MONGES À MESA: A vida em comunidade beneditina e a ... · segunda geração dos Annales, que a...

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Vanessa de Melo Lino MONGES À MESA: A vida em comunidade beneditina e a mentalidade monástica na Alta Idade Média pensadas através da alimentação Monografia de conclusão de curso apresentada ao Departamento de História da Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. Dr. Renan Frighetto Curitiba 2006

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Vanessa de Melo Lino

MONGES À MESA: A vida em comunidade beneditina e a mentalidade

monástica na Alta Idade Média pensadas através da alimentação

Monografia de conclusão de curso apresentada ao Departamento de História da Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. Dr. Renan Frighetto

Curitiba

2006

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SUMÁRIO

TÍTULO..................................................................................................................................1

INTRODUÇÃO......................................................................................................................1

1. AS ORIGENS DO MONACATO.....................................................................................3

2. A REGRA BENEDITINA E SEU AUTOR.....................................................................13

2.1. A Regra de São Bento..................................................................................13

2.2. Breve Biografia de São Bento......................................................................9

3. A ALIMENTAÇÃO E A COMUNIDADE BENEDITINA DA ALTA IDADE

MÉDIA....................................................................................................................................12

3.1. A alimentação nos primeiros séculos da Alta Idade Média....................12

3.2. A alimentação na Regra de São Bento......................................................14

Conclusão ...............................................................................................................................34

Referências Bibliográficas ....................................................................................................37

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RESUMO A pesquisa aqui apresentada teve como proposta principal discutir, essencialmente, a relação entre aspectos relacionados à alimentação monástica e a comunidade beneditina da Alta Idade Média. Tal abordagem tornou-se possível na medida em que a alimentação, dentro da historiografia, pode ser vista como uma estrutura inserida no campo da cultura material, conceito definido a partir da segunda geração dos Annales, por Braudel. Foi, portanto, a partir do período em que Peter Burke denominou como “a era de Barudel” que a alimentação passou a ocupar lugar significativo nas novas tendências historiográficas, dando margem a trabalhos de historiadores como Massimo Montanari, Jean Louis Flanfrin, Jean Paul Aron, entre outros. É dentro desse relativamente novo âmbito da história que tal pesquisa se insere, já que teve como foco principal a alimentação, porém procurando entendê-la dentro de um grupo social específico, partindo do pressuposto de que a alimentação, devidamente contextualizada, extravasa os limites da função biológica e passa a ter um significado cultural e social, ou seja, torna-se um objeto da história. Acreditamos que foi pertinente a análise de tal objeto, assim como de todos os comportamentos que o envolvem no interior de um cenóbio, pois pudemos compreender significativos aspectos da organização monástica beneditina e do pensamento religioso preponderante nesse espaço específico e recorte temporal. Palavras-chave: história da alimentação, monacato ocidental, Alta Idade Média

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TÍTULO

Monges à mesa: A vida em comunidade beneditina e a mentalidade monástica na

Alta Idade Média pensadas através da alimentação

INTRODUÇÃO

Há hoje uma relativa inclusão da história da mesa na historiografia, fazendo com que os

alimentos, e os elementos que com eles de alguma forma se relacionam, passem a ser objetos de

estudo com a devida atenção ao imaginário, ao simbólico, ás representações e ás diversas formas

de sociabilidade ativa. “Os estudos sobre a comida e a alimentação invadem as ciências

humanas, a partir da premissa que a formação do “gosto” alimentar não se dá, exclusivamente,

pelo seu aspecto nutricional e biológico. Alimentar-se é um ato nutricional, no entanto, comer é

um ato social1 pois constitui atitudes, ligadas aos usos, costumes, protocolos, condutas e

situações historicamente específicas.” (SANTOS, 2005, p. 12)

Certamente foi a partir do que se denomina como a “Era Braudel” (1956-1969), ou seja,

segunda geração dos Annales, que a História da Alimentação ganha fisionomia definitiva no

campo da pesquisa histórica. Isso porque Braudel trabalhou com o conceito de cultura material, o

qual contempla aspectos mais imediatos da sobrevivência humana como a comida, a habitação e

o vestuário.2

Em 1974, é lançada a coletânea “História: Novos Problemas, Novas Abordagens, Novos

Objetos” (Faire de I’Histoire), a qual inaugura novos paradigmas à História. Seus organizadores,

Jacques Le Goff e Pierre Nora, representantes de uma “Nova História”, defendem a validade de

variados tipos de produção histórica. A partir de então, o comer, aquele que come e o que se

come tornam-se objetos em potencial pra a pesquisa histórica.

A pesquisa aqui proposta, qual seja, tratar da alimentação evidenciando sua relação com a

comunidade monástica beneditina do século VI, insere-se na discussão acima mencionada porque

ao definir a alimentação como objeto, optamos por trabalhar com esta linha histórica recente na

qual observamos, novas problemáticas, novas fontes, novas abordagens e, finalmente novos

objetos históricos. Sobre a “cozinha” como objeto nos fala Jean–Paul Aron:

1 Sobre as sociabilidades em torno da mesa ler: ALTHOFF, G. Comer compromete: refeições, banquetes e festas. In: In: FLANDRIN, J. L.; MONTANARI, M. (Orgs.). História da Alimentação. São Paulo: Estação Liberdade, 1998. 2 Ver: SOLER, J. As Razões da Bíblia: regras alimentares hebraicas. In: FLANDRIN, J. L.; MONTANARI, M. (Orgs.). História da Alimentação. São Paulo: Estação Liberdade, 1998. p. 13.

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Entre os componentes da existência material, não é ela a única, ou mais ou menos, a nascer da necessidade (a alimentação) para aceder às produções preciosas da cultura e da arte (a gastronomia) ? O que é bastante, seguramente, para regrar os pudores; a mesa como as nações e as igrejas, não conheceu seus fastos e suas idades de ouro? Porém, sobretudo, convida a uma profunda mutação metodológica. Quanto à cozinha, com efeito, o documentos nos diz, ao mesmo tempo, tudo e nada. (...) Objeto que deve ser abordado sob uma nova ótica (...) que não nos promete senão o que nos dá, que o saber que aprendemos dele envolve, numa síntese única, sua evidência e suas sombras. (ARON, 1976, p.161)

Existem atualmente significativos trabalhos focalizando a alimentação sob uma

perspectiva histórica, no entanto, a proposta apresentada por este trabalho pode ser considerada

como algo relativamente novo. É nesse sentido que minha pesquisa torna-se relevante, já que

apresenta uma abordagem ainda não trabalhada especificamente, apontando a relação entre o

alimento e o pensamento monástico, em uma sociedade determinada.

O objeto de pesquisa é certamente a alimentação –– percebendo esta como uma estrutura

material que envolve desde a produção (como o cultivo), preparo (relativo ao trabalho da

cozinha) e degustação (momento da efetiva alimentação) – no entanto, dentro de um contexto

determinado, de um grupo social específico – os monges medievais beneditinos. A problemática

consiste, em se compreender como a alimentação e comportamentos que a envolvem podem

apontar para alguns aspectos interessantes da comunidade monástica, como sua organização

interna, mas fundamentalmente, para o próprio pensamento monástico da Alta Idade Média. Em

última instância, este trabalho pretende demonstrar a possibilidade de se fazer uma relação entre

algo concreto, a alimentação, com algo mais subjetivo, que poderíamos chamar de um

pensamento ideal.

A fonte utilizada para a realização desse trabalho, a Regra de São Bento, torna-se

pertinente, na medida em que apresenta a regulação não só da alimentação, mas também do

tempo, espaço, e até mesmo de como se deve ser os pensamentos dos monges. A proposta,

portanto, é fazer a relação entre os capítulos que se referem à alimentação, e outros elementos

presentes na própria fonte e na bibliografia selecionada.

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1. AS ORIGENS DO MONACATO

Para uma melhor compreensão da importância do regime monástico, assim como de uma

Regra monástica no contexto da Alta Idade Média3, faz-se necessário um entendimento sobre o

surgimento e desenvolvimento do monacato religioso nesse período. De acordo com Ramon Teja

o homem dos primeiros séculos tinha como uma de suas características a forte religiosidade, “y la

religión invadia todas las esferas de su vida, de sus ideas y de sus sentimentos.”.(TEJA, 1999,

p.51) No entanto, o cristianismo ainda era uma religião nascente e as manifestação religiosas

eram das mais diversas. A impossibilidade de se explicar o mundo através da ciência certamente

contribuiu para o enriquecimento das crenças religiosas, mágicas e sobrenaturais, não só nesse

período, mas também durante toda a era medieval. O início da Idade Média é marcado pelo

desenvolvimento, difusão e fortalecimento da Igreja Católica. O monasticismo, em paralelo, é

uma instituição que veio a contribuir para uma modelação da mentalidade medieval conforme os

fundamentos religiosos cristãos.

Na visão de Colombas, qualquer tipo de monacato cristão teve como inspiração

primordial a própria vida de Jesus Cristo, sendo assim, a Bíblia Sagrada poderia ser considerada a

primeira Regra monástica, e Jesus, o primeiro modelo de vida perfeita.

La vida monástica no pretende ser otra cosa sino la realización de los consejos evangélicos, la imitación de Jesucristo. Porque el Señor no solo aconseja la renuncia, sino que invita a seguirle: “Ven y sígueme.” Jesús vivió castamente, pobremente; oro en la soledad de los montes, ayunó en el desierto, lucho contra el diablo, cumplió in césar la voluntad de su Padre, practicó personalmente el desprendimiento absoluto que exige a sus más íntimos discípulos. (...) Esta renuncia alcanzó en la cruz el máximo grado de perfección. Los monjes no quieren sino seguir el sublime ejemplo del Señor. (COLOMBAS, 1954, p.7)

As primeiras manifestações monásticas cristãs surgem no Egito, na segunda metade do

século III, tendo como representantes os anacoretas, os quais se espalharam do Oriente ao

Ocidente a partir, principalmente, do século IV. A palavra “anacoreta”, em sua origem, dizia

respeito às pessoas que fugiam ao deserto por variados motivos, entre eles: por crimes cometidos,

3 Cabe mencionar que optamos por utilizar a denominação Alta Idade Média, e não Antiguidade Tardia como a historiografia recente tem sugerido, por um motivo bastante simples: o monacato consagrou-se como uma instituição tradicionalmente medieval. Essa pesquisa tem como propósito analisar uma das primeiras Regras Monásticas, a de São Bento, portanto o monacato em seu princípio e não no seu auge, contudo tal tema está intrinsecamente ligado ás bases da formação das características medievais. Certamente o período aqui analisado é um momento histórico de transição, no entanto, o monacato, nessa fase, é um elemento que fortalecerá a formação do pensamento medieval cristão, tendo uma relação mais direta com este período do que com a Antiguidade.

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dívidas ao fisco ou que sofriam qualquer outro tipo de perseguição. A partir de Santo Antão4

(256-356), consagrado – através da biografia escrita por Santo Atanásio por volta de 360 – como

fundador da vida anacoreta no Egito, o anacoretismo passa a ganhar um novo significado na

história: o espiritual.5

Tais manifestações ascéticas marcam, inicialmente, uma forma de protesto não só contra o

mundo externo, mas também contra a organização eclesiástica imperante. Os anacoretas optavam

por uma busca direta de Deus nos desertos, sem intermediários de nenhum tipo, incluindo os

representantes tradicionais da Igreja. Portanto, inicialmente, essa maneira de se viver a

religiosidade representou um perigo para a Igreja, que via tal independência com certa

desconfiança.6 Com o passar do tempo e com a constatação do prestígio desses anacoretas, que se

multiplicavam atraindo cada vez mais adeptos, a Igreja passa a ver nesse modo de vida um aliado

na disseminação do cristianismo. Percebemos isso no próprio trabalho realizado por Santo

Atanásio, que além de biógrafo de S. Antão, era também bispo, portanto membro do Alto Clero,

e tornou-se grande “propagandista” do ideal monástico através de sues escritos.

