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MITOS - SUAS ORIGENS E SUA IMPORTÂNCIA PARA O HOMEM

CONTEMPORÂNEO

MARCELO SILVERIO DA CRUZ

Membro do Núcleo de Estudos Ibéricos e Ibero-Americanos da UFJF.

Aluno do Curso de Filosofia da UFJF.

[email protected]

Introdução

Vivemos num mundo cercado por mitos que nos levam a compreender os

acontecimentos atuais. Nossas vidas, embora muitas vezes não percebamos, sempre seguem

os rumos destes mitos. Como então negar a sua importância no nosso dia-a-dia, uma vez

que constantemente somos confrontados com eles? Os mitos estão por toda parte, seja num

ato religioso, ou na origem e formação de um povo e nos seus costumes.

Os mitos nos fazem pensar e refletir sobre a nossa origem e nos remetem ao caminho

para chegarmos a uma possível verdade. Os mitos servem também de orientação para um

entendimento, ou como explicação de alguns acontecimentos, para quais não conseguimos

encontrar respostas. Então vamos procurar conhecer o que são eles.

O que são os mitos? Qual a sua utilidade?

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Os mitos são definidos como uma explicação dos fatos atuais através de acontecimentos

primordiais, que se encontram sempre presentes, sendo que, pelo rito, se faz a ligação do

atual ao primordial. Deste modo, os mitos, ao se referirem aos acontecimentos primordiais,

estão nos trazendo uma explicação do atual, pois esses acontecimentos ocorreram em

determinados espaços e tempos sagrados. Essa referência a um contexto transcendente

valida o espaço e o tempo profanos, dando sentido à cotidianidade.

Os mitos são como uma dimensão vertical que se ergue sobre a dimensão horizontal dos

fatos humanos. Os mitos nos levam a entender o tempo e o espaço cotidianos pelo espaço e

o tempo sagrados. Devido a isto, nas linguagens míticas os relatos sempre começam com a

expressão “naquele tempo” ou “no princípio”.

Os mitos nos servem de modelo e de referência para toda atividade e possuem uma

dimensão de eficácia. Através do rito, por assim dizer, eles têm uma espécie de âmbito

mágico que produz resultados. O rito não é uma simples encenação ou uma repetição, ele é

uma ação que produz resultados, e orienta a cotidianidade humana. Assim como nos atos

arquetípicos de fundação do mundo e de estabelecimento dos pontos cardeais.

O mundo é considerado como oriundo de um caos e de um espaço não organizado. Os

ritos fazem-nos lembrar, por exemplo, a fundação de uma cidade, trazendo uma referência

análoga da formação do cosmo. É por esta razão que as cidades são consideradas um

microcosmo, ou seja, elas imitam o mundo.

Existem dois tipos de mitos que se distinguem entre si; são eles os mitos cosmogônicos

e os mitos de origem. Os cosmogônicos se referem à primeira formação do universo e os de

origem procuram dar uma explicação do início de uma instituição ou costume. Os poemas

da Mesopotâmia são um exemplo claro dos mitos cosmogônicos, uma vez que relatam a

formação do mundo a partir das águas primordiais. O relato da fundação de Roma é um

exemplo de mito de origem, uma vez que os fundadores Rômulo e Remo são salvos e

amamentados por uma loba, que simboliza o caráter guerreiro do povo dessa cidade.

Os mitos cosmogônicos apresentam uma serie de diversidades, mas suas estruturas são

semelhantes, ou seja, são triádicos. Eles partem de um ponto unitário original, de onde

emergem em dois elementos que se contrapõem, um ativo (masculino) e o outro passivo

(feminino). Esta contraposição de elementos (masculino/feminino – ativo/passivo) se repete

em todos seres do cosmo, e todos eles tendem a buscar a unidade perdida.

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A cultura hindu possui três relatos relacionados aos mitos cosmogônicos. A tradição

dos Vedas nos diz que tudo provém do homem cósmico (Purusha) de onde surge o céu e a

terra, que formam todos os seres. Já na tradição dos Brâmanes, tudo provém das águas

primordiais que têm um princípio único, e de onde emergem o Ovo Cósmico e Prajápati, e

destes dois é feito o mundo. E nas tradições dos Upanishads, encontramos a origem de

tudo, ou seja, o elemento ativo Raja de onde provém o elemento luminoso Sattva e o

elemento escuro Tamas, e destes princípios se forma o cosmo.

