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14 Ementa Esta disciplina é a continuação do módulo Conceitos Bá- sicos em Gerontologia. Fundamentada no campo teórico da Gerontologia, pretende aprofundar a abordagem de cinco tópicos de fundamental relevância para a compreensão e a abordagem do indivíduo que enve- lhece: finitude e morte, violência e maus-tratos ao idoso, cuidado fami- liar, cuidado de longa duração nas instituições e sexualidade. Esta disci- plina pretende oferecer a oportunidade de discussão e aprofundamento nestes tópicos para fundamentar uma visão na qual os idosos possam ser considerados cidadão ativos e participantes. Conteúdo programático e docentes Tanatologia Ligia Py. Psicóloga, coordenadora do Projeto de Va- lorização do Envelhecer – PROVE/ UFRJ, doutora em Psicologia pelo Instituto de Psicologia/ UFRJ. Sexualidade e envelhecimento Ana Cristina Nunes Barbosa. Psi- cóloga, mestre em Sexologia, especialista em Saúde e Envelhecimento e especialista em Sexualidade Humana. Violência contra os idosos Laura Machado. Psicóloga, represen- tante do International Network for the Prevention on Elder Abuse (INPEA) para a América Latina, mestre em Psicologia Clínica PUC/ RJ. Cuidado familiar Célia Pereira Caldas. Enfermeira, professora adjunta da Faculdade de Enfermagem da UERJ, vice-diretora da UnATI, doutora pela UFRJ. MÓDULO TÓPICOS ESPECIAIS EM GERONTOLOGIA Coordenação – Professora Célia Pereira Caldas

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EmentaEsta disciplina é a continuação do módulo Conceitos Bá-

sicos em Gerontologia. Fundamentada no campo teórico da Gerontologia,pretende aprofundar a abordagem de cinco tópicos de fundamentalrelevância para a compreensão e a abordagem do indivíduo que enve-lhece: finitude e morte, violência e maus-tratos ao idoso, cuidado fami-liar, cuidado de longa duração nas instituições e sexualidade. Esta disci-plina pretende oferecer a oportunidade de discussão e aprofundamentonestes tópicos para fundamentar uma visão na qual os idosos possam serconsiderados cidadão ativos e participantes.

Conteúdo programático e docentesTanatologia – Ligia Py. Psicóloga, coordenadora do Projeto de Va-

lorização do Envelhecer – PROVE/ UFRJ, doutora em Psicologia peloInstituto de Psicologia/ UFRJ.

Sexualidade e envelhecimento – Ana Cristina Nunes Barbosa. Psi-cóloga, mestre em Sexologia, especialista em Saúde e Envelhecimento eespecialista em Sexualidade Humana.

Violência contra os idosos – Laura Machado. Psicóloga, represen-tante do International Network for the Prevention on Elder Abuse(INPEA) para a América Latina, mestre em Psicologia Clínica PUC/ RJ.

Cuidado familiar – Célia Pereira Caldas. Enfermeira, professoraadjunta da Faculdade de Enfermagem da UERJ, vice-diretora da UnATI,doutora pela UFRJ.

MÓDULO

TÓPICOS ESPECIAISEM GERONTOLOGIACoordenação – Professora Célia Pereira Caldas

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Instituições de longa permanência – Eliane Brandão Vieira. Psicó-loga, membro do Comitê de Ética em Pesquisa da CGABEG, membrotitulado da SBGG, diretora do NUCLAI Consultoria Gerontológica, mes-tre em Gerontologia PUC/ SP.

Ementas Tanatologia – Ligia Py

Finitude e morte. Tanatologia: condições sociais, conceito, constru-ção epistemológica. Biotecnologia e questões bioéticas. Proposta daPaliação e especificidade da equipe de Saúde. Cena da morte na velhi-ce: o idoso, a família, os profissionais, a instituição. Luto: elaboração doluto e luto antecipatório.

Sexualidade e envelhecimento – Ana Cristina Nunes BarbosaNesta aula, pretende-se abordar as principais mudanças fisiológicas

inerentes ao processo de envelhecimento. Ciclo de resposta sexual eabordagens sobre disfunções sexuais comparativamente às demais faixasetárias. Discussão acerca dos preconceitos. Mitos e crenças errôneas so-bre a sexualidade do idoso. Objetiva-se reconhecer e valorizar a expres-são da sexualidade na terceira idade; distinguir as diferenças na respostasexual do indivíduo na terceira idade em relação aos demais gruposetários; refletir acerca dos preconceitos, crenças e valores em relação àsexualidade do idoso; desenvolver habilidade para abordar empaticamentequestões sobre a sexualidade junto à clientela específica; identificar noplano de diagnóstico as principais disfunções sexuais, com atuação nasmais simples e encaminhamento das mais complexas para profissionaisespecializados.

Violência contra os idosos – Laura MachadoDefinição de violência. Violência social. Violência intrafamiliar.

Violência institucional. Definição de maus-tratos, negligência, abandono.Pesquisas mais recentes. Várias formas de maus-tratos. Indicadores demaus-tratos. Fatores de risco para o idoso. Perfil da vítima. Perfil docuidador. Mortalidade por causas externas. A relação entre o lugar doidoso na sociedade brasileira, a função do idoso na família brasileira emaus-tratos familiares. Família e os cuidadores. Prevenção de violência.Formas de intervenção. Legislação e o Estatuto do Idoso. Modelos deassistência e normatização para instituições de longa permanência. Ser-

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viços de proteção aos idosos e sua eficácia. Capacitação de recursos hu-manos. A educação gerontológica como prevenção de violência.

