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ARQUIVOGRAFIASGODOFREDO FILHO E AS SUAS BAHIAS
por
MNICA DE MENEZES SANTOS
Orientadora: Prof Dr Eneida Leal Cunha
Salvador2006
Universidade Federal da BahiaInstituto de Letras
Programa de Ps-Graduao em Letras e LingsticaRua Baro de Geremoabo, n147 - CEP: 40170-290 - Campus Universitrio Ondina Salvador-BA
Tel.: (71) 263 - 6256
Site: http://www.ppgll.ufba.br - E-mail: [email protected]
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ARQUIVOGRAFIASGODOFREDO FILHO E AS SUAS BAHIAS
por
MNICA DE MENEZES SANTOS
Orientadora: Prof Dr Eneida Leal Cunha
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Letras e Lingustica do Institutode Letras da Universidade Federal da Bahiacomo parte dos requisitos para obteno do
grau de Mestre em Letras.
Salvador2006
Universidade Federal da BahiaInstituto de Letras
Programa de Ps-Graduao em Letras e LingusticaRua Baro de Geremoabo, n147 - CEP: 40170-290 - Campus Universitrio Ondina Salvador-BA
Tel.: (71) 263 - 6256
Site: http://www.ppgll.ufba.br - E-mail: [email protected]
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Biblioteca Central Reitor Macdo Costa - UFBA
S237 Santos, Mnica de Menezes.Arquivografias: Godofredo Filho e as suas Bahias / por Mnica de Menezes Santos. -
2006.
149 f. : il.
Inclui anexos.
Orientadora : Prof. Dr. Eneida Leal Cunha.Dissertao (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Instituto de Letras, 2006.
1, Godofredo Filho, 1904-1992. 2. Literatura brasileira - Bahia. 3. Escritores.4. Cidades e vilas na literatura. I. Cunha, Eneida Leal. II Universidade Federal da Bahia.
Instituto de Letras. III. Ttulo.
CDU - 821(81)CDD - 869.9
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Maria do Carmo, minha me, que me ensinou a ler e a sonhar.
Sarah, minha filha, que me ensinou a desler e a voar.
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AGRADECIMENTOS
Eneida Leal Cunha, minha orientadora, pela confiana, pacincia, carinho e,sobretudo, pelas potentes aulas de Literatura Brasileira XII que, no final da minhagraduao, mudaram irreversivelmente o meu jeito de olhar a literatura e a cultura.
Elizabeth Hazin, quem primeiro me ensinou o caminho dos arquivos.
Sarah e Levi Fernandes, por aceitarem o meu silncio, o meu deserto e pelo apoioemocional sem conta.
minha me, meu pai, meus irmos, por acreditarem em mim.
Tnia Nolasco, pela delicada correo desta tessitura e pela longa amizade.
Suzane Lima Costa e Marcos Mello, pelos bons ventos que me proporcionaram nofinal da travessia. E, ainda, a Suzane pelas dvidas terico-crticas ativadas edesativadas docemente.
Anna Amlia de Faria e Pedro Ornellas, pelos passeios de carro ao som de Ramonespara desestressar e pela alegria da amizade.
Ana Lgia Leite e Aguiar, pela doura no existir.
Rachel Esteves Lima, pelo apoio bibliogrfico.
Marta Brasil, pela amizade .
Ao Programa de Ps-Graduao em Letras e Lingustica da UFBA, pela possibilidade.
CAPES, pelo apoio financeiro.
A todos aqueles que, por desejo ou compromisso, se arrisquem a ler esta grafia.
Ao sol, que nunca deixou de bater na minha janela.
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No h intimidade. H o exterior,esquadrinhado por um saber que com o corpo
se desenvolve, e se salva.
Roberto Corra dos Santos, 1999
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RESUMO
Objetiva-se, nesta dissertao, analisar os documentos encontrados no arquivo do poetae intelectual Godofredo Filho para avaliar sua contribuio na construo de narrativasque identificam a Cidade da Bahia. Investigando os aspectos histricos, crticos eficcionais presentes no seu acervo, ensaia-se biograficamente a trajetria do escritor natentativa de dar uma amostra da sua importncia para a literatura baiana e brasileira.Posteriormente, desmonta-se esse mesmo arquivo para se ler criticamente asrepresentaes das muitas cidades que compem a imagem da capital baianaconfiguradas em crnicas, poemas e outros escritos de Godofredo Filho, datados entre1920 e 1960.
PALAVRAS-CHAVES: Acervos de escritores, Godofredo Filho, Cidade, Literatura
baiana.
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ABSTRACT
This dissertation aims at analyzing the documents found in the intellectual and poetGodofredo Filhos archive to evaluate his contribution in narrative constructions thatidentify the City of Bahia. By investigating the historical, critical and fictional aspectspresent in his archive, his biographical trajectory is essayed in trying to give a sample ofhis importance for the Brazilian literature. Later, this archive is dismantled in order tocritically read the many city representations that make the capital of the State of Bahiaimage, showed in chronics, poems and other Godofredo Filhos writings, dated since
1920 and 1960.
KEY-WORDS: Archive Godofredo Filho BahiasLiterature City
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Autorretrato, leo sobre tela de Godofredo Filho, 1948 25
Figura 2 Igreja da S da Bahia, aquarela de Digenes Rebouas, 1977 54
Figura 3 Zeppelin sobre o cu da Praa Castro Alves, Arquivo Municipal, 1942 79
Figura 4 Gravura de Hansen Bahia para o livro Ladeira da Misericrdia, 1975 92
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SUMRIO
Introduo 10
Godofredo Filho: o homem arquivado 14
O Arquivo Godofredo Filho 15O homem Godofredo Filho: entre sol e sombra 23
O poeta modernista Godofredo Filho 35O intelectual Godofredo Filho 41
As Bahias de Godofredo Filho 50
No Arquivo, a(s) cidade(s) 51A cidade museu 52A cidade moderna 75A cidade negra 89
Consideraes finais100
Post Scriptum 103
Referncias 104
Anexos 112
Anexo 1: Ladeira da Misericrdia 113Anexo 2: A DPHAN e a preservao do aspecto tradicional da Bahia 122Anexo 3: Conservar o carter tpico da cidade monumento 125Anexo 4: Dana das esttuas 128Anexo 5: Salvemos a Bahia 131Anexo 6: Invases e favelas 134Anexo 7: Ainda invases e favelas 137Anexo 8: Introduo ao estudo da casa baiana 140Anexo 9: O mundo trgico da talha baiana 146
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Introduo
As terras natais esto definitivamente perdidas.
Flix Guattari, 1992
A humana impossibilidade de abarcar a totalidade. Foi essa a angstia que
invadiu o meu corpo desde o primeiro contato com o arquivo do escritor baiano
Godofredo Filho. Como dar conta de ler e compreender tantas grafias? E, ciente da
impossibilidade, como me conformar com um recorte, um caminho apenas, se um
universo inteiro se descortinava minha frente?
Era necessrio fazer escolhas. Sempre . E fiz. Pelo desejo, pela falta e at pelo
acaso escolhi a biografia e a Cidade da Bahia de Godofredo Filho para ler no meu
projeto de mestrado. A biografia, pois era essa a perspectiva do trabalho no qual me
engajei na Iniciao Cientfica e, ainda, por uma pulso nascida em mim no acervo
mesmo de compreender esse homem que inventou a sua vida arquitetando o seu
arquivo e o seu dirio incansavelmente, at seus ltimos dias de vigor fsico. A cidade,
por uma falta de origeme pelo desejo de conhecer um pouco mais desse lugar que
escolhi para viver, amar e estudar: So Salvador da Bahia de Todos os Santos, do Brasil.
Os homens esto nas cidades. As cidades esto nos homens. Tudo grafia. A
cidade engendrada pelo homem fsica e textualmente. E o homem compe o texto da
cidade, enquanto ator e autor. Diz-se que antes da cidade houve a pequena povoao, o
santurio e a aldeia; antes da aldeia houve o acampamento, o esconderijo, a caverna, o
monto de pedras; e, antes de tudo isso, houve certa predisposio do homem para a
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vida social. A cidade nasceu, pois, do encontro com o outro e do desejo humano de
fixar-se em um ponto processo de sedentarizao para garantir o controle
permanente de um territrio e, assim, compartilh-lo: morando, procriando, celebrando,
produzindo, trocando, comercializando e dominando.
Lugar de encontro, de celebrao, de troca, de sociabilidade, de conflito, a
cidade um hipertexto escrito coletivamente. Texto que pode ser lido de muitas
maneiras, a depender do leitor, a depender do olho que o l. E a cidade-texto ganha
outras configuraes com o processo de modernizao, pois os sculos XVIII e XIX
presenciaram, respectivamente, a queda dos muros das cidades medievais e a ecloso
do capitalismo produtor da modernizao e da experincia de viver em metrpoles. A
concepo de cidade fechada cedeu lugar, de acordo com Robert Moses Pechman em
Pedra e discurso, cidade, histria e literatura1, a uma nova cidade: aberta, pautada no
movimento e na diversidade. A imagem da antiga cidade, ento, reelabora-seradicalmente; o espao fechado, restrito e protegido d lugar ocupao extensiva,
aglomerao populacional, convivncia diria com a diferena dentro dos prprios
limites da cidade.
E foi essa urbe aberta representante da prpria civilizao, na medida em
que a vida urbana passou a ser um destino inexorvel que, segundo Renato Cordeiro
Gomes, no seu estudo Cartografias urbanas: representaes da cidade na literatura, se
tornou foco da observao, da anlise e do discurso da literatura da poca. Literatura
1PECHMAN, Robert Moses. Pedra e discurso: cidade, histria e literatura. In: BERARDINELLI, Cleonice;GOMES, Renato Cordeiro; MARGATO, Izabel . Semear: revista da Ctedra Padre Antnio Vieira de EstudosPortugueses. n. 3, Rio de Janeiro, NAU, 1999.
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esta que, publicada em jornais, passava por um processo de democratizao sem
precedentes, fazendo com que o estupor diante do fenmeno urbano, traduzido nas
pginas dos folhetins, fosse compartilhado por um segmento da populao que
desenvolvia o hbito da leitura e experimentava, paralelamente, o processo de
modernizao. A multido annima das cidades queria encontrar sua imagem nos
romances que lia, e apaziguar, por meio de uma imagem domesticada, a pluralidade de
tenses no resolvveis, a perda de sinais de orientao.
A cidade moderna passou ento a ser [...] no apenas cenrio, mas tambm
personagem de muitas narrativas, ou a presena encorpada em muitos poemas.2Como
a Paris, dAs Flores do Mal, de Baudelaire, personagem representada em imagens
ambguas de multido e solido, riqueza e misria, dandismo e compaixo popular,
sonho e pesadelo. Ou a Londres labirntica, do conto O homem da Multido, de Edgar
Allan Poe, cujo narrador se deixa seduzir pelo turbilho da metrpole e tenta ler omistrio da cena urbana, o espetculo da multido. Ou, ainda, aqui no Brasil, a So
Paulo da Paulicia Desvairadade Mrio de Andrade, cidade fragmentada, alerquinal,
uma metrpole feita de cinza e ouro, de luz e bruma, de tradio e ruptura, do
velho e do novo.
