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MODERNIDADES INSTANTÂNEAS: fotografia, cultura e transformações urbanas
DANTAS, GEORGE A. F. (1); SOUSA, REBECA G. de (2); MOREIRA, BARBARA G. L. (3)
1. UFRN. Departamento de Arquitetura e Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo.
R. Walter Duarte Pereira, 1624, Capim Macio, Natal-RN, CEP 59082-470 [email protected]
2. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo- PPGAU/UFRN.. R.
Walter Duarte Pereira, 1624, Capim Macio, Natal-RN, CEP 59082-470 [email protected]
3. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo- PPGAU/UFRN R. Walter Duarte Pereira, 1624, Capim Macio, Natal-RN, CEP 59082-470
RESUMO A obra fotográfica de Francisco du Bocage constitui uma fonte importante para os estudos sobre os processos de modernização de Recife. Os enquadramentos abrangentes, feito com a técnica panorâmica a partir da lente “olho do diabo”, revelam imagens sedutoras, ainda hoje, das forças de renovação e destruição. Um dos últimos registros da resistência da Igreja do Corpo Santo em meio a reforma do bairro do Recife, em 1910, revela a escolha do fotógrafo em captar o imponente edifício em um ângulo não-usual, ressaltando assim a sua fragilidade em meio aos escombros. O inegável valor das fotografias como testemunho, expressão e representação – para mobilizar esforços, criar e difundir sensibilidades, materializar políticas urbanísticas – permite aproximar o trabalho de Bocage ao de outros profissionais, como Marc Ferrez, Augusto Malta, Manoel Dantas e, no caso paradigmático de Paris, Charles Marville. Se a perspectiva das narrativas (e crônicas visuais) da modernidade parece unir muitos desses registros, o exame detido das séries fotográficas, assim como das lógicas próprias de produção e circulação do objeto fotografia, apontam especificidades e questões que interessam diretamente à história cultural urbana. Assim, por meio das obras de Francisco Du Bocage sobre a cidade do Recife, busca-se discutir como a fotografia comparte a formação de uma nova memória em uma urbe que se intenta moldar aos chamados ditames do progresso no início do século XX. O Recife antigo apresentava-se nos instantâneos de Du Bocage em escombros – como restos que amparam o porvir. Por outro lado, a fotografia, em sua gênese, tenta tornar a cidade, que é mutável em sua essência, perene. Décadas antes, o instantâneo se imbui de outro significado e se torna palpável a partir do daguerreótipo. Por meio dele, o registro das ruínas dos antigos edifícios confere à fotografia a importância de assegurar uma memória em vias de um súbito desaparecimento. Na Paris de 1839, seu uso como documento para o acervo da Commission des Monuments Historiques implica também na sua relevância como instrumento formador da memória e cultura urbana em meados do século XIX. Pelas ruas e vielas da cidade medieval em iminente demolição, Charles Marville registra o que seriam os últimos instantâneos da Velha Paris que se desfragmentava para dar lugar a uma nova urbe, signo do Segundo Império orquestrada pelas
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mãos de Napoleão III e Eugene Haussmann. O enquadramento privilegiado de Marville, conferiu a sua obra uma visão em três tempos: a pitoresca e insalubre Paris se desfazia e dos seus escombros ressurgia uma nova, modernizada, emblema civilizatório. Se a Commission intentava catalogar os edifícios que compunham a memória da cidade e Marville, por sua vez, buscava registrar a Paris em transformação, Du Bocage construiu a sua narrativa fotográfica na observação da emergência de uma nova Recife moderna e salubre. Interessa por fim observar que, a mediar registros tão distantes, vê-se os enquadramentos do pitoresco em vias de superação. Palavras-chave: Francisco du Bocage – Recife – modernização
À guisa de introdução: a segunda realidade
Parece incontroverso que concomitante à emergência da fotografia no século XIX deu-se
também a emergência da própria discussão sobre as implicações epistemológicas do objeto
fotográfico. Mais do que um substituto da pintura histórica ou de caráter testemunhal, as
experimentações com a fotografia – como técnica compositiva, narrativa e figurativa – se
imiscuiriam em seus primórdios às experiências plásticas modernistas. Não à toa, a primeira
exposição dos modernistas – fora dos salões de belas-artes – aconteceria no estúdio do
fotografo Nadar, cuja produção tinha inegavelmente pretensões de composição artística.
Ainda assim, a noção de objeto que funcionaria como testemunha dos eventos históricos
logo se impôs. A instantaneidade e a mecanicidade de sua produção (e reprodução)
permitiu a rápida difusão das imagens – e mesmo de coleções de imagens, ampliando
visadas e perspectivas – em periódicos, folhetins ou mesmo álbuns de divulgação
institucional consolidaria o papel narrativo da fotografia.
