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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
JOÃO MARCOS DE ALMEIDA SENNA
SISTEMA DE PRECEDENTES
DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015
SÃO PAULO
2016
“Apóiem suas ações no conhecimento de que tudo é Um. Deixem a ação ser preenchida pela devoção.
Deixem a devoção ser preenchida por conhecimento. Apenas conhecimento tornará o coração seco.
A devoção o amolecerá com simpatia, e a ação irá santificar cada um dos minutos que foram dados a vocês para viverem”
Sathya Sai Baba
Sumário
1. Evolução doutrinária ___________________________________________________ 1 2. Neoconstitucionalismo __________________________________________________ 8
3. Civil Law x Common Law ______________________________________________ 16
4. O devido peso aos precedentes ___________________________________________ 25
5. Definição conceitual de precedente judicial _________________________________ 38 6. Incidentes processuais de uniformização ___________________________________ 47
7. Implicações sistêmicas__________________________________________________58 8. Conclusão____________________________________________________________64
9. Referências___________________________________________________________67
1
1. EVOLUÇÃO DOUTRINÁRIA
A temática sobre o sistema de precedentes no ordenamento jurídico brasileiro vem,
há tempos, ganhando força. Se, por um lado, o Código de Processo Civil de 1973 já trazia
vislumbres da importância do tema, quando versava sobre recursos repetitivos em recurso
especial, no art. 543-C1, o Código de Processo Civil de 2015 consagrou essa importância.
Antes da reforma processual civil de 2008, promovida pela Lei 11.672/2008, que
incluiu o art. 543-C no Código de Processo Civil de 1973, a Emenda Constitucional 45/2004
criara a Súmula2 Vinculante do Supremo Tribunal Federal3, instituindo a observância obrigatória
dos enunciados sobre questão consitucional controversa, pacificada em sessão plenária do
tribunal, por quórum de 2/34.
Tais mudanças foram forjadas à luz de inúmeras demandas semelhantes suscitadas a
partir de controvérsias sobre a aplicação da lei in concreto, de modo que um encaminhamento
efetivo de tal fenômeno exigiria uma resposta diferenciada, tanto do Legislativo quanto do
Judiciário.
O Código de Processo Civil de 2015 nasce no vácuo da consolidação de reformas
legislativas pontuais, como as anteriormente citadas, sistematizando-as num todo mais coerente e
1Art. 543-C. “Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008).§ 1o Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça. (…)”
2 Precisamente, súmula não se confunde com precedente, embora sejam conceitos relacionados. Enquanto o precedente é elemento da hipótese fática que permite a edição de súmula, a necessidade de edição das súmulas só existe porque os precedentes não têm força. (Macêdo, Lucas Buril de, A disciplina dos Precedentes Judiciais no Direito Brasileiro: do Anteprojeto ao Código de Processo Civil. Coleção Grandes Temas do Novo CPC, V. 3, p. 476-477)
“3 Art. 2º A Constituição Federal passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 103-A, 103-B, 111-A e 130-A: "Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
4 Vide art. 2º, §3º da Lei 11.417/2006
2
harmonioso em diversos assuntos, no meio dos quais se resssalta a temática “sistema de
precedentes”.
O ponto atual é que as mudanças do Código de Processo Civil de 2015 acerca da
temática “sistema de precedentes” são tão profundas, que impõem uma releitura das lições
preliminares de teoria geral de direito, pois a jurisprudência não mais exerce função secundária no
ordenamento jurídico brasileiro.
Cabe, aqui, ressaltar que, enquanto a jurisprudência consiste no uniforme e constante
pronunciamento sobre uma questão de direito, os precedentes são decisões isoladas dos
magistrados5.
De acordo com o Código de Processo Civil de 2015, é possível inferir, com certo grau
de certeza, que as tradicionais funções da jurisprudência não mais se atêm a conferir sentido à
aplicação da lei, a adaptar a lei às necessidades contemporâneas e a preencher lacunas
normativas6, mas se constituem também em fonte do direito7.
Com efeito, neste ponto, são pertinentes as lições do professor Miguel Reale: “Se uma
regra é, no fundo, a sua interpretação, isto é, aquilo que se diz ser o seu significado, não há como
negar à jurisprudência a categoria de fonte do direito, visto como ao juiz é dado armar de
obrigatoriedade aquilo que se declara ser de direito no caso concreto”8.
Essa concepção de fonte do direito proposta por Miguel Reale, entretanto, sob a ótica
do Código de Processo Civil de 2015, há de ser vista sob um ponto de vista mais abrangente, pois,
no sistema do civil law, a liberdade que os sistemas proporcionam ao juiz de criar o direito
destina-se ao Judiciário e não a cada juiz, individualmente considerado9.
5 Maximiliano, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito, p. 152. 6 Maximiliano, C. Idem, p. 146. 7 Macêdo, L. B, Obra citada, p. 462. 8 Reale, Miguel. Lições Preliminares de Direito, p. 169, §3º. 9 Wambier, Teresa Arruda Alvim. A vinculatividade dos precedentes e o ativismo judicial – paradoxo apenas aparente. Coleção Grandes Temas do Novo CPC, V. 3, Cap. 12, p. 274.
3
Logo, a jurisprudência há de ser considerada fonte do direito quando, a partir de
precedentes reiterados, o Judiciário, pelas vias que lhes são próprias – a exemplo das decisões de
controle concentrado de constitucionalidade proferidas pelo Supremo Tribunal Federal –, conferir
estabilidade a tais precedentes. Justamente esse é o cerne da evolução doutrinária do Código de
2015: a jurisprudência é fonte do direito enquanto consagrada pelo Judiciário como tal, a partir de
um processo objetivo de formação, que vai de precedentes isolados, a precedentes uniformes,
pelas diversas vias asseguradas pela lei10.
À luz dessa evolução, a concepção tridimensional do direito de Miguel Reale,
segundo a qual o direito é fato, valor e norma11, deveria ser repensada do seguinte modo: ao
aplicar a lei a um caso concreto e valorar um fato concreto, que admite interpretações variadas, o
aplicador do direito terá sua margem interpretativa reduzida pela orientação fornecida pela
jurisprudência.
Em outras palavras, diferentemente do que se pensava antes, não mais a
jurisprudência lhe fornecerá apenas parâmetros para valorar fatos quando da aplicação das
normas, conferindo-lhes apenas riqueza semântica e permitindo ao operador optar entre diversas
interpretações por ela fornecidas. Se sua interpretação não seguir determinada jurisprudência, em
determinados casos, será inválida.
Por isso, Lucas Buril de Macêdo pontua: “toma-se a decisão como ato jurídico que
tem por eficácia (anexa) lançar-se como texto do qual se construirá uma norma”.12
Para ilustrar, suponhamos um juiz de família evangélico, conservador, com
convicções tradicionais sobre a vida, que receba em sua vara de família uma ação judicial com
pedido de reconhecimento de união estável entre um cidadão “x” e seu companheiro, e decida por
negá-lo, ao fundamento de quem entende que, pelo art. 226, §1º, da Constituição Federal, o
casamento e a união estável só são válidos entre pessoas heterossexuais
.
10 Vide incisos do art. 927 do CPC/2015. 11 Reale, M. Idem, p. 66. 12 Macêdo, L. B., Idem, ibidem.
4
Ora, sob o contexto do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4277 e
da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 13213, em que ficou consagrado o
reconhecimento da validade de uniões estáveis e casamentos de pessoas do mesmo sexo, pelo
Supremo Tribunal Federal, pode o magistrado em apreço negar interpretação extensiva ao art. 226
da Constituição Federal? Pelo Código de Processo Civil de 2015, não mais é facultado ao
magistrado interpretar a lei de modo incompatível com entendimentos consagrados em ações
diretas de inconstitucionalidade decididas pelo Supremo Tribunal Federal.
Assim, ainda que, no exemplo dado, o magistrado não concorde com a interpretação
extensiva da Constituição Federal por convicções pessoais, não lhe é conferida autonomia
interpretativa para decidir como bem entende. Isto é, ele poderá decidir de modo pessoal, mas sua
decisão será suscetível a invalidação.
Portanto, revisitando as lições do nobre professor Reale, direito é fato, valor e norma,
mas tais valores devem estar adstritos a determinados padrões coletivos consagrados pelo
Judiciário, pois se entende que a função da jurisprudência enquanto fonte do direito vincula a
discricionariedade jurisdicional, reduzindo-a peremptoriamente.
Nessa toada, muito antes que se verificassem as alterações do Código de Processo
Civil de 2015 acerca do sistema de precedentes, algumas vozes da doutrina foram pioneiras em
denunciar que o sistema dogmático do civil law era imperfeito, pois o legislador – ainda que fosse
capaz de editar leis com boa técnica, com conceitos precisos – sempre esbarraria no limite da
abstração e da generalidade.
O constituinte de 1988, por exemplo, jamais imaginara que o século XXI viria com o
afluxo de inovações culturais e liberais, oriundas do estrangeiro, que, num contexto de mundo
global, alterariam aquilo que comumumente se entende pelo conceito de casamento, como
exposto anteriormente, gerando implicações diretas no sentido e alcance do texto constitucional.
13 Vide http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178931
5
Nesse sentido, em 2010, no prefácio da primeira edição do livro “Precedentes
Obrigatórios”, Luiz Guilherme Marinoni escrevera: “a evolução do civil law é a história da
superação de uma ideia instituída para viabilizar a realização de um desejo revolucionário, e que,
portanto, nasceu com a marca da utopia. (…) A ausência de respeito aos precedentes está fundada
na falsa suposição que a lei seria suficiente para garantir a segurança jurídica. (…) A lei adquire
maior significado quando sob a ameaça de violação, ou após ter sido violada, de forma que a
decisão judicial que a interpreta não pode ficar em segundo plano, ou desmerecer qualquer
respeito do próprio Poder que a editou (…) A força obrigatória dos precedentes é necessária para
garantir a coerência da ordem jurídica, a igualdade, a estabilidade, além de favorecer a efetividade
do sistema de decisões”14.
Parece que Marinoni, nessas simples passagens, já estava embuído do espírito que
orientou as alterações sobre a temática “sistema de precedentes” no CPC/2015, como preconiza o
art. 926 do CPC/2015: “Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável,
íntegra e coerente”.
O CPC/2015 incorporou muitas ideias já anteriormente ventiladas pela doutrina de
processualistas brasileiros de peso, como o professor Marinoni, bem como tal incorporação
encontra paralelimos em alterações legislativas pontuais que antecederam a promulgação do novo
código, verificando-se, por consequência, implicações doutrinárias na teoria geral do direito,
como a mencionada consagração dos precedentes como fonte do direito.
Não obstante, o CPC/2015 não foi fruto somente do pensar de processualistas
luminares, mas também de uma reflexão coletiva, envolvendo a classe dos magistrados, dos
advogados, dos políticos, com um enfoque principal: resolver problemas, sobre cuja existência há
praticamente unanimidade na comunidade jurídica.15
Com efeito, o denominador comum encontrado, ou seja, os pontos de superação sobre
os quais houve unanimidade podem ser assim elencados: 1) estabelecer expressa e implicitamente
verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal; 2) criar condições para que o juiz possa 14 Marinoni, Luis Guilherme, Precedentes Obrigatórios, p. 12-13 15, Exposição de Motivos do Novo CPC,, p. 13
6
proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à causa; 3) simplificar,
resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas, como, por exemplo, o
recursal; 4) dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado; e 5)
finalmente, sendo talvez este último objetivo parcialmente alcançado pela realização daqueles
mencionados antes, imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais
coesão.16
Ora, ao encontro da densificação de tais propostas - particularmente em relação ao
tema da presente tese –, foi criada toda uma seção no CPC/2015 dedicada à temática dos
precedentes, como se observa do Livro III, Título I, Capítulo 1 do código.
A norma mais emblemática de tais disposições é o mencionado caput do art. 926 do
CPC/2015, segundo o qual: “Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la
estável, íntegra e coerente”.
Ressalta-se a importância desse artigo, pois ele, de certo modo, é a porta de entrada
para um novo paradgima de respeito aos precedentes judiciais e consubstancia alguns dos pontos
de superação acima mencionados, uma vez que a uniformização, estabilidade, integridade e
coerência da jurisprudência vão ao encontro de maior sintonia fina com valores constitucionais,
como a segurança jurídica, a isonomia e a eficiência.
O CPC/2015 “inaugura, assim, o stare decisis brasileiro”17, impondo, como nos países
da common law, que seja atribuído o devido peso aos precedentes18.
Se, por um lado, nos sistemas da common law, a vinculatividade dos precedentes é
imperiosa, aqui ainda há de se firmar como cultura jurídica, pois todos sabemos que os tribunais
ainda estão longe de reconhecê-la, embora o CPC/2015 estabeleça um dever claro de respeito. 19
16, Idem, p. 14 17 Macêdo, L. B., Ob. cit., p. 489 18 Novelino, Marcelo, Curso de Direito Constitucional, p. 216-217 19 A esse respeito, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal, em decisão histórica colegiada, mudou sua interpretação acerca do princípio da presunção de inocência, determinando a possibilidade de execução provisória da pena de prisão reconhecida em segundo grau de jurisdição (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=310153). Não obstante, meses depois, o Ministro Celso de Mello deu decisão monocrática em sentido contrário (http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/ministro-contraria-ordem-do-stf-e-provoca-criticas-da-forca-tarefa-da-lava-jato).
7
Pois bem. Passemos à compreensão de como toda essa evolução doutrinária que deu
azo ao surgimento do Sistema de Precedentes do CPC/2015 guarda nexo com o
neoconstitucionalismo.
8
2. NEOCONSTITUCIONALISMO
O principal ponto de encontro entre o sistema de precedentes do CPC/2015 e o
neconstitucionalismo é com a acepção teórica desse conceito, que se traduz em a) reconhecimento
definitivo da força normativa da constituição e de todos os dispositivos nela contidos; b) o papel
central atribuído à constituição, não apenas como estatuto organizatório-limitativo dos poderes
públicos, mas também como mecanismo de resolução de conflitos nas mais diversas áreas
jurídicas; e c) a consagração de um extenso catálogo de direitos fundamentais e de uma
pluralidade de valores e diretrizes políticas.20
Nesse sentido, para Luís Roberto Barroso, o marco teórico do neoconstitucionalismo
se traduz, também, na “força normativa da constituição”, mas não só. Segundo ele, ressalta-se a
“expansão da jurisdição constitucional” e o “desenvolvimento de uma nova dogmática de
interpretação constitucional”.21
O ministro aponta para um aspecto fundamental sobre a nova dogmática de
interpretação constitucional: “os operadores jurídicos e os teóricos do Direito se deram conta, nos
último tempos, de uma situação de carência, as categorias tradicionais da intepretação jurídica não
são inteiramente ajustadas para a solução de um conjunto de problemas ligados à realização da
vontade constitucional.”22
Ora, quando a exposição de motivos do CPC/2015 fala em sintonia mais fina do novo
código com a constituição, há um paralelimo com as palavras do ministro Barroso, pois a
realidade mostra que a vontade constitucional não é integralmente respeitada. E o sistema de
precedentes do CPC/2015 vai totalmente ao encontro da “força normativa da constituição”; da
“expansão da jurisdição constitucional” 23 e de uma “nova dogmática de interpretação da
constituição”.
20 Novelino, Marcelo, Curso de Direito Constitucional, p. 65 21 Barroso, Luís Roberto, Neoconstitucionalismo, p. 6-15 22 Barros, L. B., Idem, p. 11 23 O art. 927 do CPC/2015, quando dispõe expressamente sobre a necessidade de observância, pelos tribunais e juízes, das decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade; dos enunciados de súmulas vinculantes; dos acórdãos em incidentes de assunção de competência, ou de resolução de demandas repetitivas, e em julgamento de recursos especiais e extraordinário e especial repetitivos; dos enunciados das súmulas do
9
O professor Cássio Scarpinella Bueno alcunha tal fenômeno de “modelo
constitucional do processo civil”, fazendo a importante ressalva de que o art. 1º do CPC/2015
consagra esse modelo de processo civil, ao estabelecer que o CPC/2015 será interpretado
conforme os valores e as normas fundamentais da Constituição Federal24. Faz ainda o contraponto
de que o anteprojeto do CPC/2015, da Câmara dos Deputados, que sucumbiu à versão do Senado
Federal, previa que o “processo civil será interpretado e disciplinado conforme as normas deste
Código”. Segundo se extrai das palavras do professor Cassio, haveria um grande erro
metodológico caso a versão da Câmara tivesse prevalecido25.
Nesse passo, oportuno, também, lembrar que Fredie Didier, ao tratar do tema
precedente judicial, discorre sobre os princípios da legalidade, da igualdade, da segurança
jurídica, da motivação das decisões judiciais e do contraditório26. Isso porque, o CPC/2015, com
relação à temática sistema de precedentes, visa, de um modo geral, à densificação de tais
princípios constitucionais de um modo muito mais consistente do que a codificação anterior,
podendo-se entender que isso é reflexo da aludida força normativa da constituição e da nova
dogmática de interpretação constitucional.
