MOLDURAS FOTOJORNALÍSTICAS DA MAGNUM: ENSAIOS AUDIOVISUAIS DE GUERRA E DE RITUAIS DE FÉ

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO PPGCOM MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E CULTURAS MIDIÁTICAS LORENA CHRISTINA BARROS TRAVASSOS MOLDURAS FOTOJORNALÍSTICAS DA MAGNUM: ENSAIOS AUDIOVISUAIS DE GUERRA E DE RITUAIS DE FÉ João Pessoa, Paraíba 2014

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Dissertação de mestrado

Transcript of MOLDURAS FOTOJORNALÍSTICAS DA MAGNUM: ENSAIOS AUDIOVISUAIS DE GUERRA E DE RITUAIS DE FÉ

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARABA PR-REITORIA DE PS-GRADUAO

    CENTRO DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAO PPGCOM

    MESTRADO EM COMUNICAO E CULTURAS MIDITICAS

    LORENA CHRISTINA BARROS TRAVASSOS

    MOLDURAS FOTOJORNALSTICAS DA MAGNUM:

    ENSAIOS AUDIOVISUAIS DE GUERRA E DE RITUAIS DE F

    Joo Pessoa, Paraba 2014

  • LORENA CHRISTINA BARROS TRAVASSOS

    MOLDURAS FOTOJORNALSTICAS DA MAGNUM:

    ENSAIOS AUDIOVISUAIS DE GUERRA E DE RITUAIS DE F

    Dissertao apresentada, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre, ao Programa de Ps-Graduao em Comunicao da Universidade Federal da Paraba. Linha de Pesquisa: Culturas Miditicas Audiovisuais. Orientadora: Prof. Dra. Nadja Carvalho

    Joo Pessoa, Paraba 2014

  • LORENA CHRISTINA BARROS TRAVASSOS

    MOLDURAS FOTOJORNALSTICAS DA MAGNUM:

    ENSAIOS AUDIOVISUAIS DE GUERRA E DE RITUAIS DE F

    Dissertao apresentada, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre, ao Programa de Ps-Graduao em Comunicao da Universidade Federal da Paraba. Linha de Pesquisa: Culturas Miditicas Audiovisuais. Orientadora: Prof. Dra. Nadja Carvalho

    Aprovada em: ___/___/2014

    ____________________________________ Profa. Dra. Nadja Carvalho/UFPB

    (Orientadora)

    ____________________________________ Prof. Dr. Cludio Paiva/UFPB

    (Examinador)

    ____________________________________ Prof. Dr. Jos Afonso Jnior/UFPE

    (Examinador)

    Joo Pessoa, Paraba 2014

  • F

    sf.

    1. Convico e crena firme e incondicional, alheia a argumentos da razo. 2. Confiana, convico,

    crdito. 4. Rel. A primeira das trs virtudes teologais (f, esperana e caridade). 5. Afirmao,

    comprovao, asseverao de algum fato. 6. Compromisso de fidelidade palavra dada.

    ***

    Dedico esta dissertao queles que tiveram f no meu trabalho,

    alm dos dois anos do mestrado:

    minha me, Ana Maria; e aos meus irmos, Jnior e Lal.

  • AGRADECIMENTOS

    minha famlia, que tanto ajudou no meu retorno a Joo Pessoa.

    minha querida orientadora, Dra. Nadja Carvalho, pela pacincia, bondade e

    ensinamentos desde a graduao em Jornalismo na UFPB.

    Aos professores Dr. Cludio Paiva e Dr. Jos Afonso Jnior, por aceitarem

    gentilmente participar da banca de defesa desta dissertao.

    Aos professores do Mestrado que muito me ensinaram, e aos colegas de

    curso da linha de Culturas Miditicas Audiovisuais, que dividiram os problemas,

    assim como ajudaram a esquec-los.

    Priscila Vilarinho, por ter lido e revisado com carinho o texto da dissertao

    e pelas conversas sobre fotografia.

    minha amiga querida Luciana Orvat, por me apoiar diante da deciso de

    largar tudo para voltar a estudar.

    CAPES pelo financiamento da pesquisa.

    Gal Costa, por ter me alegrado nas horas de convvio comigo mesma.

  • It is the framework which changes with each new technology and not

    just the picture within the frame.

    Marshall McLuhan

  • RESUMO

    A pesquisa compreende o estudo de ensaios fotojornalsticos que integram projeto Magnum in Motion, produzido pela agncia fotogrfica Magnum, disponveis na internet e acessados por um sujeito participador. O propsito central examinar o uso comunicacional e artstico de molduras atribudos aos limites das imagens, nos ensaios Theater of War (2011), de Moises Saman e Entre ciel et terre (2009), de Cristina Rodero. Dentre os objetivos buscamos identificar as principais caractersticas de enquadramentos/molduras encontradas nos ensaios: o primeiro, retrata os ltimos dias do ditador Gaddafi na Lbia em meio a uma guerra civil chamada de Revoluo Lbia; o segundo, aborda as dualidades das tradies religiosas de diferentes povos e rituais pagos. Os enquadramentos de imagens jornalsticas delimitam informaes e ao mesmo tempo expressam aspectos estticos, de acordo com o ponto de vista do fotgrafo, constituindo uma linguagem audiovisual prpria, com seus repertrios e suas regras de combinao e de uso. O nosso aporte terico para o estudo de enquadramentos/molduras utiliza os autores Aumont (2004, 2006), Martin (2005), Nth (2006) e Deleuze (1983). Como procedimento metodolgico, levamos em conta a dinmica de cada ensaio fotojornalstico, mantendo um primeiro contato espontneo com o material para em seguida definir estratgias de leitura, tais como: identificar tipos de molduras, examinar suas formas de recorte de imagens e funes de significao jornalstica e esttica. Palavras-chave: Agncia Magnum. Ensaio fotojornalstico. Enquadramento. Moldura. Audiovisual.

  • ABSTRACT

    The research aims to study into photojournalism essays that form part of the project "Magnum in Motion produced by the photo agency Magnum, available on the internet and accessible to participator. The study's central purpose is to examine the use of communication and artistic framing assigned to the limits of images in the essays Theater of War (2011) by Moises Saman and Entre ciel et terre (2011) by Cristina Rodero. One of the objectives will be to seek to identify the principal characteristics of the framework identified in the essays: the first essay depicts the last days of former dictator Muammar Gaddafi in the midst of a civil war known as the Libyan Revolution, the second deals with the dualities of different peoples cultural traditions and paganism rituals. The frames of the images delimit information whilst at the same time expressing esthetic feelings, always from the photographers point of view, constituting an audio-visual language of its own, with their own repertoire, combination rules and use. Our theoretical framework for the study of framing uses the authors Aumont (2004, 2006), Martin (2005), Nth (2006) and Deleuze (1983). Our methodological procedure will be to take into account the dynamic of each essay, maintaining initially a spontaneous contact with the material then moving to define reading strategies such as to identify types of framing, examine forms of image cropping and other significant journalistic and artistic functions.

    Keywords: Magnum Photos. Photojournalism Essays. Frame. Framing. Audiovisual.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figuras 1 e 2 Funo retrica na moldura ................................................... 42

    Figuras 3 e 4 Quadros-limite na pintura ....................................................... 44

    Figura 5 Pintura Retrato na bolsa de valores (1879), de Degas................... 44

    Figura 6 Superenquadramento em Os sonhadores (2003), de Bertolucci .. 47

    Figura 7 Desenquadramento em Klassenverhltnisse (1984)(...)................. 48

    Figura 8 Referncia ao extraquadro em Theater of War.............................. 53

    Figura 9 Referncia ao extraquadro em Entre Ciel et Terre......................... 54

    Figura 10 Metamoldura com retrato do ditador............................................. 60

    Figura 11 Metamoldura com outdoor ........................................................... 61

    Figura 12 Metamoldura com fotos................................................................ 62

    Figura 13 - Moldura de montagem na abertura do ensaio............................... 63

    Figuras 14 e 15 Molduras de montagem com o ditador Gaddafi.................. 64

    Figura 16 Moldura descritiva com civil.......................................................... 64

    Figura 17 Plano de conjunto com enquadramento plonge......................... 65

    Figuras 18 e 19 Desenquadramento nas molduras do desfecho................. 66

    Figura 20 Moldura descritiva na abertura..................................................... 72

    Figuras 21, 22 e 23 Molduras de reenquadramento, em ritual de transe..... 75

    Figuras 24, 25 e 26 Molduras de reenquadramento, em carnaval do Haiti.. 75

    Figuras 27, 28 e 29 Molduras de reenquadramento, no Burning Man.......... 77

    Figuras 30, 31 Molduras descritivas, em cena de beata e de feira ertica.. 77

    Figura 32 Moldura composta de retratos de mortos..................................... 78

    Figura 33 Moldura de montagem sobre a morte........................................... 79

    Figura 34 Metamoldura com crianas exibindo fotos de outra criana........ 79

    Figura 35 Moldura de montagem sobre a vida e a perda............................. 80

    Figura 36 Plano de conjunto em ritual religioso............................................ 81

    Figura 37 - Moldura de montagem em rituais catlicos na Espanha.............. 82

    Figura 38 Enquadramento plonge na cachoeira......................................... 83

    Figura 39 O co e a gua............................................................................. 83

    Figura 40 O cavalo........................................................................................ 84

    Figura 41 Alma dormindo.............................................................................. 84