Cuidado familiar – Célia Pereira CaldasNos últimos 50 anos houve mudança nas expectativas tradicionais

sobre as famílias nas sociedades industrializadas. Nesta aula, pretende-sedemonstrar a grande diversificação das formas familiares, normas e com-portamentos que resultaram em uma heterogeneidade significativa nasituação dos indivíduos idosos dentro das relações familiares; os arranjosfamiliares no Brasil; as necessidades e demandas da família para cuidardo idoso dependente e a abordagem profissional da família com vista aocuidado do idoso.

Instituições de longa permanência – Eliane Brandão VieiraO objetivo desta aula é levar os alunos a rever os paradigmas

institucionais ao se considerar a estrutura social e familiar contemporâ-nea, a demanda espontânea crescente por essa alternativa de assistênciae a necessidade de qualificá-la como equipamento social capaz de aten-der a essa necessidade em todas as suas dimensões.

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No período que se segue à Segunda Guerra Mundial, omundo atravessa uma fase de transformações intensas e atende às novasnecessidades sociais. Evidencia-se o fenômeno do envelhecimento dassociedades industrializadas que prossegue e atinge os países em desen-volvimento. A Gerontologia e a Tanatologia cursam a sua ascensão, em-baladas nesse ritmo. O avanço científico acompanha o progresso da época,inscreve-se e segue nos meandros das mudanças de paradigma que sesucedem, derruba certezas e ilumina incertezas. Nas incertezas que avul-tam, sentimos a perturbação da perplexidade frente ao nosso próprioenvelhecimento e às perspectivas para a nossa morte. E o que será dasgerações futuras?

A Gerontologia e a Tanatologia surgem no cenário das CiênciasHumanas com propriedades muito peculiares e guardam, entre elas,analogias histórico-sociais e epistemológicas. Envelhecimento e morte sãopreocupações que têm a idade da humanidade e permanecematualíssimas, nesta época de exacerbação e propagação da barbárie. Cir-cunstância nossa de cada dia é viver a insegurança a que individualmen-te estamos expostos; é assistir à violência internacionalizada das"megamortes" de populações inteiras. Parece que vivemos sob o jugo deuma campanha macabramente processada para desconsiderar a vidahumana, justamente quando a ciência e as sociedades anunciam alongevidade prolongada (Py, 2004).

No campo epistemológico, Gerontologia e Tanatologia cursam ca-minhos interdisciplinares, ambas se constroem nos cânones das interfacescom outras disciplinas. A interdisciplinaridade é uma exigência da natu-reza do estudo, da pesquisa e da intervenção no processo de envelheci-mento. A ação interdisciplinar descreve duas dimensões: uma

AULA 1

TANATOLOGIALigia Py

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verticalidade, que dinamiza a integração de diversas áreas do conheci-mento, e uma horizontalidade que busca, dentro de uma mesma área,a compreensão do fenômeno em pauta em todas as suas nuanças. Aformação de recursos humanos em Gerontologia – e também emTanatologia – está, necessariamente, fundada na interdisciplinaridade(Jeckel-Neto, 2000).

O termo Tanatologia é definido como um nome compreensivopara designar os esforços realizados para investigar, sistematizar e aplicarconhecimentos de múltiplos campos do saber à morte e ao morrer (Tor-res, 2000). São três os pilares determinantes da construção epistemológicada Tanatologia: a colaboração, a complementação e a revolução. Na co-laboração está a incursão necessária desta ciência no conhecimento dosprogressos teóricos e metodológicos de outras áreas do saber que, evi-dentemente, terão de se abrir ao saber tanatológico, em legítima inter-relação. Na complementação se fundam as bases da diferenciação daTanatologia, que se apresenta como especialidade identificável e dispo-nível para o entendimento com outras áreas, em torno de objetivoscomuns. Na revolução se cria a exigência da crítica ao poder hegemônicoinstituído que, num lugar político conservador, não há como ser reali-zada (Wass e Neimeyer, 1995).

A busca do conhecimento em Tanatologia é engendrada nas pre-ocupações com o avanço vertiginoso da tecnologia biomédica que absor-ve o sonho da imortalidade humana: as curas extraordinárias e o contro-le alongado das doenças fatais são uma outra versão do milagre religioso(Pessini, 2001). No caso do envelhecimento, esta evidência nos instigaquando vemos as dificuldades de decisões no descontrole das interven-ções médicas, numa grande confusão de questões essencialmente exis-tenciais, como a chegada da morte de um ser humano velho e irreme-diavelmente doente.

É aqui que se apresenta a Paliação, uma abordagem interdisciplinarque objetiva o controle adequado dos sintomas presentes no avanço dadoença incurável de uma pessoa que está evoluindo para a morte. Anovidade trazida pelos Cuidados Paliativos provoca uma ruptura quetransforma a prática numa práxis, amplia o horizonte do campo da Saú-de, enfatiza a relação profissional–idoso–familiares e traz, ousadamente,para o centro da atenção, o ser humano na sua integralidade (Morrison& Méier, 2003; Burlá, 2004; Burlá & Py, 2005). Assim, a Paliação, aliadaà Bioética, inaugura uma nova concepção de investigação e intervenção

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que, ao confrontar paradigmas estabelecidos e sacralizados na culturamédica contemporânea, propõe novidades na competência de umaMedicina mais humana (Drane e Pessini, 2005).