Se os precedentes são fonte do direito, se eles têm a eficácia anexa de gerar um
conteúdo normativo – extraído da ratio decidendi –, como dito por Lucas Buril de Macêdo27, isso
corrobora a necessidade de uma ressignificação do princípio da legalidade, pois os precedentes
também compõem o Direito e devem ser observados.28
Noutra banda, “o princípio da igualdade deve ser pensado como ideal de isonomia
frente ao Direito, e não apenas frente à lei; é necessário pensar no princípio isonômico perante as
decisões judiciais”29. Mais adiante, assevera Didier “Não se pode admitir como isonômica a
postura de um órgão do Estado que, diante de uma situação concreta, chega a um determinado STF em matéria constitucional, e das súmulas do STJ em matéria infraconstitucional; e da manifestação do plenário ou órgão especial aos quais estiverem vinculados, denota essa expansão, na medida em que há uma disposição expressa a respeito da necessidade de observância das decisões do STF. 24 Bueno, Cassio, Manual de Processo Civil Volume Único, p. 79-80 25 Bueno, C., Idem, p. 80 26 Didier, Fredie, Curso de Direito Processual, p. 467-472 27 Vide nota de rodapé nº 12, cap. 1 28 Didier, F., Idem, p. 468 29 Didier, F., Idem, ibidem
10
resultado, e diante de outra situação concreta, em tudo semelhante à primeira, chega a solução
distinta”30.
No dia a dia da prática forense, advogados e demais operadores do direito ficam
perplexos com a quantidade de respostas diferentes que o Judiciário fornece a problemas sub
judice, com raízes em controvérsia jurídica semelhante. Mais ainda, com o fato de que não se trata
de uma realidade afeta a uma área apenas do direito, mas que permeia todos os seus ramos, as
suas mais diversas áreas.
Para ilustrar, o STJ considera que o princípio da insignificância, que exclui a
tipicidade material do crime de descaminho, se configura quando o valor dos tributos não pagos
for inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais), ao passo que o STF reconhece a aplicação do princípio
da insignificância, em igual hipótese, quando o valor dos tributos não pagos for inferior a R$
20.000,00 (vinte mil reais).31
É uma situação tão esdrúxula, que, no fundo, numa simplificação exagerada, pode
significar o seguinte: se um fulano ilude o pagamento de um imposto, na entrada de uma
mercadoria (art. 334, Código Penal), que implique prejuízo de R$ 15.000,00 (quize mil reais) para
o fisco, é processado criminalmente e condenado e interpõe recurso extraordinário ao STF, não
pode ser preso, mas, se interpõe recurso especial ao STJ, pode ser preso. Ou seja, a esquizofrenia,
a bipolaridade do Judiciário pode custar a liberdade de uma pessoa.
Todavia, o problema da isonomia não diz somente respeito ao poder que se confere ao
juiz, mas também ao excesso de indeterminação de normas que são verdadeiras cláusulas abertas,
conceitos vagos, fluidos, indeterminados, preenchidos livremente com a carga axiológica do
magistrado. Se é possível possível escolher entre vários conteúdos axiológicos dentro dos
espectro semântico das cláusulas abertas, eventual escolha não pode prejudicar o demandado.32
Daí porque “a ampliação da latitude das clásulas abertas não apenas demanda um sistema de
30 Didier, F., Idem, ibidem 31 http://www.conjur.com.br/2014-set-14/stj-define-10-mil-insignificancia-crime-descaminho 32 Marinoni, Luís Guilherme., Precedentes Obrigatórios, p. 118-119
11
precedentes, como ainda reclama um aprofundamento de critérios capazes de garantir o controle
das decisões judiciais.”33
Não se pode conceber que o princípio da autonomia do juízes, do qual é corolário o
princípio do livre convencimento motivado, dê azo a uma infinidade de subsistemas jurídicos,
tantos quantos os são os juízes que os compõem, ou até os tribunais e demais órgãos que
compõem o Pode Judiciário. Nelson Nery afirma que a independência funcional dos juízes tem
como função mantê-los livres de interferências institucionais do Legislativo e do Executivo, bem
como submetidos exclusivamente à lei e não a critérios particulares ou discriminadores34.
Leia-se, a independência funcional é corolário do princípio constitucional da
tripartição harmoniosoa de poderes. Ou seja, a idependência funcional só existe a reboque do
interesse público coletivo. E o interesse público coletivo é qualificado por todas as regras e
princípios que incidem num caso concreto. Não se pode considerar um princípio constitucional
em detrimento de outro, sob a premissa de que independência funcional suplanta a igualdade
material dos jurisdicionados perante o Judiciário. Trata-se de uma questão de razoabilidade e
proporcionalidade, que se impõe aos magistrados.
Quando se considera um princípio constitucional em detrimento de outros, que
mereceriam o correto sopesamento, entra-se num problema de segurança jurídica, que também
merece proteção. Isso porque “a Constituição não quer o caos, ela quer segurança (...) O
Judiciário precisa se manifestar de maneira institucionalizada, através de cada um dos seus
membros, aplicando o direito com coerência e integridade, que só alcança o seu pontencial de
trazer segurança se a interpretação das normas for uniforme”35.
O que está por trás da segurança jurídica não é só o respeito ao direito adquirido, ao
ato jurídico perfeito e à coisa julgada, como prevê a Constituição Federal (art. 5º, inciso XXXVI),
33 Marinoni, L. G., Idem, ibidem 34 Júnior, Nelson Nery, Princípios do Processo na Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo, p. 149 35
Carvalho, Hugo Chacra, A indepenência funcional dos juízes e os precedentes vinculantes, Coleção Grandes Temas do Novo CPC, V. 3, Cap. 3, p. 87
12
mas também o seu efeito prospectivo de garantia de certo grau de estabilidade, de previsibilidade.
É a proteção da confiança legítima35.
A proteção da confiança legítima se desdobra no respeito ao precedente passado, que
deve ser observado por quem o decidiu e por quem está obrigado a decidir caso similar36, bem
como no respeito ao futuro, na medida em que serve de guia para o comportamento atual,
conferindo previsibilidade ao sistema37.
A previsibilidade permite maior grau de informação e orientação jurídica aos cidadão,
bem como de definição de expectativas. Mas não só se restringe ao respeito ao precedente
passado e ao precedente futuro. Há um aspecto da segurança jurídica que se confunde com a
estabilidade do próprio Estado de Direito, que não pode ser provisório. “As decisões judiciais
devem ter estabilidade porque constituem um ato de poder”38.
A uniformidade da jurisprudência garante ao jurisdicionado um modelo seguro de
conduta presente, na medida em que resolve as divergências existentes acerca da tese jurídica
aplicável a fato semelhante39.
Observe-se que a segurança jurídica é algo que está no cerne do objetivo
constitucional de desenvolvimento econômico (art. 3º, inciso II, CF) do país, uma vez que o
crescimento econômico depende da atração de capital para investimentos produtivos, e tal capital
é atraído, naturalmente, para países em que o ordenamento jurídico tem regras claras e
previsíveis.
A título de exemplo, suponhamos um fundo de investimento externo que quer investir
em infraestrutura no Brasil, e, para tanto, celebrar um contrato de concessão com o poder público,
em que conste cláusula de foro arbitral. Até bem pouco tempo, antes da edição da lei
35 Didier, F., Obra citada, p. 469-470 36 Marinoni, L.G., Idem. p. 86 37 Marinoni, L. G., Idem., p. 87 38 Marinoni, L. G., Idem., p. 102 39 Didier, F, Idem, ibidem.
13
13.129/2015, havia toda uma grande controvérsia sobre essa possibilidade. Será que, havendo
problemas contratuais a respeito, haverá garantia de decisão previsível?40
É impossível dar uma resposta clara, pois toda a jurisprudência que se formou sobre o
assunto, antes da aludida lei, se deu no contexto de interpretações díspares e controversas. Ora,
sabendo dessa imprevisibilidade, qual é a segurança que o suposto fundo terá em alocar recursos
no país? Por certo, será uma segurança menor do que a que teria em países com regras mais claras
e há mais tempo pacificadas.
Por outro lado, o princípio constitucional da motivação41 das decisões judiciais
também merece maior densificação, na medida em que deve cumprir uma função extraprocessual,
de qualificar a conduta que se espera dos jurisdicionados, a fim de que seja fácil extrair com
clareza o conteúdo da norma que emana de seu texto, como mencionado por Lucas Buril de
Macêdo.
Ora, as tão controversas42 exigências dos §1º e §2º do art. 489 do CPC/2015, ao
definirem que o magistrado deverá justificar suas decisões evitando conceitos indeterminados e
vagos, sendo preciso na discriminação entre um argumento e outro, assim como na interpretação
de súmulas, jurirprudência e enunciado suscitados pela parte, denotam o cuidado do legislador
com esse princípio.
Nesse passo, o princípio do contraditório também ganha contornos diferentes à luz da
temática analisada. Se há uma função extraprocessual da decisão, da qual se pode extrair o
conteúdo de uma norma, é fundamental que, na formação do precedente, haja um outro tipo de
contraditório, admitindo-se, inclusive a intervenção de amicus curiae, quando necessário43, a
partir de uma relação jurídica entre particulares.
40 Di Pietro, Maria Sylvia Zanella, http://www.conjur.com.br/2015-set-24/interesse-publico-possibilidades-arbitragem-contratos-administrativos2 41 Didier, F., Obra citada, p. 470-471 42 http://www.conjur.com.br/2015-mar-04/juizes-pedem-veto-artigo-cpc-exige-fundamentacao 43 Didier, F., Idem, p. 471-472
14
Por exemplo, suponhamos que um cartório extrajudicial tenha lavrado uma escritura
de união estável entre três pessoas44, reconhecendo a validade do chamado poliamor45, entre duas
mulheres e um homem, e o Ministério Público, na qualidade de fiscal da lei e da ordem pública,
tenha ajuizado uma ação declaratória de nulidade da escritura numa vara cível, pleiteando o
desfazimento do vínculo.
O juiz, ante a ausência de regulamentação sobre o tema – e antes que o CNJ46 tivesse
determinado a suspensão de tais escrituras –, poderia suscitar a intervenção do Institucio
Brasileiro de Direito de Família como amicus curiae, para emitir um parecer a respeito do
assunto, uma vez que a ação entre particulares poderia abrir um precedente de interesse coletivo.
Parece-nos que a força normativa da constituição e a nova dogmática de interpretação
constitucional guardam estreita relação com a observância da máxima efetividade dos princípios
constitucionais na interpretação do Código de Processo Civil de 2015. Entretanto, a fim de que tal
mister seja devidamente cumprido, é imprescindível a compreensão de que não basta o CPC/2015
ter previsto maior densificação dos aludidos princípios: é preciso que os operadores do direito
saibam como manejá-los corretamente, haja vista toda uma nova potencialidade instrumental
oferecida pelo CPC/2015.
O neoconstitucionalismo encontra em Elival da Silva Ramos um de seus principais
críticos, para quem a principiologização do direito nada mais é do que um “moralismo jurídico”
disfarçado, que dá margens a um “pós-positivimo tupiniquim, abrindo as portas do sistema
jurídico ao subjetivismo de decisões judiciais, que, valendo-se dos contornos menos nítidos das
normas-princípio e potencializando-lhes os efeitos para além do que seria lícito fazer, deixam de
concretizar a Constituição, para, a bem de ver, construí-la ao sabor axiológico de seus
prolatores”47.
44 http://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/noticia/2012/08/uniao-estavel-entre-tres-pessoas-e-oficializada-em-cartorio-de-tupa-sp.html 45 http://www.ibdfam.org.br/noticias/4862/novosite 46 http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,cnj-pede-suspensao-de-registro-de-trisal,10000052712 47 Ramos, Elival da Silva, Ativismo Judicial, p. 300-301
15
Elival evoca48 as lições de Humberto Àvila, segundo quem, diferentemente do que
pensam os neoconstitucionalistas, “descumprir uma regra é mais grave do que descumprir
princípios, porque as regras têm uma pretensão de decidibilidade que os princípios não têm49.”
Não nos parece que tal dicotomia entre regras e princípios nos seja útil em relação à
temática do sistema de precedentes do CPC/2015, pois, conforme discorrido acima, de acordo
com os exemplos citados, a evolução dogmática do CPC/2015 é uma tentativa de solução de
problemas concretos do Judiciário, que estão bem delineados. E tais problemas guardam estreita
relação com a inobservância dos princípios supramencionados.
Pensamos que Humberto Ávila pode até estar certo em afirmar que as regras devam
ser observadas com mais consistências que os princípios, a fim de se restringir uma eventual
margem de discricionariedade jurisdicional excessivamente ampla, que dê azo a insegurança
jurídica.
Contudo, cremos que, no caso do enfoque temático ora pretendido, esse assunto deva
ser visto à luz da nossa realidade cultural, que aponta para uma insegurança jurídica muito maior
como fruto de decisões dicotônmicas e iníquoas sobre mesmos assuntos, do que em razão da
excessiva margem de discricionariedade jurisdicional. Eventual margem de discricionariedade
jurisdicionl excessiva, fruto da pouca densidade conceitual dos princípios, só existe em razão da
ausência de um sistema de precedentes bem assentado, como existe no common law.
48 Ramos, E. S., Idem, p. 299-300 49 Ávila, Humberto, Teoria dos Princípio, p. 90
16
3. CIVIL LAW X COMMON LAW
A aproximação entre o civil law e o common law é um movimento característico do
constitucionalismo50 contemporâneo, ou neoconstitucionalismo, uma vez que, ao contexto de
evolução histórica da dogmática jurídica no mundo ocidental, é central não só a aproximação
entre o direito positivo e valores morais como a justiça51, mas também uma redefinição sobre o
papel da função jurisdicional.
Inicialmente, é preciso frisar que os dois sistemas jurídicos suprareferidos surgiram
em contextos históricos e políticos completamente distintos, daí por que adquiriram contornos
culturais específicos que os caracterizam. Todavia, como se verá, houve uma mutação histórica
que os aproximou.
Se, por um lado, o sistema do common law forjou-se na realidade inglesa e de suas
colônias, por outro, o sistema do civil law foi concebido à luz da Revolução Francesa de 1789.
Diferentemente do ocorrido na Inglaterra, com a Revolução Gloriosa de 168852, os líderes da
Revolução Francesa viam nos magistrados uma classe que dava apoio ao rei absolutista.
Com efeito, o sistema do civil law pretendeu que a atividade do magistrado fosse a
mais restrita possível, a fim de que a autoridade das decisões judiciais ficasse integralmente
subordinada à lei, e não o contrário53. Havia um clima de desconfiança com a ruptura institucional
em relação ao papel do magistrado provocada com a Revolução Francesa. Por outro lado, o juiz
inglês, historicamente, alinhado com o Parlamento, sempre teve a prerrogativa de não só
interpretar a lei, mas de extrair direitos e deveres a partir do common law.54
Marinoni ensina que o “juiz inglês não apenas teve espaço para densificar o common
law, como também oportunidade para controlar a legitimidade dos atos estatais”, e que “o poder 50 Constitucionalismo, em sentido estrito, está associado ao princípio da separação de poderes, nas versões desenvolvidas por Kant e Montesquieu; e a garantia de direitos, utilizada como instrumento de limitação do exercício do poder estatal para a proteção das liberdades fundamentais (Novelino, M. Obra citada, p. 45) 51 Barroso, L.B., Obra citada, p. 6-7 52 Marinoni, L. G., Obra citada, p. 31-32 53 Marinoni, Idem, ibidem, p. 32-33 54 Martinoni, L.G., Idem, ibidem
17
judicial, no common law primitivo era exercido mediante uma lógica semelhante à que dirige a
atuação do juiz submetido à Constituição e aos direitos fundamentais”55.
Talvez por isso, os regimes totalitários nazi-fascistas tenham surgido em tradições
vinculadas ao sistema do civil law, ao tempo em que ainda não vigorava a noção de que o
fundamento de validade das constituições repousa também em valores humanos universais. Se os
juízes do common law, desde o início, tinham poderes de criar o direito, tal prerrogativa é
característica dos sistemas do civil law filiados ao constitucionalismo contemporâneo.
O direito do common law, como usualmente sabido, repousa na ideia de que os juízes
declaram costumes consagrados pela comunidade e, diante da inaplicabilidade dos costumes
consagrados, criam um novo direito56. Nesse sistema, tanto a declaração do direito, como sua
constituição não estavam, inicialmente, viculadas à ideia de stare decisis e binding effect, de
vinculatividade aos precedentes anteriores 57 e vinculatividade das decisões de cortes inferiores às
cortes de vértice.
Como bem ressalta Marinoni, não se pode distinguir o sistema do civil law do
common law pela ausência de leis codificadas nesse último, nem mesmo pela insubordinação do
magistrado à lei e à Constituição. Pode-se, sim, afirmar que a jurisprudência, no common law, é a
principal fonte do direito58, ao passo que, no civil law, os códigos e a Constituição são a principal
fonte do direito.
Outra diferença entre os dois sistemas é que, no common law, o Judiciário sempre
agiu de modo complementar ao Legislativo, diante da ausência de precedentes ou leis a regularem
uma situação sub judice, e tal complementariedade deu a tônica a um processo de formação de
normas positivadas de cima para baixo, do concreto para o abstrato, das normas individuais para
as normas gerais59.
