MOLDURAS FOTOJORNALÍSTICAS DA MAGNUM: ENSAIOS AUDIOVISUAIS DE GUERRA E DE RITUAIS DE FÉ
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARABA PR-REITORIA DE PS-GRADUAO
CENTRO DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAO PPGCOM
MESTRADO EM COMUNICAO E CULTURAS MIDITICAS
LORENA CHRISTINA BARROS TRAVASSOS
MOLDURAS FOTOJORNALSTICAS DA MAGNUM:
ENSAIOS AUDIOVISUAIS DE GUERRA E DE RITUAIS DE F
Joo Pessoa, Paraba 2014
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LORENA CHRISTINA BARROS TRAVASSOS
MOLDURAS FOTOJORNALSTICAS DA MAGNUM:
ENSAIOS AUDIOVISUAIS DE GUERRA E DE RITUAIS DE F
Dissertao apresentada, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre, ao Programa de Ps-Graduao em Comunicao da Universidade Federal da Paraba. Linha de Pesquisa: Culturas Miditicas Audiovisuais. Orientadora: Prof. Dra. Nadja Carvalho
Joo Pessoa, Paraba 2014
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LORENA CHRISTINA BARROS TRAVASSOS
MOLDURAS FOTOJORNALSTICAS DA MAGNUM:
ENSAIOS AUDIOVISUAIS DE GUERRA E DE RITUAIS DE F
Dissertao apresentada, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre, ao Programa de Ps-Graduao em Comunicao da Universidade Federal da Paraba. Linha de Pesquisa: Culturas Miditicas Audiovisuais. Orientadora: Prof. Dra. Nadja Carvalho
Aprovada em: ___/___/2014
____________________________________ Profa. Dra. Nadja Carvalho/UFPB
(Orientadora)
____________________________________ Prof. Dr. Cludio Paiva/UFPB
(Examinador)
____________________________________ Prof. Dr. Jos Afonso Jnior/UFPE
(Examinador)
Joo Pessoa, Paraba 2014
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F
sf.
1. Convico e crena firme e incondicional, alheia a argumentos da razo. 2. Confiana, convico,
crdito. 4. Rel. A primeira das trs virtudes teologais (f, esperana e caridade). 5. Afirmao,
comprovao, asseverao de algum fato. 6. Compromisso de fidelidade palavra dada.
***
Dedico esta dissertao queles que tiveram f no meu trabalho,
alm dos dois anos do mestrado:
minha me, Ana Maria; e aos meus irmos, Jnior e Lal.
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AGRADECIMENTOS
minha famlia, que tanto ajudou no meu retorno a Joo Pessoa.
minha querida orientadora, Dra. Nadja Carvalho, pela pacincia, bondade e
ensinamentos desde a graduao em Jornalismo na UFPB.
Aos professores Dr. Cludio Paiva e Dr. Jos Afonso Jnior, por aceitarem
gentilmente participar da banca de defesa desta dissertao.
Aos professores do Mestrado que muito me ensinaram, e aos colegas de
curso da linha de Culturas Miditicas Audiovisuais, que dividiram os problemas,
assim como ajudaram a esquec-los.
Priscila Vilarinho, por ter lido e revisado com carinho o texto da dissertao
e pelas conversas sobre fotografia.
minha amiga querida Luciana Orvat, por me apoiar diante da deciso de
largar tudo para voltar a estudar.
CAPES pelo financiamento da pesquisa.
Gal Costa, por ter me alegrado nas horas de convvio comigo mesma.
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It is the framework which changes with each new technology and not
just the picture within the frame.
Marshall McLuhan
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RESUMO
A pesquisa compreende o estudo de ensaios fotojornalsticos que integram projeto Magnum in Motion, produzido pela agncia fotogrfica Magnum, disponveis na internet e acessados por um sujeito participador. O propsito central examinar o uso comunicacional e artstico de molduras atribudos aos limites das imagens, nos ensaios Theater of War (2011), de Moises Saman e Entre ciel et terre (2009), de Cristina Rodero. Dentre os objetivos buscamos identificar as principais caractersticas de enquadramentos/molduras encontradas nos ensaios: o primeiro, retrata os ltimos dias do ditador Gaddafi na Lbia em meio a uma guerra civil chamada de Revoluo Lbia; o segundo, aborda as dualidades das tradies religiosas de diferentes povos e rituais pagos. Os enquadramentos de imagens jornalsticas delimitam informaes e ao mesmo tempo expressam aspectos estticos, de acordo com o ponto de vista do fotgrafo, constituindo uma linguagem audiovisual prpria, com seus repertrios e suas regras de combinao e de uso. O nosso aporte terico para o estudo de enquadramentos/molduras utiliza os autores Aumont (2004, 2006), Martin (2005), Nth (2006) e Deleuze (1983). Como procedimento metodolgico, levamos em conta a dinmica de cada ensaio fotojornalstico, mantendo um primeiro contato espontneo com o material para em seguida definir estratgias de leitura, tais como: identificar tipos de molduras, examinar suas formas de recorte de imagens e funes de significao jornalstica e esttica. Palavras-chave: Agncia Magnum. Ensaio fotojornalstico. Enquadramento. Moldura. Audiovisual.
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ABSTRACT
The research aims to study into photojournalism essays that form part of the project "Magnum in Motion produced by the photo agency Magnum, available on the internet and accessible to participator. The study's central purpose is to examine the use of communication and artistic framing assigned to the limits of images in the essays Theater of War (2011) by Moises Saman and Entre ciel et terre (2011) by Cristina Rodero. One of the objectives will be to seek to identify the principal characteristics of the framework identified in the essays: the first essay depicts the last days of former dictator Muammar Gaddafi in the midst of a civil war known as the Libyan Revolution, the second deals with the dualities of different peoples cultural traditions and paganism rituals. The frames of the images delimit information whilst at the same time expressing esthetic feelings, always from the photographers point of view, constituting an audio-visual language of its own, with their own repertoire, combination rules and use. Our theoretical framework for the study of framing uses the authors Aumont (2004, 2006), Martin (2005), Nth (2006) and Deleuze (1983). Our methodological procedure will be to take into account the dynamic of each essay, maintaining initially a spontaneous contact with the material then moving to define reading strategies such as to identify types of framing, examine forms of image cropping and other significant journalistic and artistic functions.
Keywords: Magnum Photos. Photojournalism Essays. Frame. Framing. Audiovisual.
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LISTA DE FIGURAS
Figuras 1 e 2 Funo retrica na moldura ................................................... 42
Figuras 3 e 4 Quadros-limite na pintura ....................................................... 44
Figura 5 Pintura Retrato na bolsa de valores (1879), de Degas................... 44
Figura 6 Superenquadramento em Os sonhadores (2003), de Bertolucci .. 47
Figura 7 Desenquadramento em Klassenverhltnisse (1984)(...)................. 48
Figura 8 Referncia ao extraquadro em Theater of War.............................. 53
Figura 9 Referncia ao extraquadro em Entre Ciel et Terre......................... 54
Figura 10 Metamoldura com retrato do ditador............................................. 60
Figura 11 Metamoldura com outdoor ........................................................... 61
Figura 12 Metamoldura com fotos................................................................ 62
Figura 13 - Moldura de montagem na abertura do ensaio............................... 63
Figuras 14 e 15 Molduras de montagem com o ditador Gaddafi.................. 64
Figura 16 Moldura descritiva com civil.......................................................... 64
Figura 17 Plano de conjunto com enquadramento plonge......................... 65
Figuras 18 e 19 Desenquadramento nas molduras do desfecho................. 66
Figura 20 Moldura descritiva na abertura..................................................... 72
Figuras 21, 22 e 23 Molduras de reenquadramento, em ritual de transe..... 75
Figuras 24, 25 e 26 Molduras de reenquadramento, em carnaval do Haiti.. 75
Figuras 27, 28 e 29 Molduras de reenquadramento, no Burning Man.......... 77
Figuras 30, 31 Molduras descritivas, em cena de beata e de feira ertica.. 77
Figura 32 Moldura composta de retratos de mortos..................................... 78
Figura 33 Moldura de montagem sobre a morte........................................... 79
Figura 34 Metamoldura com crianas exibindo fotos de outra criana........ 79
Figura 35 Moldura de montagem sobre a vida e a perda............................. 80
Figura 36 Plano de conjunto em ritual religioso............................................ 81
Figura 37 - Moldura de montagem em rituais catlicos na Espanha.............. 82
Figura 38 Enquadramento plonge na cachoeira......................................... 83
Figura 39 O co e a gua............................................................................. 83
Figura 40 O cavalo........................................................................................ 84
Figura 41 Alma dormindo.............................................................................. 84
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LISTA DE APNDICES
APNDICE A FICHA TCNICA DE THEATER OF WAR............................................. 94
APNDICE B TRANSCRIO DA NARRAO DO ENSAIO THEATER OF WAR............. 95
APNDICE C HISTRIA DE GADDAFI NA GUERRA CIVIL LBIA................................ 96
APNDICE D FICHA TCNICA DE ENTRE CIEL ET TERRE....................................... 100
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SUMRIO
INTRODUO............................................................................................ 12
1 MTODO DE LEITURA ............................................................................... 14
1.1 A IMAGEM-RELAO.................................................................................. 15
1.2 O PARTICIPADOR INTERESSADO.................................................................. 16
1.3 UMA ESTRATGIA POSSVEL........................................................................ 17
2 DA IMAGEM JORNALSTICA AO ENSAIO FOTOJORNALSTICO ........................ 19
2.1 A COMPLEXIDADE DA IMAGEM FOTOJORNALSTICA....................................... 19
2.1.1 Fotografia e jornalismo........................................................................ 21
2.1.2 Uso e forma do fotojornalismo........................................................... 22
2.1.3 Fotojornalismo na internet.................................................................. 23
2.2 O ENSAIO AUDIOVISUAL FOTOJORNALSTICO................................................ 25
2.2.1 Da literatura para a imagem................................................................ 25
2.2.2 O ensaio fotojornalstico..................................................................... 28
2.2.2.1 Os ensaios fotogrficos da Agncia Magnum........................................ 31
2.2.2.2 O ensaio audiovisual na Magnum in Motion........................................... 34
3 MOLDURAS NA PINTURA, NO CINEMA E NO ENSAIO FOTOJORNALSTICO....... 37
3.1 A PERCEPO DA IMAGEM: BORDA, CONTORNO, MOLDURA........................... 37
3.2 A MOLDURA E SUAS FUNES.................................................................... 40
3.3 APRESENTAO DAS MOLDURAS................................................................ 43
3.3.1 Moldura na pintura............................................................................... 43
3.3.2 Moldura no cinema............................................................................... 45
3.3.3 Moldura no ensaio fotojornalstico.................................................... 49
3.4 POR FORA DA MOLDURA, O EXTRAQUADRO.................................................. 52
4 MOLDURAS DE SIGNIFICAO.................................................................... 56
4.1 THEATER OF WAR, O DESFECHO TEATRAL NA LBIA....................................... 57
4.1.1 A histria por trs das molduras........................................................ 58
4.1.2 Molduras na teatralizao da guerra.................................................. 59
4.2 ENTRE CIEL ET TERRE, DUALIDADES E CONTRADIES DA VIDA.................... 67
4.2.1 O que h entre o cu e a terra?........................................................... 69
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4.2.2 Molduras de uma religiosidade ecltica............................................. 72
4.2.2.1 Vodu, f e sacrifcio................................................................................ 74
4.2.2.2 Exaltao da carne, erotismo e sexo..................................................... 76
4.2.2.3 Morte, cemitrio e dor da perda............................................................. 78
4.2.2.4 Penitncia, batismo e rituais de f.......................................................... 81
4.2.2.5 Mistrios da f, sacrifcio e o sobrenatural............................................. 82
5 CONSIDERAES FINAIS........................................................................... 86
REFERNCIAS........................................................................................... 89
APNDICE A FICHA TCNICA DE THEATER OF WAR.................................... 94
APNDICE B TRANSCRIO DA NARRAO EM THEATER OF WAR............... 95
APNDICE C HISTRIA DE GADAFFI NA GUERRA CIVIL LBIA....................... 96
APNDICE D FICHA TCNICA DE ENTRE CIEL ET TERRE............................. 100
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INTRODUO
Esta pesquisa compreende o estudo de ensaios fotojornalsticos, disponveis
no site do projeto Magnum in Motion (2004), com vistas ao exame do formato
audiovisual sob os limites de enquadramentos, contornos e molduras da imagem.
