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MITO, SIMBOLISMO E ORALIDADE:
A INTERPRETAÇÃO GEOGRÁFICA DOS MITOS DOS ORIXÁS
LIMA, Rafael Rebello de
Discente de Geografia, UNESP - Campus de Rio Claro
INTRODUÇÃO
O modo como se deu a miscigenação entre os nativos, os negros oriundos de terras africanas
e os brancos europeus baseados num sistema escravista admite diversas leituras. Pensando no
exposto acima, este texto busca uma autocritica da ciência moderna, que orienta o pensamento
apenas para a reprodução do modo de vida ocidental, europeu, capitalista e positivista de se pensar
o mundo.
Por isso, coloca-se como desafio principal compreender e valorizar o processo de
concentração, troca e expansão de conhecimentos pautados pela prática da oralidade e da figura do
griô - que guarda em sua memória os mistérios filosóficos, mitológicos e religiosos contidos na vida
do povo brasileiro.
Para alcançar tal objetivo este trabalho busca interpretar os fenômenos geográficos através
da investigação das mitologias dos sagrados Orixás, a partir dos textos do antropólogo Pierre Verger
e do sociólogo Reginaldo Prandi. O simbolismo foi uma opção metodológica à medida que a
subjetividade, literatura, poesia e a musicalidade da cultura popular brasileira serão elementos
fundamentais para uma reflexão sobre a teoria e o método da ciência geográfica atual.
Escolheu-se compartilhar o mito dos Orixás Oquê e Iemanjá (PRANDI, 2006), utilizados
metodologicamente nas aulas de Geografia no Cursinho Comunitário da UNESP, no Campus de Rio
Claro, para estimular e comparar visões de mundo.
Neste trabalho propõe-se interpretar geograficamente alguns mitos dos Orixás, ou seja, dois
pontos não bem aceitos pela ciência moderna: os mitos, entendidos muitas vezes enquanto estórias
inventadas e passadas oralmente por griôs e, por isso, sem fundamentos real e com significativas
variações devido a oralidade e os orixás enquanto entidades religiosas de matriz africana e, portanto,
um conhecimento também não considerado por se tratar de valores ancestrais simbólicos.
OBJETIVO
Levantar outras formas de conhecimento como metodologias possíveis para interpretação
dos fenômenos geográficos, em detrimento de um modo científico moderno positivista de pensar o
mundo que massacra os saberes ancestrais e ignora os fluxos culturais e seus desdobramentos. Para
tanto, compartilhar-se-á o mito dos Orixás Oquê e Iemanjá (PRANDI, 2006), utilizados
metodologicamente nas aulas de Geografia sobre formação e configuração da Terra, além de ter
proporcionado a discussão com os alunos acerca da cosmovisão africana, formação do povo
brasileiro e intolerância as religiões afro-brasileiras.
METODOLOGIAS
A partir do embasamento teórico de Prandi (2006) e Fernandes (2007) e das experiências no
Cursinho Comunitário da UNESP, no Campus de Rio Claro, construiu-se esse trabalho no sentido
de dialogar autores e contextos. Levantar outras formas de conhecimento como metodologias
possíveis para interpretação dos fenômenos geográficos é refletir sobre como se dao as bases do
pensamento cientifico moderno e, mais especificamente, refletir sobre o ensino e a pesquisa em
Geografia no Brasil.
Motodologicamente optou-se por não se preocupar em conceituar mito, simbolismo e
oralidade, mas explicitar que tais noções são necessárias para a interpretação geográfica dos mitos
dos orixás e sua afirmação enquanto conhecimento valido e possível de uso pedagógico.
Fazer Geografia no Brasil sob o prisma da cultura popular brasileira é compreender que “Há
tantas Geografias quantas são as percepções do mundo”, como nos atenta Gomes (1996, p. 327). As
realidades culturais passam a ser relevantes nas análises geográficas a partir dos anos de 1980,
desdobrando-se em diversas abordagens culturais na geografia humana (CLAVAL, 2008). As
dimensões do econômico, do político e do social nunca existiram como categorias imutáveis e
independentes do espaço onde se encontram, mas, contudo dependem da cultura no seio da qual
funcionam.
