nas Forças

Armadas e Auxiliares, ou que constarem de seus registros.42

Compete ao SINARM identificar as características da arma de fogo, munições e

acessórios – tipo, calibre, marcas, numeração etc – e seus proprietários, além de registrar

qualquer extravio, furto, fechamento de empresas, transferência de propriedade, extravio,

furto, roubos, expedir autorização de compra de arma de fogo, acessórios e munição e

autorização para o certificado de registro de arma de fogo. Esse cadastro é

permanentemente atualizado. Os armeiros em atividade no país também devem ser

cadastrados no sistema.

Já a autorização para o porte de arma de fogo e suas renovações é expedida pela

Polícia Federal. Incube ao SINARM o cadastro das autorizações e o repasse dessas

informações às Secretarias de Segurança de cada Estado e o Distrito federal.

O SINARM é custeado pelas taxas cobradas para o registro da arma de fogo,

expedição de segunda via e sua renovação, expedição de porte federal, expedição de

41 Ibiden.42 Denise Cristina Lima Baptisrta. Estatuto do Desarmamento. Comentários à Lei 10.826/2003. p. 210

Page 17: Monografia - Final

24

segunda via e sua renovação (artigo 11 do Estatuto do Desarmamento). Os valores das

taxas são os contidos no Anexo do Estatuto em questão.

1.5 O BEM JURÍDICO TUTELADO PELO ESTATUTO DO DESARMAMENTO

O princípio da proteção de bens jurídicos é à base do Direito Penal, uma vez que se

trata de sua principal função. As condutas tipificadas no Direito Penal são geradas com base

no bem jurídico tutelado. A partir de então, torna-se possível identificar um fato definido

como crime, punível pelas normas legais, ou um fato atípico, não punível.

Para Mirabette, são bens jurídicos a vida (protegida nas tipificações de homicídio,

infanticídio etc), a integridade física (lesões corporais), a honra (calúnia, difamação e injúria),

o patrimônio (furto, roubo, estelionato), a paz pública etc43.

Bem jurídico-penal, apesar de ser colimado pela Constituição Federal, deve ser

necessariamente mais restrito do que o conjunto dos valores constitucionais, pois nem tudo

que a Carta Magna acolhe em sua carta pode ser objeto de tutela pelo direito penal. Aplica-

se neste momento o princípio da subsidiariedade, da ultima ratio, ou da intervenção mínima,

pois são mais graves as sanções aplicadas pelo Direito Penal. A intervenção penal e

consequentemente sua legitimação não pode ser utilizada em interesse de caráter ínfimo.

Luiz Régis Prado44 descreve algumas funções atribuídas ao bem jurídico, quais

sejam, Função de garantia ou de limitar o direito de punir do Estado; Função teleológica ou

interpretativa; Função Individualizadora;e Função sistemática.

Na Função de garantia ou de limitar o direito de punir do Estado, o bem jurídico é

elevado à categoria como conceito limite na dimensão material da norma penal, ou seja,

limita o legislador em sua atividade de produzir normas penais.

43 Manual de Direito Penal I. p. 11644 Luiz Régis Prado. Bem Jurídico-Penal e Constituição. p. 60-61

Page 18: Monografia - Final

25

Já a Função teleológica ou interpretativa tem-se que o bem jurídico constitui o

núcleo da norma e do tipo, não sendo possível interpretar e nem conhecer a lei penal sem

lançar mão da ideia do bem jurídico. Portanto, o bem jurídico nada mais é que “o conceito

central do tipo, em torno do qual giram os elementos objetivos e subjetivos e, portanto, um

instrumento de interpretação”45.

No que tange à Função Individualizadora, entende-se como “como critério de

medição da pena, no momento de sua fixação, levando-se em conta a gravidade da lesão

ao bem jurídico”.46

E por Função sistemática, o autor descreve da seguinte forma:

“... elemento classificatório decisivo na formação dos grupos de tipo da parte especial do Código Penal. Os próprios títulos ou capítulos da parte especial são estruturados como lastro no critério de bem jurídico em cada caso pertinente. Na medida em que o bem jurídico se situa no ponto central dos diferentes tipos penais da parte especial do Código e sendo uma exigência para o legislador orientar sua atividade na proteção do bem jurídico, vem a ser “um dos pontos de vista (...) para conceber o núcleo material dos injustos, comum a todo comportamento ilícito”.47

A opção dos bens jurídicos penais a serem tutelados pelo legislador deve seguir as

transformações da sociedade, como vem acontecendo com o surgimento dos direitos meta

ou transindividuais, em contrapartida de alguns bens jurídicos protegidos pelo legislador de

1940, que na atual sociedade não mais merecem tão rígida proteção. Nesse sentido, “o bem

jurídico está intimamente ligado às concepções ético-políticas dominantes e, portanto,

assume significado diverso e conteúdo diverso com a mudança do tempo e do ambiente”48.

1.6 CONCEITO DE SEGURANÇA PÚBLICA

45 Ibid, p. 60-61.46 Ibid, p. 61.47 Ibid, p. 61.48 Giuseppe Bettiol. Direito Penal. p. 229

Page 19: Monografia - Final

26

Define-se Segurança Pública como o conjunto de processos, dispositivos e medidas

de precaução para assegurar a população de um certo perigo ou danos e riscos eventuais à

vida e ao patrimônio. É um conjunto de processos políticos e jurídicos destinados a garantir

à ordem pública para a convivência pacífica dos homens em sociedade49.

Nas palavras de Roberta Laena Costa Jucá, “seria a garantia dada pelo Estado de

uma convivência social isenta de ameaça de violência, permitindo a todos o gozo dos seus

direitos assegurados pela Constituição, por meio do exercício do poder de polícia.”50

Extrai-se dos conceitos as noções de manutenção do Estado de ordem, e repressão

à ameaça da paz social, sendo a polícia o agente capaz de combater a violência e garantir a

segurança. 

1.6.1 CONTROLE DE ARMAS

O conceito de Controle de Armas nas palavras de Luciano Bueno:

“Define-se controle de armas em decorrência das leis que estruturam procedimentos burocráticos administrativos e sistemas de informações que permitam avaliar a elegibilidade pessoal, registrar a posse, licenciar o porte, identificar reciprocamente armas e proprietários, tomar consciência dos possíveis eventos que os envolvem e, paralelamente, coibir o acesso às armas ilegais”51.

Cinco critérios abarcam o controle de armas na ótica jurídica: condição legal;

habilidades físicas e mentais; restrição do local; proibição e penalidade.52

A condição legal é relacionada à situação jurídica do agente, como idade mínima,

ausência de antecedentes criminais, fatores esses que permitem ou não alguém ter posse

ou porte de alguma arma.53

49 Clóvis de Oliveira Júnior. Gestão Administrativa em Segurança Pública. p. 1750 Roberta Laena Costa Jucá. O papel da sociedade na política de segurança pública.http://jus.com.br/revista/texto/3525/o-papel-da-sociedade-na-politica-de-seguranca-publica#ixzz2JVDKsEsc51 Controle de Armas: Um estudo comparativo de políticas entre Grã-Breatanha, EUA, Cabadá, Austrália e Brasil. p. 49.52 Ibid. 49.53 Ibid. 49.

Page 20: Monografia - Final

27

As habilidades físicas e mentais são verificadas por meio de exames psicológicos e

físicos, prática de tiro e entrevistas, visando assegurar que a pessoa tenha de fato a

necessária capacidade para o manuseio e o discernimento do momento e forma apropriada

para uso de uma arma.54

A restrição do local diz respeito às condições ambientais que a arma pode ser usada

– residência, empresas, locais públicos – onde poderão ser utilizadas armas de fogo

conforme a situação.55

O critério de proibição refere-se às armas, determinando modelos proibidos ou

banidos do mercado.56

Por fim, a penalidade imposta por multa ou prisão, aplicadas por meio de coerção

pelo Estado para fortalecer a efetividade do controle.57

Cada sociedade utilizará uma norma de controle e aceitabilidade para o uso de

armas, conforme a evolução cultural, determinando a relação que terão com a posse e porte

de armas por civis.

1.7 NORMA PENAL EM BRANCO

As normas penais em branco são as de conteúdo incompleto, vago, exigindo

complementação por outra norma jurídica (lei, decreto, regulamento, portaria etc) para que

possam ser aplicadas ao fato concreto. Esse complemento pode já existir quando da

vigência da lei penal em branco ou ser posterior a ela58.

No estudo em tela, o Estatuto do Desarmamento, nos seus artigos 12, 14 e 16, que

tipificam o porte e a posse de arma de fogo, munição e acessório, é complementado pelo

Decreto nº 5.123/2004.

54 Ibid. 49.55 Ibid. 49.56 Ibid. 49.57 Ibid. 49.58 Manual de Direito Penal I. p. 31

Page 21: Monografia - Final

28

1.8 CONCEITO DE CRIME

Nas palavras De Plácido e Silva59, crime é ação ou omissão pessoal proibido por

lei, sob ameaça de uma pena, instituída em benefício da coletividade e segurança social do

Estado. Se estrutura por seu elemento material (objetivo) e moral (subjetivo). O elemento

moral evidencia-se na ação ou omissão. O elemento moral se evidencia na imputabilidade,

de que resulta a responsabilidade criminal (culpa ou dolo) do ato praticado, com o qual se

viola a lei penal.

Delmanto traz o seguinte conceito:

“Crime é a lesão de um bem jurídico protegido pela lei penal, ou a sua exposição a efetivo perigo de lesão para a qual se prevê a inflição de sanção penal ao seu agente. [...] Deparamo-nos, no Brasil, com um Código Penal onde a culpabilidade não é um dos elementos do crime (Teoria do Delito), mas sim elemento da aplicação da pena (Teoria da Pena). [...] ... em consonância com AA nossa realidade legislativa, é possível não considerar a culpabilidade como elemento do crime, mas como algo que lhe é decorrente, isto é, como juízo de reprovabilidade. [...] Tão somente pode reprovar o sujeito de quem cabe esperar uma conduta adequada à norma” 60

Os crimes, quanto à conduta, podem ser comissivos, o que ocorre quando há um

comportamento positivo do agente. Ou omissivos, um “não fazer” do agente, contrário à lei.

Ocorrendo um resultado, há o crime omissivo impróprio. Quando há vários atos que fazem

parte de uma única conduta, no iter criminis, há o crime plurissubsistente. E há o

unissubsistente, que ocorre quando o crime não pode ter seus atos separados, há um ato

único, por exemplo a injúria ou desacato praticado verbalmente.

1.8.1 CRIMES FORMAIS, MATERIAIS E DE MERA CONDUTA

Quanto ao resultado, os crimes podem ser formais, materiais ou de mera conduta.

Nas lições de Mirabette, crime formal é aquele que:

59 Vocabulário Jurídico Conciso. p. 22560 Celso Delmanto. Código Penal Comentado. p. 44 e 49.

Page 22: Monografia - Final

29

“...não há a necessidade de realização daquilo que é pretendido pelo agente, e o resultado jurídico previsto no tipo ocorre ao mesmo tempo em que se desenrola a conduta, havendo separação lógica e não cronológica entre a conduta e o resultado. [...] A lei antecipa o resultado no tipo; por isso, são chamados crimes de consumação antecipada”.61

Já Delmanto descreve crime formal como “aqueles que se consumam

antecipadamente, sem dependência de ocorrer ou não o resultado desejado pelo agente”.62

Para o conceito crime material, Mirabette entende que “há necessidade de um

resultado externo à ação, descrito na lei, e que se destaca lógica e cronologicamente da

conduta. Esse resultado deve ser considerado de acordo com os sentido naturalístico da

palavra, e não com relação ao seu conteúdo jurídico, pois todos os crime provocam lesão ou

perigo para o bem jurídico”.63

O conceito do crime acima descrito pode ser descrito como “aqueles em que a lei

descreve a conduta do agente e o seu resultado naturalístico (efeito natural) que consuma o

crime.”64

Para Delmanto, conceito de crime de mera conduta (ou simples atividade) “são

aqueles que a lei só descreve a conduta do agente, não aludindo a qualquer resultado, de

modo que se consumam com o mero comportamento”.65

Por sua vez, Mirabette descreve o crime supracitado como aquele que “a lei não

exige qualquer resultado naturalístico, contentando-se com a ação ou omissão do agente.

Nãoi sendo relevante o resultado material, há uma ofensa (de dano ou de perigo) presumida

pela lei diante da prática de conduta.”66

1.8.2 CRIME DE DANO

61 Manual de Direito Penal I. p. 12362. Código Penal Comentado. p. 5263 Manual de Direito Penal I. p. 12364 Código Penal Comentado. p. 5265 Ibiden., p. 5266 Manual de Direito Penal I. p. 124

Page 23: Monografia - Final

30

Mirabette entende que o crime de dano só se consuma com a efetiva lesão do bem

jurídico visado, por exemplo, lesão à vida, no homicídio; ao patrimônio, no furto; à honra, na

injúria etc.67 Configurando crime, necessário que o fato, de que o dano resultou, traga os

característicos de dolo ou culpa alheia68.

