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    UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAO E CONTABILIDADE

    DEPARTAMENTO DE ADMINISTRAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ADMINISTRAO

    EMPREENDEDORISMO SOCIAL E PROMOO DO DESENVOLVIMENTO

    LOCAL

    Monica Bose

    Orientadora: Prof. Dra. Rosa Maria Fischer

    SO PAULO

    2012

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    Prof. Dr. Joo Grandino RodasReitor da Universidade de So Paulo

    Prof. Dr. Reinaldo GuerreiroDiretor da Faculdade de Economia, Administrao e Contabilidade

    Prof. Dr. Adalberto Amrico FischmannChefe do Departamento de Administrao

    Prof. Dr. Lindolfo Galvo de AlbuquerqueCoordenador do Programa de Ps-Graduao em Administrao

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    MONICA BOSE

    EMPREENDEDORISMO SOCIAL E PROMOO DO DESENVOLVIMENTO

    LOCAL

    Tese apresentada Departamento deAdministrao da Faculdade de Economia,Administrao e Contabilidade daUniversidade de So Paulo como requisitopara obteno do ttulo de Doutor emAdministrao.

    Orientadora: Prof. Dra. Rosa Maria Fischer

    Verso Corrigida

    (verso original disponvel na Faculdade de Economia, Administrao e Contabilidade)

    SO PAULO2012

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    FICHA CATALOGRFICA

    Elaborada pela Seo de Processamento Tcnico do SBD/FEA/USP

    Bose, MonicaEmpreendedorismo social e promoo do desenvolvimento local /

    Monica Bose. So Paulo, 2012.182 p.

    Tese (Doutorado) Universidade de So Paulo, 2012.Orientador: Rosa Maria Fischer.

    1. Empreendedorismo social 2. Desenvolvimento social 3. Terceirosetor I. Universidade de So Paulo. Faculdade de Economia,Administrao e Contabilidade. II. Ttulo.

    CDD 361.2

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    A todos aqueles que sonham,

    acreditam, realizam

    e transformam este mundo

    num lugar mais justo e humano.

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    Agradeo a todos que contriburam para a realizao deste estudo.

    Profa. Dra. Rosa Maria Fischer, orientadora e amiga, a quem atribuo muitas das

    ideias e sonhos que brotaram neste percurso.

    Aos meus colegas do CEATS, que tanto colaboraram com discusses e muitoentusiasmo, sobretudo Fu Kei Lin, Luana Schoenmaker e Alda Araujo. Eldia Novaes

    por ter, adicionalmente, colaborado com a reviso deste trabalho.

    A tantos colegas da FEA/USP que me acompanharam nesta trajetria, sobretudo

    Luciana Rocha de Mendona e Edileusa Godi de Souza, pelas valiosas ideias,

    importantes contribuies e constante apoio.

    Cristina beda Portabella pela competncia e dedicao que aportou para enriquecer

    as pesquisas temticas realizadas. Profa. Graziella Maria Comini e ao Prof. Mario Monzoni pelas crticas e sugestes

    aportadas no exame de qualificao, ampliando em muito o horizonte do estudo

    realizado.

    Aos empreendedores sociais e a todas as pessoas ligadas s iniciativas estudadas, os

    quais aceitaram participar deste estudo e dedicaram seu precioso tempo realizao da

    pesquisa.

    Maricy Tango Bechara, amiga e conselheira de todas as horas, pela fora e entusiasmo

    com que estimulou, apoiou e acompanhou mais esta jornada.

    Ao meu companheiro de todos os momentos, Fabio Alves Barbar, pelas sugestes,

    revises, discusses e, sobretudo, pacincia e compreenso. E ao nosso novo

    companheiro de vida, Camilo Bose Barbar, por ter irradiado luz e alegria no meio

    deste percurso.

    Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico - CNPq, pela

    concesso da bolsa de estudos que viabilizou financeiramente a realizao do estudo.

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    Voc tem sede de que?

    Voc tem fome de que?

    Arnaldo Antunes e Tits

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    RESUMO

    O fenmeno do empreendedorismo social tem adquirido visibilidade e relevncia no mbitoda produo acadmica e, principalmente, das prticas organizacionais contemporneas, por

    se constituir em mais uma alternativa de combate pobreza e excluso social, e depromoo do desenvolvimento sustentvel. Esta tese buscou identificar, em trs casossituados na Regio Metropolitana de So Paulo, se e como tais empreendimentos sociais tmprovocado mudanas significativas no desenvolvimento social dos territrios nos quais atuam.Apoiando-se na concepo e nos vetores de desigualdade propostos por Amartya Sen (2000)para o desenvolvimento social, a pesquisa emprica procurou identificar os resultados obtidospor empreendimentos sociais em trs iniciativas na Regio Metropolitana de So Paulo. Oestudo empregou uma abordagem metodolgica qualitativa em um enfoque contextualista(PETTIGREW, 1989; FISCHER, 2002), o qual busca caracterizar o mbito no qual seinserem alguns dos projetos realizados pelos empreendimentos analisados. Tais iniciativasforam estudadas como campos nos quais distintos agentes interagem e exercem influncia,

    mobilizando os diferentes tipos de capitais que detm, conforme proposta de Bourdieu (2007).Os dados coletados foram submetidos a anlise conforme proposta metodolgica de Roche(2002), partindo da identificao de mudanas percebidas pela populao-alvo dos projetos.Empregou-se o estudo de caso mltiplo como mtodo de pesquisa, conforme tipologiaproposta por Yin (2010). Os dados foram coletados em documentos, observaes eentrevistas, e foram categorizados por meio da tcnica de anlise de contedo, conformeproposta de Bardin (1977). Os resultados obtidos na pesquisa apontaram a existncia deindcios de melhoria na qualidade de vida pessoal e familiar dos atores que participaram dasiniciativas realizadas pelos empreendimentos sociais. As mudanas que atingem a localidadeou o territrio como um todo, configurando um incremento dos padres de desenvolvimento,no so observadas em todos os casos e geralmente se concentram em uma ou outra dimenso

    do desenvolvimento social, como melhorias na esfera da riqueza material ou do bem-estarsocial. Os resultados alcanados pelos empreendimentos sociais pesquisados poucocontriburam, at o momento da pesquisa, para fortalecer o capital social e poltico dascomunidades envolvidas, bem como para alavancar o desenvolvimento econmico-social doterritrio no qual esto inseridas. Devem ser considerados, entretanto, os impactos causadospelo pouco tempo de existncia das iniciativas estudadas e pelo carter inovador caractersticodestas aes, sobre os resultados observados.

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    ABSTRACT

    The phenomenon of social entrepreneurship has gained visibility and relevance in the scope

    of academic production, and especially of contemporary organizational practices, as it

    presents another alternative for fighting poverty and social exclusion, and promoting

    sustainable development. Through the observation of three cases in the Sao Paulo

    Metropolitan Area, this thesis has sought to identify if and how such social enterprises have

    caused significant changes in the social development of the territories in which they operate.

    Relying on the design and vectors of inequality proposed by Amartya Sen (2000) for social

    development, the empirical survey has sought to identify the results obtained by social

    enterprises in three initiatives in the metropolitan area of So Paulo. The study has adopted a

    qualitative methodology in a contextualist approach (PETTIGREW, 1989; FISCHER, 2002),

    which seeks to characterize the circumstance in which some of the projects undertaken by the

    enterprises analyzed are inserted. Such initiatives were studied as fields in which manifold

    agents interact and influence by mobilizing the different types of capital each of them hold, as

    proposed by Bourdieu (2007). The collected data were analyzed as Roches methodological

    proposition (2002), based on the identification of changes perceived by the target population

    of the projects. The multiple-case study was used as a research method, as typology proposed

    by Yin (2010). Data were collected from documents, interviews and observations, and were

    categorized according to the technique of content analysis, as proposed by Bardin (1977).

    The results of the research have indicated signs of improvement in the quality of personal and

    family life of the actors who participated in the initiatives undertaken by the social

    enterprises. Changes that affect the location or territory as a whole, setting an increment in

    the development patterns, are not seen in all cases and are usually concentrated in one or the

    other dimension of social development, such as improvements in the sphere of material riches

    or social wellbeing. The results achieved by the social enterprises surveyed have contributedlittle, until the time of the survey, in strengthening social and political capital in the

    communities involved, as well as in leveraging the economic and social development of the

    territory in which they operate. However, one must also consider the impacts caused by the

    short lifetime of the initiatives studied and by the innovative character, typical of such

    actions, on the results attained.

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    6 CONSIDERAES FINAIS .................................................................................................... 1576.1 Concluses 6.2 Limitaes do estudo e recomendaes para pesquisas futuras:

    7 REFERNCIAS ........................................................................................................................ 165APNDICES........................................................................................................................................177

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    1 INTRODUO

    1.1 Justificativa e Problema de Pesquisa

    O desenvolvimento social foi um dos temas mais debatidos e relevantes do sculo XX. Ao

    longo daquele sculo, o crescimento econmico, obtido pela consolidao do capitalismo

    como sistema poltico-econmico dominante, no foi suficiente para gerar benefcios

    homogneos em quantidade e qualidade para a populao mundial, o que deu origem a

    inmeras teorias sobre formas e meios para reduzir a pobreza e a excluso socioeconmica.

    Ao final daquele sculo, essa discusso se consolidou em torno da promoo do

    Desenvolvimento Sustentvel, o qual ressalta a interdependncia entre as variveis que

    determinam o crescimento econmico, o desenvolvimento social e a preservao ambiental

    (VEIGA, 2005a). Com isso, o debate no apenas adquiriu nova roupagem, como foi elevado a

    um patamar mais elevado nas agendas globais e nacionais, tornando-se prioridade entre os

    programas de desenvolvimento fomentados pelo poder pblico e pela iniciativa privada.

    Na medida em que o debate e o pensamento sobre o desenvolvimento social eram

    enriquecidos por contribuies das cincias econmicas, sociais e polticas, experincias

    prticas de solues para problemas sociais foram concebidas, testadas e implantadas

    diretamente por atores da sociedade civil, dando corpo ao fenmeno do Empreendedorismo

    Social. So iniciativas, programas e organizaes criados para lidar com necessidades sociais

    complexas, atravs de aes que tm como objetivo principal a gerao de valor social para

    um dado grupo de pessoas, uma dada comunidade ou um dado territrio. (ASHOKA, 2011;

    NICHOLLS, 2006; DEES, 2001; JOHNSON, 2000) Esses empreendimentos tmexperimentado crescente visibilidade desde a ltima dcada do sculo XX (FISCHER, 2011).