A CIÊNCIA MODERNA E A DESVALORIZAÇÃO DAS OUTRAS FONTES DE
CONHECIMENTO
O modo científico moderno positivista de pensar o mundo massacra os saberes ancestrais,
ignorando os fluxos culturais e seus desdobramentos. Para Boaventura de Sousa Santos (2005), o
processo de constituição da ciência moderna como única forma de conhecimento válido, remonta do
século XVII, na Europa. Após sua vitória “a ciência moderna conquistou o privilégio de definir não
só o que é ciência, mas muito mais do que isso, o que é conhecimento válido”. Esse processo
histórico teria sido ainda mais violento nas áreas do mundo vítimas do colonialismo europeu e
mesmo o fim do colonialismo político não teria rompido com a colonialidade do poder e do saber
(LIMA & COSTA, 2010).
Outro fator que favoreceu a dominação cultural foi a ausência da escrita – como forma
hegemônica de registro – em muitas sociedades africanas serviu, inclusive, para que o Ocidente
constatasse o “atraso” daquele continente e a “barbárie” em que seu povo “ágrafo” e “sem história”
estaria imerso. Interpretações como essas, realizadas e afirmadas por intelectuais como Hegel e
Kant justificaram não só a dominação, mas todas as formas de violência desfechadas pelo Ocidente
durante o processo de colonização dos reinos e comunidades africanas.
A ciência moderna fomentou o surgimento da visão ideológica das relações entre o
conhecimento e a escrita, criando percepções negativas das comunidades e
sociedades que não utilizavam a escrita como forma de comunicação e registro.
(LIMA & COSTA, 2010, p.220).
O manejo da escrita ocidental foi percebido por pensadores iluministas como Jean-Jacques
Rousseau que considerava a existência das maneiras de escrever das sociedades e estabelecia uma
hierarquia entre elas, considerando os europeus organizadores da fala em alfabeto como o auge da
civilização. Estas e outras ideias iluministas teriam fundamentado um entendimento de que o
homem europeu e sua cultura seriam mais civilizados em relação aos demais, o que justificaria,
assim, a necessidade de sua universalização.
OS GRIÔS NO BRASIL: ORALIDADE, ANCESTRALIDADE E MEMÓRIA
O primeiro passo para investigar a cosmovisão das religiões de matriz africana é
compreender que as suas bases de conhecimentos se expressam pela oralidade, ancestralidade e
memória de um povo. Em linhas gerais, entendemos por tradição oral o universo de vivência dos
saberes e fazeres da cultura de um povo, etnia, comunidade ou território que é criado e recriado,
transmitido e reconhecido coletivamente através da oralidade, de geração em geração. (LIMA &
COSTA, 2010).
Antes da colonização do continente africano pelos europeus, no século XV, a maioria dos
povos utilizava a oralidade como forma de registro e transmissão de conhecimentos, dos legados
dos antepassados, histórias, mitos e cosmologias. Apesar da colonização e das investidas vorazes do
modelo de globalização capitalista, ainda são encontradas diversas comunidades e formas de viver
que utilizam tradicionalmente a oralidade como forma de registro e transmissão de conhecimentos,
bem como sua história e memória social.
Segundo Dagoberto José Fonseca, as civilizações africanas saarianas e subsaarianas estão
fortemente ligadas à palavra e à tradição oral e, por isso, a escrita seria um fator secundário pra elas.
Assim Fonseca conclui que nessas “sociedades da oralidade” a fala, além de ser um meio de
comunicação cotidiana, também se apresenta como o meio de preservação da sabedoria e de
conhecimento dos antigos e dos ancestrais. Na região do Mali e Guiné pode ser encontrada a figura
do griot, termo de origem francesa que, segundo o historiador Djibril Tamsir Niane, seriam uma
pessoas mais idosa que assume uma posição de destaque, pois lhes cabiam a função de transmitir a
tradição histórica: eram os cronistas, genealogistas, arautos, aqueles que dominavam a palavra,
eram excelentes poetas; mais tarde passaram também a ser músicos, visitando povoações onde
tocavam e falavam do passado. Muitas vezes eram confundidos com o “feiticeiro”, pois podiam
exercer a função de “adivinho”. (LIMA & COSTA, 2010, p. 221).