Na cultura Chinesa também se encontra uma unidade originaria que é Pan-Kou ou Pan-

Gou (o homem primordial), dele surge Yang que é um principio ativo e masculino e Yin que

é um principio passivo e feminino. Da união dos dois é formado o mundo, passando a

existir em todos os seres um princípio ativo e um princípio passivo. Esta estrutura mítica se

assemelha muito à que encontramos na cultura dos Mesopotâmios, nos relatos do Enuma

Elish, que era recitado pelos sacerdotes no ano novo. Segundo esse relato, tudo deriva de

uma origem única que são as águas primordiais (Apson), de onde emergem dois princípios

contrapostos, a luz (Marduk) e as trevas (Tiamat). Os dois travam uma luta na qual Marduk

vence Tiamat e o divide em dois, formando com uma parte a abóbada celeste e com a outra

a terra.

Desta estrutura mitológica originou-se o mito da criação do mundo que é citado no

Livro do Gênese pertencente à Bíblia Judaico-Cristã. Este relato sofreu influência

mesopotâmia durante o cativeiro da Babilônia, e foi cunhado à luz da Tradição Sacerdotal.

Na cultura dos gregos, encontramos uma outra origem primordial de tudo, o Caos, de

onde surgem Uranos (céu), principio ativo, luminoso e masculino e Gaia (terra), princípio

passivo, obscuro e feminino. Originadas a partir de Uranos e Gaia aparecem figuras

mitológicas monstruosas como os Titãs, os Ciclopes e os Hecatôngiros, que representam as

forças cegas da natureza. O homem é formado a partir da união entre Chronos, um dos

Hesíodo (viveu no século VIII ac.), natural de Ascra, na Beócia, autor de Teogonia – A origem dos deuses e de Os trabalhos e os dias.

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Titãs e Rhea, filha de Caos. A essência do homem é simbolizada como uma luta que

devemos travar entre a consciência, representada por Zeus, e as tendências instintivas e

inconscientes representadas pelos irmãos de Zeus: Poseidon (satisfação perversa do desejo),

Hades (inibição perversa do desejo), Hestia (pureza que despreza a libido), Demeter

(instinto da fecundidade) e Hera (símbolo do amor e da libido).

Os Mitos Gregos foram herdados através da obra de Hesíodo intitulada de A Teogonia.

Nela, a natureza é apresentada como a manifestação progressiva dela mesma, através de

uma série de etapas. É uma aparição com caráter ôntico. Assim, a natureza se mostra em

várias ordens de ser. Há, no entanto, uma certa organicidade no desvendar da natureza,

porque cada grau dela está contido no anterior.

O Mito Cosmogônico Grego foi estudado por Jean Ladrière nas Lições de Critica das

Ciências e de Cosmologia. Nelas, ele diz que há, nos Mitos Gregos, uma sucessão de

aspectos: um, situado no terreno ontológico, que deve ser interpretado como um

balizamento dos fundamentos, sendo que cada etapa permanece no interior das etapas

ulteriores. Isso significa que cada dobra da realidade continuará exercendo sua virtude no

interior das dobras subseqüentes. O que também significa no ponto de vista abstrato, que

cada dobra da mesma realidade representará uma verdadeira condição da realidade global.

Já a sucessão, para ele, significa que cada etapa continuará presente no interior das

seguintes e que cada uma dessas etapas é uma condição para as ulteriores. Assim, tem-se

um encadeamento das condições e dos fundamentos. Por um outro lado, observa-se que

esse processo se origina no Caos. Isso não significa uma simples desordem ou uma mistura

primordial, mas um pano de fundo em que tudo aparece, e esta unidade abrange e sustenta

tudo.

A formação do mundo, segundo Jean Ladrière, é explicada por uma oposição de

princípios contrários, ou seja, um princípio ativo e um princípio passivo; um princípio

O físico e filósofo Jean Ladrière, da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, um dos mais importantes estudiosos contemporâneos das questões filosóficas levantadas pela hodierna Cosmologia.

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celeste e um princípio terrestre. O céu e o espaço são considerados um receptáculo do

universo. O elemento luminoso, formador e legislador, é o princípio da ordem.

A terra (Gaia) é uma potência de desordem, um princípio de opacidade, aquilo que

opõe resistência e que carece da forma. Em virtude dessa resistência explica-se a

multiplicação e a divisão dos seres. O processo gerador é ensejado pela união do céu e da

terra, o que dá a entender que o movimento fundamental da realidade é a união destes dois

elementos e que este encontro torna-se, ao mesmo tempo, uma luta de oposição e

complementaridade.

