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Modelagem em Sistemas Complexos Bifurcação local de campos vetoriais Marcone C. Pereira Escola de Artes, Ciências e Humanidades Universidade de São Paulo São Paulo - Brasil Abril de 2012 [email protected] Sistemas Complexos - EACH - USP

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Modelagem em Sistemas ComplexosBifurcação local de campos vetoriais

Marcone C. PereiraEscola de Artes, Ciências e Humanidades

Universidade de São PauloSão Paulo - Brasil

Abril de 2012

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Nesta aula discutiremos o conceito de bifurcação em camposvetoriais que está diretamente associado a mudanças qualitativas nocomportamento do sistema. Veremos:

1 Estabilidade estrutural.

2 Bifurcações em compos vetoriais unidimensionais.

3 Bifurcações de Hopf em sistemas bidimensionais.

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Estabilidade estrutural.

Quando se considera um modelo é necessário saber quão robustoele é com respeito a pequenas modificações em seus parâmetros.Para isto consideramos uma métrica ou distância no conjunto doscampos vetoriais definidos num determinado espaço de fase S.

Uma distância d sobre um espaço X é uma aplicaçãod : X × X 7→ R+ satisfazendo as seguintes condições:

d(x , y) = 0 ⇐⇒ x = y .

d(x , y) = d(y , x).

d(x , y) ≤ d(x , z) + d(z, y).

Observe que a função distância d nos dá a noção de proximidade,por meio dela podemos considerar vizinhanças de um determinadoponto do espaço.

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Seja X o conjunto dos campos f : S 7→ S de classe C1 definidos numespaço de fase S ⊂ Rn limitado. Neste conjunto definimos adistância1 de classe C1 entre campos vetoriais f , g ∈ X por

d(f ,g) = supx∈S

{‖f (x) − g(x)‖, ‖df (x) − dg(x)‖

}onde

‖f (x)‖ =√

f1(x)2 + f2(x)

2 + ...+ fn(x)2

é a norma de vetores em Rn. 2

Em X definimos uma ε-vizinhança de um campo f por

Vε(f ) = {g ∈ X : d(f ,g) < ε}.

Assim, se g ∈ Vε(f ) dizemos que g está ε-C1-próxima a f ou é umaε-C1-perturbação de f .

1Classe C1 porque consideramos tanto a função como sua derivada.2f (x) = (f1(x), ..., fn(x)) ∈ S ⊂ Rn com x ∈ S.

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Exemplo: Considere o sistema dado pelo pêndulo amortecido.

{ dxdt = y ,dydt = −ω2 sin x − 2 a y ,

t > 0.

O campo vetorial deste sistema é dado por

g(x , y) =(y , −ω2 sin x − 2 a y

)cujos os equilíbrios são (k π,0), k ∈ Z e o espaço de fase é S = R2.Note que este sistema é uma perturbação do pêndulo simples{ dx

dt = y ,dydt = −ω2 sin x ,

t > 0,

cujo campo é f (x , y) = (y ,−ω2 sin x) e satisfaz

‖f (x , y) − g(x , y)‖ = 2 |a| |y |, ‖Df (x , y) − Dg(x , y)‖ = 2 |a|.

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Considere o sistema dinâmico abstrato

(∗)

{x = f (x), x ∈ Rn,

x(t0) = x0,t > t0,

definido pelo campo vetorial f de classe C1.

Dizemos que um equilíbrio xf de (∗) é hiperbólico se a parte real dosautovalores da matriz Jacobiana Df (xf ) é diferente de zero.

TeoremaSeja xf um equilíbrio hiperbólico de (∗). Então existe uma vizinhançaU ⊂ Rn de xf e uma vizinhança V ⊂ X do campo f tal que o sistemadefinido por cada g ∈ V possui apenas um equilíbrio xg ∈ U que éhiperbólico. Além disso, os operadores lineares Df (xf ) e Dg(xg)possuem o mesmo número de autovalores com parte real positiva enegativa sendo conjugados.

