Modulação eletrofisiológica das aurículas e veias...

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Rev Port Cardiol. 2012;31(3):215---223 Revista Portuguesa de Cardiologia Portuguese Journal of Cardiology www.revportcardiol.org ARTIGO ORIGINAL Modulac ¸ão eletrofisiológica das aurículas e veias pulmonares: interac ¸ão da estimulac ¸ão simpática e parassimpática na inducibilidade de fibrilhac ¸ão aguda auricular num modelo experimental in vivo Mário Oliveira a,, Gabriela Postolache b , Vera Geraldes b , Vitor Silva b , Sérgio Laranjo b , Cristiano Tavares b , M. Nogueira da Silva a , Rui Ferreira a , Isabel Rocha b a Servic ¸o de Cardiologia, Hospital de Santa Marta, Lisboa, Portugal b Unidade de Sistema Nervoso Autónomo, Instituto de Medicina Molecular, Faculdade de Medicina de Lisboa, Lisboa, Portugal Recebido a 9 de junho de 2011; aceite a 4 de novembro de 2011 Disponível na Internet a 11 de fevereiro de 2012 PALAVRAS-CHAVE Modelo animal; Vago; Simpático; Refratariedade; Velocidade de conduc ¸ão; Fibrilhac ¸ão auricular Resumo A influência do sistema nervoso autónomo (SNA) na génese da fibrilhac ¸ão auricular (FA) envolve múltiplos mecanismos complexos com impacto nas propriedades eletrofisiológicas cardíacas. A importância dos efeitos da estimulac ¸ão autonómica no substrato elétrico auricular e das veias pulmonares (VP) e na vulnerabilidade para FA requer melhor compreensão. Objetivo: Avaliar os efeitos da estimulac ¸ão vagal (estim vag) e simpática (estim simp) aguda na conduc ¸ão e refratariedade das aurículas e VP e na indutibilidade de FA no corac ¸ão de coelho in vivo com inervac ¸ão autonómica preservada. Métodos: Estudámos 17 coelhos New Zealand de ambos os sexos. Para abordagem de «toráx- aberto» procedeu-se a anestesia, entubac ¸ão e ventilac ¸ão após bloqueio neuro-muscular. O ECG foi obtido a partir de 3 derivac ¸ões dos membros. Os eletrogramas foram registados com 4 elétrodos monopolares colocados na superfície epicárdica, distribuídos ao longo das aurículas e com um elétrodo circular adaptado à porc ¸ão proximal das VP. Estimulou-se o nervo vago cervical direito e o tronco simpático torácico com elétrodos bipolares de platina. Estudámos os períodos refratários efetivos (PRE) e a conduc ¸ão elétrica auricular, entre a aurícula direita lateral-alta (AD) e a aurícula esquerda lateral-alta (AE), e entre AD e VP, em condic ¸ões basais e durante estim vag, estim simp e estimulac ¸ão autonómica combinada (dual estim). Para induc ¸ão de FA, procedeu-se a pacing rápido (50 Hz, 10 s, isolado ou com estim vag, estim simp ou dual estim) com elétrodo bipolar no apêndice auricular direito (AAD), apêndice auricular esquerdo (AAE) e VP. Resultados: Em condic ¸ões basais: os PRE eram maiores no AAE e registou-se um atraso na ativac ¸ão da AD para as VP, comparando com a conduc ¸ão interauricular. Durante estim vag ou dual estim: os PRE encurtaram significativamente em todos os locais, o intervalo de conduc ¸ão interauricular variou de 20 ± 4 ms para 30 ± 10 ms (p < 0,05) e 31 ± 11 ms (p < 0,05), Autor para correspondência. Correio eletrónico: [email protected] (M. Oliveira). 0870-2551/$ see front matter © 2011 Sociedade Portuguesa de Cardiologia. Publicado por Elsevier España, S.L. Todos os direitos reservados. doi:10.1016/j.repc.2012.01.007 Documento descarregado de http://http://www.elsevier.pt el 07/11/2012. Cópia para uso pessoal, está totalmente proibida a transmissão deste documento por qualquer meio ou forma.

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Rev Port Cardiol. 2012;31(3):215---223

Revista Portuguesa de

CardiologiaPortuguese Journal of Cardiology

www.revportcardiol.org

ARTIGO ORIGINAL

Modulacão eletrofisiológica das aurículas e veias pulmonares:interacão da estimulacão simpática e parassimpáticana inducibilidade de fibrilhacão aguda auricular num modeloexperimental in vivo

Mário Oliveiraa,∗, Gabriela Postolacheb, Vera Geraldesb, Vitor Silvab, Sérgio Laranjob,Cristiano Tavaresb, M. Nogueira da Silvaa, Rui Ferreiraa, Isabel Rochab

a Servico de Cardiologia, Hospital de Santa Marta, Lisboa, Portugalb Unidade de Sistema Nervoso Autónomo, Instituto de Medicina Molecular, Faculdade de Medicina de Lisboa, Lisboa, Portugal

Recebido a 9 de junho de 2011; aceite a 4 de novembro de 2011Disponível na Internet a 11 de fevereiro de 2012