    Atualmente podem ser facilmente identificados em todos os continentes, operando nas mais

    diversas realidades e buscando solues para uma ampla gama de problemas sociais, que vo

    desde a erradicao da misria at a defesa de direitos difusos, inclusive a sustentabilidade

    ambiental do planeta e a reduo da desigualdade socioeconmica no mundo. So fomentados

    por recursos financeiros do setor pblico e da iniciativa privada, bem como de fundaes e

    institutos privados com finalidades pblicas, e buscam gerar receita financeira atravs de suas

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    prprias atividades e da ao coletiva, movimentando parcela significativa de recursos nas

    economias locais e nacionais, alm de promoverem a gerao de emprego e renda.

    O presente estudo se prope a discutir as possveis interseces entre essas duas faces de uma

    mesma moeda: o Desenvolvimento Social e o Empreendedorismo Social. Parte-se do

    pressuposto de que as prticas e os conceitos que os dois temas encerram so extremamente

    prximos em suas finalidades, buscando responder a uma mesma questo: como promover

    transformaes socioeconmicas que assegurem igualdade no acesso de todos os cidados a

    boas e sustentveis condies de vida?

    Essa inquietao emerge de reflexes construdas ao longo de uma dcada de pesquisas e

    assessorias realizadas junto a empreendimentos sociais, muitas das quais no mbito do Centro

    de Empreendedorismo Social e Administrao em Terceiro Setor (CEATS). Ao longo desta

    trajetria, tenho convivido com os sonhos e as esperanas de transformaes fomentadas

    pelos empreendedores sociais, nutridos por meio de muita ousadia. Mas tambm tenho

    apurado indicadores que reiteram a persistncia e, algumas vezes, o acirramento da pobreza,

    da misria e da desigualdade. Compreender esse paradoxo motivou a realizao desta tese,

    ainda que apenas algumas de suas facetas sejam reveladas nos limites do estudo realizado.

    A persistncia da enorme assimetria existente entre as potencialidades do planeta e a pobreza

    vivida por milhes de pessoas justifica, por si s, a realizao de estudos que contemplem

    solues, caminhos, alternativas e possibilidades para mudar esse cenrio. Ainda na primeira

    dcada do sculo XXI, um bilho de pessoas passa fome em todo o mundo, 1,2 bilho no

    tem acesso a gua potvel e 2,6 bilhes no tm condies mnimas de saneamento. Como

    consequncia, pobreza, desnutrio e condies crticas de sade matam 18 milhes de

    pessoas por ano, metade delas com menos de cinco anos de idade (SEN; KLIKSBERG,2007).

    Embora muitos aspectos do desenvolvimento humano tenham experimentado progressos

    substanciais nos ltimos 20 anos, houve, no mesmo perodo, o aumento de desigualdades

    entre pases e dentro dos pases. Para cada nao onde a desigualdade foi reduzida nos ltimos

    20 a 30 anos, mais de duas viram a desigualdade aumentar. O ltimo Relatrio de

    Desenvolvimento Humano, lanado em 2011, observa que a distribuio de renda medida

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    pelo IDHAD1piorou na maioria das regies do mundo, sendo a Amrica Latina a regio mais

    desigual em termos de renda. O ndice de Pobreza Multidimensional IPM revela que, ao

    final de dcada de 2010, quase um tero da populao total (1,7 bilho de pessoas) vivia em

    pobreza multidimensional2

    . Pelos tradicionais critrios de avaliao de pobreza do BancoMundial, 1,3 bilho de pessoas viviam em extrema pobreza, sobrevivendo com US$ 1,25 ou

    menos por dia em 2010 (PNUD, 2010; PNUD, 2011).

    Do ponto de vista do empreendedorismo social, Fischer (2011, p. 188) prope a realizao de

    estudos que prospectem as caractersticas e a atuao desses empreendimentos no sentido da

    erradicao da misria, do alvio da pobreza e do estmulo ao desenvolvimento sustentvel,

    perguntando se e como estas iniciativas, fundamentadas neste conjunto de boas intenes,tm potencial para provocar, efetivamente, tais transformaes sociais.

    De acordo com Bill Drayton, fundador da Ashoka, organizao pioneira no campo da

    inovao social e no apoio aos empreendedores sociais, 52% dos 2700 empreendedores

    apoiados por aquela instituio mudaram alguma poltica nacional nos ltimos cinco anos e

    76% tem mudado o padro nacional no seu campo de atuao (DRAYTON, 2010). Esses

    dados sugerem a importncia da realizao de pesquisas exploratrias neste campo.

    So raros os estudos brasileiros que procuram identificar as relaes entre as atividades

    executadas atravs de empreendimentos sociais e o desenvolvimento social. Alguns estudos

    tangenciam esta questo, ao estudarem o fenmeno do empreendedorismo como alternativa

    de autoemprego ou como elemento propulsor de novas relaes econmicas locais; outros, ao

    buscar compreender aspectos da gesto de empreendimentos sociais.

    Pesquisa realizada por Godi-de-Souza (2010) junto a 34 empreendimentos sociais

    demonstrou que essas iniciativas no tm conseguido ir alm do plano de uma reproduo

    simples aquele da sobrevivncia dos grupos (FRANA FILHO; LAVILLE, 2004). Para

    1O ndice de Desenvolvimento Humano Ajustado Desigualdade (IDHAD) utiliza metodologia desenvolvidapelo economista britnico Anthony Barnes Atkinson, sendo considerada pelo PNUD mais sensvel a mudanasna extremidade inferior da escala do que o conhecido coeficiente de Gini (PNUD, 2011).2O ndice de Pobreza Multidimensional (IPM) examina os fatores no mbito familiar, como o acesso a gua

    potvel, combustvel para cozinhar e servios de sade, assim como bens de consumo bsicos e padres deconstruo de casas. Juntos, esses indicadores fornecem um retrato mais completo da pobreza do que as medidasde renda sozinhas. (PNUD, 2011)

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    esses autores, tais empreendimentos, agindo apenas nos circuitos populares da economia,

    marcados pela pobreza das condies de vida, funcionam em condies precrias, com baixo

    nvel de estruturao interna e de articulao externa. Sendo assim, dificilmente conseguem ir

    alm da gerao de renda apenas para os seus membros diretamente envolvidos. Se

    determinados a contribuir para a promoo do desenvolvimento social, ainda que local, esses

    empreendimentos deveriam gerar ocupao e renda tambm para a prpria comunidade,

    ativando um circuito de relaes de troca, produo e consumo de bens e servios que

    pudesse reforar a cadeia socioprodutiva local.

    O estudo realizado por Lima (2008) a respeito de empreendimentos sociais voltados para a

    gerao de renda, localizados em favelas da cidade do Rio de Janeiro, tambm parte da

    possvel contradio entre meios e fins do empreendedorismo social. De um lado, o

    empreendedorismo social como soluo inovadora para a reduo da pobreza teria como

    consequncia a anulao de questes bsicas de cidadania, do papel do Estado e das polticas

    universalizantes (VIANNA, 2007 apud LIMA, 2008). De outro, iniciativas de gerao de

    renda para pblicos marginalizados seriam uma alternativa ao desenvolvimento, uma forma

    de reao dos pobres aos limites da economia moderna (GIDDENS, 1996 apudLIMA, 2008).

    A pesquisa realizada com iniciativas apoiadas pelo SEBRAE-RJ conclui que o carter de

    subsistncia desses empreendimentos evidencia uma realidade social onde no existem

    direitos sociais e civis, reforando a necessidade de ampliar o debate poltico sobre o acesso a

    polticas pblicas desses grupos excludos social e economicamente.

    Mais otimista, Oliveira (2003, 2004a) identificou em seu estudo de caso que o

    empreendedorismo social gera uma nova forma de conscincia e uma postura diferenciada no

    enfrentamento da pobreza, da desigualdade e da excluso social. O pesquisador parte da

    constatao de que o grande desafio do sculo XXI produzir aes eficientes e eficazes quepromovam a emancipao social e o desenvolvimento humano dos sujeitos que so objeto

    destas aes. Sua inquietao reside na identificao de aes que, de fato, superem o crculo

    vicioso de regulao e controle da pobreza e, portanto, de manuteno do status quo. Ao

    estudar programas de fomento ao empreendedorismo social e casos de empreendimentos

    sociais, o autor constata que esse fenmeno tem relao positiva com o desenvolvimento

    social, sendo o nascedouro de uma racionalidade crtica-criativa-propositiva que, por

    natureza, promove aes concretas e coletivas no campo social. Sua pesquisa atesta que oempreendedorismo social gera transformao social, emancipao social e empoderamento

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    dos cidados. Portanto, aumenta o estoque de capital social, contribuindo para o

    desenvolvimento sustentvel e a justia social.

    Grisi (2008), em sua anlise sobre programas de fomento ao empreendedorismo e aoempreendedorismo social, conclui que o desenvolvimento local facilitado pela compreenso

    da cultura, das capacidades e dos talentos dos moradores da comunidade na qual o

    empreendimento se insere, associada criao de condies financeiras, tecnolgicas e

    humanas. Esse impacto potencializado quando h apoio de programas governamentais

    especficos, sobretudo de educao para o empreendedorismo.

    O trabalho de Albagli e Maciel (2002) tambm apresenta evidncias de que a interao e asrelaes cooperativas entre os atores sociais e econmicos constituem um fator crucial, tanto

    do empreendedorismo como do desenvolvimento local de modo mais amplo.

    Numa anlise crtica da participao de agentes pblicos, ao estudar a constituio do Arranjo

    Produtivo Moveleiro de Ub-MG, Rovetta da Silva (2008) constatou que aquele ambiente de

    negcio foi fertilizado exclusivamente pelos empreendedores locais, num contexto onde a

    ao governamental limitou-se ao papel de financiadora destas iniciativas. O autor conclui

    que a reunio de empreendedores locais em espaos institucionalizados de cooperao e

    fomento da atividade produtiva foi condio determinante para o desenvolvimento daquele

    Arranjo Produtivo Local.3

    O impacto do empreendedorismo social na transformao local, na criao de novas

    comunidades, centrado nas contribuies que essas iniciativas trazem para a qualidade de

    vida das populaes beneficiadas, de acordo com estudo realizado por Farfus (2008, p.109)

    junto a 61 egressos do Programa SESI Empreendedorismo Social no Paran. A pesquisadora

    aponta, em suas concluses, que a percepo do empreendedor em relao a sua contribuio

    com o desenvolvimento local, colaborando com o individual e coletivo, ponto de partida

    para um novo estudo.