Isso levaria a contratação de diversos profissionais a partir de meados do século XIX para
documentar eventos chaves e de grande repercussão pública – por exemplos, guerras, as
migrações internacionais, os esforços (e violências) colonizadores, as grandes paisagens e,
em especial, as grandes cidades em (trans)formação – para além das fotografias privadas,
dos álbuns familiares, das cenas do cotidiano. Charles Malville em Paris, Militão de Azevedo
em São Paulo, Marc Ferrez no Rio de Janeiro, Manoel Dantas em Natal e Francisco du
Bocage em Recife são alguns dos muitos que construíram narrativas fotográficas sobre
essas cidades. Desses profissionais, interessa-nos aqui tomar aqui a produção de Francisco
du Bocage sobre Recife para discutir o papel dessa narrativa como testemunho, expressão
e representação – para mobilizar esforços, criar e difundir sensibilidades, materializar
imaginários e imaginações. Contudo, antes é necessário tecer algumas considerações sobre
o uso do verbo “documentar”.
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A interrupção de um evento pelo obturador da câmera congela perpetuamente uma ação
que vinha sendo desenrolada na vida real. Para os teóricos da filosofia da imagem, o século
XXI assiste à “alvorada de uma nova geração de imagens” (JOLY, 2007, p.9) ou atravessa
uma “virada imagética” (MITCHELL, 1994, p. 13) iniciada no último quartel do século
passado.
O conceito de pictorial turn, elaborado pelo iconologista americano W. J. T. Mitchell (1994),
refere-se ao protagonismo exercido pela imagem na sociedade midiática atual e nas tensões
encontradas na forma de trata-las. Não mais restritas ao interior das igrejas, aos livros ou
aos palácios, a imagem passa a ser veiculada pela televisão e pela publicidade visual, obras
de artes são reproduzidas mecanicamente por métodos acessíveis e sob diferentes
suportes, são, inclusive, ressignificadas. As imagens multiplicam-se e cotidianamente somos
impelidos a usá-las, manuseá-las e lê-las, assim como também somos manipulados pelas
mesmas.
No entanto, longe de configurar-se como uma prerrogativa da sociedade contemporânea,
como muitos supõem, a “crise da imagem” é tão antiga quanto sua própria existência; a
cada nova tecnologia de reprodução de imagens (o advento da perspectiva, a invenção da
fotografia, .i.e) foram observadas como viradas imagéticas, observadas através de lentes da
desconfiança e da admiração, sem que uma (MITCHELL apud PORTUGAL, 2008)
Roland Barthes, em A Câmara Clara (1980), busca uma leitura ontológica da fotografia,
quer, a priori, entender “por qual traço essencial ela se distingue da comunidade das
imagens”(BARTHES, 2012, p.13). Na busca pela matriz da linguagem da fotografia, Barthes
tenta desvelar o fascínio exercido pelas imagens – e nas suas mensagens - a partir de dois
elementos, nomeados, respectivamente, de Studium e Punctum.
“O primeiro, visivelmente, é uma vastidão, ele tem a extensão de um campo, que percebo
com bastante familiaridade em função de meu saber, de minha cultura” (BARTHES, 1984,
p.45). A “vastidão” a qual Barthes remete compreende o interesse de ordem cultural e social
que a fotografia suscita no indivíduo, sem, no entanto, tocá-lo inefavelmente; este saber
impessoal, consequentemente, auxilia-nos a encontrar as intenções do fotógrafo, dota
assim, e este é um ponto chave para nossa discussão, as imagens de funções: “representar,
informar, fazer significar, dar vontade” (ibidem).
Para as imagens que operam de maneira profunda, Barthes denomina-as de punctum,
palavra que remeterá tanto a picada – como se o arrebatamento ocasionado pela fotografia
fosse intenso e inesperado – quanto à pontuação – uma vez que são elementos pontuais
que afloram tais emoções (ibidem, p.46). A subjetividade deste processo espontâneo reside
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em sua natureza inegociável e pessoal, cada indivíduo terá uma resposta diante do estímulo
dado pela imagem, estímulo este instantâneo e vinculado à formação do receptor da
imagem, com suas peculiaridades emocionais, estéticas, intelectuais e morais que agirão
em sua percepção diante da obra (PESAVENTO, 2004, p.56-57). Como produtor destas
imagens, o fotógrafo também vivencia em seu enquadramento a percepção que a imagem
selecionada lhe fala, movendo-o ou não a acionar o obturador desta paisagem e intenta que
outros possam vivenciá-la de forma análoga.