PALAVRAS-CHAVEModelo animal;Vago;Simpático;Refratariedade;Velocidadede conducão;Fibrilhacão auricular

Resumo A influência do sistema nervoso autónomo (SNA) na génese da fibrilhacão auricular(FA) envolve múltiplos mecanismos complexos com impacto nas propriedades eletrofisiológicascardíacas. A importância dos efeitos da estimulacão autonómica no substrato elétrico auriculare das veias pulmonares (VP) e na vulnerabilidade para FA requer melhor compreensão.Objetivo: Avaliar os efeitos da estimulacão vagal (estim vag) e simpática (estim simp) agudana conducão e refratariedade das aurículas e VP e na indutibilidade de FA no coracão de coelhoin vivo com inervacão autonómica preservada.Métodos: Estudámos 17 coelhos New Zealand de ambos os sexos. Para abordagem de «toráx-aberto» procedeu-se a anestesia, entubacão e ventilacão após bloqueio neuro-muscular. OECG foi obtido a partir de 3 derivacões dos membros. Os eletrogramas foram registados com4 elétrodos monopolares colocados na superfície epicárdica, distribuídos ao longo das aurículas ecom um elétrodo circular adaptado à porcão proximal das VP. Estimulou-se o nervo vago cervicaldireito e o tronco simpático torácico com elétrodos bipolares de platina. Estudámos os períodosrefratários efetivos (PRE) e a conducão elétrica auricular, entre a aurícula direita lateral-alta(AD) e a aurícula esquerda lateral-alta (AE), e entre AD e VP, em condicões basais e duranteestim vag, estim simp e estimulacão autonómica combinada (dual estim). Para inducão de FA,procedeu-se a pacing rápido (50 Hz, 10 s, isolado ou com estim vag, estim simp ou dual estim)com elétrodo bipolar no apêndice auricular direito (AAD), apêndice auricular esquerdo (AAE)e VP.

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Resultados: Em condicões basais: os PRE eram maiores no AAE e registou-se um atraso naativacão da AD para as VP, comparando com a conducão interauricular. Durante estim vag oudual estim: os PRE encurtaram significativamente em todos os locais, o intervalo de conducãointerauricular variou de 20 ± 4 ms para 30 ± 10 ms (p < 0,05) e 31 ± 11 ms (p < 0,05),

∗ Autor para correspondência.Correio eletrónico: [email protected] (M. Oliveira).

0870-2551/$ – see front matter © 2011 Sociedade Portuguesa de Cardiologia. Publicado por Elsevier España, S.L. Todos os direitos reservados.doi:10.1016/j.repc.2012.01.007

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respetivamente. Com estim simp obteve-se uma reducão significativa dos PRE no AAE e dotempo de conducão interauricular para 16 ± 11 ms (p < 0,05). Induziu-se FA em 35 a 53% dosanimais com 50 Hz, 65 a 76% com estim vagal ou estim simp, e 75 a 100% com dual estim(p < 0,05). A duracão da FA aumentou significativamente durante estim vagal e/ou estim simp.Em 2/3 dos animais com inducão de FA com duracão >10 s a arritmia terminou imediatamenteapós interrupcão da estim vagal.Conclusões: No coracão de coelho inervado in vivo, a estimulacão autonómica aguda encurta arefratariedade auricular e das VP, e modifica a velocidade de conducão auricular, potenciandoa inducão e duracão de FA. Os resultados sugerem que as variacões agudas e a interacão daatividade autonómica podem desempenhar um papel importante na fisiopatologia da FA.© 2011 Sociedade Portuguesa de Cardiologia. Publicado por Elsevier España, S.L. Todos osdireitos reservados.

KEYWORDSAnimal model;Vagus;Sympathetic;Refractoriness;Conduction velocity;Atrial fibrillation

Acute electrophysiological modulation of the atria and pulmonary veins: Effectsof sympathetic and parasympathetic interaction on atrial fibrillation inducibility

