Monografia emanuela silva, jogo simbólico

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VISÕES ACERCA DO JOGO SIMBÓLICO E SUA PRESENÇA NA PRÁTICA DE UMA INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO INFANTIL Emanuela Gonçalves da Silva Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação Vera Cruz Maria Paula Zurawski Orientadora RESUMO O jogo simbólico é uma atividade essencial na vida da criança, pois no ato de brincar ela tem oportunidade de estabelecer diferentes vínculos entre as características do papel assumido, suas competências, as características de outros papéis e as relações com a realidade. Buscando na literatura pedagógica fundamentação para esta importância, encontram-se as visões, até certo ponto distintas, de dois autores: Fröebel e Vygotsky. Ambos acreditam que a brincadeira é uma atividade de extrema importância para as crianças em idade pré-escolar, mas enquanto Fröebel apresenta a brincadeira como a principal atividade da infância, exclusiva deste período e relacionada a um estado de ingenuidade e pureza, Vygotsky crê que a brincadeira seja um fator importante para o desenvolvimento porque, na idade pré-escolar, a criança é marcada por mudanças que provocam uma revolução que implica em alterações qualitativas em sua vida. Assim, para Vygotsky, brincar é mais do que uma atividade para ter prazer, é uma atividade em que a criança transporta para o seu mundo imaginário o que compreende do mundo real, buscando entendê-lo. Embora opostas, a visão de Fröebel sobre o jogo infantil, mais naturalista, e a de Vygotsky, mais sócio-histórica, podem fundamentar a prática de uma professora de crianças de 5 a 6 anos numa instituição de Educação Infantil. Palavras-chave: Jogo simbólico. Fröebel. Vygotsky. 1 INTRODUÇÃO Por que as crianças brincam? Por que elas ficam tão entretidas durante as brincadeiras? Nós, professores, podemos encontrar alguma chave para a compreensão de como as crianças pensam e se desenvolvem, observando as suas brincadeiras? Muitos estudiosos da infância se fizeram essas perguntas, mas elas continuam sendo de grande interesse e nos intrigando.

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VISÕES ACERCA DO JOGO SIMBÓLICO E SUA PRESENÇA NA PRÁTICA DE

UMA INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Emanuela Gonçalves da Silva Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação Vera Cruz Maria Paula Zurawski Orientadora

RESUMO

O jogo simbólico é uma atividade essencial na vida da criança, pois no ato de brincar ela tem oportunidade de estabelecer diferentes vínculos entre as características do papel assumido, suas competências, as características de outros papéis e as relações com a realidade. Buscando na literatura pedagógica fundamentação para esta importância, encontram-se as visões, até certo ponto distintas, de dois autores: Fröebel e Vygotsky. Ambos acreditam que a brincadeira é uma atividade de extrema importância para as crianças em idade pré-escolar, mas enquanto Fröebel apresenta a brincadeira como a principal atividade da infância, exclusiva deste período e relacionada a um estado de ingenuidade e pureza, Vygotsky crê que a brincadeira seja um fator importante para o desenvolvimento porque, na idade pré-escolar, a criança é marcada por mudanças que provocam uma revolução que implica em alterações qualitativas em sua vida. Assim, para Vygotsky, brincar é mais do que uma atividade para ter prazer, é uma atividade em que a criança transporta para o seu mundo imaginário o que compreende do mundo real, buscando entendê-lo. Embora opostas, a visão de Fröebel sobre o jogo infantil, mais naturalista, e a de Vygotsky, mais sócio-histórica, podem fundamentar a prática de uma professora de crianças de 5 a 6 anos numa instituição de Educação Infantil.

Palavras-chave: Jogo simbólico. Fröebel. Vygotsky.

1 INTRODUÇÃO

Por que as crianças brincam? Por que elas ficam tão entretidas durante as brincadeiras?

Nós, professores, podemos encontrar alguma chave para a compreensão de como as crianças

pensam e se desenvolvem, observando as suas brincadeiras? Muitos estudiosos da infância se

fizeram essas perguntas, mas elas continuam sendo de grande interesse e nos intrigando.

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Para Fröebel, educador alemão do século XIX e criador dos jardins de infância, “a

brincadeira é a fase mais alta do desenvolvimento da criança, pois ela é a representação auto-

ativa – representação do interno da necessidade e do impulso interno” (FRÖEBEL apud

ARCE, 2004). O autor valoriza muito a brincadeira e a apresenta como uma atividade

exclusiva da infância, relacionada a um estado de ingenuidade e pureza.

Além de ver a brincadeira como algo de suma importância para a vida da criança,

Fröebel a associa a algo prazeroso. Para ele, “ao brincar a criança se sente feliz, encontra paz

e harmonia nessa atividade” (FRÖEBEL apud ARCE, 2004).

Anos depois, durante os primeiros anos pós-revolução russa, o psicólogo Lev

Semenovich Vygotsky pesquisou o papel da educação no desenvolvimento infantil. Nesse

sentido, afirma, de maneira oposta a Fröebel: “a criança não brinca para chegar a um resultado

que satisfaça alguma necessidade, uma vez que a brincadeira é uma das atividades humanas

que têm uma razão em si mesma” (VYGOTSKY, 1998, p.123). A brincadeira, para Vygotsky,

é uma atividade que envolve muito mais do que o prazer. Ao brincar, a criança transporta para

sua atividade o que compreende sobre a atividade do homem e suas relações sociais e de

trabalho.

