MONOGRAFIA 2 - privatizaçao vs. desestatização - a EA e o caso das telecomunicações (PDF)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CINCIAS SOCIAIS E HUMANAS DEPARTAMENTO DE CINCIAS ECONMICAS

PRIVATIZAO vs. DESESTATIZAO: A ESCOLA AUSTRACA O CASO DAS TELECOMUNICAES

MONOGRAFIA

Felipe Rosa da Silva

Santa Maria, RS, Brasil 2011

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PRIVATIZAO vs. DESESTATIZAO: A ESCOLA AUSTRACA E O CASO DAS TELECOMUNICAES

Felipe Rosa da Silva

Monografia apresentada ao Curso de Cincias Econmicas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para a obteno do grau de Bacharel em Cincias Econmicas.

Orientador: Prof. Dr. Gilberto de Oliveira Veloso

Santa Maria, RS, Brasil 2011

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Universidade Federal de Santa Maria Centro de Cincias Sociais e Humanas Departamento de Cincias Econmicas

A Comisso Examinadora, abaixo assinada, aprova a Monografia

PRIVATIZAO vs. DESESTATIZAO: A ESCOLA AUSTRACA E O CASO DAS TELECOMUNICAES elaborada por Felipe Rosa da Silva

como requisito parcial para a obteno do grau de Bacharel em Cincias Econmicas

COMISSO EXAMINADORA:Gilberto de Oliveira Veloso, Dr. (Orientador)

Clailton Atades de Freitas, Dr. (UFSM)

Paulo Ricardo Feistel, Dr. (UFSM)

Santa Maria, 08 de julho de 2011.

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A minha me, exemplo eterno de vida e a minha namorada Camila.

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No exagero dizer que o mundo s se libertar de seu miasma de estatismo e que, na verdade, os economistas s retornaro a um slido e correto desenvolvimento da anlise econmica no dia em que, deixando o atoleiro em que hoje se encontram, alcanarem o elevado terreno que Mises preparou para ns. Murray N. Rothbard

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RESUMO Monografia de Graduao Curso de Cincias Econmicas Universidade Federal de Santa Maria PRIVATIZAO vs. DESESTATIZAO: A ESCOLA AUSTRACA E O CASO DAS TELECOMUNICAES AUTOR: FELIPE ROSA DA SILVA ORIENTADOR: PROF. Dr. GILBERTO DE OLIVEIRA VELOSO Data e Local: Santa Maria, 08 de julho de 2011.O presente trabalho pretende apresentar e esclarecer a recorrente confuso observada entre os processos de privatizao e desestatizao, demonstrando que os mesmos nem sempre acontecem conjuntamente e que essa condio necessria para manuteno do livre mercado e da concorrncia. Para isso, abordar-se- o perodo de privatizao dos anos 90 no Brasil em comparao s reformas liberais do governo da Primeira Ministra inglesa Margaret Thatcher no inicio dos anos 80 estritas ao setor de telecomunicaes. O principal motivador da pesquisa demonstrar que quando um setor ou empresa privatizado, torna-se indispensvel uma genuna desregulamentao dos mesmos como condio necessria para a no formao de monoplios, relao essa que vai de encontro literatura microeconmica convencional, que no difere esse processo, principalmente quando se estuda a privatizao de um bem considerado natural. O principio terico que sustentar as afirmaes decorrentes desse processo baseiam-se na teoria econmica da Escola Austraca de Economia, em defesa do livre mercado, das liberdades individuais, baseado em organizao democrtica e na mnima interveno governamental. Como conseqncia, busca-se demonstrar a eficincia superior do modelo de livre concorrncia e, a partir disso, idealiza-se esse projeto no alcance do objetivo inicialmente proposto.

Palavras-chave: Desestatizao. Privatizao. Livre Mercado. Monoplio. Escola Austraca.

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ABSTRACT Graduations Monograph Department of Economics Santa Maria Federal University PRIVATIZATION vs. DENATIONALIZATION: AUSTRIAN SCHOOL AND THE CASE OF TELECOMMUNICATIONS AUTHOR: FELIPE ROSA DA SILVA ADVISOR: PROF. Dr. GILBERTO DE OLIVEIRA VELOSO Date and Place: Santa Maria, July 08, 2011.The present work intends to introduce and clear the recurring confusion observed between denationalization and privatization processes, demonstrating that they did not always happen together and that this condition is necessary to maintain the free market and the competition. For this, it will be discussed the privatizations period of the years 90th in Brazil in comparison to the liberal reforms of British Prime Minister Margaret Thatcher government in the early '80s the stringent telecommunications industry. The main reason for this research is to demonstrate that when an industry or company is privatized, it is indispensable a genuine deregulation of them as a necessary condition for the no formation of monopolies, relationship that goes against the conventional microeconomic literature, which does not differentiate this process, especially when studying the privatization of a well considered as natural. The theoretical principles that will support the statements arising from this process are based on economic theory of the Economics Austrian School, in defense of free markets, individual freedoms, based on democratic organization and minimal government intervention. As a result, seeking to demonstrate the superior efficiency of free competition model and, from this point, envision this project to achieve the goal initially proposed.

Keywords: Privatization. Denationalization. Free Market. Monopoly. Austrian School.

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LISTA DE FIGURAGRFICO 1 ndice de qualidade das agncias reguladoras do Brasil e Reino Unido (2008)................................................................................................................. GRFICO 2 Proporo de famlias com computador e internet Reino Unido e Brasil (2007-2008)........................................................................................................ 63 60

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LISTA DE TABELASTABELA 1 Empresas desestatizadas no Reino Unido entre 1979 e 1990 ................ TABELA 2 Total de privatizaes realizadas no Brasil na dcada de 90.................. TABELA 3 Nmero de linhas telefnicas fixas instaladas a cada 100 habitantes Brasil e Reino Unido (2007-2009) .............................................................................. TABELA 4 Nmero de assinantes de telefonia celular a cada 100 habitantes Brasil e Reino Unido (2007-2009)................................................................................ TABELA 5 Quantidade de usurios com acesso a internet a cada 100 habitantes Reino Unido e Brasil (2007-2009) ............................................................................... TABELA 6 Comparao na velocidade de conexo (bit/seg.) da internet entre Brasil e Inglaterra (2007-2008) .................................................................................... TABELA 7 Gastos com telefonia fixa no Brasil e no Reino Unido (2009) .............. TABELA 8 Gastos com telefonia mvel no Brasil e no Reino Unido (2009) .......... TABELA 9 Gastos com Banda Larga no Brasil e no Reino Unido (2009) ............... 62 64 64 65 62 61 61 39 45

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LISTA DE SIGLASIBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica. OCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico. PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios. UIT Unio Internacional de Telecomunicaes. PND Plano Nacional de Desestatizao. PIB Produto Interno Bruto. BT British Telecom. DC District of Columbia. BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social. BC Banco Central do Brasil. ANATEL Agencia Nacional de Telecomunicaes. LGT Lei Geral das Telecomunicaes. PGO Plano Geral de Outorgas. PGUST Plano Geral de Universalizao do Servio de Telecomunicaes. CRT Companhia Riograndense de Telecomunicaes. C&W Cable & Wireles. OFTEL Office of Telecommunications. OFCOM Office of Communications. PPP Paridade de Poder de Compra. 3G Terceira Gerao de Sistemas Mveis Celulares. PNBL Plano Nacional de Banda Larga. BrT Brasil Telecom. CTBC Companhia de Telecomunicaes do Brasil Central. ULL Local Loop Unbundling. TC Teoria da Captura. EA Escola Austraca de Economia.

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LISTA DE APNDICESAPNDICE A Um adendo austraco a teoria da captura da Escola de Chicago.................................................................................................................... APNDICE B O livre mercado genuno e o direito de se formar cartis....... 76 78

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LISTA DE ANEXOSANEXO A As regies de distribuio das operadoras de telefonia no Brasil..... 80

ANEXO A1 As regies de distribuio das operadoras de telefonia fixa no Brasil... 80 ANEXO A2 As regies de distribuio da telefonia mvel no Brasil........................ 81 ANEXO B O mercado de internet banda larga mvel (3G) no Reino Unido...... 82 ANEXO B1 Densidade de conexes ativas mveis no Reino Unido a cada 100 habitantes (2004-2009).................................................................................................. ANEXO B2 Nvel de satisfao dos consumidores com a internet 3G no Reino Unido (%)....................................................................................................................... 83 ANEXO C Nvel de satisfao dos consumidores britnicos com a prestao dos servios de telecomunicaes em 2005, 2009 e 2010 (%)................................... ANEXO D Nvel de concentrao no mercado de telecomunicaes entre Brasil e Reino Unido.................................................................................................... ANEXO D1 Concentrao no mercado de telefonia mvel no Brasil (2009)............ ANEXO D2 Concentrao no mercado de telefonia mvel na Inglaterra (2009)...... ANEXO D3 Concentrao de mercado na prestao do servio de internet banda larga no Brasil (2009).................................................................................................... ANEXO D4 Concentrao de mercado na prestao do servio de internet banda larga no Reino Unido (2009)......................................................................................... 87 ANEXO D5 Concentrao no mercado de telefonia fixa no Reino Unido (2009)..... 87 ANEXO D6 Concentrao no mercado de telefonia fixa no Brasil (2009)................ 88 86 85 85 86 84 82

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SUMRIO 1 INTRODUO .............................................................................................................. 15 2 MARCO TERICO ..................................................................................................... 192.1 Os ambientes de mercado em concorrncia perfeita. .................................................... 19 2.1.1 As restries as aes empresariais. ................................................................................ 19 2.2 Concorrncia perfeita x monoplio................................................................................. 20 2.2.1 O modelo de concorrncia perfeita, suas condies e implicaes ................................. 21 2.2.2 O conceito de monoplio e monoplio natural ............................................................... 23 2.3 Falhas de mercado ou falhas de governo: a abordagem da Escola Austraca de Economia ................................................................................................................................. 25 2.4 Hayek e a inevitabilidade da planificao: o progresso tcnico e a formao de monoplios............................................................................................................................... 27 2.5 A competio catalctica de Mises .................................................................................. 30 2.6 Monoplios e preos monopolsticos: o legado de Mises. .............................................. 32

3 O PROGRAMA DE DESESTATIZAO BRITNICO .............................. 353.1 Aspectos histricos que influenciaram as reformas liberais de Thatcher ................... 35 3.1.1 O surgimento do Thatcherismo ....................................................................................... 37 3.1.1.2 A venda das estatais inglesas: dos objetivos aos procedimentos e resultados alcanados ................................................................................................................................. 38