    3Arranjos Produtivos Locais (APL) so aglomeraes de empresas, localizadas em um mesmo territrio, que

    apresentam especializao produtiva e mantm vnculos de articulao, interao, cooperao e aprendizagementre si e com outros atores locais, tais como: governo, associaes empresariais, instituies de crdito, ensino epesquisa. (Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior, 2011)

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    Visando aprofundar essas reflexes e trazer elementos que contribuam para a constituio de

    um quadro terico sobre o tema, o problema de pesquisa que fundamenta este estudo : O

    empreendedorismo social de fato contribui para a promoo do desenvolvimento social em

    mbito local? Este problema insere o estudo em uma perspectiva que busca chegar a

    contribuies tericas que complementam as teorias existentes sobre Empreendedorismo

    Social e Desenvolvimento Social, e suas interseces.

    1.2 Estrutura do estudo

    Este trabalho est estruturado em seis captulos. Aps esta introduo, que apresenta o tema, a

    justificativa e o problema de investigao, sero apresentados os objetivos que nortearam odesenvolvimento da pesquisa, compondo o Captulo 2.

    O Captulo 3 apresenta a fundamentao terica adotada na pesquisa, a qual versa sobre

    desenvolvimento social e empreendedorismo social. O primeiro tema contempla duas

    discusses: uma que o insere no contexto das teorias sobre desenvolvimento sustentvel, e

    uma segunda abordagem que focaliza o desenvolvimento social em sua perspectiva local. O

    empreendedorismo social discutido sob a tica das origens histricas do termo, seguindo-se

    uma anlise dos conceitos que lhe so atribudos e, por fim, so apresentadas as caractersticas

    distintivas dos empreendimentos sociais.

    O arcabouo metodolgico construdo e empregado para a realizao do estudo apresentado

    no Captulo 4. Ali, so descritos os fundamentos metodolgicos e conceituais que guiaram a

    realizao da pesquisa de campo, com foco na aplicao das noes de campo e de habitus

    desenvolvidas por Bourdieu, e na proposio de indicadores de resultados. Segue-se o

    detalhamento do protocolo de pesquisa utilizado para coleta e anlise dos dados.

    O Captulo 5 apresenta os resultados obtidos com a realizao da pesquisa e as anlises que

    eles propiciaram. Inicialmente, descrito um conjunto de consideraes sobre o

    empreendedorismo social no contexto brasileiro, luz de contribuies aportadas por

    especialistas entrevistados na fase inicial da pesquisa. A sesso seguinte apresenta os

    indicadores que caracterizam o contexto socioeconmico da Regio Metropolitana de So

    Paulo, onde se inserem os trs casos estudados. Estes so apresentados nas sesses seguintes,

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    descritos e analisados sequencialmente. O captulo finalizado com uma anlise conjunta dos

    trs casos pesquisados luz dos objetivos especficos do estudo.

    O ltimo captulo apresenta as concluses obtidas no estudo, consideraes finais sobre suarealizao e recomendaes para pesquisas futuras.

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    2 OBJETIVOS

    2.1 Objetivo Geral

    Compreender se e como os resultados obtidos por empreendimentos sociais constitudos no

    Brasil contribuem para o desenvolvimento social em mbito local.

    2.2 Objetivos Especficos

    Identificar e analisar como os empreendimentos sociais atuam visando contribuir com a

    promoo do desenvolvimento social em mbito local.

    Analisar a existncia de indcios de que os empreendimentos sociais contribuem para a

    promoo do desenvolvimento social em mbito local.

    Identificar e analisar os fatores alavancadores e restritores que influenciam a promoo do

    desenvolvimento almejado pelos empreendimentos sociais.

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    3 REFERENCIAL TERICO

    Os temas empreendedorismo social e desenvolvimento social, bem como suas interseces,fundamentam-se nos pilares das teorias socioeconmicas que sustentam a proposio do

    desenvolvimento sustentvel.

    Partir desta contextualizao significa inserir o objeto de estudo desta tese no debate que nega

    a dissociao entre crescimento econmico e desenvolvimento. Alm de entender esses

    fenmenos como profundamente interligados, a moderna noo de desenvolvimento

    sustentvel busca superar o dilema semntico que reveste seus conceitos de origem:crescimento e desenvolvimento. O desenvolvimento sustentvel abarcaria, ento, as faces

    econmica, social, ambiental e cultural do desenvolvimento, propondo que tais dimenses (e

    outras, conforme o autor) so indissociveis dos pontos de vista analtico, conceitual e prtico.

    A fundamentao deste estudo construda, ainda, a partir do arcabouo terico no qual se

    baseiam a prtica do empreendedorismo social e a reflexo sobre o papel que ele desempenha

    na sociedade contempornea. Ao conjugar inovao, articulao intersetorial e gerao de

    valor social, o empreendedorismo social emerge como uma reinveno do capitalismo, com a

    promessa de torn-lo socialmente mais justo, mais sustentvel.

    Esses conceitos e pressupostos so apresentados e discutidos a seguir.

    3.1 Desenvolvimento Social

    3.1.1 O Desenvolvimento Social no contexto do Desenvolvimento Sustentvel

    O desenvolvimento do capitalismo como sistema poltico-econmico dominante em nosso

    planeta levou consolidao do pressuposto de que o crescimento econmico deveria ser a

    meta nica das naes, ainda que isso custasse o uso ilimitado de recursos naturais e o baixo

    investimento no bem-estar social. As noes de desenvolvimento e de crescimento econmicono eram distintas at a dcada de 1960, pois as poucas naes desenvolvidas eram

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    justamente as que haviam enriquecido atravs da industrializao. Mas a posterior constatao

    de que o intenso crescimento econmico ocorrido a partir da dcada de 1950 em diversos

    pases semi-industrializados (entre os quais o Brasil) no se traduziu necessariamente em

    maior acesso sade e educao, deu origem a um intenso debate internacional sobre osentido do vocbulo desenvolvimento (VEIGA, 2005a).

    De modo geral, seja qual for o ngulo do debate, no cerne da ideia de desenvolvimento est o

    dilema da desigualdade:

    No contexto histrico em que surgiu, a ideia de desenvolvimento implica a expiao e a reparao

    de desigualdades passadas, criando uma conexo capaz de preencher o abismo civilizatrio entre

    as antigas naes metropolitanas e a sua antiga periferia colonial, entre as minorias ricas

    modernizadas e a maioria ainda atrasada e exausta dos trabalhadores pobres. O desenvolvimento

    traz consigo a promessa de tudo a modernidade inclusiva propiciada pela mudana estrutural.

    (SACHS, 2004, p.13).

    As proposies acerca do desenvolvimento podem ser aglutinadas em trs principais linhas de

    pensamento. A primeira, orientada pela crena de que o crescimento econmico seria o

    propulsor do desenvolvimento, limitava-se a buscar respostas para trs questes bsicas:

    como, para quem e o qu produzir. Predominante at a dcada de 1960, essa abordagem

    privilegiava o crescimento econmico de um pas, mensurado pelo crescimento do Produto

    Interno Bruto (PIB) e do nvel de bem-estar de uma populao conforme a Renda Per Capita

    (VEIGA, 2005a).

    Dentro desta concepo de desenvolvimento, a Teoria do Derrame, que coloca o

    crescimento econmico como propulsor natural das solues para os problemas sociais, no

    teve comprovao prtica em nenhum pas. A histria socioeconmica da Amrica Latina

    rica em exemplos sobre as consequncias do seu emprego. A acumulao de capital como

    alavanca do crescimento, em detrimento de outros gastos ou investimentos, exigiu sacrifcios

    sociais que minaram as bases do crescimento sustentado. A excluso do tema da iniquidade da

    agenda de debates sobre as linhas de desenvolvimento, ou sua aceitao como algo necessrio

    para promoo do crescimento, gerou atrasos significativos no desenvolvimento,

    acompanhados por altos custos sociais e perda de eficincia macroeconmica. A crena de

    que gastos sociais, sobretudo os programas compensatrios, so custos quase totalmente

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    improdutivos e menos importantes que outras formas de aplicao dos recursos,

    comprovadamente aliada baixa produtividade da populao e ao seu baixo capital

    cognoscitivo. Alm desses fatores, a marginalizao dos temas cultura, solidariedade e perfil

    da sociedade tem sido recorrente na Amrica Latina e tambm importante fonte de bloqueio

    de solues criativas e alternativas para a soluo de mazelas sociais (KLIKSBERG, 1997).

    Uma segunda linha de discusso coloca o desenvolvimento econmico como uma iluso ou

    como algo inexequvel (VEIGA, 2005a). Essa abordagem ainda associa desenvolvimento a

    crescimento econmico e, sobretudo, a riqueza. Um de seus principais expoentes, o

    economista italiano Giovanni Arrighi (1997) defende que os pases perifricos no tm e

    nunca tero oportunidades de avano econmico semelhantes s experimentadas pelos

    Estados situados no ncleo orgnico, ou seja, os pases industrializados e ricos. Para ele, a

    riqueza no pode ser generalizada porque se baseia em processos relacionais de explorao e

    de excluso que pressupem a contnua reproduo de pobreza na maior parte da populao

    mundial. Esse argumento ampliado a partir da constatao do economista brasileiro Celso

    Furtado (1974), de que a importao de padres culturais dos pases centrais pelos pases

    perifricos significa a adoo de modelos de consumo sem as necessrias transformaes nas

    estruturas da economia e da sociedade que adotam essa modernizao. No havendo

    possibilidade de evoluo deste sistema, o estilo de vida criado pelo capitalismo industrial

    sempre ser privilgio de uma minoria. (FURTADO, 1974; VEIGA, 2010; CAVALCANTI,

    2001).

    Uma terceira abordagem atesta que os resultados do crescimento econmico no se traduzem

    automaticamente em benefcios, e coloca o desenvolvimento como um desejo coletivo de

    evoluo e progresso (VEIGA, 2005a). Esse caminho do meio entre as duas linhas de

    pensamento expostas anteriormente baseia-se em especial nas proposies de Amartya Sen eIgnacy Sachs, segundo as quais o desenvolvimento consiste na remoo das fontes de

    privao de liberdade das pessoas. Ainda apoiando-se nas ideias de Celso Furtado, Veiga

    (2005a) observa que o desenvolvimento implica na transformao dos meios e dos fins do

    progresso material, dando suporte a uma abordagem mais prxima do debate atual sobre a

    reduo das desigualdades associada reduo dos impactos no mundo fsico/meio ambiente.