Motivada por minhas escolhas, no Arquivo Godofredo Filho encontrei grafias
humanas e urbanas. No arquivo, eu, sujeito crtico, li essas grafias e constru outras. Por
isso, este texto dissertativo um mapa. No o mapa de um arquivo tal como foi
2 GOMES, Renato Cordeiro. Cartografias Urbanas: representaes da cidade na literatura. In:BERARDINELLI, Cleonice; GOMES, Renato Cordeiro; MARGATO, Izabel . Semear: revista da CtedraPadre Antnio Vieira de Estudos Portugueses. n. 3, Rio de Janeiro, NAU, 1999. p. 43.
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arquitetado. No o mapa de uma vida tal como foi vivida, ou o mapa de uma cidade tal
como foi configurada textualmente. Mas um mapa de um arquivo, de uma vida, de uma
cidade, tal como consegui ler e redesenhar. Um mapa riscado por minhas mos
amadoras, no qual procurei traar, no captulo intitulado Godofredo Filho: o homem
arquivado, a trajetria crtica e ficcional do poeta e intelectual, na tentativa de
apresentar, sob a perspectiva de uma crtica ensastica, a sua biografia a partir dos
documentos encontrados em seu acervo. Tambm mapeei, no segundo captulo As
Bahias de Godofredo Filho, algumas imagens da capital baiana colocadas em cena nas
crnicas e poesias do escritor, produzidas entre 1920 e 1960.
No entanto, [...] de uma cidade, no aproveitamos as suas sete ou setenta e
sete maravilhas, mas a resposta que d s nossas perguntas [...]"3, afirma Marco Plo,
quando indagado pelo imperador Kublai Khan sobre o fato das cidades descritas por ele
serem todas muito parecidas. Das Bahias configuradas por Godofredo Filho noaproveitei nem um tero, o que trago aqui apenas um olhar, um discurso, um desejo.
Sim, porque [...] as cidades, como os sonhos, so construdas por desejos e medos.4
3CALVINO, talo.As cidade invisveis. Trad. Diogo Mainardi. Companhia das Letras, 1990. p.444Ibidem
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Godofredo Filho: o homem arquivado
[...] estar com mal de arquivo pode significar outra coisa que no sofrer de um mal, de umaperturbao ou disso que o nome "mal" poderia nomear. arder de paixo. no ter sossego,
incessantemente, interminavelmente procurar o arquivo onde ele se esconde. correr atrsdele ali onde, mesmo se h bastante, alguma coisa nele se anarquiva. dirigir-se a ele com
desejo compulsivo, repetitivo e nostlgico, um desejo irreprimvel de retorno origem, uma
dor da ptria, uma saudade de casa, uma nostalgia do retorno ao lugar mais arcaico do comeoabsoluto. Nenhuma paixo, nenhuma pulso, nenhuma compulso, nem compulso derepetio, nenhum "mal-de", nenhuma febre, surgir para aquele que, de um modo ou outro,
no est com mal de arquivo.
Jacques Derrida, 2001
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O arquivo Godofredo Filho
Guardar uma coisa olh-la, fit-la, mir-la poradmir-la, isto , ilumin-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa vigi-la, isto , fazer viglia porela, isto , velar por ela, isto , estar acordado por ela,
isto , estar por ela ou ser por ela.
Antnio Ccero, 1996
Godofredo Filho. Foi no outono de 1998 que escutei esse nome pela primeira
vez, quando motivada pelo desejo de ampliar os meus estudos enquanto aluna de
graduao do curso de Letras Vernculas da Universidade Federal da Bahia procurei a
Prof. Dra. Elizabeth Hazin para candidatar-me a uma bolsa de iniciao cientfica no
seu projeto de pesquisa intitulado Godofredo Filho: uma biografia intelectual e que tinha,
como objetivo principal, a reconstituio da biografia do escritor a partir dos
documentos encontrados no seu acervo5.
Era maio daquele ano quando enveredei no Acervo de Manuscritos Baianos
AMB, como pesquisadora voluntria do referido projeto6, tendo como tarefa inicial a
triagem, leitura e digitao das cartas de Rodrigo Melo Franco de Andrade remetidas a
Godofredo Filho. O contato inicial com o arquivo deste escritor foi de admirao e, por
que no dizer, de alumbramento. Arrebatava-me a diversidade de coisas guardadas por
5Acervo adquirido, desde dezembro de 1995, pelo Programa de Ps-Graduao em Letras e Lingsticada UFBA com verba das Taxas Acadmicas do CNPq destinada ao Programa, somada quela concedidapela Reitoria da Universidade Federal da Bahia, atravs de sua Assessoria de Planejamento eacondicionado no Acervo de Manuscritos Baianos AMB, ncleo interdepartamental, que envolvia osDepartamentos de Fundamentos para o Estudo das Letras e de Letras Vernculas, do Instituto de Letras, eo Departamento de Documentao e Informao, da Escola de Biblioteconomia e Documentao. Acervoeste criado com o intuito de preservar a memria baiana por meio da conservao de seu patrimniomanuscrito, evitando, assim, a disperso de documentos valiosos para a histria de sua cultura.6Em setembro do mesmo ano fui contemplada com a bolsa de Iniciao Cientfica CNPq/PIBIC.
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aquele homem que, at ento, eu apenas sabia pelas palavras da minha orientadora
naquela poca, Elizabeth Hazin ter sido um poeta modernista de pouca projeo
nacional, mas um dos precursores do modernismo na Bahia (na opinio de Eugnio
Gomes, [...] um dos melhores poetas brasileiros de sua gerao7) e colaborador da
Revista Arco & Flexa.
O homem encadernado8 assim que Maria Helena Werneck define
Machado de Assis, em livro homnimo que procura mapear o escritor nos inmeros
estudos biogrficos feitos acerca da sua vida e obra. Sobre Godofredo Filho no
encontrei inicialmente nenhuma biografia, nenhum texto, nenhuma referncia
bibliogrfica, nas bibliotecas em que costumava frequentar, alm da sua coletnea de
poemas Irm Poesia. Mas, diante de mim, estava o seu Arquivo e, ali, os vestgios da sua
histria pessoal, intelectual, profissional, como tambm porque ningum vive fora de
um contexto e de uma paisagem muitos ndices da histria do seu tempo e dos seuslugares. Por tudo isso, comecei a pensar o escritor Godofredo Filho como um homem
arquivado. Arquivado por ele prprio, uma vez que foi ele quem guardou e organizou
incipientemente os seus documentos, separando-os em pastas, inventariando-os em
sries. Zeny Duarte, arquivista organizadora do seu esplio, ressaltou que
Godofredo Filho acumulou um conjunto documental a partir deprocedimento natural. Organizou dossis com seus primeiros livros,com suas primeiras letras escritas em cadernos caligrficos e com outrosobjetos pessoais. Preparou pacotes com documentao civil (registro denascimento, casamento, CPF, identidade, ttulo de eleitor, reservista).
7GOMES, Eugnio. O cinqentenrio de um poeta. In:Jornal A tarde. Salvador, 01 de abril de 1954. p. 16.8Cf.WERNECK, Maria Helena. O homem encadernado:Machado de Assis na escrita das biografias. Rio de
Janeiro: Eduerj, 1996.
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Guardou correspondncias pessoais, documentos familiares, fotografias,documentos ntimos, outros de interesse profissional, estudos tcnicos,histricos, cientficos, artsticos e literrios. [...] Fez embrulhos dedocumentos em folhas de jornais e do Dirio Oficial do Estado. Classificou
os itens documentais conforme o instante presente. Armazenou o queconsiderava relevante nas estantes do seu bureau, onde permanecia amaior parte do tempo.9
E me vi instigada a refletir sobre o que levara um homem a se arquivar, a
arquivar as suas histrias to minuciosamente, preservando os menores vestgios. A
cada gaveta aberta, a cada novo invlucro examinado, assaltava-me a surpresa e,
algumas vezes, o susto. Cartas, originais (vrias verses) de poemas publicados e
inditos, provas tipogrficas, fotografias, dirios, anotaes biogrficas, anotaes de
leituras, anotaes de pesquisas, anotaes de viagens, fichas de aulas, desenhos,
croquis, aquarelas, diplomas, certificados, documentos pessoais e profissionais, recortes
de jornais, peridicos, livros autografados pelo e para o titular, etc. So, todos estes,
materiais que normalmente fazem parte do esplio de um escritor, entretanto, no
arquivo havia tambm rolhas e rtulos de vinhos (dezenas deles), cardpios (de vrios
lugares do mundo, alguns enviados por amigos, como Jorge Amado e Zlia Gattai, Tales
de Azevedo, entre outros), cachos de cabelos (do titular e dos seus filhos) e esqueletos de
lagartixas. O poeta guardava, acondicionados em pequenos invlucros de papel de seda
branco, os esqueletos das lagartixas sempre batizados por nomes femininos nodiminutivo que apareciam mortas no seu apartamento, na Rua 8 de Dezembro, do
Bairro da Graa da Cidade da Bahia, cuja varanda dava para uma densa mata habitada
por lagartixas, saguis e outros pequenos animais. Conheci, dessa maneira, Joaninha,
9DUARTE, Zeny. Arquivamento do eu. In: Jornal A tarde. Salvador, 24 de abril de 2004. p. 8.
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Maricotinha, Luluzinha, as lagartixas mumificadas de Godofredo Filho. Todavia, nunca
cheguei a descobrir o motivo de tal excentricidade, mesmo porque, como um dia
observou o poeta Rainer Maria Rilke, [...] as coisas esto longe de ser todas to
tangveis e dizveis quanto se nos pretenderia fazer crer; a maior parte dos
acontecimentos inexprimvel e ocorre num espao em que nenhuma palavra nunca
pisou.10Deixei ento as lagartixas de Godofredo Filho no lugar do mistrio...
No, eu no tenho medo de morrer; o que eu tenho vergonha de morrer11.
Essas frases, ouvidas da boca do seu av materno, o coronel Manuel Eustquio, ainda na
infncia, foram transformadas em versos pelo poeta. Foram anotadas algumas vezes no
seu dirio. Foram repetidas e reiteradas durante a sua vida. Godofredo Filho tambm
tinha vergonha de morrer. Talvez por isso afastasse [...] os ndices brancos da velhice
indesejada [...]12 tingindo sempre os cabelos e os bigodes de negro. Talvez por isso
apenas tenha admitido que os amigos muito prximos o visitassem quando no seu leitode morte. Talvez por isso o poeta escrevesse e reescrevesse seu dirio obsessivamente,
buscando no ato narrativo o dom contnuo da vida, como a Sherazade que se salvou da
morte contando histrias para o sulto enfurecido. Talvez por isso tenha arquivado suas
memrias, suas histrias, seus objetos, tentando evitar o esquecimento, a morte. Pois,
como escreveu Jacques Derrida, emMal de arquivo,
10RILKE, Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta. Trad. de Paulo Rnai. 30 ed. So Paulo: Globo, 1999. p. 21.11GODOFREDO FILHO. O av Manuel Eustquio. In: Irm poesia: seleo de poemas (1923-1986). Rio de
Janeiro: Tempo brasileiro; Salvador: Secretaria da Educao e Cultura da Bahia; Academia de Letras daBahia, 1986. p. 339.12FERREIRA, Jerusa Pires. A poesia em galego de Godofredo Filho: entre sol e sombra. In: MONTEIRO,Xess Alonso; SALGADO, Xos M. (organizadores). Poeta alfonos em lngua galega. Atas do I Congresso.Santiago de Compostela, 1993. p. 213.