Quando o velho Rio de Janeiro ia abaixo sob os golpes de picareta orquestrados por Pereira
Passos, um observador registrava, com enquadramento privilegiado, os processos
engendrados para a reformulação da Capital Federal carioca. Marc Ferrez se consolidara
desde o último quartel do século XIX com uma trajetória respeitável em sua área. Premiado
em diversas exposições internacionais, nos anúncios da sua firma em 1875, Marc Ferrez &
Cia, apresentava-se ora “especialista em vistas brasileiras” ora “Fotógrafo da Frota Imperial
e da Comissão Geológica” (FERREZ, 1982, p.11). Seu prestígio1 levou a Comissão da
Avenida Central a contratá-lo para documentar a construção da grande artéria em 1903.
Assim como a nova Avenida, monumentais foram os esforços para acompanhar
sequencialmente os processos de sua feitura. A primeira versão do álbum da Avenida
Central consistia em uma compilação dos relatórios da Comissão Construtora, reproduções
dos desenhos técnicos (plantas e fachadas), organizados de tal forma que permitissem ao
portador observar todo o projeto engendrado desde a prancheta até a inauguração da via,
em 1905, graças à cobertura fotográfica iniciada antes mesmo das primeiras demolições
para a construção da Avenida e que se encerrou apenas quando esta estava finalizada.
1 Ferrez fora condecorado em 1885 como Cavaleiro da Ordem da Rosa por D. Pedro II assinalando-se seu
duradouro prestígio dentro da sociedade carioca (ibidem).
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Figura 1 - Sequencia de fotos feitas por Marc Ferrez sobre a construção da Avenida Central
entre 1900 e 1910.
Fonte: Imagens retiradas de Ferrez (1982) modificadas pelos autores.
A feitura de um álbum com vistas urbanas não era inédito no Brasil. A comercialização de
vistas urbanas avulsas ou compiladas datam desde meados do século XIX, a exemplo da
produção de Militão Augusto Azevedo sobre o desenvolvimento da cidade de São Paulo
entre 1862 e 1887 (POSSAMAI, 2008, p.71). Mas o emprego de novos recursos, técnicas e
acabamentos refinados para a feitura do álbum (FERREZ, 1982, p.19) correspondia
diretamente às feições modernas da urbe que se intentavam perenizar no compilado,
atendendo ao “processo de auto-representação da sociedade burguesa, fazendo com que a
fotografia passasse a integrar o elenco de suportes aptos à formação e veiculação de seu
imaginário social” (LIMA apud FABRIS, 1991, p.78-79). Nesta empreitada, a fotografia
permitiria à memória urbana a adição de uma nova lembrança, o pitoresco dos escombros,
que se unem ao das imagens previamente registradas da cidade colonial, constituindo um
importante encadeamento para apreender a grandeza da forja da capital carioca com
feições urbanas, republicana e modernizada.
Em sentido similar, a obra fotográfica de Francisco du Bocage constitui uma fonte
importante para os estudos sobre os processos de modernização de Recife. Os
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enquadramentos abrangentes, feito com a técnica panorâmica a partir da lente “olho do
diabo”, revelam imagens sedutoras, ainda hoje, das forças de renovação e destruição. Desta
maneira, este artigo pretende discutir, por meio das obras de Francisco Du Bocage sobre a
cidade do Recife, como a fotografia comparte a formação de uma nova memória em uma
urbe que se intenta moldar aos chamados ditames do progresso no início do século XX.
O Recife antigo apresentava-se nos instantâneos de Du Bocage em escombros – como
restos que amparam o porvir. Se a perspectiva das narrativas (e crônicas visuais) da
modernidade parece unir muitos desses registros, o exame detido das séries fotográficas,
assim como das lógicas próprias de produção e circulação do objeto fotografia, apontam
especificidades e questões que interessam diretamente à história cultural urbana.
Fotografia e o Pitoresco
A necessidade de longa exposição dos substratos à luminosidade impôs aos primeiros
experimentos fotográficos que seus motivos fossem imóveis para que não se desfocassem,
fator que levou às cidades a serem as primeiras musas das câmeras.
O protagonismo da arquitetura no primeiro momento de experimentações com a captação
da realidade por meio da câmera deve-se por responder à imobilidade necessária nos
processos que poderiam demorar longos períodos (WOLLF DE CARVALHO; WOLFF, 2008,
p.131). A imagem, tomada de uma posição elevada de um conjunto edificado do interior da
França é o tema da fotografia mais antiga documentada, de autoria do francês Joseph
Niépce (1826), necessitou de oito horas para captação de iluminação suficiente para sua
fixação, o trajeto solar está gravado em ambas as paredes opostas, banhadas em luz:
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Figura 2 Joseph Nicéphore Niépce: Primeira fotografia, circa 1826, à esquerda, primeira fotografia
com figura humana, em 1838.