55 Marinoni, L. G., Idem, p. 34-35 56 Marinoni, L. G., Idem, p. 25-29 57 Marinoni, L. G., Idem, p. 29-30 58 Ramos, Eliva da Silva, Obra citada, p. 107 59 Marinoni, L. G, Idem, p. 31-32
18
Se o legislador francês, que inspirou o civil law, tinha a pretensão de prever o maior
número de situações possíveis a partir de uma lei genérica e abstrata, divorciada da atitvidade dos
magistrados, o legislador inglês era inspirado por essa atividade.
Com efeito, se os sistemas em questão se diferenciam pela relação política histórica
entre o Legislativo o Judiciário, nos países precursores de ambos os sistemas, o
constitucionalismo contemporâneo – isto é, a supremacia normativa das constituições – é algo que
os aproxima, na medida em que permite a juízes de ambos os sistemas realizarem o controle de
constitucionalidade das leis em situações concretas.
Particularmente, o Brasil assume papel de destaque nos países filiados ao civil law, na
medida em que é permitido a juízes de primeiro grau declararem uma lei inconstitucional em
controle difuso de constitucionalidade60. Recentemente, por exemplo, um juiz estadual de Santa
Catarina realizou controle de convencionalidade 61 do crime de desacato, declarando-o
incompatível com o ordenamento jurídico, em virtude da incorporação da Declaração
Interamericana dos Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) e da Declaração dos
Direitos Civis e Políticos, pelo ordenamento jurídico brasileiro (RE. 34970362). Por consequência
do reconhecimento da incompatibilidade do crime de desacato com a Constituição, o réu foi
absolvido. Trata-se de nítido controle difuso de constitucionalidade, realizado por juiz de primeiro
grau.
Fica, então, a pergunta: se um mesmo réu fosse denunciado pelo mesmo crime, em
iguais circunstâncias, em outro estado, e fosse condenado, tal decisão seria justa em face do dever
de uniformização da jurisprudência? E se o crime de desacato fosse cometido contra uma
autoridade mais poderosa do que um policial militar, como um juiz ou um promotor, a resposta do
60 Marinoni, Idem., p. 59-60 61 Marinoni, Controle de Convencionalidade Na Perspectiva do Direito Brasileiro, p. 8-9 62 PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. INTERPRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO INCISO LXVII DO ART. 5o DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988.POSIÇÃO HIERÁRQUICO-NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n° 911/69, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002). […] (RE 349703. Relator: Min. Carlos Ayres Britto)
19
ordenamento jurídico seria a mesma?A evolução da interpretação sobre o sistema de precedentes
nos dirá.
Mas a doutrina critica o sistema de controle de constitucionalidade difuso63 brasileiro
sob a alegação de que a autoridade do juiz é excessiva, o que, além de implicar o já mencionado
risco de insegurança jurídica por decisões conflitantes, cria a necessidade de um sistema
obrigatório de respeito aos precedentes.
Pois bem. Se, por um lado, há um denominador comum entre o civil law e o common
law, qualificado pela possibilidade de um juiz, fazendo as vezes de legislador negativo64, realizar
controle difuso de constitucionalidade da lei ao negar a eficácia de leis contrárias à Constituição,
por outro, é controversa a possibilidade de o juiz do civil law fazer as vezes de legislador positivo.
Afirmou-se, no primeiro capítulo, que os precedentes são fonte do direito, bem como
que se pode extrair uma norma deles, na medida em que o magistrado possui função criativa do
direito65. Indubitavelmente, esse também é um ponto comum entre o civil law e o common law66.
Todavia, daí a se afirmar que o juiz, quando exerce função criativa, possa ser
equiparado ao legislador positivo talvez seja uma inferência inapropriada. O que se tem claro é
que os precedentes merecem respeito e a devida consideração, merecem ser sopesados
devidamente em cada caso concreto.
Como mencionado ao término do primeiro capítulo, há controvérsias na doutrina
sobre em que medida o dever geral de respeito aos precedentes configura um dever de
obrigatoriedade, de vinculatividade do precedente, pois, nos anteprojetos do CPC/2015
apresentados, houve a supressão da ideia de obrigatoriedade de respeito aos precedentes definidos
63 Marinoni, Luís Guilherme, Precedentes Obrigatório, p. 60-61 64 Ao declarar a inconstitucionalidade de uma lei em tese, o Tribunal – em sua função de Corte Constitucional – atua como legislador negativo (...). O mesmo ocorre quando Corte dessa natureza, aplicando a interpretação conforme à Constituição, declara constitucional uma lei com a interpretação que a compatibiliza com a Carta Magna, pois, nessa hipótese, há uma modalidade de inconstitucionalidade parcial (...), o que implica dizer que o Tribunal Constitucional elimina – e atua, portanto, como legislador negativo – as interpretações por ela admitidas, mas inconciliáveis com a Constituição (Representação n. 1451-7, STF, Pleno, Relator Ministro Moreira Alves, Julgamento em 25.05.1988, DJ 24.06.1988.) 65 Wambier, T. A. A.. Obra citada, p. 266-268 66 Marinoni, Idem, p. 67-70
20
no art. 927 do CPC/2015, muito embora a redação desse artigo, no anteprojeto (correspondete ao
art. 521) da Câmara dos Deputados, a previsse expressamente67.
Retirou-se a expressão “os precedentes deverão ser seguidos” e a menção aos
princípios da legalidade, da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, para tão
somente constar a expresão vaga e menos imperativa “os juízes e tribunais observarão” 68 (art.
92769, CPC/2015).
Assim, a redação do art. 927 dá certa margem de dúvida à interpretação da medida em
que tais precedentes deverão ser observados, muito embora, pela força normativa dos princípios
constitucionais referidos no capítulo anterior – quais sejam, os de isonomia e de segurança
jurídica–, entendemos que tal observância é obrigatória.
Com efeito, fala-se que o CPC/2015 inaugurou um sistema de stare decisis, sem que
tal sistema ainda esteja pronto e acabado70.
Pode, portanto, ser precipitado afirmar categoricamente que o juiz brasileiro poderá
criar a lei no mesmo sentido em que o faz o juiz do common law: no sentido de legislador
positivo, de acordo com o sistema da stare decisis, em que determinadas decisões judiciais têm
eficácia erga omnes vinculante71.
67 Macêdo, L. B., Obra citada, p. 470-472 68 Macêdo, L. B., Idem, ibidem. 69 Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. § 1o Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1o, quando decidirem com fundamento neste artigo. § 2o A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese. § 3o Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. § 4o A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia. § 5o Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores. 70 Macêdo, L.B., Idem, p. 489-490 71 Capeletti, Mauro, Il controlo giudiziario di constitucionalitá, cit., p 64 (Marinoni, L.G., Obra citada, p. 62)
21
Acreditamos que tal entendimento prevalecerá para as hipótese do art. 927 do
CPC/2015, mas não para as hipóteses de controle difuso, como no exemplo supramencionado de
controle de convencionalidade. O controle difuso, provavelmente, servirá para o fomento de
posterior incidente de demandas repetitivas, ou posterior controle de constitucionalidade
concentrado.
Vozes importantes da doutrina são veementemente críticas à criação do direito pelo
Judiciário, como legislador positivo, fenômeno que recebeu a alcunha de ativismo judicial.
Citemos, a título de exemplo, Elival da Silva Ramos72 e Ives Gandra73, para quem o Judiciário
extrapola seus limites, quando regula matérias de competência do Legislativo.
Tais vozes ressaltam um aspecto fulcral, que merece atenção e reflexão: o fato de o
Judiciário fazer as vezes de legislador positivo, criando o direito, também gera insegurança
jurídica, pois, regra geral, a investidura dos magistrados no cargo é por concurso público e
nomeação (nos casos de ministros das cortes do STJ e STF, e quinto constitucional nos tribunais).
Dessas formas de investidura decorre um questionamento sobre a legitimidade74 de se
promoverem interpretações da Contituição que levem à criação de direitos – como bem ressaltou
Ives Gandra – nos casos em que o STF, no seu labor hermenêutico, legislou sobre “fidelidade
partidária, eleição de candidatos derrotados para substituir governadores afastados, alargamento
de hipóteses de união estável para pessoas do mesmo sexo, instituição da impunidade para o
aborto eugênico, culpabilidade sem trânsito em julgado, com encarceramento nas ações penais
antes da decisão final, assunção de funções exclusivas do Legislativo para afastamento de
parlamentares e definição de regimentos internos do Legislativo, quando o seu próprio regimento
interno é intocável, além de outras intervenções normativas de menor impacto”75.
Tem-se, porém, que, na prática, o Legislativo é carente de representatividade,
legitimidade, operacionalidade e tecnicidade, o que também é um fator de insegurança jurídica, na
medida em que a atividade legislativa é definida, principalmente, por interesses partidários
72 Ramos, Elival da Silva, Ativismo Judicial, p. 141 73 Martins, Ives Gandra da Silva, http://www.conjur.com.br/2016-jul-12/ives-gandra-supremo-nao-legislador-constituinte 74 Ramos, Idem, p. 113 75 Matins, I. G. S., Idem, ibidem
22
corporativistas, tão somente pela lógica maquiavélica do poder pelo poder, sem necessário
compromisso com o interesse público. Daí a crise política atual.
Parece-nos ser maior a insegurança jurídica gerada por esse segundo aspecto. Até
porque, se um magistrado cria o direito à luz da vontade constitucional, dentro de um padrão
hermenêutico cientificamente válido, ainda que ele faça as vezes de legislador positivo, sua
atividade decorre de uma omissão anterior do Legislativo, ao encontro do interesse público
coletivo, da vontade constitucional, reduzindo insegurança jurídica.
Ora, para que a insegurança jurídica decorrente de uma eventual invasão das esfera do
Legislativo pelo Judiciário seja mitigada, é essencial que se verifique uma aproximação com o
common law, no sentido de que a atividade do Judiciário seja complementar em relação à do
Legislativo, o que só ocorre sob uma lógica de hermenêutica constitucional.
E, talvez, assim como o civil law e o common law se forjaram à luz da história política
e sociológica da França e da Inglaterra, o Brasil tenha sua história própria, marcada por esse
segundo aspecto da insegurança jurídica gerada pela omissão e inoperância da classe parlamentar.
Não por outro motivo, no atual governo, do presidente Michel Temer, promulgou-se,
recentemente, a Lei 13.300/2016, sobre o mandado de injunção, que permite ao Judiciário
constituir o Legislativo em mora para editar lei sobre assuntos referentes a princípios
constitucionais sensíveis, e, caso não o faça, admite-se, em último caso, que o próprio Judiciário
edite uma norma com eficácia erga omnes ou ultra partes76.
Ora, se tal lei, que há muito estava engavetada, denota que o Judicário pode atuar
como legislador positivo em situações bem específicas, há tendência no sentido de avalizar que,
por outras vias, o Judiciário também o faça, como no contexto da discussão sobre a a criação do
direito.
76 Cavalcante, Márcio André Lopes, http://www.dizerodireito.com.br/2016/06/primeiros-comentarios-lei-133002016-lei.html
23
Recentemente, a professora Ada Pellegrine Grinover teceu importantes considerações
sobre esse assunto “Naqueles princípios do artigo 3º da Constituição, os princípios fundantes do
Brasil, tem questões que apontam para uma democracia diferente, que nós chamamos de
democracia constitucional, de direito, ou democracia participativa, o desenvolvimento social. E
no desenvolvimento social todos os poderes têm responsabilidades. Então, não adianta achar que
o Judiciário não pode fazer o controle de políticas públicas. Pode e deve. Primeiro porque as
políticas públicas estão inseridas no respeito à Constituição, portanto têm um controle de
constitucionalidade. Segundo porque, se os outros poderes se omitem, o Judiciário que é o poder
de controle a posteriori, tem que agir. Mas o Elival da Silva Ramos, procurador-geral do estado
de São Paulo, diz que o juiz não pode ser ativo.”77
Enfim, nos parece que os principais pontos de aproximação entre o nosso sistema da
civil law brasileira, atualizada pelo sistema de precedentes do CPC/2015, e do common law sejam
o reconhecimento dos precedentes como fonte do direito, bem como o reconhecimento da
prerrogativa de o magistrado (definido como competente segundo as hipóteses do art. 927 do
CPC/2015) criar o direito em caráter complementar à atividade do Legislativo, seguindo um
critério rigoroso de hermenêutica constitucional.
Contudo, cumpre que se esclareça em que medida o novo sistema de precedentes do
CPC/2015 seguirá por um caminho de maior vinculatividade, à semelhança do stare decisis e do
binding effect do common law, da total vinculatividade a precedentes anteriores e da observância
obrigatória dos precedentes das cortes superiores por parte das inferiores. Parece-nos que a
cultura da autonomia dos juízes, da livre convicção motivada, ainda oferece obstáculos a isso.
Como bem pontua Lenio Streck “hoje, passados tantos e tantos anos, com centenas de
livros escritos sobre controle de constitucionalidade, sobre vigência e validade, sobre teoria
constitucional e tantos temas, deparamo-nos com um conjunto enorme de juízes e membros de
tribunais que se negam a aplicar um código, sem fazer aquilo que Mendonça Lima ousou fazer:
controle de constitucionalidade. Porque hoje o Judiciário simplesmente se nega a cumprir um
código (e a própria Constituição) pelo motivo de que... bem, na verdade, nem motivo dão. Cortam
77Grinover, Ada Pellegrine, http://www.conjur.com.br/2016-jul-12/entrevista-ada-pellegrini-grinover-advogada-processualista
24
caminho e, em vez de dizer o porquê, fazem enunciados e resoluções dizendo: onde está escrito x,
leia-se y. Simples assim”78.
No capítulo seguinte, investigaremos em que medida foi inaugurado um sistema de
stare decisis e binding effect para cada uma das hipóteses do art. 927 do CPC/2015, bem como
outros fatores que corroboram a necessidade de se implementar essa cultura.
78 Streck, Lenio Luiz, http://www.conjur.com.br/2016-jul-14/senso-incomum-judiciario-comete-crime-obstrucao-hermeneutica-cpc?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook
25
4. O DEVIDO PESO AOS PRECEDENTES DO CPC/2015
Até o presente momento, sustentou-se que os precedentes assumiram o papel de fonte
do direito, com a entrada em vigor do CPC/2015; que a inauguração do stare decisis brasileiro
significa que os precedentes do CPC/2015 devem ser observados, com o devido peso, pelos juízes
e tribunais; que há um paralelismo entre o neoconstitucionalismo e a proposta de densificação de
princípios constitucionais em relação ao tema; bem como que a aproximação entre o civil law e o
common law subjaz a este contexto, por uma série de razões.
Todavia, do exposto, sobressaem algumas perguntas não respondidas…
Afinal de contas, o que, de fato, é dar o devido peso aos precedentes? Seria isso um
dever imperativo, ou uma mera faculdade? Enfim, os precedentes do CPC/2015 –
particularmente, as hipóteses previstas no art. 927 desse código – são ou não vinculantes?
Existe uma gradação em relação ao peso de cada um destes incisos do art. 927 do
CPC/2015? Se são vinculantes, uma decisão contrária à ratio decidendi desses precedentes – ou
seja, à norma extraída do precedente – seria nula? E como o CPC/2015 recepciona os precedentes
formados à luz do CPC/1973?
Nos parece que o CPC/2015, propositalmente, deixou no ar a resposta a essas
questões, em razão da vagueza com que inúmeras de suas expressões textuais foram empregadas,
tanto que vários processualistas respeitados se dividem a respeito.
Vamos colacionar a seguir essa divergência, procurando ressaltar o ponto de vista
com o qual nos identificamos.
4.1. O que é dar o devido peso aos precedentes?
26
Para responder a essa pergunta, é preciso ter em mente que devemos dividir os
precedentes do CPC/2015 em duas categorias: vinculantes, com força obrigatória, e não
vinculantes, com força persuasiva79
Regra geral, os vinculantes são aqueles cujas implicações têm caráter
macroprocessual, estruturante, seja em função de demandas repetitivas, como o são o IRDR –
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, REsp ou RE repetitivos, seja em função da
relevante questão social ou de direito, como é o caso do IAC – Incidente de Assunção de
Competência80.
E os não vinculantes são aqueles formados a partir do julgamento de recurso especial
ou RE isolados, bem como apelações, agravos, etc81. Quanto a esses, cumpre pontuar que, apesar
de não serem vinculantes, adquirem maior força persuasiva com a redação do art. 926 do
CPC/201582.
Com efeito, a despeito da divisão aludida, marcada, essencialmente pelo caráter
macroprocessual, estruturante dos precedentes vinculantes, há outras razões a endossar esse
caráter.
Segundo exposto no capítulo 2, a força normativa dos princíos constitucionais é um
dos traços do neoconstitucionalismo, e é precursora do modelo constitucional de processo civil
preconizado pelo CPC/2015.
Robert Alexy, há muito, já nos ensinava que princípios traduzem mandados de
otimização83, isto é, enunciados normativos que devem ser cumpridos na maior medida do
possível.
79 Nogueira, Gustavo, Revista de Processo, vol. 249, ano 40, p. 383 80 Nogueira, G., Idem, p. 383 - 384 81 Nogueira, Idem, Ibidem 82 Peixoto, Ravi, Revista de Processo, ano 40, vol. 248, p. 340 83 Silva, Virgílio Afonso da, Princípios e Regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção, p. 4 (http://constituicao.direito.usp.br/wp-content/uploads/2003-RLAEC01-Principios_e_regras.pdf)
27
Como dito alhures, a mudança de paradigma por trás do sistema de precedentes do
CPC/2015 decorre, sobretudo, da necessidade prática de maior observância da isonomia e da
segurança jurídica, pelo Judiciário, como um todo, na exata medida em que esses princípios
constitucionais são mandados de otimização.