Observamos que o modo de vida anacoreta priorizava a individualidade, sendo a salvação

o resultado de um sacrifício pessoal e do isolamento total. No entanto, sendo também um pólo de

atração de pessoas em grande número, sobretudo no século IV, a coletividade passou a ser

praticamente inevitável. É nesse contexto que surge a figura de São Pacomio, o qual procura

organizar e sistematizar a vida monástica em comunidade, tendo nessa iniciativa seu grande

mérito e importância histórica. Por volta de 320 S. Pacomio funda sua primeira comunidade em

Tabenese,7 no Alto Egito e a esta se seguiram um total de nove comunidades, incluindo uma

4 Encontramos também o nome Santo Antônio fazendo referência a mesma pessoa. 5 “El hablar de Antonio (Antão) como ‘padre del monacato cristiano’ en su forma anacorética no quiere decir que fuese el primer anacoreta – su mismo biógrafo señala que cuando recibió la llamada divina optó por imitar a otros anacoretas ancianos –, ni que desarrollara personalmente una labor de difusión y predicación del anacoretismo. Significa únicamente que, desde el punto de vista histórico, se convirtió en un símbolo de esta primera forma de monacato por la enorme popularidad que en la segunda mitad del siglo IV alcanzó su biografía escrita por Atanasio y que, debido a su gran longevidad, su vida coincidió con la época en que el anacoretismo se convirtió en un fenómeno de masa en Egipto y en otros países”.(TEJA, 1999, p.152) 6 “No resulta, por tanto, extraño, que el anacoretismo y otras formas de monacato fueran vistas, como más adelante veremos, con recelo e incluso con abierta hostilidad durante mucho tiempo por las autoridades eclesiásticas y las civiles.”(TEJA, 1999, p. 154) 7 “Fechado por um cinto de muralhas, o mosteiro pacomiano compreendia além da capela e de dependências, uma série de casas reunindo uns vinte monges sob a autoridade de um preposto assistido por um auxiliar, três ou quatro casas formavam uma tribo, o conjunto obedecendo ao superior que, com seu assistente, assegurava a direção espiritual da comunidade e o bom andamento dos serviços gerais, necessariamente bem desenvolvidos (padaria, cozinha, enfermaria, etc.), para o bom funcionamento dos quais as diversas casas delegavam cada semana o número necessário de monges.” (MARROU; ANIÉLOU, 1973, p. 283)

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composta apenas de mulheres. Certamente. A Regra de S. Pacomio foi a precursora da vida

monástica comum, sendo considerada a primeira Regra cenobita propriamente dita8, e,

certamente, influenciou em grande medida a obra de São Bento. As comunidades monásticas

pacomianas, principalmente pela ênfase dada à vida em comunidade, tornaram-se unidades

econômicas independentes, mas também unidades de disseminação de aspectos culturais e

religiosos específicos. Nesse sentido, o monasticismo passa também a ser uma forma de

identidade social.9

A integração definitiva do monacato nas estruturas eclesiásticas vigentes se deu sob a

influência de São Basílio de Cesárea. Este pertencia à aristocracia helenizada e cristianizada da

Ásia Menor. Teve um contato direto com o monasticismo pacomiano no Egito e no Oriente,

tornando-se, inicialmente, um monge dessa ordem. Colombas o descreve como um defensor da

vida em comunidade em detrimento da vida isolada do eremitismo. Para esse autor, São Basílio

“há criticado sutilmente la vida eremítica y la há juzgado inferior a la cenobítica, incluso la

teoría; ante todo, precisamente porque no permite la prática de todos los preceptos, em especial

del precepto por antonomasia: el de caridad fraterna.”(COLOMBAS, 1954, p. 22) Atribui-se a

sua autoria duas regras, escritas por volta de 370, quando se torna bispo de Cesárea, mantendo, a

partir de então, um papel muito ativo na sociedade até o fim da sua vida.

O cristianismo se configurou, desde suas origens, como uma religião urbana que se

integrou fundamentalmente nos aglomerados citadinos. Em contrapartida, o anacoretismo e o

monacato primitivo serão grandes difusores da religião cristã nos lugares mais afastados dos

centros urbanos do Egito, já que um dos seus pressupostos é a ruptura total com o mundo “y com

sus esquemas de valores basados em la civilización urbana y que em gran medida habían sido

asimilados por el cristianismo oficial.”(TEJA, 1999, p.153) Se pensarmos que nesse período se

iniciava o processo de ruralização que resultará em uma economia predominantemente agrícola

na Idade Média podemos entender a importância da difusão de uma mentalidade cristã nesses

espaços realizada fundamentalmente pelos monastérios instalados em regiões campesinas. 8 “(…) la obra de San Pacomio resultó, en el seno de monaquismo, una verdadera revolución. Por vez primera se vieron los monjes obligados a obedecer a una regla y a toda una jerarquía de superiores, a vivir en el recinto de un cenobio, a salmodiar en común, a trabajar en común, a sentarse a la mesa común, a ser corregidos y castigados al tenor de un código penal, a hacerlo todo a las horas prescritas. Era un hecho completamente nuevo y de capital importancia en la historia del monacato cristiano.” (COLOMBAS, 1954, p. 19) 9 “(…) en los monasterios se reunían elementos de la sociedad egipcia que habían sido rechazados durante siglos y habían sido marginados de la sociedad imperial helenístico-romana; en ellos se encontraba una nueva identidad social. Aquí esta uno de los elementos principales del inesperado éxito de la vida cenobítica a comienzos de la Antigüedad tardía…” (TEJA, 1999, p. 161)

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Certamente, o Oriente é a pátria do monasticismo, no entanto, rapidamente esse tipo de

manifestação religiosa passa a ser um elemento presente também em todo o Ocidente. O

monacato ocidental tem como primeira referência a figura de São Martin, em meados do século

IV. Sua importância equivale, para o lado ocidental, ao significado histórico de Santo Antão para

o Oriente. “ (...) el êxito de la Vita Martini, de Sulpicio Severo, es comparable al de la Vita

Antonii, de San Atanasio.”(COLOMBAS, 1954, p. 24). Contudo, é difícil saber como exatamente

se deu o desenvolvimento do monacato italiano. De acordo com Colombas, o primeiro contato

com o monacato oriental aconteceu em 341, quando da visita de São Atanásio a Roma. Por volta

de 380, um monge advindo do Oriente, São Jerônimo, amplia a curiosidade e o interesse pela

vida cenobítica no Ocidente.

A Regra de São Bento, escrita em meados do século VI, é considerada a primeira Regra

monástica Ocidental, contudo encontra grande inspiração nos precursores do monacato dos

séculos anteriores. Portanto, a Regra Beneditina certamente não foi a primeira norma monástica a

surgir, mas a importância atribuída a ela, principalmente pelo “papa monge” São Gregório

Magno, faz com que São Bento passe a ser denominado como “pai do monacato ocidental” até os

dias de hoje.

Os primeiros séculos da Idade Média são marcados pela indeterminação das fronteiras e

civilizações, por guerras e governos instáveis. As sucessivas “invasões bárbaras” eram ainda uma

constante tanto no Ocidente como no Oriente. A união do Império já não se configurava: “Assim,

neste princípio do século VI, isto é, cem anos depois do começo das Grandes Invasões Bárbaras,

o Ocidente está dividido em vários Estados Germânicos: o dos Vândalos em África, o dos

Visigodos em Espanha e o dos Ostrogodos na Itália, o dos Francos e dos Burgúndios na Gália,

os dos Anglo-Saxões na Bretanha Romana, que nesta altura, adquire o nome de Inglaterra.”

(RICHÉ, 1980, pp. 81 e 82)

A convivência entre romanos e germanos, hora pacífica, hora conflituosa, gerava uma

nova cultura híbrida nascente. A cultura romana, aristocrática e mundana, passa a correr o risco

de desaparecer com a classe social que ainda a sustenta. O papel da Igreja, nesse contexto

culturalmente conturbado, é disseminar a cultura cristã, gerando uma força unificadora. A partir

de São Basílio, a Igreja e o monacato passam a ser aliados nesse propósito.

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Para reagir a esta cultura, que considera anacrônica e já inadaptada às exigências da época,10 uma parte do clero, influenciada pelos monges, cada vez mais numerosos no Ocidente, procura abrir escolas, unicamente religiosas, escolas paroquiais, episcopais, onde se adquire uma ascética arte de viver e uma cultura religiosa semelhantes ás dos mosteiros. Assim, na época em que o Abade Benedito de Núrsia organiza um mosteiro do Monte Casino, o bispo de Arles Césaire, abre escolas paróquias e faz da sua casa episcopal um verdadeiro centro de formação religiosa. (RICHÉ, 1980, p.85)

Esta citação de Riché, nos deixa evidente a importância do monacato no contexto em que

ele surge e se dissemina. Portanto, mesmo que sem intenção declarada, o monacato beneditino,

assim como o primitivo, acabam assumindo um papel, junto à Igreja, de propagar uma “perfeita”

vida cristã.

2. A REGRA BENEDITINA E SEU AUTOR

A Regra de São Bento

Uma regra monástica não pode ser considerada uma obra literária em si,11 pois consiste

em uma compilação de normas que devem ser seguidas inquestionavelmente dento de um

cenóbio, ou como alguns autores preferem denominar, em uma comunidade de vida perfeita.

Podemos pensar que se assemelha a um código legislativo interno de um mosteiro.

Não é possível datar com exatidão o ano em que a Regra de S. Bento foi redigida, mas se

sabe que foi, muito provavelmente entre 530 e 560, sendo finalizada em Monte Cassino, mais

conhecido mosteiro fundado por S. Bento. Essa pesquisa baseia-se fundamentalmente em duas

traduções da Regra beneditina. A primeira é uma edição castelhana de 1979, traduzida por Inaki

Aranguren (monge cisterciense). Consideramos-na uma tradução atual, no entanto muito fiel a

original. Contém uma ótima introdução e comentários feitos por Garcia M. Colombás (monge

beneditino), que, apesar da formação religiosa, observamos que se fundamenta solidamente em

métodos da Historia, apoiando-se em uma vasta bibliografia sobre S. Bento e sobre sua regra

propriamente dita. Na introdução, portanto, é possível encontrar informações muito específicas

sobre S. Bento (retiradas principalmente do livro segundo dos Diálogos de São Gregorio Magno)

10 Entenda-se: cultura romana. 11 “Un texto literario-o que aspira a serlo- es la creación de un autor, le pertenece. Una regla monástica forma parte de una especie de propiedad comunal, pertenece al mundo de los ascetas, al igual que los otros textos estrictamente monásticos.” (COLOMBAS, 1979)

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sobre a escrita da regra, suas características, sua originalidade e autenticidade, suas fontes

(influências de S. Bento como S. Pacomio, S. Agostinho e Cassiano), e até mesmo debates

historiográficos nos quais observamos estudos comparativos da Regra de São Bento e outras

regras monásticas.

A segunda tradução utilizada nessa pesquisa foi adquirida no Mosteiro da Ressurreição,

instituição beneditina localizada na região de Ponta Grossa. È uma tradução muito atual do latim

para o português, realizada por D. João Evangelista Enout, monge da Ordem de São Bento do Rio

de Janeiro. O que chama a atenção nessa edição são as notas do tradutor, que completam variadas

informações sugeridas na própria Regra.

Segundo Colombás, a Regra de S. Bento é um texto legislativo e, ao mesmo tempo,

espiritual, sendo composta de um prólogo e setenta e três capítulos, o último dos quais se

considera um epílogo. O Prólogo e os sete primeiros capítulos formariam uma seção em que o

caráter espiritual e a índole ascética são aspectos mais evidentes. Do capitulo 8 até o 66 se

destaca um caráter institucional e disciplinador, ou seja, mais prático. São principalmente em

alguns desses capítulos que encontraremos o maior número de informações sobre o ideal da

alimentação monástica e os ritos que o envolvem.

Os capítulos restantes formam um tipo de apêndice, tratando de diversos assuntos, mas

insistindo no tema das relações fraternas. Finalmente, o epílogo, reapresentando e finalizando a

Regra. É importante mencionar que mesmo se fazendo essa divisão da fonte em partes mais

homogêneas, os capítulos relacionam-se muito intimamente entre si, já que são permeados por

valores espirituais muito determinados e fortes do período e desse grupo social em especifico.

Optamos por trabalhar com essa fonte primeiramente porque entre as regras que mais nos

são conhecidas, como a Regra de Santo Isidoro e de São Fructuoso, é a que contém um maior

numero de capítulos referentes às normas alimentares, maneiras de se portar à mesa e

funcionamento da cozinha cenobitica. Em segundo lugar, é, certamente, uma das regras mais

difundidas nos mosteiros do mundo todo. O imperador Luis, o Pio, prescreveu a Regra

beneditina, como modelo exclusivo de observância monástica do Império Carolíngio por volta do

século IX. Em muitos mosteiros dos séculos seguintes foi decretada como regra única já que

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antes disso costumava-se mesclar regras de autores diferentes na orientação monástica de certas

instituições12.

Contudo, para uma análise mais profunda sobre o tema, apoiar-nos-emos parcialmente em

outras duas fontes. A primeira consiste no livro segundo dos Diálogos de São Gregório Magno,

intitulado Vida e Milagres de São Bento13 e escrito quase meio século após a morte de S. Bento e

a segunda é a própria Bíblia Sagrada, pois S. Bento usa muitas citações da escritura em sua

Regra, as quais analisaremos mais detalhadamente, procurando entender as intenções do “pai dos

monges ocidentais” ao utilizá-las.

Breve biografia de São Bento

Tudo que se sabe atualmente sobre São Bento se deve fundamentalmente a dois

documentos: os Diálogos14, de autoria do papa São Gregório Magno, escrito por volta de 593, e a

regra monástica beneditina que o próprio São Bento escreveu entre os anos de 530 e 560.