Elegemos dois ensaios fotojornalsticos Theater of War (Teatro da Guerra) e Entre
ciel et terre (Entre o cu e a terra) - para o exame das formas de delimitao de suas
imagens, vistas aqui como superfcies de telas de acordo com Vilm Flusser (2007).
A estrutura de linguagem desses ensaios permitiu investigar como diferentes
formas de recortes de imagens sequenciadas impem ritmo e significados a seus
contedos. Os enquadramentos (molduras), relacionados aos ensaios fotogrficos
pesquisados, possuem propsitos que vo desde o intento de comunicar at o de
expressar competncias artsticas. A nossa ateno se voltou para reconhecer como
possvel um recorte de imagem promover propsitos jornalsticos e estticos.
Que aspectos fotojornalsticos so valorizados sob o recorte e a montagem
das imagens? Tais limites da superfcie da imagem teriam algo a comunicar e a
promover significados? claro que sim, a forma do recorte das imagens e a
sequncia imposta nos ensaios so recursos de interesse de nossa pesquisa.
Vale dizer que, os ensaios fotogrficos jornalsticos, disponveis no projeto
Magnum in Motion (2004), sero observados na proximidade mantida com outros
formatos audiovisuais, tais como: fotodinamismo, vdeo documental, videoarte, etc.
O propsito maior deste recorte decorre da compreenso de que existem
caractersticas prprias, identificveis a partir de um exame investigativo sobre
enquadramentos ou molduras encontrados nos ensaios.
O nosso aporte terico para o estudo de enquadramentos/molduras utiliza as
noes e conceitos de autores como: Aumont (2004, 2006), Martin (2005), Nth
(2006) e Deleuze (1983). Outros estudiosos, como Santaella (2005, 2008, 2012) e
Machado (2003, 2007, 2008), tambm so importantes para o nosso estudo da
mdia fotogrfica na internet. Levamos tambm como contribuio as obras de
Barthes (1984, 1990) e Sontag (2003, 2004) para o exame especfico da fotografia,
por consider-los importantes ao estudo dos ensaios fotogrficos audiovisuais.
O presente trabalho tem por objetivo central investigar como os sentidos
emergem das molduras nos ensaios do projeto Magnum in Motion. Outros objetivos
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secundrios tambm fazem parte da pesquisa, tais como: Identificar caractersticas
prprias de enquadramentos e molduras; examinar a configurao da comunicao
sob o recorte de enquadramentos; conhecer a estrutura de linguagem e opes de
acessos; para ao final, compreender como o ensaio fotojornalstico comunica e
expressa sentidos atravs dos recortes na imagem.
A moldura que se constitui como objeto desta dissertao , sobretudo,
relacionada forma estabelecida na fotografia, no sentido de entender como
funciona a delimitao e composio no interior das bordas da imagem. Dito isso,
dividimos a dissertao em quatro captulos que apresentam a trajetria
desenvolvida em nossa pesquisa.
O primeiro captulo apresenta os procedimentos metodolgicos adotados,
dentre os quais tratam da relao entre a imagem digital e o sujeito; e do sujeito
participador, conceito criado por Hlio Oiticica.
O segundo captulo sistematiza consideraes sobre a fotografia e o
jornalismo, trata do uso e da forma do fotojornalismo e da presena do
fotojornalismo na internet. Na sequncia, aborda o conceito de ensaio na literatura e
suas implicaes no ensaio fotogrfico, para chegar ao conceito de ensaio
fotogrfico audiovisual. Apresenta autores como Arlindo Machado (2003) com a
noo de filme-ensaio e Ronaldo Entler (2013) que define o ensaio fotogrfico como
percurso de pesquisa, de narrativa, de processos de experimentaes.
O terceiro captulo apresenta as definies e funes das molduras para
ajudar a compreender como elas se comportam no audiovisual. So identificadas as
molduras na pintura e no cinema, em suas aproximaes com as molduras
fotogrficas. Com isso, foi possvel ver as caractersticas que se sobressaem a partir
da forma do ensaio fotojornalstico.
No quarto e ltimo captulo, analisamos as molduras nos ensaios Theater of
War (2011) e Entre ciel et terre (2009), observando suas imagens enquadradas em
sequncia. So apresentadas diferentes possibilidades de molduras, obtidas nos
campos da pintura e do cinema, vistas como recortes de imagens e estmulo
imaginao, alm de comunicar contedos jornalsticos.
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CAPTULO 1
MTODO DE LEITURA
Para ler um ensaio fotojornalstico exigido um mtodo de leitura no-verbal
que, primeiramente, seja operacionalizado conforme a dinmica de cada ensaio; por
isso compreendemos que por ser processual, esteja aberto para ser refeito sempre
que se fizer necessrio. Sabemos ainda que nas leituras realizadas sempre esto
inseridos nossos repertrios e a memria de informaes j asseguradas e outras
informaes que sero pesquisadas, que compreendem tambm as nossas
experincias emocionais e culturais, individuais e coletivas (FERRARA, 1991).
Mesmo que o ato de ler remeta apenas a leitura de palavras, Santaella
(2012) argumenta que desde os livros ilustrados, e depois jornais e revistas, a leitura
como ato de decifrao no era apenas direcionada s letras, pois estaria
incorporando as relaes entre palavra e imagem; entre o texto, foto e legenda. A
exploso dos grandes centros, o surgimento da publicidade e a consequente unio
da palavra escrita, alterou o olhar da vida cotidiana, diante das embalagens,
cartazes, produtos, etc., tornando essa leitura das imagens to automtica, de modo
que no nos damos mais conta disso.
Por essa razo, a autora defende uma alfabetizao visual, para que desde
cedo possamos entender como viver nesse habitat imagtico. Nesse sentido,
aprender a ler imagens significa:
...desenvolver a observao de seus aspectos e traos constitutivos, detectar o que se produz no interior da prpria imagem, sem fugir para outros pensamentos que nada tm a ver com ela. Ou seja, significa adquirir os conhecimentos correspondentes e desenvolver a sensibilidade necessria para saber como as imagens se apresentam, como indicam o que querem indicar, qual o seu contexto de referncia, como as imagens significam, como elas pensam, quais so seus modos especficos de representar a realidade (SANTAELLA, 2012, p.10).
A moldura um aspecto constitutivo da fotografia, peculiar e distintivo
imagem, em razo de delimitar informaes visuais e aquelas que ficam sugeridas
alm da margem fotografada. nesse sentido que propomos a leitura das molduras
das imagens sequenciadas da Magnum, com o intuito de apreender as formas
especficas de representao da realidade, considerando os seus contextos de
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referncia.
Para isso, deve-se levar em conta a forma de recepo e acesso dessas
imagens, alm dos conceitos que iro corroborar com nosso mtodo de leitura, pois
por serem imagens jornalsticas, preciso compreend-las conforme sua
complexidade, ou seja, preciso levar em considerao tambm aspectos de sua
audiovisualidade, de sua natureza jornalstica e do ambiente da internet no qual
esto inseridos.
1.1 IMAGEM-RELAO
Encontrar um mtodo para visualizar os ensaios audiovisuais da Magnum
requer a proposio de uma leitura que relacione o sujeito que visa e as imagens
que so visadas. A imagem fotogrfica, antes esttica, se apresenta neles em
movimento e h uma inter-relao com as outras imagens que compem cada
sequncia. justamente na sequencializao das mesmas que estar o sentido da
histria contada pelas molduras.
Logo de incio, para a visualizao dessa forma audiovisual, necessrio ter
uma postura participativa para que a mesma se desenvolva. Aqui, no se trata de
uma fotossequncia simplesmente, mas de uma forma fotogrfica que acessada
na internet e exige uma ao do receptor nos ensaios, tanto para que se inicie, tanto
para que se controle o percurso das exibies. Essa relao entre o homem e a
imagem foi denominada por Boissier (2005) como imagem-relao, que o
resultado da associao entre uma imagem digital e o sujeito, onde a primeira
solicita a interveno direta para que se desenvolva e exista enquanto tal. Segundo
Boissier, "a imagem-relao seria a presentificao1 direta de uma interao" (apud
MACIEL, 2008, p.167).