Todavia, o devido peso ao sistema de precedentes do CPC/2015 não decorre somente
da força normativa dos princípios e do fato de serem mandados de otimização. Há razões
metajurídicas subjacentes, razões sociológicas, econômicas, políticas, que se impõem. Ora, o
sistema jurídico deve atender a um imperativo de desenvolvimento nacional, como sustentado
pela professora Ada Pellegrine.
Um sistema de precedentes sólido desestimularia a litigância 84 baseada na
imprevisibilidade do sistema, na chamada jurisprudência lotérica, pois, sabendo de antemão que o
Judiciário se posiciona de uma maneira consistente em determinada direção, não haveria por que
indagá-lo a respeito.
Isso pouparia, de certo modo, o Judiciário, tornando-o mais célere, eficiente e
econômico85, em tempos em que tal medida se faz premente. Grande parte da crise econômica
atual está ligada ao excesso de gasto público, e isso não exime o Judiciário brasileiro de crítica.
Comparativamente a países avançados institucionalmente, como o são Alemanha,
Inglaterra e Estados Unidos, o Brasil gasta com o Judiciário quase cinco vezes o que gasta a
Alemanha em termos relativos ao PIB, e quase dez vezes o que os Estados Unidos e a Inglaterra
gastam, chegando ao patamar de 1,3% do PIB86. Com menor litigância, o Brasil poderia diminuir
gastos com o Judiciário.
Caso houvesse previsibilidade das decisões, também haveria a facilitação de acordos,
na medida em que os termos desses acordos seriam mais tangíveis, com maior racionalização das
84 Marinoni, Luís Guilherme, Precedentes Obrigatórios, p. 133 85 Marinoni, L. G., Idem, p. 138 86 http://brasil.elpais.com/brasil/2016/06/16/politica/1466099536_355126.html
28
vantagens e desvantagens do litígio87. Não obstante, haveria maior facilidade de aceitação dos
resultados88, o que reforçaria a reputação dos juízes e a credibilidade do Juciciário.
Por outro lado, também haveria um favorecimento da sociedade perante o Judiciário,
pois, caso tal sistema fosse consistente, a recorribilidade também diminuiria, tornando a duração
do processo mais razoável, como manda a Constituição89. Além disso, todos os argumentos
contrários à força obrigatória dos precedentes são facilmente rebatíveis por argumentos muito
sensatos. Senão vejamos.
Eventual enrijecimento dos precedentes judiciais diante de novas realidades sociais
poderia ser superado com a revogação do precedente90, seja pelo próprio Judiciário, seja pelo
Legislativo, com a edição de leis em sentido contrário.
O óbice à realização da isonomica judicial, ou impedimento à realização da
particularização da lei ao caso concreto também não se verificaria, pois o juiz necessariamente
deveria fazer uma distinção, uma discriminação tal, que significasse a adaptação do precedente ao
caso concreto, podendo, em último caso, não considerá-lo aplicável.
Eventual violação do princípio da separação de poderes também não ocorreria, uma
vez que, via de regra, a necessidade de força obrigatória dos precedentes decorre de uma omissão
prévia do Legislativo, que poder ser suprida a qualquer momento pela própria atividade
legislativa, haja vista que, se a lei fosse suficientemente clara e precisa, talvez não haveria
controvérsia a suscitar uma pluralidade de decisões sobre um mesmo assunto.
Além do que, no caso da realidade brasileira, acreditamos ser a insegurança jurídica
gerada por um eventual ativismo judicial baseado na realização da vontade constitucional menos
grave do que a insegurança jurídica gerada pela carência de pacificação sobre determinados
assuntos.
87 Marinoni, L.G., Idem, p. 134 88 Marinoni, L.G., Idem, p. 135 89 Marinoni, L. G., Idem, p. 137 90 Marinoni, L.G., p. 140
29
A violação da independência dos juízes também cederia à força normativa da
isonomia e da segurança, princípios constitucionais que, sopesados, suplantariam a força da
independência, por um sistema mais racional que atenda mais ao interesse público primário, ao
bem-estar coletivo.
Portanto, cremos que dar o devido peso aos precedentes seja levar em consideração
que existem inúmeras razões jurídicas e metajurídicas sensatas, dedutíveis de uma intepretação
sistêmica do ordenamento jurídico e da realidade social, no sentido de que os precedentes com
força obrigatória sejam observados com eficácia vinculante, e os precedentes com força
persuasiva sejam também observados, de modo mais consistente e coerente..
4.2. Observar a força obrogatória dos precedentes é dever imperativo ou mera faculdade do
magistrado?
Os precedentes do art. 927 do CPC/2015 não têm o mesmo peso, como se verá
adiante. No que concerne aos precedentes obrigatórios, é dever imperativo do magistrado
observá-los, salvo se, na atividade de subsunção dos fatos às razões determinantes desses
precedentes (ratio decidendi), o magistrato chegar à conclusão de que está diante de hipótese
distinta.
Lembremos que, nesse caso, o art. 489, §1º, inciso VI, do CPC/2015, exige que
eventual discriminação sobre a aplicação dos precedentes pelo magistrado seja clara,
pormenorizada, sob pena de nulidade da decisão por indevida fundamentação (art. 11, CPC/2015).
Não obstante, parece-nos que foi aberta uma porta, que a força obrigatória de
determinados precedentes ainda é uma construção da doutrina, enquanto o Judiciário não a aceita
amplamente, como mencionado ao término do capítulo 1 a respeito do posicionamento do
Ministro Celso de Mello91, sobre presunção de inocência.
91 Quanto ao voto divergente do ministro Celso de Mello, a questão foi posteriormente pacificada em plenário, em 05/10/2016, ficando definida a possibilidade de execução provisória da pena após condenação em segunda instância (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=326754) .
30
Acreditamos que seja um dever imperativo do magistrado respeitar a força obrigatória
dos precedentes. Entretanto, é na medida em que se invoque o argumento da força obrigatória no
dia a dia da prática forense, e o Judiciário dê sua resposta – seja anulando a decisão contrária, seja
confirmando-a –, que se perceberá se o novo paradigma de cultura judicial trazido pelo CPC/2015
foi incorporado ou não.
Tal força se verificará, efetivamente, na medida em que juízes de primeiro e de
segundo grau reconhecerem a analogia entre o caso decidido pela Corte Superior e o que está
sendo colocado para julgamento pelo juiz ou pelas Cortes de correção92.
Como bem salientado por Sabrina Nasser Carvalho, os juízes observam
espontaneamente determinados precedentes superiores por medo de críticas, e para resguardar
suas reputações93. Isto é, diante da possibilidade de verem suas decisões reformadas por
dissonância com precedentes superiores, eles espontaneamente se adaptam.
A cultura judicial brasileira mudará quando os juízes se moverem pela lógica da
racionalidade intrínseca à doutrina da força obrigatória dos precedentes.
4.3. As hipóteses dos incisos do art. 927 do CPC/2015 são vinculantes? Existe uma gradação
no peso de cada um destes precedentes?
Na França, local onde se originou o sistema precursor do civil law mundo afora,
reconhe-se o peso dos precedentes em razão dos seguintes critérios: a) posicionamento
hierárquico da corte do qual emanou o precedentes; b) o fato de haver um posicionamento
consistente na linha do que estabelece um determinado precedente; c) o caráter de quebra de
paradigma trazido pelo precedente (revirements); e d) a possibilidade de se extrair um princípio
de aplicação geral do precedente94.
92 Cambi, Eduardo , Revista de Processo, vol. 248, ano 40, p. 324 93 Carvalho, Sabrina Nasse, Revista de Processo, vol. 249, ano 40, p. 445 94 (Traduzido por este autor a partir de) Steiner, Eva, Theory and Practice of juditial precedent in France, Coleção Grandes Temas do CPC, V. 3, Capítulo 1, p. 29
31
Apesar disso, tem-se que, na França a) os precedentes anteriores não necessariamente
devem ser seguidos em casos similares subsequentes; b) as corte de vértice não são vinculadas
pelas decisões anteriores por ela prolatadas; b) as cortes inferiores às cortes de vértice não são
vinculadas por estas; d) referências explícitas a decisões prolatadas por uma corte não podem
servir de base legal para uma decisão dessa mesma corte; e) uma decisão de primeiro grau
contrária a um precedente anterior não pode servir de base para apelação95;
Daí se conclui que o sistema de precedentes na França não é vinculado à doutrina do
stare decisis, haja vista que as decisões das supremas cortes não são vinculantes em relação aos
juízes inferiores, que tão somente são limitados aos ditames da lei e da Constituição96.
No direito comparado, a noção típica de stare decisis está ligada à superação da falta
de sistematicidade do common law primitivo97, à falta de previsibilidade e consequente segurança
jurídica. Segundo essa doutrina, a partir de casos surgem regras concretas que se diferenciam com
base em critérios externos, o que inibe a elaboração de conceitos gerais.
O princípio inspirador do stare decisis é “treat like cases alike”, o que significa que
casos iguais devem ser tratados de modo semelhante98. O termo stare decisis significa tanto a
vinculação, por meio do precedente, em ordem vertical (ou seja, como representação da
necessidade de uma Corte inferior respeitar uma decisão pretérita de Corte superior), como
horizontal (a Corte respeitar decisão anterior proferida no seu interior, ainda que a constituição
dos juízes seja alterada)99.
Portanto, o sistema jurídico francês, que é precursor do nosso, não está filiado à
doutrina do stare decisis, ainda que reconheça o devido peso aos precedentes, de acordo com os
critérios acima mencionados.
95 Steiner, Idem, p.27 96 Steiner, Idem, p. 26 97 Marinoni, Luís Guilherme, Obra citada, p. 51-52 98 Marinoni, L. G., Idem, p. 80 99 Marinoni, L. G., Idem., p. 25-26
32
Segundo Zaneti, “A vinculação formal significa que um julgamento que não respeita
um precedente vinculante com relevância institucional, ou seja, com relevância constituída e
regulada por normas jurídicas não pode ser considerado juridicamente correto100” “Precedente
vinculante é aquele que deve ser seguido ou distinguido101”
No início do presente texto, foi dito que a inauguração do sistema de stare decisis
brasisleiro significa que os precedentes merecem o devido peso. Pois bem. Há quem faça
ressalvas ao professor Marinoni, endossando o sistema prevalecente na França, como ensinado
por Eva Steiner.
Ravi Peixoto sustenta que o que será desenvolvido é uma cultura brasileira de
precedentes. “Não haverá, no Brasil, um sistema de precedentes inglês, ou norte-americano. O
que será desenvolvido é uma teoria nacional dos precedentes, adaptada ao regime particular do
direito pátrio e à sua forma de pensar.102”
Cássio Scarpinella Bueno103, indo mais além, não só afirma que a aproximação do
sistema de precedentes do CPC/2015 com o sistema do common law, provavelmente, redundará
numa espécie de sistema de precedentes à brasileira”.
Para ele, é preciso ter em mente que, para uma decisão jurisdicional possuir efeito
vinculante se faz imperiosa uma autorização constitucional, como o fez a EC 45/2004. Portanto,
estaria fora da disposição do legislador infraconstitucional estipular quais precedentes são ou não
vinculantes104.
Daí, segundo ele, é preciso ter cuidado em se afirmar genericamente que
incorporamos a cultura da stare decisis como nos países filiados ao common law, pois não há
nada no CPC/2015 que autorize afirmativas genéricas no sentido de que o direito brasileiro migra
em direção ao common law105 .
100 Zanneti Jr, Hermes, O Valor Vinculante dos Precedentes, Teoria dos Precedentes Normativos Formalmente Vinculantes, p. 323 101 Schauer, Frederick, Precedente, p. 57 102 Peixoto, Ravi, Revista de Processo, ano 40, vol. 248, p. 235 103 Bueno, Cassio Scarpinella, Manual de Processo Civil, 2ª ed., p. 604 104 Bueno, C. S., Idem, p. 595 105 Bueno, C. S. idem, p. 596
33
As palavras do professor Scarpinella merem ser ponderadas, porque freiam a linha de
pensamento até aqui desenvolvida. Vão ao encontro daquilo a que, capítulos atrás, fazíamos
referência ao professor Elival da Silva Ramos.
Princípios não têm a mesma força normativa de normas positivadas. Ainda que
defendamos a normatividade dos princípios da igualdade da isonomia, entre outros, para amparar
a tese da formação do sistema de stare decisis à brasileira, o legislador infraconstitucional não
poderia invandir a esfera de competência do legislador constituinte.
Nesta linha, para o professor Scarpinella, não se poderia reconhecer eficácia
obrigatória a nenhum dos precedentes do art. 927 do CPC/2015, salvo súmulas vinculantes e
ações de controle concentrado de constitucionalidade, como anteriormente ao CPC/2015, já
previsto na Constituição Federal de 1988106.
Discordamos parcialmente do professor Scarpinella quando trata da origem da
vinculatividade. Ainda que se incorra em risco de o legislador infraconstitucional invadir a esfera
do legislador constitucional, as regras de competência processual legislativa da Constituição
Federal servem à segurança jurídica que se quer garantir com essa possível invasão. E o princípio
da legalidade também serve a essa segurança que se quer proteger.
Logo, acreditamos que não só as hipóteses do art. 927 do CPC/2015 que replicam o
entendimento constitucional, como o são as súmulas vinculantes e as ações de controle
concentrado, possuem força obrigatória e eficácia vinculante, mas também outras hipóteses, como
se verá a seguir.
Ainda assim, nem todos os precedentes determinados nas hipóteses do art. 927 do
CPC/2015 são obrigatórios, têm o mesmo peso, e, portanto, seguem a doutrina da stare decisis,
como consagrado em países tipicamente vinculados ao common law. Uns têm força persuasiva,
outros, vinculante.
106 Bueno, C.S. ,Idem, ibidem
34
Isso não significa, todavia, que o Brasil tenha se posicionado como a França em
relação à doutrina do stare decisis, negando-a peremptoriamente, mas que a reconheceu em parte
para as hipóteses com força obrigatória do art. 927 do CPC/2015.
Daniel Mitidiero defende que as regras do art. 926 e 927 do CPC/2015 tornam mais
visível a adoção da doutrina do stare decisis entre nós, pois há uma mudaça de paradigma em
relação ao referencial de segurança jurídica, “não mais apenas a estática declaração da lei ou dos
precedentes, mas a dinâmica reconstrução da relação entre a lei, a doutrina e os precedentes, a
partir de parâmetros racionais de justificação”107.
Vejamos cada uma das hipóteses, as quais, cumpre salientar, não são taxativas, mas
meramente exemplificativas, bem como estabelecem uma ordem hierárquica 108 entre os
mencionados precedentes109.
O inciso I do art. 927 do CPC/2015 faz menção à observância das decisões do STF em
controle concentrado de constitucionalidade, que produzem, por definição, eficácia erga omnes, e,
portanto, seus motivos determinantes devem ter força obrigatória e vinculante para todos110. O
descumprimento dessas decisões enseja reclamação, nos termos do art. 988 do CPC/2015111.
Além do que, há que se considerar o papel institucional de uniformizar a interpretação da lei
constitucional em todo território nacional. A deferência a este papel confere racionalidade ao
sistema.
O inciso II do art. 927 do CPC/2015 faz menção ao enunciado de súmulas vinculantes,
do STF e do STJ. Segundo o professor Marinoni, “uma súmula não tem condições de refletir a
racionalidada da argumentação própria a um precedente”112.
107 Mitidiero, Daniel, Precedentes, Da Persuasão à Vinculação, p. 95 108 Para Cassio Scarpinella Bueno, “é difícil verificar a existência de verdadeira gradação das hipóteses dos incisos do art. 927 em relação aos juízes (a referência é aos órgãos jurisdicionais da primeira instância) e aos tribunais (STF, STJ, TJs e TRFs) referidos no caput (Bueno, C. S., Idem, p. 602)” Pensamos, todavia, com a devida vênia, que é correto pressupor que o peso de precedentes emanados do STF ou do STJ seja maior do que aqueles emanados do plenário ou órgão especial aos quais juízes e tribunais estiverem vinculados. 109 Macêdo, Lucas Buril de, Revista de Processo, ano 39, vol. 237, p. 387-388 110 Marinoni, L.G. Idem, p. 285 111 Wambier, Teresa Arruda Alvim e outros, Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil, Artigo por Artigo, p. 1317 112 Marinoni, L.G., Idem, p. 287
35
As súmulas são necessárias quando não há clareza sobre os motivos determinantes de
precedentes controvertidos, bem como diante da multiplicação de processos baseados nessas
controvérsias (art. 103-A, §º da CF/1988). Elas não são precedentes em si, mas deles derivam, na
medida em que servem à sua uniformização, nos termos da Constituição, como acima
mencionado.
Entende-se, todavia, que caso haja um avanço concreto do Judiciário no sentido de
consolidação da doutrina do stare decisis, como propõe o CPC/2015, as súmulas tendem à
obsolescência. Frequentemente, elas são editadas, pois as cortes superiores não observam a força
vinculante horizontal de seus precedentes, de modo que precedentes posteriores são contraditórios
a precedentes anteriores.
