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MODELANDO A INFNCIA:
A INFLUNCIA DOS COLGIOS JESUTAS E DAS ESCOLAS DE
CARIDADE NA INSTITUCIONALIZAO DA DIDTICA
Simone Ballmann de Campos
Pedagoga, Psicopedagoga e Mestre em Educao e Cultura. Coordenadora pedaggica no Centro Educacional Menino Jesus e no Instituto Catarinense de Ps-Graduao.
E-mail: [email protected]
RESUMO: Desde o sculo XVI os Colgios Jesutas e as Escolas de Caridade exerceram influncia na institucionalizao da didtica, da disciplina, do mtodo, do currculo escolar e tambm na viso homogeneizadora da infncia. O presente artigo sugere que os educadores conheam a gnese da escolarizao para que identifiquem a funo que esses modelos escolares exercem no universo educacional e, em conseqncia, ressignifiquem constantemente suas concepes. PALAVRAS-CHAVE: Didtica. Escolarizao. Disciplina.
MODELING CHILDHOOD: JESUITS AND CHARITY SCHOOLS
INFLUENCE IN THE INSTITUTIONALIZATION OF DIDACTICS
ABSTRACT: Since the 16th century, the Jesuits schools and the Charity Schools have influenced the institutionalization of the didacticism, of the discipline, of the method, of the school curriculum and also in a vision homogenized of childhood. The present article suggests that the educators become acquainted with the genesis of education, so that they can identify their function in the educational universe and, in consequence, constantly resignify its conceptions. KEYWORDS: Didactics. Education. Discipline.
INTRODUO
So inmeras as experincias escolares que vivenciaram um sistema de ensino que
esquadrinhava lugares, tempos e comportamentos a serem seguidos, sob pena de punio.
Mas a escola nem sempre existiu e, se considerarmos a evoluo da humanidade como
parmetro, o seu surgimento, enquanto local de acesso ao conhecimento, mais recente do
que parece, e necessrio conhec-lo para que se compreenda qual a funo, como
educadores, que pretendemos desempenhar.
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Refletir sobre como acontece a construo do conhecimento na instituio de ensino e,
principalmente, na sala de aula deve fazer parte da tarefa do professor. As continuidades e
descontinuidades que ajudaram a produzir a escola atual e as formas de ensino que ela
preconiza no podem ser naturalizadas no cotidiano.
A anlise de alguns elementos da cultura escolar do sculo XVI ao XVIII, como a
formao dos Colgios e das Escolas de Caridade, mostra que eles podem ser
considerados responsveis pela institucionalizao da disciplina, do mtodo, do currculo e de
uma viso peculiar de infncia. Assim, por meio deste estudo pretende-se tambm identificar
como a escola pode servir de instrumento na homogeneizao da infncia e, em conseqncia,
dos indivduos.
O presente artigo est dividido em dois momentos que em seu conjunto evidenciam os
principais motivos que possibilitaram a expanso da escolarizao pela Europa e tambm nos
territrios descobertos pelos europeus no mesmo perodo. O primeiro momento, intitulado
Sculo XVI: o surgimento de um novo tempo educacional, destaca o fosso que se erige
entre o ensino at ento oferecido pela Faculdade de Artes e mestres artesos e a criao dos
Colgios, cujos traos fundamentais foram delimitados principalmente pela Ratio
Studiorum dos jesutas. Salienta-se tambm a ecloso de um dualismo escolar durante o
sculo XVIII quando, junto aos Colgios que elitizavam o ensino, emergem as Escolas de
Caridade. No segundo momento, que possui como ttulo Entra em cena a Didtica, reala-se
uma distino entre Pedagogia e Didtica a partir da utilizao dos mtodos de ensino.
A relevncia deste estudo acontece por possibilitar a identificao de permanncias
dos processos de escolarizao que se institucionalizaram a partir do sculo XVI e por
question-las para verificar se a sua utilizao condizente com os pressupostos educacionais
atuais, que primam pela interdisciplinaridade e pelo respeito s diferenas individuais entre os
alunos.
SCULO XVI: O SURGIMENTO DE UM NOVO TEMPO EDUCACIONAL
O modelo escolar atual possui uma histria peculiar que faz aluso ao ensino que
passou a dominar na Europa do incio do sculo XVI, quando a educao sofreu uma rpida e
fantstica transformao, durante um perodo marcado por rupturas sociais, guerras religiosas
e pestes catastrficas. Era poca das Grandes Navegaes, que expandiram o ethos europeu ao
mundo at ento desconhecido.