    A problemtica ambiental, que atualmente adquire crescente relevncia dentre as proposiesde desenvolvimento, antecedeu e acompanhou o debate sobre o crescimento econmico e

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    desenvolvimento social. Ganhou fora na dcada de 1970, dando origem noo de

    ecodesenvolvimento cunhada por I. Sachs, posteriormente rebatizada como desenvolvimento

    sustentvel.

    A ideia de um desenvolvimento sustentvel ganhou fora em contraposio supremacia do

    crescimento econmico, com a publicao do Relatrio Brundtland (Nosso Futuro Comum)

    pela Comisso Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1987. Essa proposta

    ganhou legitimidade e foi definitivamente incorporada agenda global com as decises

    tomadas na ECO-92, ou Conferncia sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no

    Rio de Janeiro em 1992. Desde ento, a definio mais conhecida e utilizada de

    desenvolvimento sustentvel postula que:

    A humanidade tem a capacidade de tornar o desenvolvimento sustentvel de garantir que ele

    atenda s necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras geraes de atender

    s suas prprias necessidades. (CMMAD apud AGENDA 21, 1987).

    No final do sculo XX, as formulaes sobre a noo de desenvolvimento sustentvel

    consolidaram-se em duas vertentes complementares: a do desenvolvimento, apresentado

    como um debate que busca afirmar a importncia das questes sociais, extrapolando ostradicionais limites do crescimento econmico; e da sustentabilidade, um debate sobre a

    possibilidade de conciliao, ou no, entre crescimento econmico e preservao ambiental.

    Entre a primeira Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente, realizada em 1972, e

    a Cpula sobre Desenvolvimento Sustentvel, realizada em 2002, o conceito de

    desenvolvimento sustentvel foi refinado e a sustentabilidade social tornou-se parte

    essencial dele. Ela encerra a ideia de que o crescimento econmico s se traduz em

    desenvolvimento quando gera empregos e contribui para a reduo da pobreza e dasdesigualdades. (VEIGA, 2005a; SACHS, 2004).

    Esse debate tem colocado em cheque o modelo de desenvolvimento ainda predominante na

    economia global que, como observa Zambam (2009), prioriza essencialmente o crescimento

    econmico, o aumento da produo e do consumo, o acesso s novas tecnologias e a expanso

    do comrcio. O autor conclui que esse modelo:

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    [...] no tem legitimidade moral porque limita a pessoa condio de meio para a realizao dos

    fins previamente planejados; utiliza indiscriminadamente os recursos naturais, sem a necessria

    avaliao dos impactos e das consequncias para o equilbrio ambiental e para as relaes sociais,

    da mesma forma que inviabiliza as condies de existncia segura das futuras geraes.

    (ZAMBAM, 2009, p.7).

    Sachs (2009) v na crise dos modelos econmicos clssicos a oportunidade para a construo

    de novos e plurais projetos. O fim do socialismo real, o fracasso do Consenso de Washington,

    a crise da social democracia e os resultados sociais drsticos da nfase no crescimento

    econmico so, segundo o autor, runas de paradigmas sobre as quais deve se assentar a

    cultura do ecodesenvolvimento.

    Nesse contexto, tanto o desenvolvimento quanto a sustentabilidade ambiental se colocam

    como dimenses relevantes do ponto de vista conceitual e do ponto de vista prtico, embora

    ainda sejam debates marcados pela busca de evidncias que fundamentem a construo de

    teorias e conceitos. So desafios que se colocam para policy makers nacionais e globais,

    influenciados por formulaes desde as mais conservadoras at as mais alarmistas. E ambas

    as dimenses requerem urgncia na adoo de novos conceitos e novas prticas (VEIGA,

    2005a).

    Alguns importantes esforos tm sido empreendidos para dar consistncia a este debate. A

    complexa relao entre as dimenses econmica, ambiental e social tida como central para

    promoo do desenvolvimento sustentvel no relatrio Prosperity without growth?,

    publicado em 2009 pela Sustainable Development Commission. Esse relatrio traz reforos

    para os argumentos fatalistas, que tendem a defender uma condio estacionria proposta

    por Daly (2002), em oposio viso ultraotimista e a um caminho do meio, possibilidades

    elencadas por Veiga (2005a) para compreenso do desenvolvimento sustentvel.

    Tendo como ponto central a ideia de prosperidade, a qual se mistura noo deflourishing4, a

    linha que prega o crescimento zero ou o de-crescimento enfatiza a necessidade de

    mudanas nos atuais padres de consumo para que o desenvolvimento sustentvel seja

    alcanado. Defendendo mudanas estruturais que resultem em mudanas na lgica social do

    4

    Muito prxima da ideia de A. Sen sobre desenvolvimento como expanso das capacidades de um indivduo,flourishing empregado no relatrio com o sentido de prosperar, de adquirir melhor qualidade de vida, aindaque em detrimento da acumulao de riquezas e bens materiais.

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    consumo, o relatrio da Sustainable Development Commission(JACKSON, 2009) apresenta

    evidncias de que pessoas com valores intrnsecos mais fortes do que valores materiais

    apresentam mais responsabilidade com o meio ambiente. E os impactos desse tipo de

    mudana iniciada na esfera social podem ser potencialmente grandes para o desenvolvimentosustentvel. Se o consumo de mercadorias e novidades deixa de ser relevante para o

    funcionamento social, as pessoas se tornam capazes de saber o quanto suficiente consumir,

    rompendo com o atual modelo baseado na produo crescente de bens e servios, com seus

    consequentes impactos no meio-ambiente. O relatrio prescreve que, para alcanar essa

    condio, necessrio desmantelar ou corrigir os incentivos dados atualmente para a

    insustentvel e improdutiva competio por statusque caracteriza as sociedades ocidentais. E

    necessrio estabelecer novas estruturas que proporcionem capacidades (capabilities) paraque as pessoas prosperem (toflourish), principalmente para que participem plenamente da

    vida em sociedade de maneiras menos materialistas. (Ibid.).

    Nesse contexto, os atuais padres e modelos de crescimento econmico tornam-se

    duplamente antagnicos promoo do desenvolvimento sustentvel. De um lado, incentivam

    o uso irresponsvel de recursos naturais, acelerando a sua degenerao. De outro, intensificam

    a pobreza e a desigualdade, perpetuando condies de vida que impedem a adoo de novos

    comportamentos, os quais provocariam, aceitariam ou reforariam novas dinmicas sociais e

    econmicas, fortalecendo a preservao dos recursos naturais.

    Na abordagem pragmtica do economista Ignacy Sachs, o crescimento econmico continua

    sendo necessrio para o desenvolvimento, mas deve ser colocado a servio de objetivos

    socialmente desejveis e repensado de forma adequada, de modo a minimizar os impactos

    ambientais negativos:

    O desenvolvimento sustentvel obedece ao duplo imperativo tico da solidariedade com as

    geraes presentes e futuras, e exige a explicitao de critrios de sustentabilidade social e

    ambiental e de viabilidade econmica. Estritamente falando, apenas as solues que considerem

    esses trs elementos, isto , que promovam o crescimento econmico com impactos positivos em

    termos sociais e ambientais, merecem a denominao de desenvolvimento. (SACHS, 2004, p. 36).

    De acordo com esta viso, taxas significativas de crescimento so necessrias, pois muito

    difcil redistribuir bens e renda numa economia estagnada. Para ele, a discusso sobre o

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    crescimento zero ou o de-crescimento, embora pertinente em pases industrializados

    avanados, nos distrai quanto s prioridades nas urgncias sociais dos pases mais pobres.

    Nesses pases, so centrais o acesso a oportunidades de trabalho remunerado e digno, a

    gerao de riqueza e renda, a proteo e a participao sociais. O problema consiste em

    reconciliar os objetivos do progresso econmico com o imperativo de proporcionar

    oportunidades para todos. (SACHS, 2001, 2004; VECCHIATTI, 2004).

    A viso de Sachs reforada por Sen (2004) ao observar que o desenvolvimento sustentvel

    pressupe responsabilidades assumidas e compartilhadas por todos os atores. A efetiva

    participao cidad, que vai alm do ativismo cvico, desperta a capacidade de pensar, avaliar

    e agir, colocando os seres humanos como agentes na criao de condies para a

    sustentabilidade do planeta. Nesse contexto, coloca a cidadania como uma importante

    liberdade a ser assegurada nas e pelas discusses sobre desenvolvimento sustentvel: A

    relevncia da cidadania e da participao social no apenas instrumental. Elas so parte

    integral daquilo que temos motivo para preservar. (SEN, 2004, p.16). Posteriormente, o

    economista salientou que a noo bsica de desenvolvimento sustentvel defendida a partir de

    Brundtland e seus seguidores, deve ser combinada com uma viso ampla dos seres humanos

    como agentes, cujas liberdades tm valor, e no apenas como recipientes reduzidos a padres

    de vida (SEN, 2007).

    Sachs (1993) prope que o desenvolvimento sustentvel est ancorado em cinco pilares:

    social, ambiental, econmico, territorial e cultural:

    Social: significa a busca pela equidade na gerao de oportunidades e na distribuio de

    renda e de bens;

    Ambiental: refere-se utilizao de recursos naturais renovveis e de tecnologias

    adequadas, visando ao desestmulo e limitao do uso dos recursos no renovveis;

    Econmico: refere-se alocao e gerenciamento eficientes dos recursos e de um fluxo

    contnuo de investimentos pblicos e privados;

    Territorial: significa a busca por uma configurao de equilbrio na distribuio espacial

    dos recursos, das populaes rural e urbana, e das atividades;

    Cultural: relaciona-se garantia de continuidade das tradies e pluralidade cultural dos

    povos, incluindo-se a criao e a manuteno do capital social.

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    Em linha com as proposies de Sen (2000), Sachs (2004) posteriormente agregaria a

    dimenso poltica a esses pilares de construo e manuteno do desenvolvimento

    sustentvel:

    Poltico: refere-se existncia de governana democrtica para regulao dos mercados

    e promoo de liberdades democrticas como instrumentos para que as mudanas

    necessrias efetivamente ocorram.

    Para dar conta dessas dimenses, faz-se necessria uma viso integrada do mundo, com

    indicadores interdimensionais que mostrem as inter-relaes entre economia, meio ambiente esociedade. Ou seja, para sua aplicabilidade, a noo de desenvolvimento sustentvel exige que

    os indicadores sociais, econmicos e ambientais sejam observados de modo interdependente e

    inter-relacionado (SACHS, 1993).