É nesse sentido que se pode situar a apropriação brasileira do griot africano: em um contexto
de recriação e reelaboração de práticas africanas no Brasil diante do processo de colonização e
diáspora. Ao longo das últimas décadas, movimentos sociais de caráter étnico e cultural se
reapropriaram de conceitos, valores e práticas de tradição africana e indígena, fortemente
estruturados em torno da oralidade e dos saberes populares ligados à cura, à arte, à espiritualidade e
celebração, para ressignificarem, no contexto moderno, as culturas negras e também indígenas, com
o intuito de realizar apropriações propositivas a serviço da luta política, como instrumento de ação
cultural e educativa.
No Brasil, tanto as populações africanas em diáspora, quanto as populações indígenas locais
apresentavam formas de organização em que a transmissão dos conhecimentos e técnicas, bem
como cosmogonias e a própria história e memória das comunidades eram transmitidas de forma oral
e se baseavam na experiência do mundo. Ainda que o processo de colonização tenha investido na
subalternização dessas culturas, por meio de estratégias de dominação do colonizado pelo
colonizador, muitas práticas foram recriadas no contexto colonial resistindo a processos de
etnocídio.
Olúmúyiwá Anthony Adékòyà, em seu livro ”Yorùbá: tradição oral e história” demonstra a
importância das palavras na tradição Iorubá, já que elas não apenas “promovem o encontro dos
homens com o sagrado, mas agem como construtoras da personalidade e como manifestações das
forças vitais.’’ Assim, as palavras na cosmogonia Iorubá revelariam o mundo concreto e a
identidade cultural do grupo: uma vez que, a voz e a respiração constituem importantes
instrumentos, tendo em vista que a oralidade das palavras é apreensão dos conhecimentos ao
homem, a fim de que este encontre seu respectivo lugar e função na vida social.
A migração forçada desta etnia e muitas outras para o Brasil, no contexto da colonização e
do tráfico Atlântico de escravizados, obrigou-os a enfrentar condições extremamente adversas no
novo território. Assim, os Iorubás foram forçados à adaptação neste contexto, neste processo
histórico perderam grande parte de sua memória coletiva e do conteúdo significativo das palavras
sendo, por isso, observável diferenças no cerimonial dos rituais dos Nagôs brasileiros, ainda que as
referências sejam as raízes culturais africanas.
Desde a colonização até os dias atuais ocorreu um grande sincretismo na constituição do
povo brasileiro, segundo Ribeiro (2005), a miscigenação entre as três principais raízes étnicas,
indígena, europeia e africana, legaram diversas lendas, danças, alimentos, plantas e múltiplas
manifestações que revelam essa herança cultural como um dos principais patrimônios do Brasil:
Os novos núcleos puderam brotar e crescer, em condições tão inviáveis, em meio
tão diverso do europeu, por que aprenderam com o Índio a identifica, a denominar
e a classificar a natureza tropical, distinguindo as plantas úteis das venenosas, bem
como as apropriadas à alimentação e as que serviam a outros fins. Aprenderam,
igualmente, com eles, técnicas eficazmente ajustadas às condições locais e às
diferentes estações do ano, relativas ao cultivo e preparação de variados produtos
de suas lavouras, à caça na mata e à pesca no mar, nas lagoas e nos rios. Com os
índios aprenderam, ainda, a fabricar utensílios de cerâmica, a trançar esteiras e
cestos para compor a tralha doméstica e a de serviço, a tece redes de dormir e
tipoias para carregar as crianças. Foi com os índios, que também, aprenderam a
construir as casas mais simples, ajustadas ao clima, como os mocambos, com os
materiais da terra nas quais viviam gente comum; a fabricar canoas de casca de
árvores, ou cavadas a fogo em um só tronco. (RIBEIRO, 2005, p.126).
Contudo, a violência e os genocídios cometidos contra os ameríndios e os africanos na
escravidão fazem da mestiçagem um fenômeno que marca o início de uma sociedade desigual e
preconceituosa, naquela busca pela sua identidade, mesmo em uma sociedade escravista, o
brasileiro enaltece o modo de vida europeu e passa a considerar como subalterno tudo que era
nativo ou negro. Assim se estabelece este projeto de Brasil, baseado no sistema escravista
(RIBEIRO, 2005).