A imagem-relao define a nossa forma de acionar os ensaios audiovisuais
da Magnum, pois esses necessitam um input para responder com o output
solicitado. A partir disso, precisamos de um comportamento que associe essa
relao a uma leitura mais eficaz dos ensaios. isso o que teremos com o
participador.
1 Presentificao tem como sentido filosfico o ato pelo qual um objeto se torna presente sob a forma de imagem (Dicionrio Online de Portugus). Disponvel em: . Acesso em: 19 jun. 2013.
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1.2 PARTICIPADOR INTERESSADO
O sujeito que assiste a um filme citado por Graa (2006, p.83) como um
espectador interessado, que investe ateno, imaginao, memria e emoo e na
percepo de tridimensionalidade e do movimento. Isso porque, o filme no existe
seno no tempo em que percebido, pedindo um espectador acordado e atento ao
que acontece na tela.
Esse sujeito no cinema se caracteriza como um espectador, pois no possui a
capacidade de modificar as imagens que so ali apresentadas, ele senta em uma
sala escura e imersiva, e recebe a narrativa de uma s vez, no podendo intervir em
seu fluxo.
J no caso da exibio de um vdeo no computador conectado internet, o
sujeito receptor no pode mais ser visto como um mero espectador. No nos
comportamos como um sujeito que est diante de, como aquele que observa uma
pintura renascentista ou assiste um filme no cinema; hoje fazemos parte de, no
momento em que passamos a participar e a nos comportar como um sujeito que faz
escolhas ao assistir um vdeo no computador.
Estamos falando de um conceito que foi criado por Hlio Oiticica para o
sujeito que se relaciona com a obra e que parte essencial para que ela se
desenvolva: o participador. Tendo essa relao em mente, achamos apropriado que
ns, enquanto pesquisadores de um objeto que se localiza na internet e que une o
esttico ao fotojornalstico, adotemos a noo desse contexto comportamental no
exame dos ensaios fotogrficos. Assim como somos imprescindveis para que essas
apresentaes fotojornalsticas sejam visualizadas, podemos tambm interromp-las
quantas vezes necessitarmos, modificando o seu fluxo, do mesmo modo que
qualquer outro sujeito que acessa os ensaios na internet.
Na participao proposta por Hlio, no se trata de recolocar o homem como centro da obra e confirmar uma expressividade que lhe seria intrnseca, como uma leitura apressada poderia levar a crer. Trata-se de coloc-lo em movimento no espao, em pulsao com a cor, em gestos se desenrolando temporalmente. Trata-se de assum-lo como instvel diante de um trabalho rigorosamente concebido em sua instabilidade e precariedade (RIVERA, 2009, p.111).
Esse comportamento instvel caracterstico do sujeito que acessa imagens
na internet, pois elas se apresentam na mesma tela com outros estmulos luminosos,
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como links, anncios, espaos colaborativos, entre outras ferramentas que
constituem esses espaos dispersivos e que terminam por corroborar com uma
esttica da interrupo. Maciel (2008, p.164) fala que esse comportamento no se
refere mais durao do que se desenvolve nos limites da tela, mas ao corte,
interrupo, montagem e a combinao que est disponvel ao participador. Essa
interrupo que a pesquisadora fala se d no sentido de suspender, atalhar, fazer
parar por algum tempo.
O sujeito que assiste ao ensaio fotogrfico, portanto, vem sendo reformulado
com os meios digitais em direo a um ambiente no-imersivo, mas participativo.
Estamos estabelecendo novas relaes com a imagem, onde somos ns que
tomamos a iniciativa de apertar o play ou interrompermos o ensaio fotojornalstico,
sendo justamente essa a caracterstica que nos difere do espectador do cinema.
Como pesquisadores adotamos essa perspectiva, mas no agimos como um
usurio comum ou mesmo um mero explorador. Nos referimos a um procedimento
de participao que realizado com a interferncia no ritmo da exibio: podemos
parar, avanar, retroceder, saltar, ou encerrar, como possibilidades de exame da
sequncia fotogrfica exibida. Uma vez diante da tela para decifrar os cdigos
audiovisuais, h um investimento em ateno, tempo e memria. A nossa percepo
do movimento e da tridimensionalidade das imagens est relacionada com
sensaes e associaes que despertam nossas experincias individuais e
coletivas, vivenciadas e conservadas. Somos participadores interessados enquanto
pesquisadores.
1.3 UMA ESTRATGIA POSSVEL
Diante do que foi apresentado em imagem-relao e o participador interessado, e
aps algumas investidas na tentativa de encontrar um caminho de investigao
sobre as molduras em ensaios fotojornalsticos, reconhecemos que seja mais
apropriado falar em procedimentos metodolgicos que propriamente em mtodo.
Operar uma pesquisa sobre molduras significa depender da dinmica de cada
ensaio escolhido, portanto, adotamos de incio um contato mais espontneo com o
material, a exibio foi acompanhada com ateno, com inteno de leitura claro,
mas sem estabelecer nenhum tipo de controle nessa primeira abordagem. A
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aproximao inicial foi de pura empatia fotogrfica, a qualidade do material
jornalstico forneceu possibilidades ao estudo de molduras, ocorreu uma provocao
do objeto e assim chegamos at ele.
Num segundo momento, tivemos que estabelecer um modo de leitura, criamos
estratgias objetivas de controle, como, por exemplo, assistir vrias vezes at
identificar tipos de molduras e defin-las para alm de suas caractersticas formais
at encontr-las ampliadas em suas funes. Retomamos contribuies tcnicas de
enquadramento na pintura e no cinema, por exemplo, considerando movimentos de
cmera e tipos de planos, montagens e composies. Consideramos ainda a
combinao de dois ou mais recursos de controle para conjugar melhor as situaes
entre as funes jornalstica e esttica dessas imagens.
Procuramos acomodar a complexidade de momentos simultneos que relaciona
instantes de ateno, de sensaes e de associaes, despertando o nosso
repertrio de experincias sensveis e culturais para podermos visualizar melhor
essa composio integrada e reflexiva da nossa percepo. Temos conscincia do
carter provisrio e parcial das leituras, estamos lidando com cdigos audiovisuais,
numa apreenso simultnea de processos visuais em movimento, sonoridades, tudo
isso acontece enquanto estamos acompanhando a sequncia das imagens, onde os
processos vo se misturando e se completam. Tem poesia ali, tem material
jornalstico aqui, ento, natural que a leitura se refaa nessa dinmica. Os ensaios
so tomados em suas associaes possveis, contudo, perseguimos comparaes
imprevistas, queremos descobrir. Sabemos: cada ensaio sinaliza para uma forma
especfica de leitura.
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CAPTULO 2
DA IMAGEM JORNALSTICA AO ENSAIO FOTOJORNALSTICO
Neste captulo, apresentamos consideraes sobre a fotografia e o jornalismo,
tratando do uso e da forma do fotojornalismo e da configurao com sua presena
na internet.
Na sequncia, para compreendermos o que seria o ensaio fotojornalstico
produzido pelo projeto Magnum in Motion, definimos o que significa ensaio, suas
particularidades e o que esse termo confere s fotografias em movimento. A origem
dessa palavra define uma forma especfica de produo, seja na literatura ou nas
imagens tcnicas.
Na definio de ensaio fotogrfico veremos como ele passou a ser
produzido de forma jornalstica na mdia impressa, para ento chegarmos forma
fixa e mvel do ensaio fotojornalstico tal como ele se apresenta na agncia
Magnum, em sua forma audiovisual disponvel na internet.
2.1 A COMPLEXIDADE DA IMAGEM FOTOJORNALSTICA
A questo emblemtica do fotojornalismo que ele pede ao ndice para se
legitimar, mas, com a imagem fotogrfica digital, onde se encontra a marca indicial?
Como conciliar, ento, o registro jornalstico com a tecnologia que opera tais cortes e
apagamentos das marcas indiciais do mundo objetivo com o acesso aos softwares
de edio? Essa a questo fundamental que fez gerar a noo de imagem
complexa, adotada por alguns estudiosos e que, naturalmente, merece ser
evidenciada na leitura fotojornalstica.
O conceito de imagem complexa, cunhado pelo professor Josep Maria Catal
(2005) no se trata apenas de uma adaptao conceitual do pensamento complexo
de Edgar Morin2, mas da criao de uma noo diferenciada de leitura do mundo por
meio de imagens.
2 O pensamento complexo a unio entre a simplicidade e a complexidade. Isso implica processos
como selecionar, hierarquizar, separar, reduzir e globalizar. Tratase de articular o que est dissociado e distinguido e de distinguir o que est indissociado. Mas no uma unio superficial, uma vez que
essa relao ao mesmo tempo antagnica e complementria. Disponvel em:
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20
Antes mesmo de compreender o conceito, preciso saber que a sociedade em
que vivemos passou por uma transio da cultura textual para a cultura da imagem,
e hoje estamos num terceiro momento, que Catal chamou de cultura visual. Para
ele, a cultura visual refere-se a uma tendncia em expor o que existe a partir da
imagem. Mas, como a passagem da "cultura da imagem" cultura visual se deu de
forma muito rpida, a noo da segunda se sobrepe primeira, j que ambas
fazem parte da realidade contempornea. Portanto, se o termo complexo, do latim
complexus, quer dizer aquilo que tecido em conjunto, a imagem da cultura visual
atua, nesse sentido, em conjunto com a cultura da imagem, no a exclui. Enquanto
que na cultura da imagem o que est em jogo a imagem, na cultura visual
existem as imagens.
A sociedade contempornea formada por um conglomerado de imagens, de
ideias, numa ecologia do visvel dentro de suas vrias manifestaes. Essa
mudana cultural est ligada ao surgimento da imagem em movimento, que no final
do sculo XIX quebrou o paradigma da imagem fechada, ou seja, as imagens
passaram a ser correlacionadas a noes de temporalidade e espacialidade, e no
mais fechadas em um domnio aurtico como visto na obra de arte (BENJAMIN,
1994).
Para Josep Catal (2005), portanto, da combinao interno/externo,
fixo/mvel, espao/tempo, subjetivo/objetivo, foi que surgiu a verdadeira noo de
complexidade visual: Tratava-se de pensar as imagens, mas tambm de pensar
com as imagens, para colocar sua particular fenomenologia e os problemas
epistemolgicos, cognitivos e estticos que as envolvem." O autor esclarece: Isso
no quer dizer que a imagem, a visualizao, seja um simples instrumento construtor
do real; indica que o real para ser realmente significativo deve ser posto a
descoberto e que a visualizao complexa um caminho efetivo para faz-lo (apud
BUITONI, 2011, p.160-62).