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A educao transmitida por meio da Faculdade de Artes e dos mestres artesos em
suas oficinas passou a ser oferecida pelos colgios (alguns deles provenientes das hospitias)
que adotaram um perfil caracterstico entre si e se proliferaram com espantosa rapidez na
Europa e, em seguida, no Novo Mundo, elitizando o ensino ao darem preponderncia s belas
letras, ao latim e ao grego, sem responder s necessidades profissionais precisas.
O jovem da poca encontrou a contramo do caminho educacional feito at ento. Na
Frana, por exemplo, se antes os estudantes iam at seu mestre, a reforma feita pelo Cardeal
de Estouteville, em 1452, imps que escolhessem um colgio e a ele se vinculassem at que
finalizassem seus estudos. Anteriormente ao surgimento dos colgios, o aluno que
freqentava a Faculdade de Artes possua um tempo dividido em perodos adaptveis ao seu
ritmo. O curso estaria concludo quando ele e seu mestre considerassem que a formao j era
suficiente e lhe fosse concedida uma licena para que tambm exercesse a funo de mestre.
De acordo com Petitat (1994, p.79), um fosso erigiu-se com o surgimento dos
colgios, quando o tempo passou a ser dividido em perodos anuais, que subdividiram as
matrias em dias e horas, num tempo que passou a ser controlado por relgios e sinetas. Os
alunos passaram a ter um tempo regulamentado para assimilar as matrias, entregar trabalhos
e realizar exames. Dessa maneira, nova noo de tempo associou-se tambm a noo de
avaliao.
Tanto Petitat (1994) quanto Varela (1992) afirmam que os colgios das congregaes,
os colgios protestantes e aqueles que eram dependentes das universidades
instrumentalizaram traos fundamentais entre si: gradao sistemtica das matrias, programa
centrado no latim e no grego, controle contnuo dos contedos adquiridos, superviso e
disciplina.
Claude Baduel, amigo de Calvino, ao inaugurar um colgio em Nmes, em 1540,
publicou um opsculo onde exps os novos pressupostos pedaggicos da poca:
At o momento no tivemos qualquer preocupao quanto ordem mais conveniente dos contedos a serem ministrados, e misturamos e confundimos tudo. Estes hbitos viciados sero banidos da nova escola, na qual seguir-se- um mtodo mais apropriado aos diversos graus de desenvolvimento da criana e natureza das matrias que ela deve estudar(...) A escola se dividir em classes de acordo com a idade e o desenvolvimento dos alunos (Petitat, 1994, p.78-9).
Iniciou-se, pois um estudo, ainda que embrionrio, sobre o desenvolvimento infantil e
procurou-se distribuir as crianas em graus e classes, adaptando os contedos escolares a cada
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nvel. Julia (2001, p. 22) e Varela (1992, p. 72) afirmam que se tornou imprescindvel ter um
conhecimento biopsicolgico sobre as crianas que abrangesse tanto o nvel intelectual como
a natureza de cada uma delas, a fim de saber como agir apropriadamente com elas. Esses
pressupostos adquiridos pelos professores determinaram o aparecimento das cincias
pedaggicas, para as quais a escola serviu de laboratrio e, concomitantemente, deram ao
mestre o poder de avaliar. Todavia, a diferenciao das crianas em graus e classes tinha
tambm o objetivo de facilitar a disciplina, pois a classe tornava-se lugar de uma atividade
coletiva marcada por regulamentos e pela classificao permanente dos alunos. A cultura
escolar desemboca aqui como remodelamento dos comportamentos, na profunda formao do
carter e das almas que passa por uma disciplina do corpo e por uma direo das
conscincias (JULIA, 2001, p. 22).
A pedagogia progressista preconizada pelos tericos da Reforma4 e da Contra-
Reforma5 estendeu-se Europa Catlica sobretudo por intermdio dos jesutas que, aps
algumas dcadas de experincia em seu trabalho, elaboraram um cdigo de referncia para
toda a Companhia, a Ratio Studiorum6, que levou cerca de 50 anos (1548-1599) para chegar
sua verso definitiva.
