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    Estudo do Novo Testamento

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    INTRODUO AOS QUATRO EVANGELHOS

    1. Consideraes preliminares A fonte principal de informaes sobre a vida, a obra e o sofrimento de Jesus Cristo

    so os quatro evangelhos do NT. fcil entender que escritos no recebem o nome de evangelhos automaticamente. Como se chegou a esse nome? O que sobressai quando colocamos os quatro evangelhos lado a lado e os comparamos? O que caracteriza os trs primeiros evangelhos chamados sinpticos?

    Neste captulo tentaremos dar respostas a essas questes fundamentais.

    1.1 Que um evangelho? Como j foi indicado acima, os evangelhos tm importncia fundamental como

    fonte de conhecimento sobre o nascimento, ministrio, morte e ressurreio do nosso Senhor Jesus. O estudioso catlico do NT Alfred Wikenhauser escreve na sua Introduo ao NT: Os evangelhos so os livros mais importantes do NT. A eles devemos quase que exclusivamente tudo que sabemos sobre Jesus Cristo, sobre a sua vida e ministrio, sofrimento e morte.1

    De fato, nos outros escritos do NT descobrimos pouco sobre a vida e o ministrio de Jesus. Paulo interpreta a morte e a ressurreio de Jesus nas suas cartas. Ele transforma em cntico de louvor as suas percepes sobre a humanidade, a vida, a morte na cruz e a exaltao de Jesus em Filipenses 2.6-11. Ele cita as palavras que Jesus pronunciara na instituio da ceia (1Co 11.23-25). Ele faz uma lista das testemunhas que viram o Cristo ressurreto (1Co 15.3-8). Em trs passagens ele se baseia em palavras de Jesus: 1Co 7.10; 1Co 9.14; 1Ts 4.15s. Nas exortaes em questes de tica ele coloca os ensinos e as atitudes de Jesus como modelo (Ef 4.20ss; referncias indiretas podem ser observadas em Rm 12). Em 1Timteo 6.13 mencionado o processo contra Jesus diante de Pilatos. A batalha da orao no Getsmane pode ser vista como pano de fundo do texto de Hebreus 5.7s. Pedro se refere histria da transfigurao em 2Pedro 1.16-18. Finalmente notamos tambm que os sermes evangelsticos de Atos se referem vida, morte e ressurreio de Jesus (At 2.36; 3.12-26; 10.34-43; 13.16-38).

    Mas isso tudo que conseguimos de informaes sobre a vida e o ministrio de Jesus nos outros escritos do NT. fato que a observao de Wikenhauser, quando diz: o que est nos outros livros do NT sobre a vida e o ministrio de Jesus muito escasso2 correta, mas no pode ser absolutizada.

    Existem tambm evangelhos apcrifos, que no foram considerados cannicos pela igreja antiga. Eles contm vrios relatos sobre Jesus. Mas essas informaes s podem ser aceitas como confiveis sob algumas condies. Cada informao contida nesses relatos precisa ser testada luz dos evangelhos cannicos.

    Na literatura profana h indicaes sobre a vida e a morte de Jesus em Tcito e Josefo,3 entre outros.

    1 1. A. Wikenhauser & J. Schmid, Einleitung (Introduo), p. 203.

    2 2. A. Wikenhauser & J. Schmid, Einleitung, p. 203.

    3 3. O. Betz, Jesus Christus, in Das Grosse Bibellexikon, vol. 2, p. 683s.

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    Disso conclumos: o que sabemos sobre Jesus tiramos sobretudo dos quatro evangelhos. O valor deles nesse aspecto incalculvel.

    Que fez com que esses livros to importantes do NT passassem a ser chamados de evangelhos?

    O termo grego euangelion significa no seu contexto original pagamento pela transmisso de uma boa notcia. Disso se desenvolveu, com o passar do tempo, a expresso boa notcia ou notcia de vitria4. Ela significa tambm que o vencedor far as suas exigncias valerem para os cidados.

    Em pouco tempo, no entanto, esse termo assumiu um tom religioso no imprio romano de fala grega por causa do culto a Csar. No imprio romano, o imperador era venerado como salvador (sotr) e at como deus. O anncio de seu nascimento e de sua subida ao trono era considerado euangelion. Esse conceito fica evidenciado pela inscrio no calendrio de Priene do ano 9 a.C.: O nascimento do deus foi para o mundo o incio das novas de alegria, que por causa dele aconteceram5. Chama a nossa ateno o fato de que no s nesse documento, mas tambm freqentemente no contexto extra-bblico se fala das novas de alegria (euangelia), enquanto o NT s usa o termo evangelho no singular.

    A verso grega do AT traduz o termo hebraico besorah por euangelion. O termo derivado da raiz bisar. No sentido profano significa proclamar uma notcia de alegria (2Sm 18.20,25,27; 2Rs 7.9). Quando usado no contexto religioso, o termo significa a salvao vindoura, a poca da salvao que ter incio no fim dos tempos. O mensageiro das novas de alegria anuncia a vinda da salvao e ele mesmo traz o seu incio (Is 52.7-10)6.

    nesse sentido que Jesus se apresentou como o mensageiro da alegria, como mostra a sua pregao na sinagoga de Nazar, sua cidade natal (Lc 4.16-21). Tambm quando responde pergunta bastante crtica de Joo Batista sobre quem ele era, Jesus faz aluses aos sinais dos tempos, ligados poca da salvao, que estavam acontecendo por intermdio dele (Mt 11.5).

    Por isso Paulo compreendeu que Jesus era o contedo do evangelho: a sua vinda, o seu ministrio na terra, o seu sofrimento e morte, e a sua ressurreio (Rm 1.1-9; 15.19; 1Co 9.12,18).

    Segundo ele, evangelho a mensagem salvfica de Jesus Cristo. Evangelho , portanto, mensagem proclamada, um conceito no literrio7, tudo menos um livro.

    Como foi que esse termo passou a denominar um livro? De acordo com as informaes que temos, isso est relacionado ao evangelho de Marcos. O seu escrito comea com as palavras Princpio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus (Mc 1.1). Segue ento a descrio do ministrio pblico de Jesus, a sua morte e a sua ressurreio. Com isso foi introduzido um novo estilo literrio, para o qual no havia paralelo naquela poca.

    Evidentemente o mundo antigo produziu biografias de pessoas importantes. Mas os evangelhos no so descries da vida de Jesus. Eles no mostram interesse pela 4 4. G. Friedrich, in ThWNT, vol. 2, p. 721.

    5 5. W. G. Kmmel, Einleitung, p. 11.

    6 6. A. Wikenhauser & J. Schmid, Einleitung, p. 205.

    7 7. A. Wikenhauser & J. Schmid, Einleitung, p. 205.

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    aparncia externa nem pelo seu desenvolvimento interior ou exterior. Os dados biogrficos so escassos. Os evangelhos no evidenciam os motivos da ao de Jesus. A seqncia cronolgica exata dos fatos no apresentada.

    Em vez disso os evangelhos so proclamao sobre Jesus Cristo em forma escrita no sentido de registrarem os atos e as palavras de Jesus. O objetivo disso despertar e fortalecer a f, como est explicitamente declarado em Joo 20.31.

    Quais so as caractersticas desse novo estilo literrio?8 Esse estilo est intimamente relacionado tradio. Os autores desses livros no so escritores que relatam histrias ou reflexes prprias. Parte deles so testemunhas oculares dos fatos, ou discpulos de testemunhas oculares. Eles esto profundamente ligados tradio apostlica transmitida e preservada pela igreja. Eles juntam o material transmitido e o ordenam, depois o transmitem adiante e tambm passam a fazer parte da tradio. Eles esto comprometidos com as palavras faladas e com os atos de Jesus.

    Os quatro evangelhos nos transmitem o ministrio pblico de Jesus de forma semelhante. O ministrio de Jesus comea com o batismo de Joo Batista e est determinado por seus discursos e atos. No final do ministrio est a histria do sofrimento que se encerra com o relato do encontro com o ressurreto.

    Os quatro evangelhos querem anunciar Jesus Cristo aos seus leitores e fazem isso ao contarem os acontecimentos da vida dele. Eles fazem a continuao daquilo que comeou no dia de Pentecostes em Jerusalm: anunciam os grandes atos de Deus e evidenciam o que isso significa para a vida dos seus leitores. Mas sempre se trata do evangelho nico de Jesus Cristo.

    Da se conclui que a Igreja antiga estava certa ao denominar os evangelhos como Evangelho segundo Marcos, Evangelho segundo Mateus, Evangelho segundo Lucas e Evangelho segundo Joo. O evangelho nico foi recebido por vrias testemunhas que o registraram de forma escrita e o transmitiram adiante.

    Mas por que razes o evangelho foi colocado em forma escrita? Poderamos pensar que a importncia do evangelho em forma escrita cresceu com a

    morte dos apstolos, alguns como mrtires. Mas provvel que j bem antes da morte deles o registro escrito tenha se tornado muito importante. A expanso da igreja crist exigia a transmisso do evangelho por meio de um texto exato e igual para todos os locais em que era pregado.

    O texto era dirigido aos recm-convertidos a Jesus. Eles precisavam saber quem esse Jesus em quem cremos, o que ele disse e o que fez. Tambm no encontro com crticos contemporneos os cristos daquela poca necessitavam de informao confivel sobre a f, e para isso um relato escrito era urgente (cf. Lc 1.1-4). Nas leituras no culto precisavam de lecionrios nos quais estava anotada a leitura para cada domingo. Para confeccion-los, textos escritos eram necessrios.

    Os evangelhos surgiram, portanto, das necessidades prticas da igreja crist emergente que levava a srio e cumpria a sua tarefa missionria e discipuladora. Os evangelhos eram e so at hoje o fundamento da proclamao a respeito de Jesus Cristo.

    8 8. Cf. H. Zimmermann, Neutestamentliche Methodenlehre (Estudo neo-testamentrio dos mtodos) p. 137s.

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    1.2 As caractersticas peculiares dos quatro evangelhos Quem compara os quatro evangelhos do NT percebe logo que os primeiros trs so

    surpreendentemente semelhantes. Por isso so chamados de sinpticos. O quarto evangelho segue o seu prprio estilo de apresentao.

    Os sinpticos e Joo so distintos nos seguintes aspectos:

    No esboo: Os sinpticos tm uma estrutura simples nos seus evangelhos. Aps o batismo de

    Jesusso relatados os fatos ocorridos na Galilia. Depois segue um relato de extenses variadas sobre a viagem de Jesus a Jerusalm. Na terceira parte contado o que se passou em Jerusalm. Essa mesma estrutura pode ser observada, por exemplo, nas seguintes passagens de Marcos: 1.14; 8.27; 10.1,32.

    Em contraposio a isso o evangelho de Joo descreve vrias peregrinaes de Jesus da Galilia a Jerusalm. A razo era, na regra, a comemorao das festividades judaicas de que Jesus participava com os seus discpulos em Jerusalm. Desses dados do evangelho de Joo se consegue calcular o tempo do ministrio pblico de Jesus. Durou em torno de trs anos. A movimentao dele entre a Galilia e Jerusalm pode ser observada nos seguintes textos: Joo 2.1,13; 3.22; 3.2,4-6; 5.1; 6.1; 7.1s,10; 10.40; 11.7,54s; 12.1,12.

    Na forma de ordenao do material: Do que foi descrito acima se conclui que os sinpticos organizaram o seu material

    do ponto de vista geogrfico9, enquanto o evangelho de Joo est construdo sobre uma estrutura biogrfica. Ele quer que os seus leitores acompanhem o ministrio de Jesus na seqncia e no espao de tempo em que os fatos se desenrolaram.