    Por ocasio do evento Rio+20, que celebrou duas dcadas de realizao da ECO-92, tambm

    promovido na cidade do Rio de Janeiro, a discusso sobre indicadores que mensurem o

    desenvolvimento sustentvel ganhou fora. O PIB (Produto Interno Bruto) continua

    encabeando a lista dos indicadores de desenvolvimento, mas as crticas ao reducionismo

    econmico e ao vis produtivista que ele representa tm alimentado a criao de propostas

    alternativas, as quais ganham consistncia a cada ano. Marcovitch (2012) observa que as

    reflexes sobre o futuro global vm relativizando o peso do PIB na caracterizao do

    desenvolvimento, e outras formas de mensurao do desempenho dos pases vm sendo

    experimentadas. Algumas recomendaes para superao do PIB como principal indicador de

    desenvolvimento incluem deslocar o foco de fatores produtivos para indicadores de renda e de

    consumo, os quais devem ser conjugados riqueza e analisados sob uma perspectiva de

    distribuio (STIGLITZ; SEN; FITOUSSI, 2010; VEIGA, 2012).

    Precursor das novas propostas de mensurao do desenvolvimento, o IDH (ndice de

    Desenvolvimento Humano) vem se consolidando como um indicador social que vai alm da

    dimenso econmica mensurada pelo PIB. Composto por indicadores de educao,

    longevidade e PIB per capita, este ndice completou 20 anos, e tem sido amplamente

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    empregado pela ONU e por diversos pases para retratar os avanos ou retrocessos sociais

    experimentados anualmente.

    Durante a Rio+20, a ONU lanou uma mtrica que contabiliza capital humano, uso de

    recursos naturais e produo industrial, o IRI (ndice de Riqueza Inclusiva). Em 2014, este

    indicador, que pretende agregar as dimenses econmica, social e ambiental, dever incluir

    tambm o capital social. Sob a tica destes indicadores, entre 1990 e 2008, o PIB do Brasil

    cresceu 1,6%, o IDH cresceu 0,9% e o IRI experimentou 0,9% de crescimento. A China

    liderou todos os rankings: teve 9,6% de crescimento do PIB, 1,7% de crescimento do IDH e

    cresceu 2,1% no IRI. (RIGHETTI, 2012)

    3.1.2 Desenvolvimento Social e Desenvolvimento Local

    O desenvolvimento social pode ser compreendido a partir da apropriao de trs geraes de

    direitos humanos: direitos polticos, civis e cvicos; direitos econmicos, sociais e culturais;

    direitos coletivos ao meio ambiente e ao desenvolvimento. Com isso, igualdade, equidade e

    solidariedade so elementos embutidos no conceito de desenvolvimento. O objetivo maior

    deixa de ser a maximizao do PIB e se torna a promoo da igualdade e a reduo da

    pobreza, maximizando vantagens dos menos favorecidos. (SACHS, 2004).

    Diversas teorias econmicas tm sido desenvolvidas e testadas, com o objetivo de promover a

    igualdade no acesso a recursos e a condies satisfatrias de vida para as camadas

    populacionais que ficam margem dos benefcios propiciados pelo desenvolvimento

    econmico de um dado pas ou uma dada regio. No objetivo deste estudo aprofundar ou

    esgotar esse debate, mas sim buscar contribuies das teorias econmicas que permitam

    identificar quais elementos so indicativos de que um grupo de pessoas, uma comunidade ou

    um territrio experimentam ou experimentaram processos de desenvolvimento social,

    impulsionados ou fortalecidos pela ao de empreendimentos sociais. Dessa forma, o estudo

    busca aproximar teorias econmicas e administrativas, propondo-se a identificar como

    determinadas caractersticas organizacionais e de gesto de um tipo especfico de

    empreendimento podem trazer contribuies para o desenvolvimento social.

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    Para tanto, este estudo apoia-se nos pressupostos de que a promoo do desenvolvimento no

    se reduz a crescimento, de que a questo da desigualdade central, mas nem desenvolvimento

    e nem desigualdade se limitam renda. Essa viso, que rompe com a tradio neoclssica e

    economicista do desenvolvimento, defendida pelo economista indiano Amartya Sen,ganhador do Prmio Nobel de Economia em 1998, ao desenvolver uma teoria que busca

    responder: Qual a relao entre rendas e realizaes, entre mercadorias e capacidades, entre

    nossa riqueza econmica e nossa possibilidade de viver do modo como gostaramos? (SEN,

    2000 p.27).

    Para Sen (Ibid., p.28-29), natural que o crescimento econmico e o aumento da renda sejam

    desejados. Entretanto, eles no devem ser considerados como fins em si mesmos. Para oautor, o desenvolvimento est relacionado sobretudo com a melhora da vida que levamos e

    das liberdades de que desfrutamos e, portanto, renda e riqueza so desejveis unicamente

    porque so meios para adquirirmos mais liberdade para levar o tipo de vida que temos razo

    para valorizar. Ou seja, o crescimento econmico constitui um dos meios para promoo do

    desenvolvimento. Este, por sua vez, significa a ampliao das liberdades substantivas atravs

    da remoo das condies que acarretam sua privao, num processo de expanso de

    capacidades. Por consequncia, a pobreza vista como uma privao de capacidades bsicas,

    no se limitando a uma constatao de baixos nveis de renda, o qual constitui o critrio

    tradicional de identificao desta condio.

    Partindo de ampla anlise sobre a questo da desigualdade, Sen (2007, 2008) observa que

    todas as teorias no campo econmico exigem a igualdade de algo, desde as defendidas pelas

    diversas correntes igualitaristas (de renda, de bem-estar, de recursos) at os utilitaristas,

    quando propem a atribuio de pesos iguais aos interesses do conjunto de indivduos.

    Entretanto, sua anlise enfatiza que mesmo as abordagens mais comumente aceitas, como a

    que concebe a pobreza em termos de baixa renda, no reconhecem a diversidade que

    caracteriza as pessoas e os diferentes contextos em que vivem. Por essa razo, no dizem

    muito sobre o bem-estar. Sen (Ibid.) reconhece a importncia do carter descritivo que essas

    medidas tradicionais de pobreza assumem no exame da realidade. Mas assinala que, do ponto

    de vista programtico, a discusso sobre desigualdade deve assentar-se sobre os diferentes

    graus de acesso a poder e a oportunidades.

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    As oportunidades a que Sen (2008) se refere, nomeadas reais ou substantivas, envolvem mais

    do que a disponibilidade de recursos, embora a existncia de meios econmicos insuficientes

    possa causar a privao de capacidades. O conceito relevante para a anlise da pobreza torna-

    se, nesta abordagem, a inadequao da renda, e no a comparao entre diferentes nveis de

    renda. Em obra lanada posteriormente, Sen (2007) sintetiza os principais elementos de sua

    concepo de desigualdade: disparidades na riqueza, assimetrias no poder e nas oportunidades

    polticas, sociais e econmicas. Assim, so as oportunidades que devem ser igualadas, no

    sentido de promover condies para que as pessoas realizem objetivos ligados ao seu bem-

    estar em escolhas genunas, ou seja, exercitem sua liberdade individual (SEN, 2008).

    Uma importante implicao dessa concepo que, ao colocar a expanso das liberdades

    individuais como objetivo do desenvolvimento, Sen (2000, 2007, 2008) recoloca o

    crescimento econmico e o aumento de rendas individuais como meio, e no como fim em si

    mesmos. A expanso das liberdades econmicas, sociais e polticas seriam, por sua vez, a

    finalidade principal de todo e qualquer programa, pblico ou privado, na esfera do

    desenvolvimento social. Para isso, torna-se necessrio remover condies que causam a

    privao de liberdades, como a desigualdade no acesso a alimentos, a servios de sade, a

    educao, alm da ausncia de direitos civis e democrticos.

    Para Sen (2000), embora existam vrios tipos de liberdades instrumentais que contribuem

    para que as pessoas possam viver do modo como desejariam, cinco delas merecem nfase, por

    apontarem a necessidade de polticas especficas. So elas: liberdades polticas, facilidades

    econmicas, oportunidades sociais, garantias de transparncia e segurana protetora. Embora

    distintos, estes tipos de liberdade vinculam-se e complementam-se. Por essa razo, a anlise

    do desenvolvimento e a formulao de polticas pblicas devem considerar a importncia

    conjunta destas liberdades substantivas.

    As liberdades polticas so as oportunidades que as pessoas tm para determinar quais sero

    seus governantes, quais princpios fundamentaro as aes dos governos e para fiscalizar e

    criticar as autoridades. So, tambm, as possibilidades de liberdade de expresso poltica, de

    voto e seleo de legisladores e executivos, de escolha entre alternativas partidrias, alm de

    oportunidades de dilogo poltico e de uma imprensa sem censura. So os direitos polticos

    associados s democracias, em seu sentido mais abrangente.

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    As facilidades econmicas so as oportunidades que as pessoas tm para utilizar recursos

    econmicos para consumo, produo ou troca. Essas oportunidades existem na medida em

    que o aumento de riqueza e renda do pas se reflete no correspondente aumento de

    intitulamentos econmicos da populao. Ou seja, as facilidades econmicas dependem emgrande parte das condies distributivas ou do modo como as rendas adicionais so

    distribudas.

    As oportunidades sociais so as disposies existentes em reas como educao e sade.

    Relacionam-se a condies mais saudveis de vida dos indivduos, reduzindo a morbidez

    evitvel e a morte prematura, e tambm ampliao da possibilidade de participao em

    atividades econmicas e polticas, pela reduo do analfabetismo.

    As garantias de transparncia so as garantias de sinceridade nas interaes sociais, de

    dessegredo e clareza. Elas funcionam como inibidoras da corrupo, da irresponsabilidade

    financeira e de transaes ilcitas.

    Por fim, a segurana protetora envolve a rede de segurana social que impede que as pessoas

    venham a sucumbir frente a grandes privaes, como a fome e o desemprego. Inclui

    disposies fixas, como benefcios para desempregados, suplementos de renda para

    indigentes, e tambm medidas ad hoc, como distribuio de alimentos e criao de empregos

    em casos emergenciais.

    Para Sen (2000, p.33), o indivduo assume papel central no processo de desenvolvimento: sua

    condio de agente, como algum que age e ocasiona mudana, e cujas realizaes podem

    ser julgadas de acordo com seus prprios valores e objetivos vetor para as transformaes

    sociais. Nesse contexto, a liberdade individual um produto social que deriva de uma relao

    de mo dupla entre (1) as disposies sociais que visam expandir as liberdades individuais e

    (2) o uso de liberdades individuais, no s para melhorar a vida de cada um, mas tambm para

    tornar as disposies sociais mais apropriadas e eficazes (SEN,Ibid., p.46).