No que se refere nossa pesquisa, na qual a apresentao fotogrfica da
Magnum tem movimento e sons inseridos s imagens antes fixas, possvel dizer
que esses elementos agregadores da fotografia proporcionam um outro nvel de
compreenso ao que est sendo dito, o que num texto escrito no poderia ser
alcanado. Com a utilizao da imagem para expressar emoes, insere-se um lado
. Acesso em: 01 de nov. de 2013.
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subjetivo informao, fornecendo assim uma humanizao ao jornalismo, o que
permite apresentar no s dados concretos como tambm a complexidade do que
reportado. Outro elemento de complexidade inserido com os links que
estabelecem acesso a outras informaes do ensaio audiovisual, como opo de
publicao nas redes sociais e acesso a outros trabalhos do autor que produziu o
ensaio em questo.
A noo de imagem complexa, nessa perspectiva, entende que a ruptura do
vnculo mimtico e de espelho com a realidade deva ser substituda e colocar em
seu lugar a indagao, entendendo a objetividade e a subjetividade, o quadro e o
extraquadro, como elementos da mesma imagem e, que por isso, fazem parte de
uma realidade que precisa ser encontrada.
2.1.1 Fotografia e jornalismo
A Fotografia e o jornalismo relacionam-se com a era industrial, e de l pra c
ela vista como uma matriz das imagens tcnicas, cinema, televiso tanto quanto
das imagens digitais disponveis na internet. A tcnica fotogrfica forneceu caminhos
para outras tcnicas de produo e linguagem imagticas; isso fica claro tambm na
localizao histrica e matricial da fotografia, tal como foi apresentada por Lucia
Santaella e Winfried Nth, em Imagem: cognio, semitica, mdia (1997), quando
discorrem sobre os trs paradigmas da imagem - pr-fotogrfico, fotogrfico e ps-
fotogrfico -, que tem a inveno da fotografia como o marco da produo imagtica,
sendo esse ltimo paradigma o ps-fotogrfico o correspondente ao que
vivenciamos.
As questes de natureza tcnica e digital da fotografia, ensejadas no
paradigma ps-fotogrfico, quando aliada reportagem jornalstica que da decorre,
leva a discusses sobre a fotografia e o real: da mimese como espelho do real; do
cdigo e da desconstruo como transformao do real; do ndice e da referncia
como trao do real. Ou seja, o espectador das imagens digitais tende a no acreditar
cegamente na informao transmitida pela imagem como se esta fosse uma janela
indicial imparcial e objetiva, a mostrar fielmente determinado fato que ocorreu. Hoje
em dia, a discusso refere-se ao fato do fotojornalismo ter perdido o seu atributo
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anterior de mero registrador da realidade e o status de veracidade3 no registro do
real, definitivamente sob o ponto de vista tcnico, com o uso de dispositivos ps-
fotogrficos digitais.
Na discusso da ultrapassagem do analgico para o digital, costuma-se
lembrar de Roland Barthes, em A cmara clara (1984), quando diz que a fotografia
no mente sobre o referente capturado; para em seguida contrapor com autores
como Winfried Nth, em La morte de la fotografie (2006), quando diz que a inovao
da era ps-fotogrfica o desaparecimento do objeto referente da fotografia.
Procuramos ento refletir, nesse contexto terico de ultrapassagens, sobre a
discusso envolvendo a imagem complexa e o fotojornalismo.
2.1.2 Uso e forma do fotojornalismo
Utilizamos a classificao de Dulcilia Buitoni (2011), que se baseia nos modos
como a fotografia jornalstica pode se apresentar com finalidade informativa. Ela
apresenta quatro modalidades: 1 fotonotcia; 2 foto de leitura unitria, 3
fotossequncia, 4 fotorreportagem. Este ltimo, a reportagem fotogrfica (ou
fotorreportagem) identificada: quando o conjunto das fotos forma uma narrativa ou
o grupo ou a srie de fotos so construdos em torno de um tema principal. E
prossegue: O ensaio fotogrfico uma fotorreportagem em profundidade, onde o
fotgrafo pode exercitar seu lado criador (ibid.,94-5).
Estamos nos baseando nesse entendimento que reconhece o potencial
criativo no ensaio fotojornalstico, aspecto que projeta o resultado do trabalho para
alm do carter aprofundado de uma reportagem fotogrfica, criatividade e
profundidade so considerados igualmente importantes, assim que sero
examinados em nossas leituras. Nessa perspectiva acreditamos atender aos
propsitos investigativos de nossa pesquisa, at mesmo por se tratar de material
fotogrfico proveniente da Magnum, uma agncia inovadora no tratamento
multimdia conferido s reportagens fotogrficas disponveis na internet.
3 Tais propsitos como, veracidade, objetividade e imparcialidade sempre acompanharam a pauta de
discusso do jornalismo moderno com alcance na produo do texto e da foto jornalstica, mesmo assim, sob o ponto de vista pragmtico e ideolgico, sempre se discutiu a impossibilidade no cumprimento dessas exigncias normativas especificadas em teorias e manuais de redao jornalstica. Vale dizer que, isso j ocorria bem antes do digital vir impor-se e por fim na veracidade e
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23
2.1.3 Fotojornalismo na internet
Os estudos tericos tradicionais sobre a fotografia no contribuem muito para
examin-la dentro do ambiente da internet. Existe um corpus terico que vai de
Walter Benjamin e Gisle Freund no incio do sculo XX, passando por franceses
mais contemporneos, como Barthes e Bourdieu, chegando a Sontag e Arlindo
Machado no Brasil. Apenas este ltimo se dedicou, bem que por causa do seu
tempo de atividade, aos estudos que tratam das imagens no mundo das redes. Por
isso, necessrio encontrar uma analogia crtica ou potica que melhor se adeque
aos nossos estudos.
Conceitos como studium e punctum, de Barthes, por exemplo, ambos girando
em torno da recepo da imagem (sendo o primeiro em relao ao fotgrafo e o
segundo ao observador), podem ser nitidamente conectados s imagens que hoje
fazem parte do vasto campo da web. Podemos falar tambm da vivacidade dos
textos de Walter Benjamim, como o essencial "A obra de arte na era de sua
reprodutibilidade tcnica", publicado primeiramente em 1955, como caminho sempre
possvel para os estudos da fotografia.
O fotojornalismo, como sabemos, tem sua histria entremeada de evolues
tecnolgicas e rupturas que agem para o encontro de formas cada vez mais
aperfeioadas de se produzir ou veicular imagem. Larga parcela da fotografia
encontrada na internet feita com o recurso de softwares de edio, seja por artistas
ou pelos meios de comunicao de massa. A caracterstica hbrida, portanto,
remetem imagem contempornea que ps-produzida em computador.
Com a emergncia da internet como suporte da nova atividade jornalstica,
estabelece-se tambm uma nova situao para o fotojornalismo. o caso dos
jornais online, que cada vez mais ampliaram as utilizaes da fotografia jornalstica.
Na dcada de 90, os jornais selecionavam fotografias aos moldes do que se fazia
em jornais e revistas impressas, no se tinha uma preocupao com a adequao
do contedo jornalstico e visual ao novo ambiente. Os primeiros ajustes levaram em
conta questes de navegao e de suporte tcnico e, de incio, com a limitao da
velocidade, utilizavam-se fotos de plano americano com poucos detalhes e,
consequentemente, as fotos panormicas eram evitadas (BUITONI, 2011, p.174). Tais
objetividade do objeto referente capturado do real.
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informaes so levadas em conta, tendo em vista que na montagem das imagens
que constituem os ensaios, examinamos os planos em que so enquadrados na
tela.
Retomando, com o avanar dos recursos tcnicos, as produes multimdias
comearam a promover a convergncia da foto com o vdeo, o texto, a fala, os sons,
enfim, tais configuraes passaram a exigir novos formatos de edio e as
possibilidades de participao no acesso de contedos audiovisuais foram
ampliadas. Alguns dos recursos de convergncia - como vdeo conferncia,
educao distncia, games educativos etc. permite que seus usurios no
recebam contedos como antes, na TV aberta, que tem como forma de acesso
apenas o ato de mudar o canal. preciso agora interagir com a imagem que
funciona a partir de vrios comandos acionados pelo sujeito.
O usurio do ensaio fotojornalstico da Magnum, vejamos, entre suas
alternativas de acesso ao contedo, ele pode contar com as opes a seguir: iniciar,
avanar, parar, prosseguir, retroceder e encerrar. Essas opes de acesso para fazer
mover o contedo ocorrem individualmente, nunca simultaneamente. Trata-se de
uma exibio multimdia sequenciada, de estrutura narrativa linear. O ensaio
concebido para ser exibido numa sequencia predefinida, obedecendo a uma
narrativa de informaes verbais, sonoras e visuais, com poucas decises a serem
acionadas.
De antemo se o potencial participativo no acesso dos ensaios reduzido,
por outro lado, no que diz respeito percepo do seu potencial visual e jornalstico
as possibilidades ganham contribuies valiosas e criativas, em particular vinculadas
aos estudos de molduras e enquadramentos, conseguimos identificar no
fotojornalismo outras possibilidades alm da sua funo identificatria, restrita ao
mero reconhecimento da cena, da celebridade, da ocorrncia noticiosa4. o que
ser possvel acompanhar nas leituras analticas dos ensaios Theater of War e Entre
el ciel et tierre.
4 Cf. Fotografia e jornalismo, p.176-77. Um exemplo de imagens fotogrficas com tratamento
multimdia que obteve resultado positivo Clarin.com, da Argentina.
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2.2 O ENSAIO AUDIOVISUAL FOTOJORNALSTICO 2.2.1 Da literatura para a imagem
De acordo com Arlindo Machado (2003, p.64), o termo ensaio foi usado
primeiramente na literatura para se referir a um tipo de discurso cientfico ou
filosfico que carrega atributos literrios, como a subjetividade do enfoque, a
eloquncia da linguagem e a liberdade do pensamento. Essa forma foi criada ainda
no sculo XVI por Montaigne e Bacon, ao proporem uma reflexo profunda, mas
sem efeitos cientficos5. Assim, o ensaio na forma escrita possui caractersticas
diferentes de um relato cientfico ou escrita acadmica, que se constroem a partir de
uma linguagem instrumental, como tambm difere de um tratado, que visa a uma
sistematizao integral de um campo de conhecimento.