    Na escolha dos temas: Os sinpticos relatam uma quantidade significativa dos atos de Jesus, entre eles

    muitos milagres, principalmente curas. Em contraposio a isso o evangelho de Joo s contm sete relatos sobre atos de Jesus sendo que nenhuma expulso de demnios.

    Trs desses fatos so contados tambm pelos sinpticos: a purificao do templo, a cura do servo de um oficial do rei e a multiplicao dos pes para os 5.000.

    Na apresentao dos adversrios de Jesus: Os sinpticos descrevem os adversrios de Jesus com as suas caractersticas e tarefas

    diferenciadas: fariseus e escribas, saduceus e sacerdotes. Na comparao com isso sobressai o fato de que no evangelho de Joo os oponentes de Jesus so denominados judeus. Se isso quer dizer o povo judeu todo, ou a liderana ou um grupo especfico do povo, s pode ser descoberto pelo contexto.

    Na forma da narrativa: Os evangelhos sinpticos contm muitos relatos breves da vida de Jesus que

    freqentemente culminam com uma declarao marcante de Jesus. Os protagonistas da situao s so apresentados at o ponto em que contribuem para o objetivo da 9 9. Cf. D. A. Carson & D. J. Moo & L. Morris, Introduction, p. 19.

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    declarao do relato. O leitor no descobre nada mais sobre outros aspectos das suas vidas. Em contraposio a isso, o evangelho de Joo traz relatos detalhados de acontecimentos da vida de Jesus, como por exemplo o dilogo com a mulher em Samaria (cap. 4), a cura do cego de nascena (cap. 9) ou a ressurreio de Lzaro (cap. 11).

    Na apresentao dos discursos de Jesus: Os quatro evangelhos contm discursos de Jesus mais ou menos abrangentes. Nos

    sinpticos eles consistem em frases curtas e fceis de serem guardadas. Trata-se na verdade de uma coletnea de declaraes ou citaes dos discursos de Jesus e no de discursos completos. No evangelho de Joo isso diferente. L encontramos discursosque levam reflexo e meditao. O leitor consegue se imaginar na posio do orador. Compare por exemplo Lucas 15.1-7 com Joo 10.

    Nota-se tambm que nos sinpticos o estilo de oratria direto, objetivo e linear, correspondendo assim ao pensamento grego. J nos discursos de Jesus em Joo o desenvolvimento das idias se d em crculos, trabalhando com constantes repeties. Isso no quer dizer que sejam meras repeties. O que acontece que um pensamento repetido em outro nvel para que possa ser melhor interiorizado. Para entender isso melhor preciso pensar em uma espiral. assim que se falava no dia-a-dia no oriente.

    Na autodenominao de Jesus: Quando Jesus fala de si mesmo nos evangelhos sinpticos ele usa um ttulo

    incomum. Ele se denomina bar naschah, ou seja, Filho do Homem, ou Homem. O Filho do Homem o conceito-chave para a compreenso de Jesus nos sinpticos.

    Tambm no evangelho de Joo se fala do Filho do Homem. Mais importantes, no entanto, so as autodenominaes Filho de Deus, ou Filho. O quarto evangelho nos proporciona uma viso especial sobre o relacionamento nico entre Deus e Jesus.

    Quais so as razes para a apresentao to variada da vida e do ministrio de Jesus? Enquanto os sinpticos ordenam todo o material que lhes foi transmitido do ponto

    de vista geogrfico, o quarto evangelista descreve, como testemunha ocular, a caminhada de Jesus nas suas etapas.

    Ao passo que os sinpticos tm pouco interesse por detalhes geogrficos e topogrficos, o quarto evangelista conta os detalhes at ento desconhecidos da vida de Jesus.

    Enquanto os sinpticos querem ressaltar o mximo de declaraes e citaes dos discursos de Jesus, o quarto evangelista sublinha o estilo de oratria de Jesus. Ele quer que os seus leitores tenham condies de vivenciar os discursos de Jesus.

    Enquanto os sinpticos reconhecem como sua tarefa principal fixar e preservar o que aconteceu no passado por meio de Jesus (cf Lc 1.1-4), o quarto evangelista interpreta a vida e as palavras de Jesus do ponto de vista da Pscoa. Repetidas vezes ele ressalta que os discpulos s entenderam o que estava acontecendo aps a ressurreio de Jesus dos mortos.

    errado, no entanto, afirmar que os sinpticos estavam mais preocupados com a histria, enquanto o quarto evangelista anunciava a Jesus e no dava tanta importncia exatido histrica no seu relato. Na verdade o que acontece o contrrio: os sinpticos tambm querem anunciar a Jesus; para isso eles se baseiam na tradio histrica. O quarto evangelho se apresenta como o relato de uma testemunha ocular preocupado at as ltimas mincias com a exatido da transmisso dos fatos. Isso no est em

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    contradio com a proclamao de Jesus como o Filho de Deus. Os quatro evangelhos so endereados a grupos diferentes de leitores. Isso leva a nfases diferenciadas na apresentao de Jesus.

    1.3 O problema sinptico Quando comparamos os primeiros trs evangelhos, constatamos dois aspectos que se

    contrapem: 1) Os sinpticos so semelhantes em longos trechos na estrutura, na seqncia

    daspercopes e tambm na forma do texto grego. 2) Os sinpticos se diferenciam na escolha dos temas, na apresentao do contexto

    da narrativa e freqentemente tambm na forma do texto grego. O problema sinptico o seguinte: como podemos explicar essas constataes com

    base na histria da origem dos evangelhos? Na histria da teologia foram dadas diversas respostas a essa questo. Agostinho

    (354-430) cria que os evangelhos foram escritos na seqncia em que aparecem no NT hoje: Marcos era uma forma resumida de Mateus e Lucas uma forma ampliada de Marcos. Somente na segunda metade do sculo XVIII o problema sinptico passou a receber mais ateno. Os estudiosos chegaram a quatro tentativas de soluo:

    1 A hiptese do protoevangelho Alm de outros estudiosos, Lessing a defendeu em 1776.10 Ele partiu do ponto de

    que no incio da transmisso do evangelho existiu um antigo evangelho aramaico, o evangelho dos Nazarenos. Ele tinha notcia de que Jernimo tinha achado esse evangelho na seita dos Nazarenos no quarto sculo d.C. Fragmentos desse evangelho foram publicados e existem at hoje.11 Provavelmente, no entanto, esse evangelho no seja um texto original, e sim uma retraduo dos evangelhos sinpticos gregos para o aramaico, que surgiu na primeira metade do sculo II.

    Alm disso, um protoevangelho aramaico no resolveria o problema sinptico, pois a semelhana literal do texto grego permaneceria. Seria necessrio supor tambm que tinha sido feita uma traduo uniforme do grego sobre a qual os sinpticos se basearam.

    Com essas falhas, a soluo de Lessing no conseguiu se impor.

    2 A hiptese dos fragmentos De acordo com essa sugesto, os evangelhos sinpticos so constitudos de inmeros

    pequenos fragmentos que foram registrados pelos apstolos e seus ouvintes. Nisso teriam imitado os alunos dos rabinos judaicos que tambm anotavam os ensinos e atos dos seus mestres. Teria havido um interesse muito grande por esses registros, por isso teriam sido traduzidos para o grego rapidamente. Os sinpticos teriam ento colecionado esses fragmentos (do grego diegesis = relato, narrativa) e incorporado aos

    10 10. G. E. Lessing, Neue Hypothese ber die Evangelisten als bloss menschliche Geschichtsschreiber betrachtet (Nova hiptese sobre os evangelistas como escritores meramente humanos), 1784.

    11 11. Cf. E. Hennecke & W. Schneemelcher, Neutestamentliche Apokryphen, vol. 1, p. 75ss, 90ss.

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    seus evangelhos. O evangelho de Lucas tem a referncia a esses relatos no seu incio (Lc 1.1-4).

    Essa proposta de soluo foi defendida primeiramente por Schleiermacher em 1817 e complementada em 1832 pela suposio de que no evangelho de Mateus teria sido elaborada uma coletnea de orculos de Jesus.12

    A hiptese dos fragmentos tem muitos argumentos a seu favor, principalmente o incio do evangelho de Lucas. Aceitando como pressuposto a traduo dos fragmentos para o grego, ela explicaria inclusive a semelhana literal dos evangelhos sinpticos. Ela deixa de explicar, no entanto, a semelhana da estrutura e da seqncia das percopes nos sinpticos. Por isso os estudiosos do NT no se satisfizeram com essa proposta.

    3 A hiptese da tradio Essa proposta foi defendida em 1796/97 por Johann Gottfried Herder em conjunto

    com a sugesto de Lessing.13 Se Lessing pressupunha um protoevangelho aramaico, Herder partia de um protoevangelho oral. Essa observao importante at hoje: no incio datransmisso do evangelho existiu presumivelmente a transmisso oral das palavras e dos atos de Jesus. Mas visto que essa transmisso oral provavelmente aconteceu na lngua aramaica, a proposta no explica a semelhana na estrutura e na seqncia e nem a semelhana literal do texto grego.

    Portanto, no possvel resolver o problema sinptico dessa forma.

    4 As hipteses da utilizao (da dependncia literria) Enquanto as trs propostas estudadas acima tentam trabalhar sem a dependncia

    literria entre os trs primeiros evangelhos, as hipteses da utilizao colocam a dependncia como condio.

    J citamos Agostinho e a sua soluo que encontrou adeptos at no sculo XX (entre eles Theodor Zahn e, com restries, Adolf Schlatter14). Ele parte do princpio de que os evangelhos surgiram na seqncia em que esto no NT hoje. Assim, o evangelho de Mateus o mais antigo, o evangelho de Marcos um extrato de Mateus, e Lucas se baseia nos dois.

    Griesbach defendeu uma outra dependncia. Ele tambm considera o evangelho de Mateus o mais antigo. O evangelho de Lucas dependeria de Mateus e o evangelho de Marcos seria um breve resumo dos outros dois. Essa hiptese no encontrou muitos simpatizantes por estar baseada em nmero excessivo de suposies.

    A hiptese que se imps foi a que Lachmann desenvolveu em 1835. Ele considerava o evangelho de Marcos o mais antigo. Os outros dois teriam se baseado, independentemente um do outro, em Marcos. Lachmann fundamentou a sua soluo do problema sinptico no fato de que Mateus e Lucas s concordam entre si na seqncia

    12 12. F. Schleiermacher, ber die Zeugnisse des Papias von unseren ersten beiden Evangelien, TSK 5, 1832, p. 335-368.

    13 13. J. G. Herder, Von der Regel der Zusammenstimmung unserer Evangelien (Das regras da harmonia dos nossos evangelhos), 1797.

    14 14. A. Schlatter acreditava ter havido um extrato aramaico anterior ao Evangelho de Mateus como fundamento para os sinpticos.

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    das percopes quando tm a mesma seqncia de Marcos. No restante eles ordenam o seu material de forma totalmente autnoma.

    A hiptese de Lachmann foi complementada por H. J. Holtzmann, que descobriu, ao comparar Mateus e Lucas, que estes dois evangelhos so caracterizados por uma semelhana quase literal nos textos que tm a mais do que Marcos, diferenciando-se, no entanto, na seqncia dos textos apresentados. Disso ele concluiu que Mateus e Lucas se basearam num texto grego comum. Ele chamou esse texto de fonte dos discursos, pois consiste em grande parte de discursos ou ditos, de Jesus. Hoje o texto chamado tambm de documento dos logia, ou simplesmente, o documento Q (de Quelle = fonte em alemo).

