MÓDULO 01 - TEXTO 2 - ToLSTOI, Leon (1862) Da Instrucao Popular
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TOLSTOI, Leon. (1862) Da instruo popular.
In: Obras Pedaggicas. Moscou: Edies Progresso, 1988 pp. 38-56
DA INSTRUO POPULAR
(Janeiro de 1862)
A instruo popular foi sempre e em todo o lugar e continua a ser para mim um
fenmeno incompreensvel. O povo quer instruo e cada indivduo aspira
inconscientemente instruo. A classe de pessoas mais instruda a sociedade, o
governo tenta transmitir os seus conhecimentos e instruir a classe menos instruda
do povo. Semelhante coincidncia de necessidades deveria satisfazer tanto a classe
instrutora como a classe instruenda. Mas d-se o contrrio. O povo resiste
constantemente aos esforos que a sociedade ou o governo, como representantes da
camada mais instruda, fazem para a sua instruo e, na maioria das vezes, no do
resultado. Sem falar das escolas da Antiguidade: da ndia, do Egito, da Grcia Antiga
e mesmo de Roma, cuja organizao conhecemos to mal como a opinio que o povo
tinha desses estabelecimentos, este fenmeno surpreende-nos nas escolas europeias
desde a poca de Lutero at aos nossos dias.
A Alemanha, criadora da escola, em quase 200 anos de luta, no conseguiu
ainda submeter a resistncia do povo escola. No obstante os Fredericos terem
nomeado para professores distintos soldados invlidos, no obstante o rigor da lei que
vigora h 200 anos, no obstante a preparao de professores do perfil mais moderno
nos seminrios, no obstante todo o sentido de respeito do alemo pela lei, a coao
da escola continua hoje a oprimir com toda a fora o povo; os governos alemes no
se decidem a revogar a lei da obrigatoriedade da escola. A Alemanha s se pode
orgulhar da instruo do povo expressa nas estatsticas. O povo, na sua maioria, s
leva da escola o dio a essa mesma escola. A Frana, no obstante a passagem da
instruo das mos do rei para o diretrio e das mos do diretrio para as mos do
clero, pouco fez no campo da instruo popular, assim como a Alemanha, ou ainda
menos, afirmam os historiadores da instruo que julgam pelos relatrios oficiais. Na
Frana, estadistas srios propem ainda agora, como nico meio de vencer a
resistncia do povo, a imposio da lei da coero. Na Inglaterra livre, onde no veio
cabea de ningum impor semelhante lei pela qual muitos manifestam simpatia
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no foi o governo, mas a sociedade que lutou e luta hoje, com todos os meios
possveis, contra a resistncia, mais forte do que em qualquer outro lugar, do povo
escola. Parte das escolas so criadas pelo governo, outra parte por sociedades
privadas. A enorme difuso e atividade dessas sociedades religiosas, filantrpicas e de
instruo na Inglaterra mostra melhor do que tudo a fora da resistncia que a parte do
povo que instrui enfrenta. Mesmo o novo Estado, os Estados Unidos da Amrica, no
superou essa dificuldade e teve que tornar a instruo semi-obrigatria. Que dizer
ento da nossa ptria, onde a maioria do povo se irrita contra a ideia da escola, onde
as pessoas mais instrudas sonham com a imposio da lei alem de obrigatoriedade
da escola e onde todas as escolas, mesmo destinadas ao estado superior, s existem
sob o signo do engodo de algum cargo e das vantagens que da advm. At agora as
crianas tm sido obrigadas quase fora a ir para a escola e os pais so obrigados,
atravs da lei ou de sutilezas, a mandar as crianas para a escola; mas o prprio povo
estuda em quase todo lugar e considera que aprender um bem.
Que isto? A necessidade de aprender vive em cada pessoa; o povo ama e
procura aprender como ama e busca o ar para respirar. O governo e a sociedade
querem muito instruir o povo e, no obstante toda a coero, sutileza e tenacidade dos
governos e das sociedades, o povo manifesta permanentemente o seu
descontentamento face instruo que lhe proposta e apenas lentamente se rende
fora.
Aqui, tal como em qualquer outro confronto, seria necessrio resolver a questo
do que legal: a resistncia ou a prpria ao; ser preciso quebrar a resistncia ou
mudar a ao?
At agora, pelo que se pode constatar da histria, a questo foi sempre resolvida
a favor do governo e da sociedade que instrui. A resistncia foi declarada ilegal, era
considerada o princpio do mal inerente humanidade, e a sociedade, no desistindo
do seu modo de agir, ou seja, no desistindo da forma e do contedo da instruo,
utilizou a fora e a sutileza para destruir a resistncia do povo. Este ltimo, passo a
passo, contra a sua vontade, submeteu-se at hoje a esta ao.
Talvez a sociedade instrutora tivesse algumas razes para concluir que a
instruo que possua era, em certa medida, um bem para um determinado povo e
numa determinada poca histrica.
Que razes so estas? Que razes tem a escola atual para ensinar uma coisa e
no outra, para ensinar de uma maneira e no de outra?
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A humanidade sempre tentou dar e dava respostas mais ou menos satisfatrias a
estas perguntas, mas, atualmente, esta resposta mais indispensvel do que nunca.
Um mandarim chins, que nunca tenha sado de Pequim, pode obrigar as crianas a
decorar as mximas de Confcio e pode met-las nas suas cabeas custa de pancada.