Para Ronaldo Entler (2013)6, quando esse termo est associado fotografia
parece muitas vezes equivaler a uma srie, obra ou trabalho. Mas seu uso
implica certa profundidade do trabalho e a apropriao to comum desse termo no
conjunto fotogrfico geralmente feita pela necessidade de afirmao de alguma
complexidade ou mesmo para uma maior aceitao do pblico/empresa que confere
a obra. Com o uso na fotografia, o ensaio assume duas caractersticas: de um lado o
carter reflexivo e do outro a humildade de ser um processo subjetivo de
experimentao fotogrfica.
Segundo Theodor Adorno (apud MACHADO, 2003) o ensaio foi excludo da
produo de pensamento ocidental de razes greco-romanas por se referir a uma
escrita que aborda a verdade sob um ponto de vista pessoal e subjetivo assim como
assume elementos estticos, tornando problemtico o seu reconhecimento no
campo da literatura e da cincia. Esse raciocnio sobre a escrita ensastica proposta
pelo autor frankfurtiano se mostra com base em uma dualidade entre as
experincias cognitiva e sensvel. Contudo, para Machado, o ensaio exatamente a
negao dessa dicotomia, porque nele as paixes invocam o saber, as emoes
arquitetam o pensamento, e o estilo burila o conceito (Ibid., p.65). De acordo com
este autor, a livre expresso do pensamento seria tambm uma forma de
conhecimento, e essa caracterstica o que torna possvel utilizar ensaio como
5 Disponvel em: . Acesso em: 10 jun. 2013.
6 Artigo "Sobre fantasmas e nomenclaturas [parte 1]: ensaio autoral". Disponvel em:
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forma de produo tambm no audiovisual e na fotografia.
A forma ensastica quando utilizada no audiovisual permite uma aproximao
com o documentrio, tendo em vista que as imagens dessa produo so retiradas
do mundo real, e apresentam a experincia do documentarista e sua liberdade de
pensamento. Hoje em dia no dispomos apenas de documentrios (e
documentaristas) puristas, que se utilizam apenas de imagens reais e espontneas:
estes podem apresentar uma agregao de cenas filmadas em estdio, atores e at
cenas ficcionais, pois a sua verdade no reside apenas num registro do real, mas
em um processo de busca e exame do mundo a partir de um olhar conceitual, e isso
o que o aproxima do ensaio.
Mas o filme ensastico proposto por Machado (2003) vai alm do
documentrio, pois ele inclui outras formas narrativas que tm algum tipo de
contribuio a dar em conhecimento e experincia para o mundo. Dessa forma, o
filme-ensaio pode ser produzido sob o formato de vdeo-ensaio, como programa de
televiso ou ainda hipermdia; assim como pode se constituir a partir de qualquer
tipo de imagem, como as captadas por cmeras, desenhadas ou at geradas pelo
computador; e pode tambm possuir textos gerados por caracteres, grficos e
sonoridades diversas. O que importa a construo de uma reflexo sobre o
mundo, que surge sem as amarras de uma realidade explcita, mas que parte de um
ponto de vista singular desenvolvido a partir da observao do nosso entorno, e que
insere tambm uma voz reflexiva, sussurrada, em tom baixssimo, como que
falando para dentro, uma imagem sonora admirvel da linguagem interior: o
pensamento (Ibid., p.73).
Cineastas como Chris Marker e Godard so fieis tradio desse conceito
advindo da literatura por produzirem um cinema reflexivo, com teses e hipteses
sobre o objeto, unindo narrao e imagem no desenvolvimento de suas
argumentaes ou questionamentos. O filme-ensaio, portanto, uma forma de
pensamento audiovisual que se utiliza da realidade para exprimir significados. Assim,
o conceito de ensaio tem seu pice nos filmes de Godard:
com Jean-Luc Godard que o cinema-ensaio chega sua expresso mxima. Para esse notvel cineasta franco-suo, pouco importa se a imagem com que ele trabalha captada diretamente do mundo visvel natural ou simulada com atores e cenrios
. Acesso em: 10 set. 2013.
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artificiais, se ela foi produzida pelo prprio cineasta ou simplesmente apropriada por ele, depois de haver sido criada em outros contextos e para outras finalidades, se ela apresentada tal e qual a cmera a captou com seus recursos tcnicos ou foi imensamente processada no momento posterior captao por recursos eletrnicos. A nica coisa que realmente importa o que o cineasta faz com esses materiais, como constri com eles uma reflexo densa sobre o mundo, como transforma todos esses materiais brutos e inertes em experincia de vida e pensamento (MACHADO, 2003, p.76).
Por mais que o produtor de imagens seja um purista, por acreditar que o filme
se faz na sua condio indicitica, ou seja, a partir da emanao da realidade, a sua
ingnua opo por no falar a partir das imagens ser, de qualquer forma, exercida
pela cmera, quando o mesmo se utiliza de ngulos e pontos de vistas para
representar um referente. Para Machado (2007a), o olhar da cmera no ingnuo
e por isso no h uma realidade que emerge em frente s cmeras: H, sim, a
representao dela. Dessa forma, a contaminao da pea audiovisual por uma
subjetividade implcita praticamente inevitvel na produo icnica, visto que h
um sujeito (o produtor) que mira uma cena e exprime o seu ponto de vista para
apresentar no mais um mundo, mas a sua construo pessoal, conforme sua
prpria cultura e repertrio.
De acordo com Ronaldo Entler (2013), a noo de ensaio trouxe para a
fotografia a condio de percurso, de desenvolvimento, de pesquisa, de discurso,
de narrativa ou, pelo menos, de processo articulado de experimentaes. O ensaio
seria um contraponto a trabalhos compostos por imagens isoladas e dispersas,
combatendo a ideia de que a fotografia apenas um registro da realidade. A
produo fotogrfica, nesse sentido, estabelece um vnculo entre as imagens que
compem o ensaio, para criar um conjunto coeso, um projeto, que se inscreve como
ensastico por utilizar a prpria imagem para moldar esse pensamento. Vale salientar
que esse processo no definido no instante em que foi capturado pela cmera,
mas em seu trabalho posterior, ou seja, no encontro do encadeamento das imagens
que transmitiro a histria a ser contada, porque esse encontro serve como porta-
voz do que o fotgrafo vivenciou e quer contar atravs das fotografias.
A partir desse apanhado com as definies de ensaio e de filme-ensaio,
entendemos o que significa a utilizao do termo ensaio na fotografia e no
audiovisual. Essas duas definies ajudam no entendimento dos ensaios da
Magnum, pois alm de serem fotogrficos, so tambm audiovisuais. Dessa forma,
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compreendemos que o ensaio confere imagens que esto alm da simples captura
do ocorrido ou do mito da objetividade que tanto almeja o fotojornalismo, pois exibe
em suas apresentaes um pensamento mais profundo sobre a cobertura dos fatos,
definido pelo encontro do material e pela escolha da sequncia de molduras
fotogrficas de cada ensaio.
2.2.2 O ensaio fotojornalstico
Com a inveno da fotografia ns passamos a nos comunicar menos atravs
de linhas (cdigo verbal), para cada vez mais utilizarmos uma comunicao em
superfcie (cdigo visual)7. A foto surge como a materializao de um desejo de
conhecer o distante e extico, a realidade poltica de outros locais e, porque no, o
problema dos outros.
De acordo com Susan Sontag (2003), o fluxo contnuo de imagens (televiso,
vdeo, cinema) constitui o meio que nos circunda, mas em termos de recordao a
foto que fere mais fundo. Com essa sobrecarga de informao e imagem, a
fotografia se tornou um meio rpido de apreenso de algo, compactando a
informao e facilitando a memorizao do acontecido. Muitos de ns temos
imagens congeladas em nossas mentes que so relembradas quando mencionamos
algum lugar ou algum acontecimento: elas foram aprisionadas em nosso
inconsciente de forma to rpida que nem nos demos conta. So imagens de
amigos, de lugares, de guerra e de luto que contam a nossa histria, de acordo com
a autora.
Ainda segundo Sontag (2003), desde quando a cmera foi inventada as fotos
tiveram conexo com a morte, pois a imagem produzida pela cmera supera
qualquer lembrana do passado desaparecido e dos parentes que se foram. Alm
disso, posteriormente, com a necessidade de cobrir conflitos para a imprensa, foi
tarefa da fotografia a captura da prpria morte em curso.
As primeiras fotos produzidas em combates foram produzidas durante a
7 O que vemos na superfcie das telas so os cdigos imagticos que passam a reinar em todas as
mdias: As novas formas miditicas, como o cinema e o vdeo, tm incorporado linhas escritas na tela, fazendo com que ela se apresente tambm sob uma superfcie. Se isso acontece, para Flusser, pode-se dizer que o pensamento-em-superfcie vem absorvendo o pensamento-em-linha, ou pelo menos vem aprendendo como produzi-lo (FLUSSER, 2007, p. 109).
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Guerra da Crimia por Roger Fanton. Essas fotos no tinha o carter indicitico do
fotojornalismo, pois eram produzidas a partir da construo de um cenrio ps-
combate, ou ainda, relatavam soldados que posavam diante de suas lentes. Isso
porque a cmera de grande formato e negativos de vidro impediam a agilidade na
locomoo dentro do campo de guerra. Com o advento de negativos mais sensveis,
encurtou-se o tempo de exposio da cena e a cmera pde prescindir do uso do
trip na cobertura da guerra. Foi assim que a fotografia adquiriu mobilidade para
acompanhar in loco a guerra, com a captura de cenas espontneas, passando a
sensao jornalstica de documentao (SONTAG, 2003).
Com a evoluo do jornalismo, a realidade da fotografia alcanou tambm
espao na notcia, a sua chegada teve uma funo importante por mudar a viso das
massas, inaugurando uma comunicao visual que substituiu o retrato privado para
criar a fotografia pblica, ao mesmo tempo em que surgiu como forma de
propaganda e manipulao da populao (FREUND, 1986).
As primeiras fotorreportagens, nas dcadas de 1920 e 1930, alcanaram
publicaes como Munchener Illustrierte Presse e a francesa Vu, mas foi com a
revista americana Life em 1936, que esse gnero jornalstico8 ficou mais conhecido.