Essa miscigenação entre nativos sul-americanos, negros africanos e europeus legou uma
grande problemática racial, tal como argumenta Fernandes (2007). O aspecto da situação racial no
Brasil revela e, ao mesmo tempo, mascara o preconceito e a discriminação de raça e de cor. Para o
autor essa situação constitui uma falsa democracia racial, pois o europeu branco, senhores rurais e
urbanos, acabam por impor a exploração e dominação social sobre os nativos americanos e negros
africanos.
A legislação romana oferecia as ordenações da coroa os elementos mercê, as quais seriam
possíveis classificar os nativos e os africanos como coisas, como bens móveis, estabelecendo a
transmissão social através da mãe (partum sequitur ventrem) e negar ao escravo qualquer condição
humana (servus personam non habet). Assim o sistema econômico, politico, social e cultural de
relações capitalistas evidenciam o problema da cor como herança do passado, nos colocando como
empasse nos dias atuais de democracia, a desigualdade social e a estratificação social.
(FERNANDES, 2007).
Na sociedade brasileira, as influências materiais e simbólicas das tradições orais africanas e
indígenas se fizeram presentes, sobretudo, nos meios rurais, no “mundo mais eletivo da
reciprocidade comunitária” e, entre os estratos mais pobres da população: indígenas, mestiços,
negros escravizados, alforriados, mestiços suburbanos, subproletários.
A oralidade é a grande escola da vida e dela recupera e relaciona todos os aspectos. Pode
parecer caótica àqueles que não lhe descortinam o segredo e desconcertar a mentalidade cartesiana e
positivista acostumada a separar tudo em categorias bem definidas. Dentro da tradição oral, na
verdade, o espiritual e o material não estão dissociados [...] Ela é ao mesmo tempo religião,
conhecimento, ciência natural, iniciação à arte, história, divertimento e recreação.
É nesse contexto cultural que podemos situar a apropriação do griot africano pelo Griô
brasileiro. A partir dessas matrizes culturais africanas e indígenas desenvolvem-se diversos grupos
que têm na tradição oral a transmissão de seus conhecimentos e saberes advindos da vivência e
experiência do mundo.
Os Griôs seriam as pessoas responsáveis pelos ensinamentos e transmissão de
conhecimentos tradicionais, ligados à oralidade e a saberes referentes ao mundo sagrado e profano.
Assim poderíamos identificar como Griôs as rendeiras, as mães e pais-de-santo, as reiseiras, os
mestres de capoeira, os mestres de samba-de-roda, as rezadeiras e curadores, as parteiras e muitos
outros personagens representantes da sabedoria da tradição oral.
Na sociedade brasileira, as influências materiais e simbólicas das tradições orais africanas e
indígenas se fizeram presentes, sobretudo, nos meios rurais, no “mundo da reciprocidade
comunitária” entre os estratos mais pobres da população: indígenas, mestiços, negros escravizados,
alforriados, mestiços suburbanos, subproletários. Nesse contexto, estes estratos conformariam a
cultura popular brasileira, que segundo Alfredo Bosi (1992), para ter sua complexidade
compreendida, deve ter considerada a indivisibilidade da esfera material da existência com a esfera
simbólica ou espiritual.
Bosi (1992, p.317) afirma que a “Cultura popular implica modos de viver: o alimento, o
vestuário, a relação homem-mulher, a habitação, as práticas de cura, a divisão de tarefas durante a
jornada de trabalho, os cantos, as danças.”
Nesse sentido se faz percebe a importância da Lei 10.639, promulgada em janeiro de 2003,
é atualmente o principal instrumento de combate ao racismo no campo da educação. Fruto de lutas
históricas do Movimento Negro Brasileiro, ela vem tendo sua aplicação marcada por uma
pluralidade de formas de atuação, que dá cada vez maior amplidão e complexidade aos
desdobramentos da Lei. Esta é uma oportunidade de valorizar as raízes culturais indígenas e
africanas.