    Com isso estava formada a teoria das duas fontes, que diz que os evangelhos sinpticos se baseiam em duas fontes: no evangelho de Marcos e no documento Q. Visto que as concluses faziam sentido e a hiptese era fcil de se aplicar, ela se tornou a proposta predominante para a soluo do problema sinptico at os dias de hoje. Recentemente, no entanto, tem surgido novamente a pergunta, se essa hiptese realmente a mais adequada para o problema. Por essa razo apresentaremos nos prximos pargrafos os detalhes dos argumentos que apiam essa teoria. Em seguida sero citadas as crticas e as possveis alternativas.

    1.4 A teoria das duas fontes Essa proposta se baseia em duas colunas: Marcos a base para Mateus e Lucas

    (Marcos foi o primeiro) e Mateus e Lucas fizeram uso do documento dos discursos (Q) e oincorporaram no seu evangelho. Alm disso, os sinpticos ainda usaram outras fontes para o material exclusivo que apresentam.

    Em favor de Marcos como o texto primitivo existem os seguintes argumentos: 1) Marcos o mais curto dos primeiros trs evangelhos. Por causa do enorme

    respeito que existia na igreja primitiva pelo santo texto dos evangelhos, mais provvel que tenha havido uma expanso do que um resumo do texto. Por isso o texto mais curto o mais antigo.

    2) Mateus e Lucas s se assemelham na estrutura, no contedo, na seqncia e na formulao do texto naquelas passagens bsicas em que so paralelos a Marcos. Como exemplo disso servem os captulos 4 e 5 de Marcos com os seus paralelos com os outros dois evangelhos.

    3) Marcos apresenta pouco material que aparece somente no seu evangelho. O texto exclusivo de Mateus e Lucas se extende por vrios captulos.

    4) Parece que, em comparao com Marcos, partes de Mateus e Lucas apresentam correes lingsticas e de contedo. s vezes Mateus e Lucas concordam nessas correes, s vezes no.

    Alguns exemplos de correes lingsticas: Marcos 2.4ss; 2.7 e paralelos. Exemplos de correo do contedo: Marcos 6.14 e Mateus 14.1; Marcos 2.15 e Lucas 5.29.

    As concluses dessas observaes so: Mateus e Lucas conheciam o evangelho de Marcos e se basearam nele. Portanto, Marcos deve ser o evangelho mais antigo. Talvez tenha havido um Marcos-primitivo, no qual Lucas se baseou. Isso explicaria algumas diferenas entre Mateus e Lucas.

    A favor do documento Q existem os seguintes argumentos: 1) Mateus e Lucas concordam em parte literalmente at nos textos que os dois

    tm a mais do que Marcos. Isso nos leva concluso de uma dependncia literria na formulao do texto grego. Como exemplo compare Mateus 3.7-10 e Lucas 3.7-9.

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    2) Nos textos que Mateus e Lucas tm a mais do que Marcos no h s discursos de Jesus. H tambm relatos dos atos de Jesus. Nesse aspecto, a designao fonte dos discursos enganosa.

    Exemplos: Mateus 4 comparado com Lucas 4; Mateus 8.5-13 e paralelos, 18-22 e paralelos; Mateus 11.1-19 e paralelos.

    3) Nos relatos do sofrimento no possvel descobrir esses trechos. Aqui cada evangelista segue a sua prpria linha.

    4) Mateus e Lucas organizam o material de formas diferentes: Mateus apresenta os discursos em vrios agrupamentos (Mt 57; 10; 13; 18; 24-25) e Lucas em dois blocos (6.208.3; 9.5118.14). Isso mostra que os dois evangelhos no so completamente dependentes entre si, mas que se basearam em uma fonte textual comum.

    Vamos resumir as concluses sobre o documento dos discursos: Provavelmente existiu uma verso dos discursos e dos atos de Jesus na lngua grega,

    que Mateus e Lucas conheceram e usaram. Essa fonte se perdeu. Ela se tornou conhecida como o documento dos discursos. Como ele era em detalhes no sabemos. Conclui-se disso que os trechos de Mateus e Lucas em que eles se assemelham fortemente pertenciam a esse documento, enquanto Marcos no incorporou no seu evangelho essa tradio.

    O documento dos discursos , portanto, uma reconstruo literria baseada nosevangelhos que conhecemos. No est comprovado como fonte documental.

    Para complementar a teoria das duas fontes ainda necessrio um comentrio sobre o material exclusivo que pode ser achado somente em Mateus ou somente em Lucas. J no possvel saber se os autores dispunham de uma transmisso oral ou escrita desse material exclusivo. Mais frutfera a reflexo sobre as nfases teolgicas dos textos exclusivos de cada um, pois esses textos nos do indicaes da mensagem que cada evangelista queria transmitir.

    Seguindo a teoria das duas fontes, temos a seguinte figura para ilustrar a dependncia entre os trs primeiros evangelhos:

    1.5 Crticas e alternativas teoria das duas fontes Aps a sua formulao por H. J. Holtzmann em 1863, a teoria das duas fontes

    alcanou uma predominncia rara na histria da exegese, pelo menos no campo protestante da interpretao dos evangelhos. Segundo R. Riesner,15 a igreja catlica foi a que por mais tempo se ops a essa teoria. Ainda em 1912 um decreto da comisso bblica papal declarou que a teoria no tinha o apoio do testemunho da tradio e nem de argumentos histricos16. Mesmo que oficialmente esse decreto no tenha sido revogado, aps a segunda guerra mundial os estudiosos catlicos do NT adotaram a teoria das duas fontes sem restries.

    R. Riesner diz: Em 1960 parece ter vindo a vitria final. O trabalho crtico sobre as fontes dos sinpticos chegou ao seu final com a teoria das duas fontes anunciou P. Vielhauer. E na Einleitung in das Neue Testament (Introduo ao NT) de W. Marxsen lemos: A expresso teoria das duas fontes se afirmou to fortemente na pesquisa que somos tentados a abandonar o termo teoria ( no sentido de hiptese). Pois, de fato, 15 15. Wie sicher ist die Zwei-Quellen-Theorie?, (Que certeza h na teoria das duas fontes?) Theolbeitr. 2/77 (abreviado a seguir: R. Riesner, ZQT), p. 51.

    16 16. R. Riesner, ZQT, p. 51.

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    podemos consider-la uma soluo segura e definitiva . Todo estudante de teologia estuda essa concluso como segura e definitiva no seminrio. Questionamentos e discusses sobre alternativas so perda de tempo. At o padre que prepara exegeticamente um texto sinptico para a pregao conta com essa soluo segura e definitiva.17

    Ser que uma teoria que conquistou a confiana to grande dos estudiosos pode ser questionada seriamente? R. Riesner admite que sim ao entrar na discusso das crticas que foram levantadas a partir da metade dos anos 60.18 No possvel fazer o detalhamento dessas crticas aqui. Vamos apresentar apenas as linhas gerais dessa posio para podermos entender as crticas levantadas.

    Pesquisas matemtico-estatsticas feitas sobre o problema sinptico levaram a concluses que esto questionando a teoria das duas fontes como nica soluo possvel para o problema. Os estudiosos B. de Solages e R. Morgenthaler provaram que possvel imaginar uma dinmica de uso e dependncia entre os sinpticos bastante variada. Disso faz parte a soluo que coloca Marcos como o mais antigo, mas apenas como uma soluo entre muitas outras.19 O matemtico francs L. Frey examinou a seqncia das percopes, das frases e das palavras dos evangelhos sinpticos com mtodos de eficincia comprovada em outros campos da cincia e concluiu que no possvel demonstrar a dependncia direta entre os sinpticos. Melhor seria explicar a semelhana entre os sinpticos pelo fato de terem se baseado em uma variedade de fontes pr-sinpticas (cf. Lc 1.1-4).20

    O argumento principal de Lachmann a favor de Marcos como o evangelho primitivo o fato de que Mateus e Lucas concordam na seqncia das percopes e da formulao das palavras naqueles textos em que so paralelos a Marcos discutido e questionado por vrios estudiosos. Eles explicam esse fenmeno com outros aspectos da teoria da utilizao:

    R. Riesner cita ainda alguns critrios de pesquisa que podem ser aplicados teoria de Marcos como o evangelho primitivo. Se for demonstrado que ela no pode ser sustentada, uma coluna da teoria das duas fontes cairia, e com isso a teoria toda. Os seguintes critrios entram em discusso:

    A teoria de Marcos como mais antigo questionvel se: textos em Mateus e Lucas que diferem de Marcos no puderem ser explicados

    satisfatoriamente; no contraste com Marcos, Mateus e Lucas soarem muito semticos na sua

    linguagem e mostrarem deterioraes no estilo; as diferenas de Mateus e Lucas com a verso de Marcos puderem ser entendidas

    como mais prximas da tradio oral; Marcos for menos judeu do que Mateus e Lucas; diferenas entre os sinpticos puderem ser explicadas como variantes de traduo

    do aramaico; 17 17. R. Riesner, ZQT, p. 51.

    18 18. R. Riesner, ZQT, p. 53-55.

    19 19. R. Riesner, ZQT, p. 55. Cf. tambm E. Linnemann, Gibt es ein synoptisches Problem? (Existe um problema sinptico?), Stuttgart, 1992.

    20 20. R. Riesner, ZQT, p. 56.

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    Mateus e Lucas concordarem em oposio a Marcos (os chamados minor agreements, concordncias menores).

    Aps aplicar esses critrios a diversos textos sinpticos, R. Riesner chega seguinte concluso: A teoria das duas fontes tem a grande vantagem de simplificar consideravelmente o problema das fontes dos sinpticos e tambm de ser uma teoria facilmente aplicvel. Talvez aqui esteja um grande motivo para a popularidade da teoria. Na minha opinio, a teoria das duas fontes traz mais dvidas do que respostas. Para maior clareza, deveramos falar de uma hiptese das duas fontes. A procura por solues que venham de encontro diversidade de questes apresentadas pelo problema sinptico ainda no chegou ao fim.22

    R. Riesner no o nico que tem essa viso crtica da teoria das duas fontes, o que fica evidente nas observaes de K. Haacker:

    A teoria das duas fontes convence pela sua simplicidade. Mas isso no argumentohistrico, e sim um convite para o comodismo. Ningum pode dizer a priori que os procedimentos na origem dos evangelhos devem ter sido simples, pois no conhecemos processos literrios comparveis sobre os quais tenhamos melhores informaes. Ao contrrio, Lucas diz na introduo do seu evangelho ter conhecido e usado mais do que duas fontes. O problema sinptico , portanto, parecido com uma equao de um nmero desconhecido de variveis. No aconselhvel inventar, a esmo, ferramentas hipotticas de auxlio para a soluo do problema. Tambm no deveramos ignorar a possibilidade da existncia de outras fontes desaparecidas.23

    Ser que aps essas observaes o leitor dos evangelhos sinpticos ter de ficar sem respostas sobre a histria da sua origem? Ser que os elementos que temos no NT, unidos s informaes que temos da igreja antiga, no podem nos conduzir a concluses mais convincentes do que as apresentadas para a teoria das duas fontes? Talvez a hiptese dos fragmentos (diegesis) no deveria ter sido abandonada to rapidamente. Seja como for, no final do sculo passado o estudioso do NT Frdric Godet apresentou uma alternativa para a teoria das duas fontes que merece reflexo.24

    Em relao ao problema sinptico ele se pronunciou no compndio Bibelstudien (Hannover, 1878) e na sua Einleitung in das NT. O comentrio sobre Lucas tambm mostra a sua posio sobre o assunto.