Fonte: http://www.hrc.utexas.edu/exhibitions/permanent/firstphotograph/history/ Acesso em: 30 out.
2015.
O avanço da tecnologia do daguerreotipo culminou no primeiro registro fotográfico de um
ser humano, em 1838. Na Figura 2, a Boulevard du Temple aparece deserta, salvo dois
indivíduos, que permaneceram inertes tempo suficiente (cerca de dez minutos) para que
fossem captados pela lente de Daguerre. A rua, imersa em novos processos urbanos, seria
mais tarde fotografada sob outros ângulos, por ocasião da remodelação que passou a partir
das reformas orquestradas pelo Barão Haussmann, iniciada em 1853.
A novidade não se restringia à forma de representação: a câmera também enquadrava a
modernidade pungente da cidade que se transformava, das novas velocidades de
locomoção e dos novos modos de sociabilidade. O fotografar era, sobretudo, uma atividade
experimental.
Um novo recurso urgia a formulação de novos códigos, para além da perspectiva artística, a
fotografia atendia às demandas do registro que se precisava técnico - ainda que seus
fotógrafos fossem em sua maioria artistas oriundos da pintura – cumpria a função de tentar
documentar fidedignamente as feições de elementos tradicionais ou significativos destas
urbes, principalmente quando estes se encontravam em ruínas ou em vias de serem
demolidos em meio a processos de modernização urbana. Os cânones da pintura e do
desenho respondiam aos primeiros anseios da nova arte, um caminho natural uma vez que
o processo heliográfico originava-se da câmara escura, utilizada pelos pintores desde o
Renascimento.
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As Missions Heliographiques surgiram na França de 1851 pela Comissão dos Monumentos
Históricos, que convocaram os membros da Société Heliographique, e desempenhavam
este papel de documentar o acervo construído das cidades, fossem civis, militares ou
religiosos (BORGES, 2003, p.93). Não apenas se intentava perenizar a urbe nos inventários;
mapeavam-na constatando o estado de cada edificação para eventuais intervenções
posteriores. Construía-se, desta forma, um acervo pictórico destas cidades que se
propagavam pelo mundo por álbuns e cartões-postais. Este movimento de registro do
acervo urbano não se restringiu à França. Nesse período compunha-se um corpo
profissional que passou a empreender expedições pelo mundo, registrando e fazendo
circular essas representações sobre as cidades europeias e das Américas (Ibidem). Embora
se quisesse técnico, a fotografia usualmente era enquadrada segundo os cânones estéticos
do pitoresco, herdado da pintura.
Figura 3 Gustave Le Gray e Auguste Mestral, Galeria da Abadia de Saint-Pierre-de-Mossaic. , 1851
Fonte: http://www.petitpalais.paris.fr/en/expositions/modernism-or-modernity-0. Acesso em 02.
Nov. 2015.
Pensar no uso da fotografia para documentar a urbe não poderia incorrer em erro maior
caso ignorasse o árduo trabalho de Charles Marville na Paris em transformação sobre o
comando de Eugène Haussmann. As limitações do equipamento fotográfico não
prejudicaram a composição de seu amplo acervo de imagens produzidas sobre a capital
francesa em transformação entre 1852 e 1878. Este conjunto de fotografias comportavam
registros dos velhos bairros da cidade que seriam demolidos, o processo de renovação
urbana e as novas vias e construções que os sucederam. Dessas imagens, envoltas pela
influência da abordagem documental oriunda das Missions Heliographiques, Marville
produziu imagens que primavam pelo enquadramento que conferisse às edificações o
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aspecto monumental, destacando os novos traçados das ruas e vias da cidade moderna
(MONDENARD, 1999, p.109 -110).
As lógicas próprias de produção e circulação do objeto fotografia
Em 1878, ao desenrolarem as telas do pintor Victor Meirelles, enviadas para a Exposição
Mundial na Filadélfia, dois anos antes, constatou-se o irreparável dano causado pela
umidade no quadro “Combate naval de Riachuelo”, encomendado pelo Governo Imperial ao
artista. ” (Relatórios Ministeriais sobre a Academia Imperial das Belas Artes, 1883 ,s/p.).
O Relatório do Diretor da Academia das Belas-Artes Antonio Nicolao Tolentino, no ano de
1883, deliberava a respeito da aquisição de uma fotografia em placa de porcelana
executada pelo fotográfo José Ferreira Guimarães do referido quadro, apontando a
presença da matriz do negativo, realizada em 1872, a qual representava “o quadro hoje
perdido, com aquela fidelidade que dão os processos fotográficos”(Ibidem).