Provavelmente São Bento nasceu por volta do ano de 480,15 em Núrsia, na Itália. De

acordo com Colombás, essa região já se encontrava inserida solidamente na tradição cristã.

Núrsia era também uma região muito montanhosa, e por isso, recebia muitos eremitas que

optavam por viver no isolamento proporcionado pela geografia dos vales e montanhas. Podemos

pensar, portanto, que já a partir dos seus primeiros anos de vida, São Bento teve um forte contato

com as duas linhas de pensamento que definiram sua vida mais tarde, o cristianismo e o

eremetismo (que se transformou, com o passar do tempo, no monasticismo ocidental).

Constata-se, através do texto gregoriano, que S. Bento foi enviado a Roma, a fim de

finalizar seus estudos quando tinha aproximadamente 17 anos, na época do governo de Teodorico

(492-535), o que comprova que sua família mantinha boas condições econômicas, já que o envio

12 Na Gália do século VII a regra de São Bento é mencionada em conjução com a Regra céltica de São Columbano como guia para a vida cenobítica. Essa “Regra mista” persistiu nas abadias francas até os anos de 816 e 817. (LOYN, s.d., p. 46) 13 Essa obra possui um formato literário denominado diálogo pois consiste na transcrição de uma “conversa” entre S. Gregório e seu discípulo e interlocutor Pedro. 14 O segundo livro dos Diálogos é todo dedicado à vida e aos milagres de São Bento. 15 “Resultaría trabajo perdido buscar en la narración gregoriana la más leve indicación cronológica; sólo la tradición ha fijado, con bastante pro validad, la fecha del nacimiento de San Benito hacia el año 480.” ( COLOMBAS, 1954, p. 44)

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dos filhos à capital era um privilégio das famílias mais abastadas.16 “Oriundo de nobre estirpe da

província de Núrsia, fora encaminhado a Roma para o estudo das belas letras.”(MAGNO, São.

1986,p. 31),

Podemos concluir também que a família de São Bento já vivia sob as normas da moral

cristã, pois sua irmã, Santa Escolástica, também se tornou uma mulher de religiosidade

indiscutível.

A formação escolar romana se dividia em duas etapas essenciais: a escola primária e a

superior. “En la primera dominaba la gramática, es decir la lectura y comentario de los

clásicos; en la segunda, los alumnos se aplicaban ante todo al estudio y ejercicio de la retórica,

y acaso se entregaban luego a estudios especiales de derecho e filosofía.”(COLOMBAS, 1954,

p.49) Como era costume ingressar no ensino superior por volta dos dezessete anos, se presume

que S. Bento já havia cursado a gramática na sua cidade natal. A retórica, portanto, foi a principal

formação de S. Bento em Roma, era, sobretudo, a escola da eloqüência, a qual ensinava

principalmente a discursar e persuadir. Esses conhecimentos adquiridos na sua formação

certamente se fazem presentes em muitas passagens de sua Regra, principalmente no prólogo.

Colombas relata que o texto Gregoriano nos deixa claro que S. Bento não terminou seus

estudos, optou pela vida ascética religiosa antes disso, deixando uma promissora vida de honras

intelectuais a favor de uma vida sem pecados.17 Supõe-se que S. Bento então se encontrava com

28 anos quando resolveu renunciar à vida mundana da capital e tornar-se um eremita.

El joven comprendió que la vida de estudiante, lejos del hogar, en medio de una ciudad populosa y corrompida, estaba erizada de peligros morales; cada día podía ver cómo sus camaradas sucumbían al torbellino de las pasiones, y tuvo miedo. Al mismo tiempo su espíritu reflexivo le llevaba a considerar la inanidad de la vida mundana. He ahí la génesis de una determinación magnánima: renunciar a su porvenir en el mundo, abandonando los estudios y la soledad para abrazar en la austera vida eremítica. (COLOMBÀS, 1954, p. 49)

O primeiro contato de São Bento com a vida monástica se deu em Subiaco, onde ele

instalou-se em uma gruta de suas proximidades a fim de viver em isolamento. Ali conheceu

Romão (ou Romano, como denomina S. Gregório), monge de um mosteiro vizinho, do abade

Adeoato, que ao que parece, vivia sob as normas de São Pacomio. Isolado nessa região, S. Bento

16 “(…) la fama de las escuelas romanas permaneció intacta, y de todos los rincones de Italia, de Africa y de las Galias, afluían e ellas números estudiantes pertenecientes a las mejores familias.” ( COLOMBAS, 1954, p. 47) 17 “Desprezando pois tais estudos, deixou a casa e os bens paternos, e, no desejo de agradar somente a deus, procurou o santo hábito do monaquismo”. (MAGNO, São. 1986, p. 31)

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viveu três anos de sua vida, recebendo apenas a visita de alguns curiosos e do irmão Romão, o

qual lhe levava alimento para sua sobrevivência.18 Segundo consta nos Diálogos, Gregório atribui

a esse momento da vida de São Bento, o alcance da verdadeira perfeição. Afirma que S. Bento foi

um autodidata da perfeição divina, pois chegou a ela sem o intermédio de nenhum mestre. “(...)

de todo el conjunto de la relación gregoriana – y ésta es sin duda la impresión que pretendía

causar el biógrafo – se desprende que San Benito fue un teodidacto: en su soledad absoluta,

precisamente al principio de su vida monástica, no tuvo otro maestro de novicios ni otro guía

espiritual que al mismo Espíritu Santo.” (COLOMBAS, p. 51)

Após esse três anos de reclusão São Bento funda uma espécie de ordenação monástica na

região de Subiaco, porém ao que indica o texto gregoriano, sob as normas da regra pacomiana.

Isso porque ao longo desse período muitos homens passaram a viver próximo á gruta na qual ele

se encontrava, chegando a formar uma espécie de colônia eremita ao seu redor. O texto

gregoriano afirma que apenas por insistência destes S. Bento decide então organizar esse grupo

em doze pequenas casas de madeira, orientadas cada qual por um monge superior (um abade) e

nas quais habitavam pequenos grupos de monges. S. Bento era o abade maior de todas essas

unidades monásticas e ali viveu por muitos anos. Quando este atingiu aproximadamente 50 anos,

mais ou menos por volta do ano de 529, resolveu retirar-se a fim de redigir sua própria regra, pois

segundo S. Gregório, a regra de S. Pacomio já não o satisfazia plenamente.

S. Bento se dirigiu então para uma região entre Roma e Nápoles, na qual fundou o

conhecido mosteiro de Monte Cassino, mosteiro precursor no que se refere à obediência à Regra

beneditina. Sua construção se deu sobre um antigo templo pagão, no alto de uma montanha de

519 metros de altitude, no centro de uma pequena vila que ali já estava estabelecida.

(...) El templo pagano fue transformado en oratorio, que se dedico al más ilustre de los monjes occidentales, San Martín de Tours; donde se levantaba el ara, en la cúspide de la montaña, se construyó otro oratorio en honor de San Juan Bautista, el gran modelo de vida ascética (c.8). Los monjes celebraban sus oficios en la pequeña basílica de San Martín; acaso la capilla de San Juan Bautista fue reservada a los fieles. San Benito escogió para habitación propia el piso superior de una torre que dominaba todos los otros edificios. Frente a la torre se extendía el dormitorio de los monjes (c. 35). A lo que parece, el refectorio se hallaba situado junto al dormitorio, mientras la hospedaría se levantaba entre la puerta de entrada y el monasterio propiamente dicho. Todo el recinto estaba rodeado por una muralla flanqueada de varias torres y con una sola puerta de

18 “Não havia caminho do mosteiro de Romano à gruta, por causa de alto rochedo que em cima da gruta fazia Saliência; mas Romano, do alto dessa pedra, costumava fazer descer o pão pendurado a uma corda comprida a que prendera uma campanhia para que o homem de Deus, ao ouvir-lhe o toque, soubesse que era hora de baixar o alimento, e saísse a tomá-lo.” (MAGNO, São. 1986, p. 34)

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acceso . Si bien no estemos bastante informados sobre las proporciones del conjunto del monasterio, de la lectura de los Diálogos parece colegirse que los trabajos de construcción fueron mucho más considerables que en Subiaco. Montecasino fue, sin duda, desde los orígenes, un monasterio importante.” (COLOMBAS, 1954, p. 56)

A evidente diferenciação entre Monte Cassino e o mosteiro de Subiaco, certamente foi a

disposição da estrutura do mosteiro, assim como a Regra monástica orientadora. Enquanto a

organização monástica em Subiaco se deu pela construção de 12 pequenas casas regidas, muito

provavelmente, pela Regra pacomiana, em Monte Cassino, pela primeira vez, todos os monges

beneditinos habitavam um mesmo prédio, apenas com dormitórios separados, sob as normas da

recém finalizada Regra beneditina.

Segundo consta nos Diálogos, antes de sua morte (por volta de 547), São Bento ainda foi

responsável pela fundação de mais um mosteiro, em Terracina, e ainda não se exclui a

possibilidade de outros mosteiros também terem sido fundado pelo “hombre de Dios” nesse

período. É principalmente pela ampla aceitação de sua Regra monástica nos mosteiros ocidentais

da Idade Média que São Bento foi considerado o “pai, ou patriarca, do monacato ocidental” e

assim ainda é denominado até os dias de hoje.

3. A ALIMENTAÇÃO E A COMUNIDADE MONÁSTICA BENEDITINA DA ALTA

IDADE MÉDIA

A alimentação nos primeiros séculos da Alta Idade Média

O sistema alimentício da Alta Idade Média pode ser definido como “agro-silvo-

pastoril”.19 Podemos pensar tal sistema como o resultado de uma cultura híbrida nascente, já que

a agricultura e a criação de animais são elementos característicos da cultura romana, porém a

exploração silvestre e de “terras incultas” são componentes da cultura “bárbara”. Essa relativa

junção de aspectos culturais romanos e germânicos é significativa no que se refere à alimentação

nesse período.

O pão, o vinho e o azeite, alimentos produzidos então no antigo Império Romano, no

entanto, também muito consumidos na Alta Idade Média, simbolizam, por um lado, a vitória da

19 Ver: MONTANARI, M. Estruturas de produção e sistemas alimentares. In: FLANDRIN, J. L.; MONTANARI, M. (Orgs.). História da Alimentação. São Paulo: Estação Liberdade, 1998.

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civilização sobre a barbárie, e, ideologicamente, simbolizam da mesma forma a vitória do

cristianismo sobre o paganismo.

(...) se o pão, o vinho e, de certo modo, óleo voltam à moda na Europa medieval, isso se deve, também, á afirmação do cristianismo como a religião oficial do império; sua vitória progressiva – ora pacífica, ora violenta – sobre as crenças ancestrais dos povos germânicas tem um papel decisivo na promoção cultural desses produtos e na generalização do seu uso. Graças, principalmente, ao desenvolvimento de áreas agrícolas em detrimento de florestas e as pastagens naturais. É evidente que, no plano dos valores alimentares, o cristianismo é o verdadeiro herdeiro do mundo romano e de suas tradições. O pão, o vinho, e o óleo – que de certo modo simbolizam o modelo mediterrâneo – tornaram-se sagrados pela liturgia cristã. São instrumentos indispensáveis para o trabalho dos pregadores da nova fé. (MONTANARI, 1998, pg. 280)

Mas ao mesmo tempo, torna-se evidente o fenômeno oposto, no qual atividades como a

caça, a pesca, a criação de animais em semiliberdade e a coleta, aspectos característicos da

cultura e mentalidade bárbara, são elementos também muito presentes durante o início da Idade

Média. “Dessa forma, assiste-se à emergência de um novo sistema de produção e de consumo,

baseado na combinação e no apoio recíproco entre economia agrária e silvo-pastoril. A

alimentação caracteriza-se então pela variedade de recursos e dos produtos consumidos (. ..)”

(MONTANARI, 1998, p. 281)

Segundo Montanari, no período aqui analisado há uma interdependência direta entre

produção e consumo dos alimentos. Isso porque o mercado baseava-se essencialmente no

comércio de produtos de luxo, incomuns na mesa do camponês, como as especiarias. Era então

dos sistemas de produção pastoril e agrícola que dependia a alimentação cotidiana dos povos que

viviam nesse período. Os campos forneciam fundamentalmente cereais, no entanto aqui há uma

ruptura com a cultura romana que favorecia o cultivo do trigo. Nos primeiros séculos da Alta

Idade Média há uma preferência pelo cultivo de cereais considerados inferiores, como centeio,

aveia, espelta, cevada, milhete e sorgo. Essa inovação quanto ao tipo de cereal cultivado pode ser

interpretada como um sinal que expressa um sistema baseado nas necessidades mais imediatas de

consumo direto, pois esses cereais acima mencionados exigiam menos cuidados e eram mais

rentáveis que o trigo.