    Comungando dessas propostas, o economista Ignacy Sachs v no sentido do desenvolvimento

    a maximizao de oportunidades que habilitem os seres humanos a manifestarem

    potencialidades, talentos e imaginao que tragam auto-realizao e felicidade. Essas

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    oportunidades podem ser criadas em empreendimentos individuais e coletivos combinados e

    em tempo dedicado a atividades no produtivas. A universalizao e o exerccio efetivo dos

    direitos humanos, princpios preconizados pela teoria de Sen, reafirmam a necessidade de que

    o direito ao trabalho seja central nas estratgias de promoo do desenvolvimento, uma vez

    que o trabalho decente abre caminho para o exerccio de vrios outros direitos. Nesse

    ambiente, a maximizao de oportunidades ocorre com a produo de meios de existncia

    que supram as necessidades materiais bsicas da vida. (SACHS, 2004).

    Para Sachs (Ibid.), promover a incluso social justa, rompendo com formas perversas,

    anormais e desiguais de incluso social que impedem a apropriao efetiva da totalidade de

    direitos humanos, se converte em requisito central para o desenvolvimento. Esse

    desenvolvimento includente tem como valor fundamental o acesso de todos os cidados aos

    seguintes servios pblicos:

    Programas de assistncia a minorias, voltados compensao de desigualdades naturais

    ou fsicas, e polticas sociais compensatrias financiadas pela redistribuio de renda;

    Acesso educao de qualidade conjugada erradicao do trabalho infantil;

    Programas de proteo sade que contemplem segurana alimentar, condies de

    saneamento bsico e acesso a gua potvel, qualidade das condies de moradia e de

    trabalho, educao e medidas preventivas;

    Proviso de condies adequadas de moradia.

    Do ponto de vista macroeconmico, existem evidncias de que um vigoroso desenvolvimento

    social fundamental para que possa haver crescimento econmico sustentado, e no o

    inverso. O economista argentino Bernardo Kliksberg (1997, 2003) argumenta que os casos de

    Israel, Canad, Holanda e Blgica exemplificam o xito desta frmula: o investimento em

    tecnologia e competitividade foi acompanhado por investimentos de grande alcance em

    campos como educao, sade e nutrio. Sen (1996), citado por Kliksberg (1997), tambm

    observa que o papel da educao e da sade foi fundamental na mudana social e econmica

    vivenciada no Leste e no Sudeste asiticos.

    Estudo realizado ao longo de quatro dcadas com indicadores de iniquidade, citado por

    Kliksberg (Ibid.), conclui que a reduo da desigualdade estimulou o crescimento no Sudeste

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    Asitico, e que a permanncia da desigualdade foi um grande obstculo ao progresso na

    Amrica Latina. Isso porque a reduo da desigualdade contribui para a estabilidade poltica e

    macroeconmica, aumenta a eficincia dos trabalhadores de baixa renda, diminui a distncia

    entre rendimentos rurais e rendimentos urbanos, e reduz a necessidade de instituiesreguladoras nesse campo. Adicionalmente, Veiga (2012) argumenta que medidas para a

    erradicao da pobreza somente surtiro efeito em termos de desenvolvimento sustentvel

    quando forem combinadas com discusses sobre as desigualdades.

    Em muitos pases da Amrica Latina, ainda persistem os modelos de desenvolvimentos

    pautados pelo crescimento econmico e pela naturalizao dos problemas sociais. Durante as

    ltimas dcadas do sculo XX, a forma equivocada de entender e formular polticas sociaisalimentou falcias que agravaram ainda mais a desigualdade, a pobreza e todas as suas

    consequncias no continente, como demonstram os estudos de Kliksberg (2003). A negao

    ou a relativizao da pobreza, a falta de urgncia na soluo de carncias bsicas, a

    priorizao quase absoluta do crescimento econmico, a naturalizao da desigualdade, a falta

    de polticas sociais estruturantes, a maniqueizao do Estado associada incredulidade da

    fora da sociedade civil, a baixa participao popular, problemas ticos e a desesperana

    frente a esse jogo de foras so fatores que reforam estruturalmente a pobreza e precisam ser

    combatidos em sua origem para que o desenvolvimento social seja efetivamente promovido

    (OLIVEIRA, 2004a; KLIKSBERG, 2003).

    No campo das polticas econmicas, alguns autores defendem que o principal alavancador de

    reduo da desigualdade seria a existncia de uma renda bsica universal (universal basic

    income UBI), cujo valor deveria ser o mnimo necessrio para a subsistncia de seu

    receptor. Essa renda bsica serviria como um potente instrumento de justia social, pois

    promoveria a liberdade real para todos, ao proporcionar os recursos materiais necessrios para

    que as pessoas busquem seus objetivos. Ao mesmo tempo, essa renda bsica ajudaria a

    solucionar os dilemas da poltica de pobreza e desemprego, alm de servir aos ideais de

    grupos compostos por minorias, como os movimentos feministas e verdes. (VAN PARIJS,

    2000).

    Sachs (2004) defende a ideia, segundo ele apoiada pelo Nobel de Economia J. Stiglitz, de que

    as polticas compensatrias de distribuio de renda no sistema fiscal so necessrias, mas

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    menos efetivas do que as polticas de emprego que mudam a distribuio de renda primria.

    Para ele, na perspectiva do desenvolvimento, o fomento do emprego deve ser preferido s

    polticas assistencialistas, pois ele confere solues mais duradoras com a gerao de renda,

    alm de proporcionar mais dignidade, proveniente do prprio emprego.

    Especialmente em pases onde a dimenso social do desenvolvimento sustentvel frgil,

    como se observa na Amrica Latina como um todo, a gerao de emprego ou de autoemprego

    e de renda, atravs de oportunidades de trabalho decente para todos, emerge como importante

    alavancador do desenvolvimento, ao movimentar o mercado interno. O direito ao trabalho

    digno criticamente importante, por motivos intrnsecos e instrumentais. Com base nas

    proposies da OIT, Sachs (2004) defende que o trabalho decente para todos, seja atravs

    do emprego ou do autoemprego, central na construo de uma estratgia endgena de

    desenvolvimento, ancorada no aproveitamento das potencialidades do mercado interno nos

    pases perifricos, com nfase na mudana da distribuio primria de renda.

    Kliksberg (1997, 2007) ressalta que a cultura tambm ocupa importante papel na promoo

    do desenvolvimento social. Geralmente tomada como um obstculo execuo de programas

    sociais, por criar problemas inesperados s iniciativas de cima para baixo, quando olhada

    sob outra perspectiva pode tornar-se ponto central na agenda de transformao. O capital

    cultural de uma populao pode gerar respostas criativas e sintonizadas com os problemas

    concretos que vivencia; a atividade cultural bsica para promoo da articulao social, a

    qual desejada na formulao, implementao e gesto de programas sociais; a ao cultural

    favorece o fortalecimento na unidade familiar, contribui fortemente para a elevao da

    autoestima, amplia o mbito de ao do insuficiente ensino pblico, contribui para a

    preveno da criminalidade e, por fim, tem funo estratgica no fortalecimento efetivo do

    processo democrtico: A cultura dos pobres capital social que, exponenciado, pode servirde base para a resposta a problemas sociais essenciais. (KLIKSBERG, 1997, p.34).

    Associando essas duas proposies, as quais enfatizam a importncia de emprego ou

    ocupao remunerada e do capital cultural na promoo do desenvolvimento, uma perspectiva

    que assume grande importncia prtica no contexto brasileiro diz respeito existncia de

    estratgias de desenvolvimento local. So iniciativas que visam propiciar transformao

    social, mobilizando potencialidades e recursos de uma determinada comunidade ou regio,

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    orientada para seu desenvolvimento econmico e social (BROSE, 2005; HADDAD, 2004;

    LOURENO, 2003).

    O incentivo criao de uma economia social est no cerne de muitas iniciativas dedesenvolvimento local. O objetivo central seria o desenvolvimento de um ambiente favorvel

    ao surgimento de formas de produo cuja relao com o mercado e com o Estado no seja

    baseada na acumulao capitalista, mas seja orientada pela lgica da sobrevivncia e da

    solidariedade, como propem os principais defensores da ideia de uma economia plural

    Laville, Coraggio e Singer (LEITE, 2009).

    frente da Secretria Nacional de Economia Solidria, o economista Paul Singer prope queo desenvolvimento de comunidades pobres deve se dar atravs do desenvolvimento solidrio,

    o qual beneficia a todos seus membros conjuntamente, unidos pela ajuda mtua e pela posse

    coletiva de certos meios essenciais de produo ou distribuio. Otimista quanto ao futuro da

    economia social no Brasil, Singer considera que a organizao de empreendimentos solidrios

    representa o incio de revolues locais, que ocorrem nos nveis individual e social, e que

    mudam os relacionamentos entre atores envolvidos direta ou indiretamente na atividade

    produtiva famlia, vizinhos, autoridades pblicas, religiosas, intelectuais etc. (SINGER,

    2004, p.3; LEITE, 2009)

    Para Laville, as formas de produo baseadas na reciprocidade seriam resultantes de aes

    coletivas capazes de promover a solidariedade democrtica e democratizar a economia.

    Laville observa que a relao entre as experincias de economia solidria e o

    desenvolvimento econmico local amplia o leque de benefcios proporcionados por

    cooperativas. O benefcio social deixa de se restringir ao grupo dos cooperados internos e

    passa a ter impactos da organizao na vida local. (FRANA FILHO; LAVILLE, 2004;

    LEITE, 2009).

    No contexto brasileiro, muitas definies e metodologias acerca do desenvolvimento local

    vm sendo discutidas. Em sua maioria, propem duas caractersticas em comum: a ideia de

    que o desenvolvimentovai alm da noo de crescimento econmico, estando relacionado

    conquista e garantia da cidadania como condio bsica para que as pessoas conquistem

    bem-estar e melhoria da qualidade de vida. E a proposio de que o local mais do que o

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    espao fsico, no sentido de ser uma construo social onde as aes dos atores e das

    comunidades condicionam o espao e por ele so condicionadas. No local, h a possibilidade

    de construo de um novo marco de regulao do mercado e da mediao social. (SILVA,

    2010; COCCO; GALVO, 2001; OLIVEIRA, 2001).