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[...] no haveria certamente desejo de arquivo sem a finitude radical,sem a possibilidade de um esquecimento que no se limita aorecalcamento. Sobretudo, e eis a o mais grave, alm ou aqum destesimples limite que chamam finitude, no haveria mal de arquivo sem a
ameaa dessa pulso de morte, de agresso ou de destruio.13
A morte parecia ser assunto de grande interesse em Godofredo Filho que, de
acordo com seu amigo Luiz Viana Filho, contava a idade no pelos anos, mas pelas
dcadas, [...] numa sbia maneira de prolongar a mocidade, ou pelo menos de ignorar o
tempo14. Em seu acervo encontra-se um dossi onde ele guardou recortes de jornais
sobre notas de falecimento, nas quais aparecem destacadas caneta as idades dos
falecidos. Alm disso, sobre a morte, ou a ressurreio, ele tambm escreveu:
Ah, que foras terei para arrancarOs pregos do caixo e a tampa enormeFazer saltar sobre esses rostos pasmosE as rosas funerrias que me cobrem.15
Eneida Maria de Souza, em Pedro Nava - o risco da escrita, chama ateno para o
museu imaginrio16 constitudo por esse escritor na sua casa, a qual se tornou um
repositrio de lembranas de amigos e familiares, simbolizadas pelos retratos, pelos
mveis, pelos objetos, pelas cartas, pelos livros e transformadas em texto em suas
memrias. Ao constituir o seu arquivo, Godofredo Filho tambm colecionou as suas
memrias e, como Nava, transformou-as em um texto escrito e reescrito ao longo de
cinquenta anos (19371987) que ele mesmo denominou como seu dirio ntimo.
13 DERRIDA, Jacques. Exergo. In: Mal de arquivo: uma impresso freudiana. Trad. Claudia de MoraesRego. Rio de Janeiro: Relume Dumar, 2001. p. 32. (grifo meu)14VIANA FILHO, Luiz. As mil faces do poeta. In: Jornal A tarde. Salvador, 26 de abril de 1984. p. 11.15GODOFREDO FILHO. Ressurreio. In: Irm Poesia. Op. Cit.p. 268.16Cf.SOUZA, Eneida Maria de. Pedro Nava:o risco da memria. Juiz de Fora: FUNALFA Edies, 2004.
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Dirio, Meu dirio, Dirio ntimo, Fragmentos de um dirio, Notas
para um dirio, Subsdios para um dirio so alguns dos ttulos em torno dos quais
ele reuniu, em pocas distintas de sua vida, os textos que ia compondo. Na realidade,
seus escritos arquivados correspondem a trinta e trs anos desses cinquenta e cinco
referidos anteriormente, uma vez que em vinte e dois deles nada escreveu (ao menos o
que se deduz, pela ausncia no arquivo de escritos nesse perodo). Consta no seu acervo
um total de 790 peas documentais referentes ao dirio, embora essa totalidade
corresponda to somente ao relato de 349 dias, o que muito pouco se considerarmos a
intensidade declarada de seu desejo de registrar a vida. Isso significa que essa
duplicao do material escrito em relao ao nmero de dias anotados advm do fato
de que refazia os textos escritos, em alguns casos existindo mais de dez verses de um
mesmo dia. Em 1944, s para citar um exemplo, ele registra apenas 24 dias, mas existem
98 verses desses escritos. Em uma entrevista publicada, em comemorao ao seuoctogsimo aniversrio, o poeta, quando indagado sobre a existncia de algum novo
livro seu em andamento, refere-se ao dirio explicando-o:
Dedico-me reviso do meu dirio, que pretendo publicar em parte,proximamente, sob o ttulo geral de MEMRIA DA MEMRIA. Dissepublicar em parte porquanto fragmentos dele, dos mais ponderveis, sviro a lume do pblico dez anos depois de se me apagar o lume dos
olhos. [...] E assinale que no se trata de dirio sentimental ou piegas, deacontecimentos ntimos ou estritamente pessoais que s aosprotagonistas devam interessar, mas, em forma lmpida e bem cuidada,de um vasto painel onde esto fixados e comentados certosacontecimentos literrios, polticos, sociais e religiosos, de que fuitestemunha ou acaso comparsa, e por onde desfilam alguns escritores,polticos e homens do mundo, com quem convivi ou de quem fuicontemporneo. Tambm, as paisagens inolvidveis deste e de outros
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continentes, os vinhos inesquecidos, as comidas, as msicas, as luzesextintas, ao par de comentrios sobre livros lidos.17
Escrever um caso de devir [...]18, segundo Gilles Deleuze em A literatura
e a vida. um processo sempre inacabado em busca de um desvio: desvio da ordem
em busca de outra ordem; desvio da realidade em busca da verossimilhana; desvio do
eu em busca de outros eus; desvio da doena em busca da sade (sim, porque a
literatura um empreendimento de sade19, a inveno daquilo que falta); desvio da
morte: S uma coisa me fora, violentamente, a escrever e legar aos meus vorazesherdeiros esta confisso cruel: o medo invencvel do esquecimento, o horror morte
sem possibilidade de lembrana.20
Somente quando adoeceu, quando no tinha mais foras para escrever (a
doena no processo, mas parada do processo [...]21), o escritor entregou a verso
definitiva do dirio ao seu dileto amigo Fernando da Rocha Peres, para que fosse
publicado dez anos aps a sua morte22. Morte esta que o foi levando lentamente, talvez
porque se recusasse a morrer, como testemunhou o amigo Edivaldo Boaventura:
Godofredo foi nos deixando aos poucos e partiu, finalmente, em 22 de agosto de 1992, e
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Godofredo Filho em entrevista a Remy de Souza. Cf. SOUZA, Remy. Entrevista com Godofredo Filho.In: Dirio Oficial. Salvador, 26 de abril de 1984. p. 8.18DELEUZE, Gilles. A literatura e a vida. In: Crtica e clnica. Trad. Peter Pl Pelbart. So Paulo: Ed. 34,1997. p. 11.19Ibidem. p.13.20 Texto de Godofredo Filho encontrado no seu acervo, sem ttulo, mas com uma anotao manuscritafeita pelo poeta com os seguintes dizeres: Dois captulos de um romance inacabado. Cf. GODOFREDOFILHO. Dois captulos de um romance inacabado. In: Srie escritos. Arquivo Godofredo Filho. BibliotecaCentral da UFBA. Salvador. Bahia.21DELEUZE, Gilles. A literatura e a vida. In: Crtica e clnica. Op. Cit. p. 13.22No existe no acervo cpia da verso final do dirio que foi publicado em 2008.
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dever dormir ao acalento daquele cu to manso... o grande sono sem felicidade ou
tortura de sonho.23
Memria da memria que no se quer esquecida: o dirio, o arquivo. Ambos
so locais de poder. Poder de um discurso que se inscreve, que se imprime, que se
consigna. E Jacques Derrida, no livro citado, quem nos lembra dos dois sentidos
etimolgicos da palavra arquivo (arkh): comeo (princpio da natureza ou da histria) e
comando (princpio da lei, da ordem social). Partindo dessas duas acepes, pode-se
pensar o arquivo de Godofredo Filho tanto como um lugar de comeo, onde o escritor
guardou os indcios das suas histrias originaisgenealogia familiar, dados pessoais,
referncias literrias, referncias profissionais, histrias da cidade etc; quanto como um
local de comando, de autoridade sobre aquilo que dever ser lembrado, o que Derrida
designou de poder de consignao, ou seja, a ao de sistematizar e sincronizar o
conjunto documental de modo a adquirir uma configurao ideal, homognea. A resideo mal dos arquivos, pois, manipulando a memria, o Arconte, o dono do arquivo24,
exerce um poder sobre os documentos e pode dissimular, destruir, interditar ou desviar
as informaes, tornando o arquivo excludente e repressivo.
O arquivo uma instituio onde o Arconte pode ou tenta controlar a
memria: o que guardo o que sou, ou aquilo que quero que pensem que sou. Mas esse
poder, como todos os outros, pode ser revertido, o arquivo primordial pode ser violado
e lido de outras maneiras, sob outras ordens, criando-se, dessa forma, uma nova fico
23BOAVENTURA, Edivaldo M. Irmo feirense. In:Jornal A tarde. Salvador, 24 de abril de 2004. p. 4.
24 Esse dono do arquivo pode ser o prprio autor, a famlia, herdeiros de qualquer instncia,pesquisadores, institutos de ensino e pesquisa, governo, etc.
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do saber, um novo arquivo. Talvez seja esse o meu papel, enquanto leitora do Arquivo
Godofredo Filho, local onde exercito, ainda que precariamente, a capacidade de [...]
identificar, distinguir, aproximar, reconciliar ou conflitar desejos, valores e foras at
ento arquivados e num certo instante entregues desumana selvageria do no saber,
do no lembrar25, para citar Roberto Corra dos Santos, em Modos de saber, modos de
adoecer.
O arquivo meu porque sou eu quem o manipula agora, nessa minha sede
pelo arquivo, pela memria, por compreender (pulso de amor e de morte), mas
tambm poder ser do outro, pois o movimento da pesquisa implica em tornar o
arquivo vivo, pulsante, e em escancarar as suas portas. No, engano-me, neste caso,
apenas uma fenda que se abre.
O homem Godofredo Filho: entre sol e sombra
Meu corpo no meu corpo, iluso de outro ser.
Carlos Drummond de Andrade, 2002
A partir dos documentos encontrados no Arquivo, eu fui, aos poucos,
(re)constituindo o homem Godofredo Filho: baiano de Feira de Santana, sua terra
lindamente chantada no planalto26; catlico, [...] mas ardentemente torturado pela
25SANTOS, Roberto Corra. Modos de saber, modos de adoecer:o corpo, a arte, o estilo, a vida, o exterior.
Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999. p. 13.26GODOFREDO FILHO. Poema da Feira de SantAnna. In: Irm poesia. Op. Cit.p. 79-91.