Mas, afinal, nada exclui a morte. E o ser humano terá de passarpor um luto pela perda de um dos seus. O luto se constitui num penosoprocesso, implica na necessidade de elaboração psíquica do vínculo afetivocom a pessoa falecida. Os familiares vivem as emoções decorrentes damorte dos seus idosos. Múltiplos sentimentos eclodem no seu mundointerno, articulam conteúdos de medo e ameaça frente à própria morte,exacerbados pela história da relação que estabeleceram com o idoso.Assim, não se trata apenas da amorosidade na iminência da perda deuma pessoa, mas de todos os afetos envolvidos. Por exemplo, o ódio, quepode estar figurado em diversas modalidades, como raiva, revolta, vin-gança. A intervenção visa à livre expressão desses sentimentos, numadinâmica informativo-reflexiva, na qual se ofereça a essas pessoas, tantoinstrumentalização para lidar com o idoso quanto uma compreensão queseja facilitadora de um trabalho psíquico, capaz de conduzi-las a umamudança na significação daquilo que as aflige (Py & Scharfstein, 2001).

A atenção ao luto é, em geral, destinada àqueles que sofrem aperda de alguém. No entanto, há um luto antecipatório para a pessoaque está morrendo, pois ela vive, com intensa angústia, um processo deperdas sucessivas. É preciso atenção aos seus sentimentos de tristeza,hostilidade, raiva, revolta e culpa, pois aí se manifestam aspectos ansiosose depressivos, como dimensões do sofrimento humano ao fim da vida(Torres, 2000). A intervenção, acolhedora e calorosa, contempla umareflexão sobre a sua própria vida e o seu conseqüente desligamento. Éfundamental que se inclua a resolução possível das pendências do idosoao final da vida, para favorecer a ele um caminho de afastamento gra-dual, regido pela realidade da sua morte.

Toda forma de intervenção profissional realizada com o idoso aofim da vida e seus familiares é um produto complexo, resultante darelação profissional–idoso–familiares, para o qual convergem objetivida-des e subjetividades de uma situação de ameaça à vida. A ação de inter-vir é uma forma de compartilhar conhecimento e solidariedade, na buscada qualidade dos cuidados ao fim da vida. Nos estudos de Singer eBowman (2002), encontramos três recomendações básicas para o de-sempenho deste trabalho: a qualidade dos cuidados ao fim da vida é umproblema de Saúde Pública; é necessário promover a capacitação de

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profissionais para desempenharem ações de qualidade nos cuidados aofim da vida; é preciso desenvolver estratégias para a aquisição de conhe-cimento nesta área.

Tratamos, aqui, da natureza humana. Vamos buscar a orientaçãoda lógica dialética, que compreende conteúdos de interação entre ateoria e a prática perpassados pela singularidade do modo peculiar decada profissional administrar os próprios recursos internos que vão com-por a ação de intervir (Bleger, 1980). Por isso, recorremos a Kosik (1976),que nos ensina o processo ontocriativo da práxis fundante das possibili-dades de compreensão do ser humano. Vivemos, então, com o idoso, aontocriatividade da práxis humana: se a determinação da nossa existên-cia acontece em função das elaborações possíveis que fazemos das rea-lidades nas quais nos encontramos, então, nessa relação profissional–idoso, ao provocarmos a transformação do Outro, transformamos a nósmesmos e, nesse mister, construímos juntos um novo modo de compre-ender e de lidar com a realidade do processo saúde–doença, em queambos estamos incluídos.

Neste processo, perdemos os idosos para a morte e ganhamos opor-tunidades inestimáveis de crescimento. Ausente da formação acadêmica,torna-se pertinente uma sistemática de encontro em grupo para os pro-fissionais que se destine não só a atender à aplicação de metodologias deintervenção como a fundamentar a competência técnico-científica numabase ética. A finalidade é a redução das tensões, possibilitada pela iden-tificação dos conflitos, com o objetivo de transformá-los em problemas,para os quais podemos buscar soluções (Bleger, 1980). Assim, nós, pro-fissionais, como seres mortais que também envelhecemos, temos a opor-tunidade de nos pôr a um trabalho psíquico sistemático de luto, em quehaja re-arranjos que nos favoreçam uma outra significação para a existên-cia e para a qualidade dos cuidados que oferecemos aos idosos ao fim davida.

Referências bibliográficas

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conhecimento humano. São Paulo: Loyola, 2005.JECKEL-NETO, E. A. Gerontologia e interdisciplinaridade. In: JECKEL-NETO, E.

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O único ato sexual antinatural é aquele que você não pode executar. Alfred Kinsey

Em recente revisão da literatura, observamos que aindanão se discute o bastante sobre a vida sexual dos adultos mais velhos. Poroutro lado, a velocidade da mudança no mundo, com conquistas signi-ficativas da Medicina, tem exigido maior suporte no que se refere a umsegmento da população que hoje não só sabe que vai viver mais comoquer ter respeitado seus direitos e desejos.

Segundo a World Association Sexuality (WAR), o total desenvolvi-mento da sexualidade é essencial para o bem-estar individual einterpessoal. Os direitos sexuais são direitos humanos universais baseadosna liberdade inerente, dignidade e igualdade para todos os seres huma-nos. Saúde sexual é um direito fundamental, então, saúde sexual deveser um direito humano básico (Weston & Coleman, 2004).