Sequncias fotogrficas passaram a contar histrias em jornais e revistas e, alm da
presena de imagens individualmente fortes, era necessrio tambm trabalhar os
significados investidos na relao entre elas. Com a Life9 a fotorreportagem explorou
o potencial da fotografia em sua possibilidade narrativa, isto , atravs da uma
sucesso de imagens que narrassem histrias (KOSSOY, 2007, p.90).
Pela primeira vez a notcia jornalstica passou a ser contada a partir de
imagens sequenciadas acompanhadas apenas por legendas, que eram muitas
vezes feitas pelos prprios fotgrafos. Essa investida na fotografia como notcia,
proferiu uma maior credibilidade imagem como portadora de uma histria extrada
da realidade, ou seja, uma histria jornalstica.
Faz parte do senso comum assimilar a fotografia jornalstica como espelho do
real. Porm, a noo de fotojornalismo est cada vez mais difcil de ser precisada,
segundo Jorge Sousa (1998)10, pois vrios fotgrafos, como os de moda e
8 Por gneros jornalsticos entende-se: notcia, entrevista, reportagem, crnica, editorial e artigo (de
opinio ou anlise). 9 As imagens da extinta revista Life podem ser visualizadas no site: .
10 Cf. SOUSA, Jorge Pedro. Uma Histria Crtica do Fotojornalismo Ocidental (1998). Biblioteca On-
Line de Cincias da Comunicao. Disponvel em:
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publicidade, que nem sempre apresentam unidade de expresso, tcnicas,
abordagens e pontos de vista, por exemplo, reclamam a atividade fotojornalstica. H
ainda a possibilidade do fotojornalismo se unir publicidade. Por isso, Sousa achou
conveniente defini-lo em dois sentidos: lato e restrito. Ou seja, no lato, o
fotojornalismo uma atividade de realizao de fotografias informativas,
interpretativas, documentais ou ilustrativas para a imprensa ou outros projetos
editoriais que tenham a finalidade de informar; no restrito, a atividade que visa
informar, contextualizar, oferecer conhecimentos atravs da fotografia de
acontecimentos e da cobertura de assuntos de interesse jornalstico.
A partir da criao desse gnero fotogrfico11, o problema de apreenso do
real foi posto em cheque, e essa problemtica passou a ser objeto de estudo e
aprofundamento nos estudos da fotografia. Muito foi produzido sobre esse tema,
abrangendo tambm quesitos estticos e filosficos com a contribuio de autores
como Barthes, Benjamin, Dubois, Bresson, Flusser, Soulages, dentre outros, que
escreveram e discutiram sobre a veracidade da fotografia e de sua funo e sua
reprodutibilidade tcnica.
O projeto da Life deve ser aqui aprofundado, pois alimentou o sonho de
muitos reprteres, inclusive o de Robert Capa, que posteriormente criou a Magnum
Photos, como veremos mais na frente. Com quarenta milhes de leitores, tinha a
pretenso de substituir a vida por um espetculo e o real pelo simulacro, ou seja,
procurava obter o mesmo efeito produzido pela televiso. Lucy, criador da Life,
pretendia com isso, conforme sua declarao em 1934, obter imagens que nos
tornariam testemunhas dos grandes acontecimentos. Por outro lado, Roland Barthes
acreditava que toda imagem uma interpretao do mundo, pois um acontecimento
s existe em funo do reconhecimento desse acontecimento por uma testemunha
que segura a cmera. Por isso, no h um objeto-realidade a ser fotografado, nem
um sujeito que transforma um fenmeno visvel em signo de um objeto a ser
fotografado (apud SOULAGES, 2010, p.34-5). Nesse sentido, a fotografia no restitui
o mundo em suas imagens, mas interpreta fenmenos visveis de um mundo que
existiu em determinado local e instante.
O vis jornalstico quando atribudo ao ensaio fotogrfico nos remete a uma
. Acesso em 29 jun. 2013. 11
H duas categorias desse gnero fotogrfico: notcias em geral e spot news. Essa ltima diz
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sequncia de fotos, que reproduzem o acontecimento conforme o mito da
objetividade e da imparcialidade. No entanto, de acordo com a noo de ensaio, ao
unir a nomenclatura ensaio ao fotojornalismo apresentado outro sentido, pois
esse conjunto fotogrfico est alm da objetividade e historicidade perseguida nas
imagens, j que tambm expressa significados desejados pelo produtor das imagens
ao exprimir sua viso sobre determinado assunto. De certo, a subjetividade j
prevista no jornalismo, ganha ainda maior fora no ensaio fotojornalstico.
Os ensaios fotojornalsticos que analisamos so sequncias fotogrficas
criadas pelos fotgrafos da Magnum. Esta agncia mundialmente famosa, fundada
em 1947, foi pioneira em coberturas de guerra e conflitos e existe at hoje por
compreender que preciso acompanhar os avanos tecnolgicos. A Magnum tem a
conscincia de que a quantidade de fotos produzidas no pode caminhar junto
qualidade das mesmas, e tem esta ltima como exigncia de sua produo.
No prximo tpico falaremos um pouco mais sobre as agncias e o que
diferencia a produo da Magnum de outras agncias fotogrficas, alm do que
motivou a criao do projeto Magnum in Motion, para aclarar a proposta e os valores
artsticos que esta agncia persegue desde sua criao.
2.2.2.1 Os ensaios fotogrficos da Agncia Magnum
No incio, a fotografia que ilustrava a notcia era comprada e divulgada pelos
donos de jornais, que detinham o negativo e os diretos de publicao e reproduo
da imagem vendida. A criao de agncias fotojornalsticas permitiu o abastecimento
da imprensa a partir dessas empresas, dando maior independncia e conferindo
direitos ao fotgrafo, alm de permitir o escoamento mais gil das imagens
produzidas desde vrias partes do mundo. Somou-se a esse processo o
desenvolvimento da internet e o incremento constante na velocidade das redes,
alm da qualidade e tecnologia empregadas nas fotografias.
Por isso, o surgimento das agncias fotogrficas foi importante para o
segmento da Comunicao. Com elas o mundo foi inundado pelas imagens, j que
facilitavam a distribuio das fotos realizadas por fotgrafos localizados em vrias
respeito a flagrantes, como em fotos que mostram suicdio, troca de tiros, etc. (SOUSA, 1998, p.6).
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32
partes do globo. A Gamma12 ocupou o posto de maior agncia poca do seu
surgimento, na segunda metade do sculo XX contava com vinte e trs fotgrafos
empregados e dois mil associados, e tinha a misso de cobrir todas as notcias,
indiscriminadamente, inclusive as do mundo das celebridades. Agncias menores,
como a Rapho13 e a Vu14, por exemplo, foram mais modestas quanto quantidade
de imagens, pois se especializaram em algum domnio ou rea geogrfica.
A Magnum Photos possui uma proposta diferente dessas agncias que j
citamos. Ela foi criada em 1947 por quatro importantes fotgrafos - Robert
Capa, Henri Cartier-Bresson, George Rodger e David Seymour (Chin) -, sem a
pretenso de cobrir todos os eventos geopoliticamente relevantes e nem de
abranger questes mais atuais. Sua produo foi direcionada elaborao de
reportagens mais profundas e de qualidade esttica, ou seja, que vem prevalecendo
a qualidade e no a quantidade de imagens distribudas.
Com um sistema de cooperativismo, todos os fotgrafos da Magnum so
proprietrios e por isso tambm so os prprios responsveis pelos lucros, o que
permite que a agncia exista at hoje. Essa relativa independncia monetria
propiciou uma maior liberdade para fotografar o que quisessem, resultando assim
em ensaios fotogrficos criados de acordo com as prprias necessidades e
exigncias do fotgrafo.
Conforme Bresson, a "Magnum uma comunidade de pensamento, uma
qualidade humana compartilhada, a curiosidade sobre o que est acontecendo no
mundo, um respeito pelo que est acontecendo e um desejo de transcrev-lo
visualmente15. Nesta cooperativa so produzidas cerca de 100 exposies por ano
com as fotografias da agncia, ao mesmo tempo em que essas mesmas fotos
tambm podem abastecer a mdia impressa16.
12
A Gamma uma agncia fotogrfica francesa, fundada em 1966 por Raymond Depardon, Hubert Henrotte, Hugues Vassal e Lonard de Raemy. 13
A agncia Rapho foi fundada em Paris em 1933 por Charles Rado (1899-1979), um imigrante hngaro. Rapho, um acrnimo formado a partir de Rado-Photo, uma das mais antigas agncias de notcias especializadas em fotografia humanista. Rapho, inicialmente, representava o pequeno grupo de amigos e fotgrafos hngaros refugiados: Brassa, Nora Dumas, Ergy Landau e Ylla. Agora est unida a agncia Gamma e pode seu acervo ser acessado no site http:. Disponvel em: . Acesso em: 23 mar. 2013. 14
Disponvel em: http://www.agencevu.com/. Acesso em: 07 jun. 2013. 15
Cf. Site da agncia fotogrfica: www.magnumphotos.com. 16
Psacharopulo falou em entrevista para o Globo News, publicada em 4 de maro de 2013. Disponvel em: . Acesso em: 30. jun. 2013.
-
33
O fotojornalismo que foi praticado por um dos fundadores da agncia, Cartier-
Bresson (1908-2004), nunca teve a pretenso de apreender o objeto-realidade na
fotografia. Para ele, essa atribuio de suposta realidade foto promove a
concorrncia entre fotgrafos e, por consequncia, a adulterao de fotos (apud
SOULAGES, 2010). Esse fotgrafo teve papel importante na fotografia entre 1950 e
1980, alm de escrever vrios artigos sobre a sua forma de fotografar.
Robert Capa (1913-1954), antes de criar a cooperativa, foi considerado o
maior fotgrafo de guerra do mundo pela revista Life (SONTAG, 2003, p.32). Ele e os
seus outros trs companheiros de agncia j gozavam do prestgio de grandes
fotgrafos, e por consequncia, tinham suas fotografias supervalorizadas pela mdia.
Seus trabalhos eram, na poca da criao da Magnum, to admirados que esses
grandes fotojornalistas eram considerados tambm artistas. A produo fotogrfica
da agncia fornece, desde sua criao, garantia esttica para a reportagem17.