Neste trabalho apresentarei uma pesquisa na qual analisarei uma série de situações

envolvendo crianças de seis anos no ato de brincar e entrevista com sua professora, buscando

compreender o que pensa sobre jogo simbólico. As análises serão feitas à luz das principais

idéias de Fröebel e Vygotsky em relação à brincadeira.

2 AS PRINCIPAIS IDÉIAS DE L. S. VYGOTSKY E FREDERIC FRÖEBEL EM

RELAÇÃO AO JOGO SIMBÓLICO

Antes de confrontar as idéias de Fröebel e Vygotsky, não podemos nos esquecer do

contexto social e cultural em que Fröebel viveu e seu pioneirismo, considerando que ele

formulou concepções em uma época em que a Psicologia ainda não havia surgido no campo

da ciência.

O foco central de comparação concentra-se nas distintas concepções dos dois autores a

respeito do jogo simbólico.

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A concepção de Fröebel é fundamentada na idéia de uma lei eterna e divina, que guia

o desenvolvimento de todos os seres na Terra. Para o autor, Deus é o principio de tudo e a

vida do homem deve buscar harmonia com a divindade e com todas as criações divinas.

Sendo assim, depois do homem perceber que há uma essência divina em cada coisa

que existe sobre a Terra, ele deve procurá-la no interior de si mesmo para então cultivá-la e

exteriorizá-la em suas criações. Desde a primeira infância, o homem deve estar em contato

com a divindade para obter harmonia com Deus e a natureza.

Em toda a obra A Educação do homem, citada por Arce (2004), perceberemos a

constante comparação do desenvolvimento da criança com uma semente: “a criança para

Fröebel é como uma semente a ser cultivada” (ARCE, 2004). Todo homem, após ser

cultivado como “semente”, deveria atingir seu autoconhecimento e a aceitação de seu lugar na

Terra. Para Fröebel, o principio a partir do qual todos os homens seriam iguais se encontrava na relação entre infância e natureza. Somente conhecendo as relações entre infância, natureza e Deus é que poderíamos presentear cada individuo com autoconhecimento e a aceitação do seu lugar aqui na em nossa sociedade (FRÖEBEL apud ARCE, 2004).

As idéias de Fröebel contribuíram significativamente para que o brincar passasse a ser

visto com seriedade, ganhando significação na sociedade e reconhecimento da importância

para o desenvolvimento infantil.

Além de valorizar a brincadeira como uma atividade de suma importância, Fröebel

também a associa ao prazer. O pensamento de Fröebel baseia-se numa concepção natural e

universal da infância, ou seja, na idéia de que este é um período pelo qual todas as crianças

passam, independentemente da época ou lugar em que nascem, das influências que recebem e

da cultura em que estão inseridas.

Para o autor, o brincar é a atividade principal desta faixa etária e forma privilegiada da

criança expressar seu mundo interior, de se conhecer e de se harmonizar com a tríade da

Unidade Vital – Homem, Deus e Natureza. A brincadeira, além de proporcionar que a criança

descubra a essência divina, também leva o adulto, que observa a criança brincando, a

descobrir como essa essência está inserida nos planos do Criador para os seres humanos.

No inicio do século XX, após a Revolução Russa, Lev Semenovich Vygotsky

pesquisou o desenvolvimento infantil e também a brincadeira e os brinquedos.

Ao contrário de Fröebel, que apresenta uma concepção natural e universal de infância,

Vygotsky via a infância e seu desenvolvimento fortemente ligados à educação, a sociedade e

ao momento histórico no qual a criança vive. Ou seja, mesmo crianças que vivem na mesma

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época histórica podem apresentar diferentes processos de desenvolvimento em conseqüência

das diferenças econômicas, históricas, sociais e culturais existentes em suas atividades.

Tanto para Fröebel como para Vygotsky, a brincadeira também é a atividade principal

das crianças em idade pré-escolar. Mas o autor tem uma visão totalmente diferente da

fröebeliana. A brincadeira somente se constitui como atividade principal porque essa idade é

marcada por uma mudança de fase que provoca uma revolução que implicaria alterações

qualitativas na vida da criança.

Segundo Vygotsky, A brincadeira é a atividade principal da infância porque cria uma zona de desenvolvimento proximal da criança, ou seja, no brinquedo a criança realiza ações que estão além do que sua idade lhe permite realizar, agindo no mundo que a rodeia tentando apreendê-lo (apud ARCE, 2004).