Podia se fazer a mesma coisa na Idade Mdia, mas onde encontrar hoje a fora da f
na indubitabilidade do nosso conhecimento que nos poderia dar o direito de instruir o
povo fora? Tomemos uma escola medieval antes ou depois de Lutero, tomemos
toda a literatura cientfica da Idade Mdia, que fora da f e do conhecimento firme e
incontestvel do que era verdadeiro e do que era falso havia nessas pessoas! Era-lhes
fcil saber que a lngua grega era a nica condio necessria da instruo porque
nessa lngua escrevia Aristteles e ningum duvidava do seus ensinamentos mesmo
alguns sculos depois. Como podiam os monges no exigir o estudo da Sagrada
Escritura que se baseava em fundamentos inabalveis? Lutero no teve dificuldade
em exigir o estudo obrigatrio da lngua hebraica porque sabia com toda a firmeza
que Deus revelou a verdade aos homens nessa lngua. Claro que quando o sentido
crtico da humanidade ainda no tinha despertado, a escola devia ser dogmtica; que
era natural que os alunos decorassem as verdades inspiradas por Deus e por
Aristteles e as belezas poticas de Virglio e Ccero. Ningum, mesmo alguns
sculos depois, podia imaginar verdade mais verdadeira ou beleza mais bela. Mas
qual a situao da escola da nossa poca que continua assente nos mesmos
princpios dogmticos quando, paralelamente aula de decorao da verdade sobre a
imortalidade da alma, se tenta dar a entender ao aluno que os nervos, iguais no
homem e na r, so a essncia do que outrora se chamava alma; quando, depois de lhe
contarem a histria de Jochua, filho de Nun, sem qualquer tipo de explicaes, ele
venha a saber que o Sol nunca girou em torno da Terra; quando, depois de lhe
explicar as belezas de Virglio, ele considera as belezas de Alexandre Dumas, que lhe
foram vendidas por cinco cntimos, muito maiores; quando a nica crena do
professor consiste em que no h nada verdadeiro, que tudo o que existe racional,
que o progresso um bem e o atraso um mal; quando ningum sabe em que consiste
esta f universal no progresso?
Depois de tudo isto, comparem a escola dogmtica da Idade Mdia, onde as
verdades eram incontestveis, e a nossa escola, onde ningum sabe o que a verdade
e para onde obrigam o aluno a ir fora, para onde obrigam os pais a mandarem os
seus filhos. Mais, a escola medieval no tinha dificuldade em saber o que ensinar, o
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que ensinar antes e o que ensinar depois e como ensinar, porque havia apenas um
mtodo e toda a cincia se concentrava na Bblia, nos livros de Agostinho e de
Aristteles. Dada a infinita variedade de mtodos de ensino propostos de todos os
lados, dada a grande quantidade de cincias e de suas subdivises que se formaram na
nossa poca, temos de escolher um dos mtodos propostos, um ramo das cincias e, o
mais difcil, escolher a sequncia mais racional e justa do ensino dessas cincias. Isso
tambm no suficiente. Alm disso, a procura destas razes , na nossa poca, mais
difcil do que na escola medieval, visto que ento, a instruo era monoplio de uma
s classe que se preparava para viver em determinadas condies; na nossa poca,
quando todo o povo declara o seu direito instruo torna-se ainda mais difcil e
indispensvel saber o que preciso para todas essas classes heterogneas.
Quais so estas interrogaes? Pergunte a um pedagogo qualquer por que que
ele ensina assim e isso mesmo e no isto, por que que antes e no depois. Se ele
compreender, responder: porque conhece a verdade, inspirada por Deus, e considera
ser seu dever transmiti-la gerao jovem, educ-la em princpios que so
indubitavelmente verdadeiros; mas no responder sobre as disciplinas de instruo
laica. Outro pedagogo dir que as bases da sua escola so as leis eternas da razo
expostas por Fichte, Kant e Hegel; um terceiro basear o seu direito de coero do
aluno no fato de ter sido sempre assim, de todas as escolas terem sido coercitivas e de,
no obstante isso, os resultados dessas escolas serem a verdadeira instruo; outro,
finalmente, rene todas estas razes e diz que a escola deve ser o que , pois assim foi
feita pela religio, pela filosofia e a experincia, e que tudo o que histrico
racional. Todos estes argumentos, que incluem outros argumentos possveis, parece-
me, podem ser divididos em religiosos, filosficos, experimentais e histricos.
A instruo que tem a religio como base, ou seja, a inspirao divina, de cuja
verdade e legitimidade ningum pode duvidar, deve ser incontestavelmente inculcada
no povo e s neste caso a coero legtima. Mas, na nossa poca, quando a instruo
religiosa constitui apenas uma pequena parte da instruo, a questo de saber se a
escola tem razes para obrigar a gerao jovem a estudar continua, de certa maneira,
por resolver do ponto de vista religioso.
A resposta talvez possa ser encontrada na filosofia. Ter a filosofia razes to
fortes como a religio? Quais so elas? Quem, como e quando manifestou essas
razes? Ns no as conhecemos. Todos os filsofos descobrem leis do bem e do mal;
ao descobrirem essas leis, eles, ao abordarem a pedagogia (no podiam deixar de a
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abordar), obrigam a formar o gnero humano segundo essas leis. Mas cada uma destas
teorias, entre outras teorias, incompleta e constitui apenas um novo elo na noo de
bem e de mal, contida na humanidade.
Todo pensador manifesta apenas aquilo de que tem conscincia a sua poca e,
por isso, a instruo da gerao jovem, no sentido desta tomada de conscincia,
totalmente desnecessria. Esta tomada de conscincia j inerente gerao viva.
Todas as teorias pedaggico-filosficas tm por objetivo a tarefa de formar
pessoas virtuosas. O conceito de virtuosos continua a ser o mesmo ou desenvolve-se
infinitamente e, no obstante todas as teorias, o declnio e o florescimento da virtude
no dependem da instruo. Ou os virtuosos chins, grego, romano e francs do nosso
tempo so do mesmo modo virtuosos ou esto todos, do mesmo modo, longe da
virtude. As teorias filosficas da pedagogia resolvem o problema de como educar o
homem mais perfeito segundo uma determinada teoria tica, criada numa ou noutra
poca e reconhecida como incontestvel. Plato no duvidava das verdades da sua
tica e, com base nela, construiu a sua educao que, por sua vez, o fundamento do
seu Estado. Schleiermacher afirma que a tica ainda uma cincia incompleta e que,
por conseguinte, a educao e a instruo devem ter por objetivo a preparao de
pessoas capazes de entrar nas condies que encontram na vida e, ao mesmo tempo,
capazes de trabalhar com fora no seu aperfeioamento. A instruo em geral, diz
Schleiermacher, tem por fim entregar um membro pronto ao Estado, igreja, vida
social e ao conhecimento. S a tica, embora sendo cincia incompleta, d resposta
pergunta: com que membro destes quatro elementos deve ser educado o homem? Tal
como Plato, todos os pedagogos-filsofos procuram na tica a tarefa e o objetivo da
instruo, reconhecendo uns que ela conhecida, outros, que eternamente elaborada
na conscincia da humanidade; mas nenhuma teoria d resposta positiva pergunta: o
qu e como ensinar o povo? Um diz uma coisa, outro diz outra e, quanto mais se
avana, mais contraditrias se tornam as suas ideias. Ao mesmo tempo, aparecem
diferentes teorias contraditrias. A tendncia teolgica luta com a escolstica, a
escolstica com a clssica, a clssica com a real, e, atualmente, todas estas tendncias
existem e ningum sabe o que a mentira e o que a verdade. Todos esto
descontentes com o que existe, mas no sabem o que de novo preciso e
indispensvel.