    O desenvolvimento local se coloca como uma estratgia de mitigao da pobreza atravs da

    mobilizao de recursos locais. Aparentemente mais democrticas, mais eficazes e mais

    sustentveis, as abordagens centradas na comunidade colocam-se como alternativas aos

    programas convencionais de socorro pobreza. (GIDDENS, 1998 apud MOREIRA et al,

    2003).

    Esse processo implica, idealmente, na participao ativa dos agentes envolvidos no

    planejamento, na produo, na gesto das aes e recursos, atravs do envolvimento da

    comunidade desde o estudo e diagnstico de sua situao (GOMES, 2005).Desenvolvimento

    local significa a melhoria da qualidade de vida construda em um processo histrico pelas

    pessoas que ali vivem e seus filhos. (BROSE, 2005).

    De acordo com Franco (2000), durante a dcada de 1990, o conceito de desenvolvimento

    local sustentvel consolidou-se no Brasil e em outros pases que compunham a periferia do

    capitalismo, fortalecendo a noo de territrio e propondo solues para o enfrentamento mais

    efetivo da pobreza, da desigualdade e da excluso socioeconmica. Sachs (2004) observa que

    esse processo de empoderamento das comunidades e a promoo da democracia direta so

    fundamentais para polticas de desenvolvimento e pode tornar-se um novo paradigma de

    economias mistas baseadas no dilogo, nas negociaes e nos contratos entre os diferentes

    atores envolvidos como desenvolvimento.

    Compreender o desenvolvimento como um processo local leva ao resgate de dimenses

    esquecidas por abordagens globais: a identidade, a dinmica prpria e as especificidades que

    mantm as relaes de interdependncia com reas mais vastas. Dessa forma, o

    desenvolvimento local vai alm de mbitos empresariais, governamentais e da sociedade civil,

    construindo um sentido de comunidade local, estruturado sobre a construo de uma

    identidade territorial. Para que este dinamismo das relaes possa fluir, deve-se prospectar a

    disponibilidade de recursos econmicos, humanos, institucionais, ambientais e culturais, almde economias de escala no exploradas nas localidades e territrios, passveis de constituir seu

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    potencial de inovao e desenvolvimento, gerando riqueza e qualidade de vida para a

    populao local (BRITO; ZAPATA, 2004).

    O desenvolvimento local sustentvel pressupe participao de diversos atores, acesso ainformaes e facilidades de comunicao necessrias para garantir a existncia de laos entre

    os diferentes grupos e a criao de capacidade coletiva. Esse contexto ressalta a importncia

    de conceber e implantar novos modelos de desenvolvimento que impliquem na participao

    de toda a sociedade e na expanso do empreendedorismo social, entendido como uma

    iniciativa da sociedade civil a fim de influir nos processos de gerao de valor social atravs

    da inovao e gesto. Este processo comea por induzir as comunidades ao exerccio de

    diagnosticar sua realidade e projetar vises de futuro, com base em seus talentos e ativossociais. A principal finalidade facilitar o processo de significao e transformao da

    comunidade, o que lhe permite conceber cenrios de vida futura e de gesto social do seu

    desenvolvimento (ARNS et al, 2003). neste ponto que o dinamismo, associado ao

    empreendedorismo social, pode desempenhar papel fundamental para a promoo integral do

    desenvolvimento econmico e social comunitrio.

    A existncia ou a construo de capital social tem sido apontada como importante alicerce

    para a promoo do desenvolvimento local (MILANI, 2003). Argumentando que o

    desenvolvimento no est associado exclusivamente a indicadores macroeconmicos,

    Kliksberg (2007, p.304) observa que a ideia de capital social abre uma perspectiva muito mais

    ampla dentro da discusso sobre formas de promoo do desenvolvimento, habitando

    processos silenciosos que se realizam no interior da sociedade.

    O clssico estudo conduzido por Putnam (1996) sobre o tema demonstrou que a participao

    cidad dos indivduos um dos elementos mais importantes para a construo da democracia

    e de uma sociedade sustentvel. O estudo concluiu que a cultura de associao, caracterstica

    do norte italiano, promovia e estimulava a confiana, essencial para se criar a participao

    cidad e o cuidado com a coisa pblica. Essa cultura gerava o capital social, ou seja, a

    capacidade de pessoas ou comunidades estabelecerem relaes e vnculos entre si. Dessa

    forma, a participao seria estimulada a partir da criao de confiana entre os membros de

    uma comunidade.

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    As definies mais difundidas de capital social, apresentadas por Coleman e por Putnam

    fundamentam-se em trs caractersticas principais: a existncia de redes e do associativismo,

    de normas e sanes, e de confiana intrnseca s relaes (ALBAGLI; MACIEL, 2002).

    Kliksberg (2003, 2007) assinala que a cultura est por trs desses componentes bsicos e

    ressalta, ainda, a presena do civismo e dos valores ticos. Bourdieu ressalta os aspectos

    inerentes participao em redes de relaes e acrescenta que a observada a existncia do

    conflito, pois o capital social, assim como todas as demais formas de capital, distribudo de

    forma desigual (ALBAGLI; MACIEL, op. cit.).

    Em sentido mais amplo, o capital social composto, dentre outros aspectos, pela capacidade

    de construir um projeto nacional compartilhado, de cultivar valores comuns, de preservar e

    fortalecer a cultura local, de construir instituies eficientes e flexveis, de criar entendimento

    e cooperao (KLIKSBERG, 1997).

    O capital social gera diversos benefcios econmicos. As relaes de confiana, o esprito

    cooperativo, o compartilhamento de referncias socioculturais e de objetivos comuns geram

    custos mais baixos, maior facilidade de compartilhamento de informaes e conhecimentos.

    Os processos coletivos de tomada de decises levam a maior estabilidade organizacional,

    melhor coordenao e coerncia de aes. O conhecimento mtuo amplia a previsibilidade

    sobre o comportamento dos agentes, o que reduz a possibilidade de comportamentos

    oportunistas e favorece o compromisso em relao ao grupo. Ainda que isoladamente o

    capital social tenha efeito econmico limitado, ele pode desempenhar um importante papel de

    catalisador de mudanas sociais. Diversos estudos demonstram correlaes entre a existncia

    de capital social e maiores nveis de renda familiar, eficincia e qualidade das instituies e

    dos servios pblicos, rendimento escolar de crianas, e condies adequadas de sade

    (ALBAGLI; MACIEL, 2002; KLIKSBERG, 2003, 2007).

    Mais diretamente, o capital social cria um tipo de eficincia em uma dada comunidade, como

    os distritos industriais italianos inicialmente estudados por Putnam, que profundamente

    social, mas que se transforma em valor econmico ao gerar eficincia produtiva, comercial ou

    empresarial. Os ativos intangveis do capital social se transformam em ativos bastante

    tangveis, como riqueza social, renda, produo. (SACHS; LAGES, 2001)

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    Se, ainda que em conjunto com outros fatores, o capital social desempenha papis

    fundamentais na promoo do desenvolvimento, sua marginalizao ou degradao pode

    resultar em perturbaes sociais que levam perda da capacidade crtica para um crescimento

    sustentado. E o risco de reduo ou destruio de capital social maior para a populaopobre. Estudos apontam que a desigualdade elevada deteriora o capital social e demonstram

    que pessoas com mais recursos econmicos mantm relaes de cooperao com mais

    estabilidade do que pessoas que enfrentam situaes de crise e se veem impossibilitadas de

    cumprir as obrigaes de reciprocidade. (KLIKSBERG, 1997, 2003, 2007).

    Baseando-se no informe da Comisso Mundial de Cultura e Desenvolvimento da UNESCO

    de 1996, Kliksberg (2003) prope que as inter-relaes entre cultura, capital social edesenvolvimento precisam ser mais valorizadas, sobretudo na luta contra a pobreza. Promover

    a utilizao de saberes, tradies, relaes entre os homens e com a natureza tem como

    resultado a elevao da autoestima e o fortalecimento da identidade coletiva, a integrao

    social e o cultivo de valores de cooperao e solidariedade.

    Conclui-se que, no contexto brasileiro, a promoo do desenvolvimento social, ancorada em

    estratgias de desenvolvimento local que fomentem a cidadania e a democracia, a acelerao

    das economias locais, e o fortalecimento do capital social, pode ser um caminho vivel e

    factvel para a reduo da desigualdade, entendida como a expanso de capacidades e

    liberdades individuais. Essa perspectiva pode ser sintetizada da seguinte forma:

    Apenas uma nova socioeconomia que crie empregos produtivos, crie oportunidades reais para

    que os trabalhadores informais possam passar economia formal, invista vigorosamente em sade

    e educao, amplie e potencialize as possibilidades produtivas dos pobres, promova e facilite sua

    articulao social e sua organizao, e privilegie as crianas e as mulheres poder reverter o atualquadro de enfraquecimento do tecido social. (KLIKSBERG, 1997, p. 46).

    No contexto do desenvolvimento sustentvel, essa abordagem implica no entendimento de

    que a dimenso social inerente ao conceito de desenvolvimento sustentvel no diz respeito

    apenas ao estabelecimento de limites ou restries persistncia do desenvolvimento, mas

    implica na ultrapassagem do econmico: no pela rejeio da eficincia econmica e nem

    pela abdicao do crescimento econmico, mas pela colocao deles a servio de um novo

    projeto societrio, onde a finalidade social esteja justificada pelo postulado tico de

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    solidariedade intrageracional e de equidade, materializada em um contrato social.

    (GONALVES, 2005; SACHS, 1995 apudGONALVES, 2005)

    3.2 Empreendedorismo Social

    3.2.1 Resgate Histrico do Conceito

    O conceito de empreendedorismo social bastante novo, ainda muito abrangente e impreciso,

    mas aplica-se a um fenmeno cujas razes esto fincadas no florescimento do prprio sistema

    capitalista de produo, que a identificao do empreendedor como importante agenteeconmico.

    A figura do empreendedor apresentada pela primeira vez em meio transio do

    mercantilismo para o capitalismo, sob forte influncia do pensamento liberal em construo

    poca, na obra Ensaio sobre a Natureza do Comrcio em Geral de 1755, escrita pelo

    banqueiro e investidor internacional Richard Cantillon. As ideias expressas nessa obra

    ganharam destaque poca, sendo o prprio Cantillon considerado importante precursor deAdam Smith. Sob influncia de sua experincia como investidor internacional na busca de

    nichos para o desenvolvimento de negcios lucrativos em plena Revoluo Industrial,

    Cantillon descreve o empreendedor como o empresrio que assume riscos na busca de lucro,

    adquirindo insumos a um preo certo para revend-los a preos incertos. A predisposio para

    assumir riscos em condies de incerteza, associada capacidade de inovar procura de lucro

    so as caractersticas marcantes do empreendedor de Cantillon, e reforaram o iderio dos

    pensadores liberais da poca. (ROSAS, 2006; VEIGA, 2005b).