Podemos acrescentar, então, que saúde sexual é o resultado deum ambiente que reconhece, respeita e exercita estes direitos sexuais.É saber que, independentemente da idade, as pessoas têm necessidadesafetivas e sexuais e é necessário que mais trabalhos sejam realizados comesta população. Principalmente para não estranharmos quando estudosdemonstrarem prática sexual entre casais com demência ou Doença deParkinson (Ballard et al., 1997). Nessas observações, a manutenção davida sexual se dá pela presença e interesse dos parceiros. O que seobserva entre os que dizem não praticar sexo é o desconforto pela ima-gem corporal pouco satisfatória ou pelos tremores, de forma que não sesentem dignos da atenção dos parceiros (Beier et al., 2004).

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SEXUALIDADE E ENVELHECIMENTOAna Cristina Nunes Barbosa

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Em vários estudos sobre sexualidade e envelhecimento, percebe-mos que aqueles que ultrapassam as possíveis barreiras relacionadas aoenvelhecimento não o fazem por serem excepcionais ou diferentes. Esim porque foram informados sobre o que de fato poderia acontecer aosseus corpos e receberam maior atenção direcionada para suas dúvidas einseguranças por parte dos profissionais que os assistiam.

A sexualidade é construída pela interação entre o indivíduo e asestruturas sociais. Se estivermos dispostos a trabalhar com esta popula-ção, podemos fazer muito pelo bem-estar no que diz respeito à sua vidasexual. Educar e orientar em cursos e faculdades seria uma iniciativapara que futuras atuações clínicas fossem menos preconceituosas comoainda são atualmente.

Uma anamnese detalhada voltada para os fatores fisiológicos e psi-cológicos é instrumental valioso para avaliação de pacientes mulherescom queixas sexuais. Como na Antigüidade, foram necessários muitosanos e avanços consideráveis na investigação das disfunções sexuais mas-culinas para que os estudiosos e profissionais da área se preocupassemcom a complexidade das queixas femininas. Naquela época, por nãoconhecerem o corpo feminino, os médicos generalizavam a partir dedissecações feitas em macacas ou por meio das informações dadas porparteiras (Rousselle, 1983).

Em relação à sexualidade masculina, quando foi lançado o Viagra(sildenafil), de repente o país foi varrido por evidências de que muitosadultos mais velhos estariam interessados em sexo. A mídia exploroueste fato de forma sensacionalista diante da corrida ao experimentodesta suposta maravilha. Por outro lado, a grande demanda por parte dapopulação idosa encontrou resistência entre os profissionais da área deSaúde quando se manifestava o desejo de fazer uso do medicamento.

A existência de atitudes preconceituosas não é privilégio de umadeterminada área ou cultura. Até mesmo no setor médico, na qual exis-tem centros de treinamentos sobre disfunção sexual, percebe-se estaresistência. Numa clínica de andrologia em Palo Alto, Califórnia, osresidentes recebem treinamentos para tratamento de disfunção sexualcomo parte de seu curso de especialização em envelhecimento. Prestamassistência a pacientes entre 60 e 80 anos com problemas de funçãosexual. Para o coordenador deste programa, esta interação ajuda a mudaros estereótipos negativos sobre o envelhecimento nestes profissionais deSaúde muito mais do que qualquer outra experiência na sua formação.

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"Você muda sua visão sobre a sexualidade de seus clientes, e até mesmode seus parentes, quando ouve uma cliente sua, de 80 anos, exaltandoo quanto aprecia o sexo oral" (Zeiss, 2005).

Entretanto, não é fácil para profissionais de Saúde interessadosneste tema encontrar treinamentos e informações de forma a aprendermais sobre envelhecimento e sexualidade. Destaquem-se iniciativas comoa de Annon (1975), médico que criou o modelo Pilset, segundo o qual,qualquer que seja a especialidade, o profissional poderá prestar ajuda aopaciente desde que esteja disposto a três coisas: a) examinar seus pró-prios sentimentos e reações – não adianta arregalar os olhos ou se mos-trar surpreso com opções sexuais divergentes das suas. Na maioria dasvezes, ouvimos coisas completamente divergentes dos nossos própriosvalores e crenças; b) segundo, aceitar as metas desejadas pelo cliente.Ele é quem vai determinar a seqüência do tratamento; e c) auxiliar osclientes a ajudarem a si próprios.

É importante salientar que o tratamento deve conter uma explo-ração exaustiva da queixa. Pomeroy (1966) coloca de forma interessanteum modelo de anamnese, por ele desenvolvido, no qual se obtém muitomais informações, desde que as perguntas sejam formuladas de formaque permitam que a pessoa se sinta à vontade para falar do seu proble-ma que, para ela, é único e muito complicado e, muitas vezes, semsolução. Por exemplo, em vez de perguntas do tipo: você tem relaçõessexuais, ou você funciona ainda sexualmente bem?, perguntar: qual foia última vez que você teve alguma dificuldade em relação à sua vidasexual? Ou ainda, qual foi a última vez em que você tentou algumaprática sexual, como masturbação, por exemplo, e teve dificuldades? Issopermite que a pessoa se sinta à vontade para falar do que quiser e doque seja complicado para ela expor. Facilitará a expressão e o entendi-mento de sentimentos negativos e a percepção de inadequação relacio-nada aos seus sentimentos.