Se analisarem o rumo histrico da filosofia da pedagogia, encontraro nela no
o critrio da instruo, mas, pelo contrrio, uma ideia comum que se encontra
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inconscientemente na base de todos os pedagogos, no obstante as frequentes
divergncias entre si, ideia essa que nos convenceu da falta deste critrio. Todos, de
Plato a Kant, desejam uma coisa: libertar a escola dos ns histricos que pendem
sobre ela, querem adivinhar as necessidades do homem e, com base nestas
necessidades, adivinhadas com maior ou menor exatido, construir a sua nova escola.
Lutero obrigava a estudar as Sagradas Escrituras pelo original, e no pelos
comentrios dos santos padres. Bacon obrigava a estudar a natureza na prpria
natureza, e no pelos livros de Aristteles. Rousseau quer estudar a vida na prpria
vida, como ele a compreende, e no nas experincias do passado. Cada passo em
frente da filosofia da pedagogia consiste em libertar a escola da ideia de ensinar s
jovens geraes o que as geraes velhas consideravam cincia e em enveredar pela
ideia de ensinar o que necessrio s geraes jovens. Esta ideia comum e ao mesmo
tempo contraditria est patente em toda a histria da pedagogia. comum porque
todos exigem mais liberdade para a escola, contraditria porque cada um prescreve as
leis baseadas na sua teoria e, deste modo, limita a liberdade.
A experincia das escolas do passado e do presente?... Mas como pode esta
experincia provar-nos a justeza do mtodo existente de instruo coercitiva? No
podemos saber se h outro mtodo mais legtimo visto que at agora no existiram
ainda escolas livres. verdade que no degrau mais alto da instruo (universidades,
aulas pblicas) ela tenta tornar-se cada vez mais livre. Mas isto no passa de uma
suposio. Talvez a instruo nos degraus mais baixos deva ser sempre coercitiva e a
experincia nos tenha mostrado que semelhantes escolas so boas? Olhemos pois para
essas escolas, deixando de parte os grficos estatsticos na Alemanha, e tentemos ver
a escola e a sua influncia real no povo. A realidade pareceu-me ser a seguinte: o pai
manda a filha ou o filho para a escola contra a vontade, amaldioando o
estabelecimento que o priva do trabalho do seu filho e contando os dias que faltam
para o seu filho se tornar schulfrei, livre da escola (esta expresso prova como o povo
olha para a escola). A criana vai para a escola convencida de que o poder do pai, que
ela conhece, no aprova o poder do governo, ao qual se submete ao ingressar na
escola. O que ela ouve dos seus camaradas mais velhos, que j saram desse
estabelecimento, no aumenta o seu desejo de entrar na escola. As escolas parecem-
lhe estabelecimentos de tortura para as crianas, onde lhes privam da principal alegria
e necessidade da infncia: a liberdade de movimentos, onde Gehorsam (obedincia) e
Ruhe (calma) so as principais condies, onde preciso uma autorizao especial
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para sair uma hora, onde cada falta castigada com a rgua ou a vara, embora
esteja oficialmente afixada a eliminao dos castigos corporais com rgua, ou com a
continuao da situao mais cruel para a criana: o estudo. A criana v com toda a
justia na escola um estabelecimento onde lhe ensinam o que ningum compreende,
onde, na grande maioria dos casos, a obrigam a falar no no seu patois, Mundart
natal, mas numa lngua estranha, onde o professor, muito frequentemente, v nos seus
alunos inimigos inveterados que, por maldade sua e por maldade dos pais, no querem
estudar o que ele prprio estudou e onde os alunos, pelo contrrio, olham para o
professor como para um inimigo que, apenas por maldade prpria, os obriga a estudar
coisas to difceis. So obrigados a passar seis anos e seis horas por dia em
semelhante instituio. Vemos os resultados disso nos fatos reais, e no nas
estatsticas. Na Alemanha, 9/10 da populao escolar levam da escola o hbito
mecnico de ler e escrever e um dio to grande aos caminhos da cincia por eles
experimentados que, depois, nunca mais pegam num livro. Mostrem os que no esto
de acordo comigo um livro que o povo leia; at os calendrios e os jornais populares
so excees raras. O fato de no haver literatura popular e, principalmente, de ser
necessrio mandar cada gerao nova fora para a escola, tal como dantes, uma
prova irrefutvel de que no h instruo entre o povo. Mais, a escola provoca o dio
instruo, habitua hipocrisia e ao engano, que advm da situao anti-natural em
que os alunos so colocados, e barafunda e confuso dos conceitos a que chamam
saber ler e escrever. Nas minhas viagens pela Frana, Alemanha e Sua, propus, nas
escolas primrias e a pessoas que j tinham terminado a escola, a seguinte pergunta a
fim de saber informaes dos alunos, as suas opinies sobre a escola e o seu
desenvolvimento moral: qual a principal cidade da Prssia e da Baviera? Nas
escolas, s vezes, respondiam-me com tiradas decoradas dos livros, mas os ex-alunos
nunca. S consegui receber resposta de cor. Na matemtica no encontrei uma regra
geral: umas vezes respondiam bem, outras vezes, muito mal. Depois pedi aos alunos
que escrevessem uma composio sobre o que tinham feito no domingo anterior, e as
raparigas e os rapazes, sem exceo, escreveram a mesma coisa: no domingo,
utilizaram todos os momentos possveis para rezar a deus, mas no brincaram. Isto
um exemplo da influncia moral da escola. Quando perguntei aos adultos por que no
estudam depois da escola, no leem, todos responderam que j tinham sido
confirmados, passado a quarentena da escola e recebido o diploma de uma certa
instruo, sabem ler e escrever.