  • LISTA DE APNDICES

    APNDICE A FICHA TCNICA DE THEATER OF WAR............................................. 94

    APNDICE B TRANSCRIO DA NARRAO DO ENSAIO THEATER OF WAR............. 95

    APNDICE C HISTRIA DE GADDAFI NA GUERRA CIVIL LBIA................................ 96

    APNDICE D FICHA TCNICA DE ENTRE CIEL ET TERRE....................................... 100

  • SUMRIO

    INTRODUO............................................................................................ 12

    1 MTODO DE LEITURA ............................................................................... 14

    1.1 A IMAGEM-RELAO.................................................................................. 15

    1.2 O PARTICIPADOR INTERESSADO.................................................................. 16

    1.3 UMA ESTRATGIA POSSVEL........................................................................ 17

    2 DA IMAGEM JORNALSTICA AO ENSAIO FOTOJORNALSTICO ........................ 19

    2.1 A COMPLEXIDADE DA IMAGEM FOTOJORNALSTICA....................................... 19

    2.1.1 Fotografia e jornalismo........................................................................ 21

    2.1.2 Uso e forma do fotojornalismo........................................................... 22

    2.1.3 Fotojornalismo na internet.................................................................. 23

    2.2 O ENSAIO AUDIOVISUAL FOTOJORNALSTICO................................................ 25

    2.2.1 Da literatura para a imagem................................................................ 25

    2.2.2 O ensaio fotojornalstico..................................................................... 28

    2.2.2.1 Os ensaios fotogrficos da Agncia Magnum........................................ 31

    2.2.2.2 O ensaio audiovisual na Magnum in Motion........................................... 34

    3 MOLDURAS NA PINTURA, NO CINEMA E NO ENSAIO FOTOJORNALSTICO....... 37

    3.1 A PERCEPO DA IMAGEM: BORDA, CONTORNO, MOLDURA........................... 37

    3.2 A MOLDURA E SUAS FUNES.................................................................... 40

    3.3 APRESENTAO DAS MOLDURAS................................................................ 43

    3.3.1 Moldura na pintura............................................................................... 43

    3.3.2 Moldura no cinema............................................................................... 45

    3.3.3 Moldura no ensaio fotojornalstico.................................................... 49

    3.4 POR FORA DA MOLDURA, O EXTRAQUADRO.................................................. 52

    4 MOLDURAS DE SIGNIFICAO.................................................................... 56

    4.1 THEATER OF WAR, O DESFECHO TEATRAL NA LBIA....................................... 57

    4.1.1 A histria por trs das molduras........................................................ 58

    4.1.2 Molduras na teatralizao da guerra.................................................. 59

    4.2 ENTRE CIEL ET TERRE, DUALIDADES E CONTRADIES DA VIDA.................... 67

    4.2.1 O que h entre o cu e a terra?........................................................... 69

  • 4.2.2 Molduras de uma religiosidade ecltica............................................. 72

    4.2.2.1 Vodu, f e sacrifcio................................................................................ 74

    4.2.2.2 Exaltao da carne, erotismo e sexo..................................................... 76

    4.2.2.3 Morte, cemitrio e dor da perda............................................................. 78

    4.2.2.4 Penitncia, batismo e rituais de f.......................................................... 81

    4.2.2.5 Mistrios da f, sacrifcio e o sobrenatural............................................. 82

    5 CONSIDERAES FINAIS........................................................................... 86

    REFERNCIAS........................................................................................... 89

    APNDICE A FICHA TCNICA DE THEATER OF WAR.................................... 94

    APNDICE B TRANSCRIO DA NARRAO EM THEATER OF WAR............... 95

    APNDICE C HISTRIA DE GADAFFI NA GUERRA CIVIL LBIA....................... 96

    APNDICE D FICHA TCNICA DE ENTRE CIEL ET TERRE............................. 100

  • 12

    INTRODUO

    Esta pesquisa compreende o estudo de ensaios fotojornalsticos, disponveis

    no site do projeto Magnum in Motion (2004), com vistas ao exame do formato

    audiovisual sob os limites de enquadramentos, contornos e molduras da imagem.

    Elegemos dois ensaios fotojornalsticos Theater of War (Teatro da Guerra) e Entre

    ciel et terre (Entre o cu e a terra) - para o exame das formas de delimitao de suas

    imagens, vistas aqui como superfcies de telas de acordo com Vilm Flusser (2007).

    A estrutura de linguagem desses ensaios permitiu investigar como diferentes

    formas de recortes de imagens sequenciadas impem ritmo e significados a seus

    contedos. Os enquadramentos (molduras), relacionados aos ensaios fotogrficos

    pesquisados, possuem propsitos que vo desde o intento de comunicar at o de

    expressar competncias artsticas. A nossa ateno se voltou para reconhecer como

    possvel um recorte de imagem promover propsitos jornalsticos e estticos.

    Que aspectos fotojornalsticos so valorizados sob o recorte e a montagem

    das imagens? Tais limites da superfcie da imagem teriam algo a comunicar e a

    promover significados? claro que sim, a forma do recorte das imagens e a

    sequncia imposta nos ensaios so recursos de interesse de nossa pesquisa.

    Vale dizer que, os ensaios fotogrficos jornalsticos, disponveis no projeto

    Magnum in Motion (2004), sero observados na proximidade mantida com outros

    formatos audiovisuais, tais como: fotodinamismo, vdeo documental, videoarte, etc.

    O propsito maior deste recorte decorre da compreenso de que existem

    caractersticas prprias, identificveis a partir de um exame investigativo sobre

    enquadramentos ou molduras encontrados nos ensaios.

    O nosso aporte terico para o estudo de enquadramentos/molduras utiliza as

    noes e conceitos de autores como: Aumont (2004, 2006), Martin (2005), Nth

    (2006) e Deleuze (1983). Outros estudiosos, como Santaella (2005, 2008, 2012) e

    Machado (2003, 2007, 2008), tambm so importantes para o nosso estudo da

    mdia fotogrfica na internet. Levamos tambm como contribuio as obras de

    Barthes (1984, 1990) e Sontag (2003, 2004) para o exame especfico da fotografia,

    por consider-los importantes ao estudo dos ensaios fotogrficos audiovisuais.

    O presente trabalho tem por objetivo central investigar como os sentidos

    emergem das molduras nos ensaios do projeto Magnum in Motion. Outros objetivos

  • 13

    secundrios tambm fazem parte da pesquisa, tais como: Identificar caractersticas

    prprias de enquadramentos e molduras; examinar a configurao da comunicao

    sob o recorte de enquadramentos; conhecer a estrutura de linguagem e opes de

    acessos; para ao final, compreender como o ensaio fotojornalstico comunica e

    expressa sentidos atravs dos recortes na imagem.

    A moldura que se constitui como objeto desta dissertao , sobretudo,

    relacionada forma estabelecida na fotografia, no sentido de entender como

    funciona a delimitao e composio no interior das bordas da imagem. Dito isso,

    dividimos a dissertao em quatro captulos que apresentam a trajetria

    desenvolvida em nossa pesquisa.

    O primeiro captulo apresenta os procedimentos metodolgicos adotados,

    dentre os quais tratam da relao entre a imagem digital e o sujeito; e do sujeito

    participador, conceito criado por Hlio Oiticica.

    O segundo captulo sistematiza consideraes sobre a fotografia e o

    jornalismo, trata do uso e da forma do fotojornalismo e da presena do

    fotojornalismo na internet. Na sequncia, aborda o conceito de ensaio na literatura e

    suas implicaes no ensaio fotogrfico, para chegar ao conceito de ensaio

    fotogrfico audiovisual. Apresenta autores como Arlindo Machado (2003) com a

    noo de filme-ensaio e Ronaldo Entler (2013) que define o ensaio fotogrfico como

    percurso de pesquisa, de narrativa, de processos de experimentaes.

    O terceiro captulo apresenta as definies e funes das molduras para

    ajudar a compreender como elas se comportam no audiovisual. So identificadas as

    molduras na pintura e no cinema, em suas aproximaes com as molduras

    fotogrficas. Com isso, foi possvel ver as caractersticas que se sobressaem a partir

    da forma do ensaio fotojornalstico.

    No quarto e ltimo captulo, analisamos as molduras nos ensaios Theater of

    War (2011) e Entre ciel et terre (2009), observando suas imagens enquadradas em

    sequncia. So apresentadas diferentes possibilidades de molduras, obtidas nos

    campos da pintura e do cinema, vistas como recortes de imagens e estmulo

    imaginao, alm de comunicar contedos jornalsticos.

  • 14

    CAPTULO 1

    MTODO DE LEITURA

    Para ler um ensaio fotojornalstico exigido um mtodo de leitura no-verbal

    que, primeiramente, seja operacionalizado conforme a dinmica de cada ensaio; por

    isso compreendemos que por ser processual, esteja aberto para ser refeito sempre

    que se fizer necessrio. Sabemos ainda que nas leituras realizadas sempre esto

    inseridos nossos repertrios e a memria de informaes j asseguradas e outras

    informaes que sero pesquisadas, que compreendem tambm as nossas

    experincias emocionais e culturais, individuais e coletivas (FERRARA, 1991).

    Mesmo que o ato de ler remeta apenas a leitura de palavras, Santaella

    (2012) argumenta que desde os livros ilustrados, e depois jornais e revistas, a leitura

    como ato de decifrao no era apenas direcionada s letras, pois estaria

    incorporando as relaes entre palavra e imagem; entre o texto, foto e legenda. A

    exploso dos grandes centros, o surgimento da publicidade e a consequente unio

    da palavra escrita, alterou o olhar da vida cotidiana, diante das embalagens,

    cartazes, produtos, etc., tornando essa leitura das imagens to automtica, de modo

    que no nos damos mais conta disso.

    Por essa razo, a autora defende uma alfabetizao visual, para que desde

    cedo possamos entender como viver nesse habitat imagtico. Nesse sentido,

    aprender a ler imagens significa:

    ...desenvolver a observao de seus aspectos e traos constitutivos, detectar o que se produz no interior da prpria imagem, sem fugir para outros pensamentos que nada tm a ver com ela. Ou seja, significa adquirir os conhecimentos correspondentes e desenvolver a sensibilidade necessria para saber como as imagens se apresentam, como indicam o que querem indicar, qual o seu contexto de referncia, como as imagens significam, como elas pensam, quais so seus modos especficos de representar a realidade (SANTAELLA, 2012, p.10).

    A moldura um aspecto constitutivo da fotografia, peculiar e distintivo

    imagem, em razo de delimitar informaes visuais e aquelas que ficam sugeridas

    alm da margem fotografada. nesse sentido que propomos a leitura das molduras

    das imagens sequenciadas da Magnum, com o intuito de apreender as formas

    especficas de representao da realidade, considerando os seus contextos de

  • 15

    referncia.

    Para isso, deve-se levar em conta a forma de recepo e acesso dessas

    imagens, alm dos conceitos que iro corroborar com nosso mtodo de leitura, pois

    por serem imagens jornalsticas, preciso compreend-las conforme sua

    complexidade, ou seja, preciso levar em considerao tambm aspectos de sua

    audiovisualidade, de sua natureza jornalstica e do ambiente da internet no qual

    esto inseridos.

    1.1 IMAGEM-RELAO

    Encontrar um mtodo para visualizar os ensaios audiovisuais da Magnum

    requer a proposio de uma leitura que relacione o sujeito que visa e as imagens

    que so visadas. A imagem fotogrfica, antes esttica, se apresenta neles em

    movimento e h uma inter-relao com as outras imagens que compem cada

    sequncia. justamente na sequencializao das mesmas que estar o sentido da

    histria contada pelas molduras.

    Logo de incio, para a visualizao dessa forma audiovisual, necessrio ter

    uma postura participativa para que a mesma se desenvolva. Aqui, no se trata de

    uma fotossequncia simplesmente, mas de uma forma fotogrfica que acessada

    na internet e exige uma ao do receptor nos ensaios, tanto para que se inicie, tanto

    para que se controle o percurso das exibies. Essa relao entre o homem e a

    imagem foi denominada por Boissier (2005) como imagem-relao, que o

    resultado da associao entre uma imagem digital e o sujeito, onde a primeira

    solicita a interveno direta para que se desenvolva e exista enquanto tal. Segundo

    Boissier, "a imagem-relao seria a presentificao1 direta de uma interao" (apud

    MACIEL, 2008, p.167).