Para Delmanto, a consumação de tal rime se efetua com o efeito danoso,

inexistindo forma culposa.69

1.8.3 CRIME DE PERIGO

O simples perigo criado para o bem jurídico configura o crime de perigo, podendo

ser individual – quando expõe ao risco o interesse de uma só ou de um número

determinado de pessoas – ou coletivo, quando ficam expostos ao risco os interesses

jurídicos de um número indeterminado.

Aponta Celso Delmanto sobre o tema em questão:

“Acerca do resultado jurídico ou normativo da conduta (lesão ou perigo

de lesão ao bem jurídico penalmente tutelado) [...] a doutrina distingue a

ilicitude meramente formal da material. Em sentido formal, a ilicitude ou

antijuridicidade significa, como lembra HANS-HEIRICH JESCHECK, “um

comportamento contrário ao dever de atuar ou de se abster estabelecido

em norma jurídica” (Tratado de Derecho Penal – Parte General, 4º Ed.,

Editorial Comares, Granada, 1993, p. 20). Essa concepção, como afirma

Santiago Mir Puig, não responde a questão do porquê ser este ou

aquele fato contrário ao direito, surgindo, como resposta a essa

indagação, o conceito de antijuridicidade ou ilicitude material, ou sejua, o

próprio conteúdo do injusto (Derecho Penal – Parte General, 3º. Ed.,

Barcelona, PPU; 1990, PP. 135-136). Ao analisar esse conteúdo, M.

67 Manual de Direito Penal I. p. 12468 Vocabulário Jurídico Conciso. p. 23469 Código Penal Comentado. p.493.

Page 24: Monografia - Final

31

COBO ROSAL e T. S. VIVES ANTON observam que, em um direito penal

liberal, “a lesão de bens jurídicos de natureza material desempenha o

papel do núcleo básico do conteúdo do injusto”, e criticam com ênfase

os chamados crimes de perigo, cujo conteúdo do injusto não consiste,

efetivamente, em um dano ou lesão, mas sim em um perigo de dano ou

lesão”70.

Percebe-se que há um entrave constitucional e de princípios que abarcam o Direito

Penal sobre os Crimes de Perigo frente ao bem jurídico tutelado pela carta penal. Verifica-

se, pelo exposto, analisar em cada caso a subjetividades dos fatos e maior proximidade ao

perigo concreto, para que não ocorram injustiças.

1.8.4 CRIME DE PERIGO CONCRETO

Fernando Capez entende que os crimes de perigo são os quais “para a

consumação, basta a possibilidade de dano, ou seja, a exposição do bem a perigo de

dano”71. Por vezes, a lei exige o perigo concreto, que deve ser comprovado. No caso do

crime de perigo concreto, o tipo penal requer a exposição a perigo da vida ou da saúde de

outrem.

O crime de perigo concreto também pode ser definido como “a probabilidade (e não

mera possibilidade) de produção efetiva de um dano inerente à realização de terminada

conduta”.72

1.8.5 CRIME DE PERIGO ABSTRATO OU PRESUMIDO

A lei, em alguns casos, exige o somente o perigo abstrato, presumido pela norma,

70 Código Penal Comentado. p. 4271 Fernando Capez. Curso de Direito Penal. p . 261.72 Código Penal Comentado. p. 42

Page 25: Monografia - Final

32

que se contenta com a prática do fato e pressupõe ser ele perigoso. Há uma presunção

legal do perigo, que, por isso, não precisa ser provado.

Delmanto faz crítica ao crime de perigo abstrato, explanado que:

“[...] em um Estado Democrático de Direito são eles de questionável constitucionalidade, em face dos postulados constitucionais da intervenção mínima, da ofensividade e da proporcionalidade ou razoabilidade entre conduta e resposta penal [...] a mera subsunção do fato ao tipo penal – antijuridicidade formal – não basta à caracterização do injusto penal, devendo-se sempre indagar acerca da antijuridicidade material, a qual exige efetiva lesão ou ameaça concreta de lesão ao bem juridicamente protegido, requisitos esses que constituem verdadeiro pressuposto para a caracterização do injusto penal”.73

Entende-se, portanto, que os crimes de perigo acima descritos tipificam condutas

substancialmente lesivas a certos bens jurídicos, ou seja, estes bens não vêm a sofrer

efetivamente um dano, mas somente uma ameaça de dano. Mirabette entende que “a

norma se contenta com a prática do fato e pressupõe ser ele perigoso”.74

1.8.6 CRIME TÍPICO E ATÍPICO

Crime típico é a conduta ilícita praticada, ou seja, a conduta proibida, ilegal,

prevista no Direito. É descrição feita pela lei da ação que é penalizada.

Já crime atípico, por exclusão, é aquele que não há previsão legal.

1.9 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS VOLTADOS AO DIREITO PENAL

Como qualquer ciência, o Direito Penal possui alguns princípios que o conduz, com

orientações gerais, norteadores para a estruturação das leis e vetores para a sua correta

interpretação.

73 Ibiden. p. 42-43.74 Manual de Direito Penal. p. 124.

Page 26: Monografia - Final

33

De Plácido e Silva, em sua obra Vocabulário Jurídico Conciso75, define o termo

princípio como “começo ou origem de qualquer coisa.” Levado à esfera jurídica, define como

“a espécie de norma jurídica cujo conteúdo é genérico, contrapondo-se à regra ou do

preceito, que é a norma mais individualizada. Constitui princípio jurídico normas genéricas

como, por exemplo, “todos são iguais perante a lei”, enquanto preceito ou regra é a norma

específica, como por exemplo, o idoso tem direito à assistência de sua família.”

Descreve-se,também, a diferença entre regra e princípio. Ana Paula de Barcellos, a

seu turno, enumera os sete critérios mais utilizados pela doutrina para que se leve a efeito a

distinção entre os princípios e as regras, a saber:

(a) O conteúdo. Os princípios estão mais próximos da idéia de valor e de direito. Eles formam uma exigência da justiça, da equidade ou da moralidade, ao passo que as regras têm um conteúdo diversificado e não necessariamente moral. Ainda no que diz respeito ao conteúdo, Rodolfo L. Vigo chega a identificar determinados princípios, que denomina de ‘fortes’, com os direitos humanos.

(b) Origem e validade. A validade dos princípios decorre de seu próprio conteúdo, ao passo que as regras derivam de outras regras ou dos princípios. Assim, é possível identificar o momento e a forma como determinada regra tornou-se norma jurídica, perquirição essa que será inútil no que diz respeito aos princípios.

(c) Compromisso histórico. Os princípios são para muitos (ainda que não todos), em maior ou menor medida, universais, absolutos, objetivos e permanentes, ao passo que as regras caracterizam-se de forma bastante evidente pela contingência e relatividade de seus conteúdos, dependendo do tempo e lugar.

(d) Função no ordenamento. Os princípios têm uma função explicadora e justificadora em relação às regras. Ao modo dos axiomas e leis científicas, os princípios sintetizam uma grande quantidade de informação de um setor ou de todo o ordenamento jurídico, conferindo-lhe unidade e ordenação.

(e) Estrutura lingüística. Os princípios são mais abstratos que as regras, em geral não descrevem as condições necessárias para sua aplicação e, por isso mesmo, aplicam-se a um número indeterminado de situações. Em relação às regras, diferentemente, é possível identificar, com maior ou menor trabalho, suas hipóteses de aplicação.

(f) Esforço interpretativo exigido. Os princípios exigem uma atividade argumentativa muito mais intensa, não apenas para precisar seu sentido, como também para inferir a solução que ele propõe para o caso, ao passo

75 Vocabulário Jurídico Conciso. p. 606

Page 27: Monografia - Final

34

que as regras demandam apenas uma aplicabilidade, na expressão de Josef Esse, ‘burocrática e técnica’.

(g) Aplicação. As regras têm estrutura biunívoca, aplicando-se de acordo com o modelo do ‘tudo ou nada’, popularizado por Ronaldo Dworkin. Isto é, dado seu substrato fático típico, as regras só admitem duas espécies de situação: ou são válidas e se aplicam ou não se aplicam por inválidas. Não são admitidas gradações. Como registra Robert Alexy, ao contrário das regras, os princípios determinam que algo seja realizado na maior medida possível, admitindo uma aplicação mais ou menos ampla de acordo com as possibilidades físicas e jurídicas existentes. 76

Os princípios poderão estar explícitos Constituição Federal, expressos em lei, ou

implícitos, ainda que não expressos, aparecendo subentendidos no ordenamento jurídico.

O escopo imediato e primordial do pensamento jurídico moderno é a proteção dos

bens jurídicos essenciais aos indivíduos e à coletividade, norteadas pelos Princípios

Fundamentais da Dignidade Humana, da Personalização e Individualização da Pena, da

Humanidade, da Insignificância, da Culpabilidade, da Intervenção Penal Legalizada, da

Intervenção Mínima e da Fragmentariedade. Esses princípios se encontram explícita ou

implicitamente na Carta Constitucional, fundamentando o ordenamento penal.77

Pelo Princípio da Legalidade, Luiz Antônio de Souza78 entende como “Não há crime

sem lei que defina o fato como infração penal, e não há pena sem cominação legal.” É

constitucional, explícito no art. 5º, inciso XXXIX da Constituição Federal de 1988. Uma

Garantia Individual Constitucional também descrita no art. 1º do Código Penal. Estabelece

que o Estado deva se submeter ao império da Lei:

 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. 

76Ana Paula de Barcellos. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. p. 47-51.77 Bem Jurídico-Penal e Constituição. p. 65-66.78Luiz Antônio de Souza. Teoria Unificada – Coleção OAB. p. 207

Page 28: Monografia - Final

35

Princípio da Reserva Legal significa a que o fato típico e a respectiva pena estejam

descritas formalmente na lei, oriunda de um processo legislativo previsto na Constituição

Federal.

Pelo Princípio da Anterioridade entendemos que deverá ter uma “Lex Praevia” ao

fato que se quer punir. Este princípio é conhecido pelo brocardo latino "nullun crimem, nulla

poena sine lege praevia" 

O Princípio da Retroatividade da Lei mais Benéfica ou da Irretroatividade da Lei

Penal é um princípio explícito na Constituição e no Código Penal, respectivamente:

 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;

Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.  Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. 

Como regra, a Lei Penal não retroagirá, exceto quando a nova lei beneficiar o réu,

sendo este beneficiado, mesmo que transitada em julgado sentença condenatória.

O Direito Penal somente deverá ser utilizado quando os outros ramos do Direito já

foram utilizados para sanar o litígio. Esse é o entendimento do Princípio da Intervenção

Mínima.

Princípio da Personalidade ou Princípio da Responsabilidade Pessoal, Princípio da

Pessoalidade da Pena, da Intransmissibilidade está descrita na Constituição Federal de

1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser,

Page 29: Monografia - Final

36

nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;

A lei não poderá ultrapassar a pessoa do condenado, não podendo os seus

familiares e seus herdeiros responder por algo que não fizeram. A exceção neste princípio é

a indenização civil e o confisco de produto do crime. 

O Princípio da Individualização da Pena se externa na seguinte redação da

Constituição Federal:

Art. 5º [...]:

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos.

Deve-se evitar padronizar a pena, considerando as circunstâncias individuais

do agente bem como as do fato em si. Objetivamente, cada um terá a pena exata que lhe

cabe. 

No Princípio da Humanidade, ou Princípio da Humanidade das Penas, César

Dario Mariano esclarece que “O criminoso deve ser tratado como ser humano, mesmo que

tenha cometido o mais hediondo dos crimes. Além disso, a Constituição Federal proíbe

penas cruéis, de trabalhos forçados, perpétuas, de banimento e de morte, salvo nos casos

de guerra79. É um princípio constitucional explícito no art. 5º, incisos III, XLVI, XLVII e XLIX

da Constituição Federal. Decorre também da Declaração dos Direitos do Homem - ONU

(1948), do Pacto de San José da Costa Rica:

Artigo 5º - Direito à integridade pessoal1. Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.

79 César Dario Mariano da Silva. Estatuto do Desarmamento de acordo com a Lei nº 10.826/2003. p. 4.

Page 30: Monografia - Final

37

2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.

Pelo Princípio da Intervenção Mínima, Mirabette80 disserta sobre o tema, dizendo:

“Como a intervenção do Direito Penal é requisitada por uma necessidade mais elevada de proteção à coletividade, o delito deve consubstanciar em um injusto mais grave e revelar uma culpabilidade mais elevada; deve ser uma infração que mereça a infração penal. O desvalor do resultado, o desvalor da ação e da reprovabilidade da atitude interna do autor é que convertem o fato em um “exemplo insuportável”, que seria um mau precedente se o estado não reprimisse mediante a sanção penal. [...] a pena deve ser reservada para os casos que constitua o único meio de proteção suficiente da ordem social frente aos ataques relevantes. [...] Não se deve incriminar os fatos que a conduta não implique risco concreto ou lesão a nenhum dos bens jurídicos reconhecidos pela ordem normativa constitucional.” Por fim, o autor declara que “ O ordenamento positivo, pois, deve ter como excepcional a previsão de sanções penais e não se apresentar como instrumento de satisfação de situações contingentes e particulares, muitas vezes servindo apenas a interesse político do momento para aplacar o clamor público exarcebado pela propaganda”.