OS ORIXÁS E SEUS MITOS: SOBRE OS HOMENS E SEUS DETINOS
Um babalaô me contou: “Antigamente, os orixás eram homens. Homens que se tomaram
orixás por causa de seus poderes. Homens que se tomaram Orixás por causa de sua sabedoria. Eles
eram respeitados por causa da sua força, Eles eram venerados por causa de suas virtudes. Nós
adoramos sua memória e os altos feitos que realizaram. Foi assim que estes homens tomaram-se
orixás. Os homens eram numerosos sobre a Terra. Antigamente, como hoje, Muitos deles não eram
valentes nem sábios. A memória destes não se perpetuou. Eles foram completamente esquecidos;
Não se tomaram Orixás. Em cada vila, um culto se estabeleceu Sobre a lembrança de um ancestral
de prestígio E lendas foram transmitidas de geração em geração, para render-lhes homenagem”.
(VERGER, 1997)
Para os Iorubás e os seguidores da religião nascida no Brasil, o Candomblé, os Orixás são
deuses que receberam de Olorum, o ser supremo, a incumbência de criar e governar o mundo,
ficando cada um deles responsável por alguns aspectos da natureza e também da condição humana
(PRANDI, 2006). Para eles, os homens e mulheres descendem dos Orixás, e cada um herda dos
orixás suas marcas e características, que formam arquétipos relatados nos mitos. Isso nos revela que
através dos mitos se pode alcançar o passado, interpretar o presente e ainda se predizer o futuro,
pela transmissão oral, ou seja, as mitologias são verdadeiros oráculos de onde podemos
compreender o destino, o Odú.
Conta-se nas histórias que um dia em terras africanas dos povos Iorubás, um mensageiro
chamado Exu andava de aldeia em aldeia a procura da solução dos problemas que afligiam tanto os
homens como os sagrados Orixás. Conta o mito que Exu foi aconselhado a ouvir do povo todas as
histórias que falassem dos dramas vividos pelos Orixás, humanos, animais e todos os seres que
dividem a terra. Todas as narrativas deveriam ser consideradas. Exu também deveria estar atento
aos relatos sobre as providências a serrem tomadas e as oferendas feitas aos Deuses para se chegar a
um final feliz em cada desafio enfrentado.
Assim fez ele reunindo 301 estórias, de acordo com o sistema numérico Iorubá, um número
incontável de estórias, ao terminar a sua missão, o paciente Orixá mensageiro tinha diante de si todo
o conhecimento para desvendar os mistérios sobre a origem e o governo da natureza, sobre todos os
Odus dos homens, mulheres e crianças, sobre o caminho de cada um na luta contra os infortúnios
que atormentam, tais como a pobreza, a derrota, a infertilidade, a doença e até a morte.
Conta-se também, que todo este saber foi dado a um adivinho de nome Orunmilá, também
chamado de Ifá, que passavam este saber aos pais do segredo. Os Babalaôs aprendem as histórias
primordiais que relatam os fatos do passado e que se repetem na vida dos homens e mulheres que
tem os Orixás como ancestrais. Para eles, identificar no passado mítico os acontecimentos do
presente é a chave da decifração oracular. Acredita-se que o Odú é um capítulo dessas histórias
míticas, que é capaz de identificar tanto os problemas quanto a solução na vida das pessoas, o papel
do Babalaô é saber em qual parte se encontra a vida da pessoa.
A FORMAÇÃO E CONFIGURAÇÃO DA TERRA NOS MITOS DOS ORIXÁS:
Os mitos dos orixás falam da criação do mundo, relatam uma infinidade de situações
envolvendo, os deuses e os homens, os animais e as plantas, elementos da natureza e da vida em
sociedade. Dessa maneira, os mitos passam a ter uma profunda questão geográfica, pois
fundamentam a relação existente entre homem, natureza e o espaço. Pensando sobre este aspecto,
foram usadas as mitologias sobre Iemanjá (Orixá das águas) e Oquê (Orixá da terra) nas aulas do
cursinho comunitário da Unesp - Ourinhos (CACUO), para estudo nas aulas de Geografia acerca
dos processos geológicos, geomorfológicos e hidrográficos, a partir de uma compreensão da
natureza do elementos água e terra e, até mesmo, da diferenciação entre os sexos masculino e
feminino.