    A imagem-relao define a nossa forma de acionar os ensaios audiovisuais

    da Magnum, pois esses necessitam um input para responder com o output

    solicitado. A partir disso, precisamos de um comportamento que associe essa

    relao a uma leitura mais eficaz dos ensaios. isso o que teremos com o

    participador.

    1 Presentificao tem como sentido filosfico o ato pelo qual um objeto se torna presente sob a forma de imagem (Dicionrio Online de Portugus). Disponvel em: . Acesso em: 19 jun. 2013.

  • 16

    1.2 PARTICIPADOR INTERESSADO

    O sujeito que assiste a um filme citado por Graa (2006, p.83) como um

    espectador interessado, que investe ateno, imaginao, memria e emoo e na

    percepo de tridimensionalidade e do movimento. Isso porque, o filme no existe

    seno no tempo em que percebido, pedindo um espectador acordado e atento ao

    que acontece na tela.

    Esse sujeito no cinema se caracteriza como um espectador, pois no possui a

    capacidade de modificar as imagens que so ali apresentadas, ele senta em uma

    sala escura e imersiva, e recebe a narrativa de uma s vez, no podendo intervir em

    seu fluxo.

    J no caso da exibio de um vdeo no computador conectado internet, o

    sujeito receptor no pode mais ser visto como um mero espectador. No nos

    comportamos como um sujeito que est diante de, como aquele que observa uma

    pintura renascentista ou assiste um filme no cinema; hoje fazemos parte de, no

    momento em que passamos a participar e a nos comportar como um sujeito que faz

    escolhas ao assistir um vdeo no computador.

    Estamos falando de um conceito que foi criado por Hlio Oiticica para o

    sujeito que se relaciona com a obra e que parte essencial para que ela se

    desenvolva: o participador. Tendo essa relao em mente, achamos apropriado que

    ns, enquanto pesquisadores de um objeto que se localiza na internet e que une o

    esttico ao fotojornalstico, adotemos a noo desse contexto comportamental no

    exame dos ensaios fotogrficos. Assim como somos imprescindveis para que essas

    apresentaes fotojornalsticas sejam visualizadas, podemos tambm interromp-las

    quantas vezes necessitarmos, modificando o seu fluxo, do mesmo modo que

    qualquer outro sujeito que acessa os ensaios na internet.

    Na participao proposta por Hlio, no se trata de recolocar o homem como centro da obra e confirmar uma expressividade que lhe seria intrnseca, como uma leitura apressada poderia levar a crer. Trata-se de coloc-lo em movimento no espao, em pulsao com a cor, em gestos se desenrolando temporalmente. Trata-se de assum-lo como instvel diante de um trabalho rigorosamente concebido em sua instabilidade e precariedade (RIVERA, 2009, p.111).

    Esse comportamento instvel caracterstico do sujeito que acessa imagens

    na internet, pois elas se apresentam na mesma tela com outros estmulos luminosos,

  • 17

    como links, anncios, espaos colaborativos, entre outras ferramentas que

    constituem esses espaos dispersivos e que terminam por corroborar com uma

    esttica da interrupo. Maciel (2008, p.164) fala que esse comportamento no se

    refere mais durao do que se desenvolve nos limites da tela, mas ao corte,

    interrupo, montagem e a combinao que est disponvel ao participador. Essa

    interrupo que a pesquisadora fala se d no sentido de suspender, atalhar, fazer

    parar por algum tempo.

    O sujeito que assiste ao ensaio fotogrfico, portanto, vem sendo reformulado

    com os meios digitais em direo a um ambiente no-imersivo, mas participativo.

    Estamos estabelecendo novas relaes com a imagem, onde somos ns que

    tomamos a iniciativa de apertar o play ou interrompermos o ensaio fotojornalstico,

    sendo justamente essa a caracterstica que nos difere do espectador do cinema.

    Como pesquisadores adotamos essa perspectiva, mas no agimos como um

    usurio comum ou mesmo um mero explorador. Nos referimos a um procedimento

    de participao que realizado com a interferncia no ritmo da exibio: podemos

    parar, avanar, retroceder, saltar, ou encerrar, como possibilidades de exame da

    sequncia fotogrfica exibida. Uma vez diante da tela para decifrar os cdigos

    audiovisuais, h um investimento em ateno, tempo e memria. A nossa percepo

    do movimento e da tridimensionalidade das imagens est relacionada com

    sensaes e associaes que despertam nossas experincias individuais e

    coletivas, vivenciadas e conservadas. Somos participadores interessados enquanto

    pesquisadores.

    1.3 UMA ESTRATGIA POSSVEL

    Diante do que foi apresentado em imagem-relao e o participador interessado, e

    aps algumas investidas na tentativa de encontrar um caminho de investigao

    sobre as molduras em ensaios fotojornalsticos, reconhecemos que seja mais

    apropriado falar em procedimentos metodolgicos que propriamente em mtodo.

    Operar uma pesquisa sobre molduras significa depender da dinmica de cada

    ensaio escolhido, portanto, adotamos de incio um contato mais espontneo com o

    material, a exibio foi acompanhada com ateno, com inteno de leitura claro,

    mas sem estabelecer nenhum tipo de controle nessa primeira abordagem. A

  • 18

    aproximao inicial foi de pura empatia fotogrfica, a qualidade do material

    jornalstico forneceu possibilidades ao estudo de molduras, ocorreu uma provocao

    do objeto e assim chegamos at ele.

    Num segundo momento, tivemos que estabelecer um modo de leitura, criamos

    estratgias objetivas de controle, como, por exemplo, assistir vrias vezes at

    identificar tipos de molduras e defin-las para alm de suas caractersticas formais

    at encontr-las ampliadas em suas funes. Retomamos contribuies tcnicas de

    enquadramento na pintura e no cinema, por exemplo, considerando movimentos de

    cmera e tipos de planos, montagens e composies. Consideramos ainda a

    combinao de dois ou mais recursos de controle para conjugar melhor as situaes

    entre as funes jornalstica e esttica dessas imagens.

    Procuramos acomodar a complexidade de momentos simultneos que relaciona

    instantes de ateno, de sensaes e de associaes, despertando o nosso

    repertrio de experincias sensveis e culturais para podermos visualizar melhor

    essa composio integrada e reflexiva da nossa percepo. Temos conscincia do

    carter provisrio e parcial das leituras, estamos lidando com cdigos audiovisuais,

    numa apreenso simultnea de processos visuais em movimento, sonoridades, tudo

    isso acontece enquanto estamos acompanhando a sequncia das imagens, onde os

    processos vo se misturando e se completam. Tem poesia ali, tem material

    jornalstico aqui, ento, natural que a leitura se refaa nessa dinmica. Os ensaios

    so tomados em suas associaes possveis, contudo, perseguimos comparaes

    imprevistas, queremos descobrir. Sabemos: cada ensaio sinaliza para uma forma

    especfica de leitura.

  • 19

    CAPTULO 2

    DA IMAGEM JORNALSTICA AO ENSAIO FOTOJORNALSTICO

    Neste captulo, apresentamos consideraes sobre a fotografia e o jornalismo,

    tratando do uso e da forma do fotojornalismo e da configurao com sua presena

    na internet.

    Na sequncia, para compreendermos o que seria o ensaio fotojornalstico

    produzido pelo projeto Magnum in Motion, definimos o que significa ensaio, suas

    particularidades e o que esse termo confere s fotografias em movimento. A origem

    dessa palavra define uma forma especfica de produo, seja na literatura ou nas

    imagens tcnicas.

    Na definio de ensaio fotogrfico veremos como ele passou a ser

    produzido de forma jornalstica na mdia impressa, para ento chegarmos forma

    fixa e mvel do ensaio fotojornalstico tal como ele se apresenta na agncia

    Magnum, em sua forma audiovisual disponvel na internet.

    2.1 A COMPLEXIDADE DA IMAGEM FOTOJORNALSTICA

    A questo emblemtica do fotojornalismo que ele pede ao ndice para se

    legitimar, mas, com a imagem fotogrfica digital, onde se encontra a marca indicial?

    Como conciliar, ento, o registro jornalstico com a tecnologia que opera tais cortes e

    apagamentos das marcas indiciais do mundo objetivo com o acesso aos softwares

    de edio? Essa a questo fundamental que fez gerar a noo de imagem

    complexa, adotada por alguns estudiosos e que, naturalmente, merece ser

    evidenciada na leitura fotojornalstica.

    O conceito de imagem complexa, cunhado pelo professor Josep Maria Catal

    (2005) no se trata apenas de uma adaptao conceitual do pensamento complexo

    de Edgar Morin2, mas da criao de uma noo diferenciada de leitura do mundo por

    meio de imagens.

    2 O pensamento complexo a unio entre a simplicidade e a complexidade. Isso implica processos

    como selecionar, hierarquizar, separar, reduzir e globalizar. Tratase de articular o que est dissociado e distinguido e de distinguir o que est indissociado. Mas no uma unio superficial, uma vez que

    essa relao ao mesmo tempo antagnica e complementria. Disponvel em:

  • 20

    Antes mesmo de compreender o conceito, preciso saber que a sociedade em

    que vivemos passou por uma transio da cultura textual para a cultura da imagem,

    e hoje estamos num terceiro momento, que Catal chamou de cultura visual. Para

    ele, a cultura visual refere-se a uma tendncia em expor o que existe a partir da

    imagem. Mas, como a passagem da "cultura da imagem" cultura visual se deu de

    forma muito rpida, a noo da segunda se sobrepe primeira, j que ambas

    fazem parte da realidade contempornea. Portanto, se o termo complexo, do latim

    complexus, quer dizer aquilo que tecido em conjunto, a imagem da cultura visual

    atua, nesse sentido, em conjunto com a cultura da imagem, no a exclui. Enquanto

    que na cultura da imagem o que est em jogo a imagem, na cultura visual

    existem as imagens.

    A sociedade contempornea formada por um conglomerado de imagens, de

    ideias, numa ecologia do visvel dentro de suas vrias manifestaes. Essa

    mudana cultural est ligada ao surgimento da imagem em movimento, que no final

    do sculo XIX quebrou o paradigma da imagem fechada, ou seja, as imagens

    passaram a ser correlacionadas a noes de temporalidade e espacialidade, e no

    mais fechadas em um domnio aurtico como visto na obra de arte (BENJAMIN,

    1994).