Já no Princípio da Fragmentariedade, Luiz Régis Prado enfatiza:

“função maior de proteção de bens jurídicos atribuída à lei penal não é absoluta. O bem jurídico é defendido penalmente só perante certas formas de agressão ou ataque, consideradas socialmente intoleráveis. Isto explica somente as ações mais graves dirigidas contra bens fundamentais podem ser criminalizadas. Faz-se uma tutela do bem jurídico, limitada à tipologia agressiva que se revela dotada de intensidade da ofensa [...] a fragmentariedade não quer dizer, obviamente, deliberada lacunosidade na tutela de certos bens e valores e na busca de certos fins, mas antes limite necessário a um totalitarismo de tutela, de modo pernicioso para liberdade.”81

O Princípio da Culpabilidade (Princípio da Responsabilidade Subjetiva) está

descrito implicitamente no artigo 18 do Código Penal:

Art. 18 - Diz-se o crime:

Crime doloso I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;

Crime culposo 

80 Julio Fabrinni Mirabette. Manual de Direito Penal I. p. 10881 Bem Jurídico-Penal e Constituição. p. 69-70

Page 31: Monografia - Final

38

II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente. 

Deve haver culpa ou dolo para que ocorra a punição (nullun crimem cine culpa). Por

regra, inadmite-se a responsabilidade penal objetiva, exceto se a lei assim permitir.

Decorrente do princípio da legalidade, o Princípio da Taxatividade estabelece que

as leis Penais devem ser precisas, claras e bem elaboradas, de forma que seus

destinatários possam compreendê-las, assim evitando conceitos vagos ou imprecisos. O

Poder Legislativo deve elaborar leis penais com a máxima precisão de seus elementos.

O Princípio da Proporcionalidade (Princípio da Proibição do Excesso), nas palavras

de Antônio Scarance Fernandes:

“há intima ligação entre o princípio da proporcionalidade e o princípio da isonomia, pois para haver igualdade, devem ser superadas as desigualdades dos indivíduos, especificando critérios para determinar as distinções. É um princípio que obriga o operador jurídico a alcançar um equilíbrio entre os interesses em conflito. Não basta a adequação do meio ao fim. Deve ser o meio mais idôneo, com a menor restrição possível. É a garantia do indivíduo contra os excessos na atuação dos órgãos detentores do poder, buscando encontrar a medida adequada, necessária e justa. Não se pode acatar o exagero, nem tampouco a generosidade da pena: ela deve ser proporcional.82

Princípio da Insignificância (ou da bagatela), nas lições de Mirabette83, propôs a

exclusão de danos de pouca importância, comprovando o desvalor do dano, da ação ou da

culpabilidade ao bem jurídico aparentemente relevante, mas que possui as características

de escassa reprovabilidade, ofensa a bem jurídico de menor relevância, habitualidade e

dispensa de pena.

O Princípio do devido processo legal está previsto no art. 5º, inciso LIV da

Constituição Federal, protegendo o cidadão de uma possível arbitrariedade Estatal, caso

este puna o cidadão sem o devido processo legal. Não há pena sem o devido processo

legal.

82 Antônio Scarance Fernandes. Processo Penal Constitucional. p. 83Manual de Direito Penal I. p. 106

Page 32: Monografia - Final

39

Ninguém será considerado culpado até a sentença penal condenatória transitar em

julgado. Essa presunção de inocência denomina-se “Princípio do Estado de Inocência”, e na

dúvida que pairar sobre o julgador, sempre será em favor do réu (in dubio pro reu).

Pelo Princípio da Publicidade entendemos que todos os atos, em regra, serão

públicos, com exceções em caso de violação à intimidade da pessoa ou sigilo. No Código de

Processo Penal, em seu artigo 792, §1° admite-se sigilo em casos de escândalo,

inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem.

O princípio da ofensividade ou lesividade, é ínclito ao afirmar que o direito penal

somente poderá agir quando legitimada a intervenção penal, em situação que reclame a

intervenção do Estado, que não pode permitir que situações cotidianas ou sem capacidade

lesiva sejam alvo da reparação penal:

“O mais relevante efeito prático da função dogmática do princípio da ofensividade, em conclusão, consiste em permitir excluir do âmbito do que é penalmente relevante as condutas que, mesmo que tenham cumprido formalmente ou literalmente a descrição típica, em concreto mostram-se inofensivas ou não significativamente ofensivas para o bem jurídico tutelado. Não resultando nenhuma relevante lesão ou efetivo perigo de lesão a esse bem jurídico, não se pode falar em fato típico84.

Por fim, entende-se que há vários princípios que orientam o direito penal, que visam

aplicar as normas penais da forma mais correta e justa possível aos casos concretos que se

apresentam, procurando levar o Direito Penal por um caminho onde somente as condutas

com capacidade de lesar bens jurídicos relevantes sejam efetivamente punidas.

1.9.1 DIREITO PENAL DE EMERGÊNCIA, DIREITO PENAL DO INIMIGO E DIREITO PENAL MÍNIMO.

84 Luiz Flávio Gomes. Princípio da ofensividade no direito penal. p. 46

Page 33: Monografia - Final

40

Rogério Greco, em sua obra Direito Penal do Equilíbrio, trata, dentre outros

assuntos, sobre o Direito Penal de Emergência, Direito Penal do Inimigo e Direito Penal

Mínimo.85

A emergência acima descrita traduz:

“nas situações de urgências, excepcionais, em que se exige uma atuação rápida e eficiente do Direito Penal. A situação de urgência pode dar origem a um direito penal de emergência que, em tese, teria vigência até a resolução dos problemas para os quais havia criado. No entanto, como sabemos, o urgente se torna perene, duradouro, e o direito penal de emergência passa a ser reconhecido como usual. [...] O clamor social, melhor dizendo, o clamor midiático, pode ser considerado uma das molas propulsoras da legislação de emergência, a exemplo do que ocorreu com a lei que definiu os crimes hediondos (Lei nº 8.072/90).”86

Verifica-se uma intervenção política, em vez de uma intervenção jurídica, passando

a “emergência” como regra em vez de exceção em razão do descrédito da Justiça em nossa

sociedade.

Por sua vez, o Direito Penal do Inimigo foi desenvolvido pelo professor alemão

Gunter Jakobs, na segunda metade da década de 90. O professor traçou uma distinção

entre um Direito Penal do Cidadão e um Direito Penal do Inimigo:

“O primeiro, em uma visão tradicional garantista, com observância de todos os princípios fundamentais que lhe são pertinentes; o segundo, intitulado Direito Penal do inimigo, seria um Direito Penal despreocupado com seus princípios fundamentais, pois que não estaríamos diante de cidadãos, mas sim de inimigos do Estado. [...]O chamado Direito Penal do Inimigo encontra-se, hoje, naquilo que se reconhece como terceira velocidade do Direito Penal. [...]A primeira velocidade seria aquela tradicional do Direito Penal, que tem por fim último à aplicação de uma pena privativa de liberdade. Nessa hipótese, como está em jogo a liberdade do cidadão, devem ser observadas todas as regras garantistas, sejam elas penais ou processuais penais.Numa segunda velocidade, temos o Direito à aplicação de penas não privativas de liberdade, a exemplo do que ocorre no Brasil com os Juizados Especiais Criminais, cuja finalidade, de acordo com o art. 62 da Lei nº 9.099/95, é precipuamente, a aplicação de penas que não importem na provação da liberdade do cidadão, devendo, pois, ser priorizadas as penas restritivas de direitos e a pena de multa. Nessa segunda velocidade de

85 Direito Penal do Equilíbrio. Uma visão minimalista do Direito Penal. p. 21-3586 Ibiden. p. 21-22

Page 34: Monografia - Final

41

Direito Penal poderiam ser afastadas algumas garantias, com o escopo de agilizar a aplicação da lei penal.Percebemos isso com clareza quando analisamos a mencionada Lei dos Juizados Especiais Criminais, que permite a utilização de institutos jurídicos que importem na aplicação de pena não privativa de liberdade, sem que, para tanto, tenha havido a necessária instrução processual, com o contraditório e a ampla defesa, como acontece quando o suposto autor do fato aceita a proposta de transação penal, suspensão condicional do processo etc. [...]Embora ainda com certa resistência, tem-se procurado a entender o Direito Penal do Inimigo, como uma terceira velocidade. Seria, portanto, uma velocidade híbrida, ou seja, com a finalidade de aplicar penas privativas de liberdade (primeira velocidade), com uma minimização das garantias necessárias a esse fim (segunda velocidade).”87

A problemática dos conceitos acima explicitados é quem será considerado inimigo e

tenha suas garantias diminuídas, tratando um ser humano como um estranho à

comunidade, desistindo do homem sob o falso argumento e de ser incorrigível, de possuir

defeito de caráter.88

Por sua vez, o Direito Pena Mínimo, no entendimento de Rogério Greco, está mais

coerente com a realidade social, protegendo somente os bens necessários e vitais à

sociedade, não podendo ser protegidos pelos demais ramos do ordenamento jurídico.89 E

continua sua explanação, explicitando a adoção de vários princípios que servirão de

orientação ao legislador, indispensáveis ao raciocínio do Direito Penal dentre eles o princípio

da dignidade humana, como princípio central, além dos princípios da intervenção mínima,

lesividade, adequação social, insignificância, individualização da pena, proporcionalidade,

responsabilidade pessoal, limitação das penas, culpabilidade e legalidade.90

Dessa forma, verifica-se que o Direito Penal Mínimo busca um equilíbrio, uma

razoabilidade para que o Estado Social prevaleça, em detrimento do Estado Penal,

ofendendo a dignidade dos cidadãos, como assevera Salo de Carvalho:

“Do esboço apresentado, cabe aos movimentos sociais e coletivos organizados estarem atentos às armadilhas decorrentes da demanda pela intervenção penal. Não obstante, o mesmo interrogante deve nortear os

87 Ibiden. p. 23-25.88 Ibiden. p. 28.89 Ibiden. p. 29-30.90 Ibiden. p. 30.

Page 35: Monografia - Final

42

operadores do direito quanto à elaboração de teorias legitimadoras do sistema punitivo. As perguntas são pertinentes tendo em vista o verdadeiro fascínio com que as pessoas (individuais ou coletivas) e as instituições recorrem ao direito penal. O desejo de punitividade, porém, ofusca os cuidados necessários quando se está a legitimar intervenções dos poderes punitivos. [...]Qualquer humano inadequado à moral punitiva ou à estética criminológica passa a ser percebido coo objeto a ser eliminado, como inimigo. E para estes seres objetificados pelo estigma periculosista, os direitos humanos não podem e não devem ser garantidos”.91

Percebe-se que o Direito Penal deve ser utilizado com isonomia, prevalecendo sempre a

dignidade da pessoa humana frente a qualquer infração cometida. Deve-se utilizar todas as formas de

sanções de outros ramos do Direito para, por fim, aplicar uma pena criminal. A liberdade deve ser

preservada e a severidade Penal deve alcançar casos extremos de violação da paz pública e

transgressões que atinjam diretamente os bens jurídicos tutelado pelo Direto Penal.

2 ARMA, MUNIÇÃO E ACESSÓRIO

2.1 CONCEITO DE ARMA E MUNIÇÃO

Arma, nas lições de Domingos Tocchetto, é todo objeto que pode aumentar a

capacidade de ataque ou defesa de um homem92. Segundo De Plácido e Silva, arma é

“expressão que se usa para designar todo instrumento ou utensílio utilizado pelo homem

91 Salo de Carvalho. Anti Manual de Criminologia. p. 129-130.92 Domingos Tocchetto. Balística Forense – Aspectos Técnicos e Jurídicos. p. 2

Page 36: Monografia - Final

43

para atacar outrem ou se defender dos ataques que se lhe fazem. Podem ser ofensivas ou

defensiva”93.