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f27; poeta que [...] escrevia sempre mo, corrigia muito e nunca ficava satisfeito com
os seus textos28; pintor amador, desenhando de preferncia [...] ruas esconsas e
mulheres longas, tocadas estas do cansao das noites brancas29; professor catedrtico
da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da Bahia, ensinando as disciplinas Histria
da Arte Brasileira e Esttica, e da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da
Bahia, onde lecionou sobre Arquitetura do Brasil; diretor do Servio do Patrimnio
Histrico e Artstico Nacional por 37 anos (1936 a 1974); leitor de Dostoivski, Verlaine,
Victor Hugo, Dante, Baudelaire, Kant, Hegel, Descartes, Spinosa, Schopenhauer,
Nietzsche, Santo Agostinho, So Toms de Aquino, Antnio Vieira, Camilo Castelo
Branco, Ea de Queirs, Jos de Alencar, Alosio de Azevedo, Cruz e Souza, Raimundo
Correia, Apholnsus de Guimares, Castro Alves, Manuel Bandeira, Jorge de Lima,
Carlos Drummond de Andrade, etc30; apaixonado pelo vinho, preferindo [...] os
brancos e secos, em particular os do Reno [...]31
, tendo sido [...] velho colecionador deJerez, em cuja sabedoria possua a veleidade de ser iniciado32; amante [...] da boa mesa
de todos os pases33, conhecedor da cozinha baiana como um amante expert conhece os
segredos da amada34, e[...] capaz de banquetear em sua residncia o europeu de
27Dado retirado de um texto do poeta sobre ele mesmo, intitulado Godofredo Filho, encontrado no seuarquivo. Cf. GODOFREDO FILHO. Godofredo Filho. In: Srie biografia. Arquivo Godofredo Filho.Biblioteca Central da UFBA. Salvador. Bahia.28Ibidem.29Idem. Ibidem.30Autores encontrados em parte da biblioteca do poeta que se encontra no seu Arquivo.31GODOFREDO FILHO. Godofredo Filho. In: Srie biografia. Op. Cit.32Ibidem.33Idem. Ibidem.34GODOFREDO FILHO. Godofredo Filho. In: Srie biografia. Op. Cit.
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Autorretrato, leo sobre tela de Godofredo Filho, 1948.
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paladar mais exigente com quitutes de origem africana35, segundo Gilberto Freire, que
muitas vezes experimentou do seu tempero; amigo de Manuel Bandeira, de quem foi
hspede em Santa Tereza, na casa do Curvelo36, de Mrio de Andrade, de Rodrigo
Melo Franco de Andrade, de Carlos Drummond de Andrade, de Murilo Mendes, de
Alfonso Reyes, de Alceu Amoroso Lima, de Jorge Amado; enamorado da Cidade da
Bahia, por cujas ruas e ladeiras [...] vagava sem rumo certo37, e conhecedor [...] dos
seus templos, dos seus santos, dos seus artistas, das suas tradies, das suas vias mais
escusas, dos seus pitus e dos seus pecados...38.
Nascido em Feira de Santana, em 26 de abril de 1904, Godofredo Rebello de
Figueiredo Filho chegou Cidade da Bahia em 1917, aos treze anos de idade, para
ingressar no Seminrio Arquiepiscopal de Santa Tereza, com o objetivo de seguir
inclinao religiosa. A respeito dessa fase da sua vida, relatou:
Considero fundamentais no processo de minha formao os anospassados no Seminrio Arquiepiscopal de Santa Tereza. O lastro dehumanidades (e de humanismo), que acresci mais tarde, veio dali, dosexcelentes mestres que tive, dos livros de que me cerquei e do longotempo que havia para s cuidar de me instruir nas letras e de meaperfeioar nos caminhos do bem.39
35 FREIRE, Gilberto. Casa grande & senzala. In: SANTIAGO, Silviano (coordenao, seleo de livros eprefcio). Intrpretes do Brasil. Vol. 2. 2 ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002. p. 560.36 Godofredo Filho, em carta de 10 de novembro de 1959, a Aloysio de Carvalho Filho. Nesta carta, o
escritor que seria apadrinhado pelo destinatrio da correspondncia na sua posse na Academia deLetras da Bahia faz uma retrospectiva cronolgica da sua vida com o intuito de munir o padrinho deinformaes para a elaborao do discurso de recepo. A missiva relata as leituras realizadas pelo poeta,os autores que mais o influenciaram, os seus conflitos ntimos, as suas amizades; descreve a suapersonalidade e os seus sonhos. Cf.GODOFREDO FILHO. Carta a Aloysio de Carvalho Filho. In: Srievida literria, diversos, convites, condecoraes. Arquivo Godofredo Filho. Biblioteca Central da UFBA.Salvador. Bahia.37GODOFREDO FILHO. Godofredo Filho. In: Srie biografia. Op. Cit.38GOMES, Eugnio. O cinqentenrio de um poeta. In:Jornal A tarde. Op. Cit.p. 16.39 GODOFREDO FILHO. Carta a Aloysio de Carvalho Filho. In: Srie vida literria, diversos, convites,condecoraes. Op. Cit.
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Filho de fazendeiro, o poeta foi, de acordo com Paulo Ormindo de Azevedo,
no seu texto Godofredo Filho: entre o esprito e os sentidos, [...] um dos ltimos
representantes de uma aristocracia rural que entrelaava as famlias de engenhos do
Recncavo e coronis de currais do Serto40e cujos filhos normalmente iam estudar na
capital, com o objetivo de elevar o nvel sociocultural da famlia e facilitar a sua vida
econmica pelas ligaes que poderiam estabelecer com outros representantes da classe
senhorial e com polticos.
Godofredo Filho escolheu, a despeito do desejo dos seus pais, estudar para ser
padre, pois acreditava ele ser essa a sua vocao: E no somente sonhos, tambm
crenas, inclusive aquela que me fizera, vencendo o meio agnstico em que fora criado e
a prpria vontade de meus pais, tentar uma carreira que sabia de renncia e
sacrifcio.41
O Reitor do Seminrio, Pe. Joo R. M. Kuener, tambm reiterou em carta,escrita quando Godofredo Filho retornou casa paterna para tratamento de sade, a
opo solitria do poeta:
Todos os dias peo ao Nosso Senhor de apressar a sua volta aoseminrio, de lhe restituir ou dar as foras physicas (sic) e moraisnecessrias para sempre andar seguro e resoluto na sublime e santacarreira que livremente escolheu e de lhe permitir de ser um dia o
apstolo da sua famlia e de seo torro natal.42
40AZEVEDO, Paulo Ormindo. Godofredo Filho: entre o esprito e os sentidos. In: Tribuna cultural.Feira deSantana, 02 de maio de 2004. p. 13.41 GODOFREDO FILHO. Carta a Aloysio de Carvalho Filho. In: Srie vida literria, diversos, convites,condecoraes. Op. Cit.42KUENER, Joo R. M. Carta a Godofredo Filho. In: Srie vida literria, diversos, convites, condecoraes. Op.Cit.
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No entanto, saiu do Seminrio aos dezessete anos de idade, em 1921, porque
[...] mais que os sorrisos e as formas opulentas ou delgadas das
mulheres que eu comeava a reparar nos umbrais do mundo, aspalavras de Renan e a evocao de Lutero, cuja vida de angstia tantoadmirei atravs de leituras, exerceram sobre mim fascnio de perdio.O esprito submergia na dvida, antes que a carne estremecesse ao calordas primeiras paixes. [...] E, sozinho, empreendi o regresso daquelepas, cujas cordilheiras azuis a se confundirem com o cu, eu entreviacom saudade e cada vez mais longe; voltaria por haver trocado a f pelarazo. Porque, por mais estranho que parea num adolescente dostrpicos, foi a razo que me perdeu e afastou das veredas at entotrilhadas.43
Foram as leituras principalmente, segundo ele, que o afastaram da carreira
religiosa, sobretudo nas frias, quando outros seres, outras vozes, outros livros se lhe
revelavam. Strauss, Renan, Tolstoi, Maeterlinck, Lutero, lvares de Azevedo, Junqueira
Freire, Raul Pompia, Flaubert, entre outros, abriram em seu esprito [...] sulcos
irreversivos ou riscaram iluminaes que em cinza fria tornaram tantos sonhos.44No
entanto, o tempo de vida eclesistica marcou profundamente a sua personalidade.
Eugnio Gomes relatou que, quando o poeta esteve algum tempo no Rio de Janeiro, [...]
o seu quarto de solteiro numa vila da Rua do Catete era de um asceta com bblia e
algumas obras de autores msticos e espanhis mesa de cabeceira. 45
43 GODOFREDO FILHO. Carta a Aloysio de Carvalho Filho. In: Srie vida literria, diversos, convites,condecoraes. Op. Cit.44Ibidem.45GOMES, Eugnio. O cinqentenrio de um poeta. In: Jornal A tarde. Op. Cit.p. 16.
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A formao religiosa, de acordo com Jerusa Pires Ferreira, teria incutido no
poeta a marca do pecado e do desespero existencial [...]46. A respeito desse assunto, o
prprio Godofredo Filho afirmou:
Crise religiosa: formao eclesistica, disciplina espiritual, a paz aprincpio e logo a tormenta, a proximidade do abismo... em seguida avolta paz dos primeiros anos, o amor s coisas simples, ao desejodesmedido de expiao, ao reclamo da pureza que perdi e j no possoalcanar, ao veemente anseio de sacrifcio pela felicidade do mundo.47
Os anos passados no Seminrio e no Ginsio da Bahia, que tambm
frequentou, mais os seus estudos como autodidata, dotaram-no de uma educao
humanista fundamental para o exerccio da sua vida profissional, como professor e
Diretor do 2 Distrito do SPHAN. Estudou latim, francs, filosofia, arte, histria,
literatura etc. Quando foi fundada a Escola Normal de Feira de Santana, em 1925,
Godofredo Filho foi convidado a lecionar Histria Universal e Histria do Brasil. Apesar
de no ter diploma universitrio, a sua formao clssica levou-o, ainda, a ser
convidado, em 1951, por Isaas Alves ento diretor da recm-fundada Faculdade de
Filosofia, Cincias e Letras da Bahia a ocupar a cadeira da disciplina Histria da Arte
Brasileira na instituio, onde tambm ensinou Esttica. Lecionou, tambm, Arquitetura
no Brasil na Escola de Belas Artes, mais tarde incorporada UFBA. Consuelo Pond de
Sena, sua aluna de Histria da Arte Brasileira, do curso de Geografia e Histria, da
46FERREIRA, Jerusa Pires. A poesia em galego de Godofredo Filho: entre sol e sombra. In: MONTEIRO,Xess Alonso; SALGADO, Xos M. (organizadores). Poeta alfonos em lngua galega. Op. Cit.p. 212.47 GODOFREDO FILHO. Godofredo Rebello de Figueiredo Filho por Godofredo Filho. In: Dirio oficial.Salvador: 26 de abril de 1984. p 12.
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Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da Bahia, deu o seguinte depoimento sobre o
Godofredo Filho professor:
Comentando, entusiasmado, sobre o conhecimento do belo, empreendiao Poeta longas viagens ao passado, conduzindo os alunos s noes daantiguidade clssica. Revia pontos de vista de Plato, Aristteles ePlotino.Reportava-se s consideraes sobre a beleza contidas no Banquete e noFedro, dizendo-se ambas propostas em funo do AMOR.Falava, com deleite, sobre a Repblica de Plato, especialmente no quetange s crticas de ordem tica e metafsica relacionadas com os poetas.Retomava o pensamento filosfico de Aristteles. Detinha-se naMetafsica e sobre o que continha acerca das diferenas entre o Belo e o
Bem, repetindo que o Belo est sempre na ao, enquanto que o Bemtambm se encontra nas prprias coisas imveis. Mergulhando,suavemente, na filosofia da Arte, Godofredo discorria sobre asindagaes de Plotino, contidas na ENADES.Passava em seguida, aos escolsticos, que no se preocupavam com afilosofia da arte, mas nem por isso poderiam ser esquecidos.Retornava s lies de Santo Toms na sua clssica definio da belezacomo id quod visum placet, aquilo cuja viso agrada e cujos requisitosreduzem-se: integridade ou unidade, proporo ou harmonia, e aclareza ou luminosidade. Acrescentava que para os escolsticos a belezase definia como o esplendir da forma nas proporcionais da matria.48
A erudio de Godofredo Filho era uma das qualidades sempre reiterada
pelos amigos. No seu acervo, que contm muitos escritos seus sobre os mais diversos
assuntos, possvel constatar esse conhecimento variado. Escreveu sobre arte, literatura,
arquitetura e cultura baiana e brasileira, vinho, culinria, religio, filosofia, moda, morte.