    Para Josep Catal (2005), portanto, da combinao interno/externo,

    fixo/mvel, espao/tempo, subjetivo/objetivo, foi que surgiu a verdadeira noo de

    complexidade visual: Tratava-se de pensar as imagens, mas tambm de pensar

    com as imagens, para colocar sua particular fenomenologia e os problemas

    epistemolgicos, cognitivos e estticos que as envolvem." O autor esclarece: Isso

    no quer dizer que a imagem, a visualizao, seja um simples instrumento construtor

    do real; indica que o real para ser realmente significativo deve ser posto a

    descoberto e que a visualizao complexa um caminho efetivo para faz-lo (apud

    BUITONI, 2011, p.160-62).

    No que se refere nossa pesquisa, na qual a apresentao fotogrfica da

    Magnum tem movimento e sons inseridos s imagens antes fixas, possvel dizer

    que esses elementos agregadores da fotografia proporcionam um outro nvel de

    compreenso ao que est sendo dito, o que num texto escrito no poderia ser

    alcanado. Com a utilizao da imagem para expressar emoes, insere-se um lado

    . Acesso em: 01 de nov. de 2013.

  • 21

    subjetivo informao, fornecendo assim uma humanizao ao jornalismo, o que

    permite apresentar no s dados concretos como tambm a complexidade do que

    reportado. Outro elemento de complexidade inserido com os links que

    estabelecem acesso a outras informaes do ensaio audiovisual, como opo de

    publicao nas redes sociais e acesso a outros trabalhos do autor que produziu o

    ensaio em questo.

    A noo de imagem complexa, nessa perspectiva, entende que a ruptura do

    vnculo mimtico e de espelho com a realidade deva ser substituda e colocar em

    seu lugar a indagao, entendendo a objetividade e a subjetividade, o quadro e o

    extraquadro, como elementos da mesma imagem e, que por isso, fazem parte de

    uma realidade que precisa ser encontrada.

    2.1.1 Fotografia e jornalismo

    A Fotografia e o jornalismo relacionam-se com a era industrial, e de l pra c

    ela vista como uma matriz das imagens tcnicas, cinema, televiso tanto quanto

    das imagens digitais disponveis na internet. A tcnica fotogrfica forneceu caminhos

    para outras tcnicas de produo e linguagem imagticas; isso fica claro tambm na

    localizao histrica e matricial da fotografia, tal como foi apresentada por Lucia

    Santaella e Winfried Nth, em Imagem: cognio, semitica, mdia (1997), quando

    discorrem sobre os trs paradigmas da imagem - pr-fotogrfico, fotogrfico e ps-

    fotogrfico -, que tem a inveno da fotografia como o marco da produo imagtica,

    sendo esse ltimo paradigma o ps-fotogrfico o correspondente ao que

    vivenciamos.

    As questes de natureza tcnica e digital da fotografia, ensejadas no

    paradigma ps-fotogrfico, quando aliada reportagem jornalstica que da decorre,

    leva a discusses sobre a fotografia e o real: da mimese como espelho do real; do

    cdigo e da desconstruo como transformao do real; do ndice e da referncia

    como trao do real. Ou seja, o espectador das imagens digitais tende a no acreditar

    cegamente na informao transmitida pela imagem como se esta fosse uma janela

    indicial imparcial e objetiva, a mostrar fielmente determinado fato que ocorreu. Hoje

    em dia, a discusso refere-se ao fato do fotojornalismo ter perdido o seu atributo

  • 22

    anterior de mero registrador da realidade e o status de veracidade3 no registro do

    real, definitivamente sob o ponto de vista tcnico, com o uso de dispositivos ps-

    fotogrficos digitais.

    Na discusso da ultrapassagem do analgico para o digital, costuma-se

    lembrar de Roland Barthes, em A cmara clara (1984), quando diz que a fotografia

    no mente sobre o referente capturado; para em seguida contrapor com autores

    como Winfried Nth, em La morte de la fotografie (2006), quando diz que a inovao

    da era ps-fotogrfica o desaparecimento do objeto referente da fotografia.

    Procuramos ento refletir, nesse contexto terico de ultrapassagens, sobre a

    discusso envolvendo a imagem complexa e o fotojornalismo.

    2.1.2 Uso e forma do fotojornalismo

    Utilizamos a classificao de Dulcilia Buitoni (2011), que se baseia nos modos

    como a fotografia jornalstica pode se apresentar com finalidade informativa. Ela

    apresenta quatro modalidades: 1 fotonotcia; 2 foto de leitura unitria, 3

    fotossequncia, 4 fotorreportagem. Este ltimo, a reportagem fotogrfica (ou

    fotorreportagem) identificada: quando o conjunto das fotos forma uma narrativa ou

    o grupo ou a srie de fotos so construdos em torno de um tema principal. E

    prossegue: O ensaio fotogrfico uma fotorreportagem em profundidade, onde o

    fotgrafo pode exercitar seu lado criador (ibid.,94-5).

    Estamos nos baseando nesse entendimento que reconhece o potencial

    criativo no ensaio fotojornalstico, aspecto que projeta o resultado do trabalho para

    alm do carter aprofundado de uma reportagem fotogrfica, criatividade e

    profundidade so considerados igualmente importantes, assim que sero

    examinados em nossas leituras. Nessa perspectiva acreditamos atender aos

    propsitos investigativos de nossa pesquisa, at mesmo por se tratar de material

    fotogrfico proveniente da Magnum, uma agncia inovadora no tratamento

    multimdia conferido s reportagens fotogrficas disponveis na internet.

    3 Tais propsitos como, veracidade, objetividade e imparcialidade sempre acompanharam a pauta de

    discusso do jornalismo moderno com alcance na produo do texto e da foto jornalstica, mesmo assim, sob o ponto de vista pragmtico e ideolgico, sempre se discutiu a impossibilidade no cumprimento dessas exigncias normativas especificadas em teorias e manuais de redao jornalstica. Vale dizer que, isso j ocorria bem antes do digital vir impor-se e por fim na veracidade e

  • 23

    2.1.3 Fotojornalismo na internet

    Os estudos tericos tradicionais sobre a fotografia no contribuem muito para

    examin-la dentro do ambiente da internet. Existe um corpus terico que vai de

    Walter Benjamin e Gisle Freund no incio do sculo XX, passando por franceses

    mais contemporneos, como Barthes e Bourdieu, chegando a Sontag e Arlindo

    Machado no Brasil. Apenas este ltimo se dedicou, bem que por causa do seu

    tempo de atividade, aos estudos que tratam das imagens no mundo das redes. Por

    isso, necessrio encontrar uma analogia crtica ou potica que melhor se adeque

    aos nossos estudos.

    Conceitos como studium e punctum, de Barthes, por exemplo, ambos girando

    em torno da recepo da imagem (sendo o primeiro em relao ao fotgrafo e o

    segundo ao observador), podem ser nitidamente conectados s imagens que hoje

    fazem parte do vasto campo da web. Podemos falar tambm da vivacidade dos

    textos de Walter Benjamim, como o essencial "A obra de arte na era de sua

    reprodutibilidade tcnica", publicado primeiramente em 1955, como caminho sempre

    possvel para os estudos da fotografia.

    O fotojornalismo, como sabemos, tem sua histria entremeada de evolues

    tecnolgicas e rupturas que agem para o encontro de formas cada vez mais

    aperfeioadas de se produzir ou veicular imagem. Larga parcela da fotografia

    encontrada na internet feita com o recurso de softwares de edio, seja por artistas

    ou pelos meios de comunicao de massa. A caracterstica hbrida, portanto,

    remetem imagem contempornea que ps-produzida em computador.

    Com a emergncia da internet como suporte da nova atividade jornalstica,

    estabelece-se tambm uma nova situao para o fotojornalismo. o caso dos

    jornais online, que cada vez mais ampliaram as utilizaes da fotografia jornalstica.

    Na dcada de 90, os jornais selecionavam fotografias aos moldes do que se fazia

    em jornais e revistas impressas, no se tinha uma preocupao com a adequao

    do contedo jornalstico e visual ao novo ambiente. Os primeiros ajustes levaram em

    conta questes de navegao e de suporte tcnico e, de incio, com a limitao da

    velocidade, utilizavam-se fotos de plano americano com poucos detalhes e,

    consequentemente, as fotos panormicas eram evitadas (BUITONI, 2011, p.174). Tais

    objetividade do objeto referente capturado do real.

  • 24

    informaes so levadas em conta, tendo em vista que na montagem das imagens

    que constituem os ensaios, examinamos os planos em que so enquadrados na

    tela.

    Retomando, com o avanar dos recursos tcnicos, as produes multimdias

    comearam a promover a convergncia da foto com o vdeo, o texto, a fala, os sons,

    enfim, tais configuraes passaram a exigir novos formatos de edio e as

    possibilidades de participao no acesso de contedos audiovisuais foram

    ampliadas. Alguns dos recursos de convergncia - como vdeo conferncia,

    educao distncia, games educativos etc. permite que seus usurios no

    recebam contedos como antes, na TV aberta, que tem como forma de acesso

    apenas o ato de mudar o canal. preciso agora interagir com a imagem que

    funciona a partir de vrios comandos acionados pelo sujeito.

    O usurio do ensaio fotojornalstico da Magnum, vejamos, entre suas

    alternativas de acesso ao contedo, ele pode contar com as opes a seguir: iniciar,

    avanar, parar, prosseguir, retroceder e encerrar. Essas opes de acesso para fazer

    mover o contedo ocorrem individualmente, nunca simultaneamente. Trata-se de

    uma exibio multimdia sequenciada, de estrutura narrativa linear. O ensaio

    concebido para ser exibido numa sequencia predefinida, obedecendo a uma

    narrativa de informaes verbais, sonoras e visuais, com poucas decises a serem

    acionadas.

    De antemo se o potencial participativo no acesso dos ensaios reduzido,

    por outro lado, no que diz respeito percepo do seu potencial visual e jornalstico

    as possibilidades ganham contribuies valiosas e criativas, em particular vinculadas

    aos estudos de molduras e enquadramentos, conseguimos identificar no

    fotojornalismo outras possibilidades alm da sua funo identificatria, restrita ao

    mero reconhecimento da cena, da celebridade, da ocorrncia noticiosa4. o que

    ser possvel acompanhar nas leituras analticas dos ensaios Theater of War e Entre

    el ciel et tierre.

    4 Cf. Fotografia e jornalismo, p.176-77. Um exemplo de imagens fotogrficas com tratamento

    multimdia que obteve resultado positivo Clarin.com, da Argentina.