Tais campos vetoriais são chamados estruturalmente estáveis, já quepossuem o mesmo comportamento qualitativo numa vizinhança suae de seus pontos de equilíbrio.

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Exemplos:

a) Observe que o pêndulo simples dado por f (x , y) = (y ,−ω2 sin x)não é estruturalmente estável já que possui equilíbrios nãohiperbólicos. De fato, f (x , y) = (0,0) ⇐⇒ (kπ,0), k ∈ Z e

Df (kπ,0) =(

0 1ω2 (−1)k+1 0

)cujos autovalores são: ±ωi se k é par e ±ω se k é ímpar.

b) Já o pêndulo amortecido g(x , y) = (y ,−ω2 sin x − 2 a y) éestruturalmente estável e é obtido como perturbação dopêndulo simples. g(x , y) = (0,0) ⇐⇒ (kπ,0), k ∈ Z e

Dg(kπ,0) =(

0 1ω2 (−1)k+1

−2a

)cujos autovalores são: −a±

a2 − ω2 se k é par; −a±√

a2 + ω2

se k é ímpar. Assim seus equilíbrios são todos hiperbólicos.

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c) Considere o oscilador harmônico de van der Pol dado pelaequação x + λ(x2

− 1)x + x = 0 cujo campo de vetoresassociado é f (x , y) = (y , −x − λ(x2

− 1)y). Observe que:

(0,0) é um equilíbrio não hiperbólico.Se consideramos a função V : R2

7→ R dada porV (x , y) = 1

2

(x2 + y2

)temos para (x(t), y(t)) ∈ R2/(0,0)

V (x , y) = x x + y y = −λ(x2− 1)y2.

Note que V é uma função de Liapunov para o campo quenos dá (0,0) equilíbrio estável se λ < 0 e instável se λ > 0.Como o disco unitário é uma bacia de atração para ocampo para todo λ, o caso λ > 0 implica na existência deuma órbita periódica pelo Teorema de Poincaré-Bendixson.

Aqui ocorre o surgimento de órbita periódica pela variação de λ.

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‘Help’

Seja x ∗ ∈ Rn equilíbrio de um campo vetorial x = f (x).

Chamamos V : Rn7→ R uma função de Liapunov forte para o

fluxo x(t) numa vizinhança U ⊂ Rn de x ∗ se V (x) > V (x ∗) eV (x) = d

dt V (x(t))|t=0 < 0 para todo x ∈ U/{x ∗}. Logo podemosobter que x ∗ é um equilíbrio assintoticamente estável, isto é,limt→∞ x(t) = x ∗ para todo x0 ∈ U.

V é uma função de Liapunov fraca se temos V (x) ≤ 0 em vezde V (x) < 0. Neste caso, obtemos apenas que x ∗ é estável, istoé, o fluxo x(t) ∈ U para todo x0 ∈ U e t ≥ t0.

-2-1 0

12

-2 -1 0 1 2

0

1

2

3

4

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‘Help’

Dizemos que w ∈ Rn pertence ao conjunto ω-limite de umaórbita {x(t) : t ∈ [t0,+∞) com x(t0) = x0} se existe umasequência {tk }k∈N com limk→∞ tk = ∞ tal que limk→∞ x(tk ) = w .

Analogamente dizemos que a ∈ Rn pertence ao α-limite de umaórbita {x(t) : t ∈ (−∞, t0] com x(t0) = x0} se existe umasequência {tk }k∈N com limk→∞ tk = −∞ tal que limk→∞ x(tk ) = a.

Teorema de Poincaré-BendixsonSe o conjunto limite O de um campo vetorial bidimensional de classeC

1 é não vazio, compactoa e não possui pontos de equilíbrios, entãoO é uma órbita periódica.

aEm Rn um conjunto compacto é limitado e fechado.

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Bifurcações locais de campos vetoriais.