Quando a criança brinca, utiliza-se da imaginação para realizar operações que são

impossíveis de realizar sozinha, em razão de sua idade. A criança reproduz, ao brincar,

situações reais do mundo em que vive, mas para que essas situações possam ser vivenciadas,

utiliza-se das ações de caráter imaginário, entrando em cena o faz-de-conta. Para entender isto

melhor, pode-se dar o exemplo de quando a criança brinca de boneca. Ao brincar, a criança

repete situações ou acontecimentos presentes da vida adulta, como amamentar o bebê. Por

isso, o papel do brinquedo para Vygotsky, “é muito mais a lembrança de alguma coisa que

realmente ocorreu do que a imaginação” (apud ARCE, 2004). É por meio da brincadeira que

ela compreende coisas sobre o mundo que a cerca, sobre a atividade do homem e suas

relações sociais e de trabalho: Na brincadeira a criança cria uma ruptura entre a ação e o significado do brinquedo. No brinquedo, o pensamento encontra-se separado dos objetos e a ação da criança surge a partir das idéias e não das coisas. Um pedaço de madeira para a criança pode se tornar uma mamadeira ou um boneco, mas nem todos os objetos podem se transformar em qualquer outra coisa porque é extremamente difícil para a criança separar o pensamento do objeto. Aqui vale ressaltar que a criança não realiza essa ruptura antes de iniciar a brincadeira e nem depois de encerrá-la, essa ação ocorre somente durante a atividade. Antes ou depois da brincadeira, o objeto que ela havia nomeado como outra coisa tem a sua própria função e o que ela nomeou durante a brincadeira deixa de ser considerado após o término da atividade (VYGOTSKY,1998, p.128).

Por fim, para Vygotsky (1998, p. 133) “o brinquedo não é o aspecto predominante da

infância, mas é o fator primordial para o desenvolvimento da criança”. Apesar de a relação brinquedo – desenvolvimento poder ser comparada à relação instrução-desenvolvimento, o brinquedo fornece ampla estrutura básica para mudanças das necessidades e da consciência (VYGOTSKY, 1998. p.135).

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3 APRESENTAÇÃO DAS OBSERVAÇÕES REALIZADAS EM UMA INSTITUIÇÃO

DE EDUCAÇÃO INFANTIL NO MUNICÍPIO DE ITAPECERICA DA SERRA

As observações foram realizadas em uma creche situada no município de Itapecerica

da Serra, SP. Essa instituição atende crianças de 1 a 6 anos. Cada sala tem duas professoras e

aproximadamente 25 crianças.

É um local agradável. Possui um amplo jardim. Tem um parque com o chão coberto

de areia, escorregador, balanço e túnel. Possui também um salão com um palco para

apresentações das crianças e festas realizadas pela escola. As salas são pequenas, com vários

cartazes espalhados de maneira organizada pela sala, produções dos alunos e fotos dos

mesmos.

Como as crianças ficam na escola o dia todo, o horário é dividido em duas etapas. No

período da manhã, a educadora realiza as atividades pedagógicas, contemplando os eixos

Linguagem Oral e Escrita, Matemática, Natureza e Sociedade, Artes Visuais, Movimento e

Música. No período da tarde, a educadora contempla o brincar, programando sua rotina com

brincadeiras livres, brincadeiras de roda, brincadeiras dirigidas e faz-de-conta.

As observações foram realizadas com as crianças do 3º estágio – crianças de 5 e 6

anos. Em todas as observações, notei que o faz-de-conta é vivenciado entre as crianças. A

professora brinca com seus alunos e os alunos se expressam através das brincadeiras.

Relatarei a seguir três situações de faz-de-conta que observei nessa escola.

3.1 Primeira situação

A primeira situação observada foi relacionada ao faz-de-conta de médico. As crianças

estavam sentadas em roda e a professora iniciou uma conversa:

Professora: O que se encontra em um hospital?

Aluno 1: Cama, remédio, TV.

Aluno 2: Aquele negócio que faz assim.

Professora: Injeção? (o aluno sinaliza com a cabeça confirmando.)

Aluno 3: Soro, mala.

Professora: Mala? Mas quem usa mala?

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Aluno 3: O médico.

Professora: Então muito bem, agora nós vamos nos organizar para brincar. O que

precisamos fazer para transformar a sala em um hospital?

Aluno 4: Precisamos arrumar as camas.

Professora: Então eu vou escolher quem vai arrumar, está bem?

Alunos: Sim.

A professora solicitou a quatro crianças que arrumassem duas mesas e colocassem

dois colchonetes em cima das mesmas para servirem de maca. A outras quatro, que

arrumassem as cadeiras para ser o local de espera e, a uma outra, que colocasse uma cadeira

ao lado de cada maca para ser o local do acompanhante.

Após a arrumação da sala, a professora conversou com os alunos, explicando que,

como a turma é grande, eles teriam que se dividir para que todos pudessem brincar; portanto,

alguns seriam médicos, outros, os pacientes e haveria, ainda, uma atendente. Ela perguntou

quem gostaria de ser o médico e, rapidamente, quase todos os alunos levantaram a mão. Então

a professora elegeu oito crianças para serem os médicos e uma para ser a atendente.

Depois da escolha dos papéis, iniciou-se a brincadeira. Enquanto os médicos se

posicionavam em suas macas com suas injeções e remédios, a atendente chamava a primeira

paciente.

Atendente: O que você tem?

Paciente: Estou com dor aqui – aponta para a garganta.

Atendente: Você vai para a sala da Nathalia. Você vai tomar uma picadinha (risos).

A paciente se encaminhou para a maca e a “médica” começou a examiná-la.