    Ponto de partida para as reflexes de Godet o contedo dos sinpticos, que ele tenta aceitar sem opinies pr-concebidas. Para interpretar e explicar esse contedo, Godet faz uso das informaes sobre o ensino e a pregao da igreja primitiva em Atos. Em contraste com muitos outros autores, ele tem grande respeito tambm pelas 22 22. R. Riesner, ZQT, p. 72.

    23 23. K. Haacker, Neutestamentliche Wissenschaft (Cincia do Novo Testamento), 2 ed. 1985, p. 47.

    24 24. Frdric Godet viveu confortavelmente de 1812-1900 na sua cidade natal de Neuchtel/Sua. De 1832-1836 estudou em Berlim e se tornou educador do jovem prncipe Frederico da Prssia em 1844. Depois voltou para a sua cidade e se tornou pastor, fundou juntamente com alguns outros a Academia de Neuchtel e ensinou nessa escola de 1866 at 1887. A sua Introduo ao NT e os seus comentrios sobre Lucas, Joo, Romanos e 1 Corntios alcanaram boa reputao entre os leitores de lngua alem e francesa.

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    informaes da igreja dos primeiros sculos sobre a autoria dos trs primeiros evangelhos. A posio de Godet em relao ao problema sinptico caracterizada pela grande confiana na confiabilidade da verso sinptica e por uma desconfiana profunda nas reconstrues da teoria das duas fontes por causa das contradies no resolvidas associadas a ela.

    Com base nisso, Godet chegou s seguintes concluses: Desde o incio existiu uma tradio apostlica das palavras e dos atos de Jesus. O

    ensino apostlico citado em Atos 2.42 no era afirmao teolgica sobre Jesus Cristo, tendo em vista a simplicidade dos apstolos. Essa tarefa ficou reservada principalmente para Paulo. No incio, verdade, o ensino apostlico era predominantemente transmisso das palavras e atos de Jesus. Pois esse era o critrio para a escolha de um apstolo: ele deveria ser testemunha ocular dos fatos da vida de Jesus (At 1.21).

    Com isso Godet acredita que, j no incio da histria do cristianismo, os relatos das testemunhas oculares da igreja primitiva se desenvolveram e foram colocados em forma escrita.25

    Pelo fato de se falar aramaico e grego na igreja primitiva (veja o conflito em At 6), era necessrio que j no incio os relatos das testemunhas oculares fossem traduzidos para o grego. Provavelmente existiu algo como a traduo grega autorizada da verso apostlica.

    Godet reconhece em Mateus e Pedro os apstolos transmissores dessa verso. Os pontos principais da verso formada por Pedro seriam os atos de Jesus na Galilia e em Jerusalm. Com isso teria surgido a verso de Jerusalm na qual no s percopes isoladas teriam se firmado, como tambm unidades de texto gregas mais extensas. Pedro teria transmitido essa forma bsica da verso de Jerusalm nas suas viagens, e complementado com experincias pessoais da convivncia com Jesus. Segundo as informaes da igreja antiga, Joo Marcos o teria acompanhado nas viagens como intrprete. O evangelho de Marcos teria surgido com base nessas viagens e estaria baseado, por um lado, na tradio de Jerusalm, e por outro, nos acrscimos das experincias pessoais de Pedro. Godet, com isso, adota a informao transmitida por Papias sobre a origem do evangelho de Marcos.

    A nfase da verso transmitida por Mateus estariam nos ditos e discursos de Jesus (logia). Nesse sentido ele aceita a informao de Papias sobre Mateus. A forma bsica dessa verso teria sido escrita em aramaico, pois essa era a lngua que Jesus falava. Pelo fato de a igreja primitiva falar duas lnguas, Mateus teria preparado uma traduo grega, que, segundo Godet, seria claramente perceptvel nos discursos do evangelho de Mateus.

    Essas verses dos apstolos Mateus e Pedro teriam sido registradas por muitos em aramaico e em grego. Dessa forma tambm teriam surgido agrupamentos mais extensos de percopes.26 Essas verses teriam formado a base da proclamao no cristianismo 25 25. Cf. B. Gerhardsson, Die Anfnge der Evangelientradition (Os incios da tradio dos evangelhos), Wuppertal, 1977.

    26 26. Cf. D. A. Carson & D. J. Moo & L. Morris, Introduction, p. 24: provvel que grande parte do material dos evangelhos mais do que os crticos da forma gostariam de admitir j tenha existido de forma escrita no incio da igreja. E provvel, tambm, que grande parte do restante j tenha sido agrupado em unidades de texto maiores.

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    primitivo, como Lucas 1.1-4 claramente indica. Em outras palavras: no princpio da Igreja de Jesus Cristo existiam os fragmentos (diegesis), que foram editados pela igreja de Jerusalm at o ano de 50 d.C. Formavam o fundamento de ensino do cristianismo primitivo. Era de se esperar que tambm enfatizassem os escritos que chamamos de evangelhos.

    No sentido acima, os fragmentos tiveram influncia sobre os escritos de Marcos, pois este evangelista adotou a verso transmitida e ampliada por Pedro com as suas experincias pessoais.

    O evangelho segundo Mateus recebeu o seu nome do fato de ter incorporado, alm da tradio dos fragmentos de Jerusalm, as palavras de Jesus transmitidas pelo apstolo Mateus. No sabemos quem o autor desse evangelho to abrangente. Ele provavelmente vem do meio judaico, pois tenta demonstrar que a histria de Israel se cumpre na vida, sofrimento, morte e ressurreio de Jesus.

    O evangelho de Lucas est baseado em um discpulo de Paulo, de quem ele aprendeu o significado do evangelho para os gentios. Ele est fascinado por esse evangelho. Ele conhece a grande variedade das verses escritas da vida de Jesus, faz uma avaliao delas, aprofunda-se nas pesquisas, descobre fatos novos, que no tinham sido divulgados at ento e coloca tudo numa redao prpria, em que o evangelho para os gentios define o objetivo teolgico do seu escrito (Lc 1.1-4).

    Godet acredita que os trs evangelhos surgiram na mesma poca em trs lugares diferentes e de forma independente um do outro: Marcos em Roma (64), Mateus no oriente (66) e Lucas na Sria (66). At que ponto possvel comprovar essa suposio ser discutido nos captulos seguintes, em que trataremos cada evangelho separadamente.

    No final da sua proposta. Godet deixa transparecer o que o orientou na busca por uma alternativa teoria das duas fontes. a questo da confiabilidade dos evangelhos. Na sua opinio, ela questionada pela hiptese da utilizao (dependncia literria). evidente que dessa perspectiva, apstolos ou discpulos de apstolos no so levados a srio como portadores de informaes ou mesmo como autores dos evangelhos. Para reforar essa posio, vemos em muitas introdues, a pergunta: Como o apstolo Mateus iria buscar e depender de informaes do discpulo de apstolo Joo Marcos? Baseado ainda em outros argumentos, esse questionamento tem o resultado de pr em dvida a autoriade Mateus para o primeiro evangelho, o que contraria a posio da igreja antiga. Com isso a confiana de muitas pessoas nos evangelhos certamente foi abalada.

    Se, no entanto, conseguimos provar que por trs dos evangelhos est a verso dos apstolos, fortaleceremos a confiabilidade dos contedos a ns transmitidos. Tambm ser mais fcil entender porque a concordncia em todos os detalhes no era possvel nem necessria. Com isso, os evangelhos ganham o carter de relatos de testemunhas que, exatamente pela sua diversidade, se tornam tanto mais confiveis.

    O estudante do NT que est convencido da veracidade e da confiabilidade da transmisso bblica dos fatos, saber avaliar a proposta de Godet e usar as sugestes para a soluo do problema sinptico como estmulo para a reflexo mais profunda sobre o assunto. Isso porque as incertezas quanto teoria das duas fontes so evidentes e necessrio buscar solues alternativas. preciso estar aberto para a possibilidade de uma forma modificada da hiptese dos fragmentos ser demonstrada como o modelo mais convincente de soluo do problema sinptico.

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    O EVANGELHO SEGUNDO MARCOS

    1. Contedo O evangelho segundo Marcos retrata o tempo do ministrio pblico de Jesus.

    Comea com a apresentao de Joo Batista e o batismo de Jesus por Joo. Termina com o sofrimento de Jesus e com os relatos dos encontros com o Cristo ressurreto. A nfase dessa narrativa est nos atos de Jesus. Eles so apresentados em relatos breves e nos do uma viso ntida dos milagres de Jesus, dos seus efeitos sobre os habitantes da Palestina e das discusses de Jesus com os lderes dos judeus. evidente que Marcos tambm relata palavras e discursos de Jesus, mas, se contrastados com os seus atos, esto em segundo plano.

    Como j foi mencionado, o evangelho segundo Marcos o mais breve dos sinpticos. Desta forma se coloca como base para a pesquisa bblica sobre os sinpticos. Quase todo o seu contedo est tambm em Mateus e em Lucas.

    Isso no caracteriza, no entanto, a dependncia literria entre os outros dois evangelhos sinpticos e Marcos. As razes desse questionamento j foram citadas no captulo anterior.

    Colocamos Marcos antes dos outros dois sinpticos apenas por razes de mtodo, para facilitar a aprendizagem do conhecimento bblico.

    2. Diviso, versculos-chave, afirmaes-chave CAPTULO PERCOPES VERSCULOS-CHAVE

    I) 1.1-13 Introduo 1.1-8 Joo Batista 1.9-11 O batismo de Jesus 1.11 1.12-13 A tentao de Jesus II) 1.14

    8.26 Jesus na Galilia

    1.14-20 O chamado dos discpulos 1.15-17 1.21-39 Jesus em Cafarnaum 2.13-17 O chamado de Levi 2.17 2.18-22 O jejum 2.23-28 Colhendo espigas no sbado 2.27s 3.13-19 Os doze apstolos 3.22-30 A blasfmia contra o Esprito

    Santo

    3.31-35 Os verdadeiros parentes de Jesus

    3.35

    4.1-20 A parbola dos quatro tipos de solo

    5.1-20 A libertao do gadareno 6.1-6 Jesus desprezado em

    Nazar

    6.7-13 O envio dos doze 6.14-29 O fim de Joo Batista

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    6.30-44 A multiplicao dos pes para 5.000 pessoas

    7.1-23 O que puro e o que impuro

    7.20

    8.10-13 Os judeus pedem um sinal 8.14-21 Exortao aos discpulos III) 8.27

    10.52 Preparo para o sofrimento

    8.27-30 A confisso de Pedro em Cesaria de Filipe

    8.31-33 1 anunciao do sofrimento 8.34-38 Quem quiser me seguir 8.34b-36,38 9.2-13 A transfigurao de Jesus 9.31-32 2 anunciao do sofrimento 9.33-41 Briga por posio entre os

    discpulos

    10.13-16 Jesus abenoa as crianas 10.14s 10.17-27 O jovem rico 10.25,27 10.33-34 3 anunciao do sofrimento 10.35-45 O pedido dos filhos de

    Zebedeu 10.45

    IV) 11-12 Jesus em Jerusalm 11.1-11 Entrada em Jerusalm 11.12-26 A figueira 11.15-19 A purificao do templo 12.1-12 A parbola do vinicultor 12.13-17 Relao com o estado 12.17 12.28-34 O maior mandamento 12.19-31 V) 13 O discurso apocalptico 13.30-32

    VI) 14-16 Sofrimento e ressurreio de Jesus

    14.3-9 Jesus ungido 14.10-11 Jesus trado 14.12-26 Instituio da ceia 14.22-25 14.32-34 A batalha em orao no