Na Ratio Studiorum evidenciava-se a seleo severa de contedos e textos,
buscando isent-los de elementos contraditrios f catlica. Alm disso, recorria-se s
mincias na organizao e emulao (prmios, recompensas, competies no interior da
classe) e obedincia como virtude fundamental.
Sendo assim, a forma de disciplinamento dos corpos, o mtodo, a organizao,
tornaram-se to importantes quanto os contedos ensinados. Esses elementos, por sua vez,
estavam subjugados s estruturas de poder dentro dos colgios.
Os colgios, gerenciados por jesutas, oratorianos, beneditinos, protestantes ou por
universidades, deram margem para que em algumas cidades francesas do sculo XVIII um
menino em cada cinco ou seis estivesse neles matriculado (Petitat, 1994). Porm, alm de no
atenderem s camadas sociais nas mesmas propores, a cultura desenvolvida nos colgios,
ao enfatizar o disciplinamento do corpo e o desenvolvimento de boas maneiras, seguindo os
manuais de civilidade preconizados por Erasmo, servia para aqueles que aspiravam a
tornarem-se nobres e a cultivar o modo de vida dos nobres, portanto desde o seu incio a
escola oportunizou que o capital cultural da elite predominasse.
Enquanto a paixo pelas belas-letras atingia as camadas sociais abastadas, tanto a
Igreja Catlica como a Protestante procuraram implementar escolas primrias por toda a
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Europa. Por meio da alfabetizao buscaram catequizar e incutir a ideologia do trabalho.
Lutero, ao traduzir a Bblia para o alemo, abriu espao para o uso do idioma vernculo no
ensino elementar. Assim, a escolarizao das camadas populares teve incio nas parquias e
junto s sociedades religiosas e de caridade onde, alm dos princpios da religio crist, os
alunos aprenderiam at mesmo a ler e escrever (Petitat, 1994, p.109), transmitindo-lhes com
isso, alguns conhecimentos necessrios para seu destino de trabalhadores (Petitat, 1994,
p.109).
Dessa maneira, deflagrou-se por toda a Europa, na segunda metade do sculo XVIII,
um dualismo escolar, onde a escola elementar gratuita se solidificou ao lado das classes
iniciais dos colgios e das regncias latinas. Esse dualismo oportunizou baixa nobreza e
burguesia o acesso aos colgios e ao latim, enquanto os mais pobres utilizavam as lnguas
vernculas para realizar seus estudos nas Escolas de Caridade.
Varela (1992) destaca a educao desenvolvida pelos escolpios8 na Espanha, que
adotaram a Ratio Studiorum dos jesutas para um ensino que, a princpio, limitava-se ao
doutrinamento dos meninos pobres, mas se expandiu aos mais ricos sob a premissa de que
todos so filhos de Deus. J o ensino elementar gratuito na Frana teve seus pressupostos
iniciais definidos por Dmia. Entretanto, foi J. B. de La Salle o grande emancipador das
Escolas de Caridade francesas. Os lassalistas iniciaram seu trabalho em 1670, e em 1789
possuam 36 mil alunos distribudos em 121 estabelecimentos. Essa expanso fenomenal
deve-se,
(...) a uma reflexo e uma prtica pedaggica que so o verdadeiro incio do ensino primrio moderno... No documento Conduta das Escolas Crists, de importncia equivalente da Ratio Studioium para os jesutas, La Salle fixa horrios, designa os contedos a serem ensinados, subdivide-os em diferentes nveis, define os princpios da repartio dos alunos de acordo com os conhecimentos adquiridos, as condies para a passagem de um nvel para o seguinte, indica os exerccios escolares a serem cumpridos, a disciplina e as sanes, e desce aos menores detalhes, relativamente s atitudes e personalidade dos mestres, aos quais prodigaliza conselhos e regras de conduta (Petitat, 1994, p.10).
Por meio do mtodo de ensino denominado simultneo, que oportunizava ao professor
instruir um grupo de estudantes enquanto os outros faziam os seus deveres escolares, os
lassalistas buscavam a homogeneizao do saber de seus alunos. Os exames e exerccios
peridicos, cujos resultados eram anotados em fichas individuais, a emulao e, ainda, a
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recompensa ou a punio, de acordo com o desempenho obtido, faziam parte do cotidiano
escolar.