Súmulas vinculantes são de observância obrigatória, e o descumprimento delas enseja
reclamação, nos termos do art. 988 do CPC/2015113. Têm a mesma força obrigatória de decisões
em controle concentrado.
Os incisos III e IV, do art. 927 do CPC/2015, tratam de acórdãos em incidente de
assunção de competência ou de resolução de demandas repetivas e em julgamento de recurso
extraordinário e especial repetitivos, bem como como de enunciados das súmulas do Supremo
Tribunal Federal em matéria Constitucional e do Superior Tribunal de Justiça, em matéria
infraconstitucional.
Em razão da obrigatoriedade, o descumprimento deles enseja reclamação para o STJ e
para o STF114 . Cumpre frisar, que, em regra, não há diferença entre súmula e “súmula
vinculante”115. A única diferença, fulcral, reside no fato de que as súmuas vinculantes vinculam
também a Administração Pública116.
Já o inciso V do art. 927 do CPC/2015 fala em seguimento à orientação do plenário,
ou do órgão especial aos quais os juízes estiverem vinculados.
113 Wambier, Idem, ibidem 114 Wambier, Idem, p. 1317-1318 115 Marinoni, L.G., Obra citada, p. 311 116 Marinini, L.G., Idem, ibidem
36
A professora Teresa Arruda Alvim, todavia, faz a ressalva de que esta obrigatoriedade
é fraca117, se comparada à obrigatoriedade das hipóteses mencionadas nos incisos acima, pois a
autoridade do plenário ou órgão especial dos tribunais está circunscrita às suas áreas de
competência, à regionalidade desses tribunais.
Além do que, não se tem em vista as típicas funções institucionais do STJ e STF, de
uniformização de leis infraconstitucionais e constitucionais, respectivamente.
Portanto, entendemos que nem todas hipóteses definidas no art. 927 do CPC/2015
apresentam o mesmo peso. Daí se fala que o Brasil se vinculou à teoria do stare decisis em termos
(somente para as hipóteses dos incisos I a IV desse artigo), bem como que o nosso ordenamento
jurídico contextualizou esta doutrina para o que podemos chamar de common law à brasileira.
4.4. Uma decisão contrária a um precedentes suscitado pelo art. 927 do CPC/2015 seria
nula?
Como exposto anteriormente, em caso de descumprimento de um precedente
obrigatório, como o são as hipóteses definidas nos iniciso I a IV, do art. 927 do CPC/2015, a
decisão desafiará reclamação perante a Corte superior da qual emanou o precedente.
Todavia, pensamos que, caso a cultura do stare decis seja peremptoriamente
incorporada pelo Judiciário, decisões de primeiro grau contrárias a precedentes do STF e do STJ
desafiarão, também, recurso de apelação, ou agravo, se interlocutórias, perante o segundo grau,
sob o argumento de serem nulas, uma vez demonstrado o prejuízo pela desconsideração arbitária,
sem discriminação, do precedente.
Acreditamos, também, que se a decisão for contrária à hipótese do inciso V, poderá
ser arguida a nulidade pelas vias próprias que devolvem a análise da questão à segunda instância,
por apelação e agravo. Neste sentido, Ravi Peixoto defende que não se pode qualificar um
117 Wambier, Idem, p. 1318
37
precedente obrigatório pelo simples fato de desafiar a interposição de reclamação simplesmente,
pois a reclamação nada mais é do que um remédio jurídico processual118. Segundo ele, “a
consequência para a não aplicação do precedente vinculante é a sua reforma, tal qual ocorre
quando há a aplicação errônea do texto normativo.119”
Pensamos que a decisão que, arbitrariamente, não leva em conta um precedente
obrigatório enseja nulidade por vício de fundamentação, como se extrai do art. 11 do CPC/2015.
4.5. Como o CPC/2015 recepciona os precedentes formados à luz do CPC/1973?
O principal ponto a ser observado como critério para averiguar se esta recepção é
válida consiste em investigar se o precedente em questão observou ou não os parâmetros formais
estipulados pelo CPC/2015, quando de sua formação120.
Uma das principais quebras de paradigma provocadas pelo CPC/2015 foi a tentativa
de coibir a cultura da jurisprudência defensiva.
Assim, se o precedente em questão não tiver enfrentado todos os argumentos trazidos
pelas partes, nos termos do art. 489, §1º e incisos, do CPC/2015, ou tiver cerceado a pertinente
intervenção de amicus curiae, de encontro ao que impõe o art. 138 do CPC/2015, o precedente em
quesão não poderá ser recepcionado121.
118 Peixoto, Ravi, Revista de Processo, ano 40, vol. 248, p. 336 119 Peixoto, R., Idem, Ibidem 120 Nogueira, Gustavo, Obra citada, p. 392-394 121Nogueira, G., Idem, Ibidem
38
5 . DEFINIÇÃO CONCEITUAL DE PRECEDENTE
Em sentido lato (ou próprio), segundo Fredie Didier Jr., “precedente é a decisão
judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo elemento normativo pode servir como diretriz
para o julgamento posterior de um caso futuro122”
Em sentido estrito (ou impróprio), precedente se confunde com a ratio decidendi, ou
holding 123 , para os americanos, que são os fundamentos jurídicos determinantes de uma
decisão124, sendo que os fundamentos determinantes decorrem da fundamentação do julgado, mas
com ela não se confundem.125
Segundo Cruz e Tucci, todo precedente se sustenta em razões de fato que provocaram
seu surgimento, bem como em uma tese (ou ratio decidendi) motivadora da decisão, que pôs fim
à controvérsia em questão126.
Como vimos anteriormente, ao analisar as hipóteses do art. 927 do CPC/2015, os
precedentes não têm o mesmo peso, sendo certo que uns apresentam eficácia obrigatória,
vinculante, e outros eficácia persuasiva, a ser devidamente considerada.
Assim sendo, o efeito do precedente não é capaz, por si só, de caracterizá-lo, muito
embora doutrinadores como Hermes Zaneti Jr. se posicionem nesse sentido127. Isso porque, a
hipótese disposta no inciso V do art. 927 do CPC/2015 trata da orientação firmada no plenário ou
órgão especial, aos quais o juiz ou os tribunais estiverem vinculados. E tal hipótese tem efeito
persuasivo, quando se tem por referencial um órgão que não faça parte do tribunal em questão.
Ora, nem por isso será impossível identificar uma norma que se extrai das razões
determinantes de um precedente formado a partir da aludida hipótese.
122 Didier Jr.., Curso de Direito Processual Civil, vol. 2, ed. 2015, p. 441 123 Silva, Celso de Albuquerque, Do efeito vinculante: sua legitimação e apliação, p. 182 124 Macêdo, Lucas Buril, Precedentes Judiciais e o Direito Processual Civil, p. 92-93 125 Marinoni, L. G., Precedentes Obrigatório, p. 221 126 Tucci, José Rogério Cruz e, Precedente Judicial como fonte do direito, p. 12 127 Zaneti Jr., Hermes, O Valor vinculante do precedente, p. 324-327
39
É difícil defender a tese de Hermes Zaneti, de caracterização do precedente de acordo
com a sua eficácia vinculante, pois, a despeito dessa eficácia, o art. 926 do CPC/2015 impõe um
dever geral de integridade, estabilidade, coerência e uniformização, de modo que os precedentes
com eficácia persuasiva, ainda que não sejam formalmente vinculantes, deverão tender à
uniformização128.
Ademais, a doutrina sempre distinguiu o precedente da jurisprudência pelo aspecto
qualitativo e não pelo quantitativo, de modo que o conceito de precedente faria referência a uma
decisão da qual se extrai uma norma, e jurisprudência, a um conjunto de decisões. Ora, é
importante frisar, todavia, que nem toda decisão isolada conterá, em suas razões determinantes,
uma norma de efeito vinculante, ou sequer uma norma com eficácia persuasiva.
É possível vislumbrar onde se quer chegar com essas ilações, quando, por exemplo, se
considera o incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 927, III, do CPC/2015). A
solução desse incidente formará um precedente a ser seguido futuramente. Entretanto, a
controvérsia que lhe dá azo frequentemente se funda em conjuntos de decisões (jurisprudências)
divergentes.
No caso do exemplo fornecido, é importante observar que a noção de precedente
também guarda autonomia em relação à noção de jurisprudência majoritária. Isso porque, a
decisão que pacifica a controvérsia em incidentes de demandas repetitivas pode prestigiar teses
defendidas pela jurisprudência minoritária, com a eficácia vinculante própria das decisões em
incidentes de demandas repetitivas, em detrimento da jurisprudência majoritária.
Precedente é uma decisão isolada da qual se extrai uma norma para casos futuros.
Jurisprudência é um conjunto de decisões em determinado sentido.
As súmulas não são precedentes. Foram agrupadas no rol dos incisos do art. 927 do
CPC/2015, numa evidente tentativa de adaptar o CPC/1973 ao CPC/2015, na medida em que as
128 Peixoto, Ravi, Superação do Precedente e Segurança Jurídica, p. 132-134
40
súmulas, tanto vinculantes, como não vinculantes, já eram um prenúncio da necessidade de
sistematização e uniformização dos julgados, verificada pelos juristas que conceberam a EC
45/2004. Daí se entende que a razão de agrupamento das súmulas no rol dos incisos do art. 927
decorre do fato de ser mais uma fonte de uniformização dos precedentes.
As súmulas possuem uma lógica estática129, uma vez que suas interpretações estão
condicionadas aos julgados que lhes deram origem, de acordo com o enunciado 166130 do Fórum
Permanence de Processualistas Civis: “A aplicação dos enunciados das súmulas deve ser realizada
a partir dos precedentes que os formaram e dos que os aplicaram posteriormente.”,
Já os precedentes possuem uma lógica dinâmica, não constituem um texto normativo
parado no tempo, pois ganham contornos na medida em que sua invocação e aplicação se protrai
no tempo, desde a Corte do qual emanou, até as que sucessivamente os reconhecem e os
aplicam.131
Tal caráter dinâmico também é corroborado pelo fato de que diferentes intérpretes
usam o precedente de diversas formas, para além do caso originário; um precedente é interpretado
à luz de outros precedentes, como os fios de uma de teia que se entrelaçam e formam um corpo
maior; bem como as dúvidas suscitadas a partir da aplicação de um precedente são solucionadas
com o passar do tempo, na medida de sua invocação132.
Com efeito, superadas as distinções entre precedente, jurisprudência e súmula, cumpre
adentrar no mérito de como extrair a ratio decidendi da decisão.
Primeiro, é preciso ter em conta que a ratio decidendi pode ser extraída da leitura
conjunta de qualquer dos elementos da decisão, seja das circunstâncias fáticas, da
fundamentação133, seja do dispositivo.134
129 Peixoto, Ravi, Superação do Precdente e Segurança Jurídica, p. 139 130 http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2015/06/Carta-de-Vit%C3%B3ria.pdf 131 Peixoto, R., Idem, p. 163 132 Peixoto, R., Idem, p. 165 133 Tal entendimento doutrinário quanto à possibilidade de extração da ratio decidendi da fundamentação foi rechaçado pelo STF na Reclamação. 8168/SC, ocasião em que restou consignado que o STF não admite a transcedência dos motivos determinantes de acórdão com efeito vinculante. Para o STF, somente o dispositivo do acórdão produz efeito vinculante, ainda que se trate de um acórdão decorrente de precedente com força
41
Segundo, a ratio decidendi se extrai da eliminação do obter dictum, que consiste na
parte da decisão prescindível para a construção da motivação e do raciocínio exposto. São os
argumentos jurídicos adicionais, de passagem135, as questões acessórias, que não constituem o
objeto principal do julgado, entre os quais é possível citar as referências a parâmetros normativos
impertinentes e inaplicáveis à espécie, bem como ao conteúdo do voto vencido na decisão
colegiada, entre outros136.
Lucas Buril de Macêdo faz a ressalva de que “o conceito de ratio decidendi pode ser
utilizado independente de o precedente ser obrigatório ou persuasivo”137.
Com efeito, para a identificação da ratio decidendi, existem duas técnicas
consagradas, uma desenvolvida por Eugeune Wambaugh, segundo a qual se identifica a ratio
decidendi no momento em que se extraem elementos decisórios imprescindíveis para o comando
decisório final. E, caso não haja interferência no comando decisório final, o que foi suprimido
identifica o obiter dictum. Segundo Didier, esta técnica é falha para a doutrina, pois se limita à
identificação da ratio decidendi de uma decisão formada apenas por uma ratio138.
Já a outra técnica foi desenvolvida por Arthur Goodhart, segundo quem a
identificação da ratio decidendi se faz pela identificação do fatos substanciais para a prolação da
decisão. Nesse sentido, ele distingue fatos hipotéticos – que levam sempre ao obter dictum – de
fatos materiais, substanciais, à ratio decidendi139.
Todavia, apesar da crítica doutrinária, Didier conclui que a técnica correta para
identificação conjuga as duas teorias acima mencionadas, tanto a dos fatos relevantes em que se
assenta a causa, como a dos motivos jurídicos determinantes que conduzem à conclusão140.
obrigatória. Entendemos, todavia, que a fundamentação servirá para contextualizar a interpretação do dispositivo do acórdão (http://www.dizerodireito.com.br/2015/12/o-stf-nao-admite-teoria-da.html) 134 Didier Jr., F., Idem, p. 446 - 450 135 Macêdo, Lucas Buril de, Contributo para a definição de ratio decidendi na teoria brasileira dos precedentes judiciais. Coleção Grandes Temas do Novo CPC, vol. 3, cap. p. 218 136 Didier Jr., F., Idem, p. 444 - 446 137 Macêdo, L. B, Idem, ibidem 138 Didier Jr, F., Idem, p. 449 139 Macêdo, L. B., Idem, p. 220 140 Didier, F. D., Idem., p. 450
42
Não obstante, a tese defendida pelos principais autores mencionados por Didier,
Lucas Buril de Macêdo141 faz alusão, também, a Rupert Cross, que acrescenta à ideia de fatos
essenciais de uma decisão a necessidade de contextualização do julgamento à luz do direito
jurisprudencial como um todo. Isso nos soa demasiadamente etéreo e vago, pois o direito
jurisprudencial brasileiro, nos dizeres de Scarpinella Bueno, consiste em expressão adequada para
descrever o conteúdo dos artigos 926 e 927 do CPC/2015142.
Já o jurista Neil MacCmormick critica Rupert Cross pela abordagem excessivamente
ampla, e define ratio decidendi como “a parte suficiente e não necessária para o estabelecimento
de uma questão de direito posta entre as partes”143.
Segundo verificamos, há inúmeros juristas estrangeiros que se propõem a estabelecer
um método válido de identificação dos precedentes.
Já na linha da doutrina nacional, todavia, Nunes e Horta144 fazem a ressalva de que o
enunciado normativo que se extrai da ratio decidendi não está “pronto e acabado no precedente”,
devendo a sua elaboração ser construída num “diálogo processual” entre as partes, conforme o
que deve ou não ser considerado relevante, inexistindo “fórmula apriorística” para resolver esta
questão.
Diante de tantas abstrações teóricas um tanto quanto complexas, acreditamos que
somente diante do caso concreto será possível identificar a que realmente estes juristas estão se
referindo…
A título de exemplo, em março de 2016145, o STJ julgou o Resp 1.550.509-RJ,
segundo o qual restou assentado que “não configura dano moral in re ipsa a simples remessa de
fatura de cartão de crédito para a residência do consumidor com cobrança indevida. Para
141 Macêdo, L.B, Idem, p. 221 142 Bueno, Cassio Scarpinella, Manuel de Direito Processual Civil, V. único, 2ª ed., p. 600 143 Macêdo, L.B, Idem, p. 221 144 Nunes, Dierle. Horta, André Frederico. Aplicação de precedentes e distinguishing no CPC/2015. Coleção Grandes Temas do Novo CPC, V. 3, Cap. 14, p. 316 145 https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2016/05/info-579-stj1.pdf, p. 10
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configurar a existência do dano extrapatrimonial, é necessário que se demonstre que a operadora
de cartão de crédito, além de ter incluído a cobrança na fatura, praticou outras condutas que
configurem dano moral, como por exemplo: a) reiteração da cobrança indevida mesmo após o
consumidor ter reclamado; b) inscrição do cliente em cadastro de inadimplentes; c) protesto da
dívida; d) publicidade negativa do nome do suposto devedor; ou e) cobrança que exponha o
consumidor, o submeta à ameaça, coação ou constrangimento.”
Pensamos ser correto afirmar que a ratio decidendi extraível do julgado acima seja:
em qualquer relação de consumo, seja ela decorrente de serviços bancários, de saúde, de telefonia,
por qualquer meio análogo ao de uma fatura de cartão de crédito, em que se apresente cobrança
indevida, mais alguma das hipóteses descritas nas letras de “a” a “e”, conforme acima disposto,
estará presente a obrigação de indenizar por dano moral.
Daí concluímos que as técnicas sugeridas a partir da leitura dos autores estrangeiros
suscitados são aquelas que permitem uma abstração e generalização tal das razões determinantes
do julgado (ratio decidendi), sem que se perca de vista elementos mínimos de aproximação, de
analogia com o caso concreto que deu origem ao precedente.