Médica: Abre a boca - ela colocou um palito de sorvete na boca da paciente - Você vai

ter que tomar esse remédio aqui de quatro em quatro horas.

Enquanto a “médica” Nathalia terminava de examinar a paciente, a “médica” Nicolly

atendia uma menina que chegou falando:

Paciente: Estou grávida e estou passando mal.

Depois, ela fingiu desmaiar e a acompanhante a colocou em cima da maca.

Médica: Seu filho está nascendo, aperta, aperta.

Paciente: Ai, ai, ai. Vai nascer.

A médica fingiu segurar uma criança.

Médica: Seu filho nasceu, toma. É um menino.

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Todas as crianças que eram pacientes passaram no hospital e receberam seus

remédios. A maioria delas contou que estava com dor na garganta e tomou injeção. Algumas

crianças, enquanto aguardavam serem chamadas, ficaram brincando nas cadeiras. Eles

começaram a cantar e ficaram conversando.

Passado um tempo, a professora sugeriu que mudassem os personagens, ou seja, quem

era médico, passou a ser paciente, e vice-versa. Os alunos concordaram e trocaram

rapidamente.

A atendente chamou o primeiro paciente, que era a professora. Ela foi encaminhada a

passar com o médico João Vitor.

O médico, ao examinar a professora, começa a dizer:

Médico: Quantos dedos têm aqui?

Paciente: Cinco.

Médico: Vamos ter que tirar um raio-x.

Paciente: Está bem.

Médico: Ai, seu raio-x está muito mal.

Acompanhante: Doutor, qual é o estado dele?

Médico: Ele vai ter que ficar internado por três dias, o pulmão dele não está nada bem.

E ele terá que tomar todos esses remédios aqui, antes de dormir e quando acordar.

Enquanto a professora estava sendo examinada, alguns alunos começaram a dispersar

e brincar de outras coisas. A segunda brincadeira foi de guerra, mas a professora percebeu

rapidamente que a brincadeira estava seguindo outro rumo e resolveu interromper, pedindo

para que todos sentassem em roda e, em seguida, pedindo para que todos organizassem essa

sala.

3.1.1 Análise da primeira situação

Pelo início da conversa entre os alunos e a professora, percebe-se que as crianças já

conhecem as coisas mais importantes que há dentro de um hospital, porque falam dos objetos

que vêem em todos hospitais que já freqüentaram, como cama, remédio, televisão, injeção,

soro e a mala do médico. Também sabem como funciona e de que maneira é organizado o

local para eles brincarem.

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A escolha dos papéis não ocorreu de uma forma espontânea entre as crianças, pois a

professora elegeu o que cada um iria ser durante a brincadeira. As crianças, a meu ver,

deveriam, primeiro, ter a oportunidade de explorar todos os brinquedos e depois escolher o

que gostariam de ser no momento da brincadeira, exercitando livremente a escolha e o

revezamento de papéis. Quando a professora impõe o que cada aluno vai ser durante a

brincadeira, a criança acaba não desenvolvendo a capacidade de escolha; ela sempre vai ser o

que pedirem para ela interpretar, mesmo se não for de sua vontade.

Durante a manutenção do jogo, as crianças trouxeram assuntos do mundo real para o

mundo imaginário através de suas falas, lembranças e ações. É o que observamos, por

exemplo, no diálogo entre a “médica” Nicolly e sua “paciente” grávida, de quem acaba

fazendo o parto. Na época da observação, as crianças puderam ter contato com algumas

professoras grávidas que trabalhavam no local. O acompanhamento de uma gravidez sempre

gera muita curiosidade entre as crianças. Além disso, seus diálogos podem atestar que essas

crianças já houvessem acompanhado as próprias mães ou pessoas próximas a consultas com

obstetras. Outra hipótese também é a de que essas crianças tenham presenciado cenas de

atendimento a gestantes ou partos na televisão, nas quais a representação de situações do

cotidiano são bastante realistas e impactantes. As cenas assistidas pelas crianças são

rapidamente incorporadas a suas brincadeiras.

As representações do jogo eram alimentadas por objetos disponibilizados para a

brincadeira, como as caixas de injeção e as seringas de brinquedo. Os objetos ajudam a criar

um cenário, que por sua vez, alimenta a imaginação das crianças. É nesse cenário que surgem

enredos e conversas muitas vezes surpreendentes, atestando o que Vygotsky fala sobre o fato

de, na brincadeira, a criança parecer ser mais velha do que na verdade é:

Médico: Quantos dedos têm aqui?

Paciente: Cinco.

Médico: Vamos ter que tirar um raio-x.

Paciente: Está bem.

Médico: Ai, seu raio-x está muito mal.

Acompanhante: Doutor, qual é o estado dele?

Médico: Ele vai ter que ficar internado por três dias, o pulmão dele não está nada bem.

E ele terá que tomar todos esses remédios aqui, antes de dormir e quando acordar.

Nessa transcrição, a criança representa fielmente o papel do médico, incorporando

suas falas e ações em sua representação, além de agir como se tivesse uma idade superior à

que possui.

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A regra gerada e mantida em toda a brincadeira foi a de uma ou mais crianças fingirem

fielmente que estavam passando mal, para então serem levados ao hospital, acompanhados

por um colega, onde eram medicados.