    Getsmane 14.36

    14.53-65 Interrogatrio diante do sindrio

    14.61s

    14.66-72 Pedro nega a Jesus 15.1-19 Processo diante de Pilatos 15.20-41 Crucificao e morte 16.1-8 A ressurreio de Jesus 16.9-20 Encontros com o ressurreto 16.15s

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    Essa forma de esboar as percopes de Marcos no pretende ser completa. So citados somente os trechos mais relevantes para a sntese desse evangelho, e que devem, portanto, ser aprendidos. Isso no dispensa a leitura cuidadosa do prprio evangelho. Pelo contrrio, ser um desafio para tal. Afirmaes-chave Jesus disse: O tempo est cumprido e o reino de Deus est prximo; arrependei-vos e crede no evangelho. Marcos 1.15 Pois o prprio Filho do homem no veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos. Marcos 10.45 O sumo sacerdote lhe disse: s tu o Cristo, o Filho do Deus Bendito? Jesus respondeu: Eu sou, e vereis o Filho do homem assentado direita do Todo-poderoso e vindo com as nuvens do cu. Marcos 14.61b-62

    3. Gnero literrio O evangelho de Marcos considerado por muitos o evangelho mais antigo. Isso

    poderia levar concluso de que em Marcos o leitor est mais prximo dos fatos da vida de Jesus, o que no o caso. O autor fez uma seleo de relatos sobre atos e discursos de Jesus e os redigiu de forma aparentemente desconexa. Podemos observar essa caracterstica na maneira com que ele liga os textos, ou seja, por meio de conectivos como e, novamente ou de l. No possvel reconhecer um cronograma exato dos atos de Jesus nesse evangelho, ao contrrio do que temos em Joo.1

    Percebemos tambm que a estrutura do evangelho no leva em conta a seqncia cronolgica dos fatos, pois a tradio sobre a vida de Jesus organizada de acordo com trs pontos geogrficos: os acontecimentos na Galilia, os acontecimentos no caminho para Jerusalm e os acontecimentos em Jerusalm.

    Dessas observaes conclumos que esse evangelho no pretende fazer uma descrio completa da vida de Jesus. O que deve ser ressaltado e proclamado, em vez disso, so os grandes atos de Deus na vida de Jesus.

    Marcos organiza o seu evangelho do ponto de vista de um escritor. Ele decidiu organizar o material de acordo com pontos geogrficos, como poderia ter decidido organiz-lo de acordo com parmetros cronolgicos.

    O que vale para a estrutura geral do livro, pode ser observado tambm nos textos individuais. Em vrios pontos do evangelho ele interrompe a sua apresentao com uma insero, o que deixa o leitor curioso para ver o fim daquela histria. Ele conta, por exemplo, que os familiares de Jesus o procuram e querem prend-lo, porque tm certeza de que ele est louco (3.21). Antes de Marcos contar o trmino dessa histria (3.31-35), descreve a discusso de Jesus com os escribas, que afirmam que Jesus expulsa demnios pelo poder de Belzebu. Jesus adverte esses crticos para que no caiam na blasfmia contra o Esprito Santo, que no pode ser perdoada. S ento Marcos volta aos familiares de Jesus e conta como este reage contra os devaneios deles.

    Inseres desse tipo podem ser encontradas nos seguintes trechos: 5.25-34 entre 5.21-24 e 35-43; 6.14-29 entre 6.6-13 e 30ss; 11.15-19 entre 11.12-14 e 20-25; 14.3-9 entre 14.1-2 e 10-11. Essa forma de transmisso dos fatos no pode ser explicada pela

    1 1. Cf. p. 51

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    seqncia cronolgica dos acontecimentos. Aqui um escritor estruturou o seu trabalho de forma intencional.

    Podemos observar esse aspecto tambm nos trechos em que um acontecimento descrito mais tarde no evangelho anunciado previamente por uma nota breve. assim que Jesus pede que os seus discpulos aprontem um pequeno barco, para que a multido no o pressione (3.9). Se estava de fato precisando do barco, ou o que faria com o barco, s descobrimos no captulo seguinte (4.1-2). Isso acontece tambm em outros trechos, como por exemplo em 11.11, que prepara a cena para 11.15ss e 14.54 que sinaliza o que vai acontecer em 14.66ss.

    Joo diz no final do seu evangelho, que no haveria lugar no mundo para os livros, se pudssemos escrever tudo que Jesus fez (Jo 21.25). Marcos tambm transmite essa idia da diversidade e da profuso do ministrio de Jesus, s que de outra forma. Ele rene os muitos relatos de curas e expulso de demnios em coletneas que no ressaltam o final individual de cada caso, mas que deixam um mesmo impacto (1.32-34; 3.7-12; 6.53-56). O mesmo vale para o ministrio de ensino de Jesus, tambm to abrangente (1.39; 2.13; 4.2,33; 10.1), do qual o evangelho s traz detalhes de alguns poucos relatos.

    Resumindo essas caractersticas, temos o seguinte quadro: o evangelho de Marcos contm a tradio sobre o ministrio de Jesus ordenada de acordo com parmetros geogrficos. No final do relato est a histria do sofrimento e da ressurreio, na qual tambm a seqncia cronolgica dos fatos tem importncia. No restante do texto, v-se que as percopes no foram ordenadas aleatoriamente. O autor estruturou o seu evangelho de acordo com regras e um estilo literrio definido, e assim ajuda o leitor a entender o ministrio de Jesus.

    4. Contexto histrico No por acaso que a mensagem libertadora de Jesus Cristo associada ao

    alvorecer do reino de Deus (1.15). Marcos d importncia especial a esse aspecto, e ressalta nos primeiros oito captulos do seu evangelho, que formas isso assume na vida das pessoas. Elas experimentaram os milagres de cura, ficaram admiradas sobre os seus feitos poderosos e ouviram a sua pregao de arrependimento, que causava tanto o protesto dos telogos judaicos, quanto a f genuna de pessoas muito simples. Tudo isso acontecia na Galilia, que para os judeus mais religiosos no era exatamente o melhor lugar para o aparecimento do Messias e para o incio do reino de Deus. Para eles aquela regio era de periferia, longe do centro vital dos escolhidos. Mas Jesus veio exatamente para os que esto distantes, para os pecadores, para os gentios. A boa notcia para eles e isso o que importa para Marcos. Ele est escrevendo um evangelho para os gentios.

    por isso que, quando ele fala de Jerusalm, da cidade do templo, do centro nervoso do judasmo, ele relata quase exclusivamente as discusses de Jesus com os lderes dos judeus. Em Jerusalm preparado o seu processo, aqui a sua sentena de morte pronunciada, levada fora aos romanos e executada. O Messias de Israel morre por causa da incredulidade de Israel e assim se torna o Messias para todas as naes. isso que Marcos aprendeu de Paulo e redescobriu nos relatos de Pedro sobre a vida de Jesus.

    5. nfases teolgicas Se chamamos a Jesus de Messias de Israel, percebemos que no incio do seu relato

    (at 8.26) Marcos economiza no uso do ttulo Messias e de outras referncias pessoa de Jesus. Somente algumas excees so feitas nas indicaes sobre o mistrio da sua

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    pessoa (2.10,17b,19,28). No mais, o relato nessa primeira parte marcada, pelo questionamento intrigante: Quem este, que realiza esses poderosos feitos? (4.41; 6.2,14-16).

    Mas isso muda radicalmente com a pergunta de Jesus em Cesaria de Filipe: Mas vs, quem dizeis que eu sou? (8.29), que Pedro responde com a confisso: Tu s o Cristo. A partir da Jesus fala com os discpulos sobre a necessidade do seu sofrimento (8.31; 9.31; 10.33s) e da sua morte expiatria (10.45). Ele permite que os seus discpulos mais ntimos participem da transfigurao (9.2-8), responde a questes sobre o profeta Elias, que vir outra vez (9.11-13), declara que ele mesmo o Cristo (9.41) e prepara a sua entrada triunfal em Jerusalm (11.1-11). Em Jerusalm, a questo da sua autoridade e de sua reivindicao de ser o Messias continua a ter relevncia (11.27-33; 12.1-12; 12.35-37; 13.26,27,32). Ela colocada pelo sumo sacerdote no interrogatrio diante do sindrio: s tu o Cristo, o Filho do Deus Bendito? Jesus responde com a declarao: Eu sou, e vereis o Filho do homem assentado direita do Todo-poderoso e vindo com as nuvens do cu (14.61s).

    Com isso o mistrio sobre a sua pessoa revelado. Essa revelao tambm suscita a oposio declarada, que resulta na sentena de morte.

    Os outros escritores de evangelhos lidam de forma diferente com a questo do mistrio sobre a pessoa de Jesus. Joo coloca a proclamao de Jesus como o Filho de Deus no centro do seu evangelho desde o incio (Jo 1.14). A razo de Marcos ter escolhido outra forma certamente est relacionada questo: Qual a relao entre o poder da mensagem e dos milagres de Jesus, e o seu sofrimento e morte na cruz? O que causou a mudana de rumo? Onde exatamente surgiu o conflito? Por que s em Jerusalm esse conflito chegou ao clmax?

    Marcos relata que Jesus ordenava aos seus discpulos e s pessoas curadas por ele, que no falassem dele. At aos demnios ordenou que se calassem (1.34,44; 3.11,12; 5.43; 7.36; 8.26,30; 9.9). Por outro lado, na intimidade Jesus falava aos seus discpulos sobre a sua misso (7.17s; 9.30s; 10.10); s vezes era necessrio explicar-lhes as parbolas (4.10ss,34b). Segundo o relato de Marcos, ele fez todo o possvel para proteger o mistrio do Messias. Muitos estudiosos do NT argumentam que essa no uma forma teolgica de se estruturar um evangelho.2 Mas o que Marcos queria era documentar o que imprescindvel no relato sobre a vida de Jesus: Se Jesus quisesse realizar a misso que o pai celestial lhe delegara levar o reino de Deus s pessoas, ensinar os discpulos e prepar-los para a sua misso ele precisaria de tempo. Confessar precocemente que era o Messias teria causado o fim imediato do seu ministrio. Os romanos tinham ojeriza por esse tipo de comportamento. Mesmo que em geral fossem to tolerantes em questes religiosas, no toleravam a reivindicao do poder por algum outro que o imperador. Um rei dos judeus no iria muito longe.

    Devemos a Marcos a representao to dramtica dessa situao na vida de Jesus. Os seus leitores teriam a oportunidade de sentir esse drama e, dessa forma, entender melhor o mistrio da pessoa de Jesus. Ele no era nenhum libertador poltico e tambm no queria que as expectativas pelo Messias, to grandes naquela poca, levassem o povo a aclam-lo como tal (cf. Jo 6.15!). Ele queria simplesmente cumprir a misso do seu Pai celestial, que era de entregar a sua vida como pagamento por muitos (10.45). Dessa forma ele se tornou salvador de muitas pessoas.

    2 2. W. G. Kmmel, Introduction, p. 6; cf. tambm p. 62, nota 30.

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    1

    6. Unidade Em todas as verses alems modernas temos a indicao de que h dificuldades com

    os manuscritos em relao aos versculos 9-20 do captulo 16. Elberfelder, por exemplo, coloca no rodap: Os versculos 9-20 no constam de

    alguns dos manuscritos mais antigos. Esta ltima observao, mesmo resumida, acerta em cheio a realidade dos fatos: Os

    versculos 9-20 no esto nos dois manuscritos completos mais antigos: o Sinatico e o Vaticano. Mas outros manuscritos como o Alexandrino, o Cdice Efraimita rescriptus, o Cdice Beza Cantabrigiense, cuja forma textual vem do sculo II, contm esses versculos. Alm disso, alguns manuscritos menos importantes trazem a verso que a Gute Nachricht (Bblia na Linguagem de Hoje em alemo) cita nas notas. Como explicar as concluses tiradas dos manuscritos?