Este episódio suscita discussões acerca do papel da fotografia à época, pois, enquanto
perdida a tela original, a Academia conclui que sua aquisição “[...] é conveniente como um
documento muito valioso para a história da arte nacional, [...] goza de permanente duração
e, reproduzindo ela tão facilmente a pintura quanto o pode fazer a fotografia sobre esmalte,
documenta para a história, o merecimento do perdido quadro”. No entanto, quando do
conhecimento do início dos trabalhos de Meirelles em uma nova versão para a tela em
Paris, o diretor pondera em documentação: “infelizmente, [a fotografia] falece o importante
mérito do colorido, que neste gênero de reprodução toma um tom sombrio e escuro”
(MELLO JR, 1978, p.7-9)
Este episódio ilumina, timidamente, indícios da mudança de sensibilidade, por parte da
Academia, no trato da imagem fotográfica. Se ainda não vista como uma arte equiparável à
pintura histórica, ao menos possuía dentre os seus méritos a “acuidade” na representação, o
instantâneo de um artefato até então perdido.
Os enquadramentos utilizados pelos fotógrafos em suas produções pictóricas relativas à
paisagem urbana brasileira, seriam embebidas nos esquemas oriundos das pinturas, em
especial à escola estilística neoclássica; a pátina do pitoresco ressaltar-se-ia até mesmo nas
representações fotográficas das cidades em modernização, sobremodo as tonalidades do
pitoresco, ao buscar acender as assimetrias e variações nas cenas, valorizando as
imperfeições do ambiente (SILVA, 2007, p.10).
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Du Bocage no Recife
Ao considerar as práticas do corpo profissional dos fotógrafos no último quartel do século
XIX, percebe-se que suas práticas ainda reverberavam no início do século XX. O cenário
finissecular para a fotografia compunha-se de novas técnicas e equipamentos que
simplificaram o ato de fotografar e a reprodução, barateando os custos de produção. O
hábito de empreender grandes viagens para explorar e documentar novos locais associou-
se à oportunidade para os fotógrafos estrangeiros que aportavam no Brasil de fixar
residência e suprir o mercado local com seus serviços e fornecimento de material para o
público (BORGES, 2003, p.94). O Recife detinha um pequeno grupo de fotógrafos neste
período que aumentava gradativamente (LUZ, 2008, p.73) e Francisco Du Bocage vincula-
se ao grupo de fotógrafos estrangeiros que aportam no Brasil a partir do último quartel do
século XIX. De origem europeia, inicia seu ofício em terras brasileiras em partir da década
de 1890 quando adquire ponto comercial para seu estúdio na Rua Dr. Rosa e Silva (atual
Rua da Imperatriz), no centro do Recife. Da velha chapelaria, constrói a Empreza
Fotográfica e Artística, mais tarde chamada de Photografia Industrial e Artística:
Figura 4 - Anúncio da empresa de serviços e produtos de fotografia de Francisco Du Bocage, em
1911
Fonte: Jornal A Província, 15/10/1911, p.4.
O aumento da atividade amadorística no Brasil pressionou os fotógrafos profissionais a
assegurar seus ganhos ramificando-se em outros segmentos da fotografia, como a venda de
aparelhos e acessórios fotográficos (LIMA apud FABRIS, 1991,p.65), Bocage, por exemplo,
realizava constantes encomendas destes produtos no exterior,2 provavelmente para repor o
estoque de seu estabelecimento. Além disto, realizava pequenas expedições pelo Brasil e,
dentre outras atividades, oferecia seus serviços com anúncios nos jornais locais acerca de
2 Este dado foi constatado a partir de breve pesquisa no arcervo do Diário de Pernambuco em que se constatou
um aumento nas remessas enviadas para Bocage entre os anos de 1910 e 1911 (Cf, e.g., a seção “Commercio”, de 19 fev., 10 mar, 07 maio, 05 jun e 17 set. de 1910, p.04; 19 fev., 05 mar., 28 maio, 07 jun. de 1911, p.06).
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sua chegada à cidade e de como se operava seu trabalho3. Por seus serviços, o fotógrafo já
havia conquistado algum reconhecimento na cidade, fosse por enviar fotografias suas como
cortesia aos periódicos, fosse por sua presença em eventos sociais onde realizava a
cobertura fotográfica, noticiadas posteriormente para alguns jornais locais, que anunciavam
aos leitores onde poderiam garantir cópias de seus registros, o que leva a crer que o
fornecimento destas imagens era feito já com o intuito de promover seu trabalho e seu
estabelecimento para os leitores do jornal:
Pelo S. Francisco du Bocage representante do Centro Artístico Photográphico, á rua da Imperatriz n.31 nos foi oferecida uma photographia do cruzador Benjamin Constant, possante vaso de guerra da armada nacional. Essa photographia foi tirada quando aqui esteve ultimamente o referido cruzador e é um trabalho muito correcto, que muito recomenda aquelle estabelecimento. Ao Sr. Bocage agradecemos a flueza. (JORNAL DO RECIFE, 13/09/1894, p.2).