Abstract Atrial fibrillation (AF) is a complex disease with multiple mechanisms, involving theinteraction between the autonomic nervous system (ANS), electrophysiological properties ofthe atria and pulmonary veins (PVs), and vulnerability for AF.Aim: We assessed the effects of acute vagal (vagus stim) and sympathetic stimulation(symp stim) on atrial conduction, atrial and PV refractoriness and inducibility of AF in an in vivorabbit model with preserved autonomic innervation.Methods: An open-epicardial approach was used in 17 anesthetized and artificially ventilatedNew Zealand white rabbits. The ECG was recorded with bipolar subcutaneous electrodes placedin the four limbs. Electrograms were obtained with four monopolar electrodes placed epicar-dially along the atria, and a circular electrode adapted to the proximal PVs. The cervical vagusnerve and thoracic sympathetic trunk were stimulated with bipolar electrodes. Epicardial acti-vation was recorded in sinus rhythm, and effective refractory periods (ERPs) and conductiontimes from the high-lateral right atrium (RA) to the high-lateral left atrium (LA) and PVs werequantified at baseline and during vagus stim, symp stim, or combined vagal and sympathetic sti-mulation (dual stim). Burst pacing (50 Hz, 10 s), alone or combined with vagus stim, symp stimor dual stim, was performed in the right (RAA) and left atrial appendage (LAA) and PVs to testfor AF inducibility.Results: At baseline, ERPs were higher in the LAA and there was a delay in the conductiontime from RA to PV, compared to the mean activation time from RA to LA. During vagus stimor dual stim, ERP decreased significantly at all sites, and baseline interatrial activation timeschanged from 20 ± 4 ms to 30 ± 10 ms and 31 ± 11 ms, respectively (p<0.05). Symp stim resultedin a significant decrease in ERPs only in the LAA, and a reduction of the interatrial interval to16 ± 11 ms (p<0.05 vs baseline). AF inducibility ranged from 35% to 53% with baseline 50 Hzpacing, 65% to 76% during vagus stim or symp stim, and 75% to 100% with dual stim (p<0.05).AF duration increased significantly during ANS stimulation. In two-thirds of the animals withlonger inducible AF, the arrhythmia ceased immediately after cessation of vagus stim.Conclusions: In the fully innervated rabbit heart in vivo, acute ANS stimulation shortensatrial and PV refractoriness, and significantly changes atrial conduction times, promoting AFinduction and prolonging the arrhythmia. This underscores the importance of acute variationsin ANS tone and its interactions in the pathophysiology of AF.© 2011 Sociedade Portuguesa de Cardiologia Published by Elsevier España, S.L. All rightsreserved.

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fibrilhacão auricular (FA) é uma arritmia complexanvolvendo múltiplos mecanismos que, apesar dos desen-olvimentos recentes alcancados na abordagem terapêutica

esta arritmia, não estão completamente esclarecidos. AA isolada relaciona-se, provavelmente, com um substratoletrofisiológico envolvendo a contribuicão de ativi-ade automática focal, proveniente sobretudo das veias

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ulmonares (VP), e múltiplas ondas de despolarizacãoimultâneas que se propagam e interagem na superfícieuricular1---4. Tem sido sugerido que a atividade do sistemaervoso autónomo (SNA) possa influenciar as proprieda-es eletrofisiológicas das aurículas, atuando como um

odulador na fisiopatologia da FA4---6. De facto, o tónus

utonómico pode facilitar a ocorrência de arritmias deeentrada e a atividade trigger4,5,7. Estudos clínicos suge-em que a inervacão simpática e parassimpática podem ser

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Modulacão eletrofisiológica das aurículas e veias pulmonare

importantes na génese da FA, havendo evidência de queos episódios de FA paroxística são frequentemente prece-didos por flutuacões do balanco autonómico8---10. Trabalhosexperimentais também têm contribuído para melhorar acompreensão da influência arritmogénica do SNA nos meca-nismos subjacentes à FA11---16. No modelo do cão foi sugeridoque as arritmias auriculares eram causadas por alteracõesda atividade autonómica e sua influência nas VP e veia cavasuperior13. No mesmo modelo, a estimulacão simpática evagal foi também capaz de encurtar os períodos refratáriosefetivos (PRE) auriculares e facilitar a ocorrência de circui-tos de reentrada17. Além disso, a distribuicão heterogéneada inervacão autonómica a nível das aurículas pode con-tribuir para o substrato associado à FA, particularmente naausência de anomalias estruturais17. Foi também demons-trado que a estimulacão dos plexus ganglionares cardíacos,que modulam a inervacão autonómica, provoca libertacãolocal de neurotransmissores do simpático e parassimpáticoque podem aumentar o automatismo e encurtar a duracãodo potencial de acão e refratariedade locais15. Recente-mente, no modelo do cão, num trabalho com registo diretoda atividade autonómica eferente, demonstrou-se queas descargas simultâneas simpático-vagais são frequente-mente o fator iniciador de taquicardia auricular paroxísticae de FA após um período de pacing auricular esquerdo dealta-frequência18. Embora se reconheca que o SNA possadesempenhar um papel importante na fisiopatologia daFA, permanece por esclarecer qual o impacto (isolado ouem combinacão) da atividade simpática e/ou vagal naarritmogénese das aurículas e sua implicacão na génese,manutencão e interrupcão da FA. Têm sido desenvolvidosvários modelos animais para caracterizar os efeitos eletrofi-siológicos da estimulacão autonómica, de forma a contribuirpara a compreensão dos mecanismos complexos subjacen-tes à FA. No entanto, uma parte importante desta atividadeexperimental tem sido levada a cabo em modelos de coracãoisolado. É reconhecida a necessidade de esclarecer a relacãoentre a ativacão autonómica aguda in vivo e a vulnerabili-dade para iniciar e manter a FA, nomeadamente porque amodificacão da inervacão autonómica, sobretudo em áreascardíacas com grande densidade de terminacões nervosas,pode ter implicacões potenciais na terapêutica ablativa daFA14,19,20.

No presente estudo, foi avaliada a influência daestimulacão aguda simpática e vagal na conducão e refrata-riedade das aurículas e VP, bem como na inducão e duracãode FA, numa preparacão de coracão de coelho com inervacãoautonómica preservada.