4 AS PRIVATIZAES BRASILEIRAS ................................................................ 414.1 O Consenso de Washington e a sua influncia na reabertura econmica brasileira . 41 4.2 As privatizaes brasileiras: objetivos, procedimentos e resultados alcanados ....... 42 4.2.1 O Programa Nacional de Desestatizao (PND): dos procedimentos, as empresas e setores privatizados................................................................................................................... 43

5 PRIVATIZAR OU DESESTATIZAR? O CASO DAS TELECOMUNICAES. ............................................................................................. 475.1 Nacionalismo, setores estratgicos e a criao da Telebrs .......................................... 47 5.2 A privatizao do Sistema Telebrs: caractersticas, resultados e procedimentos realizados ................................................................................................................................. 49 5.2.1 A Lei Geral das Telecomunicaes (LGT)...................................................................... 50 5.2.1.1 A criao da Anatel e o seu papel na privatizao das telecomunicaes ................... 51 5.2.2 Aspectos tcnicos da venda da Telebrs.......................................................................... 52 5.3 O caminho para a desestatizao: aspectos e caractersticas que influenciaram a venda da British Telecom....................................................................................................... 53 5.3.1 A desestatizao da British Telecom ............................................................................... 54 5.3.1.1 A regulao do setor e os resultados da oferta pblica de aes da British Telecom. . 56 5.4 A evoluo no marco regulatrio: as diferenas entre Anatel e Ofcom. ..................... 57

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5.4.1 O papel da Anatel e a forte regulamentao nas telecomunicaes brasileiras............... 58 5.4.2 A reforma no marco regulatrio britnico e o novo papel da Ofcom ............................. 58 5.5 Resultados atuais das telecomunicaes brasileiras e inglesas. Comparando aspectos regulatrios, concorrenciais e de qualidade no servio prestado. ...................................... 60 5.5.1 As discrepncias nos custos das telecomunicaes brasileiras e inglesas ....................... 63

6 CONSIDERAES FINAIS ..................................................................................... 67 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS....................................................................... 70 APNDICES ....................................................................................................................... 76 ANEXOS ............................................................................................................................... 80

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1 INTRODUO

No existe perfeio quando se trata do conhecimento humano. A oniscincia negada aos humanos. A cincia no garante uma certeza final e absoluta. Ela fornece bases slidas dentro dos limites de nossas habilidades mentais, mas a busca pelo 1 conhecimento um progresso contnuo e infinito.

Em nossa sociedade as preocupaes econmicas so recorrentes. Desde um pequeno comerciante que est preocupado com a queda nas vendas a uma dona de casa que percebe o aumento dos preos no mercado, ou mesmo um grande empresrio angustiado com a alta dos juros que afetam seus nveis de investimento, todos, a qualquer instante e a todo momento, por inmeras vezes, relacionam-se com a economia sem saber ou sequer desejar essa interao. Atrelado a todo esse movimento econmico, est um componente onipresente em inmeras discusses nos mais irrestritos lugares. A atuao governamental, social e/ou econmica, enraizou-se em nossa sociedade. Ao governo atribuem-se a causa e a soluo de todos os problemas. Estudar o papel deste na vida das pessoas no um tema novo ou pouco recorrente em economia; ao contrrio, a discusso sobre o tamanho do Estado latente e extremamente instigante e, portanto, no est esgotada. Aps essa anlise e admitindo a presena do Estado na economia, o motivador do estudo passa a ser a dimenso do mesmo. nesse contexto que est o objeto principal dessa pesquisa: o estudo acerca das estatais brasileiras ou dos setores da economia estatizados e, mais especificamente, o processo de privatizao que se realizou na reabertura econmica do Brasil nos anos 90. Desta forma, a anlise focal est em estudar as causas dos possveis problemas no polmico processo de venda das estatais. O grande diferencial pretendido primeiramente esclarecer a confuso cometida incessantemente quando se julga o processo de privatizao das empresas brasileiras como um perodo de desestatizao das mesmas. Busca-se, concomitantemente, demonstrar que a presena do governo nos setores e/ou empresas privatizadas em sua enorme maioria continuou, o que em nada caracteriza esse processo como desestatizador.

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CONSTANTINO, 2009, p. 25.

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Logo, se o processo de desestatizao no foi genuno, 2 podemos encontrar nesse contexto uma possvel explicao do porque a venda ou concesso das estatais no atingiram o objetivo provavelmente pretendido pelo governo. Dessa forma, abordaremos o princpio de livre mercado e da concorrncia baseado na teoria Austraca de Economia, no intuito de demonstrar a eficincia superior da livre concorrncia genuinamente desestatizada e evidenciar que, ao contrrio do aceito pela maioria dos analticos do tema proposto, a gerao de ineficincia e porventura de monoplios, no esta atrelada entrega dessas empresas iniciativa privada e, sim, ao fato de o governo no se retirar por completo do setor. Tendo em vista a temtica apresentada, pde-se observar que todos esses movimentos de abertura econmica brasileira nos anos 90 trouxeram consigo questionamentos que estimularam contestaes em defesa do nacionalismo econmico em contraposio ao livre mercado. Estas incertezas suscitaram a necessidade de entendermos porque o processo de privatizao s eficiente e eficaz e, portanto, efetivo, quando genuinamente desestatizado, ou seja, acompanhado de uma completa retirada estatal do setor? Dessa forma, objetiva-se generalizadamente determinar que o processo de privatizao s efetivo quando seguido de uma completa desestatizao do setor e, conjuntamente, comprovar que o livre mercado, quando realmente desregulamentado, no incorre em monoplios. Para a consecuo do objetivo apresentado, formulou-se uma serie de elementos especficos que auxiliam na elucidao do exposto at o momento, so eles: revisar a teoria microeconmica sob a tica da Escola Austraca de Economia, especificamente as diferenas conceituais sobre os processos de mercado e as formas de competio; analisar, luz da mesma corrente de pensamento supracitada, o papel do governo quanto interventor da economia e das liberdades individuais, como referencial terico imprescindvel para a compreenso da eficincia do livre mercado; apresentar as reformas liberais implementadas na Inglaterra durante o governo da Primeira Ministra Margaret Thatcher, por serem essas um importante referencial emprico de um modelo de legtima desestatizao dos setores privatizados; relatar os processos de privatizao ocorridos no Brasil na dcada de 90, por serem os mesmos um exemplo de no desestatizao dos setores privatizados; e, por ultimo, realizar uma anlise comparativa entre as desestatizaes inglesas e as privatizaes brasileiras, com objetivo de demonstrar a eficincia superior do livre mercado.

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Para fins explicativos, o termo genuno e suas derivaes sero usados aqui no sentido puro da palavra, ou seja, segundo o latim legitimus = verdadeiro/natural. Ver PRIBERAM, 2011.

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A justificativa encontrada para a resoluo desse paradoxo, encontra-se na necessidade de diferenciarmos o equivoco recorrente e comumente aceito de que os processos de privatizao necessariamente implicam em desestatizao. extremamente importante essa diferenciao, pois quando os mesmos no ocorrem simultaneamente, o princpio de livre mercado distorcido, incorrendo em risco eminente de concorrncia monopolstica e conseqentemente em prejuzos para a sociedade. No meio acadmico, essa pesquisa extremamente relevante por trazer uma abordagem distinta sobre o conceito de privatizao, desestatizao e formao de monoplios, tornando o estudo fundamental para uma anlise acadmica mais embasada e criteriosa. No que tange a sociedade, o estudo importante por oferecer uma alternativa argumentativa ao intervencionismo econmico, ajudando a esclarecer o papel inerentemente privado de alguns setores da economia (mesmo os considerados como monoplios naturais), onde a interveno estatal contribui apenas na formao de monoplios ou cartis. No intuito de apresentar uma investigao coesa e clara, cabe aqui uma rpida explicao sobre as terminologias que sero aplicadas. O termo privatizao no ser usado como sinnimo de desestatizao, visto que perfeitamente possvel o governo ou entregar um setor iniciativa privada e continuar regulando o mesmo (concesso), ou vender uma empresa estatal e continuar regulamentando o setor atravs de agncias reguladoras. Essas aes do Estado impedem a concorrncia, gerando distores no livre mercado e na relao entre os agentes (consumidor e empresa). Por outro lado, quando houver referncia a determinado processo como desestatizador, estar-se- adotando a premissa de retirada completa do Estado e de todas as suas regulamentaes. Feito esse esclarecimento e no intuito de demonstrar o objetivo geral proposto, a metodologia utilizada no transcorrer dessa investigao, dar-se- atravs de anlise comparativa entre o perodo de desestatizao, iniciado em 1983 na Inglaterra pela Primeira Ministra Margaret Thatcher, com o perodo de privatizao das estatais brasileiras, estimuladas pelo Programa Nacional de Desestatizao (PND). A comparao entre as reas que foram privatizadas e/ou desestatizadas ficar restrita (para fins de simplificao inerentes a uma monografia) as telecomunicaes, exatamente em um setor onde a competio entre os mercados considerada como um monoplio natural. fundamentalmente nesses setores de maiores externalidades que as privatizaes brasileiras diferem-se fundamentalmente das desestatizaes inglesas. No por acaso, exatamente nesses mercados que os resultados econmicos e sociais so mais desastrosos.

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Complementarmente torna-se importante esclarecer, para fins metodolgicos, que o mtodo cientfico analtico ser o indutivo. Portanto, todas as anlises estaro embasadas em referencial emprico como base comparativa que auxilie no encontro de uma verdade geral. Porm, fundamental ressaltar que a finalidade desse estudo de cunho terico. No por acaso, usar-se- como pesquisa toda a abordagem subjetiva da Escola Austraca de Economia. Logo, ser utilizada a pesquisa bibliogrfica para pautar teoricamente esse projeto no que tange ao alcance dos objetivos propostos, usando mtodos quantitativos ao serem apresentadas as privatizaes inglesas e brasileiras. Posteriormente, atravs da comparao entre as mesmas, sero analisadas qualitativamente as diferenas econmicas de ambas, com o objetivo de encontrar as respostas problemtica dessa pesquisa. A composio argumentativa que vir a frente est disposta em seis captulos, a comear por este. O capitulo 2 compe a delimitao terica do trabalho, inicia-se com a literatura usualmente utilizada nos manuais de microeconomia sobre as formas de competio e, posteriormente, evolui para a abordagem microeconmica da Escola Austraca sobre o mesmo arcabouo terico. Os captulos 3 e 4 formam a parte quantitativa do estudo, trazendo os dados estatsticos da reforma liberal inglesa no anos 80 e do perodo de privatizao das estatais brasileiras, respectivamente. O quinto captulo encerra a parte emprica do trabalho e consiste na comparao qualitativa entre as desestatizaes inglesas e a privatizaes brasileiras estritas ao setor de telecomunicaes. O ltimo captulo apresenta as consideraes finais.