O Decreto 3.6665, de 20 de novembro de 2000, que regula a fiscalização de

produtos controlados (R-105), conceitua arma e suas derivações:

Art. 3o Para os efeitos deste Regulamento e sua adequada aplicação, são adotadas as seguintes definições:

IX - arma: artefato que tem por objetivo causar dano, permanente ou não, a seres vivos e coisas;X - arma automática: arma em que o carregamento, o disparo e todas as operações de funcionamento ocorrem continuamente enquanto o gatilho estiver sendo acionado (é aquela que dá rajadas);XI - arma branca: artefato cortante ou perfurante, normalmente constituído por peça em lâmina ou oblonga;XII - arma controlada: arma que, pelas suas características de efeito físico e psicológico, pode causar danos altamente nocivos e, por esse motivo, é controlada pelo Exército, por competência outorgada pela União;XIII - arma de fogo: arma que arremessa projéteis empregando a força expansiva dos gases gerados pela combustão de um propelente confinado em uma câmara que, normalmente, está solidária a um cano que tem a função de propiciar continuidade à combustão do propelente, além de direção e estabilidade ao projétil;XIV - arma de porte: arma de fogo de dimensões e peso reduzidos, que pode ser portada por um indivíduo em um coldre e disparada, comodamente, com somente uma das mãos pelo atirador; enquadram-se, nesta definição, pistolas, revólveres e garruchas;XV - arma de pressão: arma cujo princípio de funcionamento implica o emprego de gases comprimidos para impulsão do projétil, os quais podem estar previamente armazenados em um reservatório ou ser produzidos por ação de um mecanismo, tal como um êmbolo solidário a uma mola, no momento do disparo;XVI - arma de repetição: arma em que o atirador, após a realização de cada disparo, decorrente da sua ação sobre o gatilho, necessita empregar sua força física sobre um componente do mecanismo desta para concretizar as operações prévias e necessárias ao disparo seguinte, tornando-a pronta para realizá-lo;XVII - arma de uso permitido: arma cuja utilização é permitida a pessoas físicas em geral, bem como a pessoas jurídicas, de acordo com a legislação normativa do Exército;XVIII - arma de uso restrito: arma que só pode ser utilizada pelas Forças Armadas, por algumas instituições de segurança, e por pessoas físicas e jurídicas habilitadas, devidamente autorizadas pelo Exército, de acordo com legislação específica;XIX - arma pesada: arma empregada em operações militares em proveito da ação de um grupo de homens, devido ao seu poderoso efeito destrutivo sobre o alvo e geralmente ao uso de poderosos meios de lançamento ou de cargas de projeção;

XX - arma não-portátil: arma que, devido às suas dimensões ou ao seu peso, não pode ser transportada por um único homem;

93 Vocabulário Jurídico Conciso. p.63

Page 37: Monografia - Final

44

XXI - arma de fogo obsoleta: arma de fogo que não se presta mais ao uso normal, devido a sua munição e elementos de munição não serem mais fabricados, ou por ser ela própria de fabricação muito antiga ou de modelo muito antigo e fora de uso; pela sua obsolescência, presta-se mais a ser considerada relíquia ou a constituir peça de coleção;XXII - arma portátil: arma cujo peso e cujas dimensões permitem que seja transportada por um único homem, mas não conduzida em um coldre, exigindo, em situações normais, ambas as mãos para a realização eficiente do disparo;XXIII - arma semi-automática: arma que realiza, automaticamente, todas as operações de funcionamento com exceção do disparo, o qual, para ocorrer, requer, a cada disparo, um novo acionamento do gatilho;

Domingos Tocchetto conceitua arma de fogo como “armas de arremesso complexas

que utilizam, para expelir seus projetis, a força expansiva dos gazes resultantes da

combustão da pólvora. Seu funcionamento, em princípio, não depende do vigor, da força

física do homem.94

As armas podem se dividir quanto ao tipo de alma do cano. Elas podem ser alma

raiada, com raias interna em números pares ou ímpares, com direções dextrogiras ou

sinistrógiras. Ou podem ser de alma lisa, ou seja, sem raia. As raias em questão são “sulcos

paralelos, destinados a imprimir aos projetis um movimento giratório, em torno do eixo de

sua trajetória, cuja função é de manter a estabilidade ao longo do seu percurso95.”

Quanto ao funcionamento, Tocchetto descreve que:

“As armas de repetição são as que comportam carga para dois ou mais tiros, cujo carregamento se faz mecanicamente, e podem ter um ou mais canos. Distinguem-se das de tiro unitário múltiplo porque, mesmo quando providas de dois ou mais canos, estes são servidos, sucessivamente, por um só e mesmo mecanismo de disparo. Pode-se dividir as armas de repetição em não automáticas, semiautomáticas e automáticas.” (grifo nosso)96

O referido autor continua explanando, dizendo que armas de repetições não

automáticas são aquela cujos mecanismos de repetição e de disparo dependem

exclusivamente da força muscular doa tirador (revólveres e carabinas, p.ex.).97

94 Balística Forense. p. 2-3.95 Ibiden., . p. 8.96 Ibiden p. 1397 Ibiden.p. 13

Page 38: Monografia - Final

45

As armas de repetição semiautomáticas são aquelas que o mecanismo de disparo é

acionado com o esforço muscular do atirador. A força de expansão dos gazes oriundos da

combustão da pólvora aciona o mecanismo automático de repetição (pistolas, p.ex.). O tiro é

intermitente.98

São consideradas automáticas as armas de repetição nas quais tanto o mecanismo

de repetição como o de disparo são acionados pela força expansiva dos gases da

combustão da pólvora. O tiro pode ser intermitente ou de forma contínua, sob a forma de

rajada (submetralhadoras, fuzis etc).

Há armas de calibre real e calibre nominal. O Estatuto do Desarmamento cita alguns

calibres de uso permitido e de uso restrito, motivo pelo qual o usuário de arma de fogo

necessita saber o que é e o calibre de uma arma.

Nas armas raiadas, há o calibre real ou o nominal. O calibre real nas armas de alma

raiada “é medido pela boca do cano, e essa medida corresponde ao diâmetro interno da

alma do cano. É uma medida exata, aferível com precisão. Corresponde a parte não raiada

da alma do cano e deve ser medida entre dois cheios diametralmente opostos, e expresso

em milímetros ou fração de milímetros”. Nas armas de alma lisa, o calibre real “é a medida

que corresponde ao diâmetro interno do cano, tomada em sua região mediana”99.

Já o calibre nominal nas armas de alma raiada “é sempre designativo de um tipo

particular de munição e também da arma na qual este tipo de munição deve ser usada

corretamente”.100. Nas armas de alma lisa, o calibre nominal é um número que indica a

quantidade de esferas de chumbo, com diâmetro igual ao da lama do cano (calibre real) da

arama considerada, necessárias para formar o peso (massa) de uma libra (453,6 g). [...] são

expressos por números inteiros, cujos valores variam na razão inversa dos calibres reais

respectivos”.101

Munição, por sua vez, é o conjunto de cartuchos necessários ou disponíveis que

serão usadas armas de fogo.

98 Ibiden.p. 1399 Ibiden.p. 89. 100 Ibiden., . p. 73-74.101 Ibiden., p. 89

Page 39: Monografia - Final

46

O conceito de munição descrito no Decreto 3.6665/2000 é o seguinte:

Art. 3o Para os efeitos deste Regulamento e sua adequada aplicação, são adotadas as seguintes definições:

LXIV - munição: artefato completo, pronto para carregamento e disparo de uma arma, cujo efeito desejado pode ser: destruição, iluminação ou ocultamento do alvo; efeito moral sobre pessoal; exercício; manejo; outros efeitos especiais;

Acessório de arma são itens inerentes à ama de fogo que melhoram o desempenho

do atirador ou o aspecto visual da arma. Pode ser mira telescópica, mira à laser,

compensador de recuo, silenciador etc.

O Decreto 3.6665/2000 traz em seu bojo o conceito de acessório de arma:

Art. 3o Para os efeitos deste Regulamento e sua adequada aplicação, são adotadas as seguintes definições:I – [...];II - acessório de arma: artefato que, acoplado a uma arma, possibilita a melhoria do desempenho do atirador, a modificação de um efeito secundário do tiro ou a modificação do aspecto visual da arma;

2.2 PARTICULARIDADES DA MUNIÇÃO

O cartucho é a unidade de munição das armas de fogo de retrocarga. Há dois tipos

de cartuchos: cartuchos de alma raiada (percussão central) e de alma lisa (percussão

radial).102

As armas de canos raiados possuem os seguintes elementos essenciais: estojo,

espoleta ou cápsula da espoleta com mistura iniciadora (carga de inflamação), a pólvora ou

carga de projeção e o projetil.103

102 Ibiden., p. 149103 Ibiden., p. 149

Page 40: Monografia - Final

47

Já as armas de canos lisos (espingardas p.ex.), o projetil pode ser único ou se

utiliza vários chumbos de vários tamanhos, além da bucha, por vezes, disco de papelão.

O estojo do cartucho é o componente externo da munição. É o único componente

inerte e, ao mesmo tempo, o elemento que possibilita o funcionamento eficaz e padroniza a

munição. A forma e dimensão do estojo é que vai determinar a câmara da arma que será

utilizado e o calibre nominal da arma.104

Pela munição há a identificação indireta ou mediata de uma arma de fogo, “quando

feita mediante o estudo comparativo das características gerais e particulares, das

deformações impressas pela arma considerada nos elementos de sua munição”.105

O projétil, ao se deslocar pelo interior do cano raiado, recebe as marcas dos sulcos

das raias do cano, sob a forma de cavados e ressaltos. Essas pequenas irregularidades

possibilita a identificação genérica da arma. “Microdeformações, resultantes das diminutas

irregularidades da superfície interna do cano, nunca se apresentam com características

coincidentes em dois ou ais canos distintos, mesmo que produzidos de forma sequenciada e

pela mesma broca [...] são essas microdeformações que possibilitam, com segurança, a

identificação d arma que expeliu o projétil”.106

Atualmente, no estojo da munição há descrito o número de lote, o que permite a

localizar o adquirente e desvendar crimes, como o assassinato da Juíza Patrícia Acioli, da

Quarta Vara Criminal de São Gonçalo, Rio de Janeiro..107

104 Ibiden., p. 149105 Ibiden., p. 125106 Ibiden., p. 127.107 Munição rara importada da Hungria, própria para pistola calibre 45, foi utilizada para assassinar a juíza Patrícia Lourival Acioli, morta com 21 tiros, em Niterói, no dia 11 de agosto. A informação consta do relatório final da Divisão de Homicídios, que foi enviado à 3ª Vara Criminal de Niterói. De acordo com o documento, na casa de um dos PMs que concordaram em receber o benefício da delação premiada, foi encontrado um cartucho calibre 45, fabricado pela empresa húngara FMS. Laudo de exame de confronto balístico número 5102530/2011 esclarece que a cápsula tem a mesma marca de uma das balas encontradas no local do crime. No Brasil, cartuchos 45 importados encontrados com mais frequência são os fabricados nos Estados Unidos e no México.O relatório também confirma que os policiais acusados de envolvimento no assassinato da juíza desviaram balas do 7º BPM (Alcântara) para executar o crime. Na casa do PM Alex Ribeiro da Costa, que está preso, de acordo com o laudo de exame de munição, foram apreendidas balas calibre 40. A munição é do mesmo lote das balas da Polícia Militar. http://www.milnoticias.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=547:municao-fabricada-na-hungria-foi-usada-no-assassinato-da-juiza-patricia-acioli&catid=43:brasil&Itemid=94.

Page 41: Monografia - Final

48

2.3 A DIFERENÇA ENTRE POSSE, PORTE E MANTER GUARDA

Alguns tipos objetivos encontrados no Estatuto do Desarmamento são a posse,

porte e manter sob guarda a munição, além de armas e acessórios.

Focando as formas típicas elencadas em alguns artigos do Estatuto do

Desarmamento, possuir significa estar na posse, fruir a posse, desfrutar, ter o ânimo de

propriedade do bem, diferente de mera detenção momentânea. É uma conduta permanente

mesmo que a posse seja exercida a distância. Tal conduta indica crime permanente.108

Porte exprime a condução ou ato de trazer consigo, com ou sem licença da

autoridade competente, quando fora de casa, armas, munição e acessórios de uso proibido.

O porte de um desses bens constitui crime, consoante a redação do Estatuto do

Desarmamento.

Entende-se manter sob guarda a manutenção da vigilância ou ter seu cuidado, em

nome próprio ou terceiro. A conduta pode ser à distância, bastando o exercício da guarda

do bem em questão. Difere da conduta ocultar (esconder), que é dificultar a localização.109

2.4 O PORTE, POSSE OU GUARDA ILEGAL DE MUNIÇÕES E SUAS PECULIARIEDADES

O Estatuto considera crime quem portar, possuir ou manter guarda qualquer tipo e

quantidade de munição. O entendimento é de que tal fato incide crime de perigo abstrato,

de mera conduta, ou ainda, de perigo presumido, sem a necessidade de perigo real e

concreto aos bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal. O calibre de uso permitido ou de

uso restrito Serpa determinante para a aplicação da pena. Enquanto a pena é de 1 a 3 anos

para munições de uso permitido, será de 3 a 6 anos de uso restrito.

O voto da Ministra ELLEN GRACIE no HC 81.057, ao referir-se ao perigo

108 Estatuto do Desarmamento. Fronteiras entre racionalidade e razoabilidade. p. 99-100.109 Ibiden., p. 100.

Page 42: Monografia - Final

49

presumido, esclarece:

“Vê-se assim, que o objetivo do legislador foi antecipar a punição dos

fatos que apresentam potencial lesivo à população [...], prevenindo a

prática de crimes como homicídios, lesões corporais, roubos etc.”

Contrariamente, o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, no voto do mesmo HC

81057, sustenta que o fato típico implique lesão efetiva ou potencial ao bem jurídico

tutelado, ainda que se trate de crime de mera conduta. A tese esposada faz fundo ao

Estatuto do Desarmamento, no qual consiste na impossibilidade da incriminação das

condutas de perigo abstrato, presumido, sem risco real de dano ao bem jurídico em

questão.

Verifica-se entendimentos conflitantes de Magistrados, assim como penas

superiores ou equivalentes no bojo das leis, como assim explicita-se demonstrando alguns

artigos do Código Penal pátrio:

Homicídio culposoArt. 121 – [...]§ 3º Se o homicídio é culposo: Pena - detenção, de um a três anos.

InfanticídioArt. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após:Pena - detenção, de dois a seis anos.

Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimentoArt. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:Pena - detenção, de um a três anos.