Nos dizeres de Nunes e Horta146, “é preciso indagar-se quando e em que medida
determinado caso é subsumível no precedente, e este questionamento diz diretamente com o nível
de generalização a ser buscado tanto no precedente como no caso presente, a fim de serem
estabelecidas as analogias e as contra-analogias que definirão acerca da aplicabilidade daquele a
este.”
Misabel Derzi e Thomas Bustamente147 entendem que “a decisão de aplicar cada
precedente a um novo caso concreto é presidida e informada por uma ponderação de princípios,
que se encontra na base do processo de comparação de casos, por meio de analogias e contra-
analogias.”
146 Nunes, Dierle. Horta, André Frederico. Aplicação de precedentes e distinguishing no CPC/2015. Coleção Grandes Temas do Novo CPC, V. 3, Cap. 14, p. 305 147 Nunes, Dierle. Horta, André Frederico. Aplicação de precedentes e distinguishing no CPC/2015. Coleção Grandes Temas do Novo CPC, V. 3, Cap. 14, p. 305
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Por isso, fala-se em distinguishing – a distinção entre o caso concreto e o caso
paradigmático –, que deu origem à ratio decidendi. Donde, ou ocorre uma interpretação restritiva,
ou se aplica a ratio decidendi ao caso concreto148, ou se declara a superação do precedente
(overrulling).
Com efeito, a superação (overrulling) do precedente pressupõe a observância dos
seguintes requisitos, segundo Eisenberg149: a) o precedente não corresponde mais aos padrões de
congruência social e consistência sistêmica; e b) as normas jurídicas que sustentam a estabilidade,
tais como a isonomia e a segurança jurídica, mais fundamentam a sua superação do que a sua
preservação.
A superação do precedente ocorre de modo expresso150 quando o tribunal passa a
adotar nova orientação, abandonando a anterior, como recentemente ocorreu em relação à
mudança do paradigma de presunção de inocência151, em matéria criminal. Ora, com base nessa
orientação, caso se inteponha recurso extraordinário de decisão condenatória à prisão proferida
em 2ª instância, o STF não poderá conhecer do RE com efeito suspensivo.
Muito embora tal posicionamento do supremo seja controvertido, havendo inúmeros
juristas que dele discordam, inclusive ministros do próprio STF que foram voto vencido, é
possível identificar os requisitos suscitados por Eisenberg: conguência social – demanda pelo fim
da impunidade; consistência sistêmica – as cortes de superposição não são 3ª instância, mas
instâncias especiais e extraordinárias; prevalência do princípio da isonomia e segurança jurídica –
fim de recursos protelatórios, que, em geral, são interpostos por quem tem condições de contratar
advogados privados.
Entendemos que a superação de precedente é atividade típica de instâncias colegiadas,
de modo que, ao proceder à distinção do caso concreto em relação ao caso paradigmático do qual
se extraiu a ratio, não cabe ao juiz de primeiro grau declarar a superação, mas sim considerar a
148 Didider Jr., Fredie, Idem, p. 491 149 Peixoto, Ravi, Superação do Precedente e Segurança Jurídica, p. 177 150 Didier Jr., Fredie, Idem, p. 494 151 http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=310153
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ratio do paradgima de confronto mais atualizado. Donde se infere que o sistema de precedentes
do CPC/2015 exige do magistrado atualização jurisprudencial constante.
O direito à distinção é corolário do princípio da igualdade152, na medida em que não
se pode falar em critério de discricionáriedade jurisdicional, de conveniência e oportunidade, para
a aplicação do precedente a um ou outro caso. Uma vez que se verifique a hipótese de incidência,
pela confrontação dos fatos concretos com a ratio decidendi de um caso paradigmático, é de rigor
sua aplicação.
Segundo Ramires, “uma decisão judicial deve ser coerente com o todo da prática
jurídica, porque o direito rejeita os casuísmos típicos da política153” Nesse sentido, não se admite
que o juiz se omita em relação à distinção, sob pena de se incorrer em decisão per incuriam, ante
a qual se podem opor embargos de declaração, pois estarão presentes as hipóteses154 do art. 1.022,
parágrafo único, I e II, do CPC/2015.
Uma dúvida que tal afirmação suscita é a seguinte: deve o juiz realizar a distinção
entre o caso concreto e os precedentes judiciais vinculantes não trazidos à baila no caso concreto,
quando a causa de pedir da ação se enquadre na ratio decidendi? Isto é, cabe ao juiz reconhecer a
aplicação de ofício de precedentes aplicáveis ao caso concreto não trazidos na fundamentação
jurídica inicial?
Não seria isso um julgamento extra petita, a esbarrar nos limites definidos pelos
artigos155 141 e 492 do CPC/2015? Ora, quando se afirma que determinados precedentes do
CPC/2015 são vinculantes (inciso I a IV do art. 927 do CPC/2015), bem como que o sistema de
precedentes do CPC/2015 gerou uma quebra de paradigmas, porque tais precedentes foram
152 Didier Jr. F., Idem, p. 492 153 Nunes, Dierle. Horta, André Frederico. Aplicação de precedentes e distinguishing no CPC/2015. Coleção Grandes Temas do Novo CPC, V. 3, Cap. 14, p. 305
154 “Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para: I - esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;
155 “Art. 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte; Art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado”.
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alçados à categoria de fonte primária do direito, pode-se entender que são matéria de ordem
pública, cognoscíveis de ofício.
Até porque as hipóteses do parágrafo único do art. 1.022156 dizem expressamente
serem omissas as decisões que não consideram a tese adotada em julgamento de recurso
repetitivo, ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento.
Lembremo-nos de que tais hipóteses compõem as do art. 927 do CPC/2015.
Entretanto, em vista do princípio da boa-fé processual, entendemos que há uma
proibição do comportamento contraditório (venire contra factum proprium), de modo que o juiz
tem a prerrogativa de reconhecer a aplicação de um determinado precedente de ofício, mas a parte
não tem a prerrogativa de manejar recursos processuais diante de uma omissão própria, seguida
pela do juiz, exceto se o conhecimento de ofício se referir às hipóteses do inciso I, §1º do art.
1022 do CPC/2015.
Assim sendo, é de fundamental importância que os operadores do direito tenham
compreensão atualizada das técnicas de extração da ratio decidendi, a fim de que explorem as
implicações daí advindas de modo proveitoso, seja arguindo a nulidade de uma decisão que não
considerou um caso paradgima invocado, seja embargando decisões que deveriam ter aplicado
uma ratio decidendi cognoscível de ofício.
156 “Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que: I - deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento; II - incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1o.”
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6. INCIDENTES DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Ampliada a compreensão sobre as técnicas de extração da ratio decidendi,
abordaremos, neste capítulo, algumas considerações sobre o Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas (IRDR) e o Incidente de Assunção de Competência (IAC).
Em que pese o CPC/2015 ter trazido inúmeras inovações relevantes em relação ao
sistema de precedentes, escolhemos esmiuçar estas duas espécies157, seja porque IRDR é um
instrumento novo dentro do sistema, seja porque, conforme veremos, embora o IAC já fosse
previsto158 no CPC/1973, não podendo ser qualificado como um novo instituto, ganhou destaque
no contexto do atual sistema.
6.1. Incidente de Resolução de Demandas Repetititvas
Um dos grandes desafios assumidos pelo CPC/2015 em relação à uniformização da
jurisprudência foi reduzir as demandas judiciais de massa baseadas em controvérsias jurídicas de
direito.
Se, por um lado, o microssistema processual coletivo – formado sobretudo pela
justaposição sistemática do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), da Lei da Ação
Civil Pública (7.347/85) e da Lei de Ação Popular (4.717/65) – ensejou a possibilidade de tutelas
processuais de direitos materiais de titularidade difusa, determinados partir de uma situação de
fato - direitos individuais homogêneos -, ou determináveis a partir de uma relação jurídica base de
grupo - direitos coletivos stricto sensu -, por outro, não se pôde constatar efetiva diminuição dos
litígios de massa159.
Ora, basta averiguar que o congestionamento do Judiciário se deve, em grande parte, à
postura de entes privados que adotam políticas comerciais abusivas, explorando controvérsias de
157 No capítulo 4, tratamos acerca dos devido peso aos precedentes do CPC, conforme as hipóteses definidas no art. 927 do CPC/2015, dentre as quais se insere os acórdãos que decidem IRDR e o IAC, no inciso III, além dos acórdãos que resolvem recurso repetitivos. 158 Segundo Cassio Scarpinella Bueno “O destaque dado à regra pelo CPC de 2015 poderá resultar em maior aplicação do instituto, mais comumente empregado pelos Tribunais Superiores, já que, no CPC de 1973, esta mesma técnca era timidamente prevista no §1º do art. 555 (Bueno, Cassio Scarpinella, Manual de Direito Processual Civil, vol. único, 2ª ed., p. 614) 159 Didier, F. Curso de Direito Processual Civil, vol. 3, ed. 2016, p. 583-588
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direito para postergarem o atendimento de demandas de consumidores, haja vista a enxurrada de
ações de bancos, operadoras de telefonia, planos de saúde…
Sem dúvida, o microssistema processual coletivo conferiu um tratamento escalonado
dessas demandas, rompendo os tradicionais limites subjetivos do processo individual. Entretanto,
tal ruptura não foi o bastante para romper um paradigma de eficiência e racionalidade160
processual, de um ponto de vista institucional.
Doutrina abalizada161 defende que o microssistema de direito processual coletivo não
obstou a avalanche de ações massificadas por uma série de razões, tais como a restrição de
matérias que podem ser objeto de tais ações, como “o impedimento das de natureza tributária; a
restrição de legitimidade ativa da pessoa natural; a falta de critérios para aferir e controlar
efetivamente a representatividade adequada; a inadequada restrição da atuação de associações; o
ineficiente sistema de comunicação da propositura da ação coletiva aos interessados; a
condenação genérica e a necessidade de execução individual; o sistema de extensão dos efeitos da
coisa julgada; a falta de uma cultura de associatividade; a tendência à propositura de ações
individuais; e a ausência de formas adequadas para flexibilização do procedimento e adequação
ao conflito”.
Visando a contornar as falhas do microssistema processual coletivo vigente, o
legislador ordinário criou a figura do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR),
previsto no art. 976, do CPC/2015.
A instauração do IRDR admite a suspensão de todas as demandas com causas de pedir
análogas à causa-piloto escolhida (art. 146, §2º, CPC/2015). Isso permite um efeito em cascata do
julgamento da causa-piloto e confere uma resposta mais racional e institucionalizada ao
tratamento de demandas repetitivas, pois todas as demandas suspensas serão posteriormente
afetadas pelo resultado do julgamento da causa-piloto.
160 Mendes, Anísio Gonçalves Castro. Silva, Larissa Clare Pochmann da, Precedente e IRDR: algumas considerações, Coleção Grandes Temas do Novo CPC, V. 3, cap. 26, p. 567 161 Temer, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas, p. 35-36
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Nesse ponto, cumpre fazer a ressalva de Carolina Falleiros e Leonard Schmitz162: “a
transposição da tese de direito para a situação fática muitas vezes não é simples, nem mecanizada,
e o uso descuidado dessa técnica de julgamento pode ser causa inclusive de aumento da
instabilidade do sistema. Por esse motivo, qualquer aplicação ou utilização do incidente de
resolução de demandas repetitivas exige, sempre, a observância atenta do art. 489, §1º, que
detalha o dever de fundamentação.” Logo, a busca do denominador comum entre as causas
suspensas e a causa-piloto deve ser feita com cautela.
Nos dizeres de Luís Guilherme Marinoni163, “a decisão tomada no referido incidente
constitui uma nítida proibição de litigar a questão já decidida, que, nos casos de decisão negativa
àqueles que não puderam participar e discutir, assemelha-se a um inusitado e ilegítimo collateral
stopel164”
Tal incidente está previsto lado a lado ao sistema de julgamento de recursos
extraordinários e especiais repetitivos, nos termos do art. 928 do CPC/2015, pois tanto o acórdão
que julga o IRDR, quanto o que julga o RE e o Resp repetitivos, formam precedentes que
permitem uma série de atalhos procedimentais.
Uma vez formados tais precedentes, deles podem decorrer a possibilidade de
concessão de tutela de evidência (art. 311, II, CPC/2015); a possibilidade de improcedência
liminar do pedido (art. 332, II e III, CPC/2015); o impedimento da remessa necessária em
recursos desfavoráveis à Fazenda Pública que os contrariem (art. 496, §4º, III e IV, CPC/2015); o
não provimento de recursos que os contrariem (art. 932, IV, “a” e “b”, CPC/2015); além da
necessidade de observância por juízes e tribunais, como explanado no capítulo 4 (art. 927, III,
CPC/2015).
Nos dizeres de Aluisio Gonçalves de Castro Mendes165: “O IRDR é um mecanismo de
solução coletiva de conflitos, delineado na tentativa de trazer razionalização e eficiência diante de
162 Falleiros, Carolina Teodoro, e Leonard Ziesemer Schmitz. "O que a experiência do Procedimento-modelo alemão tem a ensinar ao Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas do Novo CPC, p. 21." 163 Marinoni, Luís Guilherme, Precedentes Obrigatórios, p. 322 164 Marinoni explica que collateral stopel se assemelha à coisa julgada de questões no common law e tem por finalidade preservar a autoridade da decisão. (Marinoni, Luís Guilherme, Precedentes Obrigatórios, p. 323.) 165 Mendes, Anísio Gonçalves Castro. Silva, Larissa Clare Pochmann da, Idem, p. 574
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conflitos de massa, para a árdua tarefa de julgar litígios envolvendo direitos individuais
homogêneos.”
Pensamos, todavia, que Aluisio Mendes se equivoca ao restringir o cabimento do
IRDR somente às demandas repetitivas que envolvem direitos individuais homogêneos, pois o
termo demandas repetitivas abrange questões mais amplas,166 do que os direitos individuais
homogêneos.
Sofia Temer defende que 167 “não é possível equiparar os direitos individuais
homogêneos com “as questões de direito” veiculadas nas demandas repetitivas, mesmo que se
entenda que a “origem comum” (art. 83, III, CDC) seja um “ponto comum exclusivamente de
direito”. Naquele caso, se exige uniformidade de demandas, e, neste, apenas de questões.”
De acordo com ela, “demandas repetitivas168, para o nosso direito positivo, são
processos que contêm questões jurídicas homogêneas. Não há a exigência de uma relação
substancial padrão e tampouco de uniformidade em relação às causas de pedir e pedidos. O
relevante, neste contexto, é a presensa de controvérsia sobre ponto de direito que se repita em
vários processos.”
As considerações de Sofia Temer nos parecem precisas. Até porque, as causas
suspensas em decorrência da causa de pedir análoga à causa-piloto do IRDR podem ser suspensas
parcialmente, quando houver outras causas de pedir distintas169. E o tratamento processual dos
direitos individuais homogêneos pressupõe causas de pedir equivalentes, entre as demandas
individuais que permitem o agrupamento.
Não obstante, também, segundo Barbosa Moreira 170 , os direitos individuais
homogêneos são acidentalmente coletivos. Receberam essa acepção mais por tratamento legal, do
que por sua essência. Se fossem individualmente considerados, por fracionamento, poderiam
166 Temer, Sofia, Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, p. 63 167 Temer, S., Idem, ibidem 168 Temer, Sofia, Idem, ibidem 169 http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI237872,31047-E+possivel+o+julgamento+parcial+do+merito+das+acoes+suspensas+pelo 170 Moreira, José Carlos. Ações coletivas na Constituição de 1988. Revista de Processo, vol. 61, Jan. 1991, p. 187
51
ensejar demandas individuais, diferentemente do que ocorre com os direitos difusos e coletivos
stricto sensu. Donde se depreende que o próprio conceito de direito individual homogêneo é uma
categoria jurídica dinâmica.
Assim, seria, de fato, uma redução desarroazoada do conteúdo do art. 976, que define
os requisitos de admissibilidade do IRDR, considerar seu cabimento tão somente nas hipóteses de
direitos individuais homogêneos.
Superada uma análise do objeto do instituto, faz-se importante frisar que,
diferentemente da anterior sistemática de julgamento de recursos extraordinários e especiais
repetitivos, prevista nos artigos 543-B e 543-C, do CPC/1973, agora, a inovação trazida pelo
manejo do aludido IRDR ampliou significativamente o poder do julgamento de demandas
repetitivas. Isso porque o IRDR pode ser requerido171 por qualquer parte interessada, pelo
Ministério Público, pela Defensoria, pelo juiz do caso, ou pelo relator do recurso, ambos os
últimos de ofício172.
Além disso, não se cogita mais somente do tratamento processual de recursos
repetitivos, mas sim, também, de demandas repetitivas, tanto que a redação173 dos artigos 927, III
e 928 do CPC/2015 são expressas ao disporem o IRDR como uma categoria processual distinta
dos recursos especiais e extraordinários repetitivos.
Se, na sistemática do CPC/1973, cabia tão somente ao presidente do Tribunal de
origem selecionar os recursos controversos (art. 543-B e 543-C, CPC/1973), na atual, o juiz de
primeiro grau pode suscitar a instauração do incidente de ofício, conforme se depreende da leitura
do art. 977, I, do CPC/2015.