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2 MARCO TERICO

2.1 Os ambientes de mercado em concorrncia perfeita.

Em uma definio introdutria, porm imprescindvel para a continuidade do estudo proposto at aqui, importante abordar quais so os ambientes de mercado que um empresrio depara-se frente s decises de investir. Toda firma em concorrncia perfeita, defronta-se com duas decises importantes: a escolha de quanto ela dever produzir e a escolha do preo que ela dever fixar. Se no existirem restries para uma firma que maximiza lucros, ela provavelmente fixar um preo arbitrariamente alto e produzir uma quantidade arbitrariamente grande de produto. Logo, esse tipo de ambiente concorrencial no pode ser considerado vantajoso ao consumidor, seja do ponto de vista social e/ou econmico. Todavia, no se pode afirmar o mesmo do ponto de vista do empresrio j que facilmente lgico imaginar que todo empregador gostaria que sua firma atingisse um nvel de poder de mercado que lhe permitisse trabalhar com a maior margem de lucro possvel e com a maior quantidade de produtos ofertados que o consumidor deseja demandar.

2.1.1 As restries as aes empresariais.

Visto a dificuldade de se imaginar um ambiente concorrencial to irrestrito, cabe aqui ressaltar quais so os entraves que as firmas encontram ao definirem as suas aes concorrenciais.Primeiro, elas enfrentam as restries tecnolgicas resumidas pela funo de produo. Existem apenas algumas combinaes factveis de insumos e produtos, e mesmo a firma mais faminta por lucros tem que respeitar as realidades do mundo 3 material.

Em um segundo momento, as firmas enfrentam o que denomina-se como restrio de mercado, ou seja, uma firma pode produzir uma certa quantidade q a um preo p desde3

VARIAN, 1994, p. 403.

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que a mesma oferte a quantidade que as pessoas desejam comprar. Portanto, pode-se chamar essa relao, segundo Varian (1994, p. 403), de Curva de Demanda com a qual a firma se defronta. sempre importante ressaltar que, at o momento, todas as nossas anlises esto baseadas na incapacidade das firmas de influenciar nos preos ofertados por suas concorrentes, ou seja, elas encontram-se em um ambiente puramente competitivo,4 onde os produtos so homogneos. Logo, as mesmas preocupam-se somente com as quantidades produzidas individualmente dado o preo vigente no mercado. Em suma, nesse ambiente concorrencial, as dificuldades das firmas encontram-se na escassez dos recursos (premissa econmica elementar), e, principalmente, na concorrncia mtua entre as empresas, elemento fundamental na obteno de ganhos de eficincia e eficcia na produo e consumo.

2.2 Concorrncia perfeita x monoplio

A teoria microeconmica oferece uma variedade imensa de situaes e comportamentos distintos. Essa gama de flutuaes torna o estudo da mesma fascinante e extremamente complexo, afinal, a anlise das relaes microeconmicas (por no estar atrelado a agregados) salienta ainda mais o alto grau de complexidade da ao humana. Ainda de forma bastante tnue, pode-se dizer que essas relaes esto estreitamente associadas ao estudo da praxeologia e do conhecimento epistemolgico da Escola Austraca de Economia (elementos que sero estudados frente com maior rigor). Contudo, interessante abordar primeiramente o conceito clssico da literatura microeconmica acerca do funcionamento dos mercados. Aps descrever cada um, poder-se- aprofundar o estudo com o objetivo de alcanar a(s) resposta(s) ao problema de pesquisa apresentado.

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Como o objetivo desse trabalho no ater-se especificamente aos tipos de competio de mercado e sim ao estudo dos ambientes concorrenciais inerentemente atrelados a essa pesquisa, recomenda-se ao leitor interessado em aprofundar-se no assunto, a leitura de VARIAN, 1994, p. 404.

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2.2.1 O modelo de concorrncia perfeita, suas condies e implicaes

Dentre as formas de concorrncia estudadas, provavelmente o modelo de competio perfeita seja o menos tangvel em termos reais de mercados. Isso ocorre devido a inmeros fatores inerentemente complexos que esto presentes hoje nos mercados, caractersticas essas que impedem que as premissas do modelo sejam atendidas, tornando-o quase impraticvel nos dias atuais. Feito esse adendo emprico5, o que se pode dizer ento sobre a concorrncia perfeita? Qual a relevncia do seu estudo para a cincia econmica? O primeiro argumento que se deve ressaltar a diferena de abordagem do economista sobre mercados perfeitos, ou seja,[...] os estudantes s vezes acham difcil compreender a princpio, porque a viso do economista bem diferente do conceito de concorrncia usado por seus parentes e amigos no mundo empresarial. Quando executivos empresariais falam de um mercado altamente competitivo, eles em geral esto se referindo a um mercado em que cada firma est bastante ciente de sua rivalidade em relao a alguns outros e em que publicidade, embalagem, modelo e outras armas competitivas so usadas para atrair negcios. A caracterstica bsica da definio de concorrncia perfeita do economista , em ntido contraste, sua impessoalidade. Nenhuma firma v outra como um concorrente na viso do economista, porque h um nmero muito grande 6 de fornecedores na indstria.

Feita essa distino conceitual, os mercados perfeitamente competitivos so definidos em quatro premissas especficas. A primeira delas trata especificamente da homogeneidade dos produtos, ou seja, em concorrncia perfeita o produto de um ofertante , necessariamente, igual ao dos outros vendedores desse setor; sendo assim, o comprador no os diferencia entre o vendedor A ou B desde que o preo seja o mesmo. A segunda condio segundo Mansfield e Yohe (2006, p. 254) exige que cada participante do mercado seja um comprador ou um vendedor, e seja to pequeno em relao ao mercado inteiro que no possa afetar o preo do produto. Essa premissa oferece uma relao forte, dado que um produtor ou comprador no tm poder de mercado para influenciar nos preos. A nica forma de alterao dos mesmos, nessas condies, se os produtores se unissem. Contudo, isso s possvel em um mercado altamente concentrado, sendo que, essa

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importante ressaltar que um modelo no se torna intil por no ser realista, a maioria dos manuais de microeconomia ratifica a importncia do estudo do modelo de concorrncia perfeita mesmo que alguns de seus pressupostos no sejam aplicados ao mundo real. Ver MANSFIELD; YOHE, 2006, p. 254. 6 MANSFIELD; YOHE, 2006, p. 253-254.

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cartelizao do mercado rompe com o modelo de concorrncia perfeita e os determinantes que estimulam tal situao sero abordados a frente.7 Ainda em relao segunda premissa, interessante diferenciar o que um mercado muito ou pouco competitivo. recorrente o pensamento de que um setor s competitivo quando nele encontra-se um nmero grande de empresas, assim como um setor seria pouco competitivo por conter poucas empresas, esclarecendo:Os termos muito e pouco referem-se no tanto ao nmero de firmas que existem num mercado, mas interao competitiva entre elas. Existem muitos vendedores de um produto quando nenhuma firma possui um volume to grande de vendas ou desfruta de uma posio de liderana do mercado capaz de ameaar as demais firmas por suas aes e decises. Cada firma pequena o suficiente em comparao com o mercado como um todo, tornando-se quase uma entidade annima inserida num ajuntamento de outras firmas similares. Em contrapartida, dizemos que existem poucos vendedores de um produto toda vez que as aes de uma firma influenciarem as aes e decises das firmas rivais. O termo pouco significa apenas que o nmero de firmas existentes pequeno o suficiente para que cada firma considere de suma importncia prestar ateno nas aes e decises tomadas 8 pelas firmas rivais.

A terceira premissa que incide sobre o modelo de competio perfeita, pode ser considerada como sendo a principal determinante para o que a literatura clssica julga como falhas de mercado. A livre entrada e sada de empresas, bem como a completa e irrestrita mobilidade dos fatores de produo (mo de obra, matrias primas, capital...) faz essa condio ser considerada inerentemente utpica. O que se pressupe aqui que as empresas migram de um setor para o outro sem grandes custos e consequncias, bem como os trabalhadores mudam-se entre regies empregatcias com facilidade e sem burocracia, e, por ltimo, o acesso a matrias primas no est monopolizado.9 Tais caractersticas so dificilmente viveis, pois essa premissa[...] no satisfeita com frequncia em um mundo onde preciso um considervel retreinamento para permitir que um trabalhador se mova de um emprego para o outro e onde patentes, grandes exigncias de investimentos e economias de escala 10 tornam difcil a entrada de novas empresas.

Por ultimo, necessrio que os proprietrios de recursos, consumidores e firmas, tenham conhecimento perfeito dos dados econmicos e tecnolgicos relevantes. Portanto, os7

No Apndice B abordaremos a viso austraca sobre o surgimento de cartis no livre mercado puro (genuno). Porm, essa pesquisa pretende identificar que os estmulos para formao de cartis esto atrelados a ao governamental e, portanto, no se deve atribuir o surgimento dos mesmos s falhas de mercado. Ver IORIO; 1997, p. 74-87 passim. 8 THOMPSON JR.; FORMBY, 2003, p. 175, grifo do autor. 9 Kirzner contrape essa teoria, demonstrando que o acesso a matrias primas e recursos por sua escassez pode ser monopolizado no livre mercado puro e que essa composio competitiva justa e auto-coordenativa. Ver KIRZNER, 1986, p. 77. 10 MANSFIELD; YOHE, 2006, p. 254.

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preos so completamente conhecidos pelos consumidores, os detentores de capital e de mode-obra sabem qual a melhor forma de uso e de alocao dos seus recursos, assim como qual a melhor rentabilidade para os mesmos, e as empresas devem conhecer todos os valores dos insumos ofertados e identificar todas as tecnologias presentes e relevantes ao seu mercado11. Ou seja, segundo Mansfield e Yohe (2006, p. 254) em seu sentido mais puro, a concorrncia perfeita requer que todas essas unidades tomadoras de deciso econmica tenham um conhecimento preciso do passado, do presente e do futuro.