Os pré-socráticos se satisfizeram dando uma tradução conceitual às imagens dos Mitos

Cosmogônicos Gregos, muito embora a sua tradução não tenha sido de um modo

instantâneo. Eles discorriam sobre os elementos que constituíam o todo, e enfatizavam a

multiplicação deste em quatro elementos: a água, o fogo, a terra e o ar. O seu maior

interesse consistia em traduzir as imagens em alguma coisa que não deixasse de ser

imagem, mas que dissesse alguma coisa a mais.

Tales de Mileto, por exemplo, diz que o constitutivo de tudo é a água, não fazendo

referência apenas ao elemento físico, mas querendo retornar ao princípio de onde tudo

provém. Nietzsche considera Tales o primeiro metafísico só porque ele procurava a origem

última dos seres, muito embora fosse também um físico preocupado com as análises

experimentais dos elementos.

É no Mito que a metafísica grega, considerada a mais evoluída após o ciclo pré-

socrático, se inspira na busca de uma estrutura conceitual que representará a realidade. A

imagem do Caos acaba sendo substituída, em Aristóteles, pelo conceito do Ser, Uranos é

compreendido como Ato e Gaia como Potência. A partir disto, os elementos fundantes da

metafísica, a Potência e o Ato, tornam-se base conceitual da filosofia ocidental ate o início

do período moderno.

O aparecimento do Logos

As divisões filosóficas não apareceram da noite para o dia, mas surgiram durante os

séculos VI ac até o IV dc, longo período durante o qual houve um diálogo continuado entre

mitologia e filosofia. Heráclito de Efeso, numa de seus fragmentos datado do século VI ac,

mostra a presença das imagens plásticas originárias dos Mitos. Segundo esse fragmento,

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O fogo se converte em mar, e uma metade do mar vira terra, enquanto a outra se converte em nuvem ardente. No entanto, o mar não cessa de provir do mesmo lógos, a partir de qual ele se originou, antes mesmo de que nascesse a terra. 1

Neste trecho encontramos as imagens oriundas dos Mitos Gregos como o mar, a terra,

as nuvens ardentes, que nos lembram os quatro elementos, mas a última imagem da nuvem

ardente aponta para o ar, que representa o fogo, que é ardente. O conceito filosófico mor

aparece na forma explícita da palavra da razão, que dá o nome ao mundo e a todos os seres

presentes nele, o Lógos.

Platão em pleno século V ac, no momento do florescimento da filosofia grega, utiliza as

figuras míticas e as traduz nos seus conceitos arquetípicos. Suas obras filosóficas têm

expressões poéticas em forma de diálogos, se referindo aos Mitos tradicionais da Grécia

clássica. Ele coloca, de uma forma genial, em estreita relação as figuras míticas e os

conceitos fundamentais da filosofia como ser, arquétipo, ética, razão, finalidade, amor,

felicidade, etc.

Platão, na sua obra A Republica, escreve que “que o mito foi salvo do esquecimento e

não se perdeu. Ele pode, se lhe dermos crédito, salvar-nos a nós mesmos”. A razão,

segundo Platão, seria incapaz de encontrar uma direção sozinha para continuar na sua

caminhada. Assim há uma necessidade dela se projetar sobre a tradição mítica da

humanidade, para que venha a se renovar e voltar a indagar com toda força sobre o começo

de tudo.

As tradições míticas, como se verifica, inserem-se atualmente na literatura e na religião,

assim como na ciência, que se tornou a hodierna manifestação do mito de Prometeu. O

dialogo constante entre a filosofia e as grandes criações da humanidade como a arte, a

ciência e a religião, é o jeito pelo qual a filosofia poderá dar uma resposta adequada aos

problemas insolúveis que ainda hoje, assim como há cem mil anos, angustiavam à

humanidade.

Augusto Comte (na primeira metade do século XIX), formulou no seu Curso de

Filosofia Positiva, a lei dos três estados segundo a qual a razão humana passa por três

etapas decorrentes da sua evolução, tanto do ponto de vista dos indivíduos (ontogênese)

como da espécie (filogênese). Segundo o postulado, tanto os homens individuais, quanto a

1 Citado por VÉLEZ-RODRÍGUEZ, Ricardo. Teoria do Conhecimento I – Notas de Aula. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, 1995.