-
Alm dessa influncia embrutecedora da escola, para a qual os alemes criaram
um termo muito exato verdummen (embrutecer), que consiste na deformao
prolongada das capacidades intelectuais, h outra influncia, ainda mais perniciosa,
que consiste em que a criana, durante as muitas horas de aulas dirias, embrutecida
pela vida escolar, afastada, durante o tempo mais rico do ponto de vista etrio, das
condies necessrias ao desenvolvimento, que lhe so concedidas pela prpria
natureza. Ouve-se e l-se muitas vezes a opinio de que as condies em casa, a
rudeza dos pais, os trabalhos agrcolas, os jogos na aldeia etc. so os principais
obstculos que dificultam a instruo escolar. Certamente que tudo isso dificulta a
instruo escolar que os pedagogos subentendem, mas j tempo de nos
convencermos de que estas condies so as bases principais de toda a instruo, de
que no so inimigos e obstculos da escola, mas os seus primeiros e principais
impulsionadores. Jamais a criana aprenderia a diferena das linhas que constituem a
diferena das letras, os nmeros, a capacidade de exprimir as suas ideias sem essas
condies domsticas. Por que motivo essa rude vida domstica pde ensinar
criana coisas to difceis e, de sbito, essa mesma vida domstica no s se torna
imprpria para ensinar criana coisas to simples como a leitura, a escrita etc., como
tambm prejudicial para esse ensino? A melhor prova a comparao do filho de um
campons que nunca estudou com o filho de um nobre que estudou com preceptor
desde os cinco anos. O primeiro mais inteligente e tem mais conhecimentos. Mais
ainda, o interesse em saber e as perguntas s quais a escola deve responder s so
originadas por essas condies domsticas. Todo o ensino deve ser apenas uma
resposta pergunta colocada pela vida. Mas a escola no s no coloca perguntas,
como tampouco responde s pergunta que a vida coloca. Ela responde constantemente
s mesmas perguntas, colocadas h alguns sculos atrs pela humanidade, e no pela
idade infantil, quando elas ainda no interessam nada criana. Estas questes so:
como foi criado o mundo? Quem foi o primeiro homem? O que havia 2000 anos
atrs? Que terra a sia? Qual a forma da Terra? Como multiplicar cem por mil e o
que vir depois da morte etc. Mas a criana no recebe resposta s perguntas que
parecem vir da vida, tanto mais que, segundo a organizao policial da escola, ela no
tem direito de abrir a boca para pedir para ir ao banheiro, deve fazer sinais a fim de
no perturbar o silncio e de no incomodar o professor. A escola assim instituda,
pois o objetivo da escola oficial, criada de cima, consiste, na maioria dos casos, no
em instruir o povo, mas em instrui-lo segundo o nosso mtodo, em que haja escola e
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muitas escolas. No h professores? Fazer professores. E ainda continua a sentir-
se a sua falta? Fazer com que um professor possa ensinar 500 crianas, mecanizar a
instruo, o mtodo de Lancaster, os mais velhos ensinam os mais novos. Por isso, as
escolas institudas a partir de cima e coercitivamente no so um pastor para o
rebanho, mas um rebanho para o pastor. A escola no instituda para que s crianas
seja cmodo estudar, mas para que aos professores seja cmodo ensinar. Ao professor
incomodam os rudos, o movimento e a alegria das crianas, que so para elas uma
condio indispensvel de estudo; por isso, nas escolas construdas como cadeias,
proibido fazer perguntas, falar e mover-se. Em vez de se convencerem de que para
agir sobre um objeto qualquer preciso estud-lo (na educao, este objeto a criana
livre), eles querem ensinar como sabem, como querem e, quando sucede um fracasso,
pretendem mudar no o mtodo de ensino, mas a prpria natureza da criana. Deste
conceito surgiram e surgem agora (Pestalozzi) sistemas com os quais se pode
mecanizar a instruo desejo eterno da pedagogia de organizar as coisas de tal
forma que o mtodo seja o mesmo, independente do professor e do aluno. Basta olhar
para uma criana em casa, na rua ou na escola e vero ou um ser feliz, cheio de
curiosidade, com um sorriso nos olhos e nos lbios, que procura ensinamentos em
tudo como uma alegria, que manifesta clara e frequentemente as suas ideias com a sua
lngua; ou vero um ser martirizado, angustiado, com uma expresso de cansao,
medo e tdio, que repete com os lbios palavras estranhas numa lngua estranha, um
ser cuja alma, tal como o caracol, se escondeu na sua casca. Basta olhar para estes
dois estados de esprito para decidir qual dos dois o mais til para o
desenvolvimento da criana. O estranho estado psicolgico a que chamo estado
escolar da alma, que todos ns, infelizmente, conhecemos bem, consiste em que todas
as capacidades superiores imaginao, criatividade, compreenso cedem o seu
lugar a outras capacidades, semi-animais: a pronunciao de palavras
independentemente da imaginao, a contagem de nmeros seguida: 1, 2, 3, 4, 5, a
compreenso das palavras sem admitir que a imaginao coloque nelas outras
imagens; numa palavra, a faculdade de reprimir em si as capacidades supremas a fim
de desenvolver apenas as que coincidem com o estado escolar: o medo, a tenso da
memria e a ateno. Todo aluno um disparate na escola enquanto no entrar na
roda do estado semi-animal. Logo que a criana chega a este estado, perde toda a
independncia, logo que se comeam a manifestar diferentes sintomas da doena
hipocrisia, mentira, desespero etc., ela deixa de ser um disparate na escola, entra na
-
roda e o professor comea a ficar contente com ela. Ento aparecem tambm
fenmenos que no so ocasionais, mas que se repetem constantemente, por exemplo:
a criana mais tonta considerada o melhor aluno e a mais inteligente passa a ser o
pior aluno. Parece-me que este fato bastante significativo para que se pense nele e se
tente explic-lo. Parece-me que este fato uma prova evidente da falsidade das razes
da escola coercitiva. Mais ainda, alm deste prejuzo, que consiste no afastamento das
crianas da instruo inconsciente recebida em casa, no trabalho, na rua, estas escolas
so prejudiciais fisicamente, ao corpo, indivisvel da alma na primeira idade; este
prejuzo particularmente importante em relao monotonia da educao escolar,
mesmo se ela for boa. O agricultor no pode viver sem as condies de trabalho, a
vida no campo, as conversas dos mais velhos etc., sem tudo que o rodeia; o mesmo
acontece com o arteso e o citadino em geral. No foi por acaso, mas racionalmente
que a natureza rodeou o agricultor de condies agrcolas, o citadino de condies
citadinas. Estas condies so altamente instrutivas e s nelas se podem instruir; a
escola coloca o afastamento destas condies como primeira condio da instruo. A
escola acha isto insuficiente. Alm de afastar as crianas da vida durante seis horas
por dia, nos melhores anos da vida, ela quer retirar as crianas com trs anos de idade
da influncia da me. Foram inventados Kleinkinderbewahranstalt, infantschools,
salles dasile (orfanatos para crianas pequenas, escolas infantis, creches). S falta
inventar uma mquina a vapor que substitua a me lactante. Todos esto de acordo
que as escolas so imperfeitas (eu, pelo meu lado, estou convencido de que so
prejudiciais). Todos esto de acordo que so precisos muitos e muitos melhoramentos.
Todos esto de acordo que esses melhoramentos devem basear-se numa maior
comodidade para os alunos. Todos esto de acordo que s possvel saber quais so
essas comodidades se se estudar as necessidades da idade escolar em geral e as
necessidades de cada estrato social em particular. Que est a ser feito para realizar
esse estudo difcil e complexo? Durante alguns sculos que uma escola criada
imagem e semelhana de uma outra que, por sua vez, semelhante uma outra
anterior e, em cada uma destas escolas, condio indispensvel a disciplina que
probe s crianas de falar, fazer perguntas, escolher este ou aquele objeto de estudo,
numa palavra, so tomadas todas as medidas para privar o professor da possibilidade
de tirar concluses sobre as necessidades dos alunos. A organizao coercitiva da
escola exclui toda a possibilidade de progresso. No entanto, quando pensamos nos
muitos sculos que perdemos a responder s crianas perguntas que elas no
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pensavam fazer, como avanaram as geraes atuais em relao antiga forma de
instruo que lhes metida na cabea, no compreendemos como que as escolas
ainda se aguentam. Parece-nos que a escola deve ser uma arma da instruo e, ao
mesmo tempo, uma experincia com a gerao jovem que d constantemente novos
resultados. S quando a experincia for a base da escola, s quando cada escola for,
por assim dizer, um laboratrio pedaggico, s ento a escola no se atrasar em
relao ao progresso universal e a experincia estar em condies de lanar bases
firmes para a cincia da instruo.
Mas pode a histria responder nossa pergunta v: em que se baseia o direito
de obrigar os pais e os alunos a instrurem-se? Ela dir que as escolas existentes se
formaram por via histrica e atravs dela devem continuar a formar-se e a mudar-se
conforme as exigncias da sociedade e do tempo; quanto mais vivemos, mais as
escolas melhoram. A isto respondo: primeiro, que as concluses exclusivamente
filosficas so to unilaterais e falsas como as concluses exclusivamente histricas.
A conscincia da humanidade o principal elemento da histria e, por isso, se a
humanidade tomar conscincia da incapacidade das suas escolas, o fato dessa tomada
de conscincia ser j um fato histrico onde se deve basear a organizao da escola.
Segundo, quanto mais vivemos, mais as escolas no melhoram mas pioram, pioram
em comparao com o nvel de instruo alcanado pela sociedade. A escola uma
das partes orgnicas do Estado que no pode ser analisada e avaliada separadamente,
pois o seu valor reside apenas em estar em conformidade maior ou menor com as
outras partes do Estado. A escola s boa quando tem conscincia das leis
fundamentais segundo as quais vive o povo. Uma escola maravilhosa para a aldeia
russa da regio das estepes, que satisfaz todas as necessidades dos seus alunos, ser
bastante m para o parisiense, a melhor escola do sculo XVII ser a pior escola na
nossa poca; e, pelo contrrio, a pior escola da Idade Mdia era, no seu tempo, melhor
do que a melhor escola da nossa poca, pois correspondia melhor ao seu tempo e
estava ao mesmo nvel da instruo geral, ou at talvez a um nvel mais alto, enquanto
que a nossa escola est atrs dele. Se a tarefa da escola, admitindo a definio mais
geral, consiste em transmitir o que foi elaborado e criado pelo povo e em responder s
perguntas que a vida coloca ao homem, no h dvida de que, na escola medieval, as
lendas eram mais limitadas e as perguntas que surgiam na vida eram mais fceis de
resolver e esta tarefa da escola era melhor satisfeita. Era mais fcil transmitir as
lendas da Grcia e de Roma atravs de fontes insuficientes e no estudadas, os
-
dogmas religiosos, a gramtica e a parte ento conhecida da matemtica do que todas
as lendas por ns vividas at agora, que lanaram para trs as lendas dos povos
antigos e todos os conhecimentos das cincias sociais necessrias na nossa poca
como respostas aos fenmenos quotidianos da vida. Entretanto, o mtodo de
transmisso continua a ser o mesmo.