Inovando tambm no aperfeioamento docente, os lassalistas garantiram uma slida
formao aos professores (irmos) ao fundar as Escolas Normais. A qualidade de seu ensino
fez com que muitos burgueses preferissem entregar seus filhos educao gratuita. Contudo,
ao verificarem que os hbitos de higiene e o linguajar dos mais pobres (populacho) no
eram condizentes com os preceitos elitistas, os burgueses procuraram outras escolas e
ratificaram o processo de segregao social e espacial. Mesmo assim, as Escolas de Caridade
garantiram uma alfabetizao em massa, que alm de instruir, infiltrou-se nas residncias
francesas educando por meio de um projeto de inculcao de contedos religiosos e valores
morais com o intuito de educar para a f, os bons costumes e o trabalho, complementando ou
corrigindo uma educao familiar considerada insuficiente. Vale salientar, porm, que tanto a
educao oferecida pelos lassalistas como por outros estabelecimentos disseminadores da
Reforma e da Contra-Reforma teve o intuito de melhorar a condio das crianas pobres, sem
tir-las, contudo, da condio de pobreza. O pobre, durante o sculo XVI, precisava ser
controlado por meio do trabalho, para que a ociosidade no se tornasse sinnimo de revolta ou
ameaa de poder.
Afastar as crianas das ms influncias, tir-las da rua, vista como uma escola de insubordinao e de malandragem, um dos objetivos das escolas de Caridade que, sob este ngulo, no correspondem ao nome. A instituio gratuita, mas as elites municipais que sustentam as confrarias dedicadas educao esperam ter em retorno uma juventude e uma sociedade mais bem policiadas. Retirar as crianas e adolescentes da rua, encaminh-los para um trabalho disciplinado, separar a criana do mundo adulto, inculcando o respeito pela ordem, so objetivos que de acordo com os sentimentos dominantes poca concentram-se nas escolas elementares de caridade e combinam com a imagem da pobreza e dos pobres como um universo parte e ameaador (Petitat, 1994, p. 119).
Varela (1992), em consonncia com Petitat (1994), afirma que o ensino destinado aos
mais pobres no tinha por finalidade facilitar o acesso cultura, seno reiterar esteretipos e
valores morais em oposio aberta s suas formas de vida, impondo-lhes, alm disso, hbitos
de limpeza, regularidade, compostura e obedincia. Tanto catlicos como protestantes
incitavam veementemente o amor ao trabalho.
A instituio escolar no sculo XVIII, que por um lado dicotomizava o currculo e os
espaos, destinando aos pobres uma alfabetizao diferente da dos mais abastados,
caracterizando uma distino entre as classes sociais e reproduzindo relaes de poder e de
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dominao entre as mesmas, por outro, possua algo que unia a vertente popular e a elitista: as
jornadas entremeadas por oraes e por mximas morais e a organizao pedaggica (horrio
escolar, superviso permanente, emulao entre os alunos, rigoroso controle e progressiva
acumulao dos programas) que visava tanto a instituio de hbitos quanto a eficcia
didtica na aprendizagem.
ENTRA EM CENA A DIDTICA
A instituio dos colgios durante o sculo XVI possibilitou uma distino entre a
pedagogia e a didtica. As prticas pedaggicas, ou seja, prticas duradouras de formao de
crianas que socializavam a transmisso de saberes foram sendo gradualmente
desqualificadas e substitudas por pressupostos didticos, que viam o ensino como instruo.
A reorganizao dos textos, para fins quer pedaggicos quer didticos, significou que o aprendizado e/ou o ensino tornaram-se metodizados... A metodizao proporcionou um atalho ao aprendizado, assim como, seguir uma seqncia metodizada era seguir um currculo. Desse modo, o trao definidor de um currculo no era seu contedo derivado dos textos, mas seu carter metdico (Hamilton, 2001, p. 56).
Essa metodologia, associada disciplina, tornou-se fabricadora de identidades e vises
de mundo pela forma como selecionava e ordenava o conhecimento escolar. Os dispositivos
didticos, tais como a delimitao e controle do tempo, o estmulo freqente ao trabalho
escolar, a emulao, o uso de prmios e castigos, o sistema de avaliao que garantiam as
formas dos contedos escolares, contribuam tambm para a modelagem dos indivduos.
Essas estratgias utilizadas para fazer o conhecimento transitar no interior das escolas so
fatores que indicam a inteno, explcita ou implcita, de produzir identidades escolares que
constituem hbitos mentais e esquemas interpretativos singulares.