As leguminosas (como fava, feijão e grão de bico), os legumes (como nabos, couves,

cebola, alho), hortaliças (como alface, chicória e acelga), ervas e raízes (como cenoura, funcho e

rabanete) consistiam em complementos fundamentais aos cereais na mesa da Alta Idade Média.

Esses alimentos eram cultivados principalmente em hortas particulares, no campo e nas cidades, e

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sua importância provém do fato de que, ao contrário das outras terras cultivadas, a horta é um

espaço sobre o qual o proprietário não pode exigir qualquer tipo de tributo ou parte da produção.

Quanto à criação de animais Montanari destaca que se dava preferência aos porcos, que

forneciam a carne, e as cabras e carneiros, dos quais se retirava essencialmente o leite e a lã. O

gado servia fundamentalmente ao trabalho no campo, mas há indícios arqueológicos que

comprovam a presença da carne bovina, mesmo que em menor número, também à mesa dos

camponeses. A caça passava nesse período por um processo de aristocratização, no entanto foi

apenas no século IX que essa atividade passa a ser um privilégio exclusivo da nobreza. A pesca

era uma atividade livre e muito comum, todavia, de maneira geral, o peixe é menos apreciado que

a carne vermelha. Montanari associa essa idéia ao fato de existir uma evidente prevalência do

peixe na cozinha dos mosteiros, pois abrir mão das “delícias” da carne vermelha era considerado

também uma forma de penitência (discutiremos esse assunto mais profundamente no decorrer

dessa pesquisa.) O leite era consumido em forma de queijo. Nesse período considerava-se o fato

de se tomar leite puro algo associado à barbárie.

A civilização da alta Idade Média é também marcada pelo triunfo do vinho – cultura

romana – em detrimento da cerveja – cultura germânica. O consumo do vinho está intimamente

associado à sacralização dessa bebida, ou seja, o vinho torna-se a bebida cristianizada por

excelência, portanto o costume de se tomar vinho estende-se a toda Europa cristã. Contudo

Montanari levanta outra idéia que pode justificar a preferência generalizada por essa bebida. A

água, nesse período, é vista como portadora de germes, doenças e pestes, portanto inspira pouca

confiança ao consumo. “Toda literatura medieval revela uma profunda desconfiança a seu

respeito, e o hábito sistemático de misturá-la ao vinho, mais do que um sinal de bom gosto, é

uma medida de prevenção sanitária.” (MONTANARI, 1998, p. 287)

A alimentação na Regra de São Bento

Ao comentar uma das traduções da Regra beneditina utilizada nessa pesquisa Garcia M.

Colombas se remete á importância dada à alimentação nas comunidades monásticas desde seus

primórdios.

Los maestros del monacato antiguo concedieron a la alimentación toda la importancia que se merece. Con frecuencia, la necesidad de alimentarse sirvió a los ascetas del desierto de palestra

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donde ejercitarse en la mortificación y la penitencia. Pero los Padres más avisados empezaron a comprender la influencia que tenia la dietética sobre el espíritu y sus actividades, y se preocuparon de hallar un sistema de alimentación adecuada al género de vida que habían profesado, como la atestiguan sus dichos y sus escritos. (COLOMBAS, 1979, p. 426)

Entre os “Padres”, Colombás cita S. Cassiano e S. Bento, os quais deram fundamental

importância a esse aspecto do cotidiano monástico, pois a alimentação deveria ser adequada ao

modo de vida cenobítica já que o alimento, de alguma forma, influencia também o estado do

espírito. “(...) Resumiendo su enseñanza sobre el particular, pude decirse que el plan dietético

debe perseguir tres objetivos: primero, dominar directamente la pasión de la gula, e,

indirectamente, la de la lujuria, tan relacionada con ella; segundo, ser consecuente con la

pobreza que se ha profesado; tercero, favorecer la oración y, en general, toda la actividad

espiritual del monje. (COLOMBAS, 1979, p. 426)

A comida, por tanto, no universo monástico, gerava essencial preocupação, já que

alimenta o corpo, companheiro íntimo e sustentador da alma. É o espírito que o monacato

propõe-se a moldar segundo a perfeita moralidade cristã, no entanto, o corpo físico – suas

exigências e necessidades – deve ser submetido ao controle para que não interfira nesse santo

propósito.

Na Regra de S. Bento sete capítulos subseqüentes tratam diretamente da alimentação dos

monges ou de aspectos relacionados a ela, são eles: 35, 36, 37, 38, 39, 40 e 41.

CAPÍTULO 35: Dos semanários da cozinha.

Que os irmãos se sirvam mutuamente e ninguém seja dispensado do ofício da cozinha, a não ser no caso de estr alguém doente ou ocupado em assunto de grande utilidade; pois por esse meio se adquire maior recompensa e caridade. Para os fracos, arranjem-se auxiliares, a fim de que não o façam com tristeza; ainda conforme o estado da comunidade e a situação do lugar, que todos tenham auxiliares. Se a comunidade for numerosa, seja o celeireiro dispensado da cozinha, e também, como dissemos, os que estiverem ocupados em assuntos de maior utilidade. Os demais se sirvam mutuamente na caridade. O que vai terminar sua semana faça, no sábado, a limpeza; lavem as toalhas com que os irmãos enxugam as mãos e os pés; ambos, tanto o que sai como o que entra, lavem os pés de todos. Devolva aquele ao celeireiro os objetos do seu ofício, limpos e perfeitos, entregue-os outra vez o celeireiro ao que entra, para que saiba o que dá e o que recebe. Os semanários recebem, uma hora antes da refeição, além da porção estabelecida, um pouco de pão e algo para beber, a fim de que, na hora da refeição, sirvam seus irmãos sem murmurar e sem grande cansaço; no entanto, nos dias solenes, esperem até depois da Missa. No domingo, logo que acabem as Matinas, os semanários que entram e os que saem prostrem-se no oratório, aos pés de todos, pedindo que orem por eles. Aquele que termina a semana diga o seguinte versículo: “bendito és Senhor Deus que me ajudaste e consolaste”. Dito isto três vezes e

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recebida a bênção, sai; prossiga o que começa a semana, dizendo: “Ó Deus vinde em meu auxílio; Senhor, apressai-vos em socorrer-me”. Também isso seja repetido três vezes por todos e recebida a bênção, entre no seu ofício. (BENTO, 2003, pp. 87 e 88)

De acordo com o Abade André, do Mosteiro da Ressurreição20, o sistema de semanários

no ofício da cozinha provavelmente surgiu no Egito. Tal afirmação baseia-se nos escritos de S.

Jerônimo e de S. Pacômio. Depois disso, observa-se também o mesmo tema em Cassiano, o qual,

influenciou em grande proporção a Regra do Mestre e também a Regra Beneditina.

Uma das características mais evidentes nesse capítulo é a obrigação do serviço mútuo. O

primeiro parágrafo do capítulo inicia-se com a expressão “Que os irmãos se sirvam mutuamente

e ninguém seja dispensado do ofício da cozinha... pois por esse meio se adquire maior

recompensa e caridade” e finaliza-se novamente com o mesmo sentido: “Os demais sirvam-se

mutuamente na caridade”. A organização monástica beneditina possui uma hierarquia interna

bem definida21, no entanto, ao se tratar dos ofícios e orações, todos, independentemente de suas

origens sociais antes de se tornarem monges22, devem cumprir as mesmas tarefas, e ainda, servir

uns aos outros. Se considerarmos que na sociedade da Alta Idade Média havia uma evidente

organização em grupos sociais específicos, sublinhando a inexistência significativa de mobilidade

social, o que se definiu mais tarde nas três ordens medievais de funções bem delimitadas23, a

comunidade monástica pretendia-se inovadora nesse sentido, pois não considerava a origem

social de seus monges na organização do quotidiano, o que, em última instância, reflete a

intenção de negar à organização laica da sociedade. Percebemos isso em muitas passagens da

Regra. No capítulo 2 da Regra, que trata do tema “Como deve ser o Abade” encontramos a

seguinte referência:

20 Mosteiro Beneditino contemporâneo, localizado na região de Ponta Grossa, no Paraná. O Abade André disponibilizou à pesquisa seus apontamentos pessoais sobre o estudo dos capítulos referentes à alimentação na Regra de São Bento. 21 Para exemplificar: Abade: o representante de Cristo no mosteiro, ao qual todos, invariavelmente, devem total obediência; Prior: monge superior que deve auxiliar o abade quanto suas obrigações e decisões; Decano: monge superior que deve cuidar das atividades e da disciplina de um grupo de 10 monges. 22 No momento em que um homem optava por tornar-se um monge beneditino, ou era enviado a um mosteiro pela família, deveria abrir mão de todos os seus bens e não possuir coisa própria alguma, ou seja, renunciava a sua posição social. Essa constatação está presente em vários capítulos da Regra, tais como: cap. 33 (Se os monges devem possuir alguma coisa de próprio): “Especialmente este vício deve ser cortado do mosteiro pela raiz”p. 85; cap. 58 (Da maneira de proceder à recepção dos irmãos): “Se possui quaisquer bens, ou os distribuas antes aos pobres, ou por solene doação, os confira ao mosteiro, nada reservando para si de todas essas coisas; pois sabe que, deste dia em diante, nem sobre o próprio corpo terá poder.”(BENTO, 2003, p.125). 23 Sociedade tripartite: Bellatores: nobres cavaleiros com função militar; Oratores: monges e eclesiásticos com função de orar pela humanidade e Laboratores: servos, com função ligada ao labor, ao trabalho que sustenta as senhorias feudais.

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Não anteponha o homem nascido livre ao que veio de condição servil, a não ser que exista outra causa razoável para isso; pois se parecer ao Abade que deve fazê-lo por questão de justiça, fa-lo-á seja qual for a condição social; caso contrário, mantenham todos seus próprios lugares, porque servo ou livre, somos todos um em Cristo e militamos sob o mesmo jugo, ao serviço de um só Senhor ‘porque não há em Deus acepção de pessoas’. Somente num ponto somos por ele distinguidos, isto é, se formos melhores do que os outros nas boas obras e humildes. Seja pois igual a caridade dele para com todos; que uma só disciplina seja proposta a todos, conforme os merecimentos de cada um. (BENTO, 2003, pp. 28 e 29)

Nesse capítulo também encontramos a enumeração de todas as características que um

Abade precisa possuir para chegar a esse cargo no mosteiro, são algumas delas: deve ser

obediente à Regra, sendo um exemplo de conduta espiritual, deve ser carinhoso, porém rigoroso,

terno, mas severo, não possuir vícios. No entanto, não há referência alguma de qual deve ser a

condição social da qual o abade deve provir. Podemos concluir que a hierarquia de um mosteiro

beneditino deveria ser determinada pelas qualidades espirituais ou religiosas de um monge, pelo

tempo de sua obediência à Regra, pelo julgamento de um superior e não pela sua situação social

anterior ao monacato.24 Podemos pensar, porém, que a realidade contradiz, em certa medida, essa

idéia, já que é difícil supor que um indivíduo que pertencesse à ordem servil chegasse a ser um

abade ou um membro do Alto Clero. De acordo com Montanari, os membros das hierarquias

eclesiásticas e monásticas eram originários, em geral, sempre da nobreza.25

S. Bento, também procura relativizar os ofícios em relação às capacidades individuais. Ou

seja, embora todos os monges devam ser considerados iguais perante Deus, não é possível exigir

capacidades físicas indiferenciadas entre eles. Assim como, se deve considerar também as

características específicas dos Mosteiros nos quais a Regra deve ser observada. Vejamos as

exceções: Todos devem trabalhar no ofício da cozinha, “a não ser no caso de estar alguém

doente ou ocupado em assunto de grande utilidade”. O assunto de maior utilidade aqui deveria

ser julgado pelo Abade, apenas este tem o poder de dispensar algum monge do seu ofício. “Para

os fracos, arranjem-se auxiliares, a fim de que não o façam com tristeza; ainda conforme o

estado da comunidade e a situação do lugar, que todos tenham auxiliares. Se a comunidade for

numerosa, seja o celeireiro dispensado da cozinha, e também, como dissemos, os que estiverem

24 Cap. 63 (Da ordem na comunidade): “Conservem os monges no mosteiro a sua ordem, conforme o tempo que têm de vida monástica, o merecimento da vida e conforme o Abade constituir.” (BENTO, 2003, p. 133) 25 Ver MONTANARI, M. Estruturas de produção e sistemas alimentares; Os camponeses, os guerreiros e os sacerdotes: imagem da sociedade e estilos de alimentação In: FLANDRIN, J. L.; MONTANARI, M. (Orgs.). História da Alimentação. São Paulo: Estação Liberdade, 1998. p.297.