    Alguns telogos esto falando de um final falsificado do evangelho de Marcos, o que est fora de questo. Essa forma de tratar o assunto parece indicar que nesse texto so transmitidos fatos inverossmeis. Basta olhar para o texto e verificar que esse no o caso. O que est nesse texto descrito em detalhes nos outros evangelhos.

    Mesmo assim permanece a questo, se os versculos 9-20 de fato pertenceram ao evangelho original de Marcos. Isso questionvel porque os dois manuscritos citados no contm esses versculos. Em outras palavras, deve ter havido um evangelho de Marcos que terminava com o versculo 8, que no exatamente um final de livro muito marcante: E de medo nada disseram a ningum. O que segue um resumo das histrias da ressurreio encontradas nos outros evangelhos. O objetivo com isso era dar um final adequado ao evangelho de Marcos? Quem teria acrescentado esse final?

    A maioria dos estudiosos atuais concorda que um revisor annimo que trabalhava com os evangelhos no sculo II tenha acrescentado os versculos 9-20. A essa altura ele tinha acesso aos outros evangelhos e por isso pde fazer um resumo dos seus captulos finais. possvel reconhecer esse tipo de influncia em vrias verses atuais.

    Mesmo assim, seria interessante refletir sobre as alternativas que F. Godet sugeriu.3 Ele apresenta as concluses da crtica textual que mostram, segundo ele, que esse final no fazia parte do texto original do evangelho:

    1) Entre os versculos 8 e 9 h uma ruptura evidente. 2) O versculo 1 repetido no versculo 9. 3) O contedo dos versculos 9-20 consiste, em grande parte, de um resumo breve

    dos acontecimentos da pscoa, que, nos outros evangelhos, so descritos em detalhes. O final breve de Marcos, atestado por alguns manuscritos de menor importncia (cf.

    Gute Nachricht), provavelmente surgiu porque um evangelho que terminasse com o versculo 8 era considerado incompleto. Com base no testemunho dos manuscritos e no seu estilo estranho ao texto, fcil reconhec-lo como acrscimo posterior.

    Godet sugere que na reflexo sobre os versculos 9-20 pensemos no fato de que Marcos era companheiro de viagem de Pedro. Mas, de acordo com a antiga tradio, Pedro morreu como mrtir na perseguio comandada por Nero. possvel imaginar que Marcos tenha fugido repentinamente de Roma e tenha deixado o seu evangelho em

    1Hrster, Gerhard: Introduo E Sntese Do Novo Testamento. Editora Evanglica Esperana, 1996; 2008, S. Mc 1:1

    3 3. F. Godet, Einleitung (Introduo), p. 199-209.

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    Roma, sem poder conclu-lo. Desse evangelho logo foram feitas cpias que tambm chegaram ao Cdice Sinatico e ao Cdice Vaticano.

    Segundo a tradio da igreja antiga, Marcos realizou parte do seu ministrio em Alexandria. Ser que ele mesmo escreveu o final do seu evangelho l e depois o enviou a Roma? Isso explicaria a ruptura no texto antes do final tanto pelo tempo quanto pela distncia para que o final chegasse ao seu destino. A favor dessa posio est o fato de que o estilo de Marcos mantido no final, como tambm a continuao da atitude crtica do autor em relao aos discpulos de Jesus (cf. 16.14). Esse final teria ento sido acrescentado ao texto original e, juntamente com o evangelho completo de Marcos, teria sido preservado em Roma. A partir do sculo II teriam surgido as primeiras cpias j com esse final.

    A concluso qual Godet queria que chegssemos com essas reflexes pode ser observada nas observaes que ele mesmo faz:

    O leitor atento das ltimas pginas do evangelho talvez tenha percebido os sinais inconfundveis de uma mudana na compreenso da questo ali tratada. No incio desse trabalho eu estava em concordncia com a maioria dos estudiosos, considerando esse final falsificado. Apesar disso, por causa das observaes a seguir, eu no consegui suprimir um desconforto crescente em mim sobre a questo: 1) h o crescendo de um tema bem sinalizado e bem conduzido nesse final (cf. especialmente Klostermann, p. 305); 2) nesse final chama a ateno a continuao do tom crtico em relao aos discpulos; esse aspecto est em harmonia impressionante com o restante do evangelho de Marcos. Ser que um outro escritor, que no fosse o prprio autor, conseguiria penetrar to profundamente nessa caracterstica to peculiar do livro? Com isso, fui levado a questionar, se as provas antes mencionadas da falsidade do final de Marcos eram realmente to irrefutveis, quanto me pareciam anteriormente. A explanao acima no nada mais do que uma tentativa de responder questo, sem a pretenso de soluo definitiva do problema.4

    Nesse sentido, concordo com Godet e gostaria de apresentar a sua tentativa aos meus leitores para que a testem e continuem refletindo sobre a questo.

    7. Autor O evangelho no cita o nome do autor. O ttulo vem de ndices do NT escritos no

    sculo II. Essa , portanto, uma informao da igreja antiga. Que pontos confirmam essa informao?

    No evangelho no h pontos de apoio para essa posio. H pessoas que se referem ao jovem que, na hora em que Jesus foi preso, deixou o lenol com que se vestia nas mos dos soldados (14.51). Que Marcos queria se identificar dessa forma como autor do livro pouco provvel.

    Uma constatao a que devemos dar mais valor vem da Histria Eclesistica escrita por Eusbio (260-339). Ele cita o pai da igreja Papias, que viveu no incio do sculo II, e, assim, ainda tinha contato com a era apostlica. Papias escreveu uma Exposio das palavras do Senhor, na qual se baseia no presbtero Joo que teria dito:

    Marcos escreveu com exatido, mas no em ordem, as palavras e os atos do Senhor, dos quais, como intrprete do apstolo Pedro, ele recordava. Pois ele mesmo no tinha ouvido e acompanhado o Senhor; mas, como dito, mais tarde seguiu a Pedro, que apresentava os seus ensinamentos de acordo com as necessidades dos seus ouvintes, 4 4. F. Godet, Einleitung, p. 209.

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    mas no em forma completa dos discursos de Jesus. Por isso no erro se Marcos anotou algumas coisas assim como a sua memria as ditava. Pois ele tinha uma grande preocupao: no omitir nada do que tinha ouvido, e no se tornar culpado de alguma mentira no seu relato.5

    De qual Marcos estamos falando aqui? De Joo Marcos, que vinha de Jerusalm. Na casa de sua me Maria se encontravam os cristos da igreja primitiva (At 12.12). O seu primo era Barnab (Cl 4.10). Na primeira viagem missionria ele acompanhou Paulo e Barnab (At 12.25; 13.5). Mas o seu ministrio na viagem terminou abruptamente e ele regressou a Jerusalm (At 13.13). Paulo, naquela poca, o considerou um fracassado; por isso no queria lev-lo na viagem seguinte. Barnab tinha outra opinio, mas os dois no chegaram a um acordo. Por isso se separaram e continuaram os seus esforos missionrios independentes um do outro (At 15.37ss). Mais tarde, no entanto, Marcos novamente mencionado como colaborador de Paulo (Fm 24; Cl 4.10; 2Tm 4.11). Evidentemente, ele conseguiu novamente a aprovao de Paulo. O NT no faz meno do trabalho dele como intrprete de Pedro.

    Que grau de confiabilidade tem a informao de Papias? Kmmel, nas ltimas edies da sua Introduo, ctico em relao a esta informao e se baseia nas seguintes razes: segundo ele, o evangelho de Marcos contm erros nas indicaes geogrficas que uma pessoa originria de Jerusalm no podia cometer. Por exemplo, Gerasa no poderia estar na outra margem do mar da Galilia (5.1). Tambm no seria possvel ir de Tiro ao mar da Galilia por Sidom e de l chegar a Decpolis (7.31). Tambm a observao de que Jesus foi para o territrio da Judia alm do Jordo, no faria sentido (10.1).6

    Mesmo sem entrar em discusso abrangente e detalhada sobre o assunto, poderamos perguntar se de fato a regio dos gerasenos to distante do mar da Galilia; por que no seria possvel passar por Sidom para ir de Tiro ao mar da Galilia e por que o ministrio alm do Jordo seria impossvel na viagem para Jerusalm?

    As outras objees de Kmmel contra a informao de Papias como algum de Jerusalm escreve para cristos-gentios? o relato sobre a morte de Joo Batista no encaixa nos costumes da Palestina; o autor negligencia o fato de que 6.35ss e 8.1ss so variantes de uma mesma histria de multiplicao dos pes no convencem.7 Por isso creio que a informao de Papias confivel.

    Concordo com muitos outros estudiosos, como tambm Kmmel pensava nas primeiras edies da sua Introduo, que Joo Marcos o autor do evangelho (Carson & Moo & Morris8, Guthrie9, Gnilka?10, Pohl11, Wikenhauser12). 5 5. Eusbio, Histria Eclesistica, III, 39.15.

    6 6. W. G. Kmmel, Einleitung, p. 69.

    7 7. W. G. Kmmel, Einleitung, p. 69.

    8 8. D. A. Carson & D. J. Moo & L. Morris, Introduction, p. 92-95.

    9 9. D. Guthrie, Introduction, p. 69-72.

    10 10. J. Gnilka deixa aberta a questo da autoria, Das Evangelium nach Markus, p. 32-33.

    11 11. A. Pohl, Das Evangelium des Markus, p. 16-24.

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    8. Destinatrios Seguindo as concluses de Godet sobre o final de Marcos, este evangelho foi escrito

    igreja em Roma. Visto que se trata de uma hiptese, que mesmo Godet sugere com ressalvas, precisamos ser cuidadosos com afirmaes definitivas sobre os destinatrios. Com base nas caractersticas do evangelho, os destinatrios provavelmente esto em igrejas missionrias de cristos entre os gentios.

    9. Local e data em que foi escrito Ainda de acordo com a sugesto de Godet, fcil definir as duas coisas. Pedro

    provavelmente morreu como mrtir sob Nero em 66. O evangelho foi escrito antes, mas prximo disso. Godet sugere o ano de 64 e pressupe que foi escrito em Roma.

    Mesmo que sejamos cticos em relao s notcias da igreja antiga sobre Joo Marcos, possvel determinar aproximadamente a data: com base nas orientaes de Jesus em Marcos 13.14, a igreja primitiva abandonou Jerusalm antes do cerco dos romanos e fugiu para Pela, na Peria. Isso sugere que estas orientaes teriam sido escritas antes de 66 d.C. Dessa perspectiva impossvel fazer afirmaes quanto ao local em que foi escrito o evangelho.