  • 25

    2.2 O ENSAIO AUDIOVISUAL FOTOJORNALSTICO 2.2.1 Da literatura para a imagem

    De acordo com Arlindo Machado (2003, p.64), o termo ensaio foi usado

    primeiramente na literatura para se referir a um tipo de discurso cientfico ou

    filosfico que carrega atributos literrios, como a subjetividade do enfoque, a

    eloquncia da linguagem e a liberdade do pensamento. Essa forma foi criada ainda

    no sculo XVI por Montaigne e Bacon, ao proporem uma reflexo profunda, mas

    sem efeitos cientficos5. Assim, o ensaio na forma escrita possui caractersticas

    diferentes de um relato cientfico ou escrita acadmica, que se constroem a partir de

    uma linguagem instrumental, como tambm difere de um tratado, que visa a uma

    sistematizao integral de um campo de conhecimento.

    Para Ronaldo Entler (2013)6, quando esse termo est associado fotografia

    parece muitas vezes equivaler a uma srie, obra ou trabalho. Mas seu uso

    implica certa profundidade do trabalho e a apropriao to comum desse termo no

    conjunto fotogrfico geralmente feita pela necessidade de afirmao de alguma

    complexidade ou mesmo para uma maior aceitao do pblico/empresa que confere

    a obra. Com o uso na fotografia, o ensaio assume duas caractersticas: de um lado o

    carter reflexivo e do outro a humildade de ser um processo subjetivo de

    experimentao fotogrfica.

    Segundo Theodor Adorno (apud MACHADO, 2003) o ensaio foi excludo da

    produo de pensamento ocidental de razes greco-romanas por se referir a uma

    escrita que aborda a verdade sob um ponto de vista pessoal e subjetivo assim como

    assume elementos estticos, tornando problemtico o seu reconhecimento no

    campo da literatura e da cincia. Esse raciocnio sobre a escrita ensastica proposta

    pelo autor frankfurtiano se mostra com base em uma dualidade entre as

    experincias cognitiva e sensvel. Contudo, para Machado, o ensaio exatamente a

    negao dessa dicotomia, porque nele as paixes invocam o saber, as emoes

    arquitetam o pensamento, e o estilo burila o conceito (Ibid., p.65). De acordo com

    este autor, a livre expresso do pensamento seria tambm uma forma de

    conhecimento, e essa caracterstica o que torna possvel utilizar ensaio como

    5 Disponvel em: . Acesso em: 10 jun. 2013.

    6 Artigo "Sobre fantasmas e nomenclaturas [parte 1]: ensaio autoral". Disponvel em:

  • 26

    forma de produo tambm no audiovisual e na fotografia.

    A forma ensastica quando utilizada no audiovisual permite uma aproximao

    com o documentrio, tendo em vista que as imagens dessa produo so retiradas

    do mundo real, e apresentam a experincia do documentarista e sua liberdade de

    pensamento. Hoje em dia no dispomos apenas de documentrios (e

    documentaristas) puristas, que se utilizam apenas de imagens reais e espontneas:

    estes podem apresentar uma agregao de cenas filmadas em estdio, atores e at

    cenas ficcionais, pois a sua verdade no reside apenas num registro do real, mas

    em um processo de busca e exame do mundo a partir de um olhar conceitual, e isso

    o que o aproxima do ensaio.

    Mas o filme ensastico proposto por Machado (2003) vai alm do

    documentrio, pois ele inclui outras formas narrativas que tm algum tipo de

    contribuio a dar em conhecimento e experincia para o mundo. Dessa forma, o

    filme-ensaio pode ser produzido sob o formato de vdeo-ensaio, como programa de

    televiso ou ainda hipermdia; assim como pode se constituir a partir de qualquer

    tipo de imagem, como as captadas por cmeras, desenhadas ou at geradas pelo

    computador; e pode tambm possuir textos gerados por caracteres, grficos e

    sonoridades diversas. O que importa a construo de uma reflexo sobre o

    mundo, que surge sem as amarras de uma realidade explcita, mas que parte de um

    ponto de vista singular desenvolvido a partir da observao do nosso entorno, e que

    insere tambm uma voz reflexiva, sussurrada, em tom baixssimo, como que

    falando para dentro, uma imagem sonora admirvel da linguagem interior: o

    pensamento (Ibid., p.73).

    Cineastas como Chris Marker e Godard so fieis tradio desse conceito

    advindo da literatura por produzirem um cinema reflexivo, com teses e hipteses

    sobre o objeto, unindo narrao e imagem no desenvolvimento de suas

    argumentaes ou questionamentos. O filme-ensaio, portanto, uma forma de

    pensamento audiovisual que se utiliza da realidade para exprimir significados. Assim,

    o conceito de ensaio tem seu pice nos filmes de Godard:

    com Jean-Luc Godard que o cinema-ensaio chega sua expresso mxima. Para esse notvel cineasta franco-suo, pouco importa se a imagem com que ele trabalha captada diretamente do mundo visvel natural ou simulada com atores e cenrios

    . Acesso em: 10 set. 2013.

  • 27

    artificiais, se ela foi produzida pelo prprio cineasta ou simplesmente apropriada por ele, depois de haver sido criada em outros contextos e para outras finalidades, se ela apresentada tal e qual a cmera a captou com seus recursos tcnicos ou foi imensamente processada no momento posterior captao por recursos eletrnicos. A nica coisa que realmente importa o que o cineasta faz com esses materiais, como constri com eles uma reflexo densa sobre o mundo, como transforma todos esses materiais brutos e inertes em experincia de vida e pensamento (MACHADO, 2003, p.76).

    Por mais que o produtor de imagens seja um purista, por acreditar que o filme

    se faz na sua condio indicitica, ou seja, a partir da emanao da realidade, a sua

    ingnua opo por no falar a partir das imagens ser, de qualquer forma, exercida

    pela cmera, quando o mesmo se utiliza de ngulos e pontos de vistas para

    representar um referente. Para Machado (2007a), o olhar da cmera no ingnuo

    e por isso no h uma realidade que emerge em frente s cmeras: H, sim, a

    representao dela. Dessa forma, a contaminao da pea audiovisual por uma

    subjetividade implcita praticamente inevitvel na produo icnica, visto que h

    um sujeito (o produtor) que mira uma cena e exprime o seu ponto de vista para

    apresentar no mais um mundo, mas a sua construo pessoal, conforme sua

    prpria cultura e repertrio.

    De acordo com Ronaldo Entler (2013), a noo de ensaio trouxe para a

    fotografia a condio de percurso, de desenvolvimento, de pesquisa, de discurso,

    de narrativa ou, pelo menos, de processo articulado de experimentaes. O ensaio

    seria um contraponto a trabalhos compostos por imagens isoladas e dispersas,

    combatendo a ideia de que a fotografia apenas um registro da realidade. A

    produo fotogrfica, nesse sentido, estabelece um vnculo entre as imagens que

    compem o ensaio, para criar um conjunto coeso, um projeto, que se inscreve como

    ensastico por utilizar a prpria imagem para moldar esse pensamento. Vale salientar

    que esse processo no definido no instante em que foi capturado pela cmera,

    mas em seu trabalho posterior, ou seja, no encontro do encadeamento das imagens

    que transmitiro a histria a ser contada, porque esse encontro serve como porta-

    voz do que o fotgrafo vivenciou e quer contar atravs das fotografias.

    A partir desse apanhado com as definies de ensaio e de filme-ensaio,

    entendemos o que significa a utilizao do termo ensaio na fotografia e no

    audiovisual. Essas duas definies ajudam no entendimento dos ensaios da

    Magnum, pois alm de serem fotogrficos, so tambm audiovisuais. Dessa forma,

  • 28

    compreendemos que o ensaio confere imagens que esto alm da simples captura

    do ocorrido ou do mito da objetividade que tanto almeja o fotojornalismo, pois exibe

    em suas apresentaes um pensamento mais profundo sobre a cobertura dos fatos,

    definido pelo encontro do material e pela escolha da sequncia de molduras

    fotogrficas de cada ensaio.

    2.2.2 O ensaio fotojornalstico

    Com a inveno da fotografia ns passamos a nos comunicar menos atravs

    de linhas (cdigo verbal), para cada vez mais utilizarmos uma comunicao em

    superfcie (cdigo visual)7. A foto surge como a materializao de um desejo de

    conhecer o distante e extico, a realidade poltica de outros locais e, porque no, o

    problema dos outros.

    De acordo com Susan Sontag (2003), o fluxo contnuo de imagens (televiso,

    vdeo, cinema) constitui o meio que nos circunda, mas em termos de recordao a

    foto que fere mais fundo. Com essa sobrecarga de informao e imagem, a

    fotografia se tornou um meio rpido de apreenso de algo, compactando a

    informao e facilitando a memorizao do acontecido. Muitos de ns temos

    imagens congeladas em nossas mentes que so relembradas quando mencionamos

    algum lugar ou algum acontecimento: elas foram aprisionadas em nosso

    inconsciente de forma to rpida que nem nos demos conta. So imagens de

    amigos, de lugares, de guerra e de luto que contam a nossa histria, de acordo com

    a autora.

    Ainda segundo Sontag (2003), desde quando a cmera foi inventada as fotos

    tiveram conexo com a morte, pois a imagem produzida pela cmera supera

    qualquer lembrana do passado desaparecido e dos parentes que se foram. Alm

    disso, posteriormente, com a necessidade de cobrir conflitos para a imprensa, foi

    tarefa da fotografia a captura da prpria morte em curso.

    As primeiras fotos produzidas em combates foram produzidas durante a

    7 O que vemos na superfcie das telas so os cdigos imagticos que passam a reinar em todas as

    mdias: As novas formas miditicas, como o cinema e o vdeo, tm incorporado linhas escritas na tela, fazendo com que ela se apresente tambm sob uma superfcie. Se isso acontece, para Flusser, pode-se dizer que o pensamento-em-superfcie vem absorvendo o pensamento-em-linha, ou pelo menos vem aprendendo como produzi-lo (FLUSSER, 2007, p. 109).

  • 29

    Guerra da Crimia por Roger Fanton. Essas fotos no tinha o carter indicitico do

    fotojornalismo, pois eram produzidas a partir da construo de um cenrio ps-

    combate, ou ainda, relatavam soldados que posavam diante de suas lentes. Isso

    porque a cmera de grande formato e negativos de vidro impediam a agilidade na

    locomoo dentro do campo de guerra. Com o advento de negativos mais sensveis,

    encurtou-se o tempo de exposio da cena e a cmera pde prescindir do uso do

    trip na cobertura da guerra. Foi assim que a fotografia adquiriu mobilidade para

    acompanhar in loco a guerra, com a captura de cenas espontneas, passando a

    sensao jornalstica de documentao (SONTAG, 2003).

    Com a evoluo do jornalismo, a realidade da fotografia alcanou tambm

    espao na notcia, a sua chegada teve uma funo importante por mudar a viso das

    massas, inaugurando uma comunicao visual que substituiu o retrato privado para

    criar a fotografia pblica, ao mesmo tempo em que surgiu como forma de

    propaganda e manipulao da populao (FREUND, 1986).