Ao hábil photographo portuguez o Sr. Francisco du Bocage, devemos o offerecimento de bela photographia representando a praça do Commercio na cidade da Victoria em dia de feira. É um trabalho correcto e que muito recomenda o artista que o executou. Ao Sr. Bocage nossos agradecimentos. (JORNAL DO RECIFE, 14/03/1895, p.2).
Inaugurou-se ante-hontem, de modo solemne a fabrica de cimento situada a margem do rio Maria Farinha (...) O sr. Francisco du Bocage tirou vistas photográphicas da fábrica e da capella com o grupo dos assistentes. (A PROVÍNCIA, 17/11/1904, p.1).
(...) O sr. Francisco du Bocage fotografou a oficialidade em frente a Companhia de bombeiros (A PROVÍNCIA, 29/08/1905, p.1).
(...) Em seguida o conhecido photographo Francisco du Bocage retratou os convivas, cujo regresso efetuou-se às 5 horas da tarde. (JORNAL DO RECIFE, 10/09/1905, p.2).
O sr. Francisco du Bocage ofertou-nos quatro photographias apanhadas de diferentes vistas a paisagem do cortejo, ante-hontem...Agradecemos a remessa dos apreciáveis trabalhos, cujos exemplares são encontrados na fotografia industrial e artística, d’aquelle cavalheiro, à rua da Imperatriz n.31... (A PROVINCIA, 14/10/1911, p.1).
O habilíssimo artista sr. Francisco du Bocage, correspondente fotográfico, neste estado,do Jornal do Brasil e da Revista da Semana, do Rio, ofertou-nos hontem duas belas photographias, trabalhos seu, tiradas por occasião da chegada do dr. Joaquim Nabuco a esta capital. (A PROVÍNCIA, 19/07/1911, p.1).
Bocage seguia a voga de seu tempo, ao chegar no Brasil fotografava vistas urbanas, motivo
que se torna recorrente nas primeiras décadas do século XX propagado por meio de
cartões-postais (LIMA apud FABRIS, 1991,p.66). Mesmo seguindo esta tendência, Bocage
aventurava-se em outras possibilidades da fotografia, propiciadas por seu esforço em
3 A exemplo deste tipo de expedição, no Jornal do Recife há notícias da partida de Bocage em 12 de março de
1912 para Aracaju, e seu anúncio no jornal local – Diário da Manhã – ofertando seus serviços de fotografia e
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exercitar sua perspectiva artística que se associava aos avanços tecnológicos de seu oficio,
os retratos poderiam ser fotografias externas que se tornariam cartões postais,:
Figura 5 - Praça do Conde D'Eau, Francisco Du Bocage, 1894.
Fonte: http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/bras/2046. Acesso em 30 set. 2015.
Figura 6 - Postal de produção atribuida a Francisco Du Bocage, 1906.
Fonte: < http://www.delcampe.net/page/item/id,315063043,var,BRESIL-rare-carte-photo-du-
Photographe-FDU-BOCAGE-en-train-de-photographier-cp-voyage-en-1906--A-voir--Lot-
P5114,language,E.html>. Acesso em 30 set.2015.
Reformas enquadradas: o Porto e o Bairro do Recife sob a lente de Francisco Du
Bocage
Iniciado a partir de meados do século XIX, o movimento de reaparelhamento da
infraestrutura nacional privilegiava os investimentos nos transportes nos espaços urbanos e
nos portos, que neste período correspondiam basicamente às algumas capitais (LUBAMBO,
1988, p.96,99). À nordeste, Recife estava no grupo de centros urbanos que galgavam sua
inserção no mercado desde antes da iniciativa do governo. Datam de 1816 os primeiros
importação de materiais fotográficos em 20/03/1912.
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planos e relatórios feitos para a cidade, dentre eles projetos para o porto, elaborados por
engenheiros franceses a serviço do governo Imperial e que prosseguiram seus trabalhos até
meados do mesmo século (MILIFONT e PONTUAL, 2002). Contudo, os preâmbulos de sua
modernização datam de 1830 até 1840, momento em que a criação de regulamentos, leis e
posturas municipais indicam a formação de um imaginário urbano condizente com o ideal de
“progresso” da época (ibidem). No último quartel do século XIX, é aprovado o Projeto de
Melhoramentos do Porto do Recife, a semelhança do que ocorria em outros portos
brasileiros: Rio de Janeiro, Santos, Salvador e São Luis (LUBAMBO, 1992, p.118). A
reforma do Bairro do Recife também foi aventada desde 1844 (projeto de Vauthier), mas
assim como as obras do porto, a implantação do projeto para o bairro se viabilizou apenas
entre 1909 e 1913, com severas alterações. (LUBAMBO, 1992, p.120).