Corrupção de menores Art. 218.  Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem:  Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

Casa de prostituição

Page 43: Monografia - Final

50

Art. 229.  Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente:  Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa.

Tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual Art. 231-A.  Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

Entrega de filho menor a pessoa inidônea Art. 245 - Entregar filho menor de 18 (dezoito) anos a pessoa em cuja companhia saiba ou deva saber que o menor fica moral ou materialmente em perigo:  Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.

Abandono intelectualArt. 246 - Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar:Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.

IncêndioArt. 250 - Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem:Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa.

E na lei 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos

termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, seu artigo 8º traz a seguinte

redação:

Art. 8º Será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código Penal, quando se tratar de crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo.

Extrai-se, preliminarmente, que conflitos com o Princípio da Proporcionalidade,

assim como a não diferenciação entre crime de perigo concreto e perigo abstrato, e até

mesmo colocando no mesmo patamar crimes de grande repercussão social negativa, como

homicídios, infanticídios e abortos, como o crime de portar e possuir munições. A punição

possui a mesma severidade quando são comparadas as penas do crime de posse e outros

mais repulsivos aos olhos da sociedade.

Page 44: Monografia - Final

51

Da comparação acima, permite-se dizer que a legislação mais severa pode ser

fruto de uma ausência de controle das armas, munições e acessórios, utilizando, mais uma

vez, o Direito penal como instrumento de controle, assim verificado nos dias atuais no

recrudescimento da “Lei Seca”: em vez de aumentar o efetivo de pessoal e equipamentos,

investindo na logística e fiscalização, resolve-se os “entraves” e o clamor midiático criando

legislação mais severa.

2.5 MUNIÇÃO DE USO PERMITIDO E RESTRITO

A munição de uso permitido ou restrito se confunde com as armas nelas

empregadas.

O Decreto nº 3.665/2000, que regulamenta a fiscalização de produtos controlados

(R-105), descreve em seu artigo 3º quais são as armas de uso permitido e restrito:

XVII - arma de uso permitido: arma cuja utilização é permitida a pessoas físicas em geral, bem como a pessoas jurídicas, de acordo com a legislação normativa do Exército;

XVIII - arma de uso restrito: arma que só pode ser utilizada pelas Forças Armadas, por algumas instituições de segurança, e por pessoas físicas e jurídicas habilitadas, devidamente autorizadas pelo Exército, de acordo com legislação específica;

Já nos artigos seguintes da mesma carta legal:

Art. 15. As armas, munições, acessórios e equipamentos são classificados, quanto ao uso, em:I - de uso restrito; eII - de uso permitido.

Art. 16. São de uso restrito:

I - armas, munições, acessórios e equipamentos iguais ou que possuam alguma característica no que diz respeito aos empregos tático, estratégico e técnico do material bélico usado pelas Forças Armadas nacionais;II - armas, munições, acessórios e equipamentos que, não sendo iguais ou similares ao material bélico usado pelas Forças Armadas nacionais,

Page 45: Monografia - Final

52

possuam características que só as tornem aptas para emprego militar ou policial;III - armas de fogo curtas, cuja munição comum tenha, na saída do cano, energia superior a (trezentas libras-pé ou quatrocentos e sete Joules e suas munições, como por exemplo, os calibres .357 Magnum, 9 Luger, .38 Super Auto, .40 S&W, .44 SPL, .44 Magnum, .45 Colt e .45 Auto; (grifo nosso)IV - armas de fogo longas raiadas, cuja munição comum tenha, na saída do cano, energia superior a mil libras-pé ou mil trezentos e cinqüenta e cinco Joules e suas munições, como por exemplo, .22-250, .223 Remington, .243 Winchester, .270 Winchester, 7 Mauser, .30-06, .308 Winchester, 7,62 x 39, .357 Magnum, .375 Winchester e .44 Magnum; (grifo nosso)V - armas de fogo automáticas de qualquer calibre;VI - armas de fogo de alma lisa de calibre doze ou maior com comprimento de cano menor que vinte e quatro polegadas ou seiscentos e dez milímetros; (grifo nosso)VII - armas de fogo de alma lisa de calibre superior ao doze e suas munições; (grifo nosso)VIII - armas de pressão por ação de gás comprimido ou por ação de mola, com calibre superior a seis milímetros, que disparem projéteis de qualquer natureza; (grifo nosso)IX - armas de fogo dissimuladas, conceituadas como tais os dispositivos com aparência de objetos inofensivos, mas que escondem uma arma, tais como bengalas-pistola, canetas-revólver e semelhantes;X - arma a ar comprimido, simulacro do Fz 7,62mm, M964, FAL;XI - armas e dispositivos que lancem agentes de guerra química ou gás agressivo e suas munições;XII - dispositivos que constituam acessórios de armas e que tenham por objetivo dificultar a localização da arma, como os silenciadores de tiro, os quebra-chamas e outros, que servem para amortecer o estampido ou a chama do tiro e também os que modificam as condições de emprego, tais como os bocais lança-granadas e outros;XIII - munições ou dispositivos com efeitos pirotécnicos, ou dispositivos similares capazes de provocar incêndios ou explosões;XIV - munições com projéteis que contenham elementos químicos agressivos, cujos efeitos sobre a pessoa atingida sejam de aumentar consideravelmente os danos, tais como projéteis explosivos ou venenosos;XV – espadas e espadins utilizados pelas Forças Armadas e Forças Auxiliares;XVI - equipamentos para visão noturna, tais como óculos, periscópios, lunetas, etc;XVII - dispositivos ópticos de pontaria com aumento igual ou maior que seis vezes ou diâmetro da objetiva igual ou maior que trinta e seis milímetros;XVIII - dispositivos de pontaria que empregam luz ou outro meio de marcar o alvo;XIX - blindagens balísticas para munições de uso restrito;XX - equipamentos de proteção balística contra armas de fogo portáteis de uso restrito, tais como coletes, escudos, capacetes, etc; eXXI - veículos blindados de emprego civil ou militar.

Art. 17.   São de uso permitido:

I - armas de fogo curtas, de repetição ou semi-automáticas, cuja munição comum tenha, na saída do cano, energia de até trezentas libras-pé ou quatrocentos e sete Joules e suas munições, como por

Page 46: Monografia - Final

53

exemplo, os calibres .22 LR, .25 Auto, .32 Auto, .32 S&W, .38 SPL e .380 Auto; (grifo nosso)II - armas de fogo longas raiadas, de repetição ou semi-automáticas, cuja munição comum tenha, na saída do cano, energia de até mil libras-pé ou mil trezentos e cinqüenta e cinco Joules e suas munições, como por exemplo, os calibres .22 LR, .32-20, .38-40 e .44-40; (grifo nosso)III - armas de fogo de alma lisa, de repetição ou semi-automáticas, calibre doze ou inferior, com comprimento de cano igual ou maior do que vinte e quatro polegadas ou seiscentos e dez milímetros; as de menor calibre, com qualquer comprimento de cano, e suas munições de uso permitido; (grifo nosso)IV - armas de pressão por ação de gás comprimido ou por ação de mola, com calibre igual ou inferior a seis milímetros e suas munições de uso permitido;V - armas que tenham por finalidade dar partida em competições desportivas, que utilizem cartuchos contendo exclusivamente pólvora;VI - armas para uso industrial ou que utilizem projéteis anestésicos para uso veterinário;VII - dispositivos óticos de pontaria com aumento menor que seis vezes e diâmetro da objetiva menor que trinta e seis milímetros;VIII - cartuchos vazios, semi-carregados ou carregados a chumbo granulado, conhecidos como "cartuchos de caça", destinados a armas de fogo de alma lisa de calibre permitido;IX - blindagens balísticas para munições de uso permitido;X - equipamentos de proteção balística contra armas de fogo de porte de uso permitido, tais como coletes, escudos, capacetes, etc; eXI - veículo de passeio blindado.Art. 18.   Os equipamentos de proteção balística contra armas portáteis e armas de porte são classificados quanto ao grau de restrição – uso permitido ou uso restrito – de acordo com o nível de proteção, conforme a seguinte tabela:

Nível MuniçãoEnergia Cinética

(Joules)Grau De Restrição

I .22 LRHV Chumbo 133 (cento e trinta e três)

 

  .38 Special RN Chumbo

342 (trezentos e quarenta e dois)

 

II-A 9 FMJ 441 (quatrocentos e quarenta e um)

 

  .357 Magnum JSP 740 (setecentos e quarenta)

Uso permitido

II 9 FMJ 513 (quinhentos e treze)  

  .357 Magnum JSP 921 (novecentos e vinte e um)

 

III-A 9 FMJ 726 (setecentos e vinte e seis)

Page 47: Monografia - Final

54

  .44 Magnum SWC Chumbo

1411 (um mil quatrocentos e onze)

 

III 7,62 FMJ (.308 Winchester)

3406 (três mil quatrocentos e seis)

Uso restrito

IV .30-06 AP 4068 (quatro mil e sessenta e oito)

 

3 POSIÇÕES ADOTADAS NOS TRIBUNAIS SUPERIORES

3.1 POSIÇÃO ADOTADAS NO STF

As posições adotadas tanto pelo STF como o STJ, no que tange a posse e porte de

munição, não são bem definidas, se debatendo principalmente no bem jurídico tutelado e se

é o caso crime de perigo concreto ou crime de perigo abstrato:

Page 48: Monografia - Final

55

EMENTA. HABEAS CORPUS. PENAL. ART. 16 DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO (LEI 10.826/2003). PORTE ILEGAL DE MUNIÇÃODE USO RESTRITO AUSÊNCIA DE OFENSIVIDADE DA CONDUTA O BEM JURÍDICO TUTELADO. ATIPICIDADE DOS FATOS. OREDEM CONCEDIDA. I - Paciente que guardava no interior de sua residência 7 (sete) cartuchos munição de uso restrito, como recordação do período em que foi sargento do Exército. II -Conduta formalmente típica, nos termos do art. 16 da Lei 10.826/03. III - Inexistência de potencialidade lesiva da munição apreendida, desacompanhada de arma de fogo. Atipicidade material dos fatos. IV - Ordem concedida.  (Habeas Corpus 96.532-0 – Rio Grande do Sul – Relator Ministro Ricardo Lewandowski)

EMENTA: PROCESSUAL PENAL. PENAL. HABEAS CORPUS. PORTE DE MUNIÇÃO DE USO RESTRITO. ART. 16 DA LEI 10.826/2003. PERÍCIA PARA A COMPROVAÇÃO DO POTENCIAL LESIVO DA MUNIÇÃO. DESNECESSIDADE. SIGILO TELEFÔNICO JUNTADO AOS AUTOS APÓS AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE QUE NÃO PODE SER EXAMINADA SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. POSSIBILIDADE. DECISÃO ADEQUADAMENTE FUNDAMENTADA. IMPETRAÇÃO CONHECIDA EM PARTE E DENEGADA A ORDEM NESSA EXTENSÃO. I - A objetividade jurídica dos delitos previstos na Lei 10.826/03 transcende a mera proteção da incolumidade pessoal, para alcançar também a tutela da liberdade individual e de todo o corpo social, asseguradas ambas pelo incremento dos níveis de segurança coletiva que a lei propicia. II - Despicienda a ausência ou nulidade do laudo pericial da arma ou da munição para a aferição da materialidade do delito. (grifo nosso)III – A questão da nulidade decorrente do fato de o procedimento de quebra de sigilo telefônico ter sido juntado aos autos após a audiência de instrução e julgamento não pode ser conhecida, sob pena de indevida supressão de instância com o desbordamento dos limites de competência do STF descritos no art. 102 da Constituição Federal.IV – No caso, o magistrado, ao fixar a pena-base dos pacientes, observou fundamentadamente todas as circunstâncias judiciais constantes do art. 59 do Código Penal, especialmente a grande quantidade de substância entorpecente e a qualidade de mentores intelectuais ostentada pelos pacientes, o que justifica a fixação do quantum da pena acima do mínimo legal.V – Writ conhecido em parte, denegando-se a ordem na parte conhecida.(HC N. 93.876-RJ. RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI)

EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. PORTE DE MUNIÇÃO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA.Matéria que não foi analisada pelo Superior Tribunal de Justiça. Supressão de instância. Ausência de Lesividade da conduta. Inteligência do art. 14 da lei 10.826/2003. Tipicidade reconhecida. Crime de perigo Abstrato. Writ parcialmente conhecido e, nessa Extensão, denegada a ordem. (Habeas Corpus 113.295 São Paulo - Relator Min. Ricardo Lewandowski)

Da Ementa acima descrita, extrai-se parte do Voto do Ministro:

“Quanto ao segundo pedido, referente à atipicidade da conduta ante a

Page 49: Monografia - Final

56

ausência de lesividade, anoto que o porte ilegal de munição é crime de mera conduta, de modo que a existência ou não de potencialidade lesiva é questão irrelevante para a configuração do delito. Como se sabe, o Estatuto do Desarmamento, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo, em seu art. 14, tipificou criminalmente a simples conduta de portar munição, a qual isoladamente, ou seja, sem a arma, como é evidente, não possui nenhum potencial ofensivo.”