    As primeiras fotorreportagens, nas dcadas de 1920 e 1930, alcanaram

    publicaes como Munchener Illustrierte Presse e a francesa Vu, mas foi com a

    revista americana Life em 1936, que esse gnero jornalstico8 ficou mais conhecido.

    Sequncias fotogrficas passaram a contar histrias em jornais e revistas e, alm da

    presena de imagens individualmente fortes, era necessrio tambm trabalhar os

    significados investidos na relao entre elas. Com a Life9 a fotorreportagem explorou

    o potencial da fotografia em sua possibilidade narrativa, isto , atravs da uma

    sucesso de imagens que narrassem histrias (KOSSOY, 2007, p.90).

    Pela primeira vez a notcia jornalstica passou a ser contada a partir de

    imagens sequenciadas acompanhadas apenas por legendas, que eram muitas

    vezes feitas pelos prprios fotgrafos. Essa investida na fotografia como notcia,

    proferiu uma maior credibilidade imagem como portadora de uma histria extrada

    da realidade, ou seja, uma histria jornalstica.

    Faz parte do senso comum assimilar a fotografia jornalstica como espelho do

    real. Porm, a noo de fotojornalismo est cada vez mais difcil de ser precisada,

    segundo Jorge Sousa (1998)10, pois vrios fotgrafos, como os de moda e

    8 Por gneros jornalsticos entende-se: notcia, entrevista, reportagem, crnica, editorial e artigo (de

    opinio ou anlise). 9 As imagens da extinta revista Life podem ser visualizadas no site: .

    10 Cf. SOUSA, Jorge Pedro. Uma Histria Crtica do Fotojornalismo Ocidental (1998). Biblioteca On-

    Line de Cincias da Comunicao. Disponvel em:

  • 30

    publicidade, que nem sempre apresentam unidade de expresso, tcnicas,

    abordagens e pontos de vista, por exemplo, reclamam a atividade fotojornalstica. H

    ainda a possibilidade do fotojornalismo se unir publicidade. Por isso, Sousa achou

    conveniente defini-lo em dois sentidos: lato e restrito. Ou seja, no lato, o

    fotojornalismo uma atividade de realizao de fotografias informativas,

    interpretativas, documentais ou ilustrativas para a imprensa ou outros projetos

    editoriais que tenham a finalidade de informar; no restrito, a atividade que visa

    informar, contextualizar, oferecer conhecimentos atravs da fotografia de

    acontecimentos e da cobertura de assuntos de interesse jornalstico.

    A partir da criao desse gnero fotogrfico11, o problema de apreenso do

    real foi posto em cheque, e essa problemtica passou a ser objeto de estudo e

    aprofundamento nos estudos da fotografia. Muito foi produzido sobre esse tema,

    abrangendo tambm quesitos estticos e filosficos com a contribuio de autores

    como Barthes, Benjamin, Dubois, Bresson, Flusser, Soulages, dentre outros, que

    escreveram e discutiram sobre a veracidade da fotografia e de sua funo e sua

    reprodutibilidade tcnica.

    O projeto da Life deve ser aqui aprofundado, pois alimentou o sonho de

    muitos reprteres, inclusive o de Robert Capa, que posteriormente criou a Magnum

    Photos, como veremos mais na frente. Com quarenta milhes de leitores, tinha a

    pretenso de substituir a vida por um espetculo e o real pelo simulacro, ou seja,

    procurava obter o mesmo efeito produzido pela televiso. Lucy, criador da Life,

    pretendia com isso, conforme sua declarao em 1934, obter imagens que nos

    tornariam testemunhas dos grandes acontecimentos. Por outro lado, Roland Barthes

    acreditava que toda imagem uma interpretao do mundo, pois um acontecimento

    s existe em funo do reconhecimento desse acontecimento por uma testemunha

    que segura a cmera. Por isso, no h um objeto-realidade a ser fotografado, nem

    um sujeito que transforma um fenmeno visvel em signo de um objeto a ser

    fotografado (apud SOULAGES, 2010, p.34-5). Nesse sentido, a fotografia no restitui

    o mundo em suas imagens, mas interpreta fenmenos visveis de um mundo que

    existiu em determinado local e instante.

    O vis jornalstico quando atribudo ao ensaio fotogrfico nos remete a uma

    . Acesso em 29 jun. 2013. 11

    H duas categorias desse gnero fotogrfico: notcias em geral e spot news. Essa ltima diz

  • 31

    sequncia de fotos, que reproduzem o acontecimento conforme o mito da

    objetividade e da imparcialidade. No entanto, de acordo com a noo de ensaio, ao

    unir a nomenclatura ensaio ao fotojornalismo apresentado outro sentido, pois

    esse conjunto fotogrfico est alm da objetividade e historicidade perseguida nas

    imagens, j que tambm expressa significados desejados pelo produtor das imagens

    ao exprimir sua viso sobre determinado assunto. De certo, a subjetividade j

    prevista no jornalismo, ganha ainda maior fora no ensaio fotojornalstico.

    Os ensaios fotojornalsticos que analisamos so sequncias fotogrficas

    criadas pelos fotgrafos da Magnum. Esta agncia mundialmente famosa, fundada

    em 1947, foi pioneira em coberturas de guerra e conflitos e existe at hoje por

    compreender que preciso acompanhar os avanos tecnolgicos. A Magnum tem a

    conscincia de que a quantidade de fotos produzidas no pode caminhar junto

    qualidade das mesmas, e tem esta ltima como exigncia de sua produo.

    No prximo tpico falaremos um pouco mais sobre as agncias e o que

    diferencia a produo da Magnum de outras agncias fotogrficas, alm do que

    motivou a criao do projeto Magnum in Motion, para aclarar a proposta e os valores

    artsticos que esta agncia persegue desde sua criao.

    2.2.2.1 Os ensaios fotogrficos da Agncia Magnum

    No incio, a fotografia que ilustrava a notcia era comprada e divulgada pelos

    donos de jornais, que detinham o negativo e os diretos de publicao e reproduo

    da imagem vendida. A criao de agncias fotojornalsticas permitiu o abastecimento

    da imprensa a partir dessas empresas, dando maior independncia e conferindo

    direitos ao fotgrafo, alm de permitir o escoamento mais gil das imagens

    produzidas desde vrias partes do mundo. Somou-se a esse processo o

    desenvolvimento da internet e o incremento constante na velocidade das redes,

    alm da qualidade e tecnologia empregadas nas fotografias.

    Por isso, o surgimento das agncias fotogrficas foi importante para o

    segmento da Comunicao. Com elas o mundo foi inundado pelas imagens, j que

    facilitavam a distribuio das fotos realizadas por fotgrafos localizados em vrias

    respeito a flagrantes, como em fotos que mostram suicdio, troca de tiros, etc. (SOUSA, 1998, p.6).

  • 32

    partes do globo. A Gamma12 ocupou o posto de maior agncia poca do seu

    surgimento, na segunda metade do sculo XX contava com vinte e trs fotgrafos

    empregados e dois mil associados, e tinha a misso de cobrir todas as notcias,

    indiscriminadamente, inclusive as do mundo das celebridades. Agncias menores,

    como a Rapho13 e a Vu14, por exemplo, foram mais modestas quanto quantidade

    de imagens, pois se especializaram em algum domnio ou rea geogrfica.

    A Magnum Photos possui uma proposta diferente dessas agncias que j

    citamos. Ela foi criada em 1947 por quatro importantes fotgrafos - Robert

    Capa, Henri Cartier-Bresson, George Rodger e David Seymour (Chin) -, sem a

    pretenso de cobrir todos os eventos geopoliticamente relevantes e nem de

    abranger questes mais atuais. Sua produo foi direcionada elaborao de

    reportagens mais profundas e de qualidade esttica, ou seja, que vem prevalecendo

    a qualidade e no a quantidade de imagens distribudas.

    Com um sistema de cooperativismo, todos os fotgrafos da Magnum so

    proprietrios e por isso tambm so os prprios responsveis pelos lucros, o que

    permite que a agncia exista at hoje. Essa relativa independncia monetria

    propiciou uma maior liberdade para fotografar o que quisessem, resultando assim

    em ensaios fotogrficos criados de acordo com as prprias necessidades e

    exigncias do fotgrafo.

    Conforme Bresson, a "Magnum uma comunidade de pensamento, uma

    qualidade humana compartilhada, a curiosidade sobre o que est acontecendo no

    mundo, um respeito pelo que est acontecendo e um desejo de transcrev-lo

    visualmente15. Nesta cooperativa so produzidas cerca de 100 exposies por ano

    com as fotografias da agncia, ao mesmo tempo em que essas mesmas fotos

    tambm podem abastecer a mdia impressa16.

    12

    A Gamma uma agncia fotogrfica francesa, fundada em 1966 por Raymond Depardon, Hubert Henrotte, Hugues Vassal e Lonard de Raemy. 13

    A agncia Rapho foi fundada em Paris em 1933 por Charles Rado (1899-1979), um imigrante hngaro. Rapho, um acrnimo formado a partir de Rado-Photo, uma das mais antigas agncias de notcias especializadas em fotografia humanista. Rapho, inicialmente, representava o pequeno grupo de amigos e fotgrafos hngaros refugiados: Brassa, Nora Dumas, Ergy Landau e Ylla. Agora est unida a agncia Gamma e pode seu acervo ser acessado no site http:. Disponvel em: . Acesso em: 23 mar. 2013. 14

    Disponvel em: http://www.agencevu.com/. Acesso em: 07 jun. 2013. 15

    Cf. Site da agncia fotogrfica: www.magnumphotos.com. 16

    Psacharopulo falou em entrevista para o Globo News, publicada em 4 de maro de 2013. Disponvel em: . Acesso em: 30. jun. 2013.

  • 33

    O fotojornalismo que foi praticado por um dos fundadores da agncia, Cartier-

    Bresson (1908-2004), nunca teve a pretenso de apreender o objeto-realidade na

    fotografia. Para ele, essa atribuio de suposta realidade foto promove a

    concorrncia entre fotgrafos e, por consequncia, a adulterao de fotos (apud

    SOULAGES, 2010). Esse fotgrafo teve papel importante na fotografia entre 1950 e

    1980, alm de escrever vrios artigos sobre a sua forma de fotografar.

    Robert Capa (1913-1954), antes de criar a cooperativa, foi considerado o

    maior fotgrafo de guerra do mundo pela revista Life (SONTAG, 2003, p.32). Ele e os

    seus outros trs companheiros de agncia j gozavam do prestgio de grandes

    fotgrafos, e por consequncia, tinham suas fotografias supervalorizadas pela mdia.

    Seus trabalhos eram, na poca da criao da Magnum, to admirados que esses

    grandes fotojornalistas eram considerados tambm artistas. A produo fotogrfica

    da agncia fornece, desde sua criao, garantia esttica para a reportagem17.