A diferenciao entre pedagogia e didtica, ou entre educao e escolaridade, emergiu
graas a uma microfsica do poder colocada em prtica por meio das disciplinas, mtodos
que permitem o controle minucioso das operaes do corpo, que realizam a sujeio constante
de foras e lhes impem uma relao de docilidade (Foucault, 1988, p.126).
A disciplina inaugura o tempo de um novo olhar, ou um novo olhar para os objetos: o olhar s insignificncias, s coisas pequenas, ao detalhe. A mincia, se se quer investi-la de poder, o menor dos gestos, a mais nfima ao, se se quer control-los para torn-los teis, requerem, agora, novas visibilidades que produziro novas racionalidades (Beltro, 2000, p. 38).
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Tanto a Ratio Studiorum como os Exerccios Espirituais (jesuticos), a Conduta das
Escolas Crists (lassalistas) e a Didtica Magna (de Comenius, 1657) ilustram a substituio
gradual da pedagogia pela didtica (Hamilton, 2001, p. 66-7; Petitat, 1994, p. 110; Beltro,
2000, p. 36). O surgimento da escolarizao no foi uma conjetura linear e evolucionria, pois
resultou da interao de idias e prticas desordenadas que combinadas deram origem aos
pressupostos divulgados por inovadores como Comenius (1592-1691), consultor educacional
de diversos governos e que defendia uma educao crist, que inclusse contedos cientficos
demarcados por mtodos que tinham por base a premissa de fazer o aluno aprender mais e
melhor em menos tempo.
Aos poucos a disciplina da diligncia pessoal foi se convertendo na virtude do dever
pblico. Assim, junto com a disciplina erigida na escola, que ao docilizar os corpos tornavam-
os instrumentos teis para a Igreja e para o Estado em ascenso, a partir do sculo XIX a
disciplina, enquanto tcnica de exerccio de poder (Dallabrida, 2001, p. 150), expandiu-se
para as outras instituies sociais: a priso, a fbrica, o hospital, o quartel, a famlia..., tendo o
panoptismo9 como principal trao dessa sociedade disciplinar em emergncia.
Os mecanismos de poder, apesar de ressignificados e atualizados, podem ser
evidenciados hoje quando na escola se repetem rotinas de homogeneizao, de pensamento e
de ao.
De acordo com Pazeto (2003, p. 184), toda ao educativa parte integrante de um
processo mais amplo e complexo, (...) a individualidade intrnseca globalidade. Em
contrapartida, Teixeira (2002, p. 271), afirma que:
(...) mesmo quando submetidas s normas centralizadoras do sistema, determinantes de uma organizao administrativa igual para todas, as escolas so capazes de manter diferenas, apresentando caractersticas derivadas de sua prpria sociabilidade. Como grupo social, a instituio escolar busca adequar e adaptar as normas comuns s suas condies especficas e constri sua prpria cultura.
Diante de tais consideraes, possvel dizer que os profissionais da educao
precisam observar a questo pedaggica, a partir do macro e do micro, e desnaturalizar10 a lei,
observando que o que colocado como posto, dado, institudo... foi construdo, por isso
tem a possibilidade de ser alterado por meio de uma educao que considere o vir a ser, o
instituinte. Assim, a instituio escolar torna-se um lugar com espao para ousar, para a
criatividade, a solidariedade, as diferenas, a relatividade da verdade, as resistncias, enfim a
construo e reconstruo do saber e do ser.
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CONSIDERAES FINAIS
Considerando o que foi exposto, pode-se destacar que aps o surgimento dos colgios
os pressupostos tericos da Reforma e Contra-Reforma serviram de mola propulsora no
desenvolvimento da escolarizao ao enfatizarem uma educao em massa, concomitante com
a educao da elite. Este processo estabeleceu um dualismo escolar que inculcou, atravs do
ensino, valores e hbitos de civilidade distintos, de acordo com a classe social de procedncia
do aluno. Nesse contexto, emergiram vrios manuais metodolgicos como a Ratio
Studiorum e a Conduta das Escolas Crists, que ao unirem disciplina e mtodo, criaram
distines entre escolarizao e educao: a escolarizao assumiu a funo de docilizar os
corpos, beneficiando a manuteno do poder vigente, enquanto a educao perdeu
caractersticas preconizadas anteriormente pelos mestres das Faculdades de Artes e
preceptores, que se apoiavam num conhecimento amplo e visavam a formao universal do
ser, tornando-o sujeito em seus atos e no apenas um indivduo dcil.