Mudanças qualitativas em famílias de campos vetoriais associadas avariação de um determinado parâmetro é chamada de bifurcação.Seja (xµ0 , µ0) um equilíbrio da família de campos vetoriais Ck

(x , µ) 7→ f (x , µ), x ∈ Rn, µ ∈ Rm.

Aqui queremos responder a seguinte pergunta:

Podemos afetar a estabilidade do ponto de equilíbrio xµ0

quando variamos µ ≈ µ0?

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Se o equilíbrio (xµ0 , µ0) é hiperbólico temos que o fluxo gerado pelocampo é estruturalmente estável numa vizinhança dele.

Consequentemente, pequenas variações de µ numa vizinhança deµ0 não afetam sua estabilidade.

Isto é uma consequência do Teorema da Função Implícita aplicado a

(x , µ) 7→ f (x , µ), x ∈ Rn, µ ∈ Rm,

já que ∂x f (xµ0 , µ0) é um isomorfismo. Nestas condições existe umaberto U ⊂ Rm e uma aplicação xµ ∈ Rn, µ ∈ U, tal que f (xµ, µ) = 0 ea parte real dos autovalores de ∂x f (xµ, µ) são todos não nulos. Logo,(xµ, µ) é uma curva de equilíbrios hiperbólicos para µ ∈ U.

Quando o ponto de equilíbrio (xµ0 , µ0) não é hiperbólico, o fluxo nãoé estruturalmente estável em (xµ0 , µ0) e assim, novas dinâmicaspodem ocorrer para µ ≈ µ0.

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Bifurcações em campos vetoriais unidimensionais.

1) Bifurcação sela-nó.

É a bifurcação observada quando variamos µ na equação

x = µ − x2.

(a) Se µ < 0, o fluxo não possui equilíbrio algum.

(b) Se µ = 0, x = 0 é o único ponto de equilíbrio que não éhiperbólico já que d

dx

(−x2

)|x=0 = 0.

(c) Se µ > 0, o sistema possui dois equilíbrios hiperbólicos ±√µ.

De maneira geral, f (x , µ) possui uma bifurcação do tipo sela-nó numequilíbrio não hiperbólico (xµ0 , µ0) se

∂µf (xµ0 , µ0) , 0 e ∂xx f (xµ0 , µ0) , 0.

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2) Bifurcação transcrítica.

É a bifurcação observada quando variamos µ na equação

x = µx − x2.

(a) Se µ < 0, o fluxo possui 0 como equilíbrio estável e µ instável,ambos hiperbólicos.

(b) Se µ = 0, x = 0 é o único ponto de equilíbrio que não éhiperbólico.

(c) Se µ > 0, 0 passa a ser um equilíbrio instável e µ estável.

Aqui os equilíbrios mudam sua estabilidade quando µ passa pelo 0.

De maneira geral, f (x , µ) possui uma bifurcação transcrítica numequilíbrio não hiperbólico (xµ0 , µ0) se

∂µf (xµ0 , µ0) = 0, ∂xx f (xµ0 , µ0) , 0 e ∂µx f (xµ0 , µ0) , 0.

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3) Bifurcação do tipo pitchfork.

É a bifurcação observada quando variamos µ na equação

x = µx − x3.

(a) Se µ < 0, 0 é o único equilíbrio, que é também estável.

(b) Se µ = 0, x = 0 é o único ponto de equilíbrio que não éhiperbólico.

(c) Se µ > 0, 0 passa a ser um equilíbrio instável e ±µ sãoequilíbrios estáveis do sistema.

De maneira geral, f (x , µ) possui uma bifurcação pitchfork numequilíbrio não hiperbólico (xµ0 , µ0) se

∂µf (xµ0 , µ0) = 0, ∂xx f (xµ0 , µ0) = 0,∂xxx f (xµ0 , µ0) , 0 e ∂xµf (xµ0 , µ0) , 0.