Terceiro, ao argumento histrico de que as escolas existiam e por isso eram
boas, respondo com argumentos histricos. H um ano atrs, quando estive em
Marselha, visitei todos os seus estabelecimentos de ensino destinados ao povo
trabalhador. O nmero de estudantes entre a populao to grande que, salvo raras
excees, todas as crianas frequentam a escola durante trs, quatro e seis anos. Os
programas da escola consistem em estudar de cor o catecismo, a histria sagrada e
universal, quatro operaes de aritmtica, ortografia francesa e contabilidade. Como
que a contabilidade se pode tornar objeto da instruo? No pude entender e nenhum
professor me pde explicar. A nica explicao que dei a mim mesmo, depois de ver
como os alunos trabalham com os livros de contabilidade aps o termo do curso, foi
que no sabem sequer trs operaes de aritmtica, mas estudaram de cor contas com
nmeros e, por conseguinte, tambm devem saber de cor fazer lanamentos contbeis.
(Parece que no preciso provar que a contabilidade que ensinada na Alemanha e
Inglaterra uma cincia que exige quatro horas de explicao para todo aluno que
sabe as quatro operaes de aritmtica). Nestas escolas, nenhum rapaz soube resolver
o problema mais simples de somar e subtrair. Por outro lado, faziam operaes com
nmeros abstratos, multiplicando milhares com agilidade e rapidez. Responderam
bem de cor s perguntas gerais sobre a Histria da Frana, mas, quando fiz uma
pergunta mais concreta, responderam-me que Henrique IV foi assassinado por Jlio
Csar. O mesmo acontece na geografia e histria sagrada, na ortografia e na leitura.
Mais de metade do sexo feminino s sabe ler por livros decorados. Seis anos de
escola no permitem escrever palavras sem erros. Sei que os fatos por mim citados
so to incrveis que muitos podem duvidar da sua veracidade; mas poderia escrever
livros inteiros sobre a ignorncia que vi nas escolas da Frana, Sua, e Alemanha. A
propsito, quem se interessa por isto que tente estudar a escola no pelas estatsticas
dos exames pblicos, mas pelas visitas e conversas frequentes com professores e
alunos nas escolas e fora delas. Vi em Marselha mais uma escola laica e uma
monstica para adultos. Dos 250 000 habitantes, menos de 1000, entre eles apenas
200 homens, frequentam estas escolas. O ensino o mesmo: leitura mecnica que
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aprendem passado um ou mais anos, contabilidade sem conhecimentos de aritmtica,
sermes espirituais etc. Depois de ter estado na escola laica, ouvi sermes nas igrejas,
vi creches onde crianas de quatro anos, ao som de apito, como soldados, andam
volta de um banco, depois, voz de comando levantam as mos e, com vozes
inseguras e estranhas, entoam hinos laudativos a deus e aos seus benfeitores. Fiquei
convencido de que os estabelecimentos de ensino da cidade de Marselha so muito
maus. Se algum por milagre visse todos esses estabelecimentos, sem ver o povo na
rua, nas oficinas, no caf, em casa, que ideia faria do povo educado deste modo?
Talvez pensasse que este povo ignorante, grosseiro, hipcrita, cheio de supersties
e quase selvagem. Mas basta entrar em contato, falar com algum do povo simples
para ver que, ao contrrio, o povo francs quase aquilo que pensa ser:
compreensivo, inteligente, comunicativo, livre-pensador e realmente civilizado.
Olhem para um trabalhador de 30 anos da cidade, ele j escreve uma carta sem os
erros que cometia na escola, s vezes at corretamente; percebe de poltica e, por
conseguinte, de histria contempornea e geografia; sabe alguma coisa de histria
atravs dos romances; tem alguns conhecimentos de cincias naturais. Muito
frequentemente, desenha e emprega frmulas no seu artesanato. Onde aprendeu tudo
isso?
Encontrei involuntariamente a resposta a esta pergunta em Marselha, quando,
depois de visitar as escolas, passeei pelas ruas, tabernas, cafs chantants, museus,
oficinas, cais e livrarias. O mesmo rapaz que me respondeu que Henrique IV foi
assassinado por Jlio Csar, conhecia muito bem a histria dos Quatro Mosqueteiros e
o Conde de Monte Cristo. Em Marselha, encontrei 28 edies ilustradas baratas, de 5
a 10 cntimos. So vendidos 30 000 exemplares para 50 000 habitantes e, por
conseguinte, se 10 pessoas lerem e ouvirem um livro, todos os habitantes os leem.
Alm disso h os museus, bibliotecas pblicas e teatros. Cafs, dois grandes cafs
chantants, abertos a toda a gente, onde o consumo obrigatrio de 50 cntimos, so
frequentados diariamente por cerca de 25 000 pessoas, sem contar com os pequenos
cafs que atendem o mesmo nmero de pessoas. Em cada um desses cafs so
apresentadas pequenas comdias, peas em um ato e declamados poemas. Eis como,
segundo os clculos mais modestos, um quinto da populao, diariamente, aprende
oralmente como aprendiam os gregos e os romanos nos seus anfiteatros. Esta
instruo boa ou m? Isso outra questo; mas eis a instruo inconsciente, muito
mais forte do que a coercitiva, eis a escola inconsciente que mina a escola coercitiva e
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reduz quase a nada o seu contedo. Fica apenas uma forma desptica quase
desprovida de contedo. Afirmo: quase, excluindo o saber mecnico de juntar letras
e formar palavras, o nico conhecimento adquirido em 5 ou 6 anos de estudo. Alm
disso, devo assinalar que a arte mecnica de ler e escrever, frequentemente, num
perodo muito mais curto, aprendida fora da escola, que, muitas vezes, da escola no
se leva sequer este saber e perde-se-o, pois no encontra aplicao na vida; e que,
onde h a lei da obrigatoriedade escolar, no h necessidade de ensinar a escrever, ler
e contar a segunda gerao, porque a me e o pai pareciam estar em condies de
fazer isso mais facilmente em casa do que na escola. O que vi em Marselha, vi em
todos os outros pases: o povo recebe a maior parte da instruo no na escola, mas na
vida. Onde a vida instrutiva, como em Londres, Paris e nas grandes cidades, o povo
instrudo; onde a vida no instrutiva, como nas aldeias, o povo no instrudo, no
obstante as escolas serem totalmente iguais em ambos os lugares. Os conhecimentos
adquiridos na cidade como que ficam, os conhecimentos adquiridos nas aldeias
perdem-se. A orientao e o esprito da instruo do povo, tanto nas cidades como nas
aldeias, so totalmente independentes e, muitas vezes, contrrios ao esprito que se
pretende introduzir nas escolas populares. A instruo segue um caminho
independente do da escola.