    Essa garantia esttica da fotografia sempre foi um ponto chave na produo

    dos membros da Magnum, como o caso de Henri Cartier-Bresson que criou uma

    fbula em torno do instante decisivo. Ele sempre estava procura desse instante e

    por isso andava com uma cmera a postos espreita do momento certo para

    fotografar. Esse ato em si, seria como observar o movimento de caa" (FLUSSER,

    2011. p. 35), espera do momento de atirar contra o alvo18. Alm disso, o fotgrafo

    acreditava que era preciso fotografar com uma estrutura, e que ela precisava ser

    ainda significativa, ou seja, para ele fotografar , num mesmo instante e numa

    frao de segundo, reconhecer um fato e a organizao rigorosa das formas

    percebidas visualmente que expressam e significam esse fato (apud SOULAGES,

    2010, p.41). Essa estrutura que Bresson se refere diz respeito composio do

    quadro da foto, que segue a perspectiva herdada do Renascimento italiano.

    Pelo que vemos da Magnum, ainda conforme Soulages (2010), possvel o

    encontro de um valor esttico no fotojornalismo. Isto porque a fotografia jornalstica -

    apesar de mirar a realidade - no diz tanto a verdade em relao ao objeto, quanto

    em relao ao ponto de vista especfico empregado pelo sujeito que fotografa. o

    reconhecimento dessa dupla personalidade que permite a decodificao da imagem

    jornalstica enquanto objeto expressivo: nela, deve-se observar tanto a presena das

    17

    Cf. SOULAGES (2010, p. 41). 18

    A palavra shoot significa, ao mesmo tempo, tiro (de uma arma) e disparo de uma foto (com a

    cmera).

  • 34

    ideologias que permeiam os fatos (aspecto poltico), quanto a deliberada construo

    pictrica dos cdigos visuais (aspecto esttico) pelo fotgrafo. Nessa perspectiva, o

    olhar oferecido por Bresson, de um fotojornalismo artstico, aquele preocupado com

    a composio do quadro e no apenas com o instante decisivo, proferindo

    plasticidade fotorreportagem, exerce fora no conjunto da obra produzido pela

    Magnum at hoje.

    A Magnum criou recentemente outra forma de visualizao de suas

    sequncias fotogrficas: a Magnum in Motion. Esse projeto audiovisual foi criado em

    2004 numa parceira entre Claudine Boeglin, jornalista e diretora criativa; Bjarke

    Myrthu, jornalista premiado; e o diretor da Magnum em Nova York, Mark Lubell. As

    histrias da Magnum in Motion so produzidas por um time composto por editores

    de som, msicos, artistas visuais e jornalistas, e tem base na cidade de Nova York.

    Nesta plataforma, os ensaios fotogrficos se apresentam em movimento.

    Assim, as imagens, produzidas pelos fotgrafos da Magnum, so utilizadas num

    momento ps-produo, enquanto suporte e linguagem para exprimir uma reflexo

    sobre o mundo. Essa forma de ensaio audiovisual aproxima-se do conceito de filme-

    ensaio proposto por Arlindo Machado (2003), pois so realizados a partir do ponto de

    vista do fotgrafo, acrescidos na edio por sons e pela narrao, podendo ainda

    possuir grficos e textos.

    2.2.2.2 O ensaio audiovisual na Magnum in Motion

    No projeto Magnum in Motion19 as imagens fixas do acervo da cooperativa

    fotogrfica se apresentam em movimento. Mas no so meras apresentaes

    sequenciais ou possuem um formato de cinema, alm da unidade temtica de cada

    ensaio, eles contam com a presena de narrador (es), som ambiente, msicas,

    vozes, relatos e efeitos de montagem (corte seco, imagem antiga, fade out, etc.).

    O projeto integra fotgrafos de vrias partes do mundo, que passaram por

    uma rgida seleo at serem aceitos como membros da agncia. Os temas

    apresentados so variados, abordam desde a Segunda Guerra Mundial e a Guerra

    do Vietn (as primeiras imagens realizadas com filme 35 mm), at eventos atuais

    19

    Pode ser acessado atravs do endereo eletrnico http://inmotion.magnumphotos.com.

  • 35

    como a crise financeira na Grcia e a revolta dos civis no Lbano (imagens digitais).

    Nessas sequncias fotogrficas, poderemos ver, por exemplo, at mesmo a

    apropriao de imagens diversas, como de cmeras de segurana ou mesmo

    recortes de programas de televiso e grficos inscritos no fluxo dos ensaios. Essa

    convergncia de imagens caracterstica das imagens que se apresentam na

    internet, e o projeto da Magnum vem acompanhando as mudanas que so

    necessrias com o surgimento das novas mdias20.

    Mas o que seria um ensaio fotogrfico para a Magnum? Hoffer (1983)

    acredita que o ensaio tem seu impacto na inter-relao entre as imagens que o

    compe, podendo assumir vrios formatos e tamanhos. Sua qualidade principal: a

    independncia esttica. Ao propor um ensaio audiovisual, o trabalho fotogrfico

    inserido num processo que est num momento posterior da captura de imagens,

    pois exige na ps-produo a reflexo sobre o tema e conexo entre as imagens,

    numa preocupao em fornecer um conjunto esttico que expresse os sentidos da

    sua inteno de trabalho. Na Magnum, o ensaio fotojornalstico se apresenta em

    sequncias imagticas que possuem ao mesmo tempo caractersticas jornalsticas e

    estticas, propondo uma nova forma de experincia fotojornalstica. Essas

    fotografias esto ordenadas, obedecem a uma durao no tempo, tm ritmo e

    contam uma histria. Alm disso, a produo baseada na liberdade criativa e

    expressiva de cada integrante da cooperativa, que transcreve visualmente o que foi

    visto, conforme falou Bresson.

    O formato em vdeo streaming21 desses ensaios impede o armazenamento

    fora do local de apresentao para preservar os direitos autorais dos envolvidos em

    sua produo. A forma que as fotos so apresentadas faz um caminho quase inverso

    do cinema, numa visualizao quadro a quadro, e por isso no pretende e nem

    precisa ser comparada ao vdeo tradicional ou apresentao em slides

    fotogrficos, por exibir uma proposta prpria e ensastica de exibio das fotos.

    20

    A Magnum uma das poucas agncias que sobreviveram ao impacto das novas mdias. Provavelmente, esta sobrevivncia se deve a assimilao de novas propostas de apresentao fotogrfica. Desde a migrao da fotografia analgica para a digital, a cooperativa investiu muito na digitalizao de seus arquivos fotogrficos. Mesmo assim, apenas do acervo foi digitalizado at hoje. 21

    Streaming uma forma de distribuir informao multimdia numa rede atravs de pacotes. frequentemente utilizada para distribuir contedos multimdia atravs da internet. A mdia reproduzida medida que chega ao usurio, desde que a sua largura de banda seja suficiente para reproduzir os contedos em tempo real. Isso permite que um usurio reproduza contedos protegidos por direitos de autor, na Internet, sem a violao desses direitos, similar ao rdio ou televiso aberta. Disponvel em: . Acesso em: 21 jun. 2013.

  • 36

    Tal qual a palavra grega techn, que designa ao mesmo tempo arte e

    tcnica, os ensaios produzidos pelo projeto Magnum in Motion nos apresentam, a

    partir dos conhecimentos tcnicos de fotgrafos de excelncia, molduras que alm

    dos sentidos jornalsticos exprimem tambm configuraes artsticas.

  • 37

    CAPTULO 3

    MOLDURAS NA PINTURA, NO CINEMA E NO ENSAIO FOTOJORNALSTICO

    O que seria a moldura na imagem? A princpio, a moldura pode ser um objeto

    (madeira, metal ou vidro) que nos leva a pensar na pintura, nos quadros e fotos na

    parede, ou mesmo no porta retratos que imita um pequeno quadro, mas tambm a

    linha que delimita a imagem, e nesta esto organizados os elementos de sua

    composio, dispostos conforme o propsito do produtor da imagem.

    Neste captulo so apresentados os conceitos, as funes e os tipos de

    moldura. Para isso, partimos da moldura na pintura renascentista, da moldura no

    cinema, at chegarmos quela(s) que se manifesta(m) no ensaio audiovisual. Com a

    nossa investigao, pudemos identificar diferentes molduras que foram emergindo

    das sequncias fotogrficas nos ensaios examinados, reconhecidas a partir das

    contaminaes e aproximaes com as tcnicas de recorte usadas na pintura e no

    cinema.

    preciso ressaltar que a borda, o contorno e a moldura existem mesmo antes

    da moldura na pintura criada no Renascimento: ela est primeiramente na

    percepo das imagens e se refere aos aspectos fisiolgicos de nossa viso.

    sobre isso que iremos falar a seguir, para apresentarmos, na sequncia, as molduras

    pictricas.

    3.1 A PERCEPO DA IMAGEM: BORDA, CONTORNO, MOLDURA

    Se existem imagens porque temos olhos, diz Aumont em A imagem (2006,

    p.17). Por isso, falar de imagens, sejam jornalsticas ou no, requer falar

    primeiramente da percepo que temos delas, ou seja, preciso compreender como

    elas so vistas pelo homem em relao ao mundo que o cerca.

    Um acentuado desenvolvimento tcnico da percepo da imagem ocorreu

    durante o Renascimento (fins do sculo XIV e meados do sculo XVI), e envolveu

    pesquisas tanto dos artistas como dos tericos e fsicos daquela poca dentre eles

    estavam Alberti, Leonardo da Vinci e Descartes. A partir dessas observaes, veio a

    inveno que determinou toda a produo de imagens posteriormente: a perspectiva

  • 38

    artificialis. Essa descoberta de Alberti, que veio com a inveno da cmara obscura

    na pintura, consistia em calcular a representao dos objetos em uma superfcie

    plana, de forma que se tornassem semelhantes percepo visual que se tem em

    relao aos objetos. Segundo Couchot, a perspectiva consistia em uma mquina de

    ver (apud MACHADO, 2007b, p.137), e foi com a sua inveno que as pinturas

    passaram a reproduzir a perfeio das formas, seguindo clculos criteriosos, para

    representar a pintura conforme o ponto de vista do observador. A assimilao de um

    olhar calculado e expresso na pintura foi essencial para que os olhos se

    afeioassem s imagens produzidas, pois se tornaram mais realistas ao serem

    organizadas conforme critrios de composio22 e da profundidade de campo.

    Mesmo com essa descoberta, entre os sculos XVI e XVII, o olho era

    concebido como uma mera lente que recebe informaes de acordo com leis da

    fsica. As cores, por exemplo, eram referidas to-somente luz branca que,

    infletindo-se em graus variados e geometricamente determinados em funo da

    hiptese newtoniana da diversa refrangibilidade23 - produziam todo o espectro

    (FERRAZ, 2006, p.236).