    10. Comentrios W. Barclay, Markusevangelium, 4 ed. 1986; J. Ernst, Das Evangelium nach Markus,

    RNT, vol. 2, 1981; J. Gnilka, Das Evangelium nach Markus, EKK, vol. 2/1, 2 ed. 1986, vol. 2/2, 2 ed. 1986; W. Grundmann, Das Evangelium nach Markus, ThHK, vol. 2, 10 ed. 1989; E. Haenchen, Der Weg Jesu Eine Erklrung des Markusevangelium und der kanonischen Parallelen, 2 ed. 1968; E. Lohmeyer, Das Evangelium nach Markus, KEK, vol I/2, 17 ed. 1967; D. Lhrmann, Das Markusevangelium, 1987; R. Pesch; Das Markusevangelium, HThK vol. II/1, 5 ed. 1989, vol. II/2, 4 ed. 1991; A. Pohl, Das Evangelium des Markus, WStB, 1986; F. Rienecker, Das Evangelium des Markus, 10 ed. 1985; A. Schlatter, Der Evangelist Markus, 1935; J. Schmid, Das Evangelium nach Markus, RNT, vol. 2, 4 ed. 1958; J. Schniewind, Das Evangelium nach Markus, NTD, vol. 1, 12 ed. 1977; E. Schweizer, Das Evangelium nach Markus, NTD vol. 1, 16 ed. 1983. 12 12. A. Wikenhauser & J. Schmid, Einleitung, p. 210-216.

    RNT Regensburger Neues Testament, Regensburg

    EKK Evangelisch-katholischer Kommentar zum Neuen Testament, Zrich, Einsiedeln, Kln, Neukirchen

    ThHK Theologischer Handkommentar zum Neuen Testament, Berlin

    KEK Kritisch-exegetischer Kommentar ber das Neue Testament, Gotingen

    HThK Herders theologischer Kommentar zum Neuen Testament, Freiburg, Basel, Wien

    WStB Wuppertaler Studienbibel, Wuppertal

    NTD Das Neue Testament Deutsch, Gttingen

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    O EVANGELHO SEGUNDO MATEUS

    1. Contedo O primeiro evangelho do NT foi o que mais influenciou a histria da igreja crist.

    No sculo II ele j era conhecido em todo o cristianismo. Formava a base para a instruo sobre as palavras e a vida de Jesus Cristo. Por essa razo, era lido nos cultos e servia de orientao no preparo dos candidatos ao batismo (catequese). No evangelho de Mateus era tambm baseada a proclamao sobre as palavras de Jesus.

    Mesmo que ao longo da histria da igreja os outros evangelhos tenham crescido em influncia, o evangelho de Mateus continuou com a preeminncia. Afirmaes sobre a pregao de Jesus se orientam ainda hoje primeiramente por Mateus, pois contm o Sermo do Monte, as parbolas sobre o Reino de Deus, as orientaes de Jesus para a sua igreja e o discurso sobre o juzo final.

    Sendo assim, o evangelho caracterizado pelas grandes seqncias de discursos, que definem tambm a estrutura do evangelho.

    2. Diviso, versculos-chave, afirmaes-chave CAPTULO PERCOPES VERSCULOS-CHAVE 1 e 2 Histrias introdutrias rvore genealgica, os

    magos, a fuga, infanticdio

    3 e 4 Marcos I (introduo) 5-7 O Sermo do Monte As bem-aventuranas,

    antteses 5.3-12, 13-17

    Orar, andar ansioso 6.6-13, 24-33 Julgar, fazer 7.1s, 7, 12-14, 21 8 e 9 Marcos II (Jesus na

    Galilia) 9.37s

    Destaque: Levi chamado Mateus

    10 Mensagem de envio Envio, situao 10.16, 19 Seguir a Jesus, sofrer 10.24, 32s, 37 11-12 Marcos II (Jesus na

    Galilia) 9.37

    Destaques: pergunta de Joo Batista

    Ais e exultao, clamor do salvador

    11.28-30

    13 Parbolas do Reino de Deus

    O semeador, o joio no trigo, o gro de mostarda, o fermento, o

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    tesouro, a prola, a rede 14-17 Marcos III (preparo para o

    sofrimento) + Marcos II

    Destaque: imposto no templo

    18 O ensino sobre a igreja A briga por posio,

    disciplina na igreja 18.15-17, 18

    Orao em conjunto, o credor incompassivo

    18.19s

    19-22 Marcos III e IV (Jesus em Jerusalm)

    Destaques: os trabalhadores na vinha, os dois filhos diferentes

    23 Ai de vs Ameaas, lamentao

    sobre Jerusalm 23.8b

    24-25 O sermo sobre o fim dos tempos

    Apocalipse (Marcos V) As dez virgens, os talentos,

    o juzo final 25.40, 45

    26-27 O sofrimento 28 Relatos da ressurreio 28.18-20

    Afirmaes-chave Vs sois o sal da terra . Vs sois a luz do mundo. Matteus 13a, 14a Portanto, todo aquele que me confessar diante dos homens, tambm eu o confessarei diante de meu Pai que est nos cus; mas aquele que me negar diante dos homens, tambm eu o negarei diante de meu Pai que est nos cus. Mateus 10.32-33 Toda a autoridade me foi dada no cu e na terra. Ide, portanto, fazei discpulos de todas as naes, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Esprito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias at consumao do sculo. Mateus 28.18b-20

    3. Gnero literrio A comparao com o evangelho de Marcos faz aparecer de forma especial as

    caractersticas de Mateus: Em vrios lugares Mateus registra as percopes de forma mais abreviada do que

    Marcos. Isso evidente, por exemplo, no relato sobre a morte de Joo Batista (Mt 17.14-21 / Mc 9.14-29). A questo se isso o resultado de uma reviso do evangelho de Marcos, ou se Marcos detalhou o relato mais resumido de Mateus. Ou ser que os dois relatos foram escritos sem dependncia um do outro mas a partir de uma outra base comum? A situao atual das pesquisas no permite uma concluso segura.

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    A caracterstica mais importante do evangelho de Mateus a seqncia de discursos, que terminam sempre com palavras semelhantes no seu contedo: Quando Jesus acabou de proferir estas palavras, (7.28; 11.1; 13.53; 19.1; 26.1). Isso d a impresso de que o autor reuniu os discursos de Jesus em seqncias temticas. Essa impresso reforada pelo fato de que Lucas reproduz esses mesmos discursos de Jesus, s que em outros contextos. Para Mateus esses discursos de Jesus eram to importantes, que ele atribuiu peso especial a eles ao relatar sermes interligados entre si por um tema comum.

    A estrutura deste evangelho demonstra que Mateus deu valor superior ao ensino de Jesus do que Marcos. No entanto, ele no ignora os dilogos de Jesus com os seus conterrneos, os judeus, nem os milagres de Jesus. Assim como Marcos, ele tambm os registra. Mas a marca especial de Mateus o ensino de Jesus.

    Salta aos olhos que Mateus pressupe entre os seus leitores um certo conhecimento da situao em que se passam os eventos do seu evangelho. Ele no explica costumes, tradies e expresses idiomticas dos judeus, como por exemplo o costume de lavar as mos (Mt 15.2 / Mc 7.2s), os filactrios que eram usados no brao (Mt 23.5), as franjas nos cantos das vestes (fios e cordes em azul e branco que deviam lembr-los dos mandamentos da lei: Mt 23.5). Ele registra expresses to vvidas de Jesus como coais o mosquito e engolis o camelo (Mt 23.24) e tmulos caiados (Mt 23.27). s vezes ele at usa expresses aramaicas transliteradas para o grego, como por exemplo raka, que significa tolo, idiota (Mt 5.22) ou korbanan, que tesouro do templo (Mt 27.6).

    A questo do divrcio formulada como os rabinos da poca costumavam formul-la: lcito ao marido repudiar a sua mulher por qualquer motivo? (Mt 19.3). A resposta de Jesus dada de forma semelhante: Quem repudiar sua mulher, no sendo por causa de relaes sexuais ilcitas, e casar com outra, comete adultrio (Mt 19.9).

    Nessa dependncia to forte da religiosidade judaica, constatamos que a validade da lei no foi interrompida (Mt 5.19; 23.3). At a forma de expresso definida por essa dependncia. Em vez de falar do reino de Deus (como Marcos e Lucas) Mateus fala do reino dos cus (veja as parbolas sobre o reino dos cus). Marcos s cita o pai que est nos cus uma vez, enquanto Mateus fala dele 15 vezes (Mt 6.9; 7.11; 10.32s e outros).

    O que mais chama a ateno neste primeiro evangelho, alm das seqncias de discursos de Jesus, so as assim chamadas citaes reflexivas. Nelas so mencionados acontecimentos da vida de Jesus na sua relao com o AT e as suas promessas (Mt 1.22s / Is 7.14; Mt 2.6s / Mq 5.1,3; Mt 2.15 / Os 11.1; Mt 2.17s / Jr 31.15; Mt 3.3; Is 40.3; Mt 4.14-16 / Is 8.229.1; Mt 8.17 / Is 53.4; Mt 12.17-21 / Is 42.1-4,9; Mt 13.35 / Sl 78.2; Mt 21.4 / Is 62.11; Zc 9.9; Mt 27.9s / Zc 11.13; Jr 18.2s). evidente que Mateus quer demonstrar nessas citaes que em Jesus se cumpriram as promessas messinicas do AT: ele o Messias de Israel.

    4. Contexto histrico Em que formas de vida da igreja primitiva este evangelho foi concebido? Em que

    situaes foi usado e depois transmitido a ns? Em que contexto este evangelho surgiu? Esta a questo pelo Sitz im Leben (lugar vivencial) do surgimento do evangelho. Trs possveis respostas sero citadas e comentadas:

    Na sua essncia, o evangelho um lecionrio. Assim denominamos os livros que registravam a vida e o ministrio de Jesus para serem lidos nos cultos da igreja

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    primitiva. G. D. Kilpatrick,1 que defende essa tese, supe que uma parte da igreja primitiva tenha lido nos seus cultos textos de Marcos e da fonte de logia (dos discursos). Posteriormente teriam sido feitos acrscimos. Tudo isso teria resultado no evangelho de Mateus, que se transformou ento em um lecionrio, destinado s leituras pblicas nos cultos.

    Como base para essa suposio, ele d alguns argumentos: melhor estilo oral se comparado com Marcos, formulao mais resumida e mais exata, a repetio de frmulas e as frases completas nelas contidas. Estas so, de fato, caractersticas do evangelho de Mateus. Mas no so, por si s, suficientes para provarem o seu uso litrgico. Por essa razo, h ainda outras explicaes para o Sitz im Leben da origem do evangelho.

    K. Stendahl2 supe que h uma escola teolgica por trs deste evangelho. Dessa forma teriam sido instrudos mestres e lderes das igrejas no cristianismo primitivo. O que lhes era ensinado teria resultado no evangelho de Mateus. Como um dos argumentos principais ele cita o captulo 18. Segundo Stendahl, esse no foi um ensino especfico para a igreja como um todo, mas muito mais um conjunto de orientaes para a liderana da igreja.

    Argumento a favor dessa idia seria tambm o conhecimento e a interpretao do AT, que pressupe o trabalho de estudo da Palavra com iniciados. Possivelmente, tratava-se ento de uma escola de Mateus.

    Quem considera essa posio muito limitada, possivelmente concorde com D. Guthrie,3 que considera o evangelho de Mateus o guia de catequese na instruo do cristianismo primitivo. Recm-convertidos a Jesus Cristo precisavam desse tipo de instruo. O evangelho de Mateus muito apropriado para isso, pois nele so tratados os principais temas da f crist. A maior nfase dele est no ensino de Jesus, e portanto, ideal para passar esse ensino adiante. Por ter sido usado dessa forma, tornou-se uma grande influncia no somente sobre a liderana, mas tambm sobre toda a igreja crist primitiva.

    5. nfases teolgicas O aspecto principal no evangelho de Mateus o ensino sobre Jesus, ou seja, a

    cristologia. O que importa para Mateus demonstrar que Jesus de Nazar o Messias to

    esperado pelo povo judeu. O objetivo das citaes reflexivas servir de prova para essa demonstrao. Vemos esse aspecto tambm no ttulo messinico que s Mateus apresenta dessa forma: Filho de Davi (cf. 12.23; 15.22; 21.9,15).