Por fim, coloca-se a Ementa do Acórdão 364.096, da 1º Turma Criminal do Tribunal

de Justiça do Distrito Federal e Território e as respectivas denegações do STJ e STF.

Destarte, comparamos com uma denúncia de repercussão nacional, comparando-se o local de

armazenamento dos objetos “criminosos” e as decisões proferidas:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. PORTE DESAUTORIZADO DE MUNIÇÃO DE USO PERMITIDO. PRETENSÃO À ABSOLVIÇÃO POR ATIPICIDADE DE CONDUTA. RÉU REINCIDENTE. PRETENSÃO À SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL E REGIME PRISIONAL ABERTO.1 O réu foi preso em flagrante na via pública de Ceilândia quando portava escondida na cueca seis munições de uso permitido sem autorização legal. Sua confissão foi corroborada pelas demais provas coligidas, autorizando a condenação pelo crime do artigo 14 da Lei 10.826/2003.2 A reincidência desautoriza o regime prisional aberto, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, medidas não recomendáveis socialmente.3 Apelação desprovida. (grifo nosso)

O processo acima descrito chegou ao Supremo Tribunal Federal, pelo Recurso

Ordinário em habeas Corpus 102.957, oriundo do Habeas Corpus 141.945, interposto no

Superior Tribunal de Justiça.

Abaixo, a decisão denegatória ao provimento do recurso descrito pela Relatora

Senhora Ministra Carmen Lúcia:

"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DE PORTE ILEGAL DE MINIÇÃO DE USO PERMITIDO (ART. 14 DA LEI 10.823/2003). DOSIMETRIA DA PENA. CONCURSO DE CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES E AGRAVANTES. ALEGAÇÃO DE QUA A CONFISSÃO ESPONTÂNEA DEVE PREPONDERAR SOBRE A AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA. IMPROCEDÊNCIA.1.A reincidência é uma circunstância agravante que prepondera sobre as agravantes, com exceção daquelas que resultam dos motivos determinantes do crime ou da personalidade do agente (art. 67 do Código Penal), hipóteses em que não se enquadra a atenuante de confissão espontânea. Precedentes.2.Recurso ao qual se nega provimento.

Page 50: Monografia - Final

57

Na decisão acima exposta, foi impetrado 2 (dois) anos e 3 (três) meses de reclusão

ao cidadão e pena pecuniária de 10 (dez) dias-multa, devendo cada dia-multa ser calculado à

razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato.

Compara-se ao caso do “dólar na cueca”, quando o assessor do Deputado José

Guimarães (PT-CE), o Sr. José Adalberto Vieira, foi preso no Aeroporto de Congonhas em

São Paulo com US$ 100 mil escondidos na cueca, e mais R$ 209 mil numa maleta de mão,

quando embarcava para Fortaleza. Na época, a linha de investigação do Ministério Público

era de que o dinheiro apreendido com Vieira seria de propina, fruto de vantagens ilegais

obtidas pelo consórcio Sistema de Transmissão do Nordeste S/A, cujo acionista majoritário

é a empresa Alusa (Companhia Técnica de Engenharia Elétrica S/A). O fato ocorreu no dia

8 de julho de 2005, em meio aos desdobramentos do mensalão, e precipitou o afastamento

do então deputado José Genoíno da presidência do PT. Vieira disse aos policiais que o

dinheiro tinha sido obtido com a venda de verduras.110

Entretanto, sete anos depois, A Primeira Turma do STJ acolheu, por unanimidade,

no dia 21 de junho de 2012, recurso para determinar que José Guimarães não figure mais

como réu na ação de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público Federal, em

tramitação na 10º Vara Federal em Fortaleza, embora ainda não haja até hoje, sentença

final de mérito e o processo ainda se encontre na fase das alegações finais.111

Hoje, o deputado federal José Guimarães (PT-CE), irmão do réu do mensalão José

Genoino, disse que depois das eleições o Partido dos Trabalhadores retomará o debate

sobre a regulamentação da mídia. Segundo o congressista, o partido em questão está

sendo alvo de uma “ação orquestrada” dos meios de comunicação. “Passadas as eleições,

nós do PT vamos tomar uma medida quer queiram, quer não queiram. É a regulamentação

da questão da comunicação no país. Vamos ter que enfrentar esse debate porque foi além

110 http://blogs.estadao.com.br/joao-bosco/justica-livra-jose-guimaraes-de-investigacao-dos-dolares-na-cueca/ - João Bosco Rabello. Política direto de Brasília. 28/07/2012.111 Ibiden.

Page 51: Monografia - Final

58

do limite”, declarou.112

Percebe-se dois pesos e duas medidas nas questões acima descritas. Qual o valor

social de 6 (seis) munições na cueca ou U$ 100 mil na cueca? Quais são as pessoas

envolvidas para que a Justiça seja imparcial? O controle da mídia é o mesmo quanto às

armas? Porque a população não pode empunhar armas para a sua legítima defesa ou ter

acesso à informação para ter o quadro verdadeiro da situação política no país? Há uma

relação entre o desarmamento e a política unipartidária semelhante a que ocorreu na

Alemanha, na China e na Coréia, onde a população foi castrada de seus direitos e teve suas

armas confiscadas para depois ser tiranizada? São questões para refletir, pois invariavelmente

o passado se repete, e só quem conhece a sua história sabe dos sinais do presente e os

possíveis resultados do futuro.

3.2 POSIÇÃO ADOTADA NO STJ

Assim como no STF, o Tribunal em comento também está distante de ter uma

posição definida quanto à posse e porte de munição no que se refere a lesão ou não lesão

ao bem jurídico:

EMENTA: HABEAS CORPUS . PENAL. CRIME DE PORTE DE MUNIÇÃO DE USO PERMITIDO. ART. 14 DA LEI N. 10.826/2003. CRIME DE PERIGO CONCRETO. RESSALVA DO ENTENDIMENTO DO RELATOR.1. Nos termos da linha jurisprudencial majoritária da Sexta Turma, adotada no presente julgamento pela Ministra Maria Thereza de Assis Moura e pelo Ministro Og Fernandes, para a ocorrência do crime de porte de munição, é necessária a demonstração de que a conduta tenha oferecido perigo concreto ao bem jurídico tutelado pela norma penal.2. Ressalva do entendimento do Relator, que concede a ordem por fundamento diverso.3. Ordem concedida para, cassando o acórdão e a sentença condenatórios, absolver o paciente com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal.(Habeas Corpus nº 194.468 - MS (2011/0007031-4) - Relator Ministro Sebastião Reis Júnior)

112 http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/68368-pt-discutira-regulacao-da-midia-diz-irmao-de-genoino.shtml. Daniel Carvalho. SÃO PAULO. 26 de setembro de 2012

Page 52: Monografia - Final

59

HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE MUNIÇÃO DE USO PERMITIDO. TIPICIDADE MATERIAL. PERÍCIA. PRESCINDIBILIDADE. CRIME DE MERA CONDUTA E DE PERIGO ABSTRADO. ORDEM DENEGADA.1. O crime de porte ilegal de munição é de mera conduta e de perigo abstrato, porque se consuma no simples fato de carregar consigo, sem autorização legal, os objetos apreendidos e a potencialidade lesiva é presumida, independe da comprovação, por perícia, do efetivoprejuízo ou lesão ao bem jurídico tutelado - proteção à sociedade. Precedentes.2. Ordem denegada.(HABEAS CORPUS Nº 163.776 - RJ (2010/0035522-7) – RELATOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE).

HABEAS CORPUS . PORTE DE ACESSÓRIO E MUNIÇÃO DE USO RESTRITO. POTENCIALIDADE LESIVA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. COAÇÃO ILEGAL NÃO EVIDENCIADA. CONDENAÇÃO MANTIDA. ORDEM DENEGADA.1. O simples fato de portar acessório e munição de uso restrito viola o previsto no art. 16 da Lei n.º 10.826/03, por se tratar de delito de perigo abstrato, cujo objeto imediato é a segurança coletiva.2. Havendo provas nos autos relativas à materialidade do crime de porte ilegal de munição de uso restrito, eventual apreensão de munições ou armas isoladas, ou incompatíveis com projéteis, não descaracteriza o crime previsto no art. 16 da Lei n.º 10.826/03, pois para o reconhecimento da prática desta infração penal basta o simples porte sem autorização da autoridade competente, razão pela qual não se pode dizer que tenha a Corte originária incidido em constrangimento ilegal ao reconhecer a sua configuração na espécie. 3. Ordem denegada.(HABEAS CORPUS Nº 243.978 - RJ (2012/0109985-3) - RELATOR MINISTRO JORGE MUSSI)

4. DAS PENAS

4.1 CONCEITO DE PENA

Inicia-se a busca do conceito de pena nas palavras de Kant, no qual dizia que “a

pena é um imperativo categórico, consequência natural do delito, uma retribuição jurídica,

pois o mal do crime impõe-se ao mal da pena, do que resulta a igualdade e só esta

igualdade traz justiça”.113

113 Manual de Direito Penal I. p.244.

Page 53: Monografia - Final

60

De Plácido e Silva traduz como sendo “mais propriamente o castigo, em regra de

natureza física, imposta ao criminoso ou ao contraventor”.114

Observa-se que o pesar das penas nas vidas dos condenados sempre foi alvo de

jurista e filósofos, consoante obra de Cesare Beccaria, Dos Delitos e das Penas:

“... para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser essencialmente pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcionada ao delito e determinada pela lei.”115

Cita-se também a obra de Francesco Carnelutti em As misérias do processo penal:

“Não se pode fazer uma nítida divisão dos homens em bons e maus. Infelizmente a nossa curta visão não permite avistar um germe do mal naqueles que são chamados de bons, e um germe de bem, naqueles que são chamados de maus. Essa curta visão depende de quanto o nosso intelecto não está iluminado de amor. Basta tratar o delinqüente, antes que uma fera, como um homem, para descobrir nele a vaga chamazinha de pavio fumegante, que a pena, ao invés de apagar, deveria reavivar.”116

Já Michel Foucault, em sua obra Vigiar e Punir, descreve a extensão da pena na

sociedade:

“seria hipocrisia ou ingenuidade acreditar que a lei é feita para todo mundo em nome de todo mundo; que é mais prudente reconhecer que ela é feita para alguns e se aplica a outros; que em princípio ela obriga a todos os cidadãos, mas se dirige principalmente às classes mais numerosas e menos esclarecidas; que, ao contrário do que acontece com as leis políticas ou civis, sua aplicação não se refere a todos da mesma forma39; que nos tribunais não é a sociedade inteira que julga um de seus membros, mas uma categoria social encarregada da ordem sanciona outra fadada à desordem: Percorrei os locais onde se julga, se prende, se mata. Um fato nos chama a atenção sempre; em toda parte vedes duas classes bem distintas de homens, dos quais uns se encontram sempre nos assentos dos acusadores e dos juízes, e os outros nos bancos dos réus e dos acusados.”117

Por sua vez, a Constituição Federal de 1988 classifica as penas em seu artigo 5º,

inciso XLVI:

114 Vocabulário Jurídico Conciso. p. 572.115 Cesare Beccaria. Dos delitos e das penas. http://www.oab.org.br/editora/revista/revista_08/e-books/dos_delitos_e_das_penas.pdf.116 Francesco Carnelutti. As misérias do processo penal. p. 14117 Michel Foucault. Vigiar e punir: nascimento da prisão. p. 303.

Page 54: Monografia - Final

61

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:a) privação ou restrição da liberdade;b) perda de bens;c) multa;d) prestação social alternativa;e) suspensão ou interdição de direitos;

E conforme artigo 32 do Código Penal, as espécies de pena são: I - privativas de

liberdade;II - restritivas de direitos;III - de multa.

Utilizando-se dos ensinamentos do De Plácido e Silva, este diferencia a pena de

detenção com a de reclusão, como sendo ”a de perda de liberdade ou pena de prisão”,

caracterizando como “o condenado recolhido à penitenciária ou estabelecimento apropriado

[...] sem isolamento ou reclusão”. E aquele sendo como a pena corporal ou de perda de

liberdade de maior gravidade que a de detenção, não podendo estar em contato pleno com

os demais detentos e ficando isolado dos demais condenados durante à noite.

Destarte, pena e sanção diferem, na medida em que pena é uma das formas de

sanção.

Sanção, no sentido de penal, significa o meio coercitivo disposto pela própria lei,

impondo ao seu mando ou ordenança, pondo em prática a observância de preceito legal.