O argumento histrico contra o argumento histrico consiste em que, ao
analisarmos a histria da instruo, no nos convencemos de que as escolas se
desenvolvem em conformidade com o desenvolvimento dos povos, mas convencemo-
nos de que caem e se tornam uma formalidade oca em conformidade com o
desenvolvimento dos povos; quanto mais um povo avanou na instruo geral, mais a
instruo passou da escola para a vida e reduziu a nada o contedo da escola. Sem
falar de todos os outros meios de instruo desenvolvimento dos contatos
comerciais, das vias de comunicao, do alto grau de liberdade do indivduo e da sua
participao na administrao, sem falar das reunies, museus, conferncias pblicas
etc., vale a pena olhar para a imprensa e o seu desenvolvimento a fim de compreender
a diferena existente entre as escolas do passado e do presente. A instruo
inconsciente, na vida, e a instruo consciente, na escola, andaram e andam sempre
lado a lado, completando-se mutuamente; mas, sem a imprensa, a vida podia dar
muito menos instruo do que a escola. A cincia pertencia aos eleitos que possuam
os meios de instruo. E vejam qual a cota atual da instruo na vida quando no h
um homem que no tenha livros, quando os livros so vendidos a preos baixssimos,
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quando as bibliotecas pblicas esto abertas a todos; quando a criana que vai para a
escola, alm dos seus cadernos, leva escondido um barato romance ilustrado; quando
dois abecedrios custam 3 kopeques e o campons das estepes compra o abecedrio,
pede a um soldado que passa que lhe mostre e ensine toda essa cincia, que este,
durante muitos anos aprendeu com o sacristo; quando o aluno abandona a escola
secundria, prepara-se sozinho, pelos livros, e faz bem os exames de ingresso na
universidade; quando os jovens deixam a universidade e, em vez de se prepararem
pelas notas do professor, trabalham diretamente com as fontes; quando, falando
sinceramente, toda a instruo sria se adquire apenas na vida e no na escola.
Considero que o ltimo argumento, o mais importante, consiste, finalmente, em
que aos alemes fcil, baseando-se em 200 anos de existncia da escola, defend-la
historicamente, mas com que razes podemos ns defender a escola popular que no
temos? Que direito histrico temos de dizer que as nossas escolas devem ser como as
europeias? Ainda no possumos a histria da instruo popular. Ao analisar a histria
universal da instruo popular, no s nos convencemos de que nos impossvel
organizar seminrios para professores segundo o modelo alemo, reformar o mtodo
fontico alemo, as infantschools inglesas, os liceus franceses e as escolas
especializadas e, com estes meios, alcanar a Europa, mas convencemo-nos tambm
de que ns, os russos, vivemos em condies extremamente felizes no que diz
respeito instruo popular, de que a nossa escola no deve sair, tal como na Europa
medieval, das condies do civismo, no deve servir certos fins governamentais ou
religiosos, no deve formar-se na escurido da falta de controle por parte da opinio
pblica e da falta de instruo prtica, no deve, com novas dificuldades e dores,
atravessar e sair do crculo vicioso onde as escolas europeias estiveram durante muito
tempo. Este crculo vicioso consiste em que a escola devia fazer avanar a instruo
inconsciente e vice-versa. Os povos europeus venceram essa dificuldade, mas
perderam muito na luta. Estejamos pois reconhecidos pelo trabalho que devemos
utilizar e, por isso, no nos podemos esquecer de que somos chamados a realizar o
trabalho novo neste campo. Na base do que a humanidade acumulou e do fato de a
nossa atividade ainda no ter iniciado, podemos e devemos dar grande sentido ao
nosso trabalho. Para adotar os mtodos das escolas estrangeiras devemos distinguir o
que neles est baseado nas leis eternas da razo do que nasceu em virtude das
condies histricas. No h uma lei racional universal, um critrio que justifique a
violncia das escolas contra o povo e, por conseguinte, toda cpia da escola europeia
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no que diz respeito coero da escola no ser para o nosso povo um passo em
frente, mas um recuo, uma traio sua vocao. Compreende-se por que razo na
Frana se formou uma escola disciplinada com predominncia das cincias exatas:
matemtica, geometria e desenho, por que razo na Alemanha se formou a escola
rigorosa de educao com predominncia do canto e da anlise; compreende-se por
que razo na Inglaterra se desenvolveu um nmero infinito de sociedades que criam
escolas filantrpicas para o proletariado com a sua orientao estritamente moral e, ao
mesmo tempo, prtica; mas no sabemos e jamais saberemos que escola se deve
constituir na Rssia se no a deixarmos formar-se livremente e a tempo, ou seja, em
conformidade com a poca histrica em que se deve desenvolver, em conformidade
com a sua histria e muito mais com a histria universal. Se vemos que a instruo
popular na Europa no vai pelo caminho certo, ns, fazendo nada pela nossa instruo
popular, fazemos mais do que se introduzssemos nela tudo o que cada um pensa que
bom.
Deste modo, o povo pouco culto quer instruir-se, a classe mais culta quer
instruir o povo, mas o povo s fora se submete instruo. Ao procurar na
filosofia, na experincia e na histria as razes que dessem classe que instrui direito
a isso, no encontramos nada, pelo contrrio, vimos que as ideias da humanidade
esto sempre voltadas para a libertao do povo contra a violncia na questo da
instruo. Ao procurar o critrio da pedagogia, ou seja, o conhecimento do que e
como ensinar, no encontramos nada, alm de opinies e afirmaes muito
discrepantes, mas, pelo contrrio, vimos que quanto mais progredia a humanidade,
mais impossvel se tornava este critrio; ao procurar este critrio na histria da
instruo, convencemo-nos no s que para ns, os russos, as escolas historicamente
formadas no podem ser modelos, mas de que estas escolas se atrasam cada vez mais
em relao ao nvel geral de instruo e de que, por esse motivo, o seu carter
coercitivo se torna cada vez mais ilegal e, finalmente, de que, na Europa, a instruo,
como a gua filtrada, escolheu outra via, ultrapassou a escola e derramou-se nos
instrumentos vitais da instruo.