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ocupados em assuntos de maior utilidade.” A consideração diferenciada em relação aos fracos,

doentes, crianças e idosos será uma constante em toda Regra beneditina. O capítulo seguinte, o

36 trata especificamente “Dos irmãos enfermos” no qual S. Bento determina que “Também a

alimentação de carnes seja concedida aos enfermos por demais fracos, para que se

restabeleçam, mas logo que tiverem melhorado abstenham-se todos de carnes, como de

costume.”. A carne vermelha poderia ser consumida, portanto, apenas se fosse considerada uma

exceção, como em caso de doença ou fraqueza, uma vez que se acreditava nesse período que é

esse alimento o responsável pela força física.26 O capítulo 37, “Dos velhos e das crianças”

também se direciona às exceções quanto ao alimento como observamos nessa passagem:

“Considere-se sempre a fraqueza que lhes é própria, e não se mantenha para com eles o rigor da

Regra no que diz respeito aos alimentos; haja sim, em relação a eles, uma piedosa consideração

e tenham antecipadas as horas regulares.” A Regra beneditina é bem clara quanto às obrigações

dos monges e a severidade com que devem ser tratadas as faltas pelo Abade, no entanto, essas

passagens sobre a alimentação dos monges nos deixam evidente que o rigor da Regra é relativo,

que o Abade deve ponderar suas ordens visando o bem comum e os ensinamentos de Cristo.

O capítulo 35 também nos indica a importância dada ao ritual, não só dentro de um

mosteiro, mas na sociedade da Alta Idade Média como um todo, já que no princípio da formação

feudal, assim como em todo período medieval, a sociedade é permeada por muitos ritos

simbólicos. Dentro de uma comunidade monástica não é diferente, pelo contrário, todo o

quotidiano é organizado através de rituais ditados pela Regra de S. Bento. Esta determina que o

semanário que finaliza o serviço no sábado, faça a limpeza, lave as toalhas com as quais os

irmãos enxugam as mãos e os pés, tanto o que finaliza como o que inicia a outra semana de ofício

da cozinha lavem os pés de todos e ainda, o que finaliza, devolva ao celeireiro27 os objetos

utilizados em seu serviço limpos e perfeitos. No dia de domingo deve haver uma pequena

cerimônia no Oratório, na qual os monges que finalizam o ofício semanal e os que iniciam devem

orar (dizendo o verso determinado por três vezes), agradecendo ou pedindo ajuda a Deus quanto

ao trabalho designado a cada um. Percebemos que esses rituais enfatizam o espírito religioso que

deve estar presente em toda e qualquer atividade monástica, por mais rotineira que esta seja.

26 Falaremos mais sobre a alimentação da carne no mosteiro beneditino no decorrer desta pesquisa. 27 Entende-se por celeireiro, de acordo com a Regra, aquele que cuida de todos os instrumentos utilizados em diversos ofícios. Aqui, pressupomos que é o monge que seleciona, organiza e controla os objetos da cozinha, mesa e dispensa.

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CAPITULO 38: Do leitor semanário.

Às mesas dos irmãos não deve faltar a leitura; nem deve ler aí quem quer que, por acaso se apoderar do livro, mas sim o que vai ler durante toda a semana, a começar do domingo. Depois da Missa e da Comunhão, peça a todos que orem por ele pra que Deus afaste dele o espírito de soberba. No oratório recitem todos, por três vezes, o seguinte versículo, iniciando-o o próprio leitor: “Abri, Senhor os meus lábios, e minha boca anunciará vosso louvor”; e tendo assim recebido a bênção, entre a ler. Faça-se o máximo silêncio, de modo que não se ouça nenhum cochicho ou voz, a não ser a do que está lendo. Quanto às coisas que são necessárias aos que estão comendo ou bebendo, sirvam-se mutuamente os irmãos, de tal modo que ninguém precise pedir coisa alguma. Caso se precise de qualquer coisa, seja antes pedida por algum som ou sinal do que por palavra. Nem ouse alguém fazer alguma pergunta sobre a leitura, ou outro assunto qualquer, pra que se não dê ocasião, a não ser que o superior, porventura queira dizer, brevemente, alguma coisa, para edificação. Ao leitor semanário, entes de começar a ler, recebe o “misto” por causa da Sagrada Comunhão e para que não aconteça ser-lhes pesado suportar o jejum; faça porém, depois, a refeição com os semanários da cozinha e os serventes. Não leiam nem cantem os irmãos segundo a ordem da comunidade, mas façam-no aqueles que edificam os ouvintes. (BENTO. 2003, p. 91)

De acordo com Colombas havia três mesas em um mosteiro: “la de la comunidad, la dos

servidores de cocina y del lector, que comían después de la comunidad, y la del abad y los

huéspedes.”(1979, p.444) No refeitório monástico, portanto, havia, e há até os dias de hoje, um

lugar específico para o leitor, que lê em voz alta alguma obra religiosa28, enquanto os outros

monges se alimentam em total silêncio. Nesse capítulo há a idéia de uma “alimentação dupla”, a

do corpo, através da comida, e a do espírito, através das palavras proferidas pelo leitor semanário.

Colombas nos diz que “El servicio de tipo espiritual que presta el lector completa el servicio

corporal de los servidores29. Porque, conforme a la mejor tradición cenobítica, al mismo tiempo

que satisfacían las necesidades del cuerpo, se nutrían los hermanos de un manjar espiritual.”

(1979, p. 428) De acordo com os estudo do Abade André, tal idéia provém de uma passagem da

Bíblia, já utilizada na Regra do Mestre, qual seja, Lc, 4, 1-4:

Tentação no deserto. Cheio do Espírito Santo, voltou Jesus do Jordão e foi levado pelo Espírito ao deserto, onde foi tentado pelo demônio, durante quarenta dias. Durante este tempo ele nada comeu e, terminados estes dias ele teve fome. Disse-lhe então o Demônio: Se és o filho de Deus, ordena a esta pedra que se torne pão. Jesus respondeu: Está escrito, não só de pão vive o homem, mas de toda palavra de Deus.

28 S. Bento cita duas dessas leituras Sagradas: Colações, uma das obras de Cassiano que reúne a doutrina espiritual dos monges do deserto; e Vitae Patrum (Vida dos Pais), vida dos eremitas dos desertos, considerados pais do monaquismo. 29 Entenda-se os servidores semanários da cozinha .

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Portanto, percebemos que a Regra beneditina pretende dar maior importância ao alimento

espiritual em detrimento do corporal, pois assim como Jesus Cristo domina sua fome no deserto,

através da meditação das Escrituras, os monges também devem elevar-se acima de seu apetite

físico escutando as Santas Leituras enquanto nutrem o corpo de forma moderada. Na visão de

Michel Rouche, a leitura divina é uma espécie de ruminação “de boca e de coração”. “Chama-se

divina porque é a palavra de Deus proferida na presença de Deus – ‘Onde dois ou três rezarem

em meu nome, ali estarei’ – diz Jesus.” (ROUCHE, 1990, p.517)

Observamos novamente no capítulo 38 a importância do ritual religioso que sinaliza o

começo semanal do ofício da leitura à mesa. Também há uma nova referência ao serviço mútuo

entre os monges na mesa. No entanto, destacamos aqui a ênfase dada por S. Bento ao silêncio. De

acordo com D. João Evangelista Enout, O.S.B.30 o silêncio é a maneira de se “evitar qualquer

desrespeito ao ambiente e a palavra que é ali proferida.. O silêncio é o sinal da inteligência e

respeito em face das coisas sagradas.” (BENTO, 2003, p. 181) Há um capítulo na Regra

específico para esse tema, qual seja o capítulo 6, “Do silêncio”, o qual nos permite entender a

importância que S. Bento atribui ao silêncio: “Façamos o que diz o profeta: “Eu disse, guardarei

os meus caminhos para que não peque pela língua: pus uma guarda à minha boca: emudeci,

humilhei-me e calei as coisas boas”. Aqui mostra o Profeta que, às vezes, se devem calar mesmo

as boas conversas, por causa do silêncio, quanto mais não se deverão suprimir as más palavras,

por causa do castigo do pecado?” (BENTO, 2003, p. 41)

O silêncio, portanto, é uma maneira de se evitar o pecado através das palavras. Colombás

reforça tal idéia: “Hablar, em la mente de San Benito, es exponerse fatalmente a pecar.” A

prática do silêncio é uma forma de controle do corpo, mais especificamente, do impulso da fala.

Rouche acredita que o silêncio é um valor novo, inaugurado na Regra beneditina, e que simboliza

a força de um monge, por enfrentar a dificuldade da renúncia á fala .31 Soma-se ainda ao silêncio

a proibição de qualquer tipo de reclamação. Em muitas passagens da Regra, S. Bento traz a idéia

de que se deve evitar a todo modo a murmuração.32 Assim como o riso, que também é

intensamente repreendido. No mesmo cap. 6º. Constata-se tal idéia: “Já quanto as brincadeiras,

30 Tradutor da edição em português da Regra beneditina utilizada nessa pesquisa. 31 Ver: ROUCHE, M. Alta Idade Média. In: ARIÉS, P.; DUBY, G. (Dir.), VEYNE, P. (Org.) História da vida privada. São Paulo: Companhia das letras, 1990. p. 402 32 No capítulo 35, analisado acima, encontramos um trecho que faz referência a esse tema: “Os semanários recebem, uma hora antes da refeição, além da porção estabelecida, um pouco de pão e algo para beber, a fim de que, na hora da refeição, sirvam seus irmãos sem murmurar e sem grande cansaço;(...)”

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palavras ociosas e que provocam riso, condenamo-las em todos os lugares a uma eterna

clausura, para tais palavras não permitimos ao discípulo abrir a boca.” (BENTO, 2003, p.43)

Há um trecho do capítulo 7º. (Da humildade) que sintetiza todos esses elementos, vejamos:

O nono grau de humildade consiste em que o monge negue o falar a sua língua, mantendo-se em silêncio; nada diga, até que seja interrogado, pois mostra a Escritura que “no muito falar não se foge ao pecado” e que “o homem que fala muito não se encaminhará bem sobre a terra”. O décimo grau de humildade consiste em que não seja (o monge) fácil e pronto ao riso, porque está escrito: “O estulto eleva sua voz quando ri”. O undécimo grau da humildade consiste em, quando falar, faça-o o monge suavemente e sem riso, humildemente e com gravidade, com poucas e razoáveis palavras e não em alta voz, conforme o que está escrito: O sábio manifesta-se com poucas palavras. (BENTO, 2003, p.43)

CAPÍTULO 39: Da medida da comida

Cremos que são suficientes para a refeição cotidiana, quer seja esta à sexta ou à nona hora33, em todas as mesas, dois pratos de cozidos, por causa da fraqueza de muitos, a fim de que aquele que não puder, por acaso, comer de um prato, coma do outro. Portanto, dois pratos de cozidos bastem a todos os irmãos; e se houver frutas ou legumes frescos, sejam acrescentados em terceiro lugar. Seja suficiente uma libra de pão bem pesada, para o dia todo, quer haja só uma refeição, quer haja jantar e ceia. Se houver ceia, seja guardada pelo celeireiro a terça parte da libra e entregue aos que vão cear. Mas, se por acaso tiveram feito um trabalho maior; estará ao critério e em poder do Abade acrescentar, se convier, alguma coisa, afastados, antes de mais nada excesso de comida, e de modo que nunca sobrevenha ao monge a indigestão, porque nada é tão contrário a tudo o que é cristão como os excessos na comida, conforme diz nosso Senhor : “Cuidai que os vosso corações não se tornem pesados pela gula”. Aos meninos de pouca idade não se sirva a mesma quantidade, mas sim menos que aos maiores, guardada em tudo a sobriedade. Abstenham-se todos completamente de carnes de quadrúpedes, exceto os doentes demasiadamente fracos. (BENTO, 2003, pp. 93 e 95)

Observava-se que o alimento previsto pela Regra é preferencialmente o cozido,

provavelmente de verduras, cereais e legumes. Frutas também são sugeridas. S. Bento, ao que nos

parece, considera a possibilidade de opção do monge por um dos cozidos, sendo que sempre deve

haver dois tipos dele, considera, portanto, em última instancia, o gosto pessoal ou ás necessidades

físicas específicas.

Esse capítulo nos sugere que há, nesse período, uma predileção cristã pelos alimentos

vegetais. Se os eremitas que viviam isolados nas florestas Ocidentais (equivalentes aos desertos

para os ascetas orientais) se alimentavam de plantas silvestres, possivelmente cruas, em sinal de

33 Falaremos sobre o horário das refeições a seguir

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negação da civilização do fogo e da cozinha, com o desenvolvimento do monacato organizado a

alimentação continua fortemente ligada ao regime vegetariano, no entanto tende para a vertente

agrícola e doméstica da economia, se alinhando ao tipo culinário camponês. “Não é por acaso

que a regra de São Benedito prescreve, com insistência, um modelo de alimentação baseado em

alimentos cozidos; sopas a base de leguminosas e de legumes, pulmenta, como na alimentação

camponesa, comidas com pão.” (MONTANARI, 1998, pg. 298) No entanto, cabe lembrar que,

contraditoriamente, nos mosteiros, geralmente o pão é feito de trigo, cereal então consumido

essencialmente pela nobreza. Portanto, há na alimentação uma mescla de alimentos associados à

aristocracia, como o pão de trigo, e alimentos associados ao modo de vida camponês, como os

cozidos.