    Salta aos olhos tambm, o fato de que a rvore genealgica em Mateus comea com Abrao, o homem com quem Deus iniciou a histria de Israel (1.1ss). Segundo Mateus, se Jesus o Messias, isso no significa que ele veio para abolir a lei, mas para cumpr-la (5.17). 1 1. G. D. Kilpatrick, The Origin of the Gospel according to St. Matthew (A origem do evangelho segundo So Mateus), 1946.

    2 2. K. Stendahl, The School of St. Matthew and its use of the Old Testament (A escola de So Mateus e o seu uso do AT), 1954.

    3 3. D. Guthrie, Introduction, p. 16.

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    Um segundo aspecto muito enfatizado se origina na tenso entre o particularismo e a universalidade (a salvao para todos). Os dois elementos esto presentes lado a lado na proclamao e na vida de Jesus.

    O particularismo se mostra nas palavras de Jesus que reforam a verdade de que o seu ministrio se restringe a Israel. Aos doze discpulos que ele envia, ordena: No tomeis rumo aos gentios, nem entreis em cidade de samaritanos; mas, de preferncia, procurai as ovelhas perdidas da casa de Israel (10.5-6). Ele lhes promete que no conseguiro terminar essa tarefa at que venha o Filho do homem (10.23). Semelhantemente, Jesus diz mulher canania da regio de Tiro e Sidom que lhe pede ajuda: No fui enviado seno s ovelhas perdidas da casa de Israel. E com mais exatido: No bom tomar o po dos filhos e lan-lo aos cachorrinhos (15.24,26). Essa segunda rejeio tambm Marcos registrou; a primeira s Mateus.

    Por outro lado, a universalidade est presente nesse evangelho desde o incio. O nascimento de Jesus tem efeito sobre todas as pessoas, at os astrlogos l do oriente. Eles conseguem perceber o acontecimento pelos seus meios de reconhecimento e vm adorar o Messias, o Rei de Israel (2.1-12). A rvore genealgica no vai s at Abrao. Ela tambm inclui nomes de mulheres gentias: Raabe e Rute. Quando Jesus interpreta a parbola do joio no meio do trigo, ele diz que o solo o mundo (13.38). Na parbola das bodas que um rei fez para o seu filho, depois que os convidados no responderam ao convite do rei, os servos so enviados s ruas para convidarem ao casamento todos os que acharem (22.9). No sermo apocalptico Jesus anuncia que, antes do fim do mundo, o evangelho do reino precisa ser pregado a todos os povos (24.14). Finalmente, o Senhor ressurreto delega a seus discpulos a grande misso: Ide, portanto, fazei discpulos de todas as naes, (28.19).

    A tenso entre o particularismo e a universalidade nos ensina que este evangelho escrito por uma testemunha de Jesus Cristo, que sabe que o Senhor dedicou a sua vida aqui na terra aos judeus, mas que os discpulos tm a tarefa de levar o evangelho a todas as pessoas. O seu testemunho agiu principalmente sobre a ala helenstica dos cristos de origem judaica.

    Um terceiro aspecto de grande nfase em Mateus diz respeito ao ensino sobre a igreja, a eclesiologia. Somente no evangelho de Mateus encontramos declaraes especficas sobre esse tema.

    Aps a declarao de Simo Pedro em Cesaria de Filipe, Jesus lhe diz: tu s Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno no prevalecero contra ela (16.18). No assim denominado sermo sobre a igreja (captulo 18), Jesus ensina a igreja como agir com membros que esto em pecado (18.15-17). A autoridade para ligar e desligar no delegada somente aos apstolos. Ela vale para toda a igreja. Aqui j anunciado o que a reforma chamaria de sacerdcio universal dos crentes.

    A igreja precisa se posicionar quanto ao ensino tico de Jesus. Ela no pode aprender a crer somente, mas precisa demonstrar a sua f ao fazer o que Jesus ensinou. Essa a medida que Jesus vai usar para medir os seus discpulos no final dos tempos: Mateus 7.21-23; 25.31-46. O que decisivo no final das contas no so palavras bonitas e milagres fantsticos dos discpulos. O que vale para Deus a prtica humilde da sua vontade.

    A proximidade entre esse ensino e a carta de Tiago inconfundvel. Um quarto e ltimo aspecto que recebe ateno especial em Mateus, o ensino

    sobre as ltimas coisas, a escatologia. Em Mateus, os discursos de Jesus sobre o final dos tempos esto em dois captulos. So significativamente mais abrangentes do que em Marcos e contm tradies que s se encontram aqui em Mateus (tradio exclusiva).

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    Essas tradies adicionais no tm carter especulativo. No apresentam material que permita definir com maior exatido o desenrolar dos acontecimentos no final dos tempos. Tampouco contm vises da glria do novo mundo de Deus. So na verdade um auxlio para o ensino equilibrado, o que caracterstica do evangelho de Mateus. O seu objetivo prevenir contra o engano da hipocrisia. Exorta os seus leitores a estarem vigilantes e preparados a seguir os ensinos de Jesus. O propsito preparar a igreja para o retorno de Jesus por meio da vida prtica e coerente do discipulado.

    Visto que o evangelho de Mateus tem essas quatro nfases teolgicas, no de se admirar que tenha tido influncia to forte sobre toda a histria da igreja de Jesus. Por todos os sculos, pessoas que queriam de fato ser crists, se basearam neste evangelho. Sempre de novo foi repetida a sua exortao contra a compreenso superficial da f e da igreja. Por isso o evangelho de Mateus desencadeou muitos movimentos de avivamento e de renovao da igreja de Jesus Cristo.

    6. Unidade O evangelho de Mateus, na forma como nos foi transmitido no NT, o texto

    completo e acabado de um autor. Nem os manuscritos e nem observaes no contedo permitem dvidas quanto sua unidade.

    7. Autor O evangelho no faz meno alguma do seu autor. O nome de Mateus citado no

    ttulo do evangelho, que surgiu no sculo II e a partir de l foi incorporado tradio. A atribuio desse evangelho a Mateus remonta, portanto, tradio da igreja antiga. Ela se baseia nos seguintes argumentos:

    Eusbio relata na sua Histria Eclesistica: Mateus fez uma coletnea dos discursos de Jesus em hebraico; cada um, no entanto, os traduziu o melhor que pde.4

    De Irineu lemos: Mateus tambm publicou um evangelho entre os hebreus na sua lngua, enquanto Pedro e Paulo pregavam em Roma e l fundaram a igreja.5

    No quinto livro da Histria Eclesistica de Eusbio lemos o relato de Pantaenus sobre o evangelho de Mateus. Pantaenus foi um telogo muito hbil de Alexandria. Ele entendeu que a sua tarefa era a evangelizao dos povos do oriente e viajou para a ndia. Quando chegou ndia teria encontrado cristos que j conheciam o evangelho de Mateus. Deles ouviu que o Apstolo Bartolomeu lhes pregara a boa notcia e lhes deixara o evangelho segundo Mateus em hebraico.6

    E por ltimo, Eusbio cita Orgenes no sexto livro da sua Histria Eclesistica, que teria dito no primeiro livro do seu comentrio sobre Mateus:

    Com base na tradio tenho descoberto a respeito dos quatro evangelhos, que foram aceitos sem restries na igreja de Deus por onde ela tem se espalhado debaixo do cu, que primeiro foi escrito o evangelho por Mateus, o que havia sido cobrador de impostos

    4 4. Eusbio, Histria Eclesistica, III, 39.16.

    5 5. Irineu, Adversus Haereses III, 1.1.

    6 6. Eusbio, Histria Eclesistica, V, 10.1-4.

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    e depois foi discpulo de Jesus Cristo. Foi escrito na lngua hebraica para os que creram entre os judeus 7

    A tradio da igreja antiga confirma dois fatos sobre o primeiro evangelho: o apstolo Mateus o seu autor e ele escreveu o seu evangelho na lngua hebraica.

    Quanto podemos confiar nessa tradio? Notamos que todos os testemunhos da igreja antiga atestam que o evangelho de

    Mateus foi escrito em hebraico. Isso afirmam at os pais da igreja como Irineu e Orgenes, cuja lngua materna era o grego, o que nos leva a concluir que eles tambm conheciam o evangelho de Mateus em grego. Tinham, portanto, mais informaes sobre a origem deste evangelho.

    de se imaginar que todos se basearam na mesma fonte: Papias. Presumivelmente relacionaram as suas observaes com o primeiro evangelho. Da pode ter surgido a tradio de que Mateus escreveu o evangelho em lngua hebraica. Mas na verdade, Papias no se referiu ao primeiro evangelho. Ele simplesmente falou dos logia (palavras), que Mateus registrou em hebraico. Cada um ento traduziu esses logia de acordo com as suas condies.

    Podemos concluir, portanto, que a tradio da igreja antiga se refere proclamao de Jesus que o primeiro evangelho transmite por meio de Marcos. Essa tradio estaria baseada sobre o apstolo Mateus, que teria registrado a formulao original hebraica. A traduo grega dessas palavras se tornou ento uma parte fundamental do primeiro evangelho, que, por esta razo, recebeu o nome de evangelho segundo Mateus. Essa traduo provavelmente foi feita pelo prprio Mateus, como Godet presume.8 Seria, portanto, uma verso grega das palavras de Jesus autorizada por um apstolo. Quem em seguida tomou a tradio dos atos de Jesus, que encontramos em Marcos, e as palavras de Jesus, que so tpicas em Mateus, ajuntou tudo e editou em um evangelho, no sabemos.

    Quem esse apstolo Mateus? O seu nome est em todas as listas de apstolos: Mateus 10.3; Marcos 3.18; Lucas

    6.15; Atos 1.13. Em Mateus 10.3 ele denominado cobrador de impostos e com isso rotulado como um daqueles homens to odiados por seus conterrneos, os judeus, por trabalharem para o estado romano, explorarem o povo e por enriquecerem inescrupulosamente. Em Mateus 9.9-13 nos relatado como Jesus o chamou diretamente da coletoria para segui-lo e como Jesus, com essa atitude e tambm com a refeio que partilhou com os colegas de Mateus logo em seguida, se exps veemente crtica dos fariseus. Marcos e Lucas tambm registram a histria desse chamado, com a diferena de que l esse publicano chamado Levi (Mc 2.13-17; Lc 5.27-32). Por isso, partimos do pressuposto de que ele tinha dois nomes, Levi Mateus.

    Foram levantadas algumas objees contra a participao direta de um apstolo na elaborao deste primeiro evangelho.9 Se de fato um apstolo participou to diretamente na edio deste evangelho, por que ento ele no um relato biogrfico? Contra-argumentamos: Por que deveria ele fazer um relato biogrfico, se o que importava a ele a igreja antiga assim o diz no era a biografia de Jesus, mas as suas palavras?

    7 7. Eusbio, Histria Eclesistica, VI, 25.3-4.

    8 8. F. Godet, Einleitung, p. 416.

    9 9. Cf. W. G. Kmmel, Einleitung, p. 92.

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    H questionamentos tambm quanto s habilidades lingsticas do autor. Como um homem simples da Palestina possua conhecimentos to abrangentes da lngua grega? Isso pressupe a traduo do evangelho em hebraico ou aramaico para o grego pelo prprio Mateus. A resposta bvia. Quem trabalhava como cobrador de impostos naquela poca necessitava de bons conhecimentos da lngua grega, pois a lngua franca daquela parte do imprio romano era o grego.

    As nfases teolgicas desse evangelho j mostraram que o autor possua bom conhecimen