Uma edição recente da revista Modern Maturity divulgou os resul-tados de um inquérito de âmbito nacional sobre as atitudes e práticassexual dos adultos com mais de 45 anos. Desde Masters e Johnson, comsua complexa análise que precedeu os trabalhos de Kinsey, não tínha-mos acesso a um estudo como este. Realizado pela AARP em 1999 erevisto em 2004, contribuiu significativamente com dados atuais sobre asexualidade desta população. Nas conclusões destes trabalhos (Kinsey,1948; Masters & Johnson, 1981; AARP, 2004), exalta-se a necessidade de

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entender o indivíduo na sua complexidade, fruto do meio social, logo,sujeito aos preconceitos, medos e temores típicos de sua cultura. Portan-to, não bastaria tratar as disfunções em si ou ter total conhecimento dasalterações fisiológicas no envelhecimento. É preciso também consideraros fatores psíquicos e sociais.

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DefiniçãoA maior parte dos autores classifica a violência contra os

idosos em maus-tratos físicos, psicológicos, financeiro, abuso sexual enegligência (INPEA, 1998; WHO, 2001). A negligência pode ser ativa –intencional – ou passiva – sem intencionalidade (Wolf & Pillemer, 1989;Bennett et al., 1997). Os maus-tratos se manifestam em um ou maisníveis, são independentes de raça, gênero ou classe social e ocorrem nosambientes onde se encontram os idosos: em casa, na comunidade, noscentros de convivência, nos centros-dia e nas instituições de longa per-manência. É freqüente a ocorrência de várias formas de maus-tratosconcomitantemente; por exemplo, maus-tratos físicos, psicológicos enegligência.

Perfil da vítima e do agressorUm levantamento dos principais estudos desenvolvidos nos Estados

Unidos sobre abusos contra idosos chegou ao seguinte perfil de vítima:mulher com 75 anos e mais, viúva, fisicamente, emocionalmente oufinanceiramente dependente, na maioria das vezes reside com familia-res, um dos quais é o seu agressor. Os agressores são, em sua maioria, osfilhos, em geral dependentes – muitas vezes financeiramente – da víti-ma, e com problemas mentais ou dependentes de álcool ou drogas, ouambos. No perfil dos agressores também se encontram cônjuges e netosque co-habitam com os avós.

Fatores de risco Ciclos recorrentes de violência familiar – Existem evidências de

que crianças submetidas a maus-tratos por adultos mais velhos podem

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VIOLÊNCIA CONTRA OS IDOSOSLaura Machado

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causar maus-tratos a seus pais ou avós. Dependência física, emocional ou financeira do agressor em re-

lação à vítima. Estresse causado pelo ato de cuidar, o que inclui a falta de supor-

te de serviços comunitários. Problemas de saúde mental do cuidador, associado ou não a

consumo de álcool e drogas; incapacidade funcional do idoso depen-dente, o que aumenta o risco e a vulnerabilidade para maus-tratos enegligência quanto maior for o grau de dependência.

Um mau relacionamento que perdura no tempo entre o idosoe o seu cuidador também pode ser um indicador potencial de maus-tratos, assim como um comportamento violento do idoso pode gerar umcomportamento de maus-tratos no agressor (Bennet et al., 1997).

Indicadores de maus-tratosÉ de fundamental importância estar atento na anamnese a algu-

mas condições que podem ser manifestações de maus-tratos ou negli-gência (Tabela 1).

Tabela 1 Indicadores de maus-tratos

Perda de peso, desnutrição, desidratação, palidez, olheiras.Marcas, hematomas, queimaduras.Lacerações, escaras, feridas.Presença de úlceras de pressão, pouca higiene.Falta ou má conservação de próteses - afastada a hipótese de ausência de condiçãofinanceira.Vestimenta descuidada.Administração incorreta de medicamentos.Acidentes inexplicáveis, lesões recorrentes e inexplicáveis.Não tratamento dos problemas médicos, uso errado da medicação.Demora entre o aparecimento da lesão ou doença e a busca de assistência médica.História do idoso diferente da história do cuidador.

Indicadores no comportamento dos idososPassividade, retraimento, tristeza, desesperança, depressão.Ansiedade, agitação, medo.Medo de falar livremente.

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Violência nas instituições de longa permanênciaA violência institucional pode ser definida quando os níveis de

cuidado estão com padrões abaixo do esperado: falta de privacidade,higiene ruim, cuidado físico e qualidade de vida precários, condições detrabalho ruins, esgotamento dos enfermeiros e auxiliares de Enferma-gem. Deve-se suspeitar de maus-tratos em uma instituição de longa per-manência quando se observa aumento do número de óbitos por mêsnaquela instituição.

Quando um idoso dá entrada na emergência ou é hospitalizadocom sinais de maus-tratos, e se ele é residente em uma instituição delonga permanência, deve-se inicialmente contatar a família e tentar ave-riguar a possibilidade de mudança de instituição ou mesmo a viabilidadede o idoso ir morar com um de seus filhos. Como a maioria dos idososasilados em nosso país não tem família ou foram abandonados por ela,se houver suspeita de maus-tratos, deve-se denunciar à Vigilância Sani-tária para que haja uma fiscalização e, em conjunto, seja avaliada a possi-bilidade de mudança de instituição.

Intervenção e prevenção da violência contra idososA partir do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741, 2003), pelo Artigo

19, passou a ser obrigatória a comunicação de suspeita ou confirmaçãode maus-tratos pelos profissionais de Saúde aos órgãos competentes. Por-tanto, sempre que houver suspeita ou identificação de maus-tratos, bus-que avaliar e discutir uma estratégia de intervenção junto à equipe deSaúde. Muitas vezes, a intervenção mais eficaz é uma avaliação familiarque ofereça orientações em relação aos cuidados, sobretudo em casos dedemência, com vista à resolução de conflitos e de problemas.