Foi uma [...] personalidade altamente idiogrfica49
, no dizer de Edivaldo Boaventura.A escrita, alis, foi uma constante na vida desse homem que na maturidade
declarou, em entrevista, que aos dezesseis anos tomou conhecimento de que era um
48 SENA, Consuelo Pond de. Meu convvio com dois mestres das humanidades. In: Dirio oficial.Salvador, 26 de abril de 1984. p. 10.49
BOAVENTURA, Edivaldo M. Irmo feirense. In:Jornal A tarde. Op. Cit.p. 4.
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poeta e de que o seria para sempre50. Poeta, entretanto, que ficou conhecido entre os
amigos pela recusa em divulgar amplamente suas obras. Manuel Bandeira, em carta de
19 de setembro de 1941, chamou-o de poeta engavetado: Fiquei muito satisfeito com
o anncio da prxima publicao das suas Completas. Sempre protestei contra a sua
situao de poeta engavetado. Agora no fique s no projeto.51
Na poca, 1941, Godofredo Filho tinha apenas um livro publicado, o Poema de
Ouro Preto(1932), o que justifica essa qualificao. Embora j tivesse prometido editar o
conjunto dos seus poemas, que Bandeira chamou de as suas completas, apenas em 1986,
quatro dcadas depois, isso realmente aconteceu, com a publicao de Irm poesia,
coletnea que rene poemas escritos desde 1923. Os livros editados antes disso foram:
Poema de Ouro Preto (1932), Poema da rosa(1952), Balada da dor de corno(1952), Sonetos e
canes (1954), Lamento da perdio de Enone (1959), Sete sonetos do vinho (1971), Solilquio
(1974), Ladeira da Misericrdia(1976), Poema da Feira de SantAna(1977). importante chamar a ateno para o fato de que as suas publicaes, com
exceo do Irm poesia, saram sempre em plaquetas (livro de poucas pginas e aspecto
grfico apurado) com pequenas tiragens, cuidadosamente preparadas, que foram
distribudas somente a amigos e a alguns conhecidos. Ou seja, mesmo publicando,
Godofredo Filho continuava controlando a circulao da sua obra, como tambm
controlava a constituio e o acesso ao seu acervo.
50Godofredo Filho em entrevista a Remy de Souza. In: Dirio Oficial. Salvador, 26 de abril de 1984. p. 14.51 Manuel Bandeira em carta a Godofredo Filho. In: Srie correspondncias com escritores e intelectuais.Arquivo Godofredo Filho. Biblioteca Central da UFBA. Salvador. Bahia.
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Silviano Santiago, em Histria de um livro, ensaio que trata da publicao,
divulgao e crtica da principal obra modernista brasileira, Macunama, esclarece que a
parca circulao do livro de autor modernista, que normalmente acontecia somente
entre os seus pares, trouxe entre as suas principais consequncias
[...] a definio do livro modernista como objeto de classe; a prefernciapor uma escrita elitista, descompromissada dos recursos estilsticos quepoderiam torn-la popular; a configurao de um pblico ledor mnimo,fato que poderia descaracterizar o livro como tendo uma funo socialentre ns.52
Em Godofredo Filho, a publicao limitada de sua obra e a escassez do
nmero de tiragem dos seus livros foram, antes de tudo, escolhas suas, como reconhece
ele mesmo, talvez [...] devido a um certo pudor ntimo53e pelo [...] desejo de obras
grficas requintadas54 ou, ainda, por conta de se sentir incomunicvel, conforme
declarou em entrevista: Gostaria de ser de profundas razes populares, mas
infelizmente me sinto meio incomunicvel ainda, ou gosto daquela incomunicvel
poesia, a que aludia Ribeiro Couto.55
O poeta teve vrias possibilidades e convites para publicar os seus poemas, e,
no entanto, optou por leitores poucos e escolhidos, numa clara ambivalncia entre
visibilidade e velamento, sol e sombra.
52SANTIAGO, Silviano. Histria de um livro. In: Nas malhas da letra. Rio de Janeiro: Rocco, 2002. p. 147.53GODOFREDO FILHO.Apud. GROPPER, Symona. Um jovem poeta com 50 anos. In:Jornal do Brasil. Riode Janeiro, 03 de julho de 1975. p. 9.54Ibidem.55 GODOFREDO FILHO. Apud. AYRES, Bisa; OLIVA, Zitelmann; ROCHA, Carlos Eduardo. Cano deamor e vinho de Godofredo Filho. In: Tribuna da Bahia. Salvador, 17 de julho de 1971. p. 5.
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A expresso entre sol e sombra foi trazida por Jerusa Pires Ferreira, amiga
pessoal do poeta e estudiosa da sua obra, no artigo intitulado A poesia em galego de
Godofredo Filho entre sol e sombra, no qual destaca o carter conflituado deste
escritor que tanto se refletia na sua vida quanto na sua literatura: Seu mundo era
mesmo muito peculiar, povoado de anjos e demnios, dilacerado entre dicotomias, em
que se defrontavam sua religiosidade e mundanidade.56
Dividido entre luz e sombra, matria e esprito, morte e permanncia, prazer
e danao, elevao mstica e automacerao, o poeta era tido pelos seus amigos como
um barroco57:
um poeta barroco, dominado a um tempo pelo sentimento da vida eda morte. 58
Godofredo Filho, to baiano na sua personalidade e na sua poesia, umorgulho de nossa terra e de todos ns. Na sua figura esquiva e mista,
reflete-se a alma dplice da Bahia barroca, religiosa e humana, mstica esensual.59
Na sua dualidade, Godofredo Filho parece-me um prolongamento damusa de Gregrio, o primeiro a estabelecer a ponte ibrica que assentousua cabeceira na Bahia seiscentista. , no seu fervor existencial, o poeta doinconsciente coletivo da sua cidade.60
56FERREIRA, Jerusa Pires. A poesia em galego de Godofredo Filho: entre sol e sombra. In: MONTEIRO,Xess Alonso; SALGADO, Xos M. (organizadores). Poeta alfonos em lngua galega. Op. Cit. p. 212.57 importante salientar que o termo barroco aqui utilizado como adjetivao, para designar um homemconflituado entre a matria e o esprito, sem marcao histrica no tempo.58GOMES. Eugnio. O cinqentenrio de um poeta. In: Jornal A tarde. Op. Cit.p. 16.59COUTINHO, Afrnio. Alguma crtica. In: GODOFREDO FILHO. Irm poesia. Op. Cit.p. 365.60PLVORA, Hlio. Alguma crtica. In: GODOFREDO FILHO. Irm poesia: Op. Cit.p. 364.
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Esse dilaceramento, essa dobra61barroca, refletia-se na sua maneira de ser, de
escrever, de estar no mundo: sempre dobrado e redobrado entre o sagrado e o profano,
entre as velhas igrejas da Bahia e os castelos da prostituio na rua da Misericrdia,
entre a expiao em preces e o deleite no vinho, na culinria, no amor s mulheres. O
poema Ladeira da Misericrdia, alm de ser uma espcie de etnografia da Bahia
barroca, um canto de culpa e remisso, de amor e repulsa ladeira dos seus pecados.
Na velha Cidade da Bahia, o poeta trilhou roteiros de salvao e perdio e foi
se transformando num personagem que tinha muito a ver com os relatos orais que
faziam parte do fabulrio da cidade, situando-o frente aos mistrios e s vivncias:
Mestre Godofredo Filho move-se com lentido e dignidade. Vozes osadam das janelas antigas: - God, Godozinho, Godozo! Godofredopromete vir tomar um caf um dia, mandar um peixe, no faltar a certacerimnia ou festa. E caminha sereno, descendo ou subindo as ladeiras.[...] Acontece apenas que Godofredo Filho j se misturou para sempre atmosfera, ao esprito, aos azeites baianos. um baiano que a fora de o
ser universalizou-se. To baiano que um grande da cultura de toda aparte62.Quantas vezes o vi plantado, horas a fio, nas esquinas do nosso centrohistrico com o chapu enterrado na testa e culos escuros observando ocasario arruinado e o movimento das viventes63.
61Refiro-me aqui noo de barroco trazida por Deleuze para quem o trao do barroco a dobra que vai
ao infinito. Primeiramente, ele diferencia as dobras segundo duas direes, segundo dois infinitos, comose o infinito tivesse dois andares: as redobras da matria e as dobras na alma. Embaixo, a matria amontoada de acordo com um primeiro gnero de dobra, sendo, depois, organizada de acordo com umsegundo gnero, uma vez que suas partes constituem rgos dobrados diferentemente e mais ou menosdesenvolvidos. No alto, a alma canta a glria de Deus, uma vez que percorre suas prprias dobras, semchegar a desenvolv-las inteiramente, pois elas vo ao infinito.[...] Todo animal duplo, mas de modoheterogneo, de modo heteromrfico, como a borboleta dobrada na lagarta e que se desdobra. Cf.DELEUZE, Gilles.A dobra: Leibniz e o barroco. Trad. Luiz Orlandi. Campinas, SP: Papirus, 1991. p. 13-14.62SCHIMIDT, Augusto Frederico. In: GODOFREDO FILHO. Irm poesia.Op. Cit.p. 359.63
AZEVEDO, Paulo Ormindo. Godofredo Filho: entre o esprito e os sentidos. In: Tribuna cultural.Op. Cit.p. 13.
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Vestido inteiramente de branco, sempre com um chapu coco na cabea,
cabelos e bigodes tingidos de preto, o poeta caminhava pela cidade, [...] extraordinria
figura, comportada e solene, mas trazendo algo de um clownsimblico embutido e, ao
mesmo tempo, manifesto.64Umflneurque deambulava pela urbe e a escrevia: s vezes
em tom solene, quando descrevia a cidade museu, palco de grandes acontecimentos
histricos, cidade primeira do Brasil; outras vezes em tom moderado, quando se referia
cidade modernaque deveria conviver com a cidade tradicional para no descaracteriz-
la; e em tom ambguo, quando apresentava a cidade negra, alegre e triste, sensual e
pecadora, bonita e feia e, por isso, muitas vezes silenciada.
O poeta modernista Godofredo Filho
Godofredo Filho, a maior expresso da poesia nova da Bahia...