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espécie humana, tentaram sempre representar e explicar o mundo de maneira teológica,

através das imagens míticas. Depois, eles foram capazes de analisar e pensar de forma mais

filosófica ou metafísica e, mais adiante, através de um processo denominado de evolução

progressiva da razão, é que eles chegaram à elaboração das explicações positivas ou por

assim dizer cientificas, que formaram a mais perfeita e definitiva forma de conhecimento, o

que levou a abandonar as outras duas formas de representação (a teológica e a metafísica).

As explicações de Comte contêm partes que podem ser consideradas verdadeiras e

outras que podem ser falsas. O filósofo francês acerta ao reconhecer que as três formas de

conhecimento (a mítica, a metafísica e a cientifica) estão intimamente ligadas entre si. No

entanto, Comte erra quando, ao hiper-valorizar a ciência, exclui o mito e a metafísica, como

formas de conhecimento úteis à humanidade.

Vale a pena recuperar a validade da teoria de Comte ao inserir as três formas de

conhecimento num quadro de contemporaneidade, tornando o mito, a metafísica e a ciência,

formas de conhecimento que se completam e se implicam, não podendo se anular

reciprocamente. Cada uma destas formas possui um tipo de conhecimento que difere

qualitativamente. Ainda que valorizemos as ciências, elas não seriam capazes de negar a

virtude dos mitos, que se tornam manifestos nos símbolos religiosos e nas tradições

populares. E muito menos as ciências podem excluir a filosofia, que salva as dimensões

holísticas do real, dando um sentido à existência humana.

O homem contemporâneo, embora cercado pela ciência e pela tecnologia, é contribuinte

das tradições mitológicas e as aceita, sem contenda, porque elas fazem parte da sua criação

cultural. As figuras míticas são personagens como heróis e bandidos, monstros primordiais

(representações da força cega da natureza) e a própria automação, que é criação

prometeica. A magia da imaginação mítica motiva o aparecimento de leitmotivs da criação

literária como os filtros de amor ou as poções mágicas, que antecipam a alquimia e os

modernos analgésicos.

O filósofo francês Augusto Comte (1798-1857), autor da Teoria dos Três Estados, no seu Curso de Filosofia Positiva.

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Sendo assim, não vem ao caso exilar os mitos do nosso convívio, mas evitar que eles

venham a nos enfadar, acabando com o simples uso da razão. A melhor maneira de os

deixar vivos e nos seus limites é a sistemática prática da reflexão filosófica, relacionada às

modalidades culturais, nas quais se encarnaram a literatura e as tradições populares (que

formaram o folclore da religião e da ciência).

O primeiro homem

Na história da humanidade, existem várias teorias e mitos sobre a origem do homem.

Diversas civilizações vivem à procura de sua origem e de como se deu a formação dos

primeiros humanos. Até mesmo povos que vivem isolados e que jamais tiveram contacto

com uma outra civilização, possuem uma estória primordial (ou mito), que os ajuda a se

compreenderem, e lhes traz um significado à sua existência.

Um exemplo destes mitos é o concernente à comunidade indígena dos Kamaiurás, que

habitam na região centro-oeste do Brasil. Em seu relato mítico, eles contam que a origem

do primeiro homem aconteceu da seguinte maneira:

No princípio só existia Mavutsinim que vivia sozinho na região do Morená. Não tendo família nem parentes, possuía apenas para si o paraíso inteiro. Um dia sentiu-se muito, muito só. Usou então de seus poderes sobrenaturais, transformando uma concha em uma linda mulher e casou-se com ela. Tempos depois nasce seu filho. Mavutsinim sem nada explicar levou a criança à mata, de onde não mais retornaram. A mãe desolada voltou para a lagoa transformando-se novamente em concha. Apesar de ninguém ter visto a criança, os índios acreditam que do filho de Mavutsinim tenham se originado todos os povos indígenas. Foi também Mavutsinim quem criou de um tronco de árvore a mãe dos gêmeos Sol-Kuat e Lua-Iaê, responsáveis por vários acontecimentos importantes na vida dos xinguanos, antes de se tornarem astros. 2

Este mito indígena se assemelha muito com o mito da criação que aparece no Livro do

Gênese, na Bíblia Judaico-Cristã. Nesta narrativa, o sopro de Deus, o Ruaj de Elohim, se

movia sobre o abismo, criando em primeiro lugar a luz, e depois fazendo surgir no cosmo

os astros e as estrelas, e fez ainda a separação das águas inferiores das águas superiores.

Das águas inferiores ele fez aparecer a terra e nela colocou as pedras, vegetais, animais e

homens. Tudo isso encontra-se registrado no Livro do Gênese, 1: 1-31.