Lembrando que sanção pode ter o entendimento de assentimento ou aprovação, como por

exemplo, ato do Chefe do Executivo confirmando a Lei votada pelo Legislativo,ratificada

concomitantemente com a promulgação e a publicação.118

4.2 A PENA NECESSÁRIA E A PENA SUFICIENTE

Rogério Greco quantifica a pena como necessária e suficiente. A princípio, registra-se a pena necessária:

118 Vocabulário Conciso Jurídico. P. 673

Page 55: Monografia - Final

62

“As penas, de acordo com a parte final do artigo 59 do Código Penal, devem ser aquelas necessárias e suficientes para a reprovação e prevenção do crime. [...]Sob o enfoque do Direito Penal da intervenção mínima, tem-se entendido que a finalidade do Direito Penal é a proteção dos bens mais importantes e necessários ao convívio em sociedade. Extrai-se daí sua natureza subsidiária, ou seja, em decorrência da gravidade de suas pernas, o Direito Penal somente poderá intervir quando se verificar que os outros ramos do ordenamento jurídico não são fortes o suficiente na proteção de determinado bem. O Direito Penal deve ser encarado como ultima ratio, e não como prima ratio. [...]A drasticidade da pena nos obriga concluir que a primazia na proteção dos bens deve ser concedida aos outros ramos do ordenamento jurídico, a exemplo do Direito Civil, do Direito Administrativo, do Direito Tributário etc. Somente quando se verificar a insuficiência dessa proteção é que surge o Direito Penal, como o mais forte de todos os ramos do ordenamento jurídico, visando dar a proteção que o bem merece, dada sua importância.”119

Já a pena suficiente, é registrada pelo autor como:

“O princípio da suficiência da pena deverá estar intimamente ligado ao princípio da proporcionalidade. Suficiente é a pena proporcional ao mal praticado pelo agente. [...]Não poderá o juiz, portanto, aplicar uma penal evidentemente rigorosa, se o caso concreto exigir uma punição mais branda, pois que suficiente à reprovação e prevenção do crime. [...]Pena suficiente, portanto, será aquela que, quantitativamente, melhor representar as funções de reprovar e prevenir os crimes, não podendo, outrossim, ficar além, ou mesmo aquém, das exigências do fato praticado pelo agente.”

A aplicação da pena deve ser seguida pelo Estado Social, e não Penal, consoante

as palavras do sociólogo Loïcw Acquant:

“A penalidade* neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com um "mais Estado" policial e penitenciário o "menos Estado" econômico e social que é a própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos os países, tanto do Primeiro como do Segundo Mundo. [...] ... a penalidade neoliberal ainda é mais sedutora e mais funesta quando aplicada em países ao mesmo tempo atingidos por fortes desigualdades de condições e de oportunidades de vida e desprovidos de tradição democrática e de instituições capazes de amortecer os choques causados pela mutação do trabalho e do indivíduo no limiar do novo século.”120

Seguindo esse raciocínio, Salo de Carvalho descreve:

119 Direito Penal do Equilíbrio. Uma visão minimalista do Direito Penal. p. 115-119120 Loïcw Acquant. As prisões da miséria. p. 4.

Page 56: Monografia - Final

63

“Entretanto, os atuais modelos repressivo-defensivistas prescrevem ao penal/carcerário uma função de ‘desterritorialização’ e ‘descartabilização’ do homem, retirando-lhe os principais vínculos com a cidadania. É que tais modelos entendem o direito penal desde uma lógica belicista na qual o desviante/delinqüente passa a ser considerado inimigo, e como tal deve ser eliminado ou neutralizado. Trata-se da enunciação do penal como garantia de todos contra um (o desviante), cujo efeito é legitimar a lei do mais forte. A diferença em relação ao estado de natureza (contraponto da modernidade) é que a vingança deixa de ser individual para se tornar coletiva; os resultados, porém, são similares, quiçá idênticos ou potencializados: a utilização emotiva e desproporcional da violência (institucional) contra aqueles (bodes expiatórios) que foram capturados pelo sistema.”121

Por fim, Rogério Greco cita que “A inevitável seletividade operacional da

criminalização secundária e sua preferente orientação burocrática [...] provocam uma

distribuição seletiva em forma de epidemia, que atinge apenas aqueles que têm baixas

defesas perante o poder punitivo”. 122

5 COMENTÁRIOS DE DOUTRINADORES ACERCA DOS ARTIGOS 12, 14 E 16 DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO.

Demonstra-se agora a posição dos juristas aos artigos relacionados ao presente

trabalho. As divergências são claras, alcançando a esfera doutrinária e a judiciária, tanto no

âmbito aquo como no ad quem:

Posse irregular de arma de fogo de uso permitido

Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda

121 Salo de Carvalho . Pena e garantias. p. 94.122 Rogério Greco APUD Eugênio Raúl ZAFFARONI, Nilo BATISTA, Alejandro ALAGIA, Alejandro SLOKAR, Direito Penal Brasileiro, vol. I, Rio de Janeiro, Revan, 2003, p. 114-130.

Page 57: Monografia - Final

64

no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa:Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (grifo nosso)

Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido

Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente.

Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito

Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato;II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz;III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado;V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente; eVI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo.

No tipo objetivo, são previstas duas condutas: possuir (ter em seu poder ou à sua

disposição), não se exigindo a propriedade; manter sob guarda (tomar conta, zelar, ter a

seu cuidado).123

Felício Soares possui o entendimento de que a posse exclusiva de munição afronta

a segurança pública, pois tal artefato, se colocado em circulação sem o devido regramento,

123 Roberto Delmanto. Leis Penais Comentadas. p. 627-628

Page 58: Monografia - Final

65

poderá vir a atingir objetividades jurídicas secundárias.124

No mesmo liame segue Guilherme de Souza Nucci, descreve que a conduta de

possuir arma como a de possuir apenas munição é igualmente perigosa para a segurança

pública, não enxergando infringência a nenhum princípio penal nessa interpretação.125

Luiz Flávio Gomes, no seu texto Arma desmuniciada versus Munição desarmada,

esclarece:

“...a munição desarmada (leia-se: munição isolada, sem chance de uso por

uma arma de fogo) [...] Não contam com nenhuma danosidade real. São

objetos (em si mesmos considerados) absolutamente inidôneos para

configurar qualquer delito. Todas essas condutas acham-se formalmente

previstas na lei (Estatuto do Desarmamento), mas materialmente não

configuram nenhum delito. Qualquer interpretação em sentido contrário

constitui, segundo nosso juízo, grave ofensa à liberdade e ao Direito penal

constitucionalmente enfocado.”126

Já Delmanto prima pela subjetividade do fato, preleciona:

“... pela gravidade da sanção imposta, somente podem ser considerados crimes condutas que violem ou coloquem em risco algum bem jurídico relevante à sociedade. No caso de acessórios re munições, pensamos que o legislador estava constitucionalmente autorizado a punir criminalmente condutas relativas a acessórios ou munições, embora talvez a contravenção penal fosse uma melhor solução. O que não se pode admitir, contudo, é a mesma previsão da mesma pena para condutas evidentemente de gravidades distintas. Não pode, de fato, ser punido com a mesma pena o agente que é surpreendido portando ilegalmente arma de fogo pronta para o uso, daquele que é encontrado com acessórios ou pequena quantidade de munição, sob pena de violação ao princípio da proporcionalidade. Caberá ao julgador, no caso concreto, encontrar a melhor forma de resolver o impasse”.127

Por sua vez, Guilherme Thums considera um dos maiores equívocos jurídicos do

Estatuto o nivelamento da munição com a arma de fogo. Primeiro, porque a munição só

124 Felício Soares. Manual sobre armas de fogo para operadores de Direito. p. 60125 Guilherme de Souza Nucci. Leis Penais e Processuais Comentadas. p. 84126

Luiz Fávio Gomes. Arma desmuniciada versus Munição desarmada. http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20040705160036824p&mode=print127 Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Júnior, Fábio M. de Almeida Delmanto. Leis Penais Especiais Comentadas. p. 637

Page 59: Monografia - Final

66

funciona com arma de fogo. Segundo, porque já existem normas penais para criminalizar a

posse legal de munição – arts. 180, “caput”, e § 1º, e 334 do Código Penal. E terceiro

porque é impossível lesar o bem jurídico criando uma situação de perigo à segurança

pública, com o objeto da incriminação. Há nítido excesso incriminador, maculando a norma

penal, tornando-a inconstitucional por excesso de incriminação, por violar os princípios da

lesividade, da necessidade e da intervenção mínima do Direito Penal.128

Tomemos como exemplo uma questão fictícia, em que há um mandado de busca e

apreensão de drogas. Quarto coletivo, com 4 pessoas, semelhante a uma "república". Em

vez de drogas, localizam meia dúzia de cartuchos, não deflagrados, em cima de uma

estante de uso coletivo. Não localizam a arma. Ninguém assume a responsabilidade pela

posse da munição. Indaga-se: Todos serão indiciados pela posse da munição? 

Esse mandado de busca e apreensão de drogas é válido para autuar as 4 pessoas por

posse ilegal de munição?

Em resposta, A Profa. Dra. Márcia Helena Bosch, Juíza de Direito, Titular II da 4º

Vara Criminal Central (Comarca de São Paulo), tem o entendimento de que:

“Todos os "moradores" deste quarto serão chamados a se explicar, e somente se a autoria for muito incerta, impossível de ser esclarecida, é que ninguém será processado. Claro que as pessoas, simplesmente por ocuparem aquele quarto, serão automaticamente responsabilizadas por aquela munição, mas no mínimo terão que colaborar para se chegar ao proprietário destas munições. Portanto, vai depender do rumo das investigações e das versões apresentadas tanto pelos que moram neste quarto, como pelo dono da "pensão", enfim, a polícia tentará chegar ate o real dono da munição, nas se podendo, aleatoriamente, se responsabilizar as pessoas que ocupam este quarto sem indícios sérios de autoria.A segunda parte é quanto ao mandado de busca e apreensão, que pode perfeitamente gerar uma prisão em flagrante por outro crime que não aquele que se investiga. Por exemplo, em uma investigação por tráfico, com um mandado de busca e apreensão, a polícia encontra um carro roubado na garagem do investigado e depois de esclarecido que ele não roubou o roubo, ele será processado por receptação.Assim, no cumprimento de um mandado de busca e apreensão, muitas coisas (alheias ao mandado e ao abjeto da investigação de onde saiu este mandado de busca), muitos desdobramentos podem ocorrer, não se podendo falar em validade e invalidade dele”.

128 Estatuto do Desarmamento. Fronteiras entre racionalidade e razoabilidade. p. 58-59

Page 60: Monografia - Final

67

Verifica-se a dificuldade em relacionar o bem a alguém, assim como salientar o

crime de perigo em relação ao bem jurídico. Não há algo concreto, somente hipóteses.

Por fim, Capez observa:

“A nova lei equiparou a posse ou o porte de acessórios ou munições à arma de fogo. [...] Não parece ser a medida mais justa, pois o projétil, sozinho, [...] pode não ter idoneidade vulnerante. [...] Em suma, quando ficar demonstrada a ineficácia absoluta do meio e, por conseguinte, a impossibilidade absoluta de exposição do bem jurídico a um perigo de lesão, o fato será considerado atípico.”129

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a busca pelas informações sobre o tema, percebe-se que o Estatuto do

Desarmamento conseguiu desarmar a população civil, mas não conseguiu diminuir a

violência.

Maias especificamente houve, no mínimo, um equívoco ao equiparar arma de fogo

com munição. A munição é incapaz de expor ao perigo a segurança pública, mesmo que

remotamente.

Há um excesso de criminalização, demonstrando uma obsessão legislativa de

punição a qualquer título. Outro equívoco foi o legislador não ter feito distinção de quantidade

e destinação da munição encontrada, deixando ao Juiz um bom senso de adequar o fato

concreto à lei. Entretanto, pela exposição de algumas decisões dos Tribunais Superiores, a 129 Fernando Capez. Estatuto do Desarmamento: comentários à Lei n. 10.826 de 22-12-2003. p. 57-58.

Page 61: Monografia - Final

68

indecisão doutrinária e jurisprudencial permeia os processos de posse e porte de munição.

Observa-se também, de modo superficial, algumas questões processuais, como por

exemplo a pena cominada de 3 a 6 anos no artigo 16 do Estatuto. Essa pena, de reclusão,

sem direito a fiança, vai de encontro ao artigo 5º, inciso LXVI da Carta Magna, que ninguém

será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória com ou sem

fiança.

Além disso, o sistema jurídico brasileiro somente veda a liberdade provisória em

crime graves, como por exemplo, o caso de crimes hediondos da Lei nº 8072/1990. Outra

Lei, como o da Tortura (Lei 9455/1977), não proíbe a concessão de liberdade provisória sem

fiança. O homicídio doloso simples admite a liberdade provisória com fiança.

Considerando a conduta de munição, face ao princípio da ofensividade, também

conhecido como princípio do fato ou da exclusiva proteção de bem jurídico, forçoso

reconhecer sua atipicidade.

Não há como reconhecer ofensa ao bem jurídico tutelado, no caso a segurança

coletiva, quando da infração penal não houver efetiva lesão ou real perigo de lesão ao bem

jurídico.

Partindo da premissa que não há delito quando a conduta não oferece perigo

concreto e real, ou seja, um ataque efetivo ao bem jurídico tutelado, limitar-se-á a pretensão

punitiva e intervencionista estatal, porquanto serão consideradas atípicas todas as condutas

sem conteúdo ofensivo.

Vale ressaltar os números apresentados pelo relatório do Escritório da Organização

das Nações Unidas contra drogas e Crimes (UNODOC), no qual foi utilizado por uma

reportagem da BBC, demonstrando o seguinte quadro comparativo:

“Baseado em estimativas colhidas em 2007, o relatório do UNODC diz que, nos Estados Unidos, havia 270 milhões de armas em posse da população, contra 15 milhões no Brasil.Não fica claro, entretanto, se os números são apenas de armamentos registrados, ou também se englobam estimativas de armas ilegais. O que fica claro é que os americanos vivem bem mais "armados" do que os brasileiros.