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3

3Livro do Boccara. Primeira figura de cima para baixo exibe bifurcaçãotipo sela-nó, a segunda uma transcrítica e a terceira pitchfork.

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Exercício: Use os gráficos abaixo para identificar as bifurcaçõesexibidas no modelo de Ludwing reescalado para surto de insetos.

dudt

= r u (1 − u/q) −u2

1 + u2.

1 2 3 4 5 6 7u

-0.4

-0.2

0.2

0.4

f

F Pelo gráfico do campo obtemos a estabilidade dos equilíbrios.

u10

u1 u2 u30

u30

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Bifurcações em campos vetoriais bidimensionais.

Bifurcação de Hopf.

Este tipo de bifurcação não ocorre em campos vetoriaisunidimensionais e nos dá condições suficientes para a existência deórbitas periódicas não triviais para determinados valores de µ.

Teorema de Hopf

Seja x = f (µ, x) uma família de campos vetoriais bidimensionais aum parâmetro µ ∈ R satisfazendo:

(i) f (µ,0) = 0 para todo µ ∈ R;

(ii) f é uma função analítica em (µ, x) ∈ R ×R2;

(iii) ∂x f (0, µ) possui dois autovalores conjugados complexosα(µ) ± iβ(µ) com α(0) = 0, β(0) , 0 e dα

dµ (0) , 0.

Então em qualquer vizinhança U da origem em R2 e µ0 > 0 existeµ < µ0 tal que a equação x = f (µ, x) possui uma solução periódicanão trivial em U.

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Exemplos de bifurcação de Hopf.

a) O oscilador de van der Pol em (x , y) = (0,0) e λ = 0:{ dxdt = y ,dydt = −x − λ(x2

− 1)y ,t > 0.

Quando λ < 0 temos que (0,0) é estável e hiperbólico. Em λ = 0ocorre uma bifurcação de Hopf que nos dá o surgimento de umaórbita periódica para λ > 0.

(0,0) é o único equilíbrio do sistema para todo λ ∈ R com

Df (λ, (0,0)) =(

0 1−1 λ

)cujos autovalores são λ ± i

4 − λ2. Logo se λ ∈ (−2,2) este sistemasatisfaz as hipóteses do teorema de bifurcação de Hopf.

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Solução de valor inicial (x0, y0) = (1.3,0.2) e λ = −0.2.

-1.0 -0.5 0.5 1.0

-1.0

-0.5

0.5

1.0

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Soluções com condições iniciais (x0, y0) = (2.3,2.2) e(x0, y0) = (1.3,0.2) e parâmetro λ = 0.2.

-2 -1 1 2 3

-2

-1

1

2

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b) O sistema Lotka-Volterra em (h,p) = (1,1) e k = 2 + β: dhdt = h(1 − h/k) + αh p h

β+h ,dpdt =

αp p hβ+h − γp,

t > 0,

onde αh = (1 − 1/k)(β+ 1) e αp = γ(β+ 1).

A matriz Jacobiana em (1,1) é k−2−βk(1+β) −1 + 1

kβγ

1+β 0

cujos autovalores são dados por

k − 2 − β ± i√

4(k − 1)k2βγ − (k − 2 − β)2

2k(1 + β).

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Note que em k = 2 + β ocorre uma bifurcação de Hopf. Se k < 2 + βtemos um equilíbrio estável e quando k > 2 + β temos o equilíbriotorna-se instável e uma órbita periódica estável aparece.

Aqui tomamos k = 5, β = 1, γ = 1.1 e condições iniciais(x0, y0) = (4.5,1.8) e (x0, y0) = (0.9,0.7).

0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0

0.5

1.0

1.5

2.0

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Aqui tomamos k = 2.8, β = 1, γ = 1.1 e condições iniciais(x0, y0) = (4.5,1.8) e (x0, y0) = (0.9,0.7).

0.9 1.0 1.1 1.2 1.3

0.8

0.9

1.0

1.1

1.2

1.3

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