Caso persista ou não seja possível uma intervenção direta na fa-mília ou na instituição, denuncie à autoridade policial, ao MinistérioPúblico, ao Conselho Municipal, Estadual ou Nacional do idoso ou aoSOS Idoso mais perto de você. Acompanhe a resolução do caso, poismaus-tratos são uma questão de Saúde Pública, e caso o profissional deSaúde não faça a comunicação, e reiteradamente o idoso sofra de maus-tratos, ele responderá por tal crime.

Por outro lado, considera-se de fundamental importância estimu-lar ações que promovam educação gerontológica para todas as faixas etárias,em todos os níveis – na sociedade, na comunidade e nas famílias –, deforma a se combater a forma de violência mais relatada pelos próprios

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idosos: o preconceito contra a velhice. Só assim será possível construiruma sociedade que respeite e valorize o cidadão idoso e o mantenhalivre de qualquer forma de discriminação, negligência, maus-tratos, ex-ploração e opressão.

Referências bibliográficas

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MÓDULO 14 335

O envelhecimento populacional observado em quase to-dos os países tem determinado transições demográficas que trarão im-pacto na família. Existem três fenômenos que marcam estas modifica-ções. O primeiro é o surgimento da estrutura vertical de família, ou seja,a diminuição do número de filhos por mulher, o que resultou em famí-lias compostas por sucessivas gerações com poucos componentes. O se-gundo fenômeno é o aumento da duração dos papéis e relacionamentosfamiliares, isto é, hoje em dia os pais permanecem cumprindo seuspapéis até muito mais tarde do que em tempos passados, pois os filhosdemoram mais a se tornar independentes. Os avós também assumem opapel de avós por muito mais tempo, por viverem muito mais do que osavós do passado. O terceiro fenômeno, que representa uma importantetransição demográfica, é a diversidade nas estruturas e papéis familiares(Bengtson et al., 1990).

Em relação a esta terceira transição demográfica, destacamos osurgimento de três padrões familiares. O primeiro é o padrão interge-racional de idade condensada, que é o fenômeno das sucessivas geraçõesde mães muito jovens. Este modelo gera uma sobrecarga para as gera-ções mais idosas que, geralmente, se tornam responsáveis pela educaçãode várias gerações entre filhos, netos e bisnetos. O segundo é o interge-racional de espaçamento da idade, que ocorre quando sucessivas gera-ções de mulheres decidem ser mães com mais idade – em torno dos 40anos. O terceiro padrão é o fenômeno crescente de pessoas que decidemnão ter filhos, o que gera um contingente de pessoas que no futuro nãopoderão contar com o cuidado familiar proporcionado pelos filhos.

Temos ainda um quarto padrão composto por uma estruturamatrilinear intergeracional, que é ocorrência de sucessivas gerações de

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CUIDADO FAMILIARCélia Pereira Caldas

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mulheres que criam filhos sem a presença dos pais. E um quinto padrão,com a ocorrência cada vez mais freqüente dos padrastos e madrastas quese tornam parte da família e entram na dinâmica familiar, como idososque precisam de cuidados.

Quanto ao casamento, é importante compreender o impacto doenvelhecimento nos padrões conjugais. De acordo com a maior partedas pesquisas, os casados apresentam maiores níveis de satisfação de vi-ver, de saúde física e mental, mais recursos econômicos, maior integraçãosocial e suporte social, além de apresentarem menores taxas deinstitucionalização. A viuvez traz efeitos negativos para a saúde, mas como tempo este efeito diminui. Os filhos são figuras-chaves nos sistemas desuporte. O apoio dos amigos, dos vizinhos, dos irmãos e de outros paren-tes depende da sociabilidade do viúvo. Os melhores indicadores para umadequado envolvimento social na viuvez são boas condições econômicase de saúde.

Uma proporção desconhecida de idosos solteiros é homossexual –tanto homens quanto mulheres. Esta população é totalmente negligen-ciada pela pesquisa. Para os idosos solteiros, a família original é a prin-cipal fonte de suporte. Geralmente têm relacionamentos mais intensoscom sobrinhos e irmãos.

Quanto à solidariedade intergeracional, observa-se que, com oenvelhecimento familiar, os laços podem ser até mesmo mais fortes porcausa do aumento do tempo compartilhado. Os avós são fonte de recur-sos para a família: sociais, culturais e econômicos. O idoso sem filhos éo que apresenta maior risco de institucionalização. Eles dependem maisdos vínculos com a família de origem.

Bengtson et al. (1990) apresentam cinco tipos de solidariedadeintergeracional. A solidariedade associativa é relativa a atividades comunse encontros entre os membros da família; a solidariedade afetiva é ainteração e afetividade entre os membros; a solidariedade consensual éa ocorrência de conflito, consenso e influência mútua; a solidariedadefuncional consiste nas trocas de assistência e apoio; e a solidariedadenormativa envolve a manutenção das regras familiares e expectativassobre contatos, afeto, consensos e assistência.

Os arranjos familiares são influenciados pelo estado civil, situaçãofinanceira, estado de saúde, tamanho e estrutura familiar, tradições cul-turais, laços de parentesco, valor que se dá a viver independentementeou com a família, disponibilidade de serviços sociais e de apoio, condi-

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ções de moradia e recursos das comunidades. Afetam a satisfação deviver, a saúde, e determinam as chances de institucionalização. São dinâ-micos, mudam ao longo do curso de vida, à medida que precisam seadaptar às circunstâncias (Velkoff, 2001).

Tem sido observado um aumento no número de pessoas mais ve-lhas que vivem sós na maioria dos países desenvolvidos. Tal fato tem sidoatribuído freqüentemente à melhoria dos recursos econômicos da popu-lação mais velha que lhes permitiu assumir a sua preferência por viverindependente.

Johnson (1993) aponta quatro tipos de família: a família funcional;a família potencial; a família como fonte de sentimentos e a famíliaatenuada. A família funcional tem uma estrutura observável e um siste-ma bem definido de status e papéis. As relações familiares são manifes-tas. Geralmente há normas explícitas com respeito a responsabilidadesfamiliares, e é esperado que os interesses familiares sejam colocadosacima de interesses individuais.

Na família potencial, os papéis são definidos de forma flexível elatente. Só são ativados em tempos de necessidade ou para celebraçõesrituais especiais. Quando necessárias, são ativadas as normas de recipro-cidade e sentimentos de ligação que servem para consolidar as ações dosmembros da família.

Quando a família é uma fonte de sentimentos, as funções estãoprincipalmente nos significados que os indivíduos atribuem às relaçõesfamiliares. Neste tipo familiar, não existem funções instrumentais, ospapéis ficaram inativos e a reciprocidade está ausente. Assim, na maiorparte do tempo, a família persiste principalmente nas recordações dosmembros sobreviventes.

A família atenuada existe em casos nos quais os indivíduos sobre-viveram às suas famílias. Estes indivíduos normalmente são solteiros esem filhos. Outros tiveram relações frágeis ou conflituosas com irmãos eoutros membros da família original, assim essas relações se acabaramapós a morte dos pais. Ou seja, não sobraram restos de estrutura familiar,e não há nenhum papel familiar para executar.

O rápido crescimento da proporção de pessoas idosas na popula-ção, a grande carga de doenças crônicas e limitações funcionais, o custoda assistência permanente, a oferta dos serviços necessários para uma popu-lação que envelhece e a falência do sistema previdenciário tornam a famíliaa principal fonte de recursos para o cuidado do idoso dependente.

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Por inexistir um programa de Governo direcionado para a popu-lação idosa dependente, o cuidado tem sido prestado por um sistema desuporte informal, em especial nos países em desenvolvimento. As polí-ticas públicas de vários países, o que inclui o Brasil, reconhecem oficial-mente a contribuição dos cuidadores informais, dos voluntários e dosetor privado para complementar a assistência pública. Com isso, o papelda seguridade social tem sido transferido para as famílias. A seguridadesocial, que objetiva garantir a saúde, a previdência e a assistência social(Constituição de 1988) não tem conseguido cumprir seu papel. Por suavez, a família desse paciente idoso dependente, que recebe os baixosbenefícios previdenciários do paciente, não consegue arcar com os cus-tos do cuidado.

Assim, a questão do financiamento do cuidado comunitário perma-nece um desafio a ser enfrentado. Qual parcela cabe às famílias notratamento do paciente idoso dependente de cuidados? Qual é a parce-la que cabe ao Estado? Para assumir o cuidado do idoso dependente, afamília tem necessidades materiais, de informação e de suporte. Os as-pectos materiais incluem recursos financeiros, questões de moradia, trans-porte e acesso a serviços de Saúde. As necessidades de informação dizemrespeito a como realizar os cuidados, inclusive a adaptação do ambienteao idoso. Em relação ao suporte, existe a necessidade de uma rede decuidados que ligue a família aos serviços de apoio e meios que garantamqualidade de vida para os cuidadores principais.

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340 MÓDULO 14

A questão da institucionalização de idosos continua umassunto delicado – já que sua aceitação como alternativa de assistênciaválida ainda não é um consenso – embora seja indiscutível a demandaespontânea crescente por esse tipo de assistência. Isso leva à necessidadede diferenciarmos o perfil de idosos que têm um envelhecimento bem-sucedido daqueles que apresentam algum tipo de complicação que de-mande atenção profissional especializada. Como esse comprometimentopode se dar em várias dimensões, como a biológica, a física, a funcional,a psicológica, a cognitiva, a emocional, a familiar, a social, a financeira,a cultural e a existencial, as propostas assistenciais devem considerar essavariedade e especificidade. Nesse sentido, a Instituição de Longa Perma-nência (ILP) representa uma das alternativas, para um perfil específicode idosos.

Além das Políticas Nacional e de Saúde do Idoso, que traçam asdiretrizes da assistência em Gerontologia, temos documentos mais espe-cíficos: a Portaria nº 810/GM, de 22 de setembro de 1989, do Ministérioda Saúde, define Normas de Funcionamento de Casas de Repouso, Clí-nicas Geriátricas e Outras Instituições Destinadas ao Atendimento doIdoso; o Manual de Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs),elaborado pela SBGG-SP, propõe critérios e recursos necessários para obom funcionamento institucional; a Resolução nº SS-123, de 27 de se-tembro de 2001, da Secretaria de Saúde de São Paulo, define e classificaModalidades e Formas de Organização da Assistência Institucionalizadano Estado de São Paulo, e temos ainda o Estatuto do Idoso, nos CapítulosVIII e IX – Título II.

Nesses documentos se encontram todas as propostas de regulariza-ção para o setor de Gerontologia Institucional, com critérios, parâmetros

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INSTITUIÇÕES DE LONGA PERMANÊNCIAEliane Brandão Vieira

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e recursos necessários para o bom funcionamento das ILPIs, que devemser atendidos sob pena de fechamento, de acordo com a fiscalização pelaAgência de Vigilância Sanitária. A execução das ações de Vigilância Sa-nitária está incluída dentre os campos de atuação do SUS – Inciso I,alínea A, do Artigo 6º, e integra o Sistema Nacional de Vigilância Sani-tária, definido na Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999, que criou aAgência Nacional de Vigilância Sanitária.

Com o intuito de estreitar e unificar a linguagem, de forma adefinir melhor a missão de cada instituição, propõe-se uma divisão dosdiversos estabelecimentos e suas finalidades, conforme o grau de depen-dência do idoso, como mostra o quadro abaixo.

Quadro 1 Modalidades e formas de organização

Essa diferenciação de modalidades se dá a partir do número deAtividades de Vida Diária (AVDs) comprometidas, o que determina osrecursos necessários à assistência, e da identificação do perfil institucionalcom o do usuário. No entanto, a prática, a rotina e a dinâmicainstitucionais, somadas à variedade de comprometimentos possíveis, emdiferentes dimensões que se superposicionam, constituem-se em fatoscomplicadores na aplicação desses parâmetros.

As tentativas de se criar documentos que permeiem sua prática, jáque ainda não temos um mapeamento, um perfil e diagnóstico sistema-tizados das instituições geriátricas de longa permanência em nosso meio,acabam fornecendo orientações – oriundas de se legislar sobre o desco-nhecido –, baseadas em parâmetros equivocados, muitas vezes incompa-tíveis com a realidade da dinâmica institucional.

Por isso, é fundamental considerar as dimensões conceituais, estru-turais e circunstanciais nas quais as instituições geriátricas estão inseridase entender o seu momento sócio-histórico, já que é esse que redefineas necessidades pessoais e coletivas.

Modalidades Formas de organização

Modalidade I – Idosos dependentes Família natural X AcolhedoraModalidade II – Idosos dependentes e Residência temporáriaindependentes Centro-DiaModalidade III – Idosos totalmente Centro de Convivênciadependentes Casa-Lar

RepúblicaAtendimento integral institucional

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Na análise dos paradigmas institucionais em Gerontologia, não sepode furtar ao fato de que os asilos reproduziam os abusos cometidos emoutras instituições de exclusão social – psiquiátrica e penitenciária –,espaços de cultura manicomial. Se considerarmos a necessidade deestruturação de novos equipamentos sociais que dêem conta das novasnecessidades de uma população que envelhece, parece que a institucio-nalização de idosos caminha na contramão dos paradigmas institucionaisgerais.

Por outro lado, viver em comunidade é a expressão do desejo dese ter uma vida plena, vivida em sua totalidade. Quando limitações físicase clínicas, neurofuncionais ou psico-emocionais, ou ambas, impedemessa vivência, temos cidadãos sem acesso à cidade, e vice-versa, o que levaà dialética da exclusão social versus inclusão perversa. Longe deequacionarmos essa situação, o que se procura hoje parece ser umaforma de relação e de convivência que permita a manutenção do sen-timento de se estar vivendo em comunidade.

Por isso, ao se indicar a instituição de longa permanência comoalternativa de assistência geriátrica, o profissional de Gerontologia deveconsiderar alguns aspectos. Em primeiro lugar, não se pode esquecerque as questões suscitadas na família e na comunidade, em geral, são oque dão origem à procura por esse tipo de assistência.

Portanto, é preciso avaliar e diferenciar demanda de necessidadee como o idoso se coloca diante disso, para que possa haver uma ade-quada oferta de serviço. Ou seja, adequar o que o idoso quer, com o queele precisa e o que a instituição pode oferecer, e assim facilitar o sucessoda indicação, sempre medido pelo nível de adaptação, de bem-estargeral e qualidade de vida do idoso.

Identificar de quem, porque e como surgiu essa demanda é fun-damental no processo de legitimação do processo de institucionalização,que só pode ser dada pelo próprio idoso. O ideal é que todos – família,idoso, instituição – estejam unidos nessa tomada de decisão.

Em situações em que não há qualidade de vida domiciliar é fun-damental analisar o custo e o benefício de mantê-lo em casa. Para isso,elementos como motivação, grau de dependência física ou incapacidadefuncional, de privação social e psicológica, ausência de alternativas deassistência, tornam-se critérios a serem usados na análise.

A prática tem mostrado que quanto maior a compatibilidade entreo perfil da instituição e o do idoso, maior as suas chances de adaptação.

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O objetivo principal é desenvolver um sentimento de identidade local, apartir da comunidade interna. O vínculo do idoso com os segmentossocial e étnico da instituição facilita muito o estabelecimento dessa iden-tidade.

Atentos à constatação da irreversibilidade da posição que as insti-tuições geriátricas assumiram em nosso meio, torna-se urgente e neces-sário discutir mecanismos de gestão de instituições para idosos que conside-rem o perfil, o fluxo, a dinâmica e a adequação das normas estabelecidaspara funcionamento de casas geriátricas, de forma que atentem para arealidade e a sustentabilidade das mesmas.

Portanto, nossa perspectiva é congregar as ações, com vista aomapeamento, perfil e diagnóstico das instituições geriátricas de longapermanência que possam subsidiar a mais adequada definição de indica-dores de qualidade assistencial, num processo de credibilidade institucionalem Gerontologia.

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