A professora esteve presente durante toda a brincadeira. No primeiro momento ela

ficou observando as crianças e depois brincou com eles, deitando na maca e fingindo ser

medicada, assim como todas as outras crianças.

3.2 Segunda situação

Nessa segunda situação, observei as crianças brincando de faz-de-conta de

cabeleireiro. Notei que para realizar a atividade de faz-de-conta, a professora utilizou a

mesma estratégia inicial. Antes de iniciar a brincadeira, sentou-se com os alunos em roda.

Professora: Hoje nós vamos brincar de cabeleireiro. Trouxe a caixa com os

brinquedos, mas falta organizarmos a sala para ficar parecida com um salão de cabeleireiro,

então como podemos fazer? O que podemos trazer a mais para dentro da sala?

Aluno: Tia, a gente pode pegar aqueles potinhos e encher com água e também pegar o

espelho?

Professora: Hum, bem lembrado. Faltaram o espelho e os potes com a água. Como nós

podemos organizar a sala?

Aluno: Temos que colocar algumas cadeiras para os clientes e arrumar onde a gente

faz a unha e arruma o cabelo.

Professora: Então vamos organizar alguns grupos para arrumarmos a sala. Vou

escolher agora, está bem?

Alunos: Sim.

Professora: A Nathalia, a Nicoly, a Paolla e a Marina vão arrumar o local para fazerem

a unha. O Everton, o João Vitor e o Natan arrumarão o local para cortar o cabelo. A Rayanne

e o Lucas vão encher os potes com água. O Matheus e o Stalone vão arrumar o local para os

clientes esperarem. E o João Vitor Lobo vai pegar o espelho na sala da coordenadora.

As crianças se organizaram rapidamente e transformaram a sala em um grande salão

de beleza. Elas utilizaram os materiais que a professora trouxe para incrementar o salão, como

os potes de xampu, condicionador, esmaltes, pentes, perfumes etc.

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Depois que tudo ficou organizado, foi o momento de escolher os papéis. A professora

pediu para levantar a mão quem gostaria de ser cabeleireiro. Uns seis meninos levantaram a

mão e a professora aceitou. Depois ela perguntou quem gostaria de ser manicura, e, como

quase todas as meninas levantaram a mão, ela escolheu três para esse papel. No momento da

escolha, um aluno interrompeu a professora:

Aluno: Tia, para o salão ficar mais legal ainda falta massagista e barbeiro.

Aluna: É mesmo, eu posso ser a massagista?

Professora: Hum, bem lembrado. Alguém mais, fora a Aline, gostaria de ser

massagista? (Nesse momento uma menina e dois meninos levantaram as mãos.)

Professora: E quem gostaria de ser o barbeiro?

O mesmo menino que sugeriu esse papel e mais um outro colega se dispôs a assumi-

lo.

Após a escolha dos papéis, cada aluno assumiu seu posto e começaram a brincar. As

outras crianças que foram a clientela, sentaram-se nas cadeiras de espera para começarem a

ser atendidas.

As meninas chamaram a professora para fazer a unha e receber uma massagem nos

pés. Ela sentou na cadeira e a aluna começou a dizer:

Aluna: Tia, você está precisando tirar as cutículas e esse esmalte das unhas, porque

está muito feio, não pode sair com as unhas dessa maneira!

Professora: É porque eu estava sem dinheiro e não podia fazer as unhas.

Aluna: Mas você não pode fazer em casa? Minha mãe tira o esmalte das suas unhas e

pinta de novo sozinha. Uma vez ela também pintou as minhas unhas e colocou uma estrelinha

em cada unha.

Professora: Mas eu não sei fazer minhas próprias unhas, por isso eu preciso sempre de

uma manicura.

Aluna 2: Professora, você está com muitos calos no pé e essas unhas precisam ser

cortadas.

Professora: Aiai, então tratem de me deixar agora bem bonita já que vocês estão vendo

os meus defeitos (risos).

Enquanto a professora brincava com as meninas, os meninos acharam um sabonete no

armário da sala e passaram no rosto até fazer muita espuma e fingiram estarem se barbeando.

Os meninos começaram a dizer:

Aluno: Meu pai falou que só quando eu crescer que eu vou poder fazer minha barba.

Não vejo a hora de ter pêlos na cara.

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Aluno 2: Um dia eu vi meu pai fazendo a barba e ele se cortou, daí saiu muito sangue.

Eu não quero me machucar, porque senão vou acabar tendo que tomar injeção.

Além dos meninos estarem brincando de barbeiro, também havia alguns alunos que

fingiam que estavam cortando e penteando o cabelo.

As meninas praticamente tomaram um banho com a água que trouxeram para a sala.

Molharam seus cabelos e pentearam de diferentes maneiras. Uma aluna havia trazido um

batom em sua bolsa e começou a passar em todas as outras meninas.

A professora, observando a brincadeira dos alunos, chamou todos e propôs um desfile

para mostrarem como ficaram os penteados e as unhas que as meninas fizeram, Os alunos

concordaram e logo se iniciou o desfile.

A brincadeira acabou logo após o desfile de penteados.