Ao compreender as vicissitudes que engendram a maquinaria escolar11 e procuram
automatizar o processo de ensino-aprendizagem, o professor atual ter mais clareza para
reformular sua metodologia com base em evidncias encontradas em sua prtica, dentro da
perspectiva macro-micro, e ressignificar suas concepes para dar margem ao instituinte, ao
livre exerccio do pensamento, possibilidade de questionar a natureza do seu ensino.
Ns vivemos um momento na histria em que a escola deve desatar o n existente
entre os paradigmas por ela incorporados e o pluralismo do pblico que recebe, preparando a
criana para a era da informao, na qual mais que decorar contedos preciso aprender a
verificar os fatos, escolher caminhos, trabalhar a coletividade, a colaborao, a liberdade, a
ousadia, o desejo de inovar e de viver.
Notas 1 Descontinuidade: A utilizao de descontinuidade anacroniza a histria, exigindo que os historiadores abandonem o tempo vetorizado da histria e faam um incessante trabalho de diferenciao, que se apia na diferena entre um presente e um passado(Certeau, 1982, p.47 apud Dallabrida, 1998, p.84). 2 Faculdade de Artes: Ensino baseado no self-government, onde os estudantes vo at os professores e organizam seus estudos de acordo com sua individualidade. 3 Hospitias: casas de estudantes que remontam ao sculo XIII e que aos poucos se transformam em estabelecimentos de ensino (Petitat, 1994, p.77).
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4 Reforma: At o incio do sculo XVI, a Igreja conseguiu manter-se unida, utilizando seu enorme poder econmico e poltico para vencer os lderes religiosos que tentavam reform-la.Contudo, em 1517, um monge chamado Martinho Lutero ousou discordar profundamente da doutrina catlica e conseguiu provocar a maior ruptura j ocorrida no interior da Igreja. Este movimento iniciado por Lutero ficou conhecido como Reforma Protestante e teve como principais motivos a necessidade de uma nova moral religiosa e a formao das monarquias nacionais, pois o crescimento do poder nacional (rei) esbarrou na fora do poder universal (papa) http://www.brasilescola.com/historiag/reforma. 5 Contra-Reforma: Antes mesmo do incio do protestantismo, inmeros catlicos, como o humanista Erasmo de Roterdam, criticaram os enormes abusos praticados pelo clero e mostraram que era necessrio reformar a Igreja Catlica com urgncia. Entretanto, os grupos de leigos e religiosos catlicos s deram incio a um trabalho de intensa reorganizao interna da Igreja quando o protestantismo comeou a se expandir com velocidade crescente por vrios pases europeus. Esse trabalho, que tinha o objetivo de ampliar o nmero de adeptos do catolicismo e impedir o avano do protestantismo, foi chamado de Reforma http://www.brasilescola.com/historiag/contra-reforma. 6 Ratio Studiorum: Cdigo educativo composto por 467 regras, produzido aps meio sculo de reflexo e sistematizao de prticas educativas e implantado pelos jesutas em 1599, principalmente nos Colgios Europeus dirigidos pela Companhia de Jesus (Dallabrida, 2001a, p.136-8). 7 Erasmo (1466-1530) foi escritor em lngua latina e um dos mais importantes humanistas. Publicou o primeiro Novo Testamento em grego, impresso em 1516, e teve bastante contato com Lutero, uma das principais figuras do seu tempo. Os tradutores humanistas, que eram pagos, injetaram conscientemente novas incertezas na doutrina crist. 8 Escolpios: congregao religiosa que dominou a educao espanhola no sculo XVI. 9 Panoptismo: vigilncia permanente. 10 Desnaturalizar: uma transformao historiogrfica significativa em que o historiador deixa de trabalhar com o objeto dado para pensar as prticas sociais que o engendram (Dallabrida, 1998, p.81). 11 Maquinaria: Conjunto de estratgias e prticas disciplinares postas em prtica dentro e fora da sala de aula. Implica o controle do tempo e do espao, rgidas hierarquia, emulao e competio entre os alunos, individualizao das carreiras escolares e incitamento atividade permanente dos alunos (Dallabrida, 2001a, p.142).
REFERNCIAS
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