2.2.2 O conceito de monoplio e monoplio natural

Pode-se afirmar, sem equvocos, que o principal motivador dessa pesquisa est inerentemente atrelado ao estudo desse tipo de mercado. Afinal, porque se formam monoplios? Como eles funcionam? Quem os incentiva? a busca dessas respostas e de tantas outras que essa pesquisa se prope. Estudar esse tipo de competio essencial para encontrar as respostas problemtica apresentada at aqui e alcanar os objetivos pretendidos com essa investigao. Logo, necessrio abordar todas as caractersticas desses mercados afim de pautar melhor os argumentos que viro a frente. As caractersticas de um mercado monopolizado so claras e facilmente compreendidas. Em uma definio bem simples, pode-se dizer que o monoplio , segundo Varian (1994), o extremo oposto concorrncia perfeita, ou seja, uma estrutura industrial onde h apenas uma firma um monoplio. Mansfield e Yohe (2006, p. 310) nos oferecem uma definio alternativa interessante e paralela: um monoplio existe sempre que h uma nica fonte de oferta. Contudo, at aqui apenas foi definido o monoplio. imprescindvel tambm ao presente estudo entender as condies de formao dos mesmos. Pode-se dizer que quatro fatores influenciam diretamente no fomento a essa estrutura competitiva. So eles:

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frente veremos que Hayek desmistifica esse paradigma, demonstrando justamente o contrrio, ou seja, que o conhecimento est disperso na sociedade e que cada individuo que a compe possui uma pequena parcela do mesmo, tornando essa premissa de completo e perfeito conhecimento falaciosa. Ver HAYEK; 1990, p. 69-79 passim.

24

O domnio ou pioneirismo tecnolgico por parte de uma firma, de um insumo ou de uma matria prima, essencial na fabricao de um determinado produto; Quando uma empresa consegue trabalhar com uma estrutura de custos mdios que alcana um valor mnimo para um determinado nvel de produto, sendo esse suficiente para atender a demanda de mercado a um preo lucrativo para a firma, a mesma pode tornar-se monopolista;

Um terceiro fator a obteno, por parte de uma firma, de patentes sobre determinados insumos, ocasionando uma eminente posio monopolista da firma perante o mercado que a mesma produz;

E, finalmente, uma empresa pode adquirir uma posio privilegiada (monopolista) frente a um setor, atravs de uma concesso governamental do mesmo, desde que esta conceda a autonomia na formao de preos e/ou retornos do capital investido, ao crivo governamental.12

Cada fator mencionado acima tem um alto grau de importncia e auxilia na explicao dos diferentes casos de monoplio. Contudo, e por critrios j explicados, o trabalho se deter na anlise primordial do segundo caso13. A anlise de um setor considerado como natural o principal objeto da teoria microeconmica que se pretende utilizar nessa pesquisa. Considera-se como um ambiente propcio ao monoplio natural quando,[...] os custos unitrios de produo associados produo em pequena ou mdia escala so to altos a ponto de impedir a entrada de novas firmas no mercado, os consumidores estaro mais bem servidos se um nico produtor for o responsvel por toda a produo. Portanto, embora seja tecnologicamente factvel a existncia de duas, trs ou mais firmas no mercado em considerao, ineficiente do ponto de vista econmico ter mais de uma nica firma nesse mercado. As indstrias em que tais situaes ocorrem so definidas como monoplios naturais. Quando as condies de mercado favorecem a existncia de um monoplio natural, geralmente o governo concede a nica firma os direitos exclusivos para a explorao de um mercado em particular ou de uma determinada rea geogrfica; em contrapartida, o monopolista concorda em se submeter regulao do governo para proteger os consumidores contra o uso abusivo do poder de monoplio. As firmas de servios 14 pblicos so um exemplo tpico de empresas de monoplio natural.

Fica evidente, dado esse cenrio econmico, que a hiptese mais contestvel e, portanto, digna de um estudo maior a afirmao de que, em tese, quando um setor12

Os riscos inerentes desse arranjo monopolstico esto atrelados a captura da agncia reguladora por parte da empresa que possui a concesso, e os aspectos perniciosos dessa situao sero abordados no Apndice A. 13 O que no implica que a lei de patentes e o sistema de concesso de setores a iniciativa privada (terceiro e quarto fatores respectivamente) estejam merc da interveno governamental na formao de monoplios. Ver MANSFIELD; YOHE, 2006, p. 311-312. 14 THOMPSON JR. FORMBY, 1993, p. 191, grifo do autor.

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caracteriza-se como monoplio natural mais eficiente para o consumidor que a concorrncia neste seja suprimida. Essa condio eficiente de Pareto 15 obtida atravs da concesso do monoplio por parte do governo a uma empresa privada ou quando o prprio governo assume esses setores econmicos de maiores externalidades16. Mansfield e Yohe (2006, p. 311) endossam essa ideia afirmando que o pblico com frequncia insiste que o comportamento de monoplios naturais seja regulamentado pelo governo. Existem ainda diversas abordagens acerca do monoplio (seja ele natural ou no). Em uma definio complementar final a essa seo, interessante abordar que a literatura usual tambm admite essa forma de competio de mercados como ineficiente, visto que,[...] uma indstria competitiva opera num ponto onde o preo se iguala ao custo marginal. Uma indstria monopolizada opera num ponto onde o preo maior que o custo marginal. Portanto, em geral, o preo ser mais alto e o produto menor se uma firma se comportar como um monoplio do que se comportar competitivamente. Por essa razo, os consumidores estaro em pior situao numa indstria organizada 17 como monoplio do que numa indstria organizada competitivamente.

2.3 Falhas de mercado ou falhas de governo: a abordagem da Escola Austraca de Economia

Os mercados imperfeitos so superiores ao planejamento imperfeito.

18

Na cincia econmica alguns paradigmas enrazam-se como as grandes rvores fazem junto ao solo. Estabelecidos, so difceis de serem arrancados em sua origem. As recorrentes falhas de mercado, to usualmente usadas como subterfgios para explicar os mais diversos movimentos concorrenciais no sistema de produo capitalista, normalmente gozam de enorme aceitao no chamado mainstream econmico. Uma das poucas escolas de pensamento econmico que no converge para essa ideia a Escola Austraca de Economia. Advinda do pas que a denomina, a teoria austraca de economia surge no sculo XIX com Carl Menger e a teoria da utilidade marginal do valor. Com seus estudos, Menger preconizou uma das escolas de carter mais subjetivo da teoria

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Para uma definio detalhada do timo de Pareto, recomenda-se a explicao dada por VARIAN, 1994, p. 455. 16 Ao leitor que deseja conhecer o conceito de externalidades com maior rigor, recomenda-se a leitura de RIANI, 2002, p. 34-38. 17 VARIAN, 1994, p. 451. 18 LAL, 1987, p. 131.

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econmica, influenciando diretamente na continuidade e aprofundamento dos aspectos iniciados com a chamada revoluo marginalista. Os austracos consideram os mercados como processos dinmicos em que as trocas voluntrias entre um demandante (consumidor) e um ofertante (vendedor) so inerentemente imprevisveis, dada a impossibilidade de conhecer os rumos da ao humana. Considerandose que os mercados so compostos por indivduos que trocam suas preferncias a todo o instante e de forma desordenada. Como imaginar que ao tirarmos uma foto de um determinado instante, encontraremos na imagem desse momento esttico todas as informaes necessrias para saber o que a precedeu e o que acontecer em uma suposta continuao da imagem fotografada? A Escola Austraca afirma que (metaforicamente falando) exatamente assim que a maioria das escolas de pensamento econmico procedem em suas anlises. Calculam e tentam prever, por exemplo, a competitividade de algum setor produtivo, considerando-o como um processo esttico ou na melhor das hipteses uniformemente varivel. Em suma, o que a teoria austraca afirma que tais processos so intrinsecamente imprevisveis, logo, se os so, evidentemente no esto em equilbrio e portanto, esto sujeitos a distores e falhas. admitindo essas imperfeies que a Escola Austraca diferencia-se das demais em sua abordagem acerca das formas de competio (perfeita e monopolista).19 Ao aceitar que os mercados, na melhor das situaes, tendem ao equilbrio sem nunca alcan-lo, a teoria austraca considera como normal as imperfeies ocorridas nesse dinamismo econmico em que os consumidores e empresrios esto inseridos. Logo, se os critrios para a tomada de decises so integralmente compostos pela ausncia de certeza, a economia est sujeita a inmeros e incalculveis equvocos por parte dos agentes que a compem. Esse movimento de tentativa e erro/acerto o principal estimulo a atividade empresarial e ao fomento da competio em uma economia de mercado. Portanto, aceitar e estudar as imperfeies ou distores do mercado, rejeitando o modelo de concorrncia perfeita um grande pressuposto da teoria austraca, no intuito de esclarecer o[...] grave equivoco na afirmativa de que a Escola Austraca baseia seus estudos de mercado no modelo de concorrncia perfeita. Foram os austracos os primeiros a afirmar que esse modelo no corresponde ao mundo real, em decorrncia do irrealismo de suas hipteses. De fato, nem a absoluta homogeneidade dos produtos, nem a informao perfeita por parte dos consumidores so hipteses plausveis, se19

Outras formas de competio como o oligoplio e o duoplio no sero aprofundadas, visto que, a anlise terica e emprica proposta nesse trabalho no ficar distorcida e incompleta, afinal para a Escola Austraca essas duas formas de competio no so tipos especiais de monoplio, mas, meramente, variantes para estabelecimento de preos monopolsticos. (MISES, 1990, p. 426.)

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desejamos explicar o mundo real. Tampouco o a suposio de que, existindo um grande numero de vendedores, cada um deles no tem capacidade de influir nos preos, pois isto equivale a afirmar que o preo formado sem a sua participao, o 20 que falso.

Logo, o alicerce argumentativo que pauta as teses austracas acerca dos mercados concorrenciais esto deduzidas da teoria da utilidade marginal do valor do produto. Originalmente criada por Carl Menger21(1840-1921) em consonncia com William Stanley Jevons (1835-1882) e Lon Walras (1834-1910), em perodos quase idnticos porem em pases diferentes, essa teoria apresenta a exata relao de interao entre os agentes que parcimoniosamente tendem ao equilbrio entre a oferta e a demanda, tornando desnecessria, segundo os austracos, a utilizao de modelos de concorrncia convencionais (monoplio, oligoplio, concorrncia monopolstica e concorrncia perfeita) utilizados nos manuais de microeconomia. Portanto, para a Escola Austraca o intervencionismo do Estado na produo e/ou consumo, como suposto agente provedor das necessrias correes s imperfeies, distores e falhas apresentadas pela economia de livre mercado contraproducente ao modo de produo capitalista. O corolrio austraco entende as falhas de mercado primeiramente, como processos resultantes de distores extra mercados, ou seja, de natureza institucional e, posteriormente, verificada realmente alguma falha de mercado, as mesmas tendem a ser amplificadas (e no eliminadas) com a interveno governamental.