Essa garantia esttica da fotografia sempre foi um ponto chave na produo
dos membros da Magnum, como o caso de Henri Cartier-Bresson que criou uma
fbula em torno do instante decisivo. Ele sempre estava procura desse instante e
por isso andava com uma cmera a postos espreita do momento certo para
fotografar. Esse ato em si, seria como observar o movimento de caa" (FLUSSER,
2011. p. 35), espera do momento de atirar contra o alvo18. Alm disso, o fotgrafo
acreditava que era preciso fotografar com uma estrutura, e que ela precisava ser
ainda significativa, ou seja, para ele fotografar , num mesmo instante e numa
frao de segundo, reconhecer um fato e a organizao rigorosa das formas
percebidas visualmente que expressam e significam esse fato (apud SOULAGES,
2010, p.41). Essa estrutura que Bresson se refere diz respeito composio do
quadro da foto, que segue a perspectiva herdada do Renascimento italiano.
Pelo que vemos da Magnum, ainda conforme Soulages (2010), possvel o
encontro de um valor esttico no fotojornalismo. Isto porque a fotografia jornalstica -
apesar de mirar a realidade - no diz tanto a verdade em relao ao objeto, quanto
em relao ao ponto de vista especfico empregado pelo sujeito que fotografa. o
reconhecimento dessa dupla personalidade que permite a decodificao da imagem
jornalstica enquanto objeto expressivo: nela, deve-se observar tanto a presena das
17
Cf. SOULAGES (2010, p. 41). 18
A palavra shoot significa, ao mesmo tempo, tiro (de uma arma) e disparo de uma foto (com a
cmera).
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ideologias que permeiam os fatos (aspecto poltico), quanto a deliberada construo
pictrica dos cdigos visuais (aspecto esttico) pelo fotgrafo. Nessa perspectiva, o
olhar oferecido por Bresson, de um fotojornalismo artstico, aquele preocupado com
a composio do quadro e no apenas com o instante decisivo, proferindo
plasticidade fotorreportagem, exerce fora no conjunto da obra produzido pela
Magnum at hoje.
A Magnum criou recentemente outra forma de visualizao de suas
sequncias fotogrficas: a Magnum in Motion. Esse projeto audiovisual foi criado em
2004 numa parceira entre Claudine Boeglin, jornalista e diretora criativa; Bjarke
Myrthu, jornalista premiado; e o diretor da Magnum em Nova York, Mark Lubell. As
histrias da Magnum in Motion so produzidas por um time composto por editores
de som, msicos, artistas visuais e jornalistas, e tem base na cidade de Nova York.
Nesta plataforma, os ensaios fotogrficos se apresentam em movimento.
Assim, as imagens, produzidas pelos fotgrafos da Magnum, so utilizadas num
momento ps-produo, enquanto suporte e linguagem para exprimir uma reflexo
sobre o mundo. Essa forma de ensaio audiovisual aproxima-se do conceito de filme-
ensaio proposto por Arlindo Machado (2003), pois so realizados a partir do ponto de
vista do fotgrafo, acrescidos na edio por sons e pela narrao, podendo ainda
possuir grficos e textos.
2.2.2.2 O ensaio audiovisual na Magnum in Motion
No projeto Magnum in Motion19 as imagens fixas do acervo da cooperativa
fotogrfica se apresentam em movimento. Mas no so meras apresentaes
sequenciais ou possuem um formato de cinema, alm da unidade temtica de cada
ensaio, eles contam com a presena de narrador (es), som ambiente, msicas,
vozes, relatos e efeitos de montagem (corte seco, imagem antiga, fade out, etc.).
O projeto integra fotgrafos de vrias partes do mundo, que passaram por
uma rgida seleo at serem aceitos como membros da agncia. Os temas
apresentados so variados, abordam desde a Segunda Guerra Mundial e a Guerra
do Vietn (as primeiras imagens realizadas com filme 35 mm), at eventos atuais
19
Pode ser acessado atravs do endereo eletrnico http://inmotion.magnumphotos.com.
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35
como a crise financeira na Grcia e a revolta dos civis no Lbano (imagens digitais).
Nessas sequncias fotogrficas, poderemos ver, por exemplo, at mesmo a
apropriao de imagens diversas, como de cmeras de segurana ou mesmo
recortes de programas de televiso e grficos inscritos no fluxo dos ensaios. Essa
convergncia de imagens caracterstica das imagens que se apresentam na
internet, e o projeto da Magnum vem acompanhando as mudanas que so
necessrias com o surgimento das novas mdias20.
Mas o que seria um ensaio fotogrfico para a Magnum? Hoffer (1983)
acredita que o ensaio tem seu impacto na inter-relao entre as imagens que o
compe, podendo assumir vrios formatos e tamanhos. Sua qualidade principal: a
independncia esttica. Ao propor um ensaio audiovisual, o trabalho fotogrfico
inserido num processo que est num momento posterior da captura de imagens,
pois exige na ps-produo a reflexo sobre o tema e conexo entre as imagens,
numa preocupao em fornecer um conjunto esttico que expresse os sentidos da
sua inteno de trabalho. Na Magnum, o ensaio fotojornalstico se apresenta em
sequncias imagticas que possuem ao mesmo tempo caractersticas jornalsticas e
estticas, propondo uma nova forma de experincia fotojornalstica. Essas
fotografias esto ordenadas, obedecem a uma durao no tempo, tm ritmo e
contam uma histria. Alm disso, a produo baseada na liberdade criativa e
expressiva de cada integrante da cooperativa, que transcreve visualmente o que foi
visto, conforme falou Bresson.
O formato em vdeo streaming21 desses ensaios impede o armazenamento
fora do local de apresentao para preservar os direitos autorais dos envolvidos em
sua produo. A forma que as fotos so apresentadas faz um caminho quase inverso
do cinema, numa visualizao quadro a quadro, e por isso no pretende e nem
precisa ser comparada ao vdeo tradicional ou apresentao em slides
fotogrficos, por exibir uma proposta prpria e ensastica de exibio das fotos.
20
A Magnum uma das poucas agncias que sobreviveram ao impacto das novas mdias. Provavelmente, esta sobrevivncia se deve a assimilao de novas propostas de apresentao fotogrfica. Desde a migrao da fotografia analgica para a digital, a cooperativa investiu muito na digitalizao de seus arquivos fotogrficos. Mesmo assim, apenas do acervo foi digitalizado at hoje. 21
Streaming uma forma de distribuir informao multimdia numa rede atravs de pacotes. frequentemente utilizada para distribuir contedos multimdia atravs da internet. A mdia reproduzida medida que chega ao usurio, desde que a sua largura de banda seja suficiente para reproduzir os contedos em tempo real. Isso permite que um usurio reproduza contedos protegidos por direitos de autor, na Internet, sem a violao desses direitos, similar ao rdio ou televiso aberta. Disponvel em: . Acesso em: 21 jun. 2013.
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Tal qual a palavra grega techn, que designa ao mesmo tempo arte e
tcnica, os ensaios produzidos pelo projeto Magnum in Motion nos apresentam, a
partir dos conhecimentos tcnicos de fotgrafos de excelncia, molduras que alm
dos sentidos jornalsticos exprimem tambm configuraes artsticas.
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CAPTULO 3
MOLDURAS NA PINTURA, NO CINEMA E NO ENSAIO FOTOJORNALSTICO
O que seria a moldura na imagem? A princpio, a moldura pode ser um objeto
(madeira, metal ou vidro) que nos leva a pensar na pintura, nos quadros e fotos na
parede, ou mesmo no porta retratos que imita um pequeno quadro, mas tambm a
linha que delimita a imagem, e nesta esto organizados os elementos de sua
composio, dispostos conforme o propsito do produtor da imagem.
Neste captulo so apresentados os conceitos, as funes e os tipos de
moldura. Para isso, partimos da moldura na pintura renascentista, da moldura no
cinema, at chegarmos quela(s) que se manifesta(m) no ensaio audiovisual. Com a
nossa investigao, pudemos identificar diferentes molduras que foram emergindo
das sequncias fotogrficas nos ensaios examinados, reconhecidas a partir das
contaminaes e aproximaes com as tcnicas de recorte usadas na pintura e no
cinema.
preciso ressaltar que a borda, o contorno e a moldura existem mesmo antes
da moldura na pintura criada no Renascimento: ela est primeiramente na
percepo das imagens e se refere aos aspectos fisiolgicos de nossa viso.
sobre isso que iremos falar a seguir, para apresentarmos, na sequncia, as molduras
pictricas.
3.1 A PERCEPO DA IMAGEM: BORDA, CONTORNO, MOLDURA
Se existem imagens porque temos olhos, diz Aumont em A imagem (2006,
p.17). Por isso, falar de imagens, sejam jornalsticas ou no, requer falar
primeiramente da percepo que temos delas, ou seja, preciso compreender como
elas so vistas pelo homem em relao ao mundo que o cerca.
Um acentuado desenvolvimento tcnico da percepo da imagem ocorreu
durante o Renascimento (fins do sculo XIV e meados do sculo XVI), e envolveu
pesquisas tanto dos artistas como dos tericos e fsicos daquela poca dentre eles
estavam Alberti, Leonardo da Vinci e Descartes. A partir dessas observaes, veio a
inveno que determinou toda a produo de imagens posteriormente: a perspectiva
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artificialis. Essa descoberta de Alberti, que veio com a inveno da cmara obscura
na pintura, consistia em calcular a representao dos objetos em uma superfcie
plana, de forma que se tornassem semelhantes percepo visual que se tem em
relao aos objetos. Segundo Couchot, a perspectiva consistia em uma mquina de
ver (apud MACHADO, 2007b, p.137), e foi com a sua inveno que as pinturas
passaram a reproduzir a perfeio das formas, seguindo clculos criteriosos, para
representar a pintura conforme o ponto de vista do observador. A assimilao de um
olhar calculado e expresso na pintura foi essencial para que os olhos se
afeioassem s imagens produzidas, pois se tornaram mais realistas ao serem
organizadas conforme critrios de composio22 e da profundidade de campo.
Mesmo com essa descoberta, entre os sculos XVI e XVII, o olho era
concebido como uma mera lente que recebe informaes de acordo com leis da
fsica. As cores, por exemplo, eram referidas to-somente luz branca que,
infletindo-se em graus variados e geometricamente determinados em funo da
hiptese newtoniana da diversa refrangibilidade23 - produziam todo o espectro
(FERRAZ, 2006, p.236).