171 Neste ponto, cumpre esclarecer que o requerimento não necessariamente provocará a instauração, ficando esta condicionada à análise dos requisitos de admissibilidade do IRDR pelo desembargador relator do caso. 172 Didier, F., Idem, p. 632-633 173 “Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;”
52
Outro ponto importante que confere poder174 a esse instrumento é a legitimidade
democrática decorrente da prerrogativa de participação de terceiros interessados, como se verifica
na realização de audiências públicas, com a participação da figura do amicus curiae175, que
fornecerá dados, informações, documentos, ampliando o debate com a sociedade e a consistência
do que foi discutido no incidente.
Não obstante, a fim de que o IRDR possa ser instaurado em face de uma situação
fática, faz-se necessária, segundo Didier176, a observância dos requisitos cumulativos dispostos no
art. 976 do CPC/2015: a) haver risco de a efetiva repetição de processos impactar na isonomia e
na segurança jurídica; b) a questão ser unicamente de direito; c) haver causa pendente no tribunal.
O risco de repetição de demandas se observa na prática, e pressupõe que haja uma
considerável 177 reiteração de demandas com causas de pedir semelhantes, ensejadoras de
controvérsias de direito a impactarem na isonomia e segurança jurídica178. O risco de quebra da
isonomia e da segurança jurídica foi examinado detalhadamente em capítulos anteriores deste
texto.
Em suma, tal risco ocorre, quando há perigo de decisões divergentes sobre a questão
jurídica presente em todo um grande número de ações repetitivas, segundo a professora Teresa
Arruda Alvim Wambier179, gerando desconfiança sobre qual o comportamento legítimo a ser
adotado no presente, em virtude de uma expectativa de resposta imprevisível do Judiciário.
Quanto ao requisito “b” – a questão ser unicamente de direito – Sofia Temer define
questões de direito180 como aquelas relativas i) a como deve ser extraído o texto normativo e
quais as consequências jurídicas decorrentes dessa extração; b) a que norma deve ser aplicada a
uma situação fática; c) à compatibilidade entre o texto normativo, outras normas, e a Constituição.
174 Entendemos que quanto mais extenso o rol de protagonistas do IRDR, maior o poder de cumprimento do seu objetivo, de redução das demandas de massa, e pacificação de controvérsias de direito repetitivas. 175 Didier, F, Idem, p. 607-611 176 Didier, F., Idem, ibidem, p. 625-628 177 O enunciado 87 do Fórum de Processualistas Civis considera que o requisito do impacto na isonomia e na segurança jurídica é mais relevante que uma grande reiteração de demandas: “A instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas não pressupõe a existência de grande quantidade de processos versando sobre mesma questão, mas preponderantemente o risco de quebra da isonomia e da segurança jurídica”. 178 Didier, F., Idem, Ibidem, p. 625-628 179 Wambier, Teresa Arruda Alvim e outros, Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil, Artigo por Artigo, p. 1397 180 Temer, Sofia. Idem, p. 71
53
O terceiro requisito levantado por Didier e abraçado por seus seguidores – relativo à
pendência de causa repetitiva no tribunal, seja ela originária ou recursal – tem seu entendimento
como indispensável refutado por Sofia Temer. Segundo ela181, o entendimento de Didier
decorreria da interpretação equivocada do parágrafo único do art. 978 do CPC/2015: “O órgão
colegiado incumbido de julgar o incidente e de fixar a tese jurídica julgará igualmente o recurso, a
remessa necessária ou o processo de competência originária de onde se originou o incidente”.
Todavia, haveria inúmeras razões 182 para defender que a pendência de causa
originária ou recursal, no tribunal, seja prescindível para o manejo do IRDR. Vejamos algumas
delas: esse requisito de admissibilidade ter sido suprimido do projeto do CPC/2015 aprovado; a
inserção desse parágrafo único do artigo não ter passado pelo devido processo legislativo; a
instauração em primeiro grau não ter configurado burla ao requisito de efetiva repetição.
Parecem-nos razoáveis as ponderações de Sofia Temer. Até porque, investigando a
ratio legis do instituto, é fácil depreender que o legislador pretendeu tornar a tutela de demandas
massificadas mais eficiente e racional, como quando institui extenso rol de legitimados para o seu
requerimento.
Nessa linha, a professor Cassio Scarpinella183, aparentemente, endossa as conclusões
de Sofia Temer, ao afirmar: “a conclusão a ser alcançada é a de que o incidente pode ser
instaurado no âmbito do Tribunal independentemente de processos de sua competência originária
ou recursos terem chegado a ele, sendo bastante, consequentemente, que a efetiva repetição de
processos que contenham mesma controvérsia unicamente de direito seja constatada na primeira
instância.”
Por derradeiro, além dos requisitos expostos, um último, de ordem negativa, se impõe:
não cabe IRDR quando outro já houver sido afetado para um tribunal superior, com idêntica
controvérsia à daquele que se pretender instaurar184.
181 Temer, Sofia. Idem, p. 104 182 Temer, S., Idem, p. 104-105 183 Bueno, Cassio Scarpinella, Manual de Direito Processual Civil, vol. único, 2ª ed., p. 636 184 Meirelles, Edilton, Do incidente de resolução de demandas repetitivas no processo civil e no processo do trabalho, p. 204
54
E, a contrario sensu185, caso haja a afetação de IRDR a um tribunal superior,
posteriormente à instauração em tribunal de segundo grau, deverá prevalecer o incidente
posteriormente afetado, a fim de que se cumpram os desideratos de uniformização jurisprudencial
das cortes superiores. A competência para a instauração do IRDR pode ser de qualquer
tribunal186, conforme se verifique uma intersecção entre seus requisitos de admissibilidade e os
requisitos definidores das competências constitucionais do respectivo tribunal.
Há, aqui, todavia, de se fazer um adendo, uma vez que as turmas recursais dos
Juizados Especiais não são competentes para a intauração de IRDR187, muito embora a professora
Teressa Arruda Alvim Wambier ressalve que o incidente pode ser suscitado “no contexto dos
juizados especiais188”. Em outras palavras, na medida em que se pode afirmar que qualquer
controvérsia jurídica – de direito material ou processual, que preencha os requisitos do art. 976 do
CPC/2015 – enseja o cabimento de IRDR, os legitimados suprareferidos podem requerer a
instauração de IRDR ao tribunal respectivo, a partir de controvérsia de direito recorrente no
âmbito dos juizados.
Frederico Koehler189, a esse respeito, traz importante questionamento sobre como fica
o papel de uniformização jurisprudencial das Turmas Nacionais de Uniformização e Turmas
Regionais de Uniformização, criadas no âmbito da justiça federal (lei 10.259/2001), em face do
julgamento de IRDR sobre matéria já decidida ou pendente de decisão por tais órgãos. Com
razão, ele critica a confusão gerada pela coexistência do IRDR ao lado da sistemática da lei
10.259/2001, mas entendemos que, pela omissão do CPC/2015, ambos os sitemas devem
prevalecer, sendo que, em caso de divergência entre o julgado no âmbito do IRDR e o definido
por tais turmas, por uma questão de hierarquia, o entendimento consubstanciado a parit do IRDR
deve prevalecer. Provavelmente, tal questão dará azo ao questionamento de eventual conflito de
competências de autoridades judiciárias da União junto ao STJ, nos termos do art. 105, I, “g” da
Constituição Federal.
185 Bueno, Cassio Scarpinella, Idem, p. 642 186 Didier, F., Idem, p. 630 187 Didier, F., Idem, Ibidem 188 Wambier, Teresa Arruda Alvim e outros, Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil, Artigo por Artigo, p. 1399 189 Koehler, Frederico Augusto Leopoldino, O NCPC, o incidente de resolução de demandas repetitivas, os precedentes e os juizados especiais: esquecerem das turmas de uniformização? Coleção Grandes Temas do Novo CPC, V. 3, cap. 30, p. 662-668
55
Com efeito, superada tanto a análise dos requisitos de admissibilidade, quanto as
regras de competência e peculiaridades dos juizados especiais, a decisão proferida em sede de
IRDR enseja o cabimento de recurso especial, recurso extraordinário, embargos de declaração e
reclamação190, não permitindo o cabimento de ação rescisória191.
Cabe, aqui, frisar, que a supramencionada afetação para tribunal superior somente se
dará por meio da interposição de RE e Resp que impugnarem acórdão de segundo grau, não se
cogitando em instauração originária de IRDR em tribunal superior. Logo, o fenômeno da afetação
de IRDR a tribunal superior pressupõe sua análise prévia por tribunal de segundo grau192.
6.2. Incidente de Assunção de Competência
Cumpre analisar, também, o IAC – Incidente de Assunção de Competência, previsto
no art 947 do CPC/2015: “É admissível a assunção de competência quando o julgamento de
recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária envolver relevante
questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos.”
Segundo Scarpinella Bueno, a técnica do art. 555, §1º193 do CPC/1973 recebeu o
nome 194 de IAC – Incidente de Assunção de Competência – no CPC/2015. Não tem cabimento
aplicar o IAC nas hipóteses de julgamento de casos repetitivos195, como ocorre com o IRDR. Sua
finalidade principal196 é provocar o julgamento de caso relevante por órgão colegiado de maior
composição, além de prevenir ou compor divergência interna no tribunal, evitando, assim, a
“dispersão jurisprudencial197”. Há um deslocamento de competência no âmbito interno do
tribunal.
190 Bueno, C. S., Idem, p. 616 191 Didier, F., Idem, p. 640-641 192 Bueno, C.S., Idem, p. 651 193 “Art. 555. No julgamento de apelação ou de agravo, a decisão será tomada, na câmara ou turma, pelo voto de 3 (três) juízes § 1o Ocorrendo relevante questão de direito, que faça conveniente prevenir ou compor divergência entre câmaras ou turmas do tribunal, poderá o relator propor seja o recurso julgado pelo órgão colegiado que o regimento indicar; reconhecendo o interesse público na assunção de competência, esse órgão colegiado julgará o recurso.” 194 Bueno, Cassio Scarpinella, Idem, p. 614 195 Enunciado 334 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Por força da expressão sem repetição em múltiplos processos, não cabe o incidente de assunção de competência quando couber o julgamento de casos repetitivos”. 196 Didier, F., Idem, p. 657 197 Bueno, C.S., Idem, p. 615
56
Segundo Sidnei Benetti, o “referido instituto é de alcance mais amplo do que o
(anterior) incidente de uniformização de jurisprudência198, pois, enquanto esse exige que já se
tenha verificado a divergência entre câmaras ou turmas do tribunal, a assunção de competência é
cabível mesmo quando ainda não existe, no tribunal, decisões divergentes sobre o tema199”.
Difere, também, substancialmente, dos embargos de divergência, que têm como objeto
uniformizar divergência interna de turmas, do STJ e STF200.
Em conjunto com o IRDR e com outras hipóteses destacadas do art. 927 do
CPC/2015, no capítulo 4, o IAC compõe o microssistema de formação concentrada201 de
precedentes obrigatórios202.
No procedimento de formação do IAC, admite-se a participação da figura do amicus
curiae e de ampla participação social, por audiências públicas, analogamente203 ao disposto no
art. 983, §1º e 1.038, II, do CPC/2015, para o IRDR. Há, também, a obrigatoriedade de
intervenção do MP, ainda que somente como fiscal da lei (art. 976, §2º e 1.038, III, do
CPC/2015).
Como requisitos de admissibilidade, consoante a redação do art. 947 do CPC/2015,
pode-se destacar a) a existência de relevante questão de direito, tanto material como processual,
de grande repercussão social; b) a tramitação de processo no tribunal, seja recursal, seja de
competência originára; c) a ausência de repetição em múltiplos processos.
198 Tal incidente tinha previsão no art. 476 do CPC/1973, que deu lugar às previsões do art. 927 a 928 do CPC/2015, e dos artigos 976 a 978 do CPC/2015 (https://professormedina.files.wordpress.com/2015/03/quadro-1973-2015-horizontal13.pdf, p. 82) 199 Beneti, Sidnei Agostinho, Assunção de competência e fast-track recursal. RePro 171/4 200 Didier, F, Idem, p. 385 201 A doutrina estabelece um paralelo entre o manejo do IRDR e do IAC e o controle concentrado, objetivo, de constitucionalidade, pois, ambos os incidentes visam à formação de precedentes obrigatórios, à semelhança do que ocorre com as ações constitucionais, além de ficar claro que o aspecto objetivo das questões discutidas prepondera sobre os limites subjetivos dos legimiados a manejarem-nos. Afora isso outro denominador comum a tais institutos, é a admissibilidade da figura do amicus curiae, a demonstrar a importância da transcendência dos limites subjetivos de tais instrumentos. 202 O microssistema de formação concentrada de precedentes obrigatórios pode ser qualificado por uma série de atalhos procedimentais, entre eles se admite, a título de exemplo, a extinção liminar de processo contrário a precedente obrigatório, com base no art. 332 do CPC/2015. 203 Didier, F., Idem. p. 660
57
Com efeito, utiliza-se, analogamente ao requisito de admissibilidade do recurso
extraordinário, o conceito de repercussão geral trazido pelo art. 1.035, §1º, do CPC/2015204, sendo
possível defini-la como relevante de um ponto de vista econômico, político, ou social.
Os legimitados a requererem a instauração do incidente são os mesmos do IRDR (art.
947. §1º): o juiz, a parte interessada e a Defensoria, desde que verificadas as hipóteses
constitucionais de legitimidade dessas instituições. À semelhança do IRDR, o IAC também
desafiará a oposição de embargos de declaração, a interposição de recurso especial e
extraordinário205, bem como de reclamação206.
A ênfase nos dois incidentes (IRDR e IAC) que compõem o inciso III, do art. 927, do
CPC/2015 é, portanto, de suma importância, uma vez que tais incidentes, à semelhança dos
demais precedentes veiculados por esse artigo, representam uma mudança significativa na lei
processual, qualificada por uma pretensão de indexação jurisprudencial, que se instrumentaliza
por uma série de atalhos procedimentais.
204 Didier, F, Idem, p. 665 205 Didier, F., Idem, p. 669 206 Bueno, C. S., Idem, p. 616
58
7. IMPLICAÇÕES SISTÊMICAS DA TEORIA DOS PRECEDENTES
Para finalizar este trabalho, vamos discorrer sobre as implicações sistêmicas da teoria
dos precedentes. No curso de alguns capítulos, sustentamos a ideia de que o sistema de
precedentes do CPC/2015 provocou mudanças estruturais na teoria geral do direito brasileiro,
alçando os precedentes obrigatórios à categoria de fonte primária do direito, tal como a lei
positivada.
Nessa linha, sustentamos que a teoria do diálogo das fontes207 corrobora a ideia das
implicações sistêmicas da teoria dos precedentes introduzida pelo CPC/2015, pois, na tarefa de
densificar valores constitucionais relevantes – como a segurança jurídica e a isonomia –, é
perfeitamente possível defender que os vazos comunicantes208 do CPC/2015 com outros códigos e
outras leis se estreitam. Bruno Miragem209 faz a ressalva de que o exame da teoria do diálogo das
fontes em matéria processual civil ainda apresenta acanhado tratamento doutrinário.
Claudia Lima Marques210, a “madrinha” da teoria do diálogo das fontes no Brasil, nos
ensina que a expressão diálogo das fontes denota o encontro coordenado de duas lógicas jurídicas,
ou duas leis diversas, na aplicação a um caso concreto, segundo um critério de coerência,
eficiência e justiça do ordenamento jurídico. Segundo a jurista gaúcha, o diálogo das fontes se
estabelece em três vetores primordiais211: a) “uma lei pode servir de base conceitual para outra
(diálogo sistemático de coerência), especialmente se uma lei é geral e a outra é especial, se uma é
a lei central do sistema, e a outra um microssistema específico”; b) “uma lei pode complementar a
aplicação de outra, a depender de seu campo de aplicação” (diálogo de complementariedade e
subsidiariedade); e, por fim, c) “há o diálogo das influências recíprocas sistemáticas, influência do
207A teoria do diálogo das fontes se insere no contexto do pós-positivimos e da pós-modernidade, o mesmo contexto em que surgiu a teoria do neoconstitucionalismo mencionada no capítulo 3. Foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pela jurista gaúcha Claudia Lima Marques, a partir de estudos para tese de doutoramente de orientação do jurista alemão Eryk Jaime (Marques, Claudia Lima, O diálogo das fontes como método da nova teoria geral do direito, p. 26-30, Marques, Claudia Lima (coord.), Diálogo das fontes – Do conflito à coordenação de normas no direito brasileiro) 208 Haja vista o art. 3º do CPP, que permite o suplemento da intepretação dos CPP pelos princípios gerais de direito, bem como o uso analógico de outros institutos, e o art. 769 da CLT, que estabelece que o processo comum será, nos casos omissos da CLT, fonte subsidiária para o direito do trabalho. 209 Miragem, Bruno, Eppur si muove: Diálogos das fontes como métido de interpretação sistemática, p. 102-105, Marques, Claudia Lima (coord.), Diálogo das fontes – Do conflito à coordenação de normas no direito brasileiro) 210 Marques, C. L, Idem, ibidem 211 Marques, C.L., Idem, p. 32
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sistema especial no geral, e do geral no especial (diálogo de adaptação e coordenação
sistemática).”