    Essa perspectiva se reconfigurou, segundo Ferraz (2006), a partir dos estudos

    e pesquisas realizadas no sculo XVIII, dentre as quais, a de Hermann von

    Helmholtz, que passa a estudar os fenmenos entpticos em investigaes de

    imagens intraoculares, que so produzidas no prprio olho como a visualizao

    fantasmagrica dos vasos sanguneos ou partculas do tecido ocular. Com isso,

    Helmholtz promoveu o entendimento do papel do olho e a forma de ver passou a ser

    compreendida como uma codificao visual que chega a ns atravs da luz. Esse

    processo modernizou a percepo e rompeu com o modelo renascentista da cmara

    obscura.

    22 Rudolf Arnheim define a composio como uma questo de centralizao, de constituio de

    centros visuais que compem a tela pintada, numa interao dinmica e conflitante ao mesmo tempo dos centros entre si e com esse centro absoluto e divino. Mas o sujeito que cria a composio, j que nossa viso sente-se mais confortvel de acordo com a arrumao desses centros visuais (AUMONT, 2004, p.116).

    23 Em 1672 Newton apresentou seu conceito de que a luz uma mistura heterognea de raios com diferentes refrangibilidades cada cor correspondendo a uma diferente refrangibilidade. Apresentou tambm vrios experimentos para corroborar sua teoria. No primeiro, um feixe de luz solar passava atravs de um prisma, formando uma mancha em uma parede. Newton notou que a mancha no era circular como o disco solar ela era alongada. Para explicar este efeito, assumiu que a luz branca do Sol era composta de muitos raios diferentes. Cada tipo de raio seria refratado em uma direo diferente e seria associado a uma cor diferente: os Raios menos refrangveis so dispostos a exibir a cor Vermelha, e [...] os Raios mais refrangveis so todos dispostos a exibir uma Cor Violeta profunda (NEWTON apud SILVA; MARTINS, 2003, p.56).

  • 39

    A relao entre olho e imagem, se d na percepo, pois sem isso a imagem

    no existe. Segundo Aumont (2006), o estudo intercultural da percepo visual

    demonstrou que as pessoas, sobretudo aquelas que nunca passaram por esse

    processo antes, tm capacidade de perceber tanto os objetos figurados em uma

    imagem, quanto sua organizao em conjunto, contanto que se explique o que

    imagem. Portanto, ela percebida de modo quase automtico, e o que a diferencia

    das outras em um conjunto a forma que cada uma possui.

    Aumont (2006) considera que a noo de forma enquanto caracterstica de

    um objeto representado em uma imagem antiga. Trata-se da percepo primeira

    da unidade, e da implicao, por isso, de existncia de um todo que estrutura suas

    partes. Para isso, a informao necessria advm das bordas visuais, que seriam as

    fronteiras entre duas superfcies que emanam luminosidades distintas de acordo

    com um ponto de vista (se o ponto de vista muda, a borda no estar no mesmo

    lugar).

    Ainda segundo Aumont (2006), nas artes figurativas, como fotografia e vdeo,

    a percepo da forma inseparvel da percepo das bordas, pois os limites da

    imagem, ou seja, suas bordas, definem o formato do objeto. Por isso, quando a

    imagem se torna mais abstrata ou a profundidade de campo representada de

    modo incorreto, a percepo da forma se torna mais difcil. O autor fala tambm da

    existncia da borda visual fechada nas imagens, que nada mais que o contorno,

    ou seja, a linha que separa figura e fundo, e que circula cada imagem que se

    encontra no conjunto delimitado pelas bordas da imagem. Essa linha, o contorno,

    delimita os valores semnticos, estticos e emocionais da imagem. A teoria da

    Gestalt trabalhou tambm essa perspectiva de separao entre figura e fundo.

    Alm da borda e do contorno, elementos responsveis pela percepo da

    imagem, em toda imagem, seja ela bidimensional (desenho, pintura, fotografia, vdeo

    etc.) ou tridimensional como a escultura, sempre existir uma moldura e um campo,

    isso porque o campo corresponde ao espao de ocupao da imagem, enquanto

    que a moldura refere-se s fronteiras estabelecidas nesse campo, ou seja, ela diz

    respeito ao limite que separa a imagem do mundo (SANTAELLA, 2012). A moldura,

    nesse sentido, encerra a imagem, o que a torna finita.

    Nas pinturas, a partir do Renascimento, funcionou tambm como um objeto

    de reforo dos limites da imagem, feito de madeira ou qualquer outro material, esta

    acompanha at hoje as pinturas e fotografias, sejam expostas em galerias ou

  • 40

    mesmo em nossas casas.

    A moldura o que confere forma pintura, fotografia e ao cinema. E como

    toda imagem possui delimitao, toda ela tem uma moldura que a define enquanto

    imagem. Sabendo disso, passaremos a tratar das suas funes na arte figurativa.

    3.2 A MOLDURA E SUAS FUNES

    A noo de moldura era familiar pintura e posteriormente a fotografia passou

    a reproduzir essa forma tornando manifesta a relao entre o quadro do instantneo

    e o olhar (do fotgrafo) que a foto traduz (AUMONT E MARIE, 2003, p.98-9). Por isso,

    a forma abstrata de moldura passou a ser conhecida como enquadramento nas

    imagens tcnicas24.

    A primeira conexo da palavra moldura na imagem pode levar ao objeto que

    acompanha a pintura, que ornado ou esculpido, de madeira ou de outro material,

    refora a borda da imagem. Ela foi produzida a partir do Renascimento italiano,

    quando os pintores passaram a ocupar os atelis e a praticar a pintura no mais em

    molduras arquitetnicas, como nos afrescos em igrejas ou prdios, para produzir

    sobre uma tela (AUMONT, 2004). A produo dessas imagens era realizada atravs

    de ferramentas que inseriam um ponto de vista (do espectador), como a tcnica da

    perspectiva artificialis e a produo da imagem de acordo com a cmara obscura,

    que permitiam que a pintura tivesse uma referncia mais prxima da realidade.

    Era comum, no Renascimento, encontrar no ateli do artista aparelhos de pintar baseados no princpio da tavoletta de Brunelleschi e constitudos basicamente de um ponto de referncia para o olho do pintor (apenas um olho; o outro deveria ser tapado, pois, como se sabe, a imagem renascentista era monocular) e um vidro translcido para a projeo das imagens. Olhando do ponto de referncia, o artista copiava sobre o vidro translcido sua frente os modelos e objetos colocados no lado posterior [] O artista obtinha assim um esboo da imagem, com dados tomados do prprio objeto representado, de modo que bastava transfer-lo depois para a tela e cobr-lo de cores para que a obra ganhasse forma acabada (MACHADO, 2007a, p.225).

    A instituio da pintura em tela surgiu juntamente com a concepo moderna

    24

    A imagem tcnica aquela produzida por aparelhos, ou seja, por cmeras criadas num momento

  • 41

    de quadro como mercadoria no Renascimento, e por isso, a presena da moldura,

    para dar destaque ou mesmo proteger a pintura, fornecia tela pintada valores

    diferenciados por estabelecer status de obra de arte. Alm disso, a cor e a textura

    desse objeto colaboravam na decorao, sendo tratado como pea importante no

    mobilirio do comprador.

    A moldura abstrata corresponde aos limites da imagem. Alm de estar na

    pintura, passou a ser reproduzida tambm com as imagens tcnicas criadas a partir

    da Revoluo Industrial, com a inveno da fotografia e do cinema, e conhecida

    tambm como enquadramento. No interior est a composio da imagem, e o

    prprio ato de fotografar j reproduz a moldura abstrata.

    Falamos, portanto, de dois tipos de moldura: a concreta e a abstrata. A

    primeira foi criada para reforar o valor da pintura; enquanto a segunda est

    presente em todas as imagens e, por isso, sofrer algumas variaes como veremos

    mais frente. Antes, precisamos conhecer as funes dessas molduras nas

    imagens, e para isso nos nortearemos por Aumont (2006, p.145-47), que identificou

    cinco funes atribudas moldura:

    1. Visual: A moldura separa a imagem do que est fora dela e assim proporciona

    uma transio visual entre o interior e o exterior da imagem. Foi utilizada

    pelos pintores clssicos que produziam suas prprias molduras, quando

    douradas, acreditavam, permitir banhar a tela com uma luz suave que

    favorecia o quadro.

    2. Econmica: Como j dissemos, o quadro surgiu com a concepo de objeto

    comercializvel, mercadoria. E, por isso, a moldura foi por muito tempo um

    objeto precioso, podendo at ser encontrada com pedras preciosas

    incrustadas.

    3. Simblica: Indica ao espectador que o que se est olhando uma imagem

    que possui um valor e vista de acordo com certas convenes. Dessa

    forma, a moldura confere status obra de arte.

    ps-escrita e industrial (FLUSSER, 2011).

  • 42

    4. Representativa e narrativa: A moldura aparece como uma janela que d

    acesso a outro mundo. o que faz comunicar o interior da imagem; o que

    liga o quadro aos sentidos que esto fora dele.

    5. Retrica: Pode ser compreendida como proferindo um discurso. Por

    exemplo, um pintor pode criar no quadro uma falsa moldura, pintada como

    iluso de tica (figura 1). Pode-se encontrar essa funo tambm sob a forma

    de expressividade entre a moldura e seu contedo representativo (figura 2).

    Figuras 1 e 2 Funo retrica na moldura

    Fonte: Acervo fotogrfico pessoal/Lorena Travassos25

    A forma herdada da moldura de grande importncia na composio das

    imagens, no s na fotografia como no cinema e no vdeo. Alguns filmes do cinema

    mudo, por exemplo, como os do expressionismo alemo, mostraram uma grande

    preocupao com a composio, no deixando nada a dever pintura. H ainda

    grandes fotgrafos, como o caso de Cartier-Bresson, que admiram o pensamento

    fotogrfico que segue a lgica da pintura, ou que simplesmente pensam como

    pintores (SOULAGES, 2010).

    25

    (1) Quadro Fumeur dans l'embrasure d'une fentre rustique, sur fond de paysage (entre 1640-

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    3.3 APRESENTAO DAS MOLDURAS

    Passamos agora identificao das molduras na pintura, no cinema e no

    ensaio fotojornalstico. Para isso, iremos reunir alguns autores que tratam desse

    tema, como Aumont (2004, 2006), Martin (2005), Deleuze (1983), Machado (2007),

    dentre outros.

    3.3.1 Moldura na pintura

    Segundo Aumont (2004, p.112-13), a moldura, que este autor denominou

    como quadro, o que faz com que a imagem no seja infinita, o que delimita a

    imagem, que a detm.