2.4 Hayek e a inevitabilidade da planificao: o progresso tcnico e a formao de monoplios

Dentre o corpo acadmico que compe a Escola Austraca de Economia, Friedrich August von Hayek (1889 1992) no est em posio de destaque apenas como referncia a essa corrente de pensamento, e sim, ao que concerne toda a cincia econmica. Laureado com o Prmio Nobel de Economia (1974) sua contribuio permeia os mais diferentes campos de conhecimento: da filosofia, a sociologia, do direito, a economia. Suas obras atravessaram o

20 21

IORIO, 1997, p. 82. No intuito de no tangenciarmos o tema proposto nessa pesquisa, no abordaremos a fundo a teoria da utilidade marginal do valor, ao leitor interessado em aprofundar-se no assunto, recomenda-se a leitura de MENGER, 1983, p. 283-316.

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sculo XX alertando para as contradies e inverdades que campeavam as ideias acerca da necessidade do planejamento central. No que tange a essa pesquisa, Hayek procurou desmistificar (analisando profundamente a questo do conhecimento na composio dos processos de mercado) as ideias que circulavam no debate econmico atrelando a formao de monoplios ao progresso tcnico. Segundo Hayek, a ausncia de completo conhecimento caracterstica inerente dos seres humanos. Sendo assim, a sociedade composta por indivduos que possuem uma pequena parcela (que no pode ser mensurada) de conhecimento. Logo, alm de ser desproporcionalmente distribudo entre as pessoas, o mesmo est disperso em nosso meio, e por ser infinito, designa aos agentes a incumbncia de busc-lo incessantemente. Pois bem, se essas caractersticas esto presentes em nosso ambiente, pode-se afirmar que a formao dos mercados apenas um produto desse meio social - tal qual um espelho reflete apenas as movimentaes individuais na busca por conhecimento. Hayek denominou essas aes como processos de descoberta dos meios de produo capitalista. Portanto, exatamente a busca por conhecimento e a discrepncia no montante que cada indivduo possui de informao, que ocasionam as descobertas tecnolgicas do mercado. Cada componente, seja demandante ou ofertante, deve estar alerta ao surgimento de novas oportunidades a fim de obter ganhos na alocao mais exata de suas aes, seja no momento de empreender ou de consumir. Portanto, j se pode observar (dado a diferenas de conhecimento de cada indivduo) que exatamente esse componente que suscita a falta de equilbrio nos processos de mercado (algo indesejvel pelos neoclssicos, marxistas e keynesianos) e que geram, segundo a viso austraca, os avanos tecnolgicos presentes na sociedade. Partindo desse pressuposto, encontra-se exatamente nessa evoluo o principal argumento em defesa do intervencionismo, como suposto fator de proteo a no formao de monoplios tecnolgicos. Hayek expe o cerne desse pensamento.Dos vrios argumentos empregados para demonstrar a inevitabilidade da planificao, o mais usado aquele segundo o qual as transformaes tecnolgicas foram tornando impossvel a concorrncia em campos cada vez mais numerosos, s nos restando escolher entre o controle da produo por monoplios privados ou o controle pelo governo. Esta idia provm, sobretudo, da doutrina marxista da "concentrao da indstria", [...]: a causa de natureza tecnolgica a que se atribui o surgimento do monoplio seria a superioridade das grandes firmas em relao s pequenas, devido maior eficincia dos modernos mtodos de produo em massa. Afirma-se que os mtodos modernos criaram, na maior parte dos setores da economia, condies que permitem grande empresa aumentar sua produo a custos unitrios decrescentes, fazendo com que, em todos os pases, ela possa oferecer preos mais baixos e expulsar a pequena empresa do mercado. Esse

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processo continuaria at que em cada setor s restasse uma ou, no mximo, um nmero restrito de empresas gigantes. Tal argumento ressalta apenas um dos efeitos que s vezes acompanha o progresso tecnolgico, menosprezando outros que atuam 22 no sentido contrrio, e no confirmado por um exame cuidadoso dos fatos.

As contestaes a esse argumento advm exatamente do mesmo princpio (exposto acima) a favor do planejamento. Hayek resgata e aplica o problema epistemolgico de ausncia do conhecimento por parte dos agentes (explicados no inicio dessa seo) e questiona: como garantir que os planejadores da defesa econmica contra o monoplio tecnolgico, possuam o conhecimento necessrio para dirigir essa to numerosa e complexa sociedade? Logo, um controle central eficiente nessas condies de mercado torna-se invivel, visto a incapacidade do planejador de possuir conhecimento suficiente para gerir um ambiente onde a diviso do trabalho, cada vez mais intensa, faz da sociedade um arranjo ainda mais complexo. Portanto, a suposta soluo de conceder a uma empresa o monoplio de um setor ou mesmo estatiz-lo por completo, suprime a concorrncia e consequentemente, exclui o nico mecanismo de informao que os agentes dispem para melhor alocar os fatores de produo e consumo, o sistema de preos. Hayek explica a sua importncia no processo de mercado.[...] a descentralizao tornou-se necessria porque ningum pode equilibrar de maneira intencional todos os elementos que influenciam as decises de tantos indivduos, a coordenao no pode, claro, ser efetuada por "controle consciente", mas apenas por meio de uma estrutura que proporcione a cada agente as informaes de que precisa para um ajuste efetivo de suas decises s dos demais. E, como nunca se podem conhecer todos os pormenores das modificaes que influem constantemente nas condies da oferta e da procura das diferentes mercadorias, e nenhum rgo tem a possibilidade de reuni-los e divulg-los com suficiente rapidez, torna-se necessrio algum sistema de registro que assinale de forma automtica todos os efeitos relevantes das aes individuais - sistema cujas indicaes sero ao mesmo tempo o resultado das decises individuais e a orientao para estas. justamente essa a funo que o sistema de preos desempenha no regime de 23 concorrncia, e que nenhum outro sistema sequer promete realizar.

Logo, segundo o conceito hayekiano, em um livre mercado a prpria concorrncia que assegura aos consumidores que esse hipottico monoplio tecnolgico no seja invulnervel. Mesmo sendo admissvel que economias de escala so formadas em vista de inovaes tecnolgicas e que essa situao possa induzir a concentrao industrial de um determinado setor, no se pode concluir que isso seja um fator de barreiras a entrada de novos concorrentes. Em um livre mercado todos os empresrios esto expostos a competio e

22 23

HAYEK, 1990. p. 64-65 passim, grifo nosso. Ibid., p. 68, grifo nosso.

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qualquer ao deliberada, ou no, pode demov-los de uma suposta condio privilegiada no mercado.24 Sendo assim, a ideia de que funo do governo estimular a concorrncia ou regulament-la, em nome de uma melhor oferta de recursos de um setor em prol do bem estar social, equivocada. Hayek enftico ao afirmar, o governo no empresrio.25

2.5 A competio catalctica de Mises

Ludwig von Mises (1881-1973) foi um dos maiores economistas do sculo XX. Seu legado para a cincia, assim como para a Escola Austraca imensurvel e felizmente perptuo. Em sua obra magna, Ao Humana: um tratado de economia, ele disseca os sistemas capitalista, socialista e intervencionista, atravs do estudo da ao humana ao qual ele denominou como praxeologia, com uma clareza e limpidez literria superior. Estritamente no que tange essa pesquisa, Mises, no comeo do sculo, j alertava para as inmeras distores etimolgicas e tericas que se alastravam nos meios acadmicos e na sociedade acerca dos monoplios. Essas ideais atravessaram o sculo e hoje continuam campeando livremente nos debates econmicos, nas salas de aula e nos manuais tradicionais de economia. Com nitidez irrepreensvel, Mises inicia o debate econmico acerca do monoplio e da suposta necessidade da interveno estatal no combate ao mesmo, introduzindo o conceito de competio catalctica a qual, segundo ele, advm da eterna luta (no sentido metafrico)24

Hayek reitera as benesses caractersticas desse conceito de competio, baseado no estudo feito pela Comisso Provisria de Economia Nacional norte-americana - ao qual o autor classifica como imparcial frente ao liberalismo. A pesquisa minuciosa realizada por essa Comisso relata a no ocorrncia de desaparecimento da concorrncia em funo da maior eficincia dos mtodos de produo em larga escala. A mesma instituio ainda observa, que os principais componentes na formao de monoplios so resultados de conluios promovidos pelas polticas governamentais e recomenda a abolio das mesmas, como requisito fundamental para o restabelecimento da concorrncia. O relatrio completo encontra-se em: Final Report and Recommendations of the Temporary National Economic Committee. 77 Legislatura, 1' Sesso, Documento n' 35 do Senado, 1941, p. 89. (apud HAYEK, 1990, p. 65-66) 25 Kirzner complementa essa anlise hayekiana, admitindo que um produtor pode alcanar uma posio monopolista de um determinado insumo, tecnolgico ou no, no curto prazo. Porm, isso no lhe garante imunidade competitiva, pois mesmo que este possua exclusividade na oferta do produto, outros bens substitutos podem surgir competindo indiretamente com o produto ofertado pelo monopolista. Evidentemente, que esse arranjo no pernicioso aos consumidores, visto que, o mercado dessa forma se expande e a gama de produtos e servios torna-se maior. Tornando desnecessria qualquer interveno governamental no livre mercado. Ao leitor interessado em aprofundar-se nesse aspecto especifico do monoplio, recomenda-se a leitura de KIRZNER, 1986, p. 36-96, passim.

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entre os agentes que compem a economia de mercado. Ou seja, a competio catalctica um estado de ao entre pessoas que querem superar umas s outras. Sendo assim, a mesma no aniquila aqueles que perdem espao para os que vencem, mas os realoca ou direciona a um local mais modesto e condizente com as suas realizaes e capacidades dentro do sistema social. Com bem explicou Mises,[...] na economia de mercado, a competio se manifesta no fato de que os vendedores devem superar uns aos outros pela oferta de bens e servios melhores e mais baratos, enquanto que os compradores devem superar uns aos outros pela 26 oferta de preos mais altos.

Portanto, no campo catalctico a competio nunca ser uniforme. Sempre existir escassez de bens, de fatores de produo e de servios econmicos. Isso inexoravelmente restringe a competio tornando-a um exerccio de conhecimento infinito por parte dos empresrios no processo dinmico de mercado. Logo, seria falacioso pensar que desse conceito catalctico de competio emergem as barreiras a entrada e sada, assim como qualquer outro entrave competio. Mises evidenciava isso, enfatizando que,[...] a competio catalctica, um dos traos caractersticos da economia de mercado, um fenmeno social. No um direito, garantido pelo Estado e pelas leis, que torne possvel a cada indivduo escolher, sua vontade, o lugar na estrutura da diviso do trabalho que mais lhe agrade. Atribuir a cada um o seu lugar prprio na sociedade tarefa dos consumidores que ao comprar ou abster-se de comprar esto determinando a posio social de cada indivduo. A soberania do consumidor no diminui quando so concedidos privilgios a indivduos na qualidade de produtores. A entrada num determinado setor industrial virtualmente livre aos recmchegados, somente na medida em que os consumidores aprovem a expanso desse setor, ou na medida em que os recm-chegados superem, por um atendimento melhor aos desejos do consumidor, os j estabelecidos. Investimento adicional s se justifica na medida em que satisfaa s mais urgentes necessidades dos consumidores, entre aquelas que ainda no foram atendidas. Se as instalaes existentes so suficientes, seria desperdcio investir mais capital na mesma indstria. 27 A estrutura de preos do mercado induz os novos investidores a outros setores.