Page 62: Monografia - Final

69

Mas enquanto nos EUA a taxa de óbitos por arma de fogo é de 3,2 por 100 mil habitantes, no mesmo ano, em 2010, os brasileiros contavam 19,3 mortos por 100 mil.[...]Santos observa que a legislação contra armas no Brasil é muito mais dura que nos EUA, onde é fácil o acesso a armamentos."Mas o fato de haver uma legislação avançada na área não significa que o conjunto dos cidadãos avançou nesta área", diz.” 130

Atualmente, há o debate sobre o Projeto de Lei 3.722/2012131, que propõe a

revogação das normas restritivas à compra e ao porte de armas no país, em vigor há mais

de nove anos. Não seremos ingênuos a ponto de não perceber que há um lobby da indústria

armamentista por trás do projeto e questão. Entretanto, desarmar a população por completo

e tornar quase impossível o acesso às armas de fogo com o pretexto de preservar vidas,

dando o dever da segurança pública exclusivamente às nossas polícias, é uma posição

candural de que o Estado nos garante uma proteção contra qualquer mal externo que possa

infligir ao nosso patrimônio ou as nossas vidas. Uma política séria de posse legal de armas

e munições deve se iniciar com uma visão atual a sociedade, do que ela realmente

necessita, com deveres e direitos conforme a lacuna deixada pelo Estado e que, conforme

podemos constatar, não pode estar em todos os lugares e ao mesmo tempo. A espera no

atendimento de emergência 190, da Polícia Militar de São Paulo132, pode chegar a 3

minutos133. Para o consultor de segurança Felipe Gonçalves, a espera pode fazer diferença.

"Para alguém em perigo, pode ser uma eternidade".134

Além disso, percebe-se, em especial no Estado de São Paulo, a frágil sensação de

segurança dos últimos anos. No ano de 2012, após uma significativa diminuição de

homicídios por arma de fogo, uma ação da Ronda Ostensiva Tobias de Aguiar (ROTA) na

Favela Tiquatira, Zona Leste de São Paulo, deixou 6 mortos devido a uma suposta troca de

tiros. A Polícia Militar, a época, disse que 14 pessoas estavam reunidas no local para

130 http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/12/121218_armas_brasil_eua_violencia_mm.shtml. Maurício Moraes. Da BBC Brasil em Londres. Atualizado em  18 de dezembro, 2012131 http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=541857132 http://www.cidadao.sp.gov.br/servico.php?serv=2148133 http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/29881-espera-para-ser-atendido-no-190-chega-a-3-minutos-em-sao-paulo.shtml. Filipe Oliveira. São Paulo, quarta-feira, 07 de março de 2012134 Ibiden.

Page 63: Monografia - Final

70

articular o resgate de um preso. Todos os suspeitos teriam relação com o PCC (Primeiro

Comando da Capital).135 O local onde os suspeitos foram mortos, o Bar Barracuda, foi

destruído após um incêndio alguns meses depois.136 Houve também o agravante

testemunhado por uma pessoa que ligou para a Polícia, narrando à execução de um homem

no acostamento da Rodovia Ayrton Senna, corroborado com a imagem e uma das câmeras

usada na fiscalização da estrada137. Este homem estava no Bar Barracuda e deveria ser

levado para averiguações, fato que não ocorreu. Desse fato desencadeou uma quebra do

suposto “armistício” do Governo de São Paulo e o Primeiro Comando da Capital de maio de

2006, resultante das rebeliões em presídios e ataques contra policiais, com embates entre

os “irmãos” (membros do PCC) e policiais, principalmente militares, com toques de recolher

em alguns bairros da cidade de São Paulo. O acordo de “cessar fogo” incluiu a manutenção

dos principais membros do “Partido” em presídios que não há o RDD (Regime Disciplinar

Diferenciado), que quase impossibilita qualquer contato do preso com o mundo exterior.

Após a quebra do “acordo de cavalheiros”, houve no ano de 2012 houve um aumento de

34% dos homicídios em São Paulo.138 O PCC aplicou o artigo 18 do seu “Estatuto” que diz

que "Vida se paga com vida e sangue se paga com sangue", ou seja, para cada membro da

facção morto, um policial deveria ser assassinado.139

Porém, entre as vítimas, não estão apenas criminosos e policiais. Testemunhas e

pessoas que estavam no lugar errado e na hora errada têm engrossaram a estatística.

Entretanto, para o até então comandante da PM, Roberval França140, "o movimento atípico

135 http://coletivodar.org/2012/05/rota-mata-6-com-denuncia-de-tortura-e-pcc-reage-com-toque-de-recolher/. Thaís Nunes. 31/05/2012.136 http://noticias.r7.com/sao-paulo/noticias/incencio-destroi-casa-norturna-na-zona-leste-de-sp-20120622.html.  22/06/2012137 http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2012/05/justica-decreta-prisao-preventiva-de-tres-pms-suspeitos-de-execucao.html. 31/05/2012.138 http://estadao.br.msn.com/ultimas-noticias/em-2012-homic%C3%ADdios-crescem-34percent-em-s%C3%A3o-paulo. Daniel Trielli, estadao.com.br. 25/01/2013.139 http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,governo-federal-ve-embate-rota-pcc,936887,0.htm. Lisandra Paraguassu. 28 de setembro de 2012140 Sucedido pelo Coronel Benedito Roberto Meira.

Page 64: Monografia - Final

71

de mortes em São Paulo que surgiu nos últimos três meses "é motivado por disputas de

quadrilhas por pontos de venda de drogas e cobrança de dívidas”.141

Extrai-se da narração acima a ausência de um planejamento de segurança pública,

refletindo arbitrariedade nas ações policiais, fruto da ausência de uma política de segurança

pública e da grande divergência de renda que assola a população. Cidadãos residentes em

locais mais afastados dos grandes centros são alvos fáceis da marginalidade e de policiais

que se utilizam de violência. Na guerra não declarada entre marginalizados e polícia, além

de outros crimes não propriamente oriundos da facção e que se tornaram diários, grande

parte da população trabalhadora fica refém do próprio Estado, que suprime o seu direito de

se defender de qualquer ameaça ao seu patrimônio ou a vida da sua família. Os próprios

policiais, que deveriam defender a população, são alvos constantes da facção e vistos como

inimigos pela população mais carente.142

Portanto, um dos objetos do Estatuto, a proteção à vida, não está sendo amparado

de forma eficaz, pois o cidadão comum esta desarmado, o policial está desprotegido por

ineficácia do Estado, e o criminoso possui amplo acesso aos armamentos para continuar

com suas empreitadas. Hoje há a intensificação do comércio de armas (bocas, biqueiras

etc), corrupção e violência policial (ROTA, principalmente) e sensação de desordem social

aumentando a cada dia.

Diante dos argumentos expostos, rejeita-se o princípio que o Direito Penal deve ser

a ultima ratio, tendo o legislador a certeza de que a edição de uma norma penal resolverá o

problema da criminalidade. Isso encobre os principais problemas sociais, fonte da

criminalidade, que é a ausência de uma política séria e efetiva de educação, moradia,

saúde, segurança e lazer, conforme os direitos essenciais elencados no artigo 6º da

141 http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/11/121115_vitimas_violencia_sp_lk.shtml. Luis Kawaguti. 15/11/2012.142 Um policial é assassinado a cada 32 horas no Brasil. [...] Entretanto, este número pode ser ainda maior, uma vez que Rio de Janeiro e Distrito Federal não discriminam as causas das mortes de policiais fora do horário de expediente. O Maranhão não enviou dados. [...] São Paulo acumula quase a metade das ocorrências, com 98 policiais mortos, sendo 88 PMs. E só 5 deles estavam trabalhando. O Estado concentra 31% do efetivo de policiais civis e militares do país, mas responde por 43% das mortes desses profissionais em 2012. http://www.hojeemdia.com.br/m-blogs/r%C3%A1dio-patrulha-1.530/brasil-tem-um-policial-morto-a-cada-32-horas-229-morreram-este-ano-1.51320. 31/10/2012.

Page 65: Monografia - Final

72

Constituição Federal: “Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o

trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à

infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

Por fim, mais uma vez, há o entendimento que a conduta em debate redunda em

atipicidade, reservando-se a norma penal tão somente as hipóteses que efetivamente

reclamam uma atuação repressiva do Estado. Nas palavras de Marcelo Cunha de Araújo:

“Além de o problema das previsões das condutas classificadas como crime serem anacrônicas, apenas deveriam ser consideradas como infrações penais os atos que atingem os bens mais relevantes à comunidade. Uma vez que o legislador brasileiro tem a tendência de tentar apresentar uma solução imediata a problemas complexos por meio da criação de novas leis, o número de crimes inclina-se apenas a aumentar, gerando uma maior ineficiência do sistema”. 143

REFERÊNCIAS

ACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Título original: Les prisions de la misere. Tradução:

André Telles. Data da Digitalização: 2004. www.sabotagem.revolt.org.

ARAÚJO, Marcelo Cunha de. Só é preso quem quer: bastidores do sistema de punição

seletiva. 3º ed. rev. e atual. Niterói, RJ: Impetus. 2012.

BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. 2. ed. Rio de

Janeiro: Renovar, 2008.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas.

http://www.oab.org.br/editora/revista/revista_08/e-books/dos_delitos_e_das_penas.pdf.

143 Marcelo Cunha de Araújo. Só é preso quem quer: bastidores do sistema de punição seletiva. p. 105.

Page 66: Monografia - Final

73

BETTIOL, Giuseppe. BETTIOL, Rodolfo Instituições de direito e processo penal; tradução

por Amilcare Carletti. 1º edição. São Paulo: Editora Pillares. 2008.

BUENO, Luciano. Controle de armas: um estudo comparativo de políticas públicas entre

Grã-Bretanha, EUA, Canadá, Austrália e Brasil. São Paulo: IBCCRIM, 2004. 

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Vol. 01. Parte Geral. 9ª Ed. São Paulo. Saraiva.

2005.

CAPEZ, Fernando. Estatuto do Desarmamento: comentários à Lei n. 10.826 de 22-12-2003.

4º ed. atual. São Paulo: Saraiva. 2006.

CARNELUTTI, Francesco. Tradução: José Antonio Cardinalli, 1995. AS MISÉRIAS DO

PROCESSO PENAL. http://new.pensamientopenal.com.ar/04092007/doctri06.pdf

CARVALHO, Salo de. Antimanual de Criminologia. 4º edição. Rio de Janeiro: Lumen Iuris,

2011.

CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 3a edição, revista e atualizada. Editora Lumen

Juris. Rio de Janeiro, 2008.

CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Processo Penal: Doutrina e Prática.

Bahia: Editora JusPodvim. 2009.

DAOUN, Alexandre Jean et al. Estatuto do Desarmamento. Comentários e Reflexões - Lei

10.826/2003 – São Paulo: Quartier Latin. 2004.

DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 7º edição atualizada e ampliada. Rio de

Janeiro: Renovar. 2007.

DELMANTO, Roberto; JÚNIOR, Roberto Delmanto; DELMANTO, Fábio Machado de

Almeida. Leis Penais Especiais Comentadas Rio de janeiro: Renovar. 2006.

FIGUEIREDO, Simone Diogo Carvalho. Teoria Unificada: primeira fase / coordenação geral

Simone Diogo Carvalho Figueiredo. 3º ed. São Paulo: Saraiva. 2012 – (Coleção OAB

Nacional).

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel

Ramalhete. Petrópolis, Vozes, 1987. 288p. Do original em francês: Surveiller et punir.

Page 67: Monografia - Final

74

GRECO, Rogério. Direito Penal do equilíbrio: uma visão minimalista do Direito Penal. 6º

edição. Niterói, RJ: Impetus, 2011.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 12º edição ver., atual. e ampl. São

Paulo: Saraiva, 2008.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. FABRINNI, Renato N. Manual de Direito Penal, volume 1: parte

geral, arts. 1º ao 120 do CP. 24º ed. rev. e atual. até 31 de dezembro de 2006. 4º reimpr.

São Paulo: Atlas. 2008.

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 3º ed. rev. e

atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2008.

PRADO, Luiz Régis. Bem Jurídico-Penal e Constituição. 3º edição. Revisada e atualizada.

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2003.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico Conciso. 2º edição. Rio de Janeiro: Forense. 2010.

SOARES, Felício. Manual sobre armas de fogo para operadores de direito. Rio de Janeiro:

Impetus. 2011.

SILVA, César Dario Mariano da. Estatuto do Desarmamento de acordo com a Lei nº

10.826/2003. Rio de Janeiro: Forense. 2005.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32º edição. São Paulo:

Malheiros, 2009.

TOCCHETTO, Domingos. Balística Forense: aspectos Técnicos e Jurídicos. 6º ed.

Campinas, SP: Millenium Editora. 2011.

THUMS, Gilberto. Estatuto do Desarmamento. Fronteiras entre a racionalidade e a

razoabilidade. Comentários por artigos (análise técnica e crítica). 2º Edição. Rio de Janeiro:

Ed. Lumen Juris. 2005