Da perspectiva desses três vetores, sobressaem as seguintes perguntas:
i) Quais são os critérios de um diálogo das fontes válido, para que haja a correta
integração do sistema de precedentes do CPC/2015 com outros diplomas (leis, códigos, a
Constituição, etc.)?
ii) Em que medida os institutos do sistema de precedentes do CPC/2015 servem de
base conceitual para outros ramos do direito?
7.1. Critérios válidos de integração
Primeiro, existe uma abertura geral212, prevista no art. 4º da Lei de Introdução às
Normas do Direito Brasileiro (Lei 12.376/2010), a permitir esse diálogo: “Quando a lei for
omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os bons costumes e os princípios gerais
de direito.”
Tal abertura geral, quanto ao CPC/2015, foi prevista no art. 15, segundo o qual “Na
ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas, ou administrativos, as
disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”.
Hermes Zaneti Jr. nos ensina213 que a aplicação do CPC/2015 a outros diplomas e
processos depende de um duplo filtro de adaptação: a) as normas do CPC não podem estar em
confronto com os princípios e a lógica própria do direito processual que será completado; e b) há
necessidade de conformação constitucional (constitucionalização) do resultado obtido com a
aplicação do CPC. Segundo ele214, deve haver preservação dos sistemas paralelos (polissistema) e
212 Sem prejuízo de aberturas específicas, como se observa, por exemlo, da leitura do art. 3º do Código de Processo Penal e do art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho 213 Zaneti Jr., Hermes, Aplicação supletiva, subsidiária e residual, do CPC ao CPP, Coleção Repercussões do Novo CPC, vol. 13, cap. 16, p. 460 214 Zaneti Jr,. H, Idem, ibidem
60
conformação constitucional (constitucionalização), como critério para a aplicação subsdiária215 e
supletiva do CPC/2015 a outros ordenamentos processuais.
Por exemplo, para efeitos de aplicação retroativa, em direito penal, se deve considerar
a analogia in bonam partem, de modo que eventual precedente que modifique a interpretação de
um conceito jurídico penal em benefício216 de réus deve retroagir, ao passo que precedentes que
prejudiquem217 os réus são irretroativos.
Não se esbarraria, aqui, num conflito de leis, a ser resolvido pelos clássicos critérios
de solução de antinomias (cronologia, hierarquia e especialidade), de Maria Helena Diniz218, pois,
diante da omissão de determinada lei, o critério da especialidade cederia ao diálogo das fontes,
tendo o art. 4º da LINDB como elo comunicante geral.
A clássica noção piramidal do direito de Hans Kelsen, que remete à supremacia da
Constituição e à noção de norma fundamental do sistema,219 não poderia ser utilizada como
premissa para mitigar o diálogo das fontes do sistema de precedentes do CPC/2015 com outros
sistemas, pois, como vimos, tal sistema densifica os princípios da segurança jurídica e da
isonomia. Com efeito, o diálogo das fontes do sistema de precedentes do CPC/2015 com a
Constituição Federal e com os subsistemas jurídicos do ordenamento, encontra, também,
fundamento de validade no art. 5º, caput, da CF, e se reforça na teoria da eficácia horizontal das
normas constitucionais220, segundo as quais os direitos fundamentais, tais como a isonomia e a
segurança jurídica (art. 5º, caput, da CF), se aplicam não só, numa relação verticalizada, entre o
Estado e o cidadão, como também, horizontalmente, entre os cidadãos.
215 Aplicação subsdiária ocorre quando há integração da legislação subsidiária com a principal, de modo a preencher lacunas da lei principal. Aplicação supletiva ou complementar ocorre quando uma lei completa a outra, dando-lhe sentido geral. (Zaneti Jr., Hermes, Aplicação supletiva, subsidiária e residual, do CPC ao CPP, Coleção Repercussões do Novo CPC, vol. 13, cap. 16, p. 461) 216 Recentemente, o STF reconheceu o caráter não hediondo do tráfico de drogas privilegiado (http://jota.uol.com.br/stf-muda-jurisprudencia-e-decide-que-trafico-privilegiado-de-drogas-nao-e-crime-hediondo). Tal precedente retroage, ensejando diversos efeitos como a possibilidade de progressão de regime em menos tempo, bem como de revisões criminais. 217 Há pouco tempo, o STF reconheceu a possibilidade de a Receita Federal quebrar o sigilo bancário, de ofício, de indivíduos investigados administrativamente por sonegação fiscal (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=310670_) Se essa prova fosse utilizada para efeitos de uma condenação penal antes da pacificação do entendimento, poderia ser reputada ilícita. 218 https://jus.com.br/artigos/7585/breve-estudo-das-antinomias-ou-lacunas-de-conflito 219 https://jus.com.br/artigos/88/a-constituicao-na-teoria-pura-do-direito-de-hans-kelsen 220http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portaltvjustica/portaltvjusticanoticia/anexo/joao_trindadade__teoria_geral_dos_direitos_fundamentais.pdf
61
Como vimos anteriormente, grande controvérsia que paira sobre o sistema de
precedentes de 2015 é o fato de ele ter a pretensão de modificar regras gerais do ordenamento
jurídico, quando, para alguns juristas mais positivistas, tais regras só poderiam ser modificadas
exclusivamente pela Constituição.
Juraci Mourão Lopes Filho produziu interessante artigo entitulado “A sistematização
em rede dos precedentes judiciais”, em que221 sustenta que “nenhum enunciado normativo, seja ele
jurisprudencial, constitucional, ou legislativo, não é em si, não pode ser compreendido
isoladamente, ou segundo a perspectiva única do sujeito que o produziu. Lei e precedente ‘são
para’ e não ‘são em si’ e, em sendo para, devem respeitar integridade com demais partes e com o
caso de aplicação”. Donde se lê que a clássica noção piramidal do direito pode ser relida sob a
vertente do diálogo de influências recíprocas sistemáticas:
Constituição ß CPC/2015 à Constituição.
Em outras palavras, naquilo que não contraria a Constituição, diante de sua omissão
em relação à temática “sistema de precedentes”, o CPC/2015 pode ser compreendido como uma
legislação complementar, cuja aplicação se irradia para todo o ordenamento.
7.2. Aplicação conceitual dos institutos do sistema de precedentes do CPC/2015 a outros
sistemas.
A rigor, todos os conceitos do sistema de precedentes do CPC/2015 se aplicam a
outros ramos jurídicos, desde que respeitados os princípios e normas contrários, de outros
sistemas, como anteriormente exposto. Faz-se, entretanto, a ressalva de que são vários os
conceitos e as nuances do sistema de precedentes do CPC/2015; por isso, suas implicações ficarão
a cargo da casuística, da jurisprudência e da orientação de cada tribunal222.
221 Lopes Filho, Juraci Mourão, O Novo Código de Processo Civil e a sistematização em rede dos precedentes judiciais, Coleção Grandes Temas do Novo CPC, V. 3, cap. 6 p. 166 222 O Tribunal Superior do Trabalho, por exemplo, editou a resolução normativa nº 203/2016, em que esclarece quais as normas do CPC/2015 são aplicáveis ao processo do trabalho. (http://www.tst.jus.br/documents/10157/429ac88e-9b78-41e5-ae28-2a5f8a27f1fe). “Por exemplo: Art. 7° Aplicam-se ao Processo do Trabalho as normas do art. 332 do CPC, com as necessárias adaptações à legislação processual trabalhista, cumprindo ao juiz do trabalho julgar liminarmente improcedente o pedido que contrariar: I – enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal Superior do Trabalho (CPC, art. 927, inciso V); II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Tribunal Superior do Trabalho em julgamento de recursos repetitivos (CLT, art. 896-B; CPC, art. 1046, § 4º); III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas
62
Os procedimentos do processo penal são próprios à pretensão punitiva estatal e
admitem atalhos, como, por exemplo, a rejeição liminar de denúncia ou queixa, prevista no art.
396223 do CPP.
Por que não entender que é possível um diálogo do art. 396 do Código de Processo
Penal com o art. 332 do CPC/2015, de tal modo que a denúncia ou a queixa, em procedimentos
ordinários e sumários, possam ser rejeitadas liminarmente com base em precedentes obrigatórios,
que, por exemplo, fixem a abolitio criminis224 de determinada conduta? Não há como essa
possibilidade. Ademais, nada impede o uso do IRDR e do sistema de Resp e RE repetitivos, bem
como o uso do IAC 225 , em todos os ramos do direito, verificadas suas hipóteses de
admissibilidade, conforme previsto no CPC/2015.
Todavia, como ficará a postura do Estado na posição de litigante diante da sociedade,
sabendo-se que o IRDR em matéria tributária, por exemplo, pode pôr fim a uma juriprudência
defensiva que reflete uma política fazendária de contenção de perdas tributárias? Ora, uma das
razões da ineficiência do microssistema processual coletivo foi a restrição das matérias passíveis
de serem veiculadas por ações civis públicas, como as matérias tributárias.
Frequentemente, o Legislativo se posiciona de modo a expor uma dicotomia entre o
interesse público primário, do bem-estar social, e o interesse público secundário, do Estado como
ente autônomo, haja vista a mencionada restrição das matérias passíveis de serem veiculadas por
ações civis públicas. Em que medida o Judiciário seguirá esta lógica? Não sabemos. Trata-se de
uma questão de orientação política do Judiciário. repetitivas ou de assunção de competência; IV - enunciado de súmula de Tribunal Regional do Trabalho sobre direito local, convenção coletiva de trabalho, acordo coletivo de trabalho, sentença normativa ou regulamento empresarial de observância obrigatória em área territorial que não exceda à jurisdição do respectivo Tribunal (CLT, art. 896, “b”, a contrario sensu). Parágrafo único. O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência.
223 Art. 396. Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).Parágrafo único. No caso de citação por edital, o prazo para a defesa começará a fluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).
224 Por exemplo, caso o uso da maconha fosse legalizado em sede de ADIN, eventual denunciado por tráfico de maconha poderia ser absolvido liminarmente. 225 Fredie Dider Jr. já publicou artigo sobre a sua aplicação no âmbito do processo do trabalho, por exemplo (http://as1.trt3.jus.br/bd-trt3/bitstream/handle/11103/20839/incidente%20de%20assun%C3%A7%C3%A3o%20de%20compet%C3%AAncia%20e%20o%20processo%20do%20trabalho%20%281%29.pdf?sequence=1&isAllowed=y)
63
Outra questão significativa no diálogo com o subsistema tributário relaciona-se à
interpretação do art. 926 do CPC/2015, que traz o dever de os tribunais manterem a jurisprudência
íntegra, estável e coerente. Tal artigo merece interpretação extensiva, ou restritiva, quando se
cogita dos tribunais fiscais administrativos, como no Conelho Administrativo de Recuros Fiscais
(CARF), Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) e Conselho Municipal de Tributos (CMT)? Ora, é de
conhecimento notório que os tribunais administrativos fiscais se escusam de apreciar matéria de
cunho constitucional em suas decisões.
A partir do momento em que precedentes firmados em sede de controle concentrado
de constitucionalidade são obrigatórios (art. 927, I, CPC/2015), nada há que impeça uma
interpretação extensiva do disposto no art. 926, para incluir os tribunais fiscais administrativos, de
modo que seja obrigatória a análise de matérias constitucionais por esses tribunais, uma vez que a
manutenção da jurisprudência íntegra, estável e coerente pressupõe que os tribunais se posicionem
em uníssono. Até porque, o art. 15 do CPC/2015 define essa subsidiariedade e supletividade do
processo civil em relação aos processos administrativos (tributários). E daí se extrai que os efeitos
do art. 926 do CPC/2015 atingem os processos administrativos tributários.
Enfim, pensamos que toda tentativa de combinação do sistema de precedentes do
CPC/2015 com os demais processos (tributário, trabalhista, administrativo, penal, eleitoral)
previstos no ordenamento deve partir de uma óptica de sensatez, e de respeito ao que confere
identidade a outros ramos do direito (princípios), tomando em conta o CPC/2015 como legislação
subsidiária e supletiva, que completa o sentido da Constituição e, ao mesmo tempo, preenche
lacunas no ordenamento jurídico.
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8. CONCLUSÃO
Diante de tudo que foi exposto, podemos concluir que o sistema de precedentes do
CPC/2015 tem a pretensão de impactar na teoria geral do direito, na medida em que a força
obrigatória de determinados precedentes os eleva à categoria de fonte primária do direito, à
semelhança do direito positivado.
Dizemos se tratar de uma pretensão, pois quem tornará a letra escrita do CPC/2015 em
letra “viva” serão os operadores do direito, na medida em que todo instrumental fornecido pelo
código dependerá de reiterada utilização, para se transformar em costume forense. Talvez, quando
tal cultura esteja implementada, poderemos falar em um real stare decisis à brasileira, com traços
semelhantes aos dos países de tradição filiada ao common law.
Como visto, ainda há resistência por parte de importantes ministros do STF e de
importantes juristas, no sentido de reconhecer que uma lei ordinária como o CPC/2015 possa ter
previsto um rol de precedentes vinculantes, pois, expressamente, a Constiuição de 1988 somente
prevê tal efeito para as súmulas vinculantes. Além disso, percebemos que subsiste, também, forte
resistência ao imperativo generalizante de uniformização instituído pelo art. 926 do CPC/2015.
Basta acompanhar as divergências jurisprudenciais entre turmas dos STJ, entre o STJ e o STF, ou
entre turmas de tribunais, ou entre juízes de primeiro grau de tribunais distintos.
Ora, o ônus da falta de sinergia entre os diversos órgãos do Judiciário não pode ser do
jurisdicionado nem da socidade. Já é tempo da máxima “cada cabeça, uma sentença” dar espaço a
uma ciência mais previsível. Daí por que, discordamos de tais resistências, pois, ainda que a
Constituição de 1988 seja omissa em relação à possibilidade de o CPC/2015 prever outras fontes
de vinculação à atividade jurisdicional, o CPC/2015 densifica, indiretamente, princípios
constitucionais essenciais, como a segurança jurídica e a isonomia, com inúmeros reflexos sociais
positivos, sejam políticos (maior respeitabilidade do Judiciário), sejam econômicos (menor risco
de se fazer negócios, ante a previsibilidade de posicionamentos jurídicos), que vão totalmente ao
encontro da vontade constitucional.
65
A despeito da previsão normativa do CPC/2015 (art. 926) e das discussões acerca da
vinculatividade dos precedentes, entendemos que o dever de observância dos precedentes
emanados de tribunais superiores deveria ser cumprido espontaneamente, por uma questão de
reconhecimento e deferência à racionalidade do sistema, à lógica existente por trás da hierarquia
dos órgãos do Judiciário, conforme a Constituição prevê. Na verdade, a incorporação da cultura
dos precedentes à prática forense, e sua consequente transformação em costume, dependerá, em
grande parte, de uma coscientização evolutiva por parte dos operadores do direito.
Existe uma lógica histórica por trás de precedentes divergentes sobre o mesmo
assunto. As diversas instâncias políticas brasileiras, infelizmente, herdaram dos tempos da
colonização e do império, uma cultura baseada no patrimonialismo e inigualitarismo, definidos,
por Luís Roberto Barroso226, respectivamente, como a renitente apropriação da esfera pública
pelos interesses privados; e o tratamento divergente para pessoas de origens sociais distintas. No
entanto, há uma lógica econômica em que diversas empresas exploram controvérsias jurídicas não
pacificadas pelo Judiciário, para, muitas vezes, adotarem políticas comerciais abusivas, apostando
na impunidade endossada pela divergência de tratamento jurisprudencial
Com efeito, ao se firmar um sistema de precedentes sólido, serão coibidas essas
mazelas, pois haverá uma diminuição da margem de discricionariedade jurisdicional na solução de
conflitos jurídicos permeados por fortes interesses políticos ou econômicos. Em tempos de
corrupção associada a crise econômica, tal inovação cultural se faz premente como uma
blindagem social. Afinal, nem mais os brasileiros suportam o “jeitinho brasileiro”. E já é tempo
dos bons nos lugar dos espertos, no dizer de Luís Roberto Barroso227.
Não obstante, se, por um lado, o constituinte de 1988 pretendeu universalizar o acesso
ao Judiciário – tornando-o mais democrático, e daí conferindo vazão a conflitos jurídicos em
massa – por outro, o Judiciário dos dias de hoje se vê atolado num “mar de processos”.
226 http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI239707,71043-Corrupcao+e+o+legado+do+mensalao+e+da+LavaJato+por+Luis+Roberto 227 Barroso, L. R, Idem
66
O IRDR, como visto, tem a pretensão de diminuir as demandas repetitivas baseadas
em relevantes controvérsias judiciais. Observe-se que a relevante controvérsia jurídica deverá ser
qualificada por uma espécie de repercussão geral, à semelhança do Recurso Extraordinário. Nesse
sentido, é importante que o operador do direito incorpore a prática do estudo dos precedentes, que
nunca fora estimulada nos bancos universitários com o peso que deveria ter nos dias atuais.
Enfim, o conhecimento do sistema de precedentes do CPC/2015 – aliado à
compreensão dos atalhos procedimentais e dos diálogo das fontes com outros ramos jurídicos –
permitirá, por certo, um destaque do operador do direito na sua área de atuação.
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9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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