3.2.1 Análise da segunda situação

Assim como na primeira situação, na segunda a professora utiliza a mesma estratégia

para iniciar o jogo: a roda de conversa. Parece que a professora acredita fielmente que as

situações de faz-de-conta devam se iniciar a partir de uma roda. Entretanto, sabemos que as

situações de jogo simbólico podem surgir de várias maneiras, e, nesse sentido, o professor

poderia contribuir para a ampliação do repertorio de brincadeiras das crianças organizando o

material e o espaço onde acontece o jogo. Esse tipo de intervenção poderia ser mais valioso

do que iniciar o jogo com uma roda de conversa na qual se definem os papéis de cada criança

de antemão. Antes de receber os alunos na sala, a professora poderia ter deixado o local

previamente organizado com os materiais adequados e quando as crianças chegassem, sua

função seria primeiramente a de observar como ocorreria o inicio do jogo, e depois fazer as

intervenções necessárias.

A distribuição dos papéis e de como organizar o local ocorre da mesma forma que na

primeira situação observada. A meu ver, parece que as situações de jogo simbólico

organizadas pela professora têm por trás uma concepção de que a organização do jogo e

manutenção do mesmo deva ocorrer sempre da mesma maneira, e que qualquer mudança de

interesse das crianças indica que o jogo não deu certo.

Porém, mesmo com a professora criando toda uma situação inicial, as crianças

trouxeram sua própria experiência vivida à situação recriando-as. Dessa proposta de faz-de-

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conta, as crianças de ambos os sexos participam muito, tanto as meninas, que parecem

preocupadas com a aparência quando fazem as unhas e arrumam os cabelos, quanto os

meninos, que aparentam querer imitar os pais, fingindo fazer a barba e querendo logo que

apareça algum pêlo no rosto, além de colocar em suas falas as visões que possuem sobre o

mundo que os cerca.

A professora cumpre o mesmo papel que realizou na primeira situação observada.

Primeiro, o de olhar o grupo, conferir a participação das crianças e observar como estão

envolvidos na brincadeira. Depois, o de brincar com as crianças, participando e intervindo na

medida do possível.

3.3 Terceira situação

A terceira situação de observação ocorreu no gramado da escola, com sucatas e

brinquedos mais velhos. A professora levou os alunos e sentou com eles em uma parte do

gramado. As crianças deram inicio à brincadeira escolhendo os brinquedos. Um pequeno

grupo de crianças começou a brincar com alguns pequenos potes, colocando-os no ouvido e

dizendo:

Aluna: Marido, leva a filha para escola, está ouvindo? (Ela permanece um pouco em

silêncio, como se estivesse esperando alguém dizer algo e continua.) Leva ela para escola e

entrega na mão da diretora, está bem?

A aluna se despediu no telefone e um menino começou a dizer:

Aluno: Mamãe, você vai ser minha mamãe?

Aluna: Está bem.

Aluno: Mamãe, eu estou com fome.

A criança pegou alguns potes pequenos e um palito e entregou para o menino.

Aluna: Coma isto aqui. É para comer tudo, principalmente a salada.

O menino fingia estava comendo e falava:

Aluno: A comida está ótima. Já comi tudo.

Um grupo de mais ou menos oito crianças se reuniu num outro espaço do gramado e

começou a brincar de imitar animais, mais precisamente, o lobo mau. A brincadeira deles

consistia em um menino ser o lobo e todas as outras crianças saírem correndo, dando voltas

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no gramado. Quando ele – o lobo – pegasse alguém, deveria ficar preso dentro de um túnel

que havia no gramado.

As crianças corriam, gritando o tempo todo:

Crianças: Lobo! Cuidado! Ele vai nos pegar!

O lobo saía atrás das crianças gritando o tempo todo, dizendo que ia pegar todas e

prendê-las. Durante o tempo em que corria, imitava um lobo fielmente. Fazia cara de mau e

ficava com as mãos levantadas como se fossem garras.

Ele conseguiu pegar uma menina, que gritava desesperadamente:

Aluna: Socorro! Socorro! Ele me pegou, ele vai me comer!

O lobo levou a menina ao túnel e disse:

Lobo: Você não pode mais sair daqui, agora você é minha prisioneira!

A aluna, fingindo estar chorando, disse:

Aluna: Está bem, eu não vou sair, seu Lobo.

O lobo saiu correndo atrás das outras crianças e prendeu mais algumas conversando

em seguida com elas:

Lobo: Vocês agora são os meus ajudantes, vão ter que me ajudar na floresta a caçar

criancinhas –(dá uma risada com tom maldoso.)

As crianças concordaram, e quando iniciaram sua nova brincadeira, chegou o horário

do lanche. Todos saíram correndo em direção ao banheiro imitando o lobo, indo depois em

direção ao refeitório.

3.3.1 Análise da terceira situação

A única situação observada que ocorreu de maneira oposta às outras foi esta, do início

até o final. Ao invés da brincadeira ter se iniciado com uma roda de conversa, a professora

iniciou a brincadeira distribuindo sucatas no gramado e deixando livre a escolha dos

brinquedos e dos papéis que as crianças gostariam de seguir.