Material e métodos

Preparacão do modelo animal

Foram utilizados coelhos New-Zealand brancos de ambosos sexos (n = 17, 3,0-4,9 kg), anestesiados com pentobar-bital sódico (60 mg/kg, i.v.). Através duma traqueostomiafoi colocada uma cânula abaixo da laringe para ventilacão

intermitente com pressão positiva e mistura de ar comO2 (modelo 607, Harvard Apparatus, Reino Unido; 60ciclos/min) após bloqueio neuromuscular (vecuronium0,05 mg/kg/h, i.v.), para assegurar o controlo da frequência

ated

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do volume respiratórios. O grau de anestesia foi avaliadoom base na monitorizacão da pressão arterial (PA), frequên-ia cardíaca (FC) e atividade respiratória, utilizando-seoses suplementares dos fármacos para manter um efeitostável da anestesia geral. A artéria femural foi canalizadaara monitorizacão contínua da PA (transdutor SensoNor40) e a veia femural usada para administracão de solucãoalina a 0,9% e fármacos. A bexiga foi cateterizada e dre-ada. A temperatura retal foi mantida a ∼38 ◦C com recurso

uma placa de aquecimento colocada debaixo do ani-al (Harvard Apparatus, Reino Unido). O registo de ECG

bteve-se com elétrodos bipolares subcutâneos colocadosos quatro membros, com amplificacão e filtragem do sinal.

ECG, a PA e os eletrogramas foram continuamente moni-orizados num polígrafo (Lectromed, Hertfordshire, Reinonido) e analisados em computador (PowerLab, ADInstru-ents).O animal anestesiado era colocado em decúbito ventral

ara exposicão da porcão dorsal do tórax, procedendo-se uma incisão ao nível das vértebras C6-T2, utilizandoletrocautério e um afastador automático para acesso àértebra T1, submetida a perfuracão com broca de 2 mmté abertura da dura mater espinhal. Após posicionamentom decúbito dorsal, identificava-se o nervo vago cervicalireito através de incisão na linha mediana do pescoco,eguindo-se o seu isolamento e preparacão para estimulacãolétrica bipolar com elétrodos de platina, com isolamentoor parafina semissólida. Uma ligeira rotacão permitia inse-ir um elétrodo bipolar através do canal espinhal comecurso a micromanipulador (WPI, M330), para estimulacãoo fluxo simpático torácico ao nível de T1, que inclui sobre-udo fibras pré-ganglionares para o gânglio estrelado21. Oslétrodos para estimulacão do nervo vago e tronco sim-ático foram conectados a um estimulador programávele múltiplos canais (Master8, AMPI, Israel). O nervo vagooi estimulado (20 Hz, duracão do impulso - 2 ms), com

amplitude ajustada para induzir uma diminuicão da FCe ≈50%, e a estimulacão simpática (3 Hz, duracão dompulso - 1 ms) testada para obter um aumento da FC e daA.

Além da monitorizacão da FC e PA, registámos sériese 30 segundos de intervalos RR para análise espectralom Transformada de Fourier (Fast Fourier Transform), comecurso a software MatLab (MathWorks, Natick, MA, EUA)m ambiente Origin (OriginLab, Origin Lab Corporation,orthampton, MA, EUA), para confirmacão da estimulacãoutonómica, de acordo com descricão prévia22,23. A frequên-ia espectral foi dividida em três componentes: VLF (veryow- frequency; 0,01-0,1 Hz), LF (low-frequency; 0,1-0,3 Hz)

HF (high-frequency; 0,3-1 Hz). Os valores da banda HForam atribuídos à modulacão vagal e os da banda LFonsideraram-se como refletindo a atividade simpática.

Procedemos a esternotomia mediana e abertura doericárdio para exposicão do coracão e abordagem ele-rofisiológica epicárdica das aurículas e VP. Depois daoracotomia, manteve-se uma pressão final expiratória de-2 cmH2O.

As experiências foram efetuadas em conformidade coms recomendacões do «Guide for the Care and Use of Labora-ory Animals», publicado pelo National Institute of Health,

mediante aprovacão pela Comissão de Ética da Faculdadee Medicina de Lisboa.

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Rede comelétrodos epicárdicos

AAD

Figura 1 Preparacão de tórax-aberto do coracão de coelhocom rede de nylon suportando elétrodos monopolares epicár-dicos da aurícula direita lateral-alta até à aurícula esquerdalc

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ateral-alta. As setas indicam dois elétrodos com contacto epi-árdico na aurícula esquerda. AAD = apêndice auricular direito.

rotocolo eletrofisiológico

s eletrogramas foram registados com quatro elétrodosonopolares (125-�m Ag-AgCl, isolados com Teflon), colo-

ados numa rede de nylon com espacamento interelétrodose 4 mm e aplicados em posicão epicárdica, da aurículaireita lateral-alta (AD) à aurícula esquerda lateral-alta (AE)Figura 1). Um elétrodo de ponta circular (cabo coaxial)oi posicionado envolvendo o segmento proximal das VPsquerdas para estimulacão e registo de eletrogramas. Osletrogramas foram amplificados e filtrados de 0,5 a 300 Hz

de 30 a 250 Hz para registos monopolares e bipolares, res-etivamente (Neurolog, Digitemer, Reino Unido). No final dorocedimento os animais foram sacrificados com uma over-ose de anestésico.