Como a vida monástica sugere um isolamento e uma total independência do mundo

externo, muito provavelmente, a maioria dos legumes, hortaliças e frutas consumidas dentro de

um mosteiro eram cultivadas em uma horta dentro das próprias dependências monásticas.34

Devemos lembrar que, segundo Montanari, na Alta Idade Média há uma dependência entre

produção agrícola e consumo direto, já que o comércio de alimentos cotidianos é escasso nesse

período. Além disso, Pablo de la Cruz Diaz Martinez, pesquisador do monacato visigodo do

mesmo período, faz importantes comentários sobre o modo de produção alimentar dentro dos

mosteiros evidenciando o trabalho monástico nas hortas.35A Regra de S. Bento não faz nenhuma

referência específica a esse aspecto, mas no capítulo 48 (Do trabalho manual cotidiano)

encontramos a seguinte citação: “Se a necessidade do lugar ou a pobreza exigirem que se

ocupem pessoalmente, em colher os produtos da terra, não se entristeçam por isso, porque então

são verdadeiros monges se vivem do trabalho de suas mãos, como também nossos Pais e

Apóstolos..”(BENTO, 2003, 107) Podemos pensar portanto que a horta e o pomar eram

elementos presentes nos mosteiros desse período. Contudo essa passagem sugere que nem em

todos os casos eram os próprios monges que trabalhavam diretamente com o plantio e a colheita.

Sugerimos que muito provavelmente, esse tipo de trabalho, deveria ser realizado

preferencialmente pelos servos de um mosteiro beneditino já que os monges deveriam se ocupar

34 A carne permitida, ou seja, a carne “branca”, muito provavelmente, também deveria se originar da criação interna de um mosteiro. 35 Ver: Estudos sobre as Regras de São Isidiro e São Fructuoso. MARTINEZ, P. C. D. de la. Formas Economicas e Sociales en el Monacato Visigodo. Salamanca: Ediciones Universidad Salamanca, 1987.

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desse serviço apenas se “a necessidade do lugar ou a pobreza exigirem que se ocupem

pessoalmente, em colher os produtos da terra(...)”

Um monge só devia comer o que lhe era essencialmente necessário, porém, o que é

necessário é ainda uma definição relativa. Vejamos: “Seja suficiente uma libra de pão bem

pesada, para o dia todo, quer haja só uma refeição, quer haja jantar e ceia. Se houver ceia, seja

guardada pelo celeireiro a terça parte da libra e entregue aos que vão cear.” O texto da Regra

nos faz supor, por exemplo, que a quantidade de pão permitida por S. Bento é muito escassa,

tendo que ser divida, por vezes, em até três refeições. No entanto D. João Evangelista Enout nos

informa que “não se sabe ao certo a que equivale essa ‘libra bem pesada’. Em Monte Cassino

conserva-se um peso que se dizia ser a libra de pão estabelecida por S. Bento e correspondia a

um quilo e cento e cinqüenta gramas; muito mais pesada que a libra oficial romana.” Aqui

observamos que a medida de pão estabelecida pela Regra poderia ser, portanto, muito generosa.

A Regra permite que haja uma alimentação extra apenas se o Abade assim julgar preciso.

Como ele é o representante do filho de Deus dentro de um mosteiro, tudo que se diferencia do

que está escrito na Regra deve ser por ele analisado e definido.

A gula é inaceitável no monacato beneditino, pois sugere satisfação dos desejos físicos,

ou o gosto pelo prazer. Um monge deve viver em isolamento e em sacrifício, negando os prazeres

mundanos, preocupando-se somente com a oração e o trabalho.36 Sendo assim, a gula é

considerada um dos mais graves pecados pela cristandade: “(...) porque nada é tão contrário a

tudo o que é cristão como os excessos na comida, conforme diz Nosso Senhor: ‘Cuidai que os

vossos corações não se tornem pesados pela gula”. Aqui S. Bento utiliza-se de Lc 21, 34: “Velai

sobre vós mesmos, para que os vossos corações não se tornem pesados com o excesso de comer,

com a embriaguez e com as preocupações da vida(...)” Observamos que a gula, a embriagues e

as preocupações mundanas são elementos indissociáveis na mentalidade monástica beneditina

ditada, portanto repudiados intensamente na Regra de S. Bento, pois se repetem mais de uma vez.

No capítulo 4 (Quais são os instrumentos das boas obras), S. Bento faz uma enumeração das

atitudes e características de um monge beneditino, entre as quais várias se reportam ao tema da

alimentação: (12) Não abraçar as delícias, (13) Amar o jejum, (35) Não ser dado ao vinho, (36)

Não ser guloso.(BENTO, 2003, p. 33)

36 Oração e trabalho são os preceitos básicos e primordiais de um monge beneditino.

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A Regra beneditina é clara no que se refere à carne: “Abstenham-se todos completamente

de carnes de quadrúpedes, exceto os doentes demasiadamente fracos”. Supomos, portanto que a

carne branca de aves, que possuem duas patas, e o peixe, são alimentos permitidos. A carne

vermelha, no entanto, não deve ser consumida, salvo exceções, mais uma vez aqui sublinhadas

por S. Bento. A negação desse alimento possui uma evidente simbologia associada à aristocracia

secular.

O senhor da Alta Idade Média, que não tem qualquer interesse pelo trabalho agrícola ou pela exploração dos campos – salvo quando se trata de receber os aluguéis e impostos, só se interessa por um tipo de produção, a caça. Essa chega a ser a única atividade, além da guerra, que ele pratica com paixão. Tanto mais que a caça é uma verdadeira imagem da guerra, tanto nos planos prático e técnico como metafórico: perseguir as presas a cavalo no interior da floresta, estudar com seus servidores as estratégias para cercá-las e capturá-las, enfrentá-las no corpo a corpo com a espada – tudo isso não é para o senhor melhor maneira de se preparar para guerra? A caça exprime, plenamente, essa cultura de força e da violência, que tem sua maior consagração no exercício das armas.” (MONTANARI, 1998, pg. 292)

É dessa idéia que provém a associação simbólica, por vezes até inconsciente, entre a

caça, a carne, a força e o poder. Enquanto os camponeses da Alta Idade Média costumam se

alimentar da carne cozida, principalmente em caldos, sopas e papas, acreditando assim torná-la o

mais nutritiva possível, os nobres preferem se alimentar da carne assada, grelhadas diretamente

sobre o fogo em espetos ou grelhas. Segundo estudos antropológicos o uso do fogo sem a

mediação da água e dos recipientes domésticos implica em uma relação mais estreita com o cru,

com o selvagem e , portanto com a imagem “animal” que a nobreza desse período atribui a si

mesma.(MONTANARI, 1998, p. 293) Além disso, na Alta Idade Média, a carne passa a ser

associada com a força física e a resistência dos músculos37, elementos imprescindíveis ao ideal da

nobreza guerreira. A carne torna-se o símbolo do guerreiro. “É por essa razão que, na época

carolíngia, os delitos ou as covardias são punidos com a obrigação de se abster de comer carne

durante períodos mais ou menos longos, ou, nos casos mais graves, por toda a vida.”

(MONTANARI, 1998, p. 294)

No plano ideológico, a opção do homem religioso, e em particular do monge, define-se

pela negação do mundo e de suas lógicas de poder, daí o enclausuramento característico das

37 Segundo Montanari, os “médicos” romanos acreditavam que o pão era o elemento mais nutritivo e adequado ao homem. A partir da Alta Idade Média a carne passa a substituir o pão no que se refere ao alimento mais nutritivo e fundamental à alimentação humana.

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comunidades monásticas desde seus primórdios. A associação entre as idéias aqui expostas nos

sugere, portanto, que alimentar-se com carne vermelha dentro do regime monástico não

significava apenas um desvio individual em relação à regra que o regia, mas simbolizava a

desistência da renúncia ao código alimentar aristocrático, significava portanto, em última

instância, a admissão de uma correspondência cultural e mental não só com o mundo nobre, mas

com a sociedade secular como um todo.

Como já mencionado, no que se refere á alimentação, o modelo monástico procura

inspirar-se na pobreza camponesa. A negação da força e do poder do mundo nobre reflete-se, no

plano alimentar, “pela rejeição á carne e aos banquetes suntuosos e pela adoção dos alimentos

vegetais e da frugalidade camponesa. A fome, verdadeira obsessão – certamente psicológica, se

não material – das classes pobres da sociedade, é sublimada nas práticas ascéticas do jejum e

da abstinência.” (MONTANARI, 1998, p. 298) Contudo, a renúncia à carne vai além, significa

também a negação da natureza física e da sexualidade.38 Se a gula está associada a satisfação de

prazeres físicos, a carne vermelha é o alimento que carrega em si, por excelência essa

correspondência. De maneira subjetiva, a rendição “aos prazeres da carne” não significava apenas

a satisfação do paladar, mas também a que era proporcionada pelo sexo.

Seria uma tarefa árdua descobrir as origens das associações feitas entre a carne, o sexo e a

virilidade. No entanto, sugerimos que até mesmo passagens da Bíblia poderiam ter dado margens

a essa forma de pensamento subjetivo. De acordo com Jean Soler, Adão e Eva foram criados por

Deus como vegetarianos, não deveriam, portanto, se alimentar de carne:

Ao matarem animais para comer. Eles usurpariam o território do Vivente. Só a divindade que dá a vida é que pode retirá-la. O imperativo ‘Não matarás’ dos dez mandamentos tem em vista a morte do homem pelo homem, mas também se relaciona com uma proibição mais original, a que é feita a todo ser vivente, seja homem ou animal, de atentar contra a vida de um ser vivente, homem ou animal. É preciso esperar o Dilúvio, após o qual começa uma nova humanidade, como se fosse uma nova Criação, para que o homem seja autorizado a comer carne (Gn 9, 3). O que menos do que uma recompensa, é uma maneira de ter em conta o instinto do Mal que há nele. (Gn 8, 21) (SOLER, 1998, pg. 90)

Analisemos uma das passagens bíblicas sugerida por Soler, Gn 9, 3:

38 Em conversa com o Abade André, ele nos disse que, na sua opinião, a rejeição à carne esta diretamente associada à negação da virilidade sexual masculina. Idéia que vai a favor da conexão que esta pesquisa supõe que se fazia entre a carne e o pecado original.

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A humanidade nova. Deus abençoou Noé e seus filhos: Sede fecundos, disse-lhes ele, multiplicai-vos e enchei a terra. Vós sereis objeto de temor e de espanto para todo animal da terra, toda ave do céu, tudo o que se arrasta sobre o solo e todos os peixes do mar: eles vos são entregues nas mãos. Tudo que se move e vive vos servirá de alimento; eu vos dou tudo isto, como vos dei a erva verde.

Percebemos aqui que a permissão dada ao homem por Deus de se alimentar de outros

seres vivos, ou seja, alimentar-se de carne, relaciona-se com o dever de multiplicar o número de

homens na terra. A carne, portanto, associa-se com a virilidade humana relacionada à reprodução.

Poderíamos pensar então que a renúncia á carne na Regra beneditina talvez tivesse raízes

mais profundas, relacionadas também com o que consta na Bíblia. A abdicação a esse alimento

representa a própria negação do pecado, não só o da gula, mas também do pecado original, do

prazer carnal. Na visão de Henrique S. Carneiro o pecado original também simboliza o

desrespeito a uma ordem divina relacionada ao alimento, “a fruta proibida”. O prazer e a

alimentação são elementos constantemente associados, não só na Bíblia, mas na mentalidade

humana de maneira mais ampla.