Carlos Chiacchio, 1925
Quando, em 1926, viajou pela primeira vez ao Rio de Janeiro a convite de
Manuel Bandeira, com quem havia estabelecido amizade na passagem deste pela
Cidade da Bahia, naquele mesmo ano , Godofredo Filho entrou em contato com alguns
dos grandes nomes do modernismo brasileiro, como Mrio de Andrade, Carlos
Drummond de Andrade, Augusto Frederico Schimidt, entre outros:
Sucessivas viagens ao sul do pas. Amizade de Manuel Bandeira (dequem fui hspede em St Tereza, na casa do Curvelo) e de Mrio deAndrade (A. F. Schimidt escreveu a Castelo Branco que me conheceu noRio Pajeado por Mrio de Andrade). Amizade de Graa Aranha, deRonald de Carvalho, cuja casa da rua Humait freqentei nos seus
64FERREIRA, Jerusa Pires. A poesia em galego de Godofredo Filho: entre sol e sombra. Op. Cit. p. 212.
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melhores tempos e de Alfonso Reyes, o insigne humanista, de quemconservo correspondncia epistolar desvanecedora.Fui, ento, no delicioso Rio daqueles ltimos anos da Repblica Velha,companheiro constante de Augusto Frederico Schimidt (ainda pobre),
de Ccero Dias, de Murilo Mendes, de Rodrigo Melo Franco deAndrade, de Jos do Patrocnio Filho (o fabuloso Zeca), de JaymeOvalle, de Renato Almeida,65de Felipe de Oliveira, e de tanto outros quej eram notveis nas letras e nas artes, ou seriam mais tarde gloriosos.66
As relaes com os escritores modernistas foram definitivas para a vida
intelectual de Godofredo Filho, porque o colocaram a par das reformulaes estticas
pelas quais vinham passando a arte e a literatura no Sul do pas, permitindo-lhe
divulg-las na capital baiana. O prprio poeta atesta a sua adeso com entusiasmo:
Adeso total ao modernismo, movimento literrio e artstico queparticipei desde 1923, como dos mais ardorosos e combativosvanguardistas, propagando-o, de primeira mo, na Bahia, aindacidadela de numerosos gramticos e retricos moda lusitana.67
Enquanto a vanguarda modernista, deflagrada com a Semana de ArteModerna de 1922, balanou com toda a fora as estruturas da arte e da literatura no Rio
de Janeiro, em So Paulo e depois em Minas Gerais, na Bahia o modernismo aportou
timidamente, a partir de algumas informaes publicadas em jornais e de notcias
trazidas por escritores que mantinham relaes com os colegas do Sul. via Alves, em
seu livroArco & flexa: contribuio para o estudo do modernismo68, considera a revistaArco &
flexacomo uma das tentativas dos artistas baianos de entrar em sintonia com a renovao
65Rasura do autor.66 GODOFREDO FILHO. Carta a Aloysio de Carvalho Filho. In: Srie vida literria, diversos, convites,condecoraes. Op. Cit.67Ibidem.68Livro que procura analisar as ressonncias do movimento modernista na Bahia atravs desse peridico.
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cultural que eclodiu na poca, e chama a ateno para a importante colaborao de
Eugnio Gomes e Godofredo Filho revista, por conta do contato de ambos com as
produes provenientes do sul do pas. A principal influncia de Godofredo Filho dava-
se, segundo a autora, porque ele [...] conhecia autores de So Paulo, e continuava a
estabelecer novos contatos nas suas viagens para o sul.69
Tambm Hlio Simes, membro do grupo fundador da Arco & Flexa, em
entrevista concedida a via Alves, enfatizou a importncia do escritor para divulgao
do movimento modernista em terras baianas:
[...] porque ns j estvamos em comunicao com o modernismo(digamos assim) por notcias de jornais ou informaes de amigos e,sobretudo, pela influncia de Godofredo Filho. Ele era uma espcie deprecursor do modernismo na Bahia.70
Os livros Moema, de Eugnio Gomes, e Poema de Ouro Preto, de Godofredo
Filho, ambos de 1927, so considerados os primeiros sinais de alguma renovao esttica
na conservadora e tradicionalista Bahia das primeiras dcadas do sculo XX71. No entanto,
de 1925 o livro, ainda hoje indito, Samba verde, de Godofredo Filho, tido, pelo prprio
escritor, como a sua obra mais modernista, pela linguagem, pela forma e pelos temas
que se filiavam aos padres modernos. Embora tenha enviado este livro editora
Pongetti para ser publicado em 1927, aps a reviso das primeiras provas, o escritor
desistiu da sua publicao, diz-se que por motivos estticos. Em palestra proferida na
69ALVES, via.Arco & flexa: contribuio para o estudo do modernismo. Salvador: Fundao Cultural doEstado da Bahia, 1978. p. 18.70SIMES, Hlio. Entrevista realizada no dia 15/01/73. In: ALVES, via.Arco & flexa. Op. Cit.p. 119.71 ALVES, L. A.; BACELAR J.; CUNHA, E. L. Bahia, colonization and cultures. In: VALDEZ, MarioKADIR, Djelal. (Org.). Literary Cultures of Latin America: A comparative History. 1 ed. New York, 2004, v.2, p. 551-565. (Traduo de Eneida Leal Cunha)
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Academia de Letras da Bahia, em 1999, intitulada Godofredo Presente, Jerusa Pires
Ferreira explicou:
Falou-nos certa vez o poeta que nunca tinha publicado o seu livromodernista Samba Verde por motivos estticos, por consider-lodemasiadamente preso a padres de poca, considerava quemovimentos literrios e culturais definidos e datados se incumbiriam deafast-lo das diretrizes daquilo que ele sentia ser o sentido maisprofundo de sua continuidade criadora. [...] Compreendeu quela alturaque j no seria capaz de aceitar a interferncia de estratos tipicamentemodernistas, e no quis levar adiante a sua publicao.72
A sua apario nos meios literrios deu-se na edio do Jornal A tardede 10 de
janeiro de 1925, onde publicou seis poemas do livro Samba Verde73, que chocaram a
todos e fizeram com que revistas e jornais da poca o chamassem de futurista. As
inovaes visadas por essas crticas eram, segundo o prprio Godofredo Filho, de [...]
singular moderao, incidindo no ritmo livre, na ausncia de rimas e na escolha de uma
temtica geralmente desconhecida e desacreditada: a vida cotidiana.74
Apesar da contradio de recusar a publicao da sua obra mais vanguardista,
ao mesmo tempo em que era um propagador das ideias do movimento artstico
renovador, Godofredo Filho foi denominado, por muitos crticos literrios da poca, o
precursor do modernismo na Bahia:
Godofredo Filho o legtimo precursor do modernismo na Bahia e umdos melhores poetas brasileiros de sua gerao. A rigor, no pertenceu
72 FERREIRA, Jerusa Pires. Godofredo presente. Palestra proferida na Secretaria de Cultura do Estado daBahia em 1999.73 Os poemas publicados foram: Ironia, Melancolia, Do arrabalde, Onde o silncio, PoaDgua, Esta saudade do adolescente lrico. Dos seis poemas, apenas o ltimo aparece publicado noIrm Poesia.74GODOFREDO FILHO.Apud. GROPPER, Symona. Um jovem poeta com 50 anos. Op. cit.p. 9.
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ao grupo de Chiacchio, tinha-se antecipado de alguns anos emescandalizar as tranqilas conscincias literrias de nossa terra comexperincias super-realistas que se fizeram rir a muitos, deixaram outrosapreensivos, pois tambm havia certa ordem naquela loucura...75
Godofredo Filho, pioneiro do modernismo na Bahia, cuja poesia lhedeve os surtos iniciais de renovao e de vanguarda.76
De acordo com via Alves, com o poema Usina, publicado no ltimo nmero
da revistaArco & Flexa, em 1929,
Godofredo Filho talvez estivesse muito mais prximo de uma soluopara a temtica modernista brasileira, que se apresentar depois, em 30,com base no ciclo da cana-de-acar, do que o prprio patrono da revista,na sua pretenso de limitar a Bahia a centro gerador de todos os motivosde razes nacionais que poderiam criar temtica prpria brasileira , isto ,temtica que indicasse brasilidade.77
A Bahia de 1929 ainda no havia embarcado no processo de industrializao
pelo qual passavam algumas cidades brasileiras, como So Paulo e Rio de Janeiro;
todavia, dois dos seus poetas, considerados modernistas78, recriaram a temtica das
indstrias, utilizando-se para isso de ndices locais. Godofredo Filho, em Usina, alude
para a modernidade das fbricas utilizando-se da referncia local das usinas, que
substituram os antigos engenhos de cana-de-acar no Recncavo Baiano79. Essa
ambivalncia entre passado e futuro, entre local e universal, condizia com o conceito de
75GOMES. Eugnio. O cinqentenrio de um poeta. In: Jornal A tarde. Op. Cit.p. 16.76LIMA, Hermes. Alguma crtica. In: GODOFREDO FILHO. Irm poesia.Op. Cit.p. 360.77ALVES, via.Arco & Flexa. Op. Cit. p. 47.78 Eurico Alves outro poeta do grupo da revista Arco & Flexa que se refere ao tema em um poematambm intitulado Usina.79Falarei mais sobre este tema na segunda parte desta dissertao, por isso o poema Usinano foi aquitranscrito.
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tradicionalismo dinmico80 propugnado pelo grupo da revista Arco & Flexa81, que
defendia o nacionalismo como um pressuposto essencial literatura brasileira moderna,
ao passo que rejeitava as experimentaes formais e estilsticas de influncia europeia;
opunha-se tambm o grupo baiano a uma ruptura total com o passado, reconhecendo a
sua continuidade no presente. Tradicionalismo, porque se buscava na tradio as
caractersticas culturais do pas que possibilitassem a renovao da arte e a interao da
terra com ela mesma; e, ao mesmo tempo, dinmico, pois se considerava que as foras
positivas tradicionais evoluiriam levando a cultura para um ponto de aprimoramento
que a impelisse para o progresso.
Mesmo tendo escrito e publicado poemas considerados esteticamente
renovadores, a vinculao de Godofredo Filho ao modernismo deu-se muito mais pelas
suas relaes com os intelectuais do movimento e pelas ideias trazidas, quando
retornava das suas viagens em visita aos amigos do Sul, do que por conta da sua obra.Hlio Simes e Eurico Alves Boaventura testemunharam acerca da influncia do poeta
para a divulgao do modernismo na Bahia, chamando a ateno, contudo, para o fato de
que ele no se engajou Arco & Flexa:
A posio de Godofredo Filho nunca foi de compromisso total. Sualigao com o modernismo era mais com o grupo do Sul, do que mesmo
com o da Bahia. Apesar de ter sido fonte de informao sobre o momentono Brasil, nunca foi adesista deArco & Flexa, embora tenha colaborado.82
80Tradicionalismo dinmico significava manter a tradio movimentando-a, agitando-a para no morrerou ser apenas decorativa.81A revistaArco & Flexa foi criada em 1928 pelos escritores Pinto Aguiar, Eurico Alves, Carvalho Filho,Hlio Simes e Carlos Chiacchio.82SIMES, Hlio. Entrevista realizada no dia 15/01/73. In: ALVES, via.Arco & flexa. Op. Cit.p. 123.