A ativacão epicárdica foi registada em ritmo sinusal, comnálise dos tempos de conducão interauricular (entre a AD

a AE) e da AD até à despolarizacão das VP, em condicõesasais e durante estimulacão vagal, simpática ou simpático-agal simultânea. A estimulacão para estudo dos PRE enducão de FA foi efetuada com elétrodo bipolar (0,1 mm,rata com isolamento de teflon) posicionado com microma-ipulador (WPI, M330) no apêndice auricular direito (AAD)

apêndice auricular esquerdo (AAE), e com elétrodo circu-ar nas VP. Em condicões estáveis, procedeu-se a protocoloe estimulacão programada (programador Master8, AMPI,srael), com um extraestímulo durante pacing bipolar contí-uo com ciclo de 300 ms (ou 20 ms inferior ao intervalo RRara FC >200 bpm). Utilizámos impulsos com duracão de 1 ms

o dobro da intensidade do limiar de captura. O extraestí-ulo foi introduzido com intervalo de acoplamento 100 ms

nferior ao do ciclo de base, diminuindo-se depois em inter-

alos de 5 ms até atingir o PRE. O PRE foi definido como

intervalo S1-S2 mais longo com falha de despolarizacãoocal. Os intervalos de conducão e os PRE foram anali-ados em condicões basais e durante estimulacão vagal,

strd

M. Oliveira et al.

impática ou combinada. Para avaliacão da vulnerabilidadeara inducão de FA foi utilizado pacing de alta-frequência50 Hz, 10 s, intensidade supralimiar), com elétrodo bipolarosicionado no AAD, AAE e VP, isolado ou combinado comstimulacão vagal, simpática ou simpático-vagal. O proto-olo de inducão foi aplicado até três vezes em cada local destimulacão. Definiu-se FA como um ritmo auricular rápidoesordenado, com ciclo, polaridade, configuracão e ampli-ude variáveis e duracão superior a cinco ciclos24. A duracãoa FA foi avaliada em cada uma das condicões experimentaisonsideradas.

nálise estatística

s variáveis contínuas foram expressas sob a formae média ± desvio padrão e as variáveis categóricas emrequências e percentagens. As comparacões foram efe-uadas pelo teste de ANOVA e teste t de Student para asariáveis contínuas. O teste de Kolmogorov-Smirnov foi utili-ado para avaliar a normalidade da distribuicão das variáveisontínuas. A análise comparativa dos valores dos PRE e inter-alos de conducão basais e durante estimulacão autonómicaoi efetuada com o teste t de Student emparelhado. Para asariáveis categóricas usámos o teste de �2, com correcão deates. Considerámos estatisticamente significativos os resul-ados com valor < 0,05. O programa estatístico utilizado foi

GraphPAD (GraphPad Software, Inc., California, EUA).

esultados

Figura 2 mostra os registos de monitorizacão obtidos emondicões basais. Após preparacão do animal, a FC médiara de 211 ± 37 bpm (190-230 bpm) e a PA sistólica de0 ± 17 mmHg (65-90 mmHg). A estimulacão vagal causouma diminuicão significativa da FC (de 214 ± 30 bpm para00 ± 31 bpm, p < 0,01) e da PA (de 79 ± 23 mmHg para8 ± 20 mmHg, p < 0,01) (Figura 3, Tabela 1). A estimulacãoré-ganglionar simpática induziu um ligeiro aumento daC (de 210 ± 34 bpm para 237 ± 37 bpm, p < 0,05) e daA (75 ± 13 mmHg para 91 ± 19 mmHg, p < 0,01) (Figura 3,abela 1). Após cessacão da estimulacão autonómica a FC aA retomaram os valores pré-estimulacão.

A Figura 4 mostra a análise espectral dos intervalos RRom o padrão de distribuicão das bandas de frequências rela-ionadas com o influxo simpático e parassimpático para ooracão. Em comparacão com o registo basal, a estimulacãoagal aumentou a variabilidade da FC, com uma reducão naazão LF/HF, e a estimulacão simpática aumentou o compo-ente LF e a razão LF/HF (Figura 5).

feito da estimulacão autonómica agudaos parâmetros eletrofisiológicos

s intervalos de conducão entre a AD e a AE aumenta-am com a estimulacão vagal de 20 ± 4 ms para 30 ± 10 msp < 0,05) e diminuíram para 16 ± 6 ms com a estimulacão

impática (p < 0,05). A ativacão simpático-vagal simultâneaambém modificou significativamente a conducão interau-icular (de 21 ± 5 ms to 31 ± 11 ms, p < 0,05). O tempoe conducão entre a AD e as VP aumentou durante a
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Modulacão eletrofisiológica das aurículas e veias pulmonares 219

PAs110105100

959085

FC250

245

240

235

0,2

–0,0

–0,2

–0,4

0,40,2

–0,0–0,2–0,4

1,5

1,0

0,5

0,0

–0,5

0,5

0,0

–0,5

–1,0

2

1

0

–1

4

2

0

–2

ECG

AD

AAD

AAE

AE

VP

19:00 19:02 19:04 19:06 19:08

Figura 2 Registos de monitorizacão obtidos em condicões basais.Abreviaturas como no texto.

Tabela 1 Efeito da estimulacão autonómica na frequência cardíaca, pressão arterial sistólica, parâmetros eletrofisiológicos einducibilidade de fibrilhacão auricular

BASAL VAGO SIMPÁTICO SIMPÁTICO-VAGAL

FC (bpm) 211 ± 37 100 ± 31a 237 ± 37b 190 ± 40b

PA sistólica (mmHg) 80 ± 17 58 ± 20a 91 ± 19a 70 ± 21Conducão AD-AE (ms) 20 ± 3 30 ± 10b 16 ± 6b 31 ± 11b

Conducão AD-PV (ms) 24 ± 6 36 ± 14b 17 ± 8a 29 ± 14PRE AAD (ms) 69 ± 16 48 ± 17b 64 ± 15 51 ± 20b

PRE AAE (ms) 83 ± 16c 53 ± 21b,c 56 ± 23b 51 ± 23b

PRE VP (ms) 59 ± 16 41 ± 17b 49 ± 19 40 ± 18b

Duracão FA (s) 2,6 ± 1,4 6,8 ± 2,5b 9,6 ± 3,7b 6,1 ± 1,4b

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Abreviaturas como no texto. ap < 0,01; bp < 0,05; c(versus. AAD e VP na

mesma condicão).
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220 M. Oliveira et al.

PAs

FC

PAs

FC

A

B

100150200250300350

9095

100105110115

300

1201101009080

280

260

240

Figura 3 Registos pressão arterial sistólica (PAs) e da frequência cardíaca (FC).A) Durante estimulacão vagal.B) Durante estimulacão simpática.

estimulacão vagal (p < 0,05), diminuiu com a estimulacãosimpática (p < 0,01), mas não teve variacão significativa coma estimulacão simpático-vagal combinada (Tabela 1).

Relativamente aos valores dos PRE obtidos em basale durante estimulacão autonómica (Tabela 1): em basal,a refratariedade era superior no AAE (83 ± 16 ms ver-sus 69 ± 16 ms no AAD e 59 ± 16 ms nas VP, p < 0,01). Aestimulacão vagal e simpático-vagal causou uma reducãosignificativa consistente dos PRE no AAD, AAE e VP,enquanto a estimulacão simpática resultou numa reducãodos PRE somente no AAE. Durante a ativacão autonómica os

HFLF

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2

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Frequência (Hz)

Frequência

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(P

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/Hz)

0,6 0,8 1

Figura 4 Alteracões na análise espectral (Fast Fourier Trans-form) dos intervalos RR em condicões basais (linha vermelha)e durante estimulacão autonómica (tronco simpático torácico--- linha magenta, vago cervical direito --- linha azul). LF = low-frequency; HF = high-frequency.

PRE diminuíram de forma mais marcada no AAE quenos outros locais. No entanto, com a estimulacão vagalmantiveram-se as diferencas estatisticamente significativasentre os PRE das VP e do AAE (p < 0,05).

Efeito da estimulacão autonómica agudana inducibilidade de fibrilhacão auricular

A estimulacão autonómica influenciou significativamente ainducão e a duracão da FA (Tabela 1). Com bursts de 50 Hzno AAD, AAE e VP induziu-se FA, de forma intermitente,em 41, 35 e 53% dos coelhos, respetivamente. Durante aestimulacão vagal, induziu-se FA, de modo reprodutível, em76, 65 e 76% dos coelhos com pacing de alta-frequência noAAD, AAE e VP, respetivamente (50 Hz versus. 50Hz + vago,

50 Hz 50 Hz + vago

AAD → 76%a

AAE → 65%

VP → 76%

AAD → 41%

AAE → 35%

VP → 53%

AAD → 71%

AAE → 65%

VP → 76%

AAD → 88%a

AAE → 100%a

VP → 75%

50 Hz + SNA50 Hz + simpático

Figura 5 Inducibilidade de fibrilhacão auricular nos várioslocais de estimulacão (AAD, AAE, VP) com pacing dealta-frequência isolado e em combinacão com estimulacãoautonómica (vagal, simpática e simpático-vagal simultânea−SNA−). ap = 0.05. Abreviaturas como no texto.

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Modulacão eletrofisiológica das aurículas e veias pulmonare

p < 0,05 para o AAD), e a duracão de FA aumentou significa-tivamente com pacing no AAD (6,8 ± 2,5 s versus 1,8 ± 1,2 s,p < 0,01) e VP (3.6 ± 1,6 s versus 1,7 ± 0,7 s, p < 0,05). Em 4animais, a FA foi iniciada com um extraestímulo combinadocom estimulacão vagal durante a avaliacão do PRE no AAD.

A inducibilidade de FA aumentou durante a estimulacãosimpática (71, 65 e 76%, para o AAD, AAE e VP, respe-tivamente), sem atingir significado estatístico. Em doisanimais induziram-se curtos períodos de FA com um extra-estímulo nos diferentes locais de estimulacão, e noutrosdois ocorreram despolarizacões prematuras espontâneascom origem nas VP. A duracão da FA aumentou signifi-cativamente somente com estimulacão nas VP (9,6 ± 3,7 sversus 1,7 ± 0,7 s, p < 0,05). Durante estimulacão combinadasimpático-vagal, a FA tornou-se induzível de modo reprodu-tível com pacing de alta-frequência no AAD, AAE e VP em88, 100 e 75% dos animais, respetivamente (50 Hz versus.50 Hz + simpático e vago, p < 0,05 para o AAD e AAE), e aduracão da FA aumentou em todos os locais de estimulacão.A FA teve duracão >10 s em 37,5% dos coelhos (somente comestimulacão vagal ou simpático-vagal), interrompendo-seimediatamente após suspensão da estimulacão vagal em 2/3dos casos.

Discussão

O presente estudo analisa o impacto da estimulacão autonó-mica aguda em propriedades eletrofisiológicas auriculares edas VP, e na vulnerabilidade para inducão de FA no modelo decoracão de coelho in vivo. Através duma metodologia con-sistente, caracterizámos a influência da estimulacão diretado nervo vago cervical direito e tronco simpático torácicona conducão elétrica e parâmetros da refratariedade auri-cular e das VP e mostrámos que a atividade do SNA podecontribuir para a inducão e duracão de episódios de FA.

Os resultados apontam para um prolongamento do tempode conducão entre as aurículas e as VP em ritmo sinusal,possivelmente relacionado com um atraso na juncão AE-VP,que parece associar-se a conducão decremental25. Nestemodelo experimental, ocorreu um atraso significativo daconducão interauricular durante estimulacão vagal, e umencurtamento dos tempos de conducão durante a ativacãosimpática. De facto, o tempo médio da conducão interauri-cular foi cerca de duas vezes superior durante estimulacãovagal, sendo menor o efeito ao nível da conducão AD-VP,sugerindo um padrão não uniforme na resposta à ativacãovagal, com impacto diferente nos atrasos de conducão elé-trica, o que pode relacionar-se com a heterogeneidade dainfluência da inervacão vagal nas propriedades de conducãoa nível auricular26. Os PRE no AAE foram significativamentesuperiores aos registados no AAD e VP, sugerindo um perfilheterogéneo da refratariedade nos locais avaliados, querem condicões basais quer durante estimulacão vagal. Aestimulacão vagal diminuiu a refratariedade auricular e dasVP, enquanto a ativacão simpática obteve uma reducão sig-nificativa dos PRE somente no AAE. Os efeitos heterogéneosda modulacão autonómica na conducão e refratariedade

das aurículas e VP estão de acordo com possíveis diferencasregionais na inervacão cardíaca, que podem influenciaro substrato funcional da FA, que se sabe depender demodificacões da conducão e do encurtamento dos PRE,

nPaF

221

e modo a facilitar a ocorrência de múltiplos circuitose reentrada no tecido auricular25,27. Os PREais curtos nas VP e AAD podem justificar a maior

nducibilidade de FA com pacing de alta-frequência nestesocais. O aumento consistente da taxa de inducão de FA

da duracão da arritmia durante a estimulacão autonó-ica aguda sugere que as variacões rápidas da conducão

refrctariedade locais, e do tónus do SNA possam sereterminantes na vulnerabilidade para FA.

odelos animais e estudo da vulnerabilidadeara fibrilhacão auricular

os últimos anos, a experimentacão envolvendo mode-os animais tem procurado obter informacão relativa aosecanismos básicos subjacentes à fisiopatologia da FA,

esultando num importante contributo para a compreensãoe hipóteses eletrofisiológicas como a presenca simultâ-ea de múltiplas ondas de despolarizacão com orientacãospacial variável, a atividade focal rápida, os rotores comonducão fibrilhatória ou mesmo na identificacão de zonase atividade auricular elétrica fragmentada. No entanto,

desenvolvimento de modelos in vivo com inervacãoutonómica preservada, que permitam uma avaliacão ele-rofisiológica dinâmica na presenca de diferentes condicõesa atividade do SNA e sua relacão com a génese eanutencão da FA permanece um desafio na investigacão

tual.Em cães, os circuitos de micro-reentrada, o automatismo

a atividade trigger têm sido apontados como mecanis-os associados a ocorrência de arritmias auriculares28,29.ayashi e colaboradores usaram estimulacão vagal cervicalara inducão de FA com bursts de pacing auricular em cãesnestesiados30. Em trabalhos recentes a estimulacão vagalem sido associada a encurtamento dos PRE auriculares eacilitacão da inducão de FA em cães17,31. Sabe-se que estesfeitos vagais e a inducibilidade de FA podem ser modifi-ados após ablacão epicárdica de plexos ganglionares12,15.ambém em doentes submetidos a ablacão de FA por cate-er, o número de recorrências de FA é diminuído quando orocedimento inclui desinervacão vagal seletiva32,33. Nesteontexto, o conceito de que a desinervacão cardíaca possaesempenhar um papel na prevencão da FA representa umaemática complexa e motivadora que necessita ser clarifi-ada.

Em estudos prévios, a estimulacão simpática foi menosficaz do que a estimulacão vagal na influência da refratari-dade auricular e inducão de FA11,34. No entanto, no modeloo cão submetido a pacing rápido crónico, a estimulacãoimpática induziu atividade repetitiva das VP e contribuiuara iniciar FA35. Também a estimulacão combinada doimpático e parassimpático pode influenciar as proprieda-es eletrofisiológicas e aumentar a propensão para FA emães16,35. Os efeitos eletrofisiológicos da atividade autonó-ica reflexa nas aurículas e VP podem assim ter um papel

mportante na fisiopatologia da FA.Permanece por esclarecer qual a sequência de meca-

ismos responsáveis pela interrupcão espontânea da FA.oderia sugerir-se que a resolucão (ou «inversão») daslteracões autonómicas que acompanham o início daA contribuem para terminar a arritmia. Tomita et al.,

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emonstraram que as flutuacões da atividade do SNA querecedem o início de episódios de FA retornam a valoresormais imediatamente após terminar a FA8. No presenterabalho, utilizando o modelo intacto do coracão do coe-ho, que tem baixa propensão para FA em condicõesasais, confirmámos a importância dos efeitos potenciaisa interacão simpático-vagal nas alteracões da conducão eefratariedade das aurículas e VP e sua contribuicão para anducibilidade e duracão da FA. Além disso, a atividade vagalareceu influenciar diretamente a interrupcão da FA, já quem 2/3 dos animais com FA de maior duracão a arritmia ter-inou imediatamente após cessacão da estimulacão vagal.A evidência do papel do SNA na génese da FA paroxís-

ica tem sido suportada em trabalhos clínicos e em modelosxperimentais. Apesar de resultados controversos na aná-ise da variabilidade da frequência cardíaca no período querecede o início espontâneo de FA, os episódios paroxísti-os recorrentes parecem estar relacionados com flutuacõesinâmicas do tónus autonómico, possivelmente dependendoo sinergismo entre o influxo adrenérgico e a modulacão datividade vagal5,18,36,37. São necessários estudos futuros paralucidar o impacto da inervacão e da interacão da atividadeeflexa simpático-vagal na dinâmica complexa do substratouncional da arritmogénese auricular.

imitacões do estudo

ma das limitacões diz respeito à avaliacão da refratarie-ade baseada em três locais (AAD, AAE e VP). Na realidade, orocedimento minucioso e demorado de cálculo dos PRE emondicões basais e em diferentes condicões de estimulacãoutonómica tornar-se-ia impraticável, nomeadamente noue respeita à manutencão da estabilidade da preparacãon vivo. Além disso, a técnica de estimulacão elétrica progra-ada com um extraestimulo tem sido amplamente utilizadaara o estudo da refratariedade. Estudos futuros poderãoustificar o recurso a métodos diferentes para confirmars atuais resultados. No entanto, no presente trabalho aslteracões eletrofisiológicas documentadas, bem como ompacto na inducão de FA, ocorreram imediatamente apósstimulacão autonómica, sugerindo uma clara relacão entres efeitos evocados pela modulacão vagal e simpática e osesultados obtidos.

Finalmente, apesar de a inducão de FA refletir vulnera-ilidade para a arritmia, a dificuldade na sua manutencão,evido à pequena superfície auricular do coracão do coe-ho, torna difícil o estudo dos mecanismos eletrofisiológicosubjacentes à perpetuacão da FA.

onclusões

ste modelo experimental in vivo com inervacão preser-ada permite estudar os efeitos da ativacão simpática eagal nas propriedades eletrofisiológicas das aurículas eP. Os resultados mostram que a atividade vagal se asso-ia ao aumento da conducão interauricular e diminuicãoos PRE das aurículas e VP, enquanto a estimulacão sim-

ática aumenta a velocidade de conducão interauricular

entre as aurículas e VP, mas reduzindo a refratariedadeomente no AAE. Esta preparacão permite também avaliar

impacto da estimulacão autonómica na inducibilidade de1

M. Oliveira et al.

A e sua contribuicão para a duracão da arritmia. Os nossosados suportam que o desenvolvimento deste modelo expe-imental pode fornecer informacão importante no estudoa influência das interacões da atividade autonómica coms mecanismos fisiopatológicos da FA.

esponsabilidades éticas

rotecão dos seres humanos e animais. Os autores decla-am que os procedimentos seguidos estavam de acordo coms regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comis-ão de Investigacão Clínica e Ética e de acordo com os dassociacão Médica Mundial e da Declaracão de Helsinki.

onflito de interesses

s autores declaram não haver conflito de interesses.

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