A manutenção do jogo ocorreu de forma espontânea. Mais uma vez é possível

perceber como as crianças trazem experiências reais para as situações de faz-de-conta, como

por exemplo, na fala da “mãe” que recomenda ao “marido” levar a filha para a escola em

segurança – fala que deve ter presenciado a própria mãe dizer ao pai muitas vezes:

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Aluna: Marido leva a filha para escola, está ouvindo? (...) Leva ela para escola e

entrega na mão da diretora, está bem?

Na brincadeira do outro grupo de crianças, surge a presença do lobo mau, personagem

pelo qual todas as crianças ficam fascinadas, talvez porque esteja presente em quase todas as

histórias infantis. Os personagens “totalmente maus”, como o lobo, a madrasta e a bruxa,

oferecem oportunidades para que as crianças vivenciem, no faz-de-conta, sentimentos

normalmente controlados nas situações sociais: a raiva, a crueldade ou a ferocidade. Ao

identificar-se com esses personagens, as crianças podem “ser” maus, cruéis ou ferozes, sem

sê-los de verdade. Na situação observada, é particularmente interessante ver como todas as

crianças submetem-se a uma regra comum – ser aprisionados pelo lobo, obedecê-lo, não fugir

e tornar-se cúmplices de sua maldade, num belíssimo exemplo de jogo criado e mantido pela

vontade das próprias crianças.

Nessa situação a professora não participou, ficou somente observando as crianças

brincarem. A única coisa que fazia era chamar as crianças para ficarem mais próximos do

local que estavam, pois o gramado é amplo.

4 PESQUISA COM O EDUCADOR SOBRE JOGO SIMBÓLICO

Sabendo que, ao brincar, a criança revela sua própria forma de pensar sobre o mundo

que vive, Adriana Klisys (2008), sugere que os profissionais de educação infantil devem

garantir um espaço para que o lúdico se manifeste e que o educador deve estar presente nos

momentos da brincadeira, mediando essas situações. Além de observar, é importante que o

educador conheça a importância e tenha hipóteses sobre o jogo simbólico das crianças, o que

lhe garantirá condições de intervir, observar e ampliar seu repertório de brincadeiras.

Após realizar as observações das crianças, propus à educadora da turma uma

conversa informal sobre o que ela pensa sobre o jogo simbólico. As perguntas feitas a ela

foram:

a) por que oferece momentos de brincadeiras às crianças?;

b) qual o papel do professor nas brincadeiras?;

c) por que as crianças brincam?;

d) as crianças aprendem algo quando brincam?;

e) o que pensa sobre brincar?.

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As respostas obtidas foram as seguintes:

“Eu brinco com as crianças, porque além de ser a minha tarefa aqui na escola, brinco

para elas se divertirem. A brincadeira tem importância para as crianças, pois, quando

brincam, desenvolvem algumas capacidades como interação e a troca de informações com o

colega.

O professor tem o papel de oferecer os materiais e o espaço para a criança, e também

de ensinar às crianças como brincar, falando para tomar cuidado com o colega para não

brigarem e para não quebrarem nenhum brinquedo.

Creio que as crianças brincam porque é da natureza delas brincarem. Elas se

desenvolvem através da brincadeira e socializam suas vivências com os colegas e com a

professora”.

4.1 Análise da pesquisa com o educador sobre jogo simbólico

Durante a conversa com a professora, percebi que sua justificativa para brincar com as

crianças é “porque é a função destinada a ela”. Também coloca que “brinca para elas se

divertirem”. Numa primeira conclusão, é possível dizer que, para esta educadora, a

brincadeira tem a função de proporcionar prazer. Mais tarde, ela afirma também que, se a

brincadeira tem alguma importância para o desenvolvimento das crianças, esta é apenas de

socialização e troca com as pessoas que estão envolvidas no jogo.

A professora descreve bem o papel do educador, contando que é o de “oferecer

materiais e o espaço físico”, sem perceber que, na verdade, o papel do educador deveria ir

além. Parece não saber que o jogo é um espaço evidente de apropriação cultural, já que a

criança busca compreender o mundo que a cerca e a brincadeira é uma situação privilegiada,

na qual esse exercício se evidencia.

Entendo que a professora, além de oferecer o espaço físico para o jogo, deveria

ampliar sua compreensão do que é a natureza lúdica das situações de faz-de-conta. Isso

significaria compreender que propor as regras de um jogo e definir os papéis que as crianças

desempenharão no mesmo não garante que a brincadeira ocorra – pelo menos não da maneira

como a entendemos. Nem sempre o jogo deveria ser proposto e controlado pelo adulto, como

parece ser hábito dessa professora, mas nascer do desejo das próprias crianças. Isso não quer

dizer que o adulto deva abrir mão de seu papel mediador das situações de brincadeira. Pelo

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contrário, ele pode e deve estar presente, oferecendo subsídios para que o jogo se torne cada

vez mais uma atividade interessante e desafiadora, organizando o espaço físico e intervindo

nas horas convenientes. Mais do que isso – a professora necessita compreender o papel da

importância do jogo para criança e da competência das próprias crianças para brincar com

autonomia, escolhendo os temas das brincadeiras, revezando-se em papéis e criando seus

próprios enredos. Curiosamente, é o que acontece na terceira situação observada, que parece

ser, porém, a situação que menos interessa a professora.