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Godofredo Filho na poca estava paralisado, tinha ido ao sul, tinha seinfluenciado l com os renovadores, chegou a fazer um livro Samba (nopublicado). Na revista ele no fazia propriamente parte, era como umconvidado. No movimento literrio da Bahia, era um rapaz de grande
valor e talento.83
Embora seja considerado o precursor do modernismo na Bahia, alguns
estudiosos ressaltam que, por se apegar demasiadamente forma (no exatamente no
mesmo sentido que os modernistas paulistas entenderam a experimentao esttica na
sua amplitude), o poeta acabou seguindo por outros caminhos que no o modernista.
O intelectual Godofredo Filho
No houve nenhuma grande revoluo na histria moderna sem intelectuais; de modo inverso,no houve nenhum movimento contra revolucionrio sem intelectuais. Os intelectuais tm sido
os pais e as mes dos movimentos e, claro, filhos, filhas e at sobrinhos e sobrinhas.
Edward W. Said, 2005
As relaes de Godofredo Filho com os intelectuais modernistas levaram-no a
ser nomeado, em 1937, diretor do 2 Distrito do Servio do Patrimnio Histrico e
Artstico Nacional (SPHAN), Regional Bahia e Sergipe cargo que lhe foi designado
pelo ento Ministro da Educao e Sade, Gustavo Capanema, por indicao de Rodrigo
Melo Franco de Andrade, Diretor Geral da instituio.
A primeira tarefa de Godofredo Filho, no incio da sua gesto, foi a de
inventariar, classificar e catalogar obras e monumentos baianos e sergipanos,
elaborando pareceres sobre esses bens, a fim de determinar aquilo que deveria ser
tombado. Ficou ainda ao seu encargo organizar o 2 Distrito, dotando-o de recursos
83BOAVENTURA, Eurico Alves. Entrevista realizada no dia 15/01/73. In: ALVES, via. Arco & flexa. Op.Cit.p. 127.
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humanos e materiais, dentre eles o da formao de uma biblioteca altamente
especializada sobre o tema da preservao do patrimnio. Segundo Fernando Machado
Leal, arquiteto que atuou como tcnico ao lado de Godofredo Filho no escritrio
regional do SPHAN a partir de 1952, o trabalho era desmedido, as verbas eram escassas
e a quantidade de monumentos era enorme. No entanto, Godofredo Filho fez um
servio considervel frente do 2 Distrito, reconhecido, inclusive, por Rodrigo Melo
Franco de Andrade que, em carta na qual agradece a correspondncia do poeta a
propsito da sua aposentadoria, declarou:
Rio, 19 de maio de 1967
Caro Godofredo,
Muito e muito obrigado pelas palavras de apro e de amizade ontemrecebidas com sua carta de 10 de maio e o carto, a propsito de minhaaposentadoria. Espero e desejo de todo corao que meu afastamento darepartio no interrompa nossa correspondncia, nem diminua as
possibilidades do nosso encontro.Por mais que as renove calorosamente, nunca tenha conseguidoexprimir-lhe meu reconhecimento sua dedicada assistncia e minhaadmirao pelo valor dos servios prestados por voc causa dopatrimnio de arte e de histria da Bahia: as palavras ficaram sempremuito aqum do sentimento. Aos colaboradores que voc soubeescolher com tanto critrio e capacidade de apreenso das qualidades eaptides de cada um, peo-lhe que no deixe de reiterar meusagradecimentos.Antes de terminar estas linhas, quero lhe falar ainda que me releve asrabugices e indelicadezas cometidas no decurso do nosso longo trabalho
em comum. Penitencio-me deles terrivelmente, confiando em que vocas tenha levado da falta de amadurecimento e circunspeo para oexerccio da funo.Abrao muito e muito afetuoso do amigo velho e grande admirador.
Rodrigo M. F. de Andrade84
84Rodrigo Melo Franco de Andrade em carta a Godofredo Filho. Srie Cartas de Rodrigo Melo Franco deAndrade. In:Arquivo Godofredo Filho. Biblioteca Central da UFBA. Salvador. Bahia.
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Da leitura da correspondncia de Rodrigo Melo Franco de Andrade para
Godofredo Filho85, pode-se ainda inferir, alm do respeito do Diretor Geral do SPHAN
dispensado ao seu subordinado pelo trabalho realizado na instituio, uma grande
admirao por conta do amplo conhecimento de Godofredo Filho a respeito da arte, da
histria e da cultura da Cidade da Bahia, considerada por ele como o [...] acervo mais
rico do Barroco brasileiro [...]86e por isso mesmo de fundamental importncia para o
Patrimnio nacional.
Foi, portanto, como Diretor do SPHAN, que Godofredo Filho alcanou o
respeito e o reconhecimento que o colocariam como uma das vozes mais respeitadas na
Bahia da poca (anos 30 a 70), sobretudo quando o assunto se relacionava preservao
da memria cultural da cidade. Fernando Machado Leal afirmou:
A parte mais importante do que hoje conhecemos como Pelourinho, s foitombada em 1959, constituindo o Conjunto Arquitetnico, Urbanstico ePaisagstico dos Subdistritos da S e do Passo. Nessa rea havia vriosmonumentos tombados, individualmente, portanto, protegidos peloDecreto-lei 25, mas o casario, de modo geral, no estava sob a proteolegal.Entretanto, a atuao de Godofredo Filho na defesa do patrimnio cultural dacidade fora de tal natureza que lhe granjeara prestgio e fora que lhe permitiuatuar como se toda rea fosse tombada. [...] Nada se fazia sem que o 2 Distritofosse ouvido. Em 1984 essa rea foi ampliada e o conjunto tombado sob adesignao de Conjunto Arquitetnico, Paisagstico e Urbanstico doCentro Histrico da Cidade de Salvador. A sim, ficou totalmente sobproteo legal. Em 1985 o Centro Histrico da Cidade de Salvador foi
inscrito pela Unesco na Lista do Patrimnio Mundial, Cultural e Natural.
85Foram encontradas 40 peas documentais referentes Srie Cartas de Rodrigo Melo Franco de Andrade(entre cartas, cartes, telegramas, convites) todas por mim triadas, lidas e digitadas enquanto bolsista deIniciao Cientfica.86Rodrigo Melo Franco de Andrade em carta a Godofredo Filho. Srie Cartas de Rodrigo Mello Franco deAndrade. Op. Cit.
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No fosse a ao de Godofredo Filho, certamente tal honraria no teria sidoconcedida, pois grande parte da rea teria sido desfigurada.87
O trabalho no SPHAN conferiu a Godofredo Filho o papel de intelectual, na
acepo moderna da palavra. Dessa forma, para uma leitura que se pretenda, como o
presente estudo, avaliar a contribuio do intelectual Godofredo Filho para a formao
das narrativas que identificam a Cidade da Bahia, importante alguma informao
preliminar acerca do papel do intelectual na modernidade.
Em um sentido geral, o termo intelectual designa uma categoria ou classeparticular de indivduos que se distingue socialmente pela instruo e pela competncia.
Este o sentido predominante no uso corriqueiro da palavra e tambm nos dicionrios.
No Novo dicionrio da lngua portuguesa, de Aurlio Buarque de Holanda Ferreira, o
verbete assim apresentado:
[Do lat. tard. intellectuale.]Adj. 2 g. 1. Relativo ao intelecto; 2. Que possui dotes de esprito, deinteligncia. S. 2 g. 3. Pessoa que tem gosto predominante ou inclinaopelas coisas do esprito, da inteligncia.88
Entretanto, o termo tem uso e funo bem mais complexos desde o final do
sculo XIX, quando ocorreu na Frana a interveno do escritor mile Zola no caso
Dreyfus89. Ao levantar a sua voz corajosamente contra um ato de injustia militar,
87LEAL, Fernando Machado. Visionrio da preservao. In:Jornal A tarde. Salvador, 24 de abril de 2004. p.10 (grifo meu)88HOLANDA FERREIRA, Aurlio Buarque de. Novo dicionrio da lngua portuguesa. Rio: Nova Fronteira.s/d. p. 774.89Militar judeu do exrcito francs que foi acusado injustamente de ser o autor de uma carta oferecendodocumentos militares aos alemes e condenado em 1894 como traidor, sofrendo a deportao para a Ilhado Diabo e a degradao militar. Zola, com a sua famosa carta ao Presidente da Repblica, Flix Faure,
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antissemita e de fervor nacionalista - num momento em que existia na Frana um
movimento contra tudo o que fosse alemo90por parte do Estado, da igreja catlica, dos
militares e, at, de uma parcela da populao Zola colocou-se contra o status quo e
falou em nome de uma minoria. Foi nesse contexto que se definiu o sentido moderno do
termo e a funo dos intelectuais, como professores, estudantes, artistas, escritores que,
a partir do prestgio adquirido em seu prprio campo, intervinham no campo poltico e
assinavam manifestos a favor daqueles injustiados ou desprovidos de voz e poder de
defesa. Augusto Santos Silva, em Podemos dispensar os intelectuais?, quando se
refere condio intelectual, tal como o fim do sculo XIX a estabeleceu, reconhece que
[...] o Jaccuse constitui o momento fundador desse movimento, pelo qual o criador
intervm civicamente, aplicando ao espao pblico os valores do campo cultural91.
Tendo se dedicado durante toda a sua vida, como comprova o seu arquivo, ao
que geralmente se entende por coisas da inteligncia e do esprito, entre a histria, aarte e a literatura, pesquisando, escrevendo, lecionando, Godofredo Filho foi, no sentido
mais amplo, um intelectual. Tambm no sentido mais especfico (relativo a um
intitulada J'accuse! (Eu acuso!), publicada no jornal literrio LAurore, em 13 de Janeiro de 1898,defendendo Dreyfus, desencadeou uma srie de manifestaes, dividindo a Frana em dois partidos: osdreyfusards (aqueles que apoiavam Alfred Dreyfus) e os antidreyfusards (aqueles que estavam contraele). Os mais diversos interesses coligaram-se a favor ou contra o acusado, fazendo dele uma bandeira de
luta. De certa forma, estas divises seguiam a linha de demarcao entre um segmento conservadorconivente com o antissemitismo apoiando frequentemente o retorno monarquia e clericalismo - ou seja,o envolvimento da Igreja Catlica Romana na poltica pblica -, e uma ala liberal apoiando a Repblica,muitas vezes com sentimentos anticlericais.90Durante a Guerra Franco Prussiana (19 de Julho de 1870 a 10 de Maio de 1871), a Frana perdeu a regioda Alscia-Lorena para a Alemanha, por isso existia, entre estas duas naes poderosas da poca, umarivalidade muito grande. Foi essa rivalidade que dividiu os grandes pases da Europa em dois blocos, aTrplice Aliana (Alemanha, ustria-Hungria e Itlia) e a Trplice Entente (Inglaterra, Rssia e Frana),que mais tarde se enfrentariam na Primeira Guerra Mundial (1914-1918).91SILVA, Augusto Santos. Podemos dispensar os intelectuais?. In: MARGATO, Isabel; GOMES, RenatoCordeiro (org.). O papel do intelectual hoje. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2004. p. 39
http://pt.wikipedia.org/wiki/J%27accusehttp://pt.wikipedia.org/wiki/13_de_Janeirohttp://pt.wikipedia.org/wiki/1898http://pt.wikipedia.org/wiki/Monarquiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Rep%C3%BAblicahttp://www.suapesquisa.com/paises/alemanhahttp://www.suapesquisa.com/paises/alemanhahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Rep%C3%BAblicahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Monarquiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/1898http://pt.wikipedia.org/wiki/13_de_Janeirohttp://pt.wikipedia.org/wiki/J%27accuse -
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posicionamento poltico e ideolgico) o escritor foi um intelectual que atuou na Cidade
da Bahia, sobretudo exercendo o cargo de Diretor do 2 Distrito do Servio do
Patrimnio Histrico e Artstico Nacional.