A comida e o sexo são duas fontes dos mais intensos prazeres carnais (...). Só depois de violarem a regra dietética (não comer do fruto!) Adão e Eva passaram a perceber que estavam nus e a envergonhar-se disso, ou seja, tiveram a consciência simultânea da sexualidade acompanhada da culpa. Mas o gesto original deriva mais de outros pecados, tais como a gula e a soberba (de querer desafiar a deus e provar do proibido), do que da luxúria, que só nasce como conseqüência. (CARNEIRO, 2005, p.73)39

CAPÍTULO 40: Da medida da bebida

Cada um recebe de Deus um dom particular, este de um modo, aquele de outro: por isso, é com algum escrúpulo que estabelecemos nós a medida para alimentação de outros; no entanto, atendendo à necessidade dos fracos, achamos ser suficiente, para cada um, uma hêmina de vinho por dia. Aqueles porém, aos quais Deus dá a força de tolerar a abstinência, saibam que receberão recompensa especial. Se a necessidade do lugar, o trabalho ou o rigor do verão exigir mais, fique ao critério do superior, considerando em tudo que não sobrevenha saciedade ou embriagues. Ainda que leiamos não ser absolutamente próprio dos monges fazer uso do vinho, como em nossos tempos disso não se podem persuadir os monges, ao menos convenhamos em que não bebamos até a saciedade, mas parcamente, porque “o vinho faz apostatar mesmo os sábios”. Onde, porém, a necessidade do lugar exigir que nem a referida medida se possa encontrar, mas muito menos ou absolutamente nada, bendigam a Deus os que ali vivem e não murmurem: antes de tudo exortamo-los a que vivam sem murmurações. (BENTO, 2003, p. 95)

39 CARNEIRO, H. Comida e Sociedade: Uma História da Alimentação. In: HISTÓRIA, QUESTÕES & DEBATES. N. 42. Curitiba: Ed UFPR, 2005. p. 73

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D. João Evangelista Enout nos informa que hêmina é uma medida romana que equivale

aproximadamente a um quarto de litro, porém Colombas nos apresenta outra definição dessa

medida: “(...) al parecer, puede calcularse como equivalente a más de médio litro; posiblemente,

a três cuartos de litro” (1979, p.436)40 Não podemos, portanto, saber exatamente qual era a

quantidade de vinho exata a que S. Bento se refere.

Percebemos, nesse capítulo, que a maior preocupação é com a embriagues, ou seja, não é

permitido que monges isentem-se, de alguma forma, de seu estado normal. “Ainda que leiamos

não ser absolutamente próprio dos monges fazer uso do vinho, como em nossos tempos disso não

se podem persuadir os monges, ao menos convenhamos em que não bebamos até a saciedade,

mas parcamente, porque ‘o vinho faz apostatar mesmo os sábios’”.

A citação Bíblica na qual se apóia S. Bento41 neste capítulo é do Eclesiástico, 19, qual seja:

O vinho e as mulheres. O operário dado ao vinho não se enriquecerá, e aquele que se descuida das pequenas coisas, cairá pouco a pouco.O vinho e as mulheres fazem sucumbir até mesmo os sábios, e tornam culpados os homens sensatos. Aquele que se une as prostitutas é um homem de nenhuma valia, tornar-se-á pasto de podridão e dos vermes; ficará sendo um grande exemplo, e sua alma será suprimida do número dos vivos.

O vinho aqui é um elemento relacionado à mulher, mais precisamente, à prostituta.

Sugerimos, portanto, que o vinho era visto como algo que poderia contribuir para “uma perda de

controle”, tanto do Abade em relação aos demais, como do próprio monge, em relação a seu

próprio corpo físico e sua espiritualidade, o que, de certa forma, também está relacionado com o

sexo.42 É importante lembrar que o total controle e sacrifício do corpo são elementos presentes no

monasticismo desde suas primeiras manifestações anacoretas já que “el anacoreta lucha solo y

los enemigos que tiene que vencer son enemigos personales, el cuerpo y su expresión más

cuajada, la sexualidad, y el demonio.” (TEJA, 1999, p. 156) Sendo assim, S. Bento deixa

evidente que o ideal beneditino seria a renúncia total ao vinho, pois “aos quais Deus dá a força

de tolerar a abstinência, saibam que receberão recompensa especial.” No entanto, sabemos que

concomitantemente à associação do vinho com a prostitua, a Bíblia também se refere ao vinho

40 Colombas também informa que A. de Vogue, um dos maiores estudiosos de São Bento, compartilha de sua opinião sobre a definição de hêmina. 41 De acordo com estudos do Abade André. 42 Simbolizado aqui, muito provavelmente, pela figura da prostituta.

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como uma bebida sagrada, o “sangue de Cristo”. Sendo assim S. Bento não poderia simplesmente

proibir o consumo do vinho, apenas restringi-lo.

Precisamos considerar também que, como já mencionado, na Alta Idade Média o valor do

vinho estava mais relacionado com a higiene e saúde do que com a degustação em si. O Abade

André nos informou que no monacato primitivo o vinho não era algo comum, porém, no contexto

no qual a Regra se insere, o vinho, bebida romana por excelência, torna-se essencial na economia

e cultura da sociedade. Primeiramente, no regime monástico, o vinho era utilizado somente na

enfermaria como um tipo de remédio e somente aos poucos, foi sendo incluído também na

cozinha.

CAPITULO 41: A que horas convém fazer as refeições

Da Santa Páscoa até Pentecostes, façam os irmãos a refeição à hora sexta e ceiem à tarde. A partir de Pentecostes, entretanto, por todo o verão, se os monges não têm os trabalhos dos campos ou não os perturba o excesso do verão, jejuem quarta e sexta-feira até a hora nona; nos demais dias jantem à hora sexta. Se tiverem trabalho nos campos ou se o rigor do verão for excessivo, o jantar deve ser mantido a hora sexta: ao Abade caiba tomar a providência. E, assim, que equilibre e disponha tudo, de modo que as almas se salvem e que façam os irmãos, sem justa murmuração, o que tem de fazer. De 14 de setembro ao início da Quaresma , entretanto, até a Páscoa façam-na à hora das Vésperas. Sejam essas celebradas de tal modo, que os irmãos não precisem, à refeição, da luz de uma lâmpada, mas que tudo esteja terminado com a luz do dia. E mesmo em todas as épocas disponha-se tanto a hora da ceia como a da (única) refeição, de tal modo que tudo de faça sob a luz do dia. (BENTO, 2003, p.95)

No que se refere à dieta monástica ordenada na Regra, o ano se divide em quatro partes. A

primeira é o tempo da Páscoa43, no qual havia duas refeições, um “almoço” ao meio dia e uma

ceia ao entardecer. A segunda se estende de Pentecostes a 14 de setembro, período em que nas

quartas e sextas-feiras se deve jejuar até as três horas da tarde (nona hora) – aqui o abade deve ter

o discernimento de adiantar o fim do jejum se houver trabalho pesado ou dias muito quentes – e

nos dias restantes desse mesmo período, se siga como na época da Páscoa (duas refeições). O

43 A Páscoa é tida como um período de festa pela cristandade, no qual não se deve jejuar. Em uma passagem da vida de S. Bento descrita nos Diálogos, em época de Páscoa um presbítero vai visitar S. Bento na gruta em que se encontrava na região de Subiaco: “Depois de rezarem, assentaram-se bendizendo a Deus todo-poderoso; após suaves colóquios sobre a vida eterna, o recém-vindo disse essas palavras:’Eia, tomemos alimento, porque hoje é Páscoa’. Respondeu-lhe o homem de Deus: ‘Sei que é Páscoa, pois mereci a graça de te ver’. Morando longe dos homens, Bento ignorava que a solenidade pascal era naquele dia; mas o venerável presbítero de novo lho asseverou:’Em verdade hoje é Páscoa, o dia da Ressurreição do Senhor. De modo nenhum te fica bem jejuar, pois aqui fui mandado justamente para juntos partilhemos as dádivas de Deus todo-poderoso.” (MAGNO, São. 1986, p.34 e 35)

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terceiro período vai de 14 de setembro até o princípio da quaresma, no qual se realiza jejum

moderado (apenas uma refeição, a ceia) todos os dias, excetuando os domingos.44 O quarto

período corresponde á Quaresma, na qual se deve realizar jejum até o fim da tarde, e fazer apenas

uma refeição diária.45

É interessante perceber a insistência de S. Bento quanto à necessidade de se realizar as

atividades ainda sob a luz do sol. “Sejam essas celebradas de tal modo, que os irmãos não

precisem, à refeição, da luz de uma lâmpada, mas que tudo esteja terminado com a luz do dia. E

mesmo em todas as épocas disponha-se tanto a hora da ceia como a da (única) refeição, de tal

modo que tudo de faça sob a luz do dia”. Esse elemento aparece em outros capítulos da Regra

como no 42 (Que ninguém fale depois das Completas46):

Os monges devem, em todo tempo, esforçar-se por guardar o silêncio, mas principalmente nas horas da noite. (...) (...) Estando, pois todos juntos, recitem as Completas, saindo das Completas, não haja mais licença para ninguém falar o que quer que seja. Se alguém for encontrado transgredindo esta regra do silêncio, seja submetido a severo castigo; exceto se sobrevier alguma necessidade da parte dos hóspedes ou se, por acaso, o Abade ordenar alguma coisa a alguém. (...). (BENTO, 2003, p.99)

Sobre esse aspecto da Regra Colombaz pergunta: “Por qué deben hacerse todas las cosas

a la luz do día? (COLOMBAS, 1979, 439) E ele mesmo responde afirmando que não se de deve

excluir uma razão econômica47, no entanto, acredita que possua mais um valor moral:

(...) parece que el motivo decisivo, si no único, hay que buscarlo en la convicción de que la noche no es tiempo apto para alimentarse, como no es para hablar. San Benito pudo acordarse de diversos pasajes de San Pablo en los que este tiempo aparece como el marco natural y el símbolo

44 A tradição cristã tem o domingo como um dia sagrado, no qual até mesmo Deus descansou na semana em que criou o mundo. Todo cristão tem o direito de descansar nesse dia, no entanto, pra o monge, a sacralidade desse dia da semana aparece mais através do número de refeições permitidas do que na isenção do trabalho. 45 Há um capítulo dedicado especialmente à Quaresma na Regra (cap. 49. Da observância da Quaresma), o qual define esse período como um tempo sagrado, reforçando a abstinência e sacrifício no que se refere à alimentação: “Acrescentemos, portanto, nesses dias, alguma coisa ao encargo habitual da nossa servidão: orações especiais, abstinência de comida e bebida; e assim ofereça cada um a Deus, de espontânea vontade, com alegria do Espírito santo, alguma coisa além da medida estabelecida para si; isto é: subtraia ao seu corpo algo da comida, da bebida, do sono, da conversa, da brincadeira, e na alegria do desejo espiritual, espere a Santa Páscoa.”(BENTO, 2003, p. 11) 46 Completas é última hora de oração coletiva realizada no período de um dia e corresponde aproximadamente às 19hs. O dia em um mosteiro beneditino é compostos por sete ofícios (momentos de oração coletiva), são eles: Matinas, Prima, Terça, Sexta, Nona, Vésperas e Completas. 47 Nesse caso, economizar principalmente azeite, usado como uma forma de combustível na iluminação interna de um mosteiro.

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de todos los pecados, especialmente de los da boca. Acaso representaciones morales de este tipo hayan influido en el legislador monástico. (COLOMBAS, 1979, 439)

Observamos, portanto, que a Regra esta repleta de simbologias e significados subjetivos.

A noite também possui a sua significação, como momento propício ao pecado. A hora das

refeições, também é momento de oração,48 deve pertencer à luz, e não à escuridão.

Torna-se evidente, a partir da leitura da Regra, que o momento da refeição coletiva era de

suma importância no cotidiano monástico. Podemos pensar dessa forma porque constatamos que

uma das formas de punição aos monges, que de alguma forma infringiam as normas regulares,

era justamente o isolamento no momento das refeições, sublinhando o valor atribuído a esse

momento na comunidade cenobítica da Alta Idade Média. Se algum monge, segundo consta na

Regra, cometer alguma falta o Abade deve chamar sua atenção em particular por duas vezes. Se,

no entanto, não obtiver resposta, deve repreendê-lo perante os demais monges de um mosteiro

beneditino. Mas se nem assim o monge se corrigir o abade deve impor a ele a excomunhão.49 S.

Bento define assim esse conceito:

A medida tanto da excomunhão como da disciplina, deve regular-se segundo a espécie da falta, e esta espécie das faltas está sob critério do julgamento do Abade. Se algum irmão incorrer em faltas mais leves, seja privado da participação à mesa. Será este o proceder de quem está privado da mesa: não entoe salmo, nem antífona no oratório, nem recite lição até que tenha sido dada a devida satisfação. Receba sozinho a sua refeição depois da refeição dos irmãos; de modo que, por exemplo, se os irmãos vão tomar a refeição à hora sexta, aquele irmão o fará na hora nona; se os irmãos à nona, ele à hora de vésperas, até que tenha obtido o perdão por conveniente satisfação. (BENTO, 2003, p.75) Faça a sós a sua refeição na medida e na hora que o Abade julgar convenientes, não seja abençoado por ninguém que por ele passe, nem também a comida que lhe é dada. (BENTO, 2003, p.75)

O termo excomunhão aqui possui um significado evidente, qual seja, a privação á mesa

comunitária. Essa forma de penitência é tão importante que, mais tarde50, a esse mesmo termo foi

somado um outro significado, qual seja, a expulsão completa da Igreja Católica. Mas para S.