Mises ainda complementa, explicando que o suposto poder econmico das empresas estabelecidas a mais tempo em um setor no um fator que impede a entrada de novas firmas, assim como no diminui a competio inerentemente latente que o livre mercado proporciona pela ameaa de concorrentes potenciais. Uma empresa solitria sempre ter a ameaa concorrencial, seja em seu setor, seja na oferta de produtos substitutos de outras empresas.

26 27

MISES, 1990. p. 382. Ibid., p. 383.

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No fosse assim, as companhias de estradas de ferro dado o seu tamanho e o seu alto poder econmico, inibiriam a entrada e a oferta de novos produtos como, por exemplo, o avio e o automvel. No entanto, no foi isso que se verificou. Tais meios de transporte no s surgiram como suas indstrias prosperaram indefinidamente. Porm, esses conceitos de limitao competitiva continuam presentes em nossa sociedade. Mises na poca j os observava.Hoje as pessoas afirmam o mesmo em relao a vrios setores dominados por grandes empresas: ningum pode concorrer com elas; so muito grandes e muito poderosas. Competio, entretanto, no significa que qualquer um possa prosperar simplesmente pela imitao do que outras pessoas fazem. Significa a possibilidade de servir os consumidores atravs da oferta de algo melhor e mais barato, sem que haja restrio acarretada pelos privilgios concedidos queles cujos interesses estabelecidos so afetados pela inovao. Um recm-chegado que quiser desafiar os interesses estabelecidos das firmas existentes precisa sobretudo de massa cinzenta e de ideias. Se o seu projeto capaz de satisfazer os mais urgentes entre os desejos ainda no atendidos dos consumidores, ou de fornecer bens por um preo mais barato do que os que os fornecedores existentes oferecem, ser bem sucedido, apesar 28 do to falado tamanho e poder das firmas mais antigas.

Essa caracterstica competitiva da economia de mercado geralmente pouco compreendida e consequentemente pouco aceita pelos socialistas e keynesianos. E contra isso nada se tem a fazer. Um diagnstico mal feito necessariamente implica em uma receita equivocada e nesses casos a economia caprichosamente cruel com aqueles que tentam burlar suas leis.

2.6 Monoplios e preos monopolsticos: o legado de Mises.

A teoria econmica que discorre sobre o monoplio vasta e possui inmeras interpretaes nas mais diversas escolas de pensamento econmico acerca de sua formao, incentivo e definio. Um dos insights mais interessantes sobre monoplios o da Escola Austraca, especificamente o introduzido por Mises diversas vezes em suas notveis obras. Os conceitos diferem evidentemente do setor e de como o analisamos. Como distino fundamental, necessrio abordar os diferentes tipos de organizao econmica que pode ser considerado como um monoplio. A primeira definio a mais perversa socialmente e economicamente falando. Mises a define como,28

MISES, 1990, p. 384.

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[...] um estado de coisas no qual o monopolista, seja ele um indivduo ou um conjunto de indivduos, tem o controle exclusivo de algo que vital para as condies de sobrevivncia do homem. Este monopolista tem o poder de matar de fome todos queles que no obedeam s suas ordens. Determina, e os outros no tm alternativa: ou se submetem ou morrem. Em tal situao de monoplio, no h nem mercado nem competio catalctica. O monopolista o senhor e os outros so escravos inteiramente dependentes das suas boas graas. No h necessidade de se estender sobre este tipo de monoplio. Ele no tem nenhuma relao com uma economia de mercado. Basta dar um exemplo: um estado socialista universal exerceria esse monoplio absoluto e total; teria o poder de arrasar seus oponentes, 29 fazendo-os morrer de fome.

Como bem salientou Mises, por no se tratar de algo factvel, o presente trabalho no discorrer em demasia sobre essa situao monoplica. A segunda hiptese de organizao monopolstica a que observa um monoplio em funo da diversidade de produtos. Ou seja, na economia de mercado, em quase todas as situaes, encontramos uma no homogeneidade dos produtos. Microeconomicamente falando, em sua grande maioria, no se encontram no mercado substitutos perfeitos entre os produtos ofertados, logo, a rigor, todo o produtor detm sobre o seu produto uma relao de monoplio, visto que os produtos de cada indstria so mais ou menos diferentes30. Porm, mesmo que essa hiptese seja plausvel, nesse contexto teramos monopolistas por toda a parte e em grande nmero. Essa condio monoplica no os garante privilgios ou vantagens no funcionamento do mercado e na formao de preos, visto que a diferenciao dos produtos viria por neutralizar essa suposta condio monoplica. O conceito mais relevante sobre monoplios, por ser extremamente vivel do ponto de vista terico e uma alternativa interessante teoria microeconmica convencional o aplicado por Mises. Segundo ele,[...] o monoplio, nessa segunda acepo da palavra, torna-se um fator para a determinao dos preos, somente se a curva da demanda do produto monopolizado tiver uma forma especfica. Se as condies so de tal ordem que o monopolista possa assegurar para si mesmo maiores receitas lquidas, ao vender uma quantidade menor de seu produto por um preo mais elevado em vez de vender uma quantidade maior por um preo mais baixo, estamos diante de um preo monopolstico maior do que o preo que o produto alcanaria no mercado, se no houvesse o monoplio. Os preos monopolsticos so um importante fenmeno do mercado, enquanto que o monoplio em si s tem importncia se puder resultar na formao de preos 31 monopolsticos.

Logo, para os adeptos desse conceito misesiano, o princpio gerador de ineficincia social e econmica no est no fato de uma empresa ofertar sozinho um determinado produto.29 30

MISES, 1990, p. 386. Outros economistas austracos complementam essa definio de monoplio, ao leitor interessado em aprofund-la, recomenda-se a leitura de ROTHBARD, 1970, p. 590. 31 MISES, op. cit., p. 387, grifo do autor.

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O monoplio s onera a economia se a empresa conceber uma curva de demanda que lhe permita ofertar quantidades menores a preos maiores do que os considerados competitivos, sem atrair concorrentes ao setor.32 Pois bem, mas o que faz desse monopolista um proibidor da entrada de novas empresas? A concluso da Escola Austraca veemente. O governo o principal gerador dos monoplios e de todos os privilgios concorrenciais que os mesmos concedem as empresas, portanto, no cabe a ele (governo) combat-los. Em sntese,[...] s se pode dizer que existem monoplios em decorrncia da concesso de privilgios, diretos ou indiretos: o criador dos monoplios o Estado e, sendo assim, absurdo que ele pratique polticas antimonopolistas; na realidade, o que ele deve fazer , simplesmente, abolir as leis ou melhor, as legislaes (Thesis) que estabeleceram os monoplios. O ponto crucial, ento, que no existem monoplios invulnerveis, a menos que eles sejam protegidos pelo Estado. As causas comumente apontadas como geradoras de monoplios tm a caracterstica comum de serem temporrias; o que gera os monoplios no o capitalismo, nem a 33 competio, mas o Estado.

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Os crticos dessa teoria defendida por Mises argumentam sobre qual a definio correta de preos competitivos e preos monopolsticos. Mises admite problemas de cunho terico subjetivo sobre essas terminologias citadas. Porem, explica que dada aceitao dos mesmos extremamente difcil que se substituam essas terminologias. O que no d o direito de que sejam feitas interpretaes errneas, entrelaando formao de preos competitivos a ausncia de competio. Mises ressalta que todas as mercadorias competem com as outras mercadorias e, portanto, o monopolista no esta imune a competio catalctica, ou seja, quanto mais alto esse fixa o preo, maior ser a quantidade de consumidores potencias que comprar outros bens. Ver MISES, 1990, p. 387-389 passim. 33 IORIO, 1997, p. 83-84.

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3 O PROGRAMA DE DESESTATIZAO BRITNICO

3.1 Aspectos histricos que influenciaram as reformas liberais de Thatcher

A dcada de 70 representou um perodo em que as grandes economias mundiais sucumbiram em meio a crises contnuas em sua maioria atreladas as falhas de mercado supostamente inerentes ao capitalismo. Em contramo a essa anlise, a quantidade de pases (essencialmente do continente europeu) que se encontravam sob forte miasma estatizante, evidenciavam ao mundo e aos seus lderes, que os aspectos descoordenadores que permeavam os anos setenta, poderiam no estar necessariamente relacionados a um processo cclico do capitalismo. Inclusa nesse cenrio, a Inglaterra deparava-se com uma economia interna sob forte vis estatal. As polticas de nacionalizao de diversas empresas inglesas foram impulsionadas em meados dos anos 60 e capitaneadas pelo Partido Trabalhador intensificaram-se na dcada seguinte. Pouco antes do inicio do programa de desestatizao da Primeira Ministra Margaret Thatcher, as estatais inglesas respondiam por 11,5% do PIB britnico, 14,4% dos investimentos totais na economia, 15,4% da formao bruta de capital fixo e 10% do ndice de preos no varejo.34 Alem disso.As empresas empregavam, aproximadamente, 1,5 milho de pessoas e dominavam os setores de transportes, energia, comunicao, ao, e construo naval. A nacionalizao foi muitas vezes acompanhada de criao de monoplios artificiais. Ela representava um ato poltico, pelo qual se acreditava viabilizar uma distribuio de renda e riqueza mais equitativa e aumentar a prosperidade geral da nao. Entretanto, o desempenho das empresas estatais ficou muito aqum do esperado. Desde meados da dcada de 60, o retorno total sobre o capital emprestado nas estatais inglesas foi significativo e consistentemente menor que o do setor privado, mesmo considerando-se os subsdios. A partir do inicio da dcada de 70, a situao deteriorou-se mais ainda e o retorno agregado destas empresas sobre o capital esteve 35 prximo de zero.

No obstante a esses resultados desastrosos apresentados pelas empresas nacionalizadas. O governo britnico ainda almejava que o controle por parte do Estado desses

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Ver DWECK, 2000, p. 151. BRITO, 1989, p. 61.