Mesmo que a professora pareça saber descrever o papel do educador diante das

brincadeiras, ela também parece crer que as situações de brincadeira sejam também

oportunidades para ensinar boas maneiras às crianças. Isso fica claro quando ela diz “o

professor tem o papel de oferecer os materiais e o espaço para a criança, e também de

ensinar às crianças como brincar, falando para tomar cuidado com o colega para não

brigarem e para não quebrarem nenhum brinquedo”.

Mais uma vez, demonstra não perceber que o brincar vai muito além de oportunidade

para aprender regras de convívio. Na verdade, durante o ato de brincar as crianças

compreendem coisas que ocorrem no mundo que as cerca e sobre as atividades do homem e

suas relações sociais e de trabalho.

Por fim, a fala da professora “Creio que as crianças brincam porque é da natureza

delas brincarem” está totalmente relacionada às idéias fröebelianas, pois o pensamento do

autor baseia-se numa concepção natural e universal da infância, considerando o brincar como

espontâneo e “esperado”, independentemente das condições que sejam oferecidas às crianças

para desenvolvê-lo.

Por outro lado, é verdade que essa professora participa das brincadeiras das crianças, o

que mostra que ela dá importância para o jogo simbólico, não ficando apenas no papel de

quem o “tolera” ou “contempla”. Isso já é bastante coisa, pois muitas vezes os professores

consideram a brincadeira como uma atividade “infantil” no pior sentido, não encontrando

nenhum interesse nela e opondo-a, simplesmente, a atividades que consideram mais

importantes, geralmente as ligadas às áreas do conhecimento.

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5 CONCLUSÃO

A entrevista realizada com a professora e as observações feitas na escola atestam as

concepções acerca do jogo simbólico que a educadora traz em suas ações e falas durante as

brincadeiras.

Compreendendo a observação de Vygotsky de que o jogo simbólico não é uma

atividade que dá apenas prazer às crianças, pois há mil outras atividades que dão a elas mais

prazer do que o jogo simbólico (VYGOTSKY, 1998, p. 121), ao dizer “brinco para elas se

divertirem”, a professora mostra enxergar a brincadeira apenas como fonte de divertimento e

não como algo que possa fazer a criança relacionar vivências do mundo real com o mundo

imaginário. Embora a brincadeira seja uma atividade livre e espontânea, ela não está ligada à

“natureza da criança”, mas aos aspectos culturais que ela vivencia. Portanto, aprende-se e

aperfeiçoa-se o brincar, e essa aprendizagem é enriquecida nas interações e no convívio com

as pessoas que estão ao seu redor. Por isso o professor é tão importante nesse momento da

vida da criança, já que ele pode criar situações para que o repertório de brincadeiras se

amplie.

Porém, enquanto em grande parte das falas da educadora verificamos a influência da

concepção fröebeliana de jogo simbólico, suas ações revelam uma postura mais ativa, já que

em muitos momentos ela assume o papel de observar e de brincar com os alunos, bem como

de organizar o faz-de-conta, mesmo que (conforme vimos) de maneira algo equivocada.

Quando analisamos as observações e a entrevista, é notável o quanto o discurso da professora

pode contradizer a sua prática, e o quanto esta mesma prática pode estar influenciada por

concepções tão diferentes de brincadeira. Isto, porém, não ocorre somente com esta

professora, pois sabemos que esse “desencontro” entre teoria e prática é realidade para muitos

educadores. Reunir teoria e prática, neste caso sobre a brincadeira infantil, é algo que ocorrerá

somente a partir do momento em que se possa identificar e compreender algumas teorias

sobre o brincar, que ajudem os professores a refletir e relacioná-las a suas próprias

concepções.

Por fim, aumentar os conhecimentos dos professores sobre o papel do jogo simbólico

na Educação Infantil seria, portanto, uma tarefa de formação continuada da equipe escolar.

Nas reuniões pedagógicas, juntamente com a coordenação, poder-se-ia encontrar um espaço

interessante para esta equipe se apropriar das diferentes concepções acerca do jogo, discutir

sobre elas e tornar-se mais competente no papel de professores observadores e mediadores da

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brincadeira das crianças. Pois é esta a função primordial do professor: atuar e refletir sobre

sua ação, porque, sem refletir sobre ela, ele não poderá saber quais os erros e / ou acertos que

obteve em sua prática.

REFERÊNCIAS

ARCE, Alessandra. O jogo e o desenvolvimento infantil na teoria da atividade e no pensamento de Friederich Froebel. Caderno CEDES. Campinas,v. 24, n. 62, 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-32622004000100002&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 13 nov. 2008.

FRÖEBEL, Frederic. A educação do homem. Passo Fundo: UPF, 2001.

KLISYS, Adriana. Faz de conta que eu era... tudo que eu quiser ser – o jogo dos papéis como espaço de aprendizado social. Disponível em: http://www.forumeducacao.hpg.ig.com.br/textos/textos/metod2.htm. Acesso em: 13 nov. 2008.

VYGOTSKY, Lev Semenovich. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.