Datam desde o último quartel do século XIX os anseios pernambucanos para que o Porto do
Recife fosse reestruturado, projetos para tal foram feitos desde então. Mas foi apenas no
século seguinte que o velho bairro do Recife mudaria suas feições. Inicialmente as obras se
dariam apenas na área do porto mas o entorno e os acessos à porta de entrada da cidade
urgiam por refazer-se ao sabor da modernidade impressa nas vias e fachadas do Rio de
Janeiro e da Paris de Haussmann (LUBAMBO, 1988, p.103). Neste período, o Governador
do Estado General Dantas Barreto havia contratado o serviço fotográfico para documentar
os trabalhos, possivelmente baseado ao que se havia operado no Rio de Janeiro pelas
máquinas de Ferrez, fosse pela urgência de perenizar em imagens o antigo em vias de
extinção, ou para demarcar o quanto se modificaria do acervo construído da cidade para
que se modernizasse. As fotografias do bairro em reforma mostram o labor de um extenso
canteiro de obras. Para que se construísse um novo Bairro do Recife, prédios foram
desapropriados, seus moradores levados a mudar de endereço e a fotografia revela nos
destroços das edificações um progresso que não dialogava amigavelmente com os
populares que ali haviam (LUZ, 2008, p.76).
A ausência de certos documentos impedem que se afirme propriamente sobre a contratação
do fotógrafo-artista pela administração local para realizar a cobertura faz obras urbanas
iniciadas em 1909 no Recife. Contudo, estudos se direcionam neste sentido e tomam força
diante da construção de sua notoriedade na sociedade recifense, somada ao teor das
fotografias empreendidas neste período durante as reformas urbanas iniciadas e espraiadas
ao longo do bairro de mesmo nome.
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
Figura 7 - Francisco du Bocage, Bairro do Recife, circa 1910. Gelatina/ Prata
Fonte: http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/bras/2046. Acesso em 30 set. 2015
A abordagem formal da fotografia de Du Bocage guarda semelhança às representações
pictóricas célebres das cidades brasileiras, como as de Frans Post; cujos esquemas
remetem à tradição da paisagem ideal4 de artistas italianos do século XVII. A força
emolduradora do coulisse, a despeito do que foi empregado pelos viajantes oitocentistas em
suas descrições, na fotografia de Du Bocage será restrita à parca massa arbórea, longilínea
e delgada, compõe a porção esquerda do quadro. Como uma clara influência dos esquemas
claudeanos, o acervo construído se encontra no lado oposto da vegetação; contudo, a
estética colonial apresenta-se em ruínas: não mais temas pitorescos ou idílicos, a fotografia
ilumina o instantâneo da modernização em curso, escombros, vestígios e possíveis
permanências. A altura da visada será uma recorrência no trabalho do fotógrafo (no
universo do acervo consultado) – a imagem foi tomada acima do nível da rua, representando
seu distanciamento em relação à paisagem retratada. Sua missão é registrar, observa-se,
no entanto, que esta altura pode ser decorrente do uso da câmera panorâmica, mas até
mesmo a escolha do aparato técnico da fotografia indica sua intenção diante da cena e das
limitações e imposições inerentes a este recurso.
4 A respeito do conceito de “Paisagem Ideal”, cf. SOUZA, Valéria S. de. Gosto, sensibilidade e objetividade na
representação da paisagem urbana nos álbuns ilustrados pelos viajantes europeus: Buenos Aires, Rio de Janeiro e México (1820-1852). 2 vols. Tese 1995 (Doutorado em História)- São Paulo, FFLCH-USP, 1995, p.110
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
Figura 8 - Francisco du Bocage, Igreja do Corpo Santo, em Recife, circa 1913. Gelatina/ Prata
Fonte: http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/bras/2046. Acesso em 30 set. 2015
O enquadramento para representar a Igreja do Corpo Santo é singular no que tange a
representação de edifícios de grande relevância. Um registro típico tomaria a sua fachada
colonial e seus elementos compositivos como elementos privilegiados. Contudo, foge do
arranjo tradicional do enquadramento, pois Du Bocage prende seu olhar nos escombros das
edificações adjacentes à Igreja. Ao retratar sua lateral, esta imagem prediz o destino do
edifício religioso; pouco depois, em 1914, mesmo tendo resistido às vicissitudes ao longo de
seus 400 anos de existência (PONTUAL, PICOLLO, 2008, s/p). O processo de reforma do
Porto do Recife se espraiou ao longo do bairro homônimo, elaborando uma nova urbe que,
moderna e salubre, conferia à cidade sua oportunidade de se inserir no mercado externo;
esta operação demandou que seu acervo material fosse posto abaixo para que novas
avenidas e fachadas tomassem o lugar dos velhos arcos, fortes, casarios e igrejas, como a
do Corpo Santo.