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setores, atenuaria a alta no ndice geral de preos, auxiliando no combate a inflao pelo lado da oferta. Porm, o monoplio setorial garantido pelo governo ingls, culminou em resultados perniciosos para a economia britnica. A ausncia de competio, conjuntamente ao descaso com os consumidores advindos da dependncia destes para com o monopolista, desestimulou as estatais a controlar e reduzir os custos operacionais. O resultado desse arranjo governamental foi previsvel. Com os custos em crescimento incessante, as empresas nacionalizadas constantemente reajustavam os preos acima do ndice geral mdio do varejo, tornando a poltica governamental de combate inflao pelo lado da oferta, ineficiente. Em conseqncia disso, e seguindo fielmente o corolrio intervencionista, o prximo passo governamental tambm no foi surpreendente. As polticas de controle de preos36 que foram aplicadas aos setores nacionalizados na tentativa de frear esse processo inflacionrio, resultaram em inevitveis e sucessivos perodos de ajustamentos drsticos nos nveis de preos, algo que, evidentemente, desagradava aos consumidores e depunha contra as pretenses do governo trabalhista. No mbito da produo os resultados tambm no foram satisfatrios.O desempenho dessas indstrias em termos de produtividade e de custos de mo de obra tambm se apresentou insatisfatrio. Os sindicatos do setor pblico tiveram extraordinrio sucesso em obter vantagens em face do seu alto poder de barganha geradas pelas condies de monoplio. Na maioria das empresas estatais, os custos com mo de obra per capita cresceram mais rapidamente que a mdia nacional no perodo de 1970/71 a 1982/83 e, em muitos casos, sem o aumento de produtividade correspondente. Os resultados de uma comparao direta de empresas pblicas com suas correspondentes no setor privado indicam pior desempenho; elas usam trabalho e capital de maneira pouco eficiente e so menos rentveis. A poltica de capitalizao destas empresas tambm contribui para o seu fraco desempenho. Suas necessidades de recursos e emprstimos dependem de autorizao do governo, confundido-se com outras formas de emprstimo ao setor pblico. Como a responsabilidade primeira de um governo para a economia como um todo, infelizmente existem situaes em que as necessidades das empresas pblicas tm de se subordinar poltica macroeconmica. Suas reivindicaes, que podem ser totalmente justificadas em termos comerciais, tm sempre de ser consideradas sob a tica do gasto pblico. O resultado final desse sistema que os aspectos polticos, muitas vezes de curto prazo, se sobrepem a aspectos comerciais. [...] Nestas circunstancias, no chega a surpreender que as empresas estatais tenham 37 desempenho inferior ao de suas correspondentes no setor privado.

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Em um primeiro momento, o governo adotou uma poltica de controle de preos que definia estes de forma arbitrria. Posteriormente, em funo do fracasso dessa interveno nos setores nacionalizados, a soluo aplicada foi reajustar os preos em funo de requisitos correspondentes ao custo marginal, auxiliados por um maior rigor nas decises de investimentos e no retorno destes. A inteno do governo era alcanar rendimentos comparveis aos do setor privado. Contudo, a grande maioria dessas polticas de controle de preos, produo e investimento, no foram postas em pratica e, portanto, tambm fracassaram. Ver BRITO, 1989, p. 62-63, passim. 37 BRITO, 1989, p. 62, grifo do autor.

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Esses insucessos industriais das estatais inglesas, evidentemente, refletiram nos nveis de empregos ofertados pelas mesmas. Por exemplo, no perodo de 1963 a 1978, somente a indstria de gs desempregou algo em torno de 19%. Nos setores de eletricidade e carvo os ndices de desemprego atingiram os 22% e 51%, respectivamente.38 sob a gide desse contexto histrico/econmico, que a populao inglesa percebeu que a retomada ao tradicional caminho poltico,39 caracterstico daquele pas, era inevitvel. O renascimento das polticas liberais na dcada de 80, culminaram em profundas e marcantes reformas na economia, nas instituies e na sociedade inglesa, e so at hoje lembradas como um marco do liberalismo no sculo XX.

3.1.1 O surgimento do Thatcherismo

Em 1975 ao assumir o comando do Partido Conservador ingls, Margaret Thatcher deu um importante passo na sua trajetria poltica, tornando-se a principal liderana da oposio ao governo trabalhista em vigor. Pertencente a ala direita do Partido Conservador, Thatcher ficou conhecida por ser uma lder enrgica na defesa de seus ideais liberais. Demonstrou grande capacidade de liderar os conservadores na oposio ao governo e com firmeza, destacou-se, como a principal candidata conservadora ao ultimo pleito da dcada de 70. Com um programa pautado em defesa do livre mercado e de profundas reformas liberais, que abrangiam desde a poltica fiscal at a poltica monetria, Thatcher alcanou em 1979, enorme aceitao popular com o seu projeto poltico em defesa do liberalismo econmico. Tal aprovao das ruas a elegeu com elevada margem, tornando-a primeira mulher a alar ao posto de Primeiro Ministro do Reino Unido. J em seu primeiro mandato, condizente com a ideologia em prol da ordem espontnea dos mercados, associada s polticas monetrias pregadas pela Escola de Chicago. 40 Thatcher implementou desde o comeo uma serie de polticas que diminuram a interveno do Estado na economia.38 39

BRITO, 1989, p. 64, passim. consenso dentro da cincia econmica que o bero do liberalismo clssico a Inglaterra. Ver MISES, 2010, p. 33. 40 O leitor deve ter percebido que a ordem espontnea dos mercados e a poltica monetria da Escola de Chicago caracterizaram respectivamente, o apreo de Margaret Thatcher pelas idias dos Nobis Friederich August von Hayek e Milton Friedman.

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A desestatizao da economia inglesa obteve amparo em diversos motivos e permeou todos os aspectos econmicos e sociais.41 Porem cabe aqui ressaltar que essas reformas liberais42 no so indissociveis e sim, complementares a esses processos. Portanto, essas aes fizeram parte de um plano de medidas conjuntas, que acarretaram na diminuio da interveno do Estado na economia inglesa, transformando o governo de Thatcher em um exemplo pioneiro de desregulamentao e desestatizao econmica em todas as reas. O que tornou a experincia britnica uma referncia para outras naes sarem do atoleiro econmico em que se encontravam a poca.

3.1.1.2 A venda das estatais inglesas: dos objetivos aos procedimentos e resultados alcanados

O programa de retirada do Estado da economia atingiu fortemente um grande nmero de empresas sob o controle do governo ingls. O nacionalismo estatizante das duas dcadas anteriores atribuiu ao Estado um papel de empresrio que no condiz com as funes que este deve desempenhar. Adepta desse pensamento, Thatcher utilizou-se de diversas prerrogativas que pautassem seus argumentos a favor da desnacionalizao das empresas britnicas. Em resumo, o objetivo geral do governo conservador era aumentar a competitividade nos setores desestatizados, melhorando assim a eficincia interna dessas indstrias. Portanto, acreditavase que,[..] as foras de mercado podem promover este aumento mais eficazmente do que o controle do Estado. Alm disso, espera-se que maior competitividade interna tambm gere maior competitividade externa dos produtos e servios ingleses. A privatizao traz, como decorrncia direta, a democratizao da propriedade. A transferncia de ativos do setor pblico para o privado d aos indivduos a oportunidade de se tornarem proprietrios dos bens e das aes das companhias privatizadas. Portanto, a privatizao, estimula a formao de poupana, aumentando tambm a liberdade e independncia dos indivduos. Ao estabelecer-se um novo conjunto de proprietrios, gera-se uma serie de importantes efeitos positivos sobre as atitudes, de maneira geral. H uma tendncia para se romper a

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Em funo das limitaes inerentes a uma monografia, essas nuances no sero abordadas de forma aprofundada, tampouco a anlise dos resultados fiscais e monetrios obtidos sero apresentados. Logo, essa investigao ficar restrita aos dados atrelados aos processos de venda das estatais. 42 O programa thatcherista continha medidas como a reduo dos impostos progressivos e o respectivo aumento dos impostos regressivos, assim como, medidas de restrio monetria e fiscal, atreladas a abolio do salrio mnimo. O que se pretendia que o Estado ingls reduzisse a sua participao como provedor do bem estar social da nao.

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diviso entre proprietrios e assalariados que tem maior segurana e maiores 43 oportunidades de gerar riqueza para si mesmos e para o pas.

Conjuntamente, o governo britnico tinha a expectativa ao expor essas empresas concorrncia que esses efeitos estimulariam a alocao mais eficiente da mo de obra e do capital disponvel na economia. importante salientar que no caso britnico (ao contrrio do que se veria no decorrer da dcada em outros pases onde ocorreram privatizaes) o objetivo no estava vinculado ao financiamento do dficit publico. O governo da Thatcher, para isso, optou por um modelo de venda por oferta pblica de aes44 que privilegiava os empregados das empresas nacionalizadas. O intuito desse procedimento tcnico era de alargar a base de investidores extremamente concentrada nas mos de agentes institucionais.45 Portanto, o primordial para o governo no era arrecadar e sim estreitar as relaes entre capital e trabalho. Algo extremamente benfico economicamente, visto que, essa aproximao rompeu com a maligna dicotomia entre empregados e empregadores, tornando-os um s na busca por maior eficincia na produo e nos lucros auferidos. Dado o exposto resumo acima sobre o contexto que objetivou as desestatizaes e os procedimentos tcnicos utilizados para tal, a tabela 1 a seguir apresenta a relao e o respectivo ano em que foram realizadas s vendas das estatais inglesas.

Tabela 1 Empresas desestatizadas no Reino Unido entre 1979 e 1990Empresas British Petroleum National Enterprise Board Investments British Aerospace British Sugar Corporation Cable & Wireless Amersham International National Freight Corporation Britoil British Rail Hotels Associated British Ports British Leyland (Rover) British Telecom (BT) Ano da primeira venda de aes 1979 1980 1981 1981 1981 1982 1982 1982 1983 1983 1984 1984

(continua) Indstria ou Setor

Petrleo Vrias Espao Areo Acar Telecomunicaes Produo Cientifica Transporte Rodovirio Petrleo Hotis Portos Industria Automobilstica Telecomunicaes

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BRITO, 1989, p. 63-64, passim. Ao leitor interessado em aprofundar-se nas especificaes tcnicas dessa oferta publica de aes, recomendase a leitura de VELASCO JR., 1997, p. 35-59, passim. 45 Esse era outro objetivo do tatcherismo. Antes das desestatizaes, a proporo de adultos que detinham aes no Reino Unido era de 7%, enquanto isso a mesma poca nos Estados Unidos esse nmero alcanava os 25%.