Decerto que Godofredo Filho no foi um intelectual tal como Zola que
contestou o status quo; ao contrrio, a sua posio foi de alinhamento poltica do
Estado Novo. O homem do patrimnio, como era chamado, fez parte de um grupo de
escritores modernistas funcionrios pblicos, que foi cooptado pelo governo de Getlio
Vargas para ajudar na modernizao da nao brasileira, trabalhando em instituies
culturais. O intuito da poltica varguista era modernizar a nao, considerando as suas
caractersticas peculiares e, para tanto, foi promovida uma srie de empreendimentos
culturais com o objetivo de definir a autntica brasilidade e de embarcar o pas no
concerto das naes cultas. Um dos projetos foi a criao do SPHAN, do qual
Godofredo Filho fez parte desde a sua fundao, nele atuando durante 38 anos.
Fernando Machado Leal ratifica tal informao:
Godofredo Rebelo de Figueiredo Filho foi um dos convocados parafazer parte do antigo SPHAN. Foi o primeiro nomeado, o do 2 Distrito,jurisdio Bahia e Sergipe, cargo que exerceu at 1974, quando foiatingido pela compulsria. Exercendo uma funo que requer vriasqualidades e conhecimentos, soube se impor e granjeou reputaomerecida na rea sob sua responsabilidade, o que foi reconhecido em
todo pas.92
A direo do 2 Distrito do SPHAN, uma funo estreitamente vinculada ao
Estado Novo e sua poltica cultural, colocou Godofredo Filho ao lado daqueles
92LEAL, Fernando Machado. Visionrio da preservao. In:Jornal A tarde. Op. cit. p. 10.
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intelectuais que, de acordo com Silviano Santiago, em O intelectual modernista
revisitado93, foram privilegiados competidores no mercado de postos da Repblica
Nova e acabaram sendo peas indispensveis na modernizao social e cultural pregada
pelo Estado interventor94.
Um intelectual tradicional ou universal como pode ser qualificado
Godofredo Filho, se tomadas as definies de Antonio Gramsci e de Michel Foucault.
Gramsci, em Cadernos do crcere95, embora considere que todos os homens so
intelectuais, tambm admite que nem todos exercem na sociedade esse papel, e
conceitua diferentes tipos de intelectuais de acordo com as suas funes na organizao
social. Define o intelectual cosmopolita como aquele que est mais preocupado com
questes exteriores s da sua realidade nacional; o orgnico como o responsvel pela
conexo histrica entre a teoria e a prtica, encarregado do no distanciamento entre as
massas e as formulaes intelectuais; e, por ltimo, o tradicional, como um humanista,autnomo em relao s outras classes e servial da classe dominante.
J a compreenso foucaultiana de intelectual est estreitamente ligada s
relaes entre poder e saber. importante salientar que em Foucault a concepo de
poder afasta-se simplesmente da ideia de represso e de lei e torna-se complexa, pois, ao
mesmo tempo em que se refere ao controle e ao disciplinamento, pode, como gerador de
93 Este ensaio analisa a participao dos escritores modernistas no projeto autoritrio promovido porGetlio Vargas para a modernizao do Estado Nacional.94SANTIAGO, Silviano. O intelectual modernista revisitado. In: Nas malhas da letra. Rio de Janeiro: Rocco,2002. p. 193.95Cf. GRAMSCI, Antonio. Caderno 12 (1932): Apontamentos e notas dispersas para um grupo de ensaios sobre a
histria dos intelectuais. In: Cadernos do crcere, vol. 2. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilizao
Brasileira, 2001.
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conhecimentos, apresentar aspectos emancipatrios, positivos. O filsofo francs, numa
entrevista publicada sob o ttulo Verdade e Poder96, distingue dois tipos de intelectuais: o
universal, representado pelo grande escritor, portador de significaes e de valores, no
qual todos podem se reconhecer; e o especfico, que surge no momento em que no
mais possvel trabalhar no universal, mas em setores determinados. Em seu prprio
campo, o especialista (mdico, socilogo, fsico, magistrado, etc.), por meio de
intercmbios e de articulaes, pode interferir nas lutas polticas que lhe so
contemporneas.
A prpria necessidade de arquivar sua travessia, tanto como poeta quanto
como homem pblico representante do Patrimnio da Cidade da Bahia, aproxima
Godofredo Filho dos intelectuais tradicional e universal, no somente por ele produzir
discursos verdadeiros, legitimadores, mas por dominar (ou por tentar dominar) um
dispositivo de saber: o arquivo.Dando um pequeno salto, mas ainda discutindo a questo do intelectual,
pode-se dizer que o rapaz que percorre as ruas da urbe vendendo cafezinho em um
carrinho de madeira, o executivo que trabalha no Centro Administrativo, a baiana que
vende acaraj em frente Fundao Casa de Jorge Amado, a moa que todos os dias
observa o sol nascer e se pr no transporte coletivo durante o percurso que vai da sua
casa para o trabalho e vice-versa, a criana que faz malabarismos no sinal de trnsito em
busca de alguns trocados, o homem maltrapilho que vaga pelas ruas recolhendo latas, a
mulher que olha a paisagem da janela do seu apartamento, todos esses, e tantos outros,
96Cf.FOUCAULT, Michel. Os intelectuais e o poder. In:A microfsica do saber. So Paulo: Graal, 2003. p. 8.
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escrevem o texto da cidade a partir dos seus movimentos, das suas vivncias, e
transformam essa grande pgina habitando-a, percorrendo-a, lendo-a, escrevendo-a e
reescrevendo-a incessantemente, porque, como disse Barthes, na sua palestra
Semiologia e urbanismo, [...] falamos nossa cidade, a cidade em que nos encontramos
habitando-a simplesmente, percorrendo-a, olhando-a.97 No entanto, existem aqueles
autores ou atores cujos textos esto em maior evidncia, como o caso dos escritores,
dos artistas, dos intelectuais; aqueles que ordenam o universo simblico da cidade
organizando os seus materiais heterclitos os muitos textos dispersos em teias
discursivas que constituiro as fices (na medida em que so sempre construes),
legitimadas pelo poder hegemnico ou por outras instncias de instituio de poder,
como escolas, canais de tv, revistas, jornais etc.
Como Diretor do 2 Distrito do SPHAN, Godofredo Filho, sem dvida,
interferia no espao pblico, utilizava o poder do seu discurso, escrevendo e publicandoartigos nos principais jornais da cidade em defesa de uma causa (no caso a do
patrimnio). No entanto, a sua interveno era institucionalizada, ou seja, ele era um
intelectual que servia burocracia estatal. o olhar deste intelectual que irei ler para
(re)configurar as Bahias descritas por ele no seu arquivo.
97BARTHES, Roland. Semiologia e urbanismo. In:A aventura semiolgica. So Paulo: Martins Fontes, 2001.p. 224.
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As Bahias de Godofredo Filho
Ningum conhece melhor a Bahia, os seus templos, os seus santos, os seus artistas,
as suas tradies, as suas vias mais escusas, os seus pitus e os seus pecados...Gregrio de Mattos, o que celebrava justamente esses pecados, e, com as suasalternativas de misticismos e de mundanidade, Junqueira Freire encontram-se,
decerto, nesse poeta moderno da Bahia... Godofredo Filho conjuga enfim osantagonismos do ambiente peculiar de nossa terra. um poeta barroco, dominado
a um s tempo pelo sentimento da vida e da morte.
Eugnio Gomes, 1954
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No arquivo, a(s) cidade(s)
As reflexes que vou apresentar-lhes so reflexes de amador, no sentido etimolgico dapalavra: amador de signos, aquele que ama os signos, amador de cidades, aquele que ama a
cidade. Pois eu amo a cidade e os signos .Roland Barthes, 1967
Tomei emprestadas as palavras de Roland Barthes para iniciar esse captulo
historicizando o meu desejo de ler o texto da(s) cidade(s).
A cidade sempre exerceu sobre mim um fascnio. Quando menina morando
num stio em Lagarto, interior de Sergipe ficava deslumbrada olhando imagens de
grandes metrpoles nas revistas que, eventualmente, chegavam s minhas mos, nos
filmes, nos livros e nos noticirios de tv.
So Paulo! comoo da minha vida...98, escreveu Mrio de Andrade, e a
mim comoviam Nova York, Londres, Tquio, Moscou, Barcelona, Buenos Aires, So
Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e tantas outras. Seus edifcios, seus letreiros luminosos,
seus viadutos, seus tneis, suas favelas, a diversidade de habitantes: o caos. E eu, ento,
colecionava imagens das minhas cidades e construa o meu arquivo. Quando vim
morar em Salvador e ingressei no Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia,
fui apresentada ao acervo do escritor baiano Godofredo Filho, o qual escreveu,
colecionou e arquivou durante grande parte da sua vida documentos referentes
Cidade da Bahia (era assim mesmo que ele a chamava, como todos naquela poca),
construindo dentro do seu acervo uma cartografia simblica dessa cidade.
98ANDRADE, Mrio de. Inspirao. In: Melhores poemas. Seleo de Gilda Mello e Souza. 5 ed. So Paulo:Global, 2000. p. 19.
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Foi, ento, percorrendo os caminhos do arquivo organizado pelo escritor, que
me deparei com a possibilidade de agrupar, por afinidade ou convergncia dos escritos,
algumas representaes de Salvador. A partir de designaes retiradas dos seus
prprios poemas e crnicas, fiz associaes textuais, cronolgicas, simblicas, e assim
cheguei s trs Bahias de Godofredo Filho aqui apresentadas (sempre mediadas pelo
meu olhar amador): a cidade museu, a cidade moderna, a cidade negra. importante
salientar que estas cidades no so estanques, elas se interpenetram: nas ruas, nos becos,
nas ladeiras, nas favelas, nos casares, nos monumentos, nas cores, nos sabores, nas
vozes, nas gentes da cidade esto todas as Bahias de Todos os Santos do Brasil.
A cidade museu
O museu, verdade, sempre teve funes legitimadoras e ainda as tem.
Andras Hyussen, 1996
Em 1923, quando fervilhavam na Cidade da Bahia os debates sobre a
derrubada ou no da Catedral da S, Godofredo Filho escreveu o poema Gostosura,
evocando a singularidade da cidade pelo seu casario colonial, pelas torres da igreja e
destacando-lhe a trajetria histrica. Eis a cidade museu, caracterizada por seu passado
monumental que urgia ser preservado:
Svelha Scorujes da Scura da Se a sbia torrinha decepada pro magistral equilbrio do presepe do
Sr. Tom
gente que foi
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gente que no foie o poema da morte florindo lajes brancaseloqncia da mortemortemorte
governadores ouvidores coronis da Guarda Nacional
corujes da Ssbia t