Ao período iniciado em 1909 com as obras do porto, o velho bairro do Recife foi posto sob
seguidos episódios de intervenções ao longo dos anos seguintes, com serviços de
dragagem, aterramentos e saneamento (LUBAMBO, 1988, p.104), os antigos edifícios
davam lugar a um novo modo de se construir a urbe, materializando as demandas pelo
progresso e sabor de modernidade por meio dos novos traçados, técnicas, materiais e
fachadas. Neste processo, a paisagem urbana se configurava pela simbiose entre o
tradicional que se desfaz e o moderno construído dos seus escombros; esta dualidade será
tema iluminado por du Bocage em sua fotografia do galpão do antigo Arsenal de Marinha,
em 1910.
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Figura 9 - Francisco du Bocage, Porto de Recife - Construção do Armazém, circa 1910. Gelatina/
Prata.
Fonte: http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/bras/2046. Acesso em 30 set. 2015.
As formas que delimitam o moderno e o antigo respondem, respectivamente, a porções
equivalentes na fotografia. Contrapondo-se ao maciço conjunto edilício tradicional, a vazada
estrutura metálica imprime um ritmo, sugerindo um ponto de fuga para o observador, bem
como o escalonamento dos edifícios antigos, à direita (na porção destinada à cidade
tradicional), auxiliam no direcionamento do olhar para o final da estrutura do armazém. À
esquerda, divisa-se, por entre a estrutura do armazém, elementos pertencentes ao porto;
este enquadramento não seria possível anos antes, pois o fotógrafo ocupa com sua câmera
uma área de aterro, a direita, o material da construção espera a etapa da obra seguinte.
Figura 10 - Francisco du Bocage, Rua São Jorge, circa 1910. Gelatina/Prata
Fonte: http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/bras/2046. Acesso em 30 set. 2015.
A fotografia referente a Rua São Jorge tem por tema elementar os esforços de reformulação
nos âmbitos arquitetônicos e urbanos em Recife, empreendidos para adequar a cidade aos
padrões esperados pela modernidade. Centralizado, o vazio resultado das demolições é
imerso em significados, pois além de apontar a superação em relação a urbe antiga,
sedimenta os ares de progresso no terreno e abre vereda para a iminente modernização. Se
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o vazio é signo, há também outros símbolos ocultos, diluídos no registro que não foram
enquadrados: embora capturada pela grande angular usada por Du Bocage, a torre Malakoff
situa-se próxima ao local retratado, tornar-se-á reminiscência desta urbe que aos poucos vai
se esmaecendo. A imagem tomada ao nível da rua denota a eleição do grupo de
trabalhadores como um dos pontos focais de interesse do fotógrafo: ao retirarem os
escombros do que antes era uma edificação, seus braços também operam na construção
dessa novo e “civilizado” Recife.
Considerações Finais
Diante das obras engendradas na cidade industrial europeia e nas cidades brasileiras
“ansiosas” pela inserção no mercado internacional, os fotográfos desempenhavam
importante papel de ora resguardar a urbe em vias de esfacelamento ora celebrar a
pungente modernidade construída em meio ás novas vias, fachadas e paisagens. Francisco
Du Bocage se insere neste panorama como um produtor de vistas tanto do antigo Recife
quanto um observador privilegiado dos golpes de picareta que construíam a nova urbe,
ainda que sob incertezas da sua real função diante desta produção pictórica – era um
fotógrafo a serviço do Governo ou um apaixonado pela arte que emergia da cidade em
transformação?
A cidade se desvela a partir da lente de Du Bocage como palco de uma dicotomia entre o
tradicional e o moderno, este construído a partir das ruínas de memórias de uma cidade que
não mais se queria colonial. A produção do fotógrafo-artista centraliza no seu discurso
imagético, muitas vezes, nos escombros e no seu vir-a-ser inscrito nas edificações que os
rodeiam, predizendo um futuro por vezes inevitável diante da escusa da construção da
moderna cidade.
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Acervo Diário de Pernambuco, Jornal do Recife, A Província; in: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Fonte: www.bn.br/hemerotecadigital
Fotografias de Francisco Du Bocage: Instituto Moreira Sales. Fonte: http://www.ims.com.br/