OQUÊ SURGE DO FUNDO DO MAR: No princípio, Olocum reinava só no mundo. Olorum fez
o mundo de água e era Olocum quem governava. Tudo no início era mar, tudo era Olocum e
Olorum já estava entediado com a vastidão sem fim das águas. Foi então que Oraniã, com toda a
força que lhe dera Olorum fez surgir do fundo do oceano o primeiro monte de terra, a primeira
colina sobre as águas, a montanha Oquê. Oquê que significa montanha na língua dos antigos, ele
surgiu das profundezas dos mares pela vontade de Olorum, desde então passou a existir além dos
mares, as terras de Oquê. Assim nasceu Oquê o orixá das montanhas, sobre o monte a vida dos
humanos foi possível. Olodumarê então reuniu os demais orixás em cima de Oquê e indicou a cada
um de seus filhos onde seria o seu domínio neste mundo. Os orixás puderam reinar sobre a terra,
mas muitos que vieram depois esqueceram Oquê, sem Oquê nenhum dos Orixás poderia fazer nada,
por isso devesse sempre fazer oferendas e ele. O que aconteceria se oque voltasse para o fundo das
águas e deixasse Olocum dominando o mundo sozinho?
IEMANJÁ FOGE DE OQUERÊ E CORRE PARA O MAR: Quando Iemanjá conheceu Oquê,
Oquê ficou encantando com sua beleza, propôs-lhe casamento. Ela concordou desde que nunca
fizesse alusão as seus seios. Seus seios eram grandes e volumosos, pois Iemanjá havia amamentado
muitos filhos. Em troca ela nunca falaria dos defeitos de Oquê, não falaria de seus testículos
exuberantes, de sua maneira de beber demais, nem entraria em seus aposentos pessoais. Esses eram
os Tabus de Iemanjá e Oquê. Um dia Oquê voltou para casa embriagado, tropeçou em Iemanjá,
vomitou no chão da sala. Iemanjá o reprimiu chamando de bêbado, Chamou de imprestável. Oquê
perdeu o domínio das palavras, ficou enfurecido e ofendeu Iemanjá, fazendo comentários grosseiros
sobre seus seios, Iemanjá falou mais sobre os defeitos dele, como bebia demais e sua exagerada
genitália. Entrou no quarto dele e apontou a confusão que lá reinava. Não havia mais uma
reconciliação possível. Os tabus foram quebrados. Oquê quis surrar Iemanjá e ela fugiu. Iemanjá
saiu em fuga para Olocum, o mar. Mas Oquê , que a perseguia, tentou impedi lá de abandoná-lo,
transformou-se ele próprio numa altíssima montanha, que impedia o curso de Iemanjá para o mar,
Oquê transformou-se para impedi-la de encontrar o mar. Iemanjá ficou presa neste dia e chamou em
seu auxílio seu filho Xangô, seu filho poderoso, Xangô pediu oferendas e no dia seguinte provocou
a chuva. E quando a tempestade ficou forte, Xangô lançou um raio, que num estante dividiu a
montanha Oquê em dois, formando um vale profundo para a passagem da sua mãe, o rio livre
começou a correr pro mar. Assim Iemanjá foi se aconchegar no colo de Olocum se tornando a
rainha do Mar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Continua-se realizando leituras sobre mitos dos Orixás, griôs e sobre a Lei 10.639/2003 e
seus desdobramentos, tais estudos possivelmente resultarão num trabalho de conclusão de curso,
por se acreditar que este é um campo profundo e necessário na Geografia, até mesmo para se
compreender melhor as visões de mundo que compõem o povo brasileiro e desmistificar a religião
afrobrasileira ainda tão estigmatizada enquanto demoníaca e sofredora de depredações físicas e
opressões sociais.
Levantar outras formas de conhecimento como metodologias possíveis para interpretação
dos fenômenos geográficos e refletir acerca do modo científico de produzir e validar conhecimentos
é compreender a diversidade da vida humana e de suas maneiras de explicar o mundo, os outros e a
si mesmo, na relação geográfica do Homem com a Natureza.
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