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Tabela 1 Empresas desestatizadas no Reino Unido entre 1979 e 1990Empresas

(concluso) Ano da primeira Indstria ou Setor venda de aes Enterprise Oil 1984 Petrleo Sealink 1984 Transporte Martimo British Shipbuilders & Naval Dockyards 1985 Construo de Navios National Bus Company 1986 Transportes British Gas 1986 Gs Rolls-Royce 1987 Motores Aeronuticos British Airports Authority 1987 Aeroportos British Airways 1987 Companhia Area Royal Ordnance Factories 1987 Armamentos British Steel 1988 Ao Water 1989 Saneamento Electricity distribuition 1990 Eletricidade Fonte: elaborao prpria, adaptado de Martin, S. and Parker, D. apud GENNARI, A. M. Conjunto de diversas empresas do setor de tecnologia da engenharia, eletrnica e computao.

O resultado individual de cada uma das diversas empresas desnacionalizadas variou de acordo com o tipo de processo de desestatizao realizado pelo governo. No cabe aqui a apresentao de cada um deles.46 O que se pde observar que, de forma geral, as empresas vendidas, em um primeiro momento, obtiveram um excelente desempenho no setor privado. O que indica que o programa de desestatizao britnico atingiu no mbito industrial os objetivos almejados. Em suma,[...] a experincia britnica at o momento sugere que o programa ingls de privatizao, associado aos processos de liberao e desregulao, tem contribudo de forma expressiva para maior eficincia de operaes da economia, para melhor distribuio de riqueza, para dinamizao do mercado de capitais e para melhoria no nvel e na qualidade dos servios prestados aos consumidores. Neste sentido, o programa de privatizao e os processos de liberao e desregulao podem ser 47 considerados como bem sucedidos.

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Sero apresentados no captulo 5, por fins de simplificao, apenas os resultados da desestatizao inglesa no setor de telecomunicaes. 47 BRITO, 1989, p. 74.

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4 AS PRIVATIZAES BRASILEIRAS

4.1 O Consenso de Washington e a sua influncia na reabertura econmica brasileira

Os anos 80 como antes salientado foram determinantes para a retomada do iderio liberal at ento perdido no decorrer do sculo XX. Em meados daquela dcada, a falncia dos pases subdesenvolvidos sinalizavam ao mundo a necessidade de inevitveis mudanas nas polticas econmicas at ento praticadas. Sendo assim, a reestruturao econmica (essencialmente dos pases da Amrica Latina) apresentava-se como uma das principais pautas - quando em novembro de 1989 - os principais rgos financeiros e monetrios do mundo (Banco Mundial, Fundo Monetrio Internacional e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos) reuniram-se em WashingtonDC, para formular um receiturio de cunho liberal fortemente influenciado pelas idias de Friedrich August von Hayek, Milton Friedman e John Williamson, que apontavam caminhos para melhorias nos agregados macroeconmicos, primordialmente, desses pases.48 Nascia nesse perodo o que ficou conhecido como Consenso de Washington, um conjunto de medidas econmicas austeras que objetivavam, dentre outras metas, uma melhoria do ajustamento fiscal e a retirada gradual na participao do Estado na economia. Para o alcance desse fim, o Consenso formalizou um conjunto de regras e recomendaes que alassem as economias emergentes a patamares atingidos pelos pases - por assim dizer - de primeiro mundo. So elas: Disciplina fiscal; Reduo dos gastos pblicos; Reforma tributria; Juros de mercado; Cmbio de mercado (flutuante); Abertura comercial; Investimento estrangeiro direto, com eliminao de restries protecionistas;

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A quantidade de pases exatos que adotaram o receiturio do Consenso de difcil mensurao, visto que, tais recomendaes foram praticadas de forma e gradualismos diferentes de nao para nao. O que importante salientar que a grande maioria dos pases emergentes e subdesenvolvidos aplicaram em maior ou menor escala as indicaes formuladas em Washington.

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Privatizao das estatais; Desregulamentao (afrouxamento das leis econmicas e encargos trabalhistas); Direito propriedade intelectual.

No cabe ao escopo dessa investigao, analisar o sucesso ou fracasso de tais medidas nos pases que as implementaram. O Consenso de Washington relevante para esse estudo, como um processo poltico altamente decisivo nas tomadas de decises na dcada vindoura, sobre como e onde privatizar. No Brasil, a cartilha de Washington foi aplicada no decorrer dos anos 90 em diversos pontos e de forma gradual. O que mais relevante para a continuao do estudo a observncia, que as privatizaes brasileiras tiveram forte influncia das idias oriundas dessa reunio na capital americana e que, portanto, essencialmente nesse ponto, diferem das desestatizaes que ocorreram no Reino Unido, como relatado no capitulo anterior.

4.2 As privatizaes brasileiras: objetivos, procedimentos e resultados alcanados

As decises que estimularam o Brasil a adentrar na chamada agenda neoliberal composta de inmeros fatores. Um deles j foi destacado. Os pressupostos do Consenso de Washington so reconhecidamente um exemplo de polticas neoliberais. Mesmo com os inmeros problemas tericos e epistemolgicos envoltos nesse termo, essencialmente quando o comparamos as idias liberais da Escola Austraca (escopo terico desse trabalho). importante enaltecer que o programa brasileiro de privatizao extremamente distinto do realizado na Gr Bretanha, desde a formulao dos objetivos, a motivao no alcance destes e, principalmente, ao que tange os resultados alcanados. O programa brasileiro de privatizao nunca foi uma convico governamental, tampouco obteve por parte do governo um tratamento terico/tcnico slido e apurado. A situao macroeconmica brasileira no inicio da dcada de 90 era extremamente precria e vinha se deteriorando desde meados dos anos 70. As idias advindas de Washington, na verdade, apresentavam-se como uma luz na escurido em que se encontrava o pas e, portanto, desde o inicio tiveram um papel muito mais abrangente do que s melhorar a capacidade de produo e evoluo da indstria nacional, diferentemente do que foi visto na Inglaterra. Pode-se afirmar que o Brasil ao privatizar, no almejava apenas solues microeconmicas que se limitavam a abrangncia dos setores desnacionalizados e as

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caractersticas industriais destes, como tambm, esperavam-se melhorias macroeconmicas, inclusive no curto prazo. Vrios elementos foram preponderantes para o lanamento do Programa Nacional de Desestatizao (PND) em maro de 1990. Primeiramente,[...] o fraco desempenho econmico foi, isoladamente, o motivo mais importante para a privatizao no Brasil. A privatizao limita a liberdade do governo para adotar polticas macroeconmicas intervencionistas, forando-o a empregar uma estratgia de desenvolvimento mais voltada para o mercado. O apoio poltico privatizao aumentou porque era necessrio restringir os gastos pblicos e porque a tentativa malograda de utilizar as EEs como instrumento de poltica macroeconmica nos anos 80 levou a uma profunda deteriorao da qualidade dos 49 servios oferecidos por essas companhias.

Em um segundo momento, uma srie de pormenores fizeram-se presentes nas decises de privatizar. No entanto, sempre a natureza dessas motivaes governamentais atrelavam-se a variveis macroeconmicas que estavam sob a tutela do Estado. Logo, coube a este, a percepo de que era necessria a diminuio do intervencionismo estatal na economia, em conjuntura com polticas de controle da inflao, algo que ainda era fortemente presente no inicio dos anos 90. Adjunto a isso e ainda no mbito macroeconmico, o governo percebeu que a abertura econmica brasileira implicava necessariamente em desnacionalizao da mesma e, portanto, a venda das estatais era fator preponderante nesse caso. Conjuntamente a esses aspectos, a necessidade de financiamento do enorme dficit em conta corrente e a expectativa de resultados fiscais melhores j no curto prazo tornaram o Programa Nacional de Desestatizao (PND) algo premente na economia brasileira a poca.

4.2.1 O Programa Nacional de Desestatizao (PND): dos procedimentos, as empresas e setores privatizados

Particularmente, o caso brasileiro de retirada do Estado da economia atravs da venda de companhias e setores que estavam sob controle governamental, foi bastante confuso, controverso e com forte vis poltico. A forte crise econmica alicerada em endividamento pblico e inflao asfixiante dificultou a elaborao de um programa de desestatizao imparcial frente a esses obstculos. No obstante a isso, as instabilidades polticas geradas por49

PINHEIRO; FUKASAKU, 2000, p. 15.

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uma democracia ainda prematura, acompanhada de um impeachment presidencial, acrescentavam ao programa de privatizao brasileiro aspectos indesejveis no cerne de sua formulao. Esse cenrio poltico/econmico, tornou o Programa Nacional de Desestatizao (PND) enviado em 1990 pelo ento presidente Fernando Collor de Mello e institudo pela Lei 8.031 um salvador da ptria, por assim dizer. Esperava-se que ao conceder setores e vender empresas a iniciativa privada, os ganhos de eficincia nessas reas, bem como a reduo da enorme divida pblica interna e da inflao galopante50 fossem significativos. Em suma o PND estava disposto em cinco metas:I reordenar a posio estratgica do Estado na economia, transferindo iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor pblico; II contribuir para reduo da divida pblica, concorrendo para o saneamento das finanas do setor pblico; III permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas iniciativa privada; IV contribuir para a modernizao do parque industrial do pas, ampliando sua competitividade e reforando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia; V permitir que a administrao pblica concentre seus esforos nas atividades em que a presena do Estado seja fundamental para a consecuo das prioridades nacionais; VI contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais, atravs do acrscimo da oferta de valores mobilirios e da democratizao da propriedade do capital das empresas que 51 integram o programa.

A lei 8.031 de 12 de abril de 1990 que dispe essas seis metas, foi revogada posteriormente pela lei 9.491 de 09 de setembro de 1997. No capitulo 5 quando abordarmos especificamente a privatizao das telecomunicaes estaremos regidos pela lei 9.491 que trata do tema. Sob essa conjuntura econmica, o PND foi posto em prtica abrangendo inicialmente os setores siderrgico, petroqumico e de fertilizantes. Porem, os baixos investimentos realizados nessas reas em funo do endividamento pblico, agravavam a situao financeira e estrutural das estatais. Fazendo com que as privatizaes s ocorressem, com forte aporte do governo via BNDES e da aceitao por parte da Unio que a compra fosse feita atravs do que ficou conhecido como moeda de privatizao. Explicando,Uma caracterstica distintiva do PND, principalmente at 1996, era o fato de permitir que os investidores pagassem pelas aes das EEs no somente com dinheiro, mas tambm com diversos tipos de ttulos pblicos, aceitos pelo seu valor nominal, apesar de serem negociados no mercado com desgios significativos. Esses ttulos eram principalmente divida no paga do governo, [...]. Para entender a50

Em 1990 a inflao acumulada foi de 1.476,6%, a dvida liquida do setor pblico representava 38,5% do PIB e o investimento direto nas estatais federais era de apenas 1,9% do PIB, o que explica o sucateament