Essa perspectiva se reconfigurou, segundo Ferraz (2006), a partir dos estudos
e pesquisas realizadas no sculo XVIII, dentre as quais, a de Hermann von
Helmholtz, que passa a estudar os fenmenos entpticos em investigaes de
imagens intraoculares, que so produzidas no prprio olho como a visualizao
fantasmagrica dos vasos sanguneos ou partculas do tecido ocular. Com isso,
Helmholtz promoveu o entendimento do papel do olho e a forma de ver passou a ser
compreendida como uma codificao visual que chega a ns atravs da luz. Esse
processo modernizou a percepo e rompeu com o modelo renascentista da cmara
obscura.
22 Rudolf Arnheim define a composio como uma questo de centralizao, de constituio de
centros visuais que compem a tela pintada, numa interao dinmica e conflitante ao mesmo tempo dos centros entre si e com esse centro absoluto e divino. Mas o sujeito que cria a composio, j que nossa viso sente-se mais confortvel de acordo com a arrumao desses centros visuais (AUMONT, 2004, p.116).
23 Em 1672 Newton apresentou seu conceito de que a luz uma mistura heterognea de raios com diferentes refrangibilidades cada cor correspondendo a uma diferente refrangibilidade. Apresentou tambm vrios experimentos para corroborar sua teoria. No primeiro, um feixe de luz solar passava atravs de um prisma, formando uma mancha em uma parede. Newton notou que a mancha no era circular como o disco solar ela era alongada. Para explicar este efeito, assumiu que a luz branca do Sol era composta de muitos raios diferentes. Cada tipo de raio seria refratado em uma direo diferente e seria associado a uma cor diferente: os Raios menos refrangveis so dispostos a exibir a cor Vermelha, e [...] os Raios mais refrangveis so todos dispostos a exibir uma Cor Violeta profunda (NEWTON apud SILVA; MARTINS, 2003, p.56).
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A relao entre olho e imagem, se d na percepo, pois sem isso a imagem
no existe. Segundo Aumont (2006), o estudo intercultural da percepo visual
demonstrou que as pessoas, sobretudo aquelas que nunca passaram por esse
processo antes, tm capacidade de perceber tanto os objetos figurados em uma
imagem, quanto sua organizao em conjunto, contanto que se explique o que
imagem. Portanto, ela percebida de modo quase automtico, e o que a diferencia
das outras em um conjunto a forma que cada uma possui.
Aumont (2006) considera que a noo de forma enquanto caracterstica de
um objeto representado em uma imagem antiga. Trata-se da percepo primeira
da unidade, e da implicao, por isso, de existncia de um todo que estrutura suas
partes. Para isso, a informao necessria advm das bordas visuais, que seriam as
fronteiras entre duas superfcies que emanam luminosidades distintas de acordo
com um ponto de vista (se o ponto de vista muda, a borda no estar no mesmo
lugar).
Ainda segundo Aumont (2006), nas artes figurativas, como fotografia e vdeo,
a percepo da forma inseparvel da percepo das bordas, pois os limites da
imagem, ou seja, suas bordas, definem o formato do objeto. Por isso, quando a
imagem se torna mais abstrata ou a profundidade de campo representada de
modo incorreto, a percepo da forma se torna mais difcil. O autor fala tambm da
existncia da borda visual fechada nas imagens, que nada mais que o contorno,
ou seja, a linha que separa figura e fundo, e que circula cada imagem que se
encontra no conjunto delimitado pelas bordas da imagem. Essa linha, o contorno,
delimita os valores semnticos, estticos e emocionais da imagem. A teoria da
Gestalt trabalhou tambm essa perspectiva de separao entre figura e fundo.
Alm da borda e do contorno, elementos responsveis pela percepo da
imagem, em toda imagem, seja ela bidimensional (desenho, pintura, fotografia, vdeo
etc.) ou tridimensional como a escultura, sempre existir uma moldura e um campo,
isso porque o campo corresponde ao espao de ocupao da imagem, enquanto
que a moldura refere-se s fronteiras estabelecidas nesse campo, ou seja, ela diz
respeito ao limite que separa a imagem do mundo (SANTAELLA, 2012). A moldura,
nesse sentido, encerra a imagem, o que a torna finita.
Nas pinturas, a partir do Renascimento, funcionou tambm como um objeto
de reforo dos limites da imagem, feito de madeira ou qualquer outro material, esta
acompanha at hoje as pinturas e fotografias, sejam expostas em galerias ou
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mesmo em nossas casas.
A moldura o que confere forma pintura, fotografia e ao cinema. E como
toda imagem possui delimitao, toda ela tem uma moldura que a define enquanto
imagem. Sabendo disso, passaremos a tratar das suas funes na arte figurativa.
3.2 A MOLDURA E SUAS FUNES
A noo de moldura era familiar pintura e posteriormente a fotografia passou
a reproduzir essa forma tornando manifesta a relao entre o quadro do instantneo
e o olhar (do fotgrafo) que a foto traduz (AUMONT E MARIE, 2003, p.98-9). Por isso,
a forma abstrata de moldura passou a ser conhecida como enquadramento nas
imagens tcnicas24.
A primeira conexo da palavra moldura na imagem pode levar ao objeto que
acompanha a pintura, que ornado ou esculpido, de madeira ou de outro material,
refora a borda da imagem. Ela foi produzida a partir do Renascimento italiano,
quando os pintores passaram a ocupar os atelis e a praticar a pintura no mais em
molduras arquitetnicas, como nos afrescos em igrejas ou prdios, para produzir
sobre uma tela (AUMONT, 2004). A produo dessas imagens era realizada atravs
de ferramentas que inseriam um ponto de vista (do espectador), como a tcnica da
perspectiva artificialis e a produo da imagem de acordo com a cmara obscura,
que permitiam que a pintura tivesse uma referncia mais prxima da realidade.
Era comum, no Renascimento, encontrar no ateli do artista aparelhos de pintar baseados no princpio da tavoletta de Brunelleschi e constitudos basicamente de um ponto de referncia para o olho do pintor (apenas um olho; o outro deveria ser tapado, pois, como se sabe, a imagem renascentista era monocular) e um vidro translcido para a projeo das imagens. Olhando do ponto de referncia, o artista copiava sobre o vidro translcido sua frente os modelos e objetos colocados no lado posterior [] O artista obtinha assim um esboo da imagem, com dados tomados do prprio objeto representado, de modo que bastava transfer-lo depois para a tela e cobr-lo de cores para que a obra ganhasse forma acabada (MACHADO, 2007a, p.225).
A instituio da pintura em tela surgiu juntamente com a concepo moderna
24
A imagem tcnica aquela produzida por aparelhos, ou seja, por cmeras criadas num momento
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de quadro como mercadoria no Renascimento, e por isso, a presena da moldura,
para dar destaque ou mesmo proteger a pintura, fornecia tela pintada valores
diferenciados por estabelecer status de obra de arte. Alm disso, a cor e a textura
desse objeto colaboravam na decorao, sendo tratado como pea importante no
mobilirio do comprador.
A moldura abstrata corresponde aos limites da imagem. Alm de estar na
pintura, passou a ser reproduzida tambm com as imagens tcnicas criadas a partir
da Revoluo Industrial, com a inveno da fotografia e do cinema, e conhecida
tambm como enquadramento. No interior est a composio da imagem, e o
prprio ato de fotografar j reproduz a moldura abstrata.
Falamos, portanto, de dois tipos de moldura: a concreta e a abstrata. A
primeira foi criada para reforar o valor da pintura; enquanto a segunda est
presente em todas as imagens e, por isso, sofrer algumas variaes como veremos
mais frente. Antes, precisamos conhecer as funes dessas molduras nas
imagens, e para isso nos nortearemos por Aumont (2006, p.145-47), que identificou
cinco funes atribudas moldura:
1. Visual: A moldura separa a imagem do que est fora dela e assim proporciona
uma transio visual entre o interior e o exterior da imagem. Foi utilizada
pelos pintores clssicos que produziam suas prprias molduras, quando
douradas, acreditavam, permitir banhar a tela com uma luz suave que
favorecia o quadro.
2. Econmica: Como j dissemos, o quadro surgiu com a concepo de objeto
comercializvel, mercadoria. E, por isso, a moldura foi por muito tempo um
objeto precioso, podendo at ser encontrada com pedras preciosas
incrustadas.
3. Simblica: Indica ao espectador que o que se est olhando uma imagem
que possui um valor e vista de acordo com certas convenes. Dessa
forma, a moldura confere status obra de arte.
ps-escrita e industrial (FLUSSER, 2011).
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4. Representativa e narrativa: A moldura aparece como uma janela que d
acesso a outro mundo. o que faz comunicar o interior da imagem; o que
liga o quadro aos sentidos que esto fora dele.
5. Retrica: Pode ser compreendida como proferindo um discurso. Por
exemplo, um pintor pode criar no quadro uma falsa moldura, pintada como
iluso de tica (figura 1). Pode-se encontrar essa funo tambm sob a forma
de expressividade entre a moldura e seu contedo representativo (figura 2).
Figuras 1 e 2 Funo retrica na moldura
Fonte: Acervo fotogrfico pessoal/Lorena Travassos25
A forma herdada da moldura de grande importncia na composio das
imagens, no s na fotografia como no cinema e no vdeo. Alguns filmes do cinema
mudo, por exemplo, como os do expressionismo alemo, mostraram uma grande
preocupao com a composio, no deixando nada a dever pintura. H ainda
grandes fotgrafos, como o caso de Cartier-Bresson, que admiram o pensamento
fotogrfico que segue a lgica da pintura, ou que simplesmente pensam como
pintores (SOULAGES, 2010).
25
(1) Quadro Fumeur dans l'embrasure d'une fentre rustique, sur fond de paysage (entre 1640-
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3.3 APRESENTAO DAS MOLDURAS
Passamos agora identificao das molduras na pintura, no cinema e no
ensaio fotojornalstico. Para isso, iremos reunir alguns autores que tratam desse
tema, como Aumont (2004, 2006), Martin (2005), Deleuze (1983), Machado (2007),
dentre outros.
3.3.1 Moldura na pintura
Segundo Aumont (2004, p.112-13), a moldura, que este autor denominou
como quadro, o que faz com que a imagem no seja infinita, o que delimita a
imagem, que a detm.