Bento, o momento de comunhão, tanto de uns com os outros (“sirvam-se mutuamente na

48 O alimento e a oração sustentam o corpo e a alma, consistindo esse momento de uma alimentação dupla. 49 Se nem assim o monge se emendar, S. Bento sugere mais duas formas de “correção” que devem ser subseqüentes: o castigo físico, e, em última instância, o banimento do mosteiro. 50 Principalmente no auge dos julgamentos da Inquisição católica

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caridade”), como com Deus (“Abri, Senhor os meus lábios, e minha boca anunciará vosso

louvor”), é o momento das refeições coletivas.

No capítulo 43 (Dos que chegam tarde ao Ofício Divino ou à mesa), encontramos outra

comprovação da importância dada ao momento das refeições coletivas por S. Bento:

(...) quanto á mesa, quem não tiver chegado antes do versículo, de modo que todos digam o versículo e orem juntos e se sentem ao mesmo tempo á mesa, quem não tiver chegado a tempo, por negligência ou culpa, seja castigado por esse motivo até duas vezes; se de novo não se emendar, não lhe seja permitida a participação à mesa comum, mas faça a refeição a sós, separado do consórcio de todos, sendo-lhe tirada a porção de vinho, até que tenha feito satisfação, e se tenha emendado. (...) E ninguém presuma servir-se de algum alimento ou bebida antes ou depois da hora estabelecida. Mas quando àquele que não quis aceitar alguma coisa que lhe tenha sido oferecida pelo superior, na hora em que desejar aquilo que antes recusou ou outra coisa qualquer, absolutamente não receba, até conveniente emenda. (BENTO, 2003, p. 101)

Ao que nos parece, fica evidente nesse capítulo o destaque dado à obrigatoriedade da

igualdade na mesa: “(...) todos digam o versículo e orem juntos e se sentem ao mesmo tempo à

mesa (...)”. Essa passagem nos remete à idéia, já mencionada, de que dentro de um mosteiro

todos os monges são iguais perante Deus, independentemente de suas origens sociais. Assim

como, essa passagem também reforça a relação entre alimento e oração, pois os monges devem

orar e se alimentar juntos, em comunhão, e se algum dos monges faltar a essa comunhão, deve

ser justamente punido.

Aparece um elemento novo nesse capítulo: “E ninguém presuma servir-se de algum

alimento ou bebida antes ou depois da hora estabelecida.”. O respeito aos horários determinados

pela Regra e pelo Abade é de fundamental importância. Cabe mencionar que o dia, em um

mosteiro beneditino, é dividido e medido pelos ofícios religiosos, ou seja, pelas orações coletivas

na capela. Assim como não se permite comer fora do horário estabelecido, S. Bento também

proíbe que os monges se alimentem fora do mosteiro: “Não presuma comer fora o irmão que é

enviado a um afazer qualquer e que é esperado no mosteiro no mesmo dia, ainda que seja

instantemente convidado por qualquer pessoa; a não ser, que por ventura, o Abade lhe tenha

dado ordem para isso. Se proceder de outra forma, seja excomungado.” (BENTO, 2003, p. 113)

No livro segundo dos Diálogos, S. Gregório Magno, relata um episódio da vida de S. Bento sobre

esse tema, exaltando o poder sagrado deste “homem de Deus”:

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Era costume do mosteiro, todas as vezes que os monges saiam para qualquer missão, que se abstivessem de comer e beber fora do mosteiro. Observa-se com toda a solicitude esse uso da Regra. Certo dia, porém saíram alguns irmãos a mandado, e viram-se obrigados a ficar fora até a hora mais tardia. Sabendo que perto donde estavam residia uma religiosa mulher, entraram e sua casa e tomaram alimento. Quando tarde voltaram ao mosteiro, pediram, como de costume, a bênção ao pai; o qual logo os interrogou: “onde comestes?” – “Em parte alguma”, responderam. Ao que retorqui: “Porque mentis desse modo? Acaso não entrastes na casa de tal mulher? Não tomastes tais e tais comidas, não bebestes tantos copos?” Como o venerável Pai lhes descrevesse não só a hospedagem da mulher, mas também o gênero dos pratos e o número dos copos que haviam tomado, reconheceram tudo que haviam feito, e, caindo trêmulos aos seus pés, confessaram a falta. O homem de Deus, porém, logo lhes perdoou a culpa, considerando que para o futuro não tornariam a cometer tal em sua ausência, pois saberiam que lhes estava presente em espírito. (MAGNO, São. 1986, pp. 55 e 56)

Três elementos são destacáveis nessa passagem. O primeiro é o caráter sacro, e até mesmo

onipresente, atribuído à S. Bento, pois este “tudo vê”, mesmo não estando fisicamente presente.

O segundo é a associação entre a falta cometida pelos monges à figura de uma mulher. Como já

analisado, a mulher também é associada ao pecado da embriagues. Supomos que a figura

feminina, se não santificada, é muitas vezes relacionada ao “caminho” que leva ao erro, é a

condutora ao pecado. O terceiro é o fato de o próprio S. Bento ter sido ponderado e bondoso,

amenizando sua conduta quanto à punição que sua própria Regra prescreve. O capítulo 51

determina que o monge que se alimentar fora do mosteiro deve ser excomungado, no entanto,

sendo S. Bento, o abade do seu mosteiro e possuindo o direito, por ele mesmo atribuído, de

modificar algumas obrigações definidas pela Regra de acordo com seu discernimento, ele opta

por apenas repreender os monges faltosos e assim os perdoa prontamente.

Podemos concluir que qualquer experiência externa ao mosteiro, seja relativa à

alimentação ou ao contato com outras pessoas, dentro da mentalidade monástica beneditina,

oferece riscos à integridade espiritual de um monge, como concluímos com essa passagem do

capítulo 67 (Dos irmãos mandados em viagem): “E ninguém presuma relatar a outrem qualquer

das coisas que tiver visto ou ouvido fora do mosteiro, pois é grande a destruição.” (BENTO,

2003, p. 143)

O capítulo 53 da regra beneditina (Da recepção dos hóspedes), nos informa que para S.

Bento, um visitante deve ser recebido como o próprio Cristo. Isso também se reflete na rotina

alimentar do mosteiro. “Seja o jejum rompido pelo superior por causa dos hóspedes; a não ser

que se trate de um dos dias principais de jejum51, que não possa violar; mas os irmãos continuem

51 Como no período da Quaresma

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a observar as normas do jejum.” (BENTO, 2003, p. 115). O capítulo 56 (Da mesa do Abade) nos

diz: “Tenha sempre o Abade a sua mesa com os hóspedes e peregrinos. Toda vez, porém. que não

há hóspedes, esteja em seu poder chamar dentre os irmãos os que quiser, mas um ou dois dos

mais velhos devem sempre ser deixados com os irmãos, por causa da disciplina.” (BENTO,

2003, p. 121) Aqui percebemos mais uma vez, a importância dada ao momento das refeições. A

mesa do Abade é um lugar que exprime certo privilégio, na qual ele recebe seus escolhidos, ou o

próprio Cristo na pessoa do hóspede. É também na disposição das mesas do refeitório, no espaço

“reservado à alimentação dupla”, que se expressa a hierarquia monástica, assim como o lugar que

os monges devem ocupar (de igualdade ou superioridade). A comensalidade, de acordo com

Henrique S. Carneiro, é a prática de se comer junto, partilhando a comida, mas também é

definidora de “espaços” : “A comensalidade ajuda a organizara as regras da identidade e da

hierarquia social (...) assim como ela serve para tecer rede de relações serve também para impor

limites e fronteiras, sociais, políticas, religiosas, etc.” (CARNEIRO, 2205, p.72). Embora o

regime monástico procure evitar em todo tempo às ordenações sociais seculares, não consegue

abster-se de significações mais amplas, externas ao cenóbio, como a da simbologia existente

entre o rito alimentar e as organizações sociais em uma comunidade.

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CONCLUSÃO

Analisando todos os elementos referentes à alimentação na Regra de São Bento, pudemos

compreender um pouco mais sobre a mentalidade monástica beneditina da Alta Idade Média, já

que a moralidade cristã e suas lógicas de pensamento acabam por moldar todos os aspectos do

quotidiano cenobítico, incluindo a alimentação. Se observarmos que nesse contexto, o ideal

monástico esta se disseminando pelo Ocidente, difundido e reforçando o cristianismo e, de

alguma forma, auxiliando na construção do poder da Igreja Católica, podemos perceber a

importância do monacato e dos ideais que ele divulga na formação da mentalidade medieval

como um todo.

Pontuaremos aqui algumas das principais conclusões que pudemos chegar através da

análise da Regra beneditina, assim como da bibliografia pertinente e das outras fontes já

mencionadas, relacionando aspectos alimentares do quotidiano monástico beneditino da Alta

Idade Média à simbologias e significações presentes no pensamento predominante da vida em

comunidade religiosa.

Percebemos que a obrigatoriedade do serviço mútuo na mesa de um mosteiro e o sistema

de revezamento dos semanários da cozinha indicam um ideal de igualdade entre os monges, o

qual simboliza, em última instância, uma renúncia à organização em ordens sociais específicas

presente na sociedade laica. Porém essa igualdade perante Deus refere-se apenas à condição

social, pois é evidente uma organização hierárquica na Regra de São Bento. Esta ordenação, no

entanto, deveria ser definida pelas qualidades espirituais e pela obediência à Regra e não pela

posição social a qual pertencia um indivíduo antes de tornar-se um monge. A hierarquia interna

de um mosteiro era expressada também nos ritos alimentares já que a disposição dos monges no

refeitório aponta para o espaço que cada um ocupa. A mesa do abade, por exemplo, é um espaço

dos privilegiados, dos seus “escolhidos”, e também dos hóspedes, que deveriam ser recebidos

como se fossem o próprio Jesus Cristo.

Um dos elementos mais evidentes na fonte aqui analisada é a idéia de uma “alimentação

dupla”, pois o momento das refeições não se caracteriza apenas pelo abastecimento do corpo,

mas também o da alma. Nesse último caso a função de “cozinheiro” se transpõe para o leitor

semanário, o qual deveria realizar as “leituras sagradas” em voz alta enquanto os monges comiam

em absoluto silêncio.

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O silêncio aparece como uma qualidade necessária a um monge beneditino, pois este não

deve murmurar, nem ser dado a conversas e ao riso. Esse aspecto é fundamental no momento da

“dupla refeição”. A Regra nos deixa claro que uma das principais preocupações de seu autor é

controle do corpo, pois este é a morada da alma. Sem um corpo submetido a um rigoroso

controle, o espírito se torna mais propenso aos vícios e pecados. Isso se reflete também no

controle da fala, ou seja, na exigência do silêncio, mas principalmente, no controle da gula.

O que se come e o quanto se come são fatores cuidadosamente determinados na Regra

beneditina. Um monge não deve alimentar-se de carne vermelha, não só em sinal de sacrifício,

mas também como prova de renúncia aos “prazeres da carne”, que aqui possui sentido duplo.

Observamos que a carne vermelha, já em passagens bíblicas, esteve sempre associada de alguma

forma à virilidade do homem, ao pecado original, portanto, à sexualidade. Além disso, a renúncia

a esse alimento, tão apreciado pelos nobres guerreiros, tornando-se até mesmo o símbolo da força

física humana, significa também a negação ao código aristocrático. Um monge não poderia viver

na abastança, portanto sua alimentação deveria assemelhar-se a dos camponeses mais humildes.

O vinho, bebida sagrada por simbolizar o “sangue de Cristo”, também deveria ser consumido em

medida definida pela Regra, pois se ingerido em excesso poderia gerar o descontrole, não só do

corpo, mas também o do espírito. A Regra determina que um monge nunca deve comer até a

saciedade e deve jejuar em vários dias do ano. A alimentação, portanto, está sempre submetida ao

controle, exigindo o domínio do corpo, e conseqüentemente, a inexistência de pecados

relacionados fundamentalmente a qualquer forma de prazer físico.

Embora esse controle se apresente como uma tarefa individual a coletividade torna-se um

elemento essencial na medida em que contribui para a realização de uma vigilância mútua. A

comensalidade, ato de se comer em conjunto, em horários rigorosamente definidos pela Regra, é

também uma forma de se exercer um controle. Nada pode ser consumido fora de um mosteiro

pelos seus integrantes, muito menos fora do horário definido. Sendo assim, os monges não devem

apenas servir uns aos outros no que se refere ao alimento, mas também se vigiar mutuamente.

A alimentação em comunhão, tanto com Deus, através das palavras proferidas pelo leitor,

como com os irmãos, é um momento carregado de simbologias e, portanto, de extrema

importância para uma eficaz modelação do espírito monástico. Sendo assim, a privação desse

espaço para um monge é uma punição. As faltas cometidas por um monge, como alguma

desobediência à Regra ou ao Abade deveria ser corrigida principalmente através da excomunhão,

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que na Regra beneditina possui uma significação específica, a privação da comunhão á mesa.

Portanto, tanto a inclusão na refeição coletiva, como o castigo de ausentar-se a esse momento

sagrado, são formas “educativas” de se reforçar o ideal da moralidade cristã monástica.

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