Que devemos fazer ns, os russos, no momento atual? Chegar a um acordo e
tomarmos como base o ponto de vista ingls, francs, alemo ou norte-americano,
sobre a instruo ou algum dos seus mtodos? Ou, depois de mergulhar na filosofia e
na psicologia, descobrir o que exatamente necessrio para desenvolver a alma
humana e fazer das jovens geraes as melhores pessoas segundo os nossos
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conceitos? Ou utilizar a experincia da histria no no sentido de copiar as formas
que a histria elaborou, mas no sentido de compreender as leis que a humanidade
elaborou com sofrimentos e dizer direta e francamente que no sabemos e no
podemos saber do que precisam as futuras geraes, mas que nos sentimos no dever e
queremos estudar essas necessidades, no queremos acusar de ignorante o povo que
no aceita a nossa instruo, mas iremos acusar-nos a ns prprios de ignorantes e
orgulhosos se tentarmos instruir o povo nossa maneira. Deixemos de olhar para a
resistncia do povo nossa instruo como para um elemento inimigo da pedagogia,
e, pelo contrrio, vejamos nela uma expresso da vontade do povo, pela qual se deve
dirigir a nossa atividade. Reconheamos, finalmente, a lei da histria da pedagogia e
da histria de toda a instruo que nos diz claramente que para o professor saber o
que bom ou mau, o aluno deve ter todo o poder de manifestar a sua insatisfao ou,
pelo menos, de afastar-se da instruo que, segundo o seu instinto, no o satisfaz, que
o critrio da pedagogia s um: a liberdade.
Ns escolhemos esta ltima via na nossa atividade pedaggica.
A base da nossa atividade a convico de que no s no sabemos, como
tambm no podemos saber em que deve consistir a instruo do povo, de que no s
no existe nenhuma cincia da instruo e da educao: a pedagogia, mas que o seu
primeiro fundamento ainda no foi lanado, de que a definio de pedagogia e dos
seus objetivos , no sentido filosfico, impossvel, intil e prejudicial.
No sabemos como deve ser a instruo e a educao, no reconhecemos toda a
filosofia da pedagogia, porque no reconhecemos ao homem a possibilidade de
conhecer o que ele tem necessidade de saber. A instruo e a educao so fatos
histricos de ao de umas pessoas sobre outras, pois a tarefa da cincia da instruo,
parece-nos, apenas a procura das leis da ao de umas pessoas sobre outras. No s
no reconhecemos nossa gerao o conhecimento e no s no reconhecemos o
direito de saber o que preciso para aperfeioar o homem, mas estamos convencidos
de que se a humanidade tivesse esse conhecimento, no poderia transmitir ou no
transmitir gerao jovem. Estamos convencidos de que a conscincia do bem e do
mal, independentemente da vontade do homem, est em toda a humanidade e
desenvolve-se inconscientemente com a histria, de que to impossvel meter o
nosso conhecimento na cabea da gerao jovem com a instruo como priv-la do
nosso conhecimento e do nvel do supremo conhecimento, ao qual o passo seguinte da
histria o eleva. O nosso conhecimento imaginrio das leis do bem e do mal e
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influncia, com base nisso, na nova gerao , na maioria dos casos, a resistncia ao
desenvolvimento da nova conscincia ainda no elaborada pela nossa gerao e que
se elabora na gerao jovem, um obstculo e no uma ajuda instruo.
Estamos convencidos de que a instruo histria e por isso no tem objetivo
final. A instruo no sentido mais geral, incluindo a educao, pensamos, a
atividade do homem que tem como base a necessidade de igualdade e a lei invarivel
do avano da instruo. A me ensina a criana a falar apenas para se
compreenderem, a me, instintivamente, tenta descer at sua maneira de ver as
coisas, sua lngua, mas a lei do avano da instruo no permite que ela desa at
ele, mas obriga-o a elevar-se at ao conhecimento dela. A mesma relao existe entre
o escritor e o leitor, entre a escola e o aluno, entre o governo, as sociedades e o povo.
A atividade do que instrui e a do instruendo tm um s objetivo. A tarefa da cincia
da instruo apenas o estudo das condies de coincidncia destas duas tendncias
para um objetivo comum, a indicao das condies que dificultam esta coincidncia.
Devido a este fato, a cincia da instruo torna-se para ns, por um lado, mais fcil,
no apresentando mais perguntas: qual o objetivo final da instruo, para que
devemos preparar a gerao jovem etc.; por outro lado, infinitamente mais difcil.
Precisamos estudar todas as condies que contriburam para a coincidncia dos
anseios do que instrui e do instruendo; precisamos definir o que a liberdade cuja
ausncia dificulta a coincidncia de ambos os anseios e que deve ser para ns o
critrio de toda a cincia da instruo; precisamos avanar, passo a passo, de um
nmero infinito de fatos para a resoluo das questes da cincia da instruo.
Sabemos que os nossos argumentos convencero muito poucos. Sabemos
que as nossas convices fundamentais em que o nico mtodo da instruo a
experincia e que o nico critrio a liberdade soam para uns como um excesso
de vulgaridade, para outros, como abstraes pouco claras, para terceiros, um
sonho e uma irrealidade. No ousaramos perturbar a calma dos pedagogos
tericos e manifestar convices to opostas a toda a sociedade se nos
limitssemos aos raciocnios deste artigo, mas sentimos a possibilidade, passo a
passo e fato a fato, de provar a utilidade e a legitimidade das nossas convices e
s a este objetivo dedicamos a nossa edio.