Há também um relato sobre a criação do cosmo, mais antigo do que o mencionado.

Trata-se de uma narrativa configurada à luz da Tradição Yahvista, segundo a qual do Barro

2 VÉLEZ-RODRÍGUEZ, Ricardo (organizador). Seminário sobre a Filosofia dos mitos indígenas. Universidade Federal de Juiz de Fora: Núcleo de Estudos Ibéricos e Ibero-Americanos, 2004, p. 12.

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primordial Yahvé formou o homem e, soprando nas suas narinas o Sopro da Vida, deu-lhe a

alma, conforme à sua imagem e semelhança.

Temos ainda este relato na tradição cristã, que hoje é acessível a todos de forma simples

e clara. Essa tradição diz que:

No principio, criou Deus os céus e a terra. A terra era sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava sobre as águas, e disse Deus haja luz; e houve luz” (Gen. 1:1-3).

Assim seguiu Deus criando todas as coisas, criou Deus os astros e as estrelas, separou a

noite do dia, fez separação das águas e da terra, nas águas ele criou todos os animais

marinhos, e na terra ele criou a natureza, e seus animais. E por ultimo criou Deus o homem

à sua imagem e semelhança. O homem foi criado por Deus da seguinte forma:

Não havia ainda nenhuma planta do campo na terra, pois ainda nenhuma erva do campo havia brotado; porque Deus não fizera chover sobre a terra, e também não havia homem para lavrar o solo. Mas uma neblina subia da terra e regava toda a superfície do solo. Então, formou Deus ao homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente. (Gen. 2:5-7).

Estes mitos têm, na sua elaboração, a mesma estrutura. Há sempre uma tríade (que é

uma característica comum aos Mitos Cosmogônicos). E, em muitos desses mitos, tudo se

origina a partir das águas primordiais. Estes mitos, também, servem para nos mostrar que

de uma solidão é que veio a idéia de criação. E nos revelam que, da mesma forma que

fomos criados, há em nós uma necessidade de criar.

Considerações finais

Conclui-se então que os mitos, por mais estranhos e confusos que possam parecer, são

as únicas referências que temos para nos darmos explicações acerca do nosso passado. Eles

nos fazem entender o nosso presente e nos conduzem até o futuro. Não se pode, em

hipótese alguma, desconsiderar um mito, pois ele sempre estará indicando uma possível

verdade sobre nossa origem e formação. Um homem sem passado é um homem sem futuro.

Ritual do Kuarup (A festa dos mortos) celebrado pelas comunidades indígenas do Xingu.

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Muito embora nem todos buscam a fundo saber sobre os acontecimentos primordiais,

existem aqueles que procuram e buscam uma resposta, e é por esta razão que hoje temos

esta infinidade de mitos, que nos auxiliam para termos uma melhor compreensão de nós

mesmos. Devemos, pois, estudar muito e pesquisar os mitos, por acreditar que neles pode

estar a chave para a compreensão do grande mistério do cosmo.

Bibliografia Consultada:

Bíblia Sagrada. (Tradução de João Ferreira de Almeida, revista e atualizada). 2ª Edição. São Paulo: Editora Vida / Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.

COMTE, Augusto. Curso de Filosofia Positiva. (Tradução de José Arthur Giannotti). São Paulo: Nova Cultural, 1988.

DROZ, Geneviève. Os mitos platônicos. (Tradução de José Arthur Giannotti). Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1997.

ELIADE, Mircea. Aspectos dos mitos. (Tradução de Manuela Torres). Lisboa: Edições 70, 1986.

HESÍODO. Teogonia – A origem dos deuses. (Estudo e tradução de J. Torrano). São Paulo: Ohno-Kempf Editores, 1981.

LADRIÈRE, Jean. Éléments de critique des sciences et de cosmologie. Louvain: Université Catholique, 1966.

PLATÃO. La República. (Tradução do grego ao espanhol, a cargo de José Tomás y García; nota preliminar a cargo de Ricardo Baeza). Buenos Aires: Emecé Editores, 1945.

VÉLEZ-RODRÍGUEZ, Ricardo. Seminário sobre a Filosofia dos mitos indígenas. Universidade Federal de Juiz de Fora: Núcleo de Estudos Ibéricos e Ibero-Americanos, 2004.

VÉLEZ-RODRÍGUEZ, Ricardo. Teoria do Conhecimento I – Notas de Aula. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, 1995.

VÉLEZ-RODRÍGUEZ, Ricardo. Tópicos especiais de Filosofia Moderna. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora; Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 1995.