    Dentro da tradio liberal de Cantillon e sob forte influncia da obra de Adam Smith, A

    Riqueza das Naes, o economista e professor francs Jean-Baptiste Say reintroduziu a

    importncia da figura do empreendedor na obra Tratado de Economia Poltica, publicada

    em 1803. Naquela obra, ele descreve o empreendedor como um quarto fator de produo, to

    relevante quanto o capital, a terra e o trabalho. Para Say, o empreendedor tem papel essencial

    na dinmica de crescimento da economia, tendo como principal caracterstica a habilidade de

    reunir, planejar e combinar os diferentes meios de produo para oferecer novos bens. A

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    partir dessa abordagem, o termo Entrepreneurpassou a ser utilizado para designar pessoas

    que estimulavam o progresso econmico, buscando novas e diferentes formas de fazer as

    coisas. (SAY, 1803 apudROSAS, 2006; GOMES, 2005; DEES, 2001).

    A inovao como caracterstica fundamental do empreendedorismo volta a ser ressaltada pelo

    economista austraco Joseph Alois Schumpeter, a quem so atribudas a difuso e a

    consolidao da noo de empreendedorismo como motor do desenvolvimento econmico.

    Na obra Teoria do Desenvolvimento Econmico, publicada em 1911, Schumpeter prope

    que o funcionamento dos mercados capitalistas no determinado pelos fundamentos de

    equilbrio geral e mercados perfeitamente competitivos (DEES, 2001; GOMES, 2005;

    FILLION, s.d.). No modelo de Schumpeter, as inovaes introduzidas pelos empreendedoresrompem o equilbrio da economia e determinam a dinmica do capitalismo, definindo novos

    espaos econmicos. Essas inovaes podem ser de cinco tipos: (1) introduo de novos

    produtos ou servios, ou de novas qualidades a esses; (2) introduo de novas formas de

    produo; (3) abertura de novos mercados; (4) explorao de novas fontes de matria-prima

    ou novas formas de explorao; (5) reorganizao do mercado ou surgimento de novas formas

    de explorao comercial (BULL; WILLARD, 1993; SCHUMPETER, 1934 apudEHLERS,

    2003).

    Schumpeter prope que os empresrios empreendedores so os principais agentes da

    destruio criadora do capitalismo, na medida em que rompem com o equilbrio preexistente

    em mercados e em modelos organizacionais. Para isso, o empreendedor utiliza intensamente

    a criatividade e a intuio. Sua motivao resultado desejo de conquista e do prazer que

    decorre da criao e da realizao. (SCHUMPETER, 1976).

    Em 1921, na obra Risco, Lucro e Incerteza, o economista Frank Knight retoma as ideias de

    Cantillon, destacando o risco como principal caracterstica da ao empreendedora, em

    conjunto com a capacidade de antecipar mudanas e identificar oportunidades de negcios

    (EHLERS, 2003; ROSAS, 2006).

    Esses conceitos influenciaram a economia mundial ao longo do sculo XX, sobretudo no ps-

    guerra, quando a demanda por bens e servios foi intensificada e gerou aumento da produo

    e da competitividade. Desde Schumpeter e Knight, entretanto, no houve contribuies

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    relevantes quanto s relaes entre empreendedorismo e desenvolvimento econmico. Apenas

    em 1973, o professor norte-americano Israel M. Kirzner, filiado Escola Austraca de

    Economia, resgata o tema ao publicar a obra Empreendedorismo e Competitividade. De

    acordo com Kirzner, em mercados competitivos, o empreendedor identifica oportunidades de

    lucro aproveitando falhas de mercado. (EHLERS, 2003; ROSAS, 2006).

    Ao longo das dcadas de 1970 a 1990, os empreendedores passaram a ser investigados

    tambm no campo das cincias do comportamento. Sob influncia dos estudos realizados pelo

    psiclogo norte-americano David McClelland, psiclogos behavioristas desenvolveram

    inmeras pesquisas acerca das caractersticas de personalidade que diferenciam os

    empreendedores. No houve consenso sobre qual seria esse perfil e os resultados se

    mostraram contraditrios, pois h distintos tipos e categorias de empreendedores, os quais

    atuam em reas diversificadas que requerem atributos diferenciados (FILLION, s.d.).

    A falta de consenso sobre a funo empreendedora tambm no mbito das cincias

    econmicas ressaltada por Fillion:

    Vrios tentaram teorizar em torno do fenmeno, mas no existe ainda nenhuma teoria econmica

    sobre o empreendedor que rena consenso, nem modelo econmico que explique odesenvolvimento a partir da funo empreendedora, pois esta dificilmente quantificvel.

    (FILLION, s.d., p.5).

    Alm da falta de consenso na economia e na psicologia, o tema empreendedorismo comporta

    uma infinidade de definies e conceitos propostos por pesquisadores de diversos outros

    campos do conhecimento, que passaram a estudar o fenmeno, sobretudo a partir da dcada

    de 1990 (FILLION, s.d.; GOMES, 2005). No campo da gesto empresarial, por exemplo,

    Peter Drucker (1985) prope um conceito abrangente, descrevendo os empreendedores como

    agentes que identificam, reagem e exploram mudanas como oportunidades para a gerao de

    valor.

    3.2.2 O Empreendedorismo Social

    O crescente processo de excluso social em todo o mundo, agravado pelas recentes crises

    econmicas globais, evidencia a incapacidade dos governos para, isoladamente, lidar com as

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    grandes questes sociais. Esses fatores so grandes impulsores do surgimento e crescimento

    das organizaes do Terceiro Setor e do conceito e da prtica do empreendedorismo social

    (FISCHER, 2002; OLIVEIRA, 2004a).

    O empreendedorismo social emerge como uma dentre vrias propostas de enfrentamento

    pobreza e expresses da questo social face ao contexto da sociedade globalizada. Insere-se,

    portanto, em uma realidade paradoxal e complexa (OLIVEIRA, 2003). Pode ser entendido

    como o resultado de um conjunto de transformaes inter-relacionadas, ocorridas nas ltimas

    duas a trs dcadas e citadas por Albagli e Maciel (2002, p.2): o declnio dos nveis de

    emprego e a apologia do autoemprego, concomitantemente ascendncia da ideologia

    neoliberal de reduo do Estado; o aprofundamento do processo de globalizao e oacirramento da competio capitalista; o avano na organizao da sociedade civil e a maior

    presso pelo empoderamento de segmentos sociais excludos e regies marginalizadas.

    A figura do empreendedor social emerge, ento, como a liderana capaz de reunir recursos

    individuais, privados e coletivos para viabilizar o desenvolvimento e a implantao de

    solues aos problemas sociais crnicos:

    So pessoas que percebem onde h uma oportunidade para satisfazer algumas necessidades que o

    sistema social do Estado no vai ou no pode alcanar, e que captam coletivamente os recursos

    necessrios (geralmente pessoas, s vezes voluntrios, dinheiro e premissas) e os usam para fazer

    a diferena. (THOMPSON et al., 2000, apud JOHNSON, 2000, p.5).

    Dessa forma, sobretudo por volta da dcada de 1990, as definies acerca do comportamento

    empreendedor ou da funo empreendedora passam a ser transpostas da esfera das atividades

    econmicas e empresariais para a esfera das atividades sociais.

    Embora o termo Empreendedor Social tenha sido discutido e conceituado por diversos

    autores, de diferentes linhas de pensamento e campos do conhecimento, sua difuso

    atribuda a Bill Drayton, fundador e atual presidente da Ashoka.5 As caractersticas

    5Criada em 1980 pelo norte-americano Bill Drayton, a Ashoka uma organizao mundial, sem fins lucrativos,

    pioneira no campo da inovao social, trabalho e apoio aos empreendedores sociais. Est presente em mais de 60pases, dentre eles o Brasil, desde 1986. Disponvel em: Acesso em 03/08/2011.

  • 7/25/2019 Monica Bose Vc

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    sintetizadas por Drayton enfatizam uma combinao de pragmatismo, compromisso com

    resultados e viso de futuro para realizar transformaes sociais:

    O Empreendedor Social aponta tendncias e traz solues inovadoras para problemas sociais e

    ambientais, seja por enxergar um problema que ainda no reconhecido pela sociedade e/ou por

    v-lo por meio de uma perspectiva diferenciada. Por meio da sua atuao, ele (a) acelera o

    processo de mudanas e inspira outros atores a se engajarem em torno de uma causa comum.

    (ASHOKA, 2011)

    Na ltima dcada do sculo XX, a mobilizao de pessoas e organizaes em torno de

    questes socioambientais intensificou-se e adquiriu mais visibilidade, propiciando a

    identificao de traos comuns a tais iniciativas, inserindo-as no contexto do

    empreendedorismo social. Passaram a ser reconhecidos como empreendedores sociais as

    pessoas ou os grupos que identificam oportunidades para gerar mudanas sociais, com viso

    estratgica, aes inovadoras, efetividade de resultados e transparncia de gesto (FISCHER,

    2011; DEES, 2001).

    Para os empreendedores sociais, a misso social central e explcita. E obviamente, isso afeta a

    maneira como os empreendedores sociais percebem e avaliam as oportunidades. A criao central

    torna-se o impacto relativo misso e no a riqueza. Para os empreendedores sociais a riqueza apenas um meio para um determinado fim. (DEES, 2001, p.3).

    Com foco na criao de valor social de forma sustentada e de amplo impacto, filantropos,

    lderes comunitrios e ativistas passaram a ser considerados empreendedores pelo perfil de

    competncias e por sua atuao criativa e inovadora, semelhana dos empresrios que

    gestam negcios. A diferena entre o empreendedor social e o empreendedor clssico reside

    na proposio de valor, ou seja, na motivao coletiva e no valor social que orienta sua ao

    inovadora. Trata-se de uma forma de catalisar a transformao social, indo alm da promoo

    de pequenas mudanas no curto prazo, orientando o seu foco para os sistemas existentes,

    objetivando catalisar mudanas mais amplas no longo prazo. (ALVORD et al, 2002;

    VERNIS; IGLESIAS, 2010; FISCHER 2011